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Teologia Das Virtudes Asceticas
Teologia Das Virtudes Asceticas
1ª Edição - Volume I
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Direitos da Autora
Bibliografia.
Capa: The Visitation de Juan Correa De Vivar-1539 † 1552. The Museum Del Prado
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"Nada te perturbes,
nada te amedrontes,
tudo passa [...] a paciência, tudo alcança.
A quem tem Deus nada falta,
só Deus basta".
(Santa Teresa D'Ávila)
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Àquele que me criou e me deu a vida,
Este mesmo que também me sustenta.
E ao que me foi dado, como graça maior
que o merecimento, por este mesmo
Deus e Senhor, a quem hei de amar por
toda minha vida, que será construída
ao seu lado: Carlos Eduardo Maculan.
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Índice
Introdução
Vamos Também Nós, para Morrermos com Ele.................................................10
Capítulo I
Das Virtudes Ascéticas: A Humildade...............................................................12
Capítulo II
Das Virtudes Ascéticas: A Castidade................................................................17
Capítulo III
Das Virtudes Ascéticas: A Diligência .............................................................. 25
Capítulo IV
Das Virtudes Ascéticas: A Mansidão ............................................................... 31
Informações .................................................................................................. 39
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Prefácio
Desejo nestas linhas dialogar com várias pessoas, das quais ousarei furtar
algumas palavras de extrema inteligência e ardor amoroso. Cinco séculos antes
de Cristo algumas respostas já foram oferecidas sobre o tema; surge o platonismo
que entende as virtudes como propriedade do “ser”, e uma vez realizadas,
consumam a excelência ou perfeição; já no século IV a.C, o aristotelismo as
coloca como a busca do equilíbrio, o caminho do meio, sendo a justa medida na
experiência dos afetos, em oposição a paixões extremas e descontroladas.
Epicuristas (séculos IV e III a.C) as colocam com meras capacidades estratégicas
nas quais se intensificam os prazeres. Mas e a resposta cristã, o que nos oferece?
Santo Agostinho de Hipona foi além. Ele mesmo tão sedento de uma vida regrada
em substituição aos exageros de uma existência sem Deus, compreendeu as
mesmas como essência e finalidade suprema do espírito humano através da
disposição do amor. Eis o centro: o amor, amor para com Deus que ama sem
medidas. Na tradição do Carmelo, Santo Agostinho de Hipona oferece a chave que
abre a porta da alma, avançando no conceito que os filósofos pré-cristãos
criaram, e pela graça de Deus os místicos carmelitas souberam entender o brado
da alma; é esse amor que com ousadia devemos praticar.
As virtudes nos direcionam para o reto uso dos sentidos, o caminho pelo
qual chegamos ao Pai eterno, que em Suas criaturas mostra a Realeza. Com
divinas mercês, o Senhor auxilia nossa natureza decaída para que cumpramos
nosso dever de liberdade para com Ele. O que nos pede Deus mais que a
obediência enquanto prova cabal de amor? Santa Tereza D’ávila aponta um norte
relevantíssimo: “Vivo já fora de mim, depois que morro de amor, porque vivo no
Senhor, que me quis para Si”. Amar é o verbo a ser conjugado, o “Eros” deve ser
direcionado para o “Ágape” para que o primeiro não se perca em si, e, como
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moribundo, fique lançado pelo caminho para servir apenas ao pisoteio daqueles
que buscam o sentido pleno da existência.
O que dizer ao Pai quando pelo Cristo e no amor do Espírito Santo formos
julgados na tardança da vida, no dizeres do próprio João de sobrenome Cruz?
Com viver tão doce chaga? O Santo nos traz a tríplice presença da Trindade em
nossas vidas; a primeira é a presença natural se dá pela essência, ou seja, se faz
presente em todos os seres humanos, tanto nas almas boas e santas, como nas
almas más e adeptas pertinazes do pecado, bem como presente em todas as
criaturas; a Trindade nos habita pela presença do Pai, que escolhe seus seres
para gravar Sua imagem e semelhança; o Primeiro da Trindade, o Criador de
todas as coisas nas quais Ele Se revela o Abbá de Cristo. A segunda é espiritual e
tornada concreta pela graça divina, assim, Deus, como pelo Filho, em nós Se faz
habitante da lama e mesmo assim mostra-Se satisfeito com tal habitar, pois não
cessa de dispensar graças e mais graças para que, ainda incapacitados e sem
méritos, possamos no fim de nossas vidas presenciar a transformação da graça
em Glória Divina; tal como o Pai, na segunda presença, Cristo apresenta ao
mundo pela Igreja, Corpo Místico do Senhor e sacramento contínuo da salvação,
o meio eficiente para a subida ao Calvário Espiritual no qual nos consumaremos
nos méritos da Segunda e Divina Pessoa Trinitária. Por fim, a terceira presença,
que é a efetiva, onde Deus, vendo as almas sofrentes, dispensa suas consolações,
mercês, deleites e alegrias com o operar do Espírito Santo, o Amor entre Pai e
Filho que elege a alma como Morada e Castelo. Então, resume o Santo da Cruz:
“Como amado no amante um no outro residia, e esse amor que os une, no mesmo
coincidia com o de um e com o de outro em igualdade e valia”. A igualdade na
dignidade e honra transporta a mente das palavras de São João para as palavras
de Santa Tereza, que evidenciam a presença de Jesus Cristo no mundo: “Em tudo
me sujeito ao que professa a Santa Igreja Católica Romana, em cuja fé vivo, afirmo
viver e prometo viver e morrer”.
