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Globalizacao Educacao PDF
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GLOBALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO
Idéias para um debate
Moacir Gadotti 1
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Veja-se, por exemplo, o documento “Estratégias setoriais do ano 2000” do Banco Mundial. Uma boa
discussão sobre esse documento foi feita num Seminário organizado pelo Grupo de Trabalho “Educação e
Sociedade” do CLACSO (Conselho Latino-americano de Ciências Sociais) em parceria com o Instituto
Paulo Freire e a FLACSO (Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais), em Buenos Aires, de 27 a
28 de outubro de 2000.
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Por isso o Banco Mundial prefere ser chamado de “BanKnowledge”, um Banco que oferece “soluções”
para todos os que têm problemas em todos os campos. Para cada problema apresentado pelos Ministros da
Educação o Banco oferece um menu de soluções, independentemente dos contextos. O Banco tem um
“catálogo” de cursos e os “tomadores de decisões”, folheiam esse catálogo e vão escolhendo seu produtor
de acordo com as necessidades: aspirinas paras as febres educativas, receitas para os “males da
educação”. O Banco Mundial está hoje menos interessado em emprestar dinheiro do que em vender
idéias (pacotes) e políticas.
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Hoje as Corporações multinacionais já trabalham com parâmetros “universais”, globais. As nações já
não tem mais autonomia para definir os seus parâmetros.
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“gerentes”6 já sabem o que é conhecimento, eles é que vão dizer ao “professor” o que
ele deve ensinar. Neste caso até um computador bem programado poderia fazer o que o
“professor” deve fazer. Não precisa de professor. Precisa de bons textos didáticos e de
computadores. A educação reduz-se ao acesso à informação, sem a interferência do
professor7.
6. Essa seria a “educação para todos”; já para as elites ela seria diferente. Para
as elites haveria necessidade de professores, para formá-los como “governantes”. Para
as classes populares que freqüentam a escola pública, que precisam apenas “ser
informados”, os professores serão cada vez menos necessários. Eles podem ser
substituídos, plenamente, e com vantagens, por computadores. A concepção neoliberal é
contra a autonomia das escolas públicas, contra a “Escola Cidadã”, mas não contra a
autonomia das escolas privadas. Porque o professor autônomo da escola pública forma
para valores cívicos, forma o “povo soberano”8. Não é apenas um cumpridor de ordens.
Para a concepção neoliberal, o professor da escola pública deve ser apenas um
repassador de informações.
7. Como deve ser o sistema de ensino? Na globalização capitalista o sistema de
ensino deve propor pacotes de ensino para serem “aplicados”, para as pessoas
aprenderem a resolver seus problemas. É para isso que servem as reformas propostas
de “cima para baixo” e de “dentro para fora”, já que não se trabalha com a sociedade
civil. E como a referência da educação neoliberal é o Mercado, não a cidadania, os
princípios que orientam as reformas neoliberais na América Latina estão muito mais
voltados para a compra de equipamentos. Não são projetos educativos em seu sentido
estrito.
Enfim, tudo isso está submetido a uma lógica, a lógica do mercado. Como se
deseja tudo privatizar, para ele as reformas visam à diminuir os gastos com educação,
para que a “sociedade” (Mercado) assuma esse serviço. O mesmo aconteceria com a
cultura que, agora “mercantilizada” e “digitalizada” passaria para o controle do
mercado. A tendência da mercantilização da educação vai muito além do tema da
educação e da cultura. No limite essa concepção nos levaria a uma nova “governação”.
As empresas passariam não só a comprar e vender conhecimento em suas indústrias,
não só criariam suas próprias universidades (McDonalds, IBM, Motorola...), como
também buscariam no mercado os “melhores” profissionais para gerenciar setores
importantes do Estado ou até mesmo o próprio Estado (não haveria mais necessidade de
consulta popular; ela seria feita através de testes e concorrências “públicas”). Teríamos
apenas governantes profissionais.
Estou me referindo apenas aqui à concepção e a algumas conseqüências da
globalização capitalista no campo da educação que atinge não só os países
“subalternos”. A reação, como o mostra o Fórum Mundial de Educação está a
caminho com a sua “Plataforma de lutas em defesa da educação pública”. Essa
plataforma defende o caráter público da educação como direito subjetivo e não como
serviço ou mercadora e busca fortalecer os Estados locais e a autonomia em rede
(autonomia solidária, coletiva) das escolas. Governar não é só administrar. É possibilitar
uma redistribuição da riqueza. A alternativa não pode ser só setorial. A educação não
pode ser o primeiro passo do desenvolvimento, não vem antes nem depois, vem junto. A
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Já não se trabalha mais com “diretores” de escola mais com “gerentes” que não dispõem de formação
educacional.
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Muitas vezes eu me pergunto porque a palavra “pedagogia” das línguas neolatinas é traduzida em inglês
por “Education” ou “Teaching”, com sentido completamente diferente. A pedagogia não existe como área
de trabalho no campo da educação neoliberal. Ela aparece como “Learning”.
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José Tamarit. Educar o soberano: crítica ao iluminismo pedagógico de ontem e de hoje. São Paulo,
Cortez/IPF, 1996.
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Podemos dizer que a “formação continuada em serviço” proposta pela nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação do Brasil de 1996, representou uma conquista do magistério, mas a maioria dos sistemas de
ensino oferece mais cursos de treinamento e de receitas educacionais ou uma “pedagogia de auto-ajuda”
do que uma verdadeira formação
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é o próprio universo, por que é ele nosso primeiro educador. Essa primeira educação é
uma educação emocional que nos coloca diante do mistério do universo, na intimidade
com ele, produzindo a emoção de nos sentirmos parte desse sagrado ser vivo e em
evolução permanente.
Estamos diante do crescimento incessante e paralelo entre a miséria e a
tecnologia: somos uma espécie de sucesso no campo tecnológico, mas muito mal
sucedida no governo do humano. Vivemos na era da informação, mas não do
conhecimento e da comunicação. As tecnologias da comunicação não significam
comunicação humana. Temos necessidade, por isso, de uma “esfera pública cidadã”
(Jürgen Habermas), uma esfera pública de decisão não-estatal; precisamos, como diz
Adela Cortina, de uma “ética pública cívica”, fundada numa sociedade pluralista (por
exemplo: respeitar respostas distintas a perguntas sobre a vida, isto é, praticar o
pluralismo ético); na convivência autêntica (“viver juntos e não apenas justapor-se”); na
construção coletiva (“tarefa a realizar permanentemente pois os pontos de convergência
não são automáticos”) e no descobrimento mútuo e no diálogo (“buscar o que temos em
comum”).
BIBLIOGRAFIA CRÍTICA
LOUREIRO, Isabel, José Corrêa Leite e Maria Elisa Cevasco (orgs.). O espírito de
Porto Alegre, São Paulo, Paz e Terra, 2003.
SANTOS, Boaventura Souza. A globalização e as ciências sociais. São Paulo, Cortez,
2002.
SANTOS, Milton. “O professor como intelectual na sociedade contemporânea”. In
Anais do IX ENDIPE- Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, vo.
III, São Paulo, 1999.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal. São Paulo, Record, 2000.
TAMARIT, José. Educar o soberano: crítica ao iluminismo pedagógico de ontem e de
hoje. São Paulo, Cortez/IPF, 1996.
TORRES, Carlos Alberto. Democracy, Education, and Multiculturalism: dilemmas of
Citizenship in a Global World. New York, Rowman & Littlefield, 1998.
TORRES, Carlos Alberto and Nicholas C. Burbules. Globalization and education:
critical perspectives. New York, Routledge, 2000.