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Luiz Gonzaga de Carvalho As Religioes Do Mundo PDF
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Religiões do Mundo I
Introdução à Religião Comparada
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não existem as alfaces azuis”. Isso quer dizer que, na natureza, toda tendência
ou inclinação natural de um ser tem um fim próprio que é real e existente; se
esse fim não fosse existente, a natureza daquele animal seria incongruente com
a realidade, e aquele animal não existiria. Então os peixes respiram na água
porque existe água – se não existisse água, não se poderia pensar na existência
de peixes. Pois bem, a necessidade da religião surge justamente de algumas
necessidades humanas que estão presentes: o ser humano tem algumas
inclinações que não são satisfeitas por outras coisas. Essas necessidades
derivam fundamentalmente de três conceitos, que são possíveis para o ser
humano, e impossíveis para os outros animais. Por que os outros animais não
têm religião? Porque eles não têm os conceitos que tornam a religião necessária
para eles.
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núcleo espiritual, um órgão que é da mesma natureza que esse outro plano, e
que se esse órgão está ativo, ele percebe esse outro plano. Os budistas vão dizer:
“todos os seres vivos têm a natureza de Buda – ela só está adormecida”; Jesus
Cristo fala: “o reino dos Céus está dentro de vós”, e assim por diante. Todas elas
afirmam a existência de um órgão espiritual no ser humano, que ele tem que
desenvolver; desenvolvendo esse órgão, ele começa a perceber o outro plano tal
como ele é.
Uma coisa a qual teremos que nos acostumar no decorrer deste curso é
justamente aprender a interpretar os símbolos das religiões. Haverá uma aula
sobre Hinduísmo: teremos que entender os símbolos que os hindus usam para
falar do outro mundo; em seguida, os símbolos que os budistas usam, e assim
por diante.
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estado normal; quando ele volta ao estado normal, ele pára para pensar no que
ele viu. Podemos compará-lo ao sujeito que vê um acidente de carro: na hora
que ele vê, ele capta o que aconteceu, e depois ele senta e começa a pensar: “o
que aconteceu?” – agora ele vai expressar aquilo para ele mesmo. O pensamento
é distinto da percepção contemplativa que ele teve. Mas ele pode pensar de um
jeito tal que ele mesmo se confunde. Isso nunca aconteceu com vocês? Vocês
tiveram uma experiência, e quando vocês foram narrá-la, para vocês mesmos ou
para um outro, vocês se confundiram com o que aconteceu, por causa da sua
narrativa. Se isso acontece com eventos ou experiências que são terrestres, e que
são imediatamente compartilhadas por outros, muito mais isso acontece com
experiências de tipo místico: o sujeito teve a experiência mística, mas, na hora
que ele vai explicar para ele mesmo, ele esquece tudo, confunde tudo.
Então toda religião tem que dispor de uma doutrina formal que dê as
chaves explicativas básicas sobre em quê consiste essa experiência que você
teve. Essa doutrina é um instrumento para a inteligência discursiva.
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Aluno: um insight.
Por um lado, ele tem a doutrina para lhe explicar o que é aquilo; por
outro lado, quando ele não entende, ele tem uma outra qualidade, que é
justamente o senso do sagrado. O senso do sagrado consiste no seguinte: o
sujeito tem uma experiência desse tipo [mística]; depois que passou a
experiência, ele se confunde, especulando com a doutrina, ou conversando com
as pessoas, ou vivendo a vida, e aí entra em jogo o senso do sagrado: ele fala: “o
fato de eu estar confuso agora não invalida a minha experiência, só mostra que
eu mesmo não estou no nível da minha experiência.
Professor: exatamente. Resta para ele duas atitudes: falar: “ah, não,
aquilo lá foi só uma ilusão”, ou falar: “aquilo lá não foi uma ilusão; eu é que sou,
numa certa medida, uma ilusão, eu é que estou abaixo daquilo lá”. A doutrina e
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tal, vocês matam um carneiro, para que vocês se recordem disso, disso e disso;
para que vocês vivam a sua mansidão”.