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Com agradabilíssimo afeto que até no nome se diminuía, a doce Terezinha, da
Sagrada Face e do Menino Jesus dirá de si mesma: “mais indigna serva da
realeza divina”. Tal era corriqueiro viver Deus em sua vida, que a Santinha fala
de Deus no inclinar que Ele mesmo realiza para vir ao socorro das almas. A
Santa de Lisieux contou na história de uma alma,] a sua própria alma, que é, na
verdade, a história de todas as almas: “... Se abaixando, Deus mostra Sua
grandeza infinita. Assim como o sol ilumina os cedros e cada florzinha, como se
somente ela existisse sobre a terra, da mesma forma Deus cuida pessoalmente de
cada alma, como se não existisse outra além dela. E assim como na natureza
todas as estações estão de tal modo organizadas que no momento certo se abre
até a mais humilde margarida, da mesma forma tudo concorre para o bem de cada
alma”.
Amar: eis a proposta, e eis o que “Teologia das Virtudes Ascéticas” nos
emana, pois, com singular maestria, usando dos doutores do Carmelo, dos
doutores da fé, dos Santos Padres, de abalizados mestres, Izabel Filippi narra
nesse volume, a epopéia da alma que deseja voltar para o seio do qual ela veio: a
Trindade. A autora, com a qual, por divina graça, tenho a honra de dividir a
existência na busca do amor entre homem e mulher que deve ser imitação do
Amor Divino, à semelhança do Pai, e propriamente o Amor esponsal entre Cristo
e Sua Esposa, narra as linhas mestras, os modos, os anseios da vida que não se
conforma em ser “sair do nada e voltar para o nada”. Há um sentido, no qual
chegaremos pelas virtudes e na negação dos vícios.
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Introdução
Vamos Também Nós,
para Morrermos com Ele
Ao homem, seja em qual tempo viva, foi dada uma certeza: Deus o criou
para a felicidade. Não uma felicidade qualquer, incapaz de preencher-nos por
completo, mas uma felicidade plena; esta é a vida em abundância, prometida por
Cristo e esperada por todos aqueles que n’Ele crêem.
O descontentamento que muitas vezes sentimos, seja com a dor sem culpa,
as injustiças do mundo, ou as cruzes carregadas, não é desprovido de sentido.
Não fomos criados para padecer, mas pelo pecado caímos e quebramos nossa
união com Deus. Enquanto não encontramos Aquele para quem fomos criados,
nosso coração está inquieto e não repousa.
Para nos livrar desta queda original, que seria nossa eterna condenação,
Deus enviou seu Filho único para nos salvar. A vinda de Cristo, sua encarnação,
vida, paixão, morte e ressurreição, deu-nos a possibilidade de restituir a união
com o Criador. Através do batismo, a graça santificante se apossa de nosso ser e
nos tornamos templos do Espírito Santo.
Mas ao homem não basta receber esta graça. É preciso cuidá-la e mantê-la,
pois corremos constantemente o risco de cair, e com nossos pecados perdemos
novamente a união que tão amorosamente Nosso Senhor nos concedeu, uma
nova aliança selada com o sangue derramado pelo Cordeiro. O pecado mortal,
assim como já se enuncia, leva-nos à morte porque desviamo-nos de Deus,
destruindo toda caridade contida em nosso coração. Esta morte, entretanto, pode
ser evitada através de outra, a qual incessantemente devemos buscar. Para
encontrarmos a vida – a verdadeira vida – teremos de morrer para nós mesmos,
para o mundo e para o pecado, e assim renasceremos em Deus. “Em verdade, em
verdade vos digo: se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica só; se morrer,
produz muito fruto” (Jo 12,24). Deste aparente paradoxo, o cristão encontra seu
caminho, que será o mesmo de Cristo, morto na Cruz por amor dos homens, mas
ressuscitado três dias depois, para a glória de Deus.
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pode saciar nossa sede definitivamente. Não é tal qual a água lamacenta que
muitas vezes o mundo nos oferece com suas aparentes alegrias que, despidas de
sua máscara, são na verdade causa de morte, mas água que nos faz viver e
torna-nos, também a nós, fonte de vida. A Boa Nova que Cristo trouxe não ficou
apenas num momento da história, deve se fazer presente em nossas vidas. “O
Evangelho não é apenas uma comunicação de realidades que se podem saber,
mas uma comunicação que gera fatos e muda a vida” (Sua Santidade o Papa
Bento XVI, Carta Encíclica Spe Salvi). A pergunta que ressoa constantemente é:
estamos dispostos a assumir esta mudança que a Verdade nos exige?
Este combate se estende para todo gesto e detalhe da vida humana. Não, o
homem não foi criado ao acaso, há Alguém que o ama e o quer junto de Si, que
inscreveu em nosso coração uma lei que nos leva até Ele, e nos faz ansiar por
Sua presença. Corresponderemos ao amor deste que, ainda que Se bastasse por
completo, nos criou, e ainda que não tivesse culpa alguma se fez homem e
morreu para nos salvar, se formos dóceis ao seu constante chamado,
renunciando tudo quanto O ofende, que é também aquilo que nos destrói.
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Capítulo I
Das Virtudes Ascéticas: A Humildade
Cristo, Aquele que detém todo poder, honra e glória, fez-se pequeno, viveu
entre os homens, humilhou-se, foi pregado à cruz entre malfeitores. Diante dos
olhos humanos não voltados a Deus seria apenas mais um fracasso. Entretanto
foi assim que venceu o pecado, da morte trouxe-nos à vida. Se Deus, a quem
tudo devemos, assim procedeu, quanto mais toda a humanidade está obrigada a
reconhecer-se tal qual é, dependente de seu Senhor.
