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ESTADO DE SÍTIO

 
Suspensão temporária de certas garantias constitucionais determinada pela necessidade
de defesa da ordem pública e em cuja vigência o Executivo assume poderes normalmente
atribuídos ao Legislativo e ao Judiciário. Foi instaurado em três oportunidades na história brasileira
do pós-1930: em outubro de 1930, imediatamente após a eclosão do movimento revolucionário
chefiado por Getúlio Vargas, em novembro de 1935, durante a fracassada Revolta Comunista, e em
novembro de 1955, no bojo da crise político-institucional que culminou na deposição de Carlos Luz
e sua substituição por Nereu Ramos na presidência da República.
 
A REVOLUÇÃO DE 1930
Em 1º de março de 1930, o candidato governista Júlio Prestes de Albuquerque foi eleito
presidente da República, devendo suceder a Washington Luís a partir do mês de novembro.
Entretanto, a Aliança Liberal — coligação oposicionista liderada por políticos de Minas Gerais, Rio
Grande do Sul e Paraíba —, vendo seus candidatos Getúlio Vargas e João Pessoa derrotados, não
aceitou os resultados oficiais do pleito, tachando-o de fraudulento. O assassinato de João Pessoa
no mês de julho precipitou os acontecimentos, e a idéia de se promover um levante armado contra
o governo, presente desde a derrota nas urnas, ganhou terreno entre os aliancistas, sendo
finalmente fixado o dia 3 de outubro de 1930 para o início da revolução.
No dia 4 de outubro, depois que o movimento iniciado na véspera já conquistara
importantes vitórias no Rio Grande do Sul, Paraíba e Minas Gerais, o presidente Washington Luís
obteve autorização do Congresso através da Lei nº 5.808 — para decretar estado de sítio no
Distrito Federal e nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba,
podendo estendê-lo ao resto do país caso a situação o exigisse. No dia seguinte, 5 de outubro,
lançando mão da prerrogativa constante do ato legislativo baixado na véspera, o presidente
instaurou o estado de sítio em todo o território nacional, por meio do Decreto nº 19.350, fixando
sua vigência até 31 de dezembro de 1930.
Em 24 de outubro, Washington Luís foi deposto por oficiais da alta hierarquia das forças
armadas, passando o Executivo às mãos de uma junta governativa composta pelos generais
Augusto Tasso Fragoso e João de Deus Mena Barreto e pelo contra-almirante José Isaías de
Noronha. Em 3 de novembro, a junta passou o governo a Getúlio Vargas, chefe do movimento
revolucionário vitorioso.
 
A REVOLTA COMUNISTA
A Revolta Comunista deflagrada no final de novembro de 1935 — mais exatamente nos
dias 23, 24 e 27, respectivamente em Natal, em Recife e no Rio de Janeiro —, desencadeou uma
violenta onda de repressão por parte do governo federal. Na noite do dia 25, quando a revolta já se
estendera à capital pernambucana, o presidente Getúlio Vargas pediu ao Congresso autorização
para “declarar em estado de sítio, durante 30 dias, o território nacional”. Os parlamentares da
oposição protestaram, afirmando que a extensão do estado de sítio a todo o país não se justificava,
visto que a revolta se limitava até então ao Rio Grande do Norte e a Pernambuco. Entretanto,
contando com uma sólida maioria governista, o Congresso aprovou o projeto presidencial por 172
votos contra 52. Em 26 de novembro, o Decreto nº 457 instaurou o estado de sítio em todo o país
pelo prazo de 30 dias. O decreto determinava que todas as pessoas que houvessem participado “na
insurreição extremista”, ou a respeito das quais o governo tivesse fortes suspeitas de que viessem
a participar nela, em qualquer ponto do território nacional”, seriam passíveis de detenção ou de
conservação em custódia.
No dia 16 de dezembro, o Decreto nº 501 suspendeu por dois dias — 17 e 18 daquele mês
— a vigência do estado de sítio, a fim de que a Câmara dos Deputados examinasse a proposta do
Executivo de emenda à Constituição de 1934. Aprovada em 18 de dezembro, a Emenda nº 1
estabeleceu que a Câmara dos Deputados, com o concurso do Senado, poderia autorizar o
presidente da República “a declarar a comoção intestina grave, com finalidades subversivas das
instituições políticas e sociais, equiparada ao estado de guerra em qualquer parte do território
nacional”.
Em 24 de dezembro, por meio do Decreto nº 532, o governo prorrogou por mais 90 dias o
estado de sítio, tendo obtido a autorização do Congresso para equipará-lo, caso fosse preciso e
conforme previa a Emenda nº 1, ao estado de guerra. A justificativa de Getúlio era de que “não
obstante as medidas preventivas e coercitivas empregadas pelas autoridades civis e militares,
permitidas pelo estado de sítio, força é confessar ainda não desistiram os extremistas de seu
propósito”.
O estado de guerra foi finalmente instaurado pelo Decreto nº 702, de 21 de março de
1936, quando expirava a vigência do estado de sítio. Ele conferia ao chefe de Estado poderes
extraordinários, só concedidos em tempo de guerra, e que normalmente seriam prerrogativas do
Legislativo.
 