Aluno: como que uma pessoa que não sabe que o carneiro se comporta
assim perante a morte capta esse símbolo?
Aluno: é a verbalização.
Professor: é a verbalização.
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aquilo”. Temos, no total, seis elementos que existem para manter o sujeito como
que ligado ao transcendente mesmo quando ele não está na experiência direta
do transcendente: o senso do sagrado e a doutrina, que se referem à
inteligência; a bondade e a beleza do rito, que se referem à vontade; e os
mandamentos positivos e negativos, que se referem aos sentimentos. Todas as
religiões têm mandamentos tanto positivos como negativos. Por exemplo, no
Islamismo: “faça cinco orações por dia” – esse é um mandamento positivo. “Não
mate” – esse é um mandamento negativo. Todas as religiões dizem para você
fazer algumas coisas, necessariamente, e não fazer outras, também
necessariamente. Os mandamentos, ao contrário do que costumamos pensar em
geral, não existem em princípio como restrições à vontade, mas como restrições
aos sentimentos. Às vezes temos o sentimento, por exemplo, de que só ao matar
determinada pessoa ficaremos felizes – às vezes é até um sentimento justo, mas
geralmente não é, e o fato é que o sentimento, por si, não diz se ele é justo ou
injusto.
Então esse será o critério pelo qual investigaremos cada uma das
religiões: primeiro, em que consiste, ou quais são as vias espirituais que a
religião oferece – isso se refere à lapidação da jóia, ou despertar do órgão
espiritual; segundo, qual é a doutrina dessa religião; terceiro, quais são os seus
ritos; quarto, quais são os seus mandamentos.
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aconteceu isso. Tudo que te acontece é um efeito do que você fez”. Se tomarmos
somente os conceitos isolados de graça e de karma, poderíamos dizer que não
há nenhuma ligação em comum entre Cristianismo e Budismo, porque um diz
que a realidade funciona na base da bondade divina, e o outro que a realidade
funciona na base de um sistema ordenado de causa e efeito. Não dá para
entender os dois conceitos se os tomarmos isoladamente. O que temos que
fazer? Temos que questionar: “por que existe o conceito de graça no
Cristianismo? Este conceito deriva de que componentes da doutrina, e o que ele
visa a explicar da realidade?”. Ou seja, eu terei que ligar este conceito com
vários outros conceitos doutrinais, para que eu o entenda. Depois terei que
tomar o conceito de karma no Budismo, e fazer a mesma coisa: “por que existe o
conceito de karma no Budismo? De que princípios da doutrina ele deriva? Qual
é a finalidade desse conceito no conjunto da doutrina?”. Aí veremos: “ah, o
conceito de karma é muito mais parecido com o conceito de graça do que eu
pensava”, porque eles têm funções doutrinais semelhantes. A comparação entre
as religiões nunca pode se dar por conceitos ou atos isolados. Uma religião fala
que deve haver monogamia, a outra fala que tem que haver poligamia; essa aqui
fala que não pode haver divórcio, aquela fala que pode haver divórcio. Se eu
pegar só o conceito isolado, eu nunca vou entender do quê que cada uma das
religiões está falando. Por quê? Porque a religião, como um conjunto, uma
totalidade, é exclusiva, é única – essa é uma característica de toda perfeição
terrestre. Como um fenômeno terrestre, como um evento que acontece na Terra,
a religião possui uma unicidade, e toda unicidade exclui outras unicidades. Por
exemplo: o sujeito tem R$100,00 no bolso, aí ele: “ou vou comer num bom
restaurante, ou vou pôr gasolina no meu carro” – cada uma dessas ações tem
um apelo, uma qualidade, uma positividade, mas uma exclui a outra. Se a
medida do sujeito é R$100,00, ou ele faz uma coisa ou faz outra. Não é que ele
faz essa porque aquela é ruim, ou faz aquela porque essa é ruim, mas sim
porque não dá pra fazer as duas. Um outro exemplo dessa exclusividade da
perfeição: uma excelente catedral é um péssimo lar; uma catedral perfeita,
maravilhosa, é uma casa horrível. A perfeição de catedral exclui a perfeição de
lar, e a perfeição de lar exclui a perfeição de catedral, e cada uma delas exclui a
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Os critérios para a comparação de uma religião com outra são esses quatro (são
os critérios intrínsecos): i) a via: como essa religião propõe conduzir o sujeito à
experiência do transcendente; ii) a doutrina e o senso do sagrado: como essa
religião ensina a inteligência humana; iii) os ritos: como essa religião educa a
vontade humana; iv) os mandamentos: como essa religião educa os sentimentos
humanos. É por isso que os mandamentos podem diferir de uma religião pra
outra. O que Deus quer, com um conjunto de mandamentos, não é que o sujeito
se comporte de determinado jeito, mas que ele conduza seus sentimentos a uma
determinada forma – e existem muitas maneiras de educar os sentimentos. Fora
isso, toda religião apresenta outros três tipos de prova da sua autenticidade.