Certamente há coisas boas no homem, mas a admiração por elas deve ser
dirigida a Deus, uma vez que é Ele que nos concede todas as graças, dons e
talentos que porventura tenhamos. Lembremos o que o próprio Jesus disse: "Sem
mim nada podeis fazer" (Jo 15,5). De que adiantará cultivar as demais virtudes,
não tendo em si humildade para mantê-las? "Porém, temos este tesouro em vasos
de barro, para que transpareça claramente que este poder extraordinário provém
de Deus e não de nós" (2 Cor 4,7). Se não permanecermos com Deus este vaso
facilmente se quebrará. Devemos, portanto, reconhecê-Lo como fonte de todas as
graças, de quem não podemos nos separar se quisermos conservá-las e nutri-las:
é d'Ele o poder de dar e tirar.
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A confiança em Jesus Cristo nos levará até sua Casta Esposa, a Igreja. A
Ela devemos nos curvar, pois detém toda Verdade. Cristo-Cabeça a conduz e nós,
bons filhos, devemos amá-La e submetermo-nos a Ela. No Romano Pontífice
encontra-se o fundamento visível desta Igreja, e também a ele devemos total
obediência, pois sendo sucessor de Pedro recebeu as chaves dos Céus, tendo
autoridade infalível. Negar a Igreja, o Papa, e tudo que deles provém, é negar o
próprio Cristo. Quem prefere a si ante a Verdade não pode ser considerado, pois,
humilde.
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das dificuldades que encontrará no caminho, e por isso mesmo jamais desanima,
colocando sua esperança no Senhor. Sabe de suas misérias, e são elas que
podem o levar a anunciar as maravilhas do Reino de Deus, porque Ele é Bom e
Misericordioso, nos acolhe e perdoa sempre que acorremos a Ele de coração
contrito.
As graças recebidas, para o humilde, não são para proveito próprio, mas
para a glória de Deus que se mostra Pai amoroso e misericordioso. Entende que
tudo quanto lhe foi dado é por vontade divina. O Senhor, ao encontrar alma
humilde, vazia de si mesma e, portanto, tão bem disposta a recebê-Lo, deseja
enche-la com sua graça e aí se delicia. Assim, nos lembram as Escrituras, que o
Senhor "resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes" (1Pe 5,5). Se nos
surge a dúvida de como proceder para sermos humildes, Cristo antecipou-se
vindo em nosso auxílio, dando Ele mesmo, através de sua vida e morte, uma
resposta: “Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou
manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas” (Mt
11,29).
Desta forma deu-nos Cristo, com seu próprio exemplo, ânimo para abraçar
a vida cotidiana. Não precisamos de grandes posições ou cargos para servir a
Deus, podemos fazê-lo no seio de nossa família, na vulgaridade de nosso
trabalho. Assim também Cristo, durante sua vida oculta, mostrou-nos que é
possível fazer do ordinário algo extraordinário quando feito para Deus, e
colocando sentido sobrenatural nas atividades rotineiras, que também podem nos
levar a Cristo se feitas com amor. “Uma missão sempre atual e heróica para um
cristão comum: realizar de maneira santa os mais diversos afazeres, mesmo
aqueles que parecem mais indiferentes” (ESCRIVÁ, Josemaria: Sulco. São Paulo:
Quadrante, 2005. p. 168, Ponto 496). Nosso Senhor não chamava a glória para sí
(Cf. Jo 8,50), tudo o que fazia era para glorificar o Pai e tudo quanto fala é em
nome d'Aquele que O enviou. Quando quiseram fazê-Lo rei – um rei, entretanto,
aos moldes do mundo, e não rei de suas vidas - fugiu. Os sacrifícios não os fez
por Ele mesmo, mas pelo Pai e pela humanidade, esquecendo-se de Si. Quão
sublime exemplo deixado!
Por fim, Jesus morre numa Cruz, carrega o peso dos pecados de toda a
humanidade ainda que n'Ele não houvesse pecado algum. Pedia ao Pai que
perdoasse os que O injuriavam, enquanto seu sangue era derramado por nossas
culpas. Sua doação foi total; seu sacrifício, perfeito. Nós, que facilmente nos
achamos imerecedores de sofrimentos e humilhações, pensemos no Cristo que
nada mereceu. Só assim alcançaremos a verdadeira humildade, reconhecendo
nossa atual condição e suportando os padecimentos junto d’Ele. Aceitar
privações, suportar as dificuldades, injúrias e humilhações por amor a Deus é
grande prática de humildade. A alma humilde “não se inquieta do que possam
14
dela pensar; sofre, quando a louvam, e preferiria mil afrontas a um só louvor, visto
aqueles se fundarem na verdade e este na mentira” (TANQUEREY, Adolph: A Vida
Espiritual Explicada e Comentada. Anápolis: Aliança Missionária Eucarística
Mariana, 2007., p. 587).
Deus nos perdoa sempre que nos colocamos diante d'Ele com coração
contrito e buscamos, através da Confissão, reconciliarmo-nos com Ele. O próprio
sacramento da reconciliação é um profundo ato de humildade, pois nos
reconhecemos pecadores diante de um homem, diante da Igreja e diante de Deus.
Neste mesmo sentido, a Igreja nos ensina que a humildade é uma virtude
essencial na oração. É na oração que nos colocamos diante de Deus, sendo a
humildade o fundamento e disposição para receber o dom da oração. "Por meio
desta virtude o Senhor se deixa render a tudo quanto dele queremos" (D’ÁVILA,
Santa Teresa: Castelo Interior ou Moradas. São Paulo: Paulus, 2005. p.84).
