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SAÚDE MENTAL NOS CICLOS DA VIDA

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Sumário
NOSSA HISTÓRIA .......................................................................................... 2

INTRODUÇÃO................................................................................................. 3

CUIDADO EM SAÚDE MENTAL ..................................................................... 6

POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL .................................................. 9

SAÚDE MENTAL NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA ................................... 11

SAÚDE MENTAL NA VIDA ADULTA ............................................................ 18

SAÚDE MENTAL NO IDOSO ........................................................................ 20

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 24

REFERÊNCIAS ............................................................................................. 28

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários,


em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-
Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo
serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação
no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua.
Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que
constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de
publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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INTRODUÇÃO

A humanidade, desde os primórdios, tem dificuldade em lidar com as


diferenças e com as dissonâncias do senso e convivência comum. Na psiquiatria, o
tratamento da loucura por vezes foi baseado na intolerância frente aos
comportamentos dos doentes mentais tendo no cárcere dos indivíduos uma opção
para afugentar o diferente e proteger a sociedade.

Nas últimas décadas, os hospitais psiquiátricos deixaram de constituir a base


do sistema assistencial, cedendo terreno a uma rede de serviços extra hospitalares
de crescente complexidade, visando à desconstrução do modelo até então vigente. A
internação psiquiátrica tornou-se mais criteriosa, com períodos mais curtos de
hospitalização, favorecendo a consolidação de um modelo de atenção à saúde mental
mais integrado, dinâmico, aberto e de base comunitária.

Neste contexto, o paciente, sua família e os profissionais dos serviços


comunitários passam a ser, cada vez mais, os principais provedores de cuidados em
saúde mental. Exigindo articulação entre diversos serviços da rede de saúde em seus
diferentes níveis de atenção.

Porém, no Brasil, como em muitos outros países, esta rede de serviços ainda
está em desenvolvimento e, carece de ampliação da implantação de infraestrutura
extra hospitalar mais próxima ao cotidiano de seus clientes. Apesar desses avanços
a assistência ao doente mental ainda é marcada por um processo de sucessivas
internações, caracterizando um novo fenômeno conhecido como porta giratória. Isto
é, o doente alterna entre episódios agudos com internação e períodos de estabilidade
quando fica na comunidade.

A demanda de cuidado em saúde mental não se restringe apenas a minimizar


riscos de internação ou controlar sintomas. Atualmente, o cuidado envolve também
questões pessoais, sociais, emocionais e financeiras, relacionadas à convivência com
o adoecimento mental. Tal cuidado é cotidiano e envolve uma demanda de atenção
nem sempre prontamente assistida devido a inúmeras dificuldades vivenciadas tanto
pelos pacientes e seus familiares, quanto pelos profissionais e a sociedade em geral,
tais como: escassez de recursos, inadequação da assistência profissional,

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estigmatização, violação de direitos dos doentes, dificuldade de acesso a programas
profissionalizantes, etc.

Além disso, cabe ressaltar a notória complexidade do cuidado em saúde


mental, uma vez que, em muitos casos são necessários tratamentos poli-
medicamentosos, suporte terapêutico e ocupacional de longo prazo. Nesse sentido o
processo de assistência destes pacientes deve ser otimizado visando à reabilitação
e interação psicossocial.

Nesse sentido, a busca pela adequação da assistência ao cuidado em saúde


mental tem suscitado inúmeros questionamentos acerca da proposta de
desinstitucionalização, uma vez que esta proposta ainda não foi devidamente
consolidada pelo modelo de atenção proposto, gerando grande demanda aos
insuficientes serviços substitutivos de assistência caracteristicamente comunitária,
abordagens assistenciais equivocadas até a desassistência em alguns casos.

No Brasil, algumas das propostas da Política Nacional de Saúde Mental,


apoiada na lei 10.216/02, centram-se na qualificação, expansão e fortalecimento da
rede extra hospitalar de serviços com assistência humanizada, como: Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e
Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais (UPHG); inclusão das ações da saúde
mental na atenção básica e a reinserção social de pacientes longamente
institucionalizados na família e na comunidade, além da Reabilitação Psicossocial.

Esta Reabilitação consiste na utilização de múltiplas técnicas que visam


potencializar as habilidades desta população, melhorar a interação do doente mental
a sua rede social, garantir seus direitos como cidadão e sua adequação também aos
deveres que esta condição exige de maneira a confluir para uma melhor gestão do
cuidado em saúde mental.

Ou seja, o cuidado tem sido almejado, através da capacitação de todos os


sujeitos envolvidos nesse processo (pacientes, familiares, profissionais e sociedade),
a melhor compreender a doença mental, quebrando as barreiras ao cuidado digno
destas pessoas adoecidas, qualificação da assistência à saúde mental, restaurando
de acordo com os recursos disponíveis o potencial destes para vida autônoma em
sociedade. O que destaca o papel fundamental do cuidador:

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... pessoa, membro ou não da família, que, com ou sem remuneração, cuida
do doente ou dependente no exercício das suas atividades diárias, tais como
alimentação, higiene pessoal, medicação de rotina, acompanhamento aos
serviços de saúde e demais serviços requeridos no cotidiano - como a ida a
bancos ou farmácias, excluídas as técnicas ou procedimentos identificados
com profissões legalmente estabelecidas, particularmente na área da
enfermagem. (BRASIL, 1999)

Sendo portando, o cuidado em saúde mental decorrente de uma intrínseca


relação entre os serviços de saúde, seus profissionais, o paciente e sua família,
considerando as particularidades de cada contexto cultural, social e econômico.