Essas provas fundamentais são: a prova doutrinal; a prova do rito; a prova do
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Professor: não, milagre não é uma revelação, num sentido estrito, ele é
uma intervenção direta do transcendente, que como que salta as causas
segundas, ou as causas próximas. A idéia de revelação consiste no seguinte:
evidentemente, um sujeito que não possui uma experiência do transcendente
não pode alcançar essa experiência e, simultaneamente, desenvolver uma
doutrina perfeita, um conjunto de ritos e um corpo de mandamentos
perfeitamente coerentes, sozinho – ninguém consegue fazer isso. Então toda
religião dirá que ela se origina do próprio Absoluto, ou do plano do
transcendente, e não do plano terrestre; toda religião é uma iniciativa divina.
Uma religião que fala: “isso aqui foi fulano que inventou”, então isso não é uma
religião, é uma arte, ou um ofício, como qualquer outro. Toda religião vai falar:
“isso aqui foi Deus que deu”, “foi a natureza de Buda que trouxe”, e assim por
diante. Isso é indicado pelo fato de que mesmo as religiões de caráter histórico,
cujo começo histórico nós conhecemos, se originam em tempos não-históricos.
O Cristianismo, por exemplo, se originou há 2.000 anos, mas ele é, de certo
modo, uma continuação do Judaísmo, que começou há 3 mil e tantos anos atrás,
que é mais ou menos uma continuação da religião de Abraão, que nós não
sabemos quando começou. O Budismo é a mesma coisa: o Budismo começou há
mais ou menos 2.500 anos, mas ele é como que uma continuação ou
reinterpretação do Hinduísmo, que não sabemos quando começou. A origem
das religiões escapa do alcance do indivíduo humano – essa é outra
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característica. Por quê? Porque todas as religiões vão dizer: “isso aqui foi uma
iniciativa de um plano sobre o qual você [o ser humano] não intervém”. Todos
os fundadores de religiões dizem: “foi uma outra coisa que fez isso aqui”. Por
exemplo, o Cristo fala: “Eu vim para cumprir a vontade do Pai. O Pai não está
aqui do seu lado, você não está vendo-O; Ele pertence ao plano do
transcendente”; o profeta Muhammad, fundador do Islã, diz: “isto aqui, o
Corão, foi o anjo Gabriel que me disse, e que Deus disse pra ele, não é o que eu
estou pensando”; o Buda diz: “isto aqui evidentemente não é eu, porque eu
estou dizendo que não existe eu, então isso aqui evidentemente não é da minha
parte, porque não existe minha parte coisa nenhuma”. Todas as religiões vão
dizer que elas são uma iniciativa do transcendente.
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final – mas elas não são só isso, a doutrina é apenas um dos elementos das
religiões; os ritos e os mandamentos são elementos tão essenciais quanto a
doutrina, e, mais ainda: a ordenação desses três elementos à via, quer dizer, à
experiência mesma do transcendente, é a própria essência da religião.