Cristo deu-nos Ele mesmo o exemplo. Mas deu-nos também uma nobre
criatura, Aquela que está acima de toda outra. Santa Maria, quando o anjo lhe
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apareceu anunciando o nascimento de seu Senhor através dela, não duvidou,
não impôs barreiras, apenas perguntou ao anjo como isso aconteceria. Mesmo
sabendo tudo que deveria suportar, ela diz: "Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se
em mim segundo a tua palavra" (Lc 1, 28). Ainda que fosse a mãe de Deus, fez-se
a menor de todas, fez-se serva, ocultou-se, suportou a espada que transpassou
sua alma aos pés da Cruz... E por isso Deus a amou tanto e coroou-a Rainha e
Senhora nossa. "Maria devia realmente ser inimiga da serpente, já que Lúcifer foi
soberbo, ingrato e desobediente, enquanto que ela foi humilde, grata e obediente"
(LIGÓRIO, Santo Afonso Maria: A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, Vol. II).
Que possamos, por fim, dizer junto ao salmista: "Não a nós, Senhor, não a nós,
mas ao vosso nome dai glória, por amor de vossa misericórdia e fidelidade" (Sl
113, 9).
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Capítulo II
Das Virtudes Ascéticas: A Castidade
“Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos muito amados” (Ef 5,1), é o que
pede São Paulo nas Sagradas Escrituras. O mesmo afirma a Igreja, com seu
Magistério infalível: “todo batizado é chamado à castidade. O cristão ‘se vestiu de
Cristo’, modelo de toda castidade. Todos os fiéis de Cristo são chamados a levar
uma vida casta segundo seu específico estado de vida. No momento do Batismo, o
cristão se comprometeu a viver sua afetividade na castidade” (Catecismo da Igreja
Católica, 2348). Somos, portanto, chamados a ser como Cristo. É este o convite
que Ele nos faz ao dizer “sede santos, porque eu sou santo” (1Pe 1,16).
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castidade sem domínio do próprio corpo e dos sentidos: a alma deve dominar o
corpo, jamais o contrário.
O apoio de Deus não faltará a ninguém que estiver disposto a tudo entregar
por Sua causa, e não há causa maior que agradar a Deus. A humildade, como
companheira da castidade, nos leva a desconfiar de nós mesmos e a confiar que
somente com a ajuda de Deus seremos castos. Sabendo de nossas fraquezas,
recorremos mais agilmente ao auxílio divino. Aos que já pecaram gravemente
contra a castidade, a desconfiança é necessária para que não sucumbam
novamente. Aos que conservam a inocência, é também importante para que se
fortaleçam mais através da luta, uma vez que ninguém pode dar-se por seguro.
Não é necessário, no entanto, temer a tentação, pois assim mais a atrairíamos.
Muito nos ajuda sabermos que com Deus estamos seguros.
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apenas não consentir, busca afastar tais coisas, imediata e energicamente, não
permitindo qualquer coisa que possa deslustrar o brilho desta virtude. Já no
terceiro, adquirido após muita prática do amor de Deus, domina-se os
pensamentos e sentidos a tal ponto que se pode falar sobre questões relativas à
castidade aberta e serenamente, com grande paz. Por fim, à alguns poucos
santos, por privilégio especial, é concedido não terem qualquer movimento
desordenado. Por estes devemos dar glória ao Senhor, que manifesta sua
grandeza e bondade com estas graças especiais dadas a poucos.
Muitos, entretanto, são levados por Deus a abrirem mão deste bem que é o
matrimônio por algo muito maior. São aqueles que “se fizeram eunucos por amor
do Reino dos céus” (Mt 19,12). Neste sentido, continua o Papa Paulo VI na
Encíclica acima citada: “Mas Cristo, Mediador dum Testamento mais excelente (Hb
8,6), abriu também novo caminho, em que a criatura humana, unindo-se total e
diretamente ao Senhor e preocupada apenas com Ele e com as coisas que lhe
dizem respeito (1Cor 7,33-35), manifesta de maneira mais clara e completa a
realidade profundamente inovadora do Novo Testamento”.
Faz-se necessário ter em mente que esta virtude não consiste somente em
usar moderadamente dos prazeres sensuais, quando ordenados aos seus fins
naturais, ou em abster-se deles por amor de Deus. Há também a castidade
espiritual, cuja matéria consiste da união espiritual da alma com aquilo que lhe
dá prazer. Esta castidade metafórica nos priva da união com tudo quanto é ilícito
e nos aproxima de Deus, que é Aquele em excelência com o qual devemos nos
unir. Assim diz Santo Tomás de Aquino:
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O Modo Mais Perfeito de Viver a Castidade
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Assim, o dom da procriação não é vital ao ser humano, não constituindo
uma necessidade. A perfeita castidade abstém-se deste dom, vivendo a perpétua
continência, tendo em vista ocupar-se mais do bem divino. E nisso auxilia a
constante educação do corpo, para que tenha somente o necessário e nunca
atraiçoe, como meio para exercitar o controle de si e poder viver fielmente neste
estado.
Desta santa virgindade, foi guardião fiel seu castíssimo esposo São José, do
qual se afirma: “a castidade do esposo haveria de receber igualmente o que
produzira a castidade da esposa”, “à piedade e caridade de José foi dado um
filho, o nascido da Virgem Maria, o mesmo que é Filho de Deus” (AGOSTINHO,
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Santo: Sermão 51 em A virgem Maria - Cem Textos Marianos Com Comentários.
São Paulo: Paulus, 1997. p. 73 e 74).
A união entre o homem e a mulher foi desde o início fundada por Deus:
“Por isso o homem deixa o seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher; e já não
são mais que uma só carne” (Gn 2,24). O amor conjugal a que ambos são
chamados é imagem do Amor Absoluto, que é Deus. Se este amor é imitação da
Perfeição Divina, a união conjugal não pode ser senão santa e sagrada. Não fosse
o Matrimônio um bem, Cristo jamais o teria elevado à dignidade sacramental.