Entendendo que, em muitos casos, este cuidador está inserido no núcleo


familiar destes pacientes é de suma importância conhecer melhor quem são estes
familiares cuidadores, parceiros da assistência em saúde mental. Pois, apesar do
aspecto positivo da promoção dos laços familiares e sociais, essa responsabilização,
muitas vezes, é marcada pela sobrecarga dos cuidadores, devido à falta de
orientação e de apoio necessários para o desempenho do papel que esses assumem
no dia-a-dia. Por isso, acreditamos que conhecer as características pessoais e
cotidianas dessa clientela pode fornecer importantes informações para o
planejamento mais humanizado, compartilhado e coletivo da assistência oferecida ao
cuidado em saúde mental.

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CUIDADO EM SAÚDE MENTAL

Alguns dicionários de filologia informam que a palavra “cuidado” origina- se de


cura, que se escrevia em latim coera, e era utilizada para descrever um contexto de
relações de amor e amizade marcadas por atitudes de atenção, desvelo e
preocupação com um objeto ou pessoa querida. Outros estudiosos derivam a palavra
“cuidado” de cogitare-cogitatus e de sua corruptela coyedar, coidar, cuidar, que tem
o mesmo significado de cura: pensar, colocar atenção, mostrar interesse, desvelo e
preocupação. Para Boff (2000, p. 91-92)

[...] o cuidado inclui duas significações básicas, intimamente ligadas entre si.
A primeira, a atitude de desvelo, de solicitude e de atenção para com o outro.
A segunda, de preocupação e de inquietação, porque a pessoa que tem
cuidado se sente envolvida e afetivamente ligada ao outro.

Neste sentido, entendemos que a palavra “cuidado” carrega duplo significado.

Cuidado, no sentido de alerta, o sinal vermelho do semáforo. Perigo de, na


relação com o outro, no movimento de sair de si mesmo, ir ao encontro do
outro, perder-se”. Um outro sentido desloca a palavra cuidado para a
maternagem, para o aconchego do colo, da relação amorosa/afetiva, do
acolhimento que, no geral, só um ser humano pode dispensar ao outro
(ROSA, 2001, p. 56).
O ato de cuidar adquire características diferentes em cada sociedade e é
determinado por fatores sociais, culturais e econômicos. Esses fatores vão definir os
valores e as condições em que se processa o ato cuidador.

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Podemos afirmar que cuidar é basicamente um ato criador, atento, perspicaz
às necessidades e singularidades de quem o demanda. O cuidado é único e é sempre
dirigido a alguém. Não existem fórmulas mágicas para o ato do cuidar e sim a
invenção, o jogo de cintura, a busca de possibilidades várias. No cuidar, avista-se o
outro.

A assistência a transtorno mental, em toda a sua história, sempre registrou a


impossibilidade da família de estar junto, conviver com o doente mental e cuidar dele.
Tratar do doente mental significou, durante décadas, o afastamento do convívio social
e familiar. Transformar, recriar as relações existentes entre a família, a sociedade e o
doente mental não é tarefa das mais fáceis. Existe o pronto, o universalmente aceito,
a delegação do cuidado a outrem, que revelam as incapacidades de lidar com a
loucura, de aceitar novos desafios e de se aventurar em caminhos não trilhados.

Existem, portanto, maneiras diferentes de entender o ato cuidador. Para


alguns, cuidar pressupõe somente a presença de uma instituição, ou seja, o hospital
psiquiátrico. Porém, para cuidar não precisamos isolar, retirar o sujeito de seu âmbito
familiar e social. O ato cuidador, em nosso entender, vai mais além. Ele faz emergir
a capacidade criadora existente em cada um, ressalta a disponibilidade em se lançar,
em criar novas maneiras de conviver com o outro em suas diferenças. Isso não
significa que no manejo da crise possamos prescindir de ajuda especializada e

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acesso aos serviços de saúde. Eles são, sem dúvida, o grande suporte que o familiar
necessita para poder cuidar.

Por outro lado, nos serviços de saúde o ato cuidador pode ser definido como
um:

Encontro intercessor entre um trabalhador de saúde e um usuário, no qual há


um jogo de necessidades/direitos. Neste jogo, o usuário se coloca como alguém que
busca uma intervenção que lhe permita recuperar, ou produzir, graus de autonomia
no seu modo de caminhar a sua vida. Coloca neste processo o seu mais importante
valor de uso, a sua vida, para ser trabalhada como um objeto carente de saúde
(MERHY, 1998, p. 4).

A forma como o serviço se organiza para responder às necessidades do


usuário está diretamente relacionada à sua qualidade. Saraceno (1999,p. 95) define
um serviço de alta qualidade como aquele “que se ocupa de todos os usuários que
a ele se referem e que oferece reabilitação a todos os usuários que dele possam se
beneficiar”.

Não podemos reduzir a amplitude de um serviço a um local físico e aos seus


profissionais, mas a toda a gama de oportunidades e lugares que favoreçam a
reabilitação do usuário. Um dos lugares privilegiados no intercâmbio com os serviços
é a comunidade e dela fazem parte a família, as associações, os sindicatos, as igrejas,
etc. A comunidade é, portanto, fonte de recursos humanos e materiais, lugar capaz
de produzir sentido e estimular as trocas.