O MOVIMENTO DO 11 DE NOVEMBRO
Novembro de 1955 talvez tenha sido um dos períodos de maior tensão político-militar da
história brasileira desde a queda do Estado Novo, em 1945. O Movimento do 11 de Novembro — o
chamado “contragolpe preventivo” — chefiado pelo ministro da Guerra demissionário, general
Henrique Teixeira Lott, afastou do poder o presidente em exercício Carlos Luz, colocando em seu
lugar o próximo na linha sucessória, o vice-presidente do Senado, Nereu Ramos. Lott e seus
partidários civis e militares justificaram a deposição de Luz, acusando-o de estar envolvido numa
ampla conspiração que pretendia impedir a posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart, eleitos
respectivamente presidente e vice-presidente da República no mês anterior.
Em memorando datado de 14 de novembro, os ministros militares nomeados por Nereu —
Henrique Lott, da Guerra, Vasco Alves Seco, da Aeronáutica, e Antônio Alves Câmara Júnior, da
Marinha — solicitaram ao presidente a instauração do estado de sítio sob a alegação de que a
ordem pública se encontrava ameaçada e eram necessárias “medidas não compatíveis com a
plenitude das garantias individuais vigentes”. Somente no dia 21 Nereu Ramos enviou o
documento dos ministros militares ao Congresso, solicitando sua votação em regime de urgência.
Ao mesmo tempo, num processo que se estendeu desse dia ao seguinte, os chefes militares,
apoiados por forte maioria parlamentar, impediram o retorno de João Café Filho — licenciado da
presidência da República por motivo de saúde — por considerá-lo igualmente comprometido com a
conspiração.
No dia 23, a instauração do estado de sítio foi aprovada pela Câmara dos Deputados por
178 votos contra 91, e no dia seguinte, pelo Senado, por 35 votos contra 16. No dia 25, o Decreto
nº 2.654 instaurou o estado de sítio em todo o país por 30 dias — prazo máximo previsto pela
Constituição —, determinando ainda que fosse nomeado um executor para zelar por sua vigência e
expedida uma regulamentação a respeito. No dia 28 de novembro, Lott dirigiu nota circular aos
comandantes das zonas e regiões militares, informando que as forças armadas estavam “unidas e
coesas, isentas de partidarismos e atentas em seus deveres, impedindo que a nação caminhe para
a anarquia ou para a ditadura”. Nessa ocasião, foi nomeado executor do estado de sítio, sem
prejuízo de suas funções de comandante da 1ª Região Militar, o general-de-divisão Antônio José de
Lima Câmara.
O estado de sítio foi prorrogado sucessivamente pelo Decreto nº 38.402, de 23 de
dezembro de 1955, pela Lei nº 2.706, de 10 de janeiro de 1956, e pela Lei nº 2.713, de 21 de janeiro
de 1956. Em 9 de fevereiro de 1956, já com Juscelino na presidência da República, o estado de sítio
foi suspenso, entrando em vigor a medida de suspensão no dia 15 daquele mês.
Sérgio Lamarão
 
 
FONTES: CARONE, E. República nova; COSTA, J. Marechal;  NAUD, L. Revista; Rev. Bras. Estudos
Pol. (7/64)

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