Este sacramento “santifica a união legítima do homem e da mulher e lhes confere
as graças necessárias para cumprirem seus deveres de estado” (Boulenger, A:
Doutrina Catholica – Terceira Parte. Rio de Janeiro; São Paulo: F.A.P. Azevedo,
1927. p. 190). Deus quis com esta união fazer o ser humano participante de seu
poder criador. Os esposos cooperam na transmissão da vida como na educação
dos filhos com o amor de Deus criador.
Tendo dito Jesus que “quem repudia sua mulher e se casa com outra,
comete adultério contra a primeira. E se a mulher repudia o marido e se casa com
outro, comete adultério” (Mc 10,11-12), as “leis da Igreja” sobre a indissolubilidade
do matrimônio são apenas seguimento do mandamento que Ele próprio deixou. A
Igreja não se isenta diante da realidade, e vê com zelo, como Mãe protetora que é,
aqueles que, por motivos diversos, acabam por divorciar-se. Estas pessoas não
têm porque achar que, com isso, nunca mais serão felizes. A felicidade não
dependerá do matrimônio em si mesmo, mas sim de fazer a vontade de Deus em
suas vidas. Cada qual em seu estado, se permanecer com Cristo, encontrará a
verdadeira felicidade.
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Já desde jovens e ainda sem o compromisso do casamento selado, aqueles
que têm a vocação matrimonial são exortados a viver a castidade, que antes do
matrimônio se dará na continência, e a respeitar este sacramento. Sobre isso são
de muito proveito as palavras do Santo Padre, o Papa Bento XVI, quando se
encontrou com os jovens no Brasil. Disse-lhes: “Tende, sobretudo, um grande
respeito pela instituição do Sacramento do Matrimônio. Não poderá haver
verdadeira felicidade nos lares se, ao mesmo tempo, não houver fidelidade entre
os esposos. O matrimônio é uma instituição de direito natural, que foi elevado por
Cristo à dignidade de Sacramento; é um grande dom que Deus fez à humanidade.
Respeitai-o, venerai-o. Ao mesmo tempo, Deus vos chama a respeitar-vos também
no namoro e no noivado, pois a vida conjugal que, por disposição divina, está
destinada aos casados é somente fonte de felicidade e de paz na medida em que
souberdes fazer da castidade, dentro e fora do matrimônio, um baluarte das
vossas esperanças futuras. [...] Requer espírito de sacrifício e de renúncia por um
bem maior, que é precisamente o amor de Deus sobre todas as coisas. Procurai
resistir com fortaleza às insídias do mal existente em muitos ambientes, que vos
leva a uma vida dissoluta, paradoxalmente vazia, ao fazer perder o bem precioso
da vossa liberdade e da vossa verdadeira felicidade. O amor verdadeiro procurará
sempre mais a felicidade do outro, preocupar-se-á cada vez mais dele, doar-se-á e
desejará existir para o outro e, por isso, será sempre mais fiel, indissolúvel e
fecundo”.
Assim sendo, todo ato que vise por vias artificiais impedir o fim procriativo
do ato conjugal, é grave ofensa a Deus, por desvirtuar o fim primordial desta
união, impresso pelo próprio Deus desde a criação, que é a geração de filhos. Aos
esposos é apenas lícito espaçar o nascimento dos filhos por justa causa, o que se
dará somente através dos meios naturais que dispõem. Isso exigirá, certas vezes,
períodos de continência, não deixando um pesado fardo apenas sobre um dos
23
cônjuges. Exige cumplicidade, amor e respeito, fortalecendo os laços do
matrimônio, que não se resumem ao ato sexual, “o que não conseguirá senão
quem houver tomado o hábito de subordinar o prazer ao dever e de buscar na
recepção freqüente dos sacramentos remédio para os apetites violentos da
concupiscência” (TANQUEREY, Adolph: A Vida Espiritual Explicada e Comentada.
Anápolis: Aliança Missionária Eucarística Mariana, 2007. p. 571)
Tudo isso se resume nas palavras de São Paulo, ao dizer que a relação
entre os esposos deve ser como a de Cristo com sua Igreja (Cf. Ef 5, 22-30). Que
as mulheres se submetam aos seus maridos, não numa relação de escravidão,
mas de confiança e amor, tal qual a Igreja se submete a Cristo. E que o marido se
entregue por sua esposa, e a ame como Cristo amou a Igreja.
24
Capítulo III
Das Virtudes Ascéticas: A Diligência
Diligência, para muitas pessoas, é uma palavra que soa estranha aos
ouvidos. Pode ser pouco corriqueira em nosso vocabulário, mas deve estar
constantemente presente em nosso pensar e agir. Ser diligente é, acima de tudo,
amar, pois quem ama deseja contentar o Amado. Como cristãos, somos diligentes
quando nos entregamos a Deus e tudo fazemos por amor a Ele. Certamente,
faremos estas boas obras com esmero, buscando que fiquem bem acabadas.
Ainda que não entreguemos diretamente todos nossos pensamentos e obras a
Cristo, a Ele pertencerão na mesma medida que nós pertencermos a Ele, e isso se
demonstrará no empenho que colocamos em agradá-Lo. Além disso, cada
momento de nossa vida, se estamos junto de Nosso Senhor, tem um objetivo
maior, que está atrelado à eternidade; nesta busca pelo eterno encontramos a
ligação de tudo quanto aqui fazemos com o nosso objetivo final, que é o Cristo
Ressuscitado, e estas coisas ganham novo sentido: não mais as fazemos em vão,
mas as utilizamos como meio para alcançar os Céus.