As relações estratégicas mantidas entre o serviço e a comunidade podem ser


pautadas pela negação (a comunidade não existe), pela paranoia (a comunidade são
os inimigos que nos assediam), pela sedução e busca de consenso (a comunidade é
tudo aquilo e somente aquilo que me aceita da forma como sou e me aprova) e pela
interação/integração (a comunidade é uma realidade complexa e exprime interesses
contrastantes). Visto que a família é parte integrante da comunidade, o serviço
geralmente usa com a família as mesmas estratégias utilizadas com a comunidade.
Dessa maneira, a família pode se tornar não só a protagonista das estratégias de
cuidado e de reabilitação propostas pelo serviço, mas também uma protagonista
conflituosa dessas mesmas estratégias.

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A reabilitação psicossocial deve ser entendida como uma exigência ética, “um
processo de reconstrução, um exercício pleno da cidadania e, também, de plena
contratualidade nos três grandes cenários: habitat, rede social e trabalho com valor
social” (SARACENO, 1996, p. 16). Nesse processo, estão incluídas a valorização das
habilidades de cada indivíduo, as práticas terapêuticas que visam ao exercício da
cidadania, a postura dos profissionais, dos usuários, de familiares e da sociedade
perante o transtorno mental, as políticas de saúde mental transformadoras do modelo
hegemônico de assistência, a indignação diante das diretrizes sociais e técnicas que
norteiam a exclusão das minorias, dos diferentes. É, portanto, “uma atitude
estratégica, uma vontade política, uma modalidade compreensiva, complexa e
delicada de cuidados para pessoas vulneráveis aos modos de sociabilidade habituais”
(PITTA, 1996, p. 21).

POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL

A Política Nacional de Saúde Mental é uma ação do Governo Federal,


coordenada pelo Ministério da Saúde, que compreende as estratégias e diretrizes
adotadas pelo país para organizar a assistência às pessoas com necessidades de
tratamento e cuidados específicos em saúde mental. Abrange a atenção a pessoas
com necessidades relacionadas a transtornos mentais como depressão, ansiedade,
esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo etc, e
pessoas com quadro de uso nocivo e dependência de substâncias psicoativas, como
álcool, cocaína, crack e outras drogas.

O acolhimento dessas pessoas e seus familiares é uma estratégia de atenção


fundamental para a identificação das necessidades assistenciais, alívio do sofrimento
e planejamento de intervenções medicamentosas e terapêuticas, se e quando
necessárias, conforme cada caso. Os indivíduos em situações de crise podem ser
atendidos em qualquer serviço da Rede de Atenção Psicossocial, formada por várias
unidades com finalidades distintas, de forma integral e gratuita, pela rede pública de
saúde.

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Além das ações assistenciais, o Ministério da Saúde também atua ativamente
na prevenção de problemas relacionados a saúde mental e dependência química,
implementando, por exemplo, iniciativas para prevenção do suicídio, por meio de
convênio firmado com o Centro de Valorização da Vida (CVV), que permitiu a ligação
gratuita em todo o país.

As diretrizes e estratégias de atuação na área de assistência à saúde mental


no Brasil envolvem o Governo Federal, Estados e Municípios. Os principais
atendimentos em saúde mental são realizados nos Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS) que existem no país, onde o usuário recebe atendimento próximo da família
com assistência multiprofissional e cuidado terapêutico conforme o quadro de saúde
de cada paciente. Nesses locais também há possibilidade de acolhimento noturno
e/ou cuidado contínuo em situações de maior complexidade.

Os Ambulatórios Multiprofissionais de Saúde Mental são serviços compostos


por médico psiquiatra, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional,
fonoaudiólogo, enfermeiro e outros profissionais que atuam no tratamento de
pacientes que apresentam transtornos mentais. Esses serviços devem prestar
atendimento integrado e multiprofissional, por meio de consultas.

Funcionam em ambulatórios gerais e especializados, policlínicas e/ou em


ambulatórios de hospitais, ampliando o acesso à assistência em saúde mental para
pessoas de todas as faixas etárias com transtornos mentais mais prevalentes, mas
de gravidade moderada, como transtornos de humor, dependência química e
transtornos de ansiedade, atendendo às necessidades de complexidade
intermediária entre a atenção básica e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

A reabilitação psicossocial é compreendida como um conjunto de ações que


buscam o fortalecimento, a inclusão e o exercício de direitos de cidadania de
pacientes e familiares, mediante a criação e o desenvolvimento de iniciativas
articuladas com os recursos do território nos campos do trabalho, habitação,
educação, cultura, segurança e direitos humanos.

O que fazer pra ter uma sáude mental?

Praticar hábitos saudáveis e adotar um estilo de vida de qualidade, ajudam a


manter a saúde mental em dia.

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 Jamais se isole
 Consulte o médico regularmente
 Faça o tratamento terapêutico adequado
 Mantenha o físico e o intelectual ativos
 Pratique atividades físicas
 Tenha alimentação saudável
 Reforce os laços familiares e de amizades

SAÚDE MENTAL NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

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No que tange à incidência de transtornos mentais entre crianças e
adolescentes, dados epidemiológicos revelam, em todo o mundo, uma prevalência na
faixa de 10 a 20%, dos quais, entre 3 e 4%, há indicação de cuidados intensivos
(Brasil, 2005). Embora esses números revelem que os transtornos mentais acometem
não só adultos mas também crianças e adolescentes ressaltamos, outrossim, que
estão incluídos nesses números muitos diagnósticos de transtornos questionáveis
quanto a sua etimologia como doença. Nas palavras de Guarido (2010, p. 29).

