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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS


PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
DISCIPLINA: Tópicos Especiais: Esquizoanálise e Processos de Subjetivação
Profa. Dra. Roberta Carvalho Romagnoli
Aluna: Bruna Coutinho Silva

ESTUDO DIRIGIDO III

TEXTO:

DELEUZE, Gilles & PARNET, Claire. Políticas. In: DELEUZE, Gilles & PARNET, Claire.
Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998, p. 145-170.

A proposta deleuziana ressalta que “as políticas”, título do texto, referem-se às


linhas presentes nos indivíduos e nos grupos, de forma imanente. Explique o
funcionamento dessas linhas e seus perigos.

Deleuze apresenta e caracteriza três tipos de linhas, que são traçadas sobre os planos
de força: sobre o plano de organização, operam as linhas segmentárias duras e as linhas
segmentárias flexíveis; sobre o plano de consistência, operam as linhas de fuga.
As linhas segmentárias duras são as que fixam, dividem, delimitam, determinam e
recortam. Elas funcionam por dicotomias binárias, que necessariamente levam a um
enquadramento ou recorte. Os segmentos são codificados por dispositivos de poder, que
delimitam seu território, sua ação, seu discurso. São sobrecodificados por uma maquinaria
abstrata que encontra no Estado sua efetuação, para regular os tipos de relações entre eles [os
segmentos]. Esse tipo de linha se realiza sobre um plano de organização, que não cessa de
buscar a forma, o uno, a integração “ideal”.
As linhas segmentárias flexíveis fazem passar fluxos moleculares, no entanto, ainda
nos segmentos. Permitem alguns saltos e mudanças, pequenos devires, dentro dos estratos.
As linhas de fuga, por sua vez, precedem as linhas segmentárias duras ou flexíveis.
São abstratas e procedem por movimentos de velocidade, lentidão. Operam como fissura nos
segmentos, promovendo rupturas radicais, que não vêm para ser oposições ou complementos
a dados segmentos, e sim pura diferença, devir. Se realizam sobre um plano de
consistência/imanência, sendo que as linhas funcionam por desterritorialização, devir, fluxos.
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Embora seja preciso realizar tal distinção mais precisa para compreendermos os
funcionamentos de cada linha, elas são imanentes no que diz respeito a como acontecem, na
sua relação com o tempo e o espaço, ou seja, não dependem de uma hierarquia para
ocorrerem. Ademais, estão contidas umas nas outras, se atravessam e estão emaranhadas.
Todas as linhas contêm seus perigos. Como afirma Deleuze (2008, p. 161, grifos do
autor): “A política é uma experimentação ativa, porque não se sabe de antemão o que vai
acontecer com uma linha. Fazer a linha passar, diz o contador, mas justamente pode-se fazê-la
passar em qualquer lugar”.
As linhas de segmentaridades dura podem nos enrijecer demasiadamente, nos recortar
sucessivamente, nos fechar em modos de viver, existir, relacionar sobrecodificados. Ao
mesmo tempo, é preciso considerar até que ponto conseguimos abrir mão das
segmentaridades, já que possuem profunda relação com nossa constituição (subjetiva, social,
relacional, biológica). Somos segmentarizados de todos os lados e precisamos manter alguns
estratos para não sermos tomados pelo caos do puro devir como destruição, como veremos.
As linhas de segmentaridades flexíveis estão sujeitas a reproduções a nível molecular
de totalitarismos, segregações. A intensidade com que são traçadas pode não ser suportável,
em dado momento, ter sido composta muito rapidamente, gerando um campo de destruição.
Deleuze (2008) fala do perigo da formação dos buracos negros, que sugam a vitalidade, o
devir, em nome de “revoluções”, da “comunidade”, do “bem-estar”, ou qualquer outra
expressão supostamente consistente, que poderia fazer passar fluxos moleculares inventivos.
Nesse sentido, há ainda como as segmentaridades dura e flexível se combinarem para o
agenciamento de forças reprodutivas a nível molecular, além do molar, o que aparece em
fenômenos como os microfascismos.
Por fim, as linhas de fuga também apresentam perigo: de sucumbirem à própria
abolição, fim, morte. Nesse sentido, traça-se um plano de consistência que se destrói, não se
sustenta. Por isso, “Antes de tudo, é preciso traçá-la [a linha de fuga], saber onde e como
traçá-la” (DELEUZE, 2008, p. 164). Do mesmo modo que é preciso construir para si um
corpo-sem-órgãos, ele não está pronto: é preciso que as conexões entre os fluxos que passam
se direcionem para a vida, para a potência criativa, para a produção de novos modos de
existir, pensar, sentir. É preciso atenção sobre as articulações entre os fluxos, suas
intensidades, o que os compõem e os modos como passam, com que fluem.

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