Quem assume sua condição de filho muito amado por Deus busca viver,
através de cada gesto, a virtude da diligência. Não quer cumprir seu dever com
desleixo e deixá-lo mal feito, mas coloca nele amor e assim dá seu melhor para
que seja finalizado com esmero. Sabe das suas limitações e não se desespera por
elas, antes coloca em Deus sua confiança, sabendo que fazendo tudo quanto
pode, Deus não lhe falta. “Embora Deus aja como queira, quando queira, e com os
instrumentos que queira, ordinariamente Ele se utiliza da colaboração livre e
responsável dos homens para realizar os seus desígnios. E, mesmo que o homem
seja um ser tão limitado em suas possibilidades, pode conseguir coisas
verdadeiramente inimagináveis, quando vive e trabalha por Deus e unido a Ele”
(MACIEL, Pe. Marcial: Carta Tempo e Eternidade).
O repouso foi mandamento de Deus que, Ele mesmo, conforme nos conta o
livro de Gênesis, tendo trabalhado na criação do mundo, descansou ao fim.
Porém, assim como seria um absurdo dizer que Deus ficou ocioso em seu
repouso, devemos nós ter em mente que descansar não é ficar inativo e inerte.
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“Quem se entrega a trabalhar por Cristo não há de ter um momento livre, porque o
descanso não é não fazer nada; é distrair-se em atividades que exigem menos
esforço” (ESCRIVÁ, São Josemaria: Caminho. São Paulo: Quadrante, 1999. p.
122, ponto 357). Este mesmo Santo, ao explicar o que é a pobreza de espírito à
qual estamos obrigados se quisermos entrar no Reino dos Céus, fala-nos que ela
deve existir sempre junto ao serviço: “É, além disso, saber ter o dia todo
preenchido com um horário elástico onde não faltem como tempo principal — além
das normas diárias de piedade — o devido descanso, a reunião familiar, a leitura,
os momentos dedicados a um gosto artístico, à literatura ou a outra distração
nobre, enchendo as horas com uma atividade útil, fazendo as coisas o melhor
possível, vivendo os pormenores de ordem, de pontualidade, de bom-humor. Numa
palavra: encontrando ocasião para servir os outros e para si mesmo, sem esquecer
que todos os homens, todas as mulheres — e não apenas os materialmente pobres
— têm obrigação de trabalhar. A riqueza, a situação de desafogo econômico é um
sinal de que se tem mais obrigação de sentir a responsabilidade pela sociedade
inteira” (ESCRIVÁ, São Josemaria: Questões atuais do Cristianismo. Ponto 111).
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Como nossa auxiliar, a consciência sempre está insistentemente a nos
pedir que assumamos as nossas responsabilidades. Por mais que a vontade,
ainda doente, queira fazer-nos permanecer inertes, sabemos qual nosso dever e
precisamos esforçar-nos para colocá-lo em prática. É necessário educar esta
vontade, pois a vitória de dará a cada tarefa, individualmente, a qual nos
decidirmos com firmeza a empreender com solicitude. A luta contra a negligência
não pode ser descurada sequer nas pequenas coisas, pois quem é fiel no pouco,
Deus lhe confiará muito mais (Cf. Mt 25,21). Se a prática da diligência não
começar nos pequenos detalhes, jamais chegará esta virtude a desabrochar em
nós e tornar-se viva. Assim, pouco a pouco, com a prática do amor de Deus, e já
avançando na virtude da diligência, procuremos nós mesmos o serviço, a fim de
melhor dedicar-nos ao Senhor por seu intermédio.
Mas não devemos nos entristecer se, muitas vezes, não encontramos gozo
em fazer coisas para Deus. Os atos de amor não têm em vista nós mesmos, mas
Aquele a quem oferecemos estes atos, ou seja, Sua Majestade, Senhor nosso.
Nosso amor também se demonstra na persistência em cumprir nossos deveres,
ainda que muito nos custem. Deus, que tudo sabe, verá nosso esforço e, estes
dias passados aqui em terra árida, a duras penas, nos servirão para o deleite do
Céu.
27
A errônea concepção de que trabalhar, por si só, foi um castigo de Deus aos
homens, pode nos trazer um peso desnecessário às nossas tarefas corriqueiras. A
verdade é que, mesmo antes do pecado original, já estava ao encargo do homem
trabalhar (Cf. Gn 2,15). O homem, por natureza, precisa aperfeiçoar as faculdade
com que Deus o dotou, já que não tem a perfeição divina. E a única forma de
fazer isso é colocando-as em operação, cultivando-as, e este foi o mandamento de
Deus desde o princípio da criação. Verdade é que não havia ainda o cansaço pelo
labor – este veio após a queda do homem. Mas a dificuldade deu-nos também a
luta, através da qual, se a ela nos aplicamos com diligência, nos santificamos.
“Nenhum atleta será coroado, se não tiver lutado segundo as regras. É preciso
que o lavrador trabalhe antes com afinco, se quer boa colheita” (2Tm 2,5-6).
28
de um lugar agradável e deleitoso, para contentar o Senhor; querem que lhes
venham à boca e ao coração os sabores divinos, sem darem um passo na
mortificação e renúncia de qualquer de seus gostos, consolações ou quereres
inúteis. Tais pessoas, porém, jamais acharão a Deus, por mais que chamem a
grandes vozes, até que se resolvam a sair de si para o buscar. Assim o procurava
a Esposa nos Cantares, e não o achou enquanto não saiu a buscá-Lo, como diz
por estas palavras: ‘Durante a noite no meu leito busquei Aquele a quem ama a
minha alma; busquei-o e não O achei. Levantar-me-ei e rodarei a cidade; buscarei
pelas ruas e praças públicas Aquele a quem ama a minha alma’ (Ct 3,1-2). E
depois de haver sofrido alguns trabalhos, diz então que o achou” (CRUZ, São
João: Cânticos Espirituais. Fortaleza: Edições Shalom, 2003. p. 44). Com amor,
portanto, não haverá lugar para a preguiça. Sabemos que cada gesto feito por
amor, unido aos méritos da Cruz de Cristo, terá um imenso valor, e é isso que
lhes dá sentido.