Levando em conta as crianças, tem se produzido, atualmente, uma


multiplicidade de diagnósticos psicopatológicos e de terapêuticas que tendem a
simplificar as determinações dos sofrimentos ocorridos na infância. O que
reconhecemos como resultado desse tipo de prática é que um número cada vez maior
de crianças em idade cada vez mais precoce é medicado de forma a sanar os
sintomas das crianças, sem considerar o contexto no qual se apresentam.

Em que pese à legitimidade desse debate em torno dos diagnósticos que


envolvem as problemáticas infantis, não podemos negar a existência de transtornos
mentais entre o público infanto-juvenil e a necessidade de projetos de assistência
nessa área. Sobre isso, Delgado et al. afirmam que, no Brasil, é histórica a omissão
da saúde pública no direcionamento das políticas de saúde mental para a infância e
a adolescência (2007, p. 66). Essa, porém, é uma omissão que não se restringe ao
Brasil, conforme nos revela o Relatório sobre a Saúde no Mundo, divulgado pela
Organização Pan-Americana de Saúde e Organização Mundial de Saúde, em 2001,
cujos dados apontam que mais de 90% dos países não possuíam, até aquele
momento, políticas de saúde mental que incluíssem crianças e adolescentes.

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Enfim, dando um salto na História, atualmente, a estratégia de cuidado a
crianças e adolescentes portadores de transtornos mentais, preconizada pela OMS e
adotada por alguns países, baseia-se no modelo comunitário, realizado por equipes

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multiprofissionais. O Brasil, seguindo essa mesma tendência, vivencia o processo de
construção de uma rede comunitária de cuidados, na qual os Centros de Atenção
Psicossociais (CAPS) devem ocupar um papel estratégico no tratamento às pessoas
com transtornos mentais severos. No que tange à infância, essa modalidade de
serviço vem sendo discutida desde a I Conferência de Saúde Mental, realizada em
Brasília, em 1987 (Brasil, 1988), todavia, somente em 2001, na III Conferência de
Saúde Mental (Brasil, 2002a), encontramos uma alusão direta ao dispositivo CAPSi
– Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil, definido pelo Ministério da Saúde
como:

um serviço de atenção diária destinado ao atendimento de crianças e


adolescentes gravemente comprometidos psiquicamente. Estão incluídos
nessa categoria os portadores de autismo, psicoses, neuroses graves
(itálicos nossos) e todos aqueles que, por sua condição psíquica, estão
impossibilitados de manter ou estabelecer laços sociais (Brasil, 2004, p. 23)

Essa definição deixa claro qual deve ser a função de um CAPSi. Mas se, por
um lado, a existência de transtornos mentais na infância justifica a criação do CAPSi,
cuja finalidade é a de prestar assistência a essa população, por outro, observamos
uma demanda que, em geral, não se caracteriza como tal. Enunciamos essa
afirmação embasadas em um levantamento referente à clientela atendida pelo CAPSi
de um Município localizado no interior do Estado do Paraná, o qual tomamos como
objeto deste estudo. Os dados do levantamento, realizado entre julho e dezembro de
2008, apontaram que a demanda que envolvia problemas escolares representou
cerca de 60% dos acolhimentos. Tal constatação nos fez questionar se todos os
casos de crianças e adolescentes encaminhados a esse dispositivo por problemas
escolares corresponderiam àqueles definidos pelo Ministério da Saúde citados
anteriormente.

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A inclusão tardia da saúde mental infantil e juvenil na agenda das políticas de
saúde mental, nacional e internacionalmente, pode ser atribuída a diversos fatores.
Em primeiro lugar, à extensa e variada gama de problemas relacionados à saúde
mentaldainfância e adolescência, que incluem desde transtornos globais do
desenvolvimento (como o autismo) até outros ligados a fenômenos de externalização
(como transtornos de conduta, hiperatividade), internalização (depressão, transtornos
de ansiedade), uso abusivo de substâncias, e demais. Além da sintomatologia, há
considerável variação no período de incidência - alguns transtornos eclodem
nainfância e outros apenas na adolescência –, e nos tipos de prejuízos relacionados,
adicionando complexidade à avaliação diagnóstica e situacional. Nesta população, a
formulação de um diagnóstico de qualidade exige procedimentos de avaliação
específicos que incluem, além das próprias crianças e adolescentes, o recurso a
fontes deinformação diversas, como familiares, responsáveis, professores, e outros.

Um segundo fator, relacionado às dificuldades acima, diz respeito ao caráter


recente do conhecimento sistematizado sobre freqüência, persistência, prejuízo
funcional e conseqüências na vida adulta associadas aos transtornos mentais da
infância e adolescência. Mesmo considerando os avanços metodológicos ocorridos
na última década em relação às estratégias de definição e avaliação da severidade
nas patologias mentais infantis e juvenis grande parte dos países carece de estudos
rigorosos e abrangentes sobre o tema. Pesquisas epidemiológicas consistentes, que
considerem a especificidade de fatores regionais/culturais na proteção ou risco à

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saúde mental de crianças e jovens, ainda constituem um desafio a ser enfrentado em
diversos países do mundo.

Um terceiro aspecto é a inexistência até bem pouco tempo atrás, em todos os


países, de evidências empíricas de qualidade sobre a eficácia e a efetividade de
tratamentos para transtornos mentais infantis. Na última década, a ação
deintervenções terapêuticas vem sendo comprovada para condições debilitantes na
populaçãoinfantil e juvenil, assim como a efetividade de estratégias comunitárias,
psicossociais e familiares, particularmente em situações de risco. Entretanto, há ainda
um significativo hiato a ser recoberto quanto ao desenvolvimento de modalidades de
intervenção para o cuidado à saúde mental de crianças e adolescentes que sejam
aplicáveis a diferentes contextos.