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diferentes, e são tão coerentes, cada uma delas, que elas excluem a possibilidade
de ser a outra, que precisamos fazer esse esforço imaginativo – é porque elas são
universos estanques. Não existe sincretismo tão competente quanto cada uma
das religiões, em termos espirituais. Por isso é que temos que nos imaginar em
cada uma das situações. Se não fosse assim, se elas fossem todas iguais, seria
simples: na segunda-feira seríamos budistas, porque segunda-feira é o dia
sagrado dos budistas; no domingo somos cristãos, porque domingo é o dia
sagrado dos cristãos; no sábado seríamos judeus; na sexta-feira seríamos
muçulmanos, e assim por diante, e aí viveríamos num perpétuo fim-de-semana.
Se elas fossem a mesma coisa, poderíamos transformar essa postura
imaginativa numa postura vivencial, numa postura de vida, mas isso não é
possível. O que aconteceria se fizéssemos isso? Não seríamos nem budistas, nem
cristãos, nem muçulmanos, nem nada – ser um pouco de cada um significa não
ser nenhum. Ser um pouco gente, um pouco cavalo, um pouco alface, um pouco
pedra – você não é nenhum. Há coisas que não se pode misturar, senão na
imaginação; na imaginação eu posso imaginar um ser que é um pouco gente e
um pouco cavalo, e sai um centauro; eu imagino um outro que é um pouco gente
e um pouco alface, e sai o incrível Hulk. Misturar de verdade não é possível,
porque sairá uma péssima alface e uma péssima pessoa também. Mas para
entender as religiões não tem outro jeito. Isso é como a diferença entre entender
uma ciência e uma profissão derivada daquela ciência: por exemplo, eu quero
entender a ciência médica, ou a ciência física, ou a ciência da engenharia. Uma
coisa é entender a ciência, outra coisa é entender a profissão de engenheiro, ou a
profissão de médico, ou a profissão de físico. Para entender a profissão de
médico, é preciso se colocar imaginativamente na sua posição; já para entender
a ciência médica não – mas a ciência médica é só uma parte do que é ser
médico, não é o todo. Então podemos, sem nenhum exercício imaginativo, mas
com um exercício meramente lógico e dialético, entender as doutrinas das
religiões, mas não entender o que são as religiões – do mesmo modo que não
podemos entender as profissões desta maneira. Tanto é assim que um sujeito
pode ser perfeitamente competente numa área científica, ou artística, ou
técnica, e falar: “mas eu não sirvo para esta profissão, ela não bate comigo”. Do
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mesmo jeito você pode entender perfeitamente uma religião e falar: “não, mas
não é isso aí. Esta doutrina está certa, mas...”. Mas como você saberá se aquilo é
para você ou não? Só se você se colocar imaginativamente naquela situação. Isso
é também comparável à situação do sujeito que gosta de montanha e do que
gosta de praia: só a descrição, segundo as ciências da Geografia e da Geologia,
do que é montanha e do que é praia não gera nenhuma preferência por
montanha ou praia. Quando um sujeito prefere montanha, ele pode imaginar-se
na situação do outro que prefere praia, e entender por que o outro prefere
aquilo, mas ele não passa a preferir [praia]; ele só pode falar: “ah, tá, isso é mais
um negócio humano, isso também é possível para o ser humano, mas não é para
mim”.
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disso – basta tentar pular pela janela para conferir. São dois planos
completamente distintos: a imaginação é mais elástica do que a vivência
concreta, tanto que ela permite a concepção de seres que não existem
concretamente; mas, por mais elástica que seja a imaginação, ela nunca passará
sua elasticidade para a existência concreta: nunca transformaremos o mundo
concreto de acordo com a nossa imaginação, porque o mundo concreto tem
determinadas leis, e a imaginação tem outras. Quando tivermos aula, por
exemplo, de Hinduísmo, faremos de conta que não sabemos nada da nossa
religião, que não temos a nossa religião, mas que temos aquela religião que
estaremos estudando – vamos imaginativamente vivenciá-la, para entendê-la.