Muitas vezes o amor por Deus é tão grande que nossas ânsias são como as
de São Paulo: “Para mim, viver é Cristo, e morrer, um lucro. Desejaria partir e estar
com Cristo, pois seria muitíssimo melhor” (Fl 1,21;23). Mas, assim como este santo
bispo da Igreja, se amamos deveras a Cristo padeceremos pacientemente esta dor
de amor por querer estar logo junto do Amado, continuando nossa luta cotidiana
com os pés no chão, mas os olhos e pensamentos voltados aos Céus. Isso
fazemos quando damos sentido sobrenatural a todas as coisas, sejam elas as
mais simples de cada dia ou os acontecimentos mais nobres de nossas vidas,
tornando mais fácil cumprir tudo com alegria, ainda que nos custe, pois aí as
tarefas passam a ser empreendidas não mais por si mesmas, mas por um fim
infinitamente maior: o Amor.
Portanto, o zelo com que realizamos nossas obras tem em vista agradar a
Deus, não aos homens. A humildade, companheira de todas as virtudes, no fará
sermos solícitos sem desejar reconhecimento dos homens. O serviço é visto por
Deus ainda que oculto aos olhos humanos. Assim procedeu Santa Maria, que se
dedicou a seu Filho – seu e nosso Senhor – sem que ninguém a visse, sem
qualquer exaltação pública enquanto esteve junto de nós. Já na glória eterna do
Pai, foi elevada acima de toda criatura. Ela, serva e escrava de Deus, pois “aquele
que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado” (Mt 23,12).
Se nos faltam forças para seguir em frente com ânimo e ardor, podemos
mirar nossa Mãe e Rainha, pensando como agiu Maria enquanto esteve neste
mundo. Ainda tão jovem, ao ser visitada pelo anjo, não hesitou no seu sim a
Deus. Sabia, com certeza, que esta opção lhe custaria o empenho de toda uma
29
vida; não desconhecia as muitas dificuldades que passaria. Mas, respondendo
prontamente ao chamado, pôs-se a serviço. Já carregando o Filho de Deus em
seu ventre imaculado, empreendeu longa caminhada para chegar à casa de sua
prima, Santa Isabel, a quem auxiliou por três meses. E, indo mais a fundo,
imaginamos todas as palavras que não nos foram escritas, mas que certamente
fizeram parte de sua vida; quanto carinho e dedicação não concedeu a cada
detalhe da vida de seu Menino... Podemos também nós assim fazer,
compartilhando com Maria a atenção que o Menino Jesus merece receber. E,
como à doce criança na Manjedoura, com o mesmo amor fitamos, junto d´Ela, o
Cristo pregado à Cruz. Nos pomos aos seus pés e, tendo a certeza que a Cruz não
foi uma derrota, mas a vitória perpétua, prometemos dar nossa vida, se
necessário for, para que tudo seja feito conforme a vontade de Deus. Diante do
exemplo perfeito de doação do Verbo de Deus encarnado, que não mediu esforços
para nos salvar, o único grito que talvez nos reste seja: “Não mais, Senhor. Não
mais me recusarei ao serviço!”.
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Capítulo IV
Das Virtudes Ascéticas: A Mansidão
Num mundo onde há, se não uma ausência de valores, uma inversão
completa deles, dificilmente se encontra lugar para o verdadeiro Bem, que não
está em objeto ou homem qualquer, mas vem do alto. Por isso, talvez, a imagem
do Cristo calado, tal qual cordeiro levado ao matadouro, é muito apreciada, mas
dificilmente vivida, uma vez que o manso e humilde é tido como fraco e medíocre,
ou ainda falso e resignado. A virtude da mansidão parece, como tantas outras
virtudes que deveríamos cultivar, fadada ao esquecimento e desprezo, já que não
se vê como pode coadunar com o homem moderno e competitivo. É preciso um
profundo senso cristão para compreender que a mansidão não é “a fraqueza de
caráter que dissimula, sob exteriores adocicados, um profundo ressentimento. É
uma virtude interna que reside ao mesmo tempo na vontade e na sensibilidade,
para lá fazer reinar a serenidade e a paz, mas que se manifesta exteriormente,
nas palavras e nos gestos, por maneiras afáveis” (TANQUEREY, Adolph: A Vida
Espiritual Explicada e Comentada. Anápolis: Aliança Missionária Eucarística
Mariana, 2007. p. 599).
É sabido que toda virtude tem seu vício oposto, que é sufocado com a
habitual prática do bem. Mas, neste caso, a teologia costuma indicar duas
possibilidades para a ira: a que se submete à razão e é moderada por ela, e a que
é movida pelas paixões e desordenada. A ira que está em desacordo com a ordem
da razão deseja o mal ao próximo, e é esta ira que conhecemos como vício capital,
também chamada de iracúndia. A ira por zelo, se moderada, é boa, mas deve-se
ter extremo cuidado para que ela não deixe de ser instrumento de virtude e
permaneça sempre escrava da razão, pronta a servi-la se necessário for. A ira
apenas é boa e ordenada quando quer corrigir um vício e não visa a vingança e o
dano alheio, mas unicamente a justa emenda das injúrias.