Um quarto fator merece ser destacado na dificuldade de inclusão da saúde


mental infantil no campo da saúde pública: a particularidade do sistema de cuidado.
Este, especificamente no caso de crianças e adolescentes, frequentemente envolve
a atividade de vários setores autônomos em relação à saúde mental propriamente
dita, como os setores da saúde geral/atenção básica, educação, assistência social,
justiça e direitos. Esses setores tradicionalmente operam isolados uns dos outros,
mas todos provêem serviços ou agem de alguma forma sobre crianças e
adolescentes com problemas mentais.

O uso simultâneo de serviços de diferentes setores ocorre com freqüência.


Muitas vezes, o cuidado, especializado ou não, de problemas mentais em crianças e
adolescentes ocorre num único setor, vocacionado ou não a exercer este trabalho
específico. Por exemplo, não é incomum que crianças ou adolescentes com
problemas de conduta sejam atendidos exclusivamente pelo setor da justiça, sem
participação da saúde mental. Da mesma forma, não é raro que problemáticas ligadas
à depressão, hiperatividade e outras fiquem restritas ao contexto escolar e não
obtenham avaliação e cuidado mais qualificado pela saúde mental. Esta forma de uso
dos serviços revela ausência de racionalidade na oferta dos recursos e, na maioria
das vezes, resulta emimpropriedade ou subutilização do cuidado. Concorre ainda
para agravar a situação o fato de setores tão distintos terem limitada capacidade de
produzir informações para instrumentalizar os gestores da área de saúde mental na
construção de estratégias para melhoria da qualidade da assistência.

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Abordar a infância como processo histórico não é tarefa simples, pois implica
considerá-la como um fenômeno produzido e datado de um certo tempo e, de tal
modo, constituído de finitude.

Nesse sentido, Figueira (1985) afirma que nós, seres humanos, temos certa
tendência a considerar o mundo que nos rodeia como natural. Tendemos, por
exemplo, a considerar a infância, a adolescência, a maturidade, a velhice, enfim, a
divisão por faixas etárias como algo que sempre foi assim. Nesse sentido, não
vislumbramos a condição de transitoriedade dos fatos e passamos a não enxergá-los
como resultantes das ações dos homens, em cada período histórico.

Ao se referir à criança e, particularmente, à historicidade de sua condição


específica - a infância - Oliveira (1989), afirma: "Considerar a natureza social do
homem, no caso específico da criança, significa pensar a criança na relação com a
sociedade, com os bens e valores produzidos socialmente, com as novas
necessidades que se vão criando" (p. 74).

Portanto, pensar a infância como processo histórico é concebê-la - no bojo das


necessidades criadas - como fenômeno eminentemente social e dialético construído
em conseqüência de uma prática social, em um tempo configurado.

É sob esta ótica - da historicidade - que buscamos apreender alguns aspectos


inerentes ao surgimento do conceito de infância, colocando em discussão sua idéia
naturalizada, predominante em nossa sociedade.

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SAÚDE MENTAL NA VIDA ADULTA

A saúde mental representa hoje um dos principais desafios na agenda de


saúde, constituindo um ônus importante para os serviços públicos. “No Brasil,
principalmente, é urgente uma maior atenção para os primeiros anos de vida e da
adolescência, cujos transtornos podem acarretar prejuízos na vida social e escolar,
além de levar a um ciclo crônico de adversidades ao longo da vida.”

Segundo o Caderno de Saúde Pública, estima-se que 30% dos adultos em


todo o mundo atendam aos critérios de diagnóstico para qualquer transtorno mental,
e cerca de 80% daqueles que sofrem com transtornos mentais vivem em países de
baixa e média renda. “Um estudo sobre a carga global de doenças mostrou que,
mundialmente, os transtornos mentais respondem por 32,4% dos anos de vida vividos
com incapacidade.” No Brasil, acrescenta o estudo, estimativas recentes mostraram
que os transtornos depressivos e ansiosos respondem, respectivamente, pela quinta
e sexta causas de anos de vida vividos com incapacidade.

Um em cada quatro adultos já foi diagnosticado com algum tipo de transtorno


psicológico, mas, mesmo assim, um quinto das pessoas ainda pensa que algumas
das principais causas de distúrbios mentais são falta de autodisciplina e força de
vontade. Uma pesquisa conduzida pelo Centro Nacional de Pesquisa Social, da
Inglaterra, entrevistou 5 mil adultos sobre suas experiências e sobre sua saúde mental
e descobriu que 26% deles já haviam sido diagnosticados com transtornos
psicológicos. Outros 18% disseram já ter enfrentado um distúrbio, mas não foram
diagnosticados.

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Um em cada quatro adultos já foi diagnosticado com algum tipo de transtorno
psicológico, mas, mesmo assim, um quinto das pessoas ainda pensa que algumas
das principais causas de distúrbios mentais são falta de autodisciplina e força de
vontade. Uma pesquisa conduzida pelo Centro Nacional de Pesquisa Social, da
Inglaterra, entrevistou 5 mil adultos sobre suas experiências e sobre sua saúde mental
e descobriu que 26% deles já haviam sido diagnosticados com transtornos
psicológicos. Outros 18% disseram já ter enfrentado um distúrbio, mas não foram
diagnosticados.

A condição mais comum foi a depressão; 19% dos entrevistados afirmaram já


terem sido diagnosticados com o transtorno. Outros distúrbios comuns foram
ansiedade, diversos tipos de fobias e transtorno obsessivo-compulsivo. Cerca de 3%
dos entrevistados disseram ter sido diagnosticados com algum distúrbio considerado
grave pela pesquisa: transtorno bipolar, esquizofrenia e transtornos alimentares.

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Outra descoberta importante apontada pelos pesquisadores diz respeito ao
ambiente em que os entrevistados que foram diagnosticados com algum transtorno
psicológico cresceram. Os dados apontaram que 27% dos homens e 42% das
mulheres diagnosticadas crescerem em famílias das classes econômicas mais
baixas. Por outro lado, apenas 15% dos homens e 25% das mulheres diagnosticadas
cresceram em famílias de alto poder aquisitivo. Este padrão foi encontrado nas três
categorias pesquisadas (distúrbio mental, transtornos psicológicos graves e
dependência de droga ou álcool.

Apesar de tantas pessoas já terem enfrentado algum transtorno psicológico,


diagnosticado ou não, um em cada cinco entrevistados na pesquisa responderam “eu
não sei” quando perguntados se concordavam com a afirmação “A maior parte das
mulheres que foram pacientes em hospitais psiquiátricos pode ser boas babás”.
Outros 19% concordaram que “uma das maiores causas de transtornos mentais é
falta de autodisciplina e força de vontade”.

SAÚDE MENTAL NO IDOSO

É notório nas últimas décadas o crescimento da população com mais de 60


anos, principalmente nos países desenvolvidos. Entre 1970 e 2025, é esperado um
aumento de 223% de pessoas nessa faixa etária em todo o mundo e estima-se que
em 2050 haverá dois bilhões de pessoas idosas, com 80% delas vivendo nos países
mais ricos (World Health Organization, WHO, 2002). Contudo, o envelhecimento da
população não é mais uma característica apenas dos países abastados. A expectativa
de vida das pessoas vem aumentando rapidamente também em países em
desenvolvimento como o Brasil. É previsto que, até 2025, o Brasil seja o sexto país
com maior quantidade de idosos no mundo (WHO, 2002). Sendo assim, a revolução

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da longevidade, termo atualmente utilizado pelos meios de comunicação para discutir
o impacto desse fenômeno na saúde, qualidade de vida e economia mundial, requer
políticas sólidas e ações urgentes.

As discussões do Plano Internacional de Ação sobre o Envelhecimento (PIAE)


possibilitaram à WHO (2002) adotar o termo Envelhecimento Ativo para englobar a
visão da velhice como um processo natural do ciclo de vida que deve ser vivenciado
com autonomia, independência, reconhecimento de direitos, segurança, dignidade,
bemestar e saúde. Os fatores determinantes do envelhecimento ativo sofrem
influência cultural e de gênero e envolvem a integração de aspectos individuais,
econômicos, sociais, físicos, comportamentais, de serviços sociais e de saúde. As
características desses fatores são especificadas na figura abaixo:

No que se refere à saúde mental da pessoa idosa, a aquisição de um


envelhecimento ativo encontra desafios, principalmente em função de riscos como,
por exemplo, o sofrimento psíquico causado pela depressão. A depressão é
considerada pela literatura especializada um grave problema de saúde pública
(Muñoz, Cuijpers, Smit, Barrera & Leykin, 2010) e um fator de risco ao suicídio

21
(Minayo & Cavalcante, 2012). Com o intuito de chamar atenção da população mundial
para essa temática, em 10 de outubro de 2012, a depressão foi tema do dia mundial
da saúde mental promovido pela WHO (2012). Essa ação teve como finalidade
aumentar a consciência da sociedade para os cuidados com esse transtorno e
promover a discussão sobre alternativas e investimentos em ações de promoção,
prevenção e tratamento. A depressão é uma enfermidade que afeta cerca de 350
milhões de pessoas em todo mundo sendo as mulheres mais atingidas pela doença
do que os homens. Um milhão de pessoas se suicida a cada ano e grande parte delas
sofre de depressão severa.

O cenário se torna mais grave, pois o acesso à rede de cuidados é difícil na


maioria dos países. Em alguns lugares, menos de 10% das pessoas que sofrem de
depressão recebem tratamento (WHO, 2012). Esses dados têm exigido atenção e
esforços de gestores, pesquisadores e profissionais da área de saúde para a
implantação de ações que combatam esse mal e promovam o bem-estar da
população. Ademais, com o aumento acelerado nos índices de envelhecimento e as
vulnerabilidades decorrentes dessa época da vida, os idosos são caracterizados
como grupo populacional de risco acentuado para a depressão (Pot, Melenhorst,
Onrust & Bohlmeijer, 2008) e o suicídio (Minayo & Cavalcante, 2012; Pinto, Pires,
Silva & Assis, 2012).

22
Ao analisar 51 casos de suicídio de idosos em dez cidades brasileiras, por meio
de autópsias psicológicas, Minayo e Cavalcante (2012) concluíram que doenças
graves, transtornos mentais, depressão, conflitos familiares e conjugais formam as
principais causas de suicídio nessa época da vida. Sendo assim, nessa faixa etária,
os sintomas depressivos podem desencadear a crise suicida quando associado às
vulnerabilidades socioambientais, psicológicas, familiares e de saúde (Minayo &
Cavalcante, 2012; Barrero, 2012; Pinto et al., 2012). Como fatores de ordem social,
destaca-se a aposentadoria, isolamento social, atitude hostil e pejorativa da
sociedade e perda de prestígio pessoal.

O sentimento de solidão, inatividade, inutilidade, falta de projeto de vida e


tendência a reviver o passado refere-se aos fatores psicológicos. Entre os fatores
familiares está a perda dos entes queridos, a viuvez durante o primeiro ano, a
mudança forçada de domicílio e situações de desamparo. As enfermidades físicas
crônicas, terminais e incapacitantes como, por exemplo, Alzheimer e Parkinson, estão
relacionados ao comprometimento de saúde. Além disso, o abuso de álcool e outras
drogas também são fatores de risco de suicídio nessa fase da vida (Barrero, 2012).
Ao examinar esses fatores, que limitam o alcance de um envelhecimento ativo e
saudável, estudiosos dessa temática (Pinto et al., 2012; Pot et al., 2008) sinalizam a
importância de ações efetivas de prevenção e de promoção à saúde mental para
apoio a pessoa idosa de forma que estas se sintam úteis, ativas e integradas
socialmente.

No que se refere ao foco de intervenções de promoção à sáude mental de


idosos, destacamse, na literatura nacional e internacional, intervenções para o
empoderamento dessas pessoas a partir de encontros em grupos que têm como
intuito promover a valorização do envelhecer e a discussão de questões referentes à
logenvidade (Teixeira, 2002). Estudiosos dessa temática afirmam que uma
abordagem de empoderamento é uma perspectiva de autoeficácia e que esta pode
fomentar a participação do idoso nas decisões de saúde e promover resultados
positivos para a sua vida (Shearer et al., 2012).

Em uma revisão sistemática sobre intervenções de empoderamento para


pessoas idosas, Shearer et al. (2012) verificaram que as intervenções incluíam um
componente de educação para promover o empoderamento e aumentar o
conhecimento para a tomada de decisões em relação a problemas de saúde como

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diabetes, hipertensão. Como resultado das intervenções na saúde mental, os dados
dos estudos mostram que o empoderamento influenciou na redução da depressão e
ansiedade e fortaleceu a autoeficácia dos participantes (Shearer et al., 2012).

Intervenções nacionais de promoção à saúde mental em idosos têm


considerado o impacto positivo no uso de algumas práticas como Universidade Aberta
da Terceira Idade (UnATI) (Veras & Caldas, 2004), Terapia Comunitária (TC) ( Rocha
et al., 2009) e intervenções de Preparação Para Aposentadoria (PPA) (França, 2012;
Soares & Costa, 2011). A proposta da UnATI é promover autoestima, resgatar a
cidadania, incentivar a autonomia, o empoderamento e a busca de uma velhice bem-
sucedida (Veras & Caldas, 2004). Além disso, é um programa que possui relevância
social por possibilitar a inclusão do idoso na sociedade por meio do convívio com
outras gerações.

Quanto à TC, esta é analisada como uma estratégia coletiva com foco nas
histórias de vida pessoais que tem beneficiado grupos de idosos de baixo poder
aquisitivo, como demonstrado em estudo realizado por Rocha et al. (2009). Esses
pesquisadores adotaram a TC para investigar os problemas mais frequentes e as
estratégias de enfrentamento empregadas por um grupo de idosas de uma capital
brasileira. Os resultados apontam o estresse (medo da morte, perda do cônjuge,
angústia originada pelo desrespeito e mesnosprezo em razão da idade) como o
problema mais frequente, e a espiritualidade (fé e oração) como a estratégia de
fortalecimento mais utilizada por essas mulheres. De acordo com os autores, a TC
possibilitou o compartilhamendo dos sofrimentos, sentimentos de igualdade e o
processo de empoderamento e resiliência dos participantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista o histórico de práticas violentas que marcou o modelo


manicomial de tratamento às pessoas com transtornos mentais no Brasil, amplamente
combatidas pelo movimento da Reforma Psiquiátrica e a Luta Antimanicomial, as leis,
resoluções, normativas e demais marcos legais passaram a ter papel fundamental na
garantia de direitos e na proteção dos usuários.

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A Constituição Federal de 1988, um marco histórico e legal no que diz respeito
à garantia dos direitos humanos no Brasil, considera, em seu Art. 5º que todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, com a garantia de direito à
vida, à liberdade e à igualdade. O Art. 3º, inciso I, por sua vez, apresenta que um dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, é “construir uma sociedade
livre, justa e solidária”.

A Lei Federal nº 10.216/2001 dispõe especificamente sobre a proteção e os


direitos da pessoa com transtorno mental, afirmando a medida de internação como
excepcional e priorizando o cuidado em liberdade, territorial. A Lei elenca, em seu Art.
2º, os direitos das pessoas com transtornos mentais, tais como: ser tratada com
humanidade e respeito no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, proteção
contra qualquer forma de abuso e exploração, direito a informações sobre sua doença
e seu tratamento, direito a ter acesso aos meios de comunicação, entre vários outros.
Publicada treze anos depois da Constituição Federal e depois de 12 anos de
tramitação, a Lei atesta a necessidade de afirmar que os direitos fundamentais
proferidos na Carta Magna se prestam também às pessoas com transtornos mentais.
E, dezesseis anos após sua promulgação, trinta depois da Constituição, cá estamos
nós identificando novamente a necessidade de reafirmar esses direitos.

Após a aprovação da Lei 10.216/2001, novas portarias e resoluções passaram


a prever diretrizes e pontos de atenção em uma lógica de rede substitutiva, ou seja,
serviços que têm como objetivo possibilitar cuidado e tratamento no território,
reduzindo a indicação das internações.

Não é possível fazer cuidado em saúde mental de forma isolada, sem que o
usuário tenha clareza sobre o seu processo de tratamento, sem acolhimento, sem
que haja abordagem familiar e comunitária, sem que haja a compreensão do seu
modo de viver, sem a busca de novas práticas de intervenção visando o sucesso do
tratamento/acompanhamento. Não se pode cuidar da saúde pensando em um
indivíduo de forma isolada, mas deve-se considerar seu contexto territorial, familiar,
religioso, educacional, dentre outros. Cuidar não é sinônimo de tratar uma doença,
aproxima-se, outrossim, de acolher um sujeito; inclui aprender, reaprender, desafiar
a si mesmo para comunicar-se com alguém que não deve ser visto somente como
um paciente, mas como um sujeito desejante e portador de direitos que necessita de
um olhar integral para a sua vida e sua condição de saúde.

25
Especificamente quando falamos de cuidado em saúde mental, observamos
uma reação comum de incompreensão, preconceito, indiferença, medo e
afastamento. Esse olhar, entretanto, explicita a falta de reconhecimento de que há
naquele sintoma, naquela “crise”, naquele delírio, conteúdos da história daquela
pessoa, uma forma de expressão da vida e do sofrimento psíquico que a atravessa.
Nesse sentido, garantir cuidado em saúde mental é 256 garantir também o direito de
o sujeito existir com suas singularidades, limitações e potencialidades.

Uma das faces essenciais do cuidado em saúde mental segundo o paradigma


da Atenção Psicossocial é, portanto, a afirmação da cidadania; afirmação radical,
contra todas as formas de exclusão social.

Um dos grandes desafios que se interpõe a nós, profissionais de saúde, a fim


de efetivar o cuidado segundo essa lógica é encarar o manicômio em nós. Observar
a existência da outra face da Clausura de “manicômios mentais”. Manicômio mental
é uma racionalidade carcerária, que deseja aprisionar o outro (o louco), se não mais
entre muros de concreto, então entre muros simbólicos, entre regras impostas, em
rótulos. É a vontade em nós de aprisionar, diminuir, sufocar e o fazemos por vezes
de forma mascarada como ações bem-intencionadas: tutelando, infantilizando,
criando regras e protocolos rígidos que mais servem para manter assépticos,
fechados e por que não dizer cheios de tédio, nossos cotidianos.

A clínica da atenção psicossocial requer mudanças por vezes drásticas


justamente porque se iniciam em nós, nas nossas crenças e posturas, naquilo que
temos de mais cristalizado. É a clínica da aposta. E passa pelo investimento insistente
na transformação através do contato e da ampliação das formas de expressão do
desejo. Transformação de si, dos sujeitos atendidos e, por contágio e reverberação,
do meio social.

Não é uma clínica neutra, posto que implica tomar parte na fabricação de uma
outra maneira de viver, de estar no mundo, de ser louco. Implica combater – ainda
que esse combate se dê no espaço do encontro de dois, de um grupo terapêutico ou
no social – o sistema de crenças no qual verdades que aprisionam se amparam, para
que outras crenças e outras escolhas se tornem possíveis. Muitas vezes, para os
sujeitos que atendemos, a estratégia existencial possível tem sido tomar a situação
atual – ainda que sufocante – como dada, como uma fatalidade diante da qual nada

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se pode fazer, condenando-se, já que condenado, a um modo de vida que não
escolheu viver. Como nos diz a psicanalista Jô Gondar,

os indivíduos padecem sem fazer de suas dores uma questão sobre si


próprios ou o que os cerca, sofrem com a invasão de sensações e
sentimentos que não sabem nomear nem detectar porquê e de onde vêm,
dificilmente afirmam um desejo ou o endereçam a algo, e muitas vezes
respondem à invasão de afetos com passagens ao ato sem mediações ou
intervalos de elaboração. O existir é por eles experimentado como solidão e
desamparo diante de uma fatalidade inexorável, com a qual se confrontam
sem qualquer mediação: "é assim, e não há nada a fazer”. (GONDAR, 2006)

Ainda que esse pareça um modo de viver conforme em nossa sociedade atual,
as taxas crescentes de tentativa de suicídio, de autolesão, de demanda por serviços
de saúde mental por pessoas com queixas de depressão e ansiedade, ou ainda o
crescimento do uso desenfreado de drogas e de medicações psicotrópicas, nos
denuncia que algo vai mal, que as subjetividades padronizadas e o sufocamento do
desejo, em alguma medida, vem tornando impossível a existência dos sujeitos.

Até aqui, reafirmamos alguns direitos fundamentais e que, embora pareçam –


e devessem ser – óbvios, ainda são negados a várias pessoas com transtornos
mentais: direito de existir, de expressar suas singularidades, de ser acolhido como
sujeito integral em todas as suas necessidades, de estar no mundo como sujeito
desejante, de apoderar-se, enfim, dos direitos fundamentais garantidos a todos os
cidadãos.

Diante disso, cada atividade de um serviço de atenção psicossocial deve ter a


função terapêutica de ampliar a existência dos sujeitos, de conquista de autonomia e
cidadania, e esse viés deve estar presente em cada filigrana das ações desenvolvidas
em cada ponto de atenção. Não cabe aos serviços de saúde calar o sintoma e a crise,
mas buscar enxergar em cada uma dessas manifestações, uma forma de se
comunicar, brechas para o contato e, a partir daí, construir junto com o sujeito
estratégias para lidar com o que não cala e, quem sabe, criar outras vias de expressão
da subjetividade.

A liberdade é terapêutica, o contato cura, e a esperança é um imperativo ético


para a construção de possíveis.

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