Depois, acabada a aula, nós desligamos a imaginação, e voltamos ao mundo
normal – pelo menos eu espero que vocês façam isso; espero que depois da aula
de Hinduísmo ninguém saia da aula com um manto laranja e raspe a cabeça,
mas sim que apenas entenda o que é ser aquilo. A religião é um modo de ser,
não apenas um modo de pensar: ela é um modo de existir como humano, e é por
isso que não basta pensar nos termos de uma religião para entendê-la. Em certo
sentido, a religião é o que separa os homens dos animais, porque a religião
existe justamente para preencher as necessidades que são causadas por esses
conceitos originais: Absoluto, justiça e morte, e esses conceitos são
exclusivamente humanos, então a religião é um traço, é uma característica
marcadamente humana. Qual é a religião de Deus? Deus não tem religião,
porque Ele não precisa se religar a Ele mesmo. A religião é uma característica
humana, então cada religião é um modo de ser ser humano, é um modo de ser.
Esse modo de ser inclui nele um modo de pensar, um modo de sentir, um modo
de querer, um modo de agir, mas ele não é cada uma dessas partes; ele é como a
seiva que flui para cada uma dessas partes, ou o sangue que flui para cada um
dos órgãos do corpo. Então teremos que, em cada religião, saborear a sua seiva,
para entendê-la. Uma religião também é isso: um sabor espiritual, cada uma
delas tem um sabor próprio, e eu tenho que experimentar aquilo, para saber do
quê que se trata. Excepcionalmente, num caso ou outro – muito raro –, esse ato
de saborear as diversas experiências das diversas religiões leva o sujeito a
descobrir que ele prefere uma religião que ele não conhecia – excepcionalmente
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acontece isso, mas normalmente não, normalmente isso faz o sujeito perceber,
novamente, o sabor da religião que ele já tinha, e que já estava escrita nele. As
conversões verdadeiras são muito mais raras do que pensamos.
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vivem direitinho, não tem como você saber como ela era – o esforço imaginativo
é muito grande. “Como é a religião asteca?”. Não tenho a menor idéia; não tem
mais ninguém que faz aquilo, então não sei se as informações chegam a respeito
dela são informações de pessoas que a cumpriam direito, ou de pessoas que a
distorceram. Já sobre o Islamismo, por exemplo, dá: há pessoas que o
distorcem, e pessoas que o praticam direito [atualmente]; sobre o Cristianismo
dá: há pessoas que praticam direito, e há pessoas que o distorcem – agora, quer
dizer, elas estão vivas. Se todo mundo já morreu – tanto as pessoas que
praticavam direito, quanto as pessoas que distorciam, já morreram –, como eu
vou saber como que era? Só pelas suas palavras? Só pelas palavras não dá,
porque a religião não é um modo de discurso, ela é um modo de viver, ela é um
modo de ser, então eu tenho que ver como são os cristãos, como são os
muçulmanos, como são os budistas, para eu entender aquela religião, senão não
tem como. Só é possível compreender religiões vivas – e, claro, é possível fazer
hipóteses acerca de religiões já mortas. Do mesmo jeito, eu posso comer um
bolo que existe hoje; o bolo que existiu na semana passada eu só posso imaginar
como era, mas eu nunca terei certeza, pois já foi comido.
Então é isso: a cada aula faremos de conta que somos daquela religião.
A primeira coisa que a nossa imaginação fará será: “um deus com cabeça de
elefante não é estranho, é normal, eu sempre vi isso no templo, todo dia, desde
que eu nasci” – é um esforço da imaginação. É como um muçulmano [para
entender o Cristianismo]: “você vai ao seu templo, aí você come um pão que é
Deus?” – isso é um esforço de imaginação que ele tem que fazer, porque isso é
muito estranho pra ele, mas, para ele entender o Cristianismo, ele tem que fazer
esse esforço imaginativo, senão ele não entenderá.
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