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Não se conformar com um pecado e querer sua correção são atos virtuosos.
Assim, a ira como movimento do apetite sensitivo, pode servir à razão, de modo a
estar submetida à ela para pôr em prática a justiça contra o pecado. Mas quando
se quer o extermínio de quem peca, irando-se não contra o pecado, mas contra o
irmão que peca, querendo vingar seu pecado nele, causando-lhe dano, aí sim se
encontra o mal. A ira “impede o juízo da razão, pois a alma só pode avaliar a
verdade com uma certa tranqüilidade de mente, por isso diz o filósofo que a alma,
tendo paz, se faz conhecedora e prudente” (AQUINO, Santo Tomás. De malo in
Sobre o Ensino - Os Sete Pecados Capitais. São Paulo: Martins Fontes, 2001,
pág. 97).
“Nutrirá um desejo vicioso da ira, a qual por isso se chama ira por vício,
quem deseja a vingança de qualquer modo, contra a ordem da razão; por
exemplo, se deseja castigar a quem não merece, ou além do merecido, ou ainda
não seguindo a ordem legítima, ou enfim, não em vista do fim devido, que é a
realização da justiça e a correção da culpa” (AQUINO, Santo Tomás: Suma
Teológica – Primeira Parte da Segunda Parte. Porto Alegre: Sulina, 1980, Q.
CLVIII). Longe do virtuoso estará, portanto, querer fazer justiça com as próprias
mãos, fugindo da retidão e da ordem. E até mesmo a ira por zelo deve ser
constantemente moderada, pois se deixa de servir à razão e toma ardor excessivo,
não estará isenta de pecado. “É melhor, diz Santo Agostinho, escrevendo a
Profuturo, fechar inteiramente a entrada do coração à cólera, por mais justa que
seja, porque ela lança raízes tão profundas que é muito difícil de arrancá-las”
(SALES, São Francisco: Filotéia. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 214).
“Ele não grita, nunca eleva a voz, não clama nas ruas.
Não quebrará o caniço rachado, não extinguirá a mecha
que ainda fumega. Anunciará com toda a franqueza a
verdadeira religião; não desanimará, nem desfalecerá, até
que tenha estabelecido a verdadeira religião sobre a terra,
e até que as ilhas desejem seus ensinamentos” (Is
42,2-4).
Quando fala, Cristo é firme, mas suave e tranqüilo. Não apaga as faíscas da
fé e da esperança que ainda permanecem nos corações dos que pecaram, e
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acende ainda mais a chama viva nos corações que O amam. Foi assim que Cristo
inaugurou o Reino de Deus, que estabeleceu sua Igreja, que nos deixou a
Salvação.
“Digo-vos a vós, afirma o Senhor: Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos
que vos odeiam, e orai pelos que vos caluniam. Por que o ordenou? Para libertar-te
do ódio, da tristeza, da ira e do rancor, e tornar-te digno de grandíssimo tesouro da
perfeita caridade; é impossível que a possua quem não ama igualmente a todos os
homens, à imitação de Cristo, o qual ama igualmente a todos os homens e quer que
se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (MÁXIMO, São: Centúrias
sobre a Caridade e Outros Escritos Espirituais. São Paulo: Landy, 2003. p. 64).
Se vemos almas em todos aqueles com quem convivemos, isso ajudará a não irar-
se contra eles, pois assim veremos Cristo em tudo e todos. É nosso dever,
inclusive, orar pelos nossos inimigos, o que ajudará não apenas estas almas, mas
também fortalecerá aos que por conta de seus atos se escandalizaram. Fazendo
isso a alma fica em paz consigo, com o próximo e com Deus. Tudo suporta, pois
sabe “que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus,
daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios” (Rm 8,28).
Não só de atos exteriores nos fazemos mansos, pois o Cristo diz ser “manso
e humildade de coração”. Quem mantém a tranqüilidade no espírito, não se
exaspera com ardor e orgulho diante das mágoas sofridas. O orgulhoso acha que
deve ser exaltado e que é imerecedor de qualquer desonra ou injúria, e por isso se
volta com ira contra aquele que lhe fere. O humilde se compraz com as
33
humilhações e danos, pois, diferente do orgulhoso que só quer compartilhar com
Cristo sua glória, assim se assemelha mais ao seu Senhor e pode compartilhar
uma pequena parte do sofrimento da Cruz.
“A vida é uma viagem que temos que fazer para atingir o céu; não nos
zanguemos no caminho uns contra os outros; andemos em companhia com nossos
irmãos, em espírito de paz e amizade. Generalizando, aconselho-te: nunca por
nada te exaltes, se for possível, e nunca, por pretexto algum, abras teu coração à
ira; pois São Tiago diz expressamente: a ira do homem não opera a justiça”
(SALES, São Francisco: Filotéia. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 213). Assim, se no afã
contra a injustiça, nos exaltamos contra o injusto, de certo modo tornamo-nos
como ele quando à falta de justiça, pois, conforme citou São Francisco de Sales:
“Todo homem deve ser pronto para ouvir, porém tardo para falar e tardo para se
irar; porque a ira do homem não cumpre a justiça de Deus” (Tg 1,19-20).
O homem perde muito tempo de sua vida empregando-o no mal. Se, frente
o mal praticado pelos ímpios, não pagamos o mal com o mal, mas nos esforçamos
em fazer o bem, aplicaremos muito mais eficazmente nosso tempo – que não
sabemos quanto ainda nos resta para gastar – e esforços na correção justa do
que se os perdêssemos com vinganças, que só fariam aumentar a injustiça e as
ofensas a Deus e de nada adiantariam senão para saciar o orgulho de quem se
vinga. Pagar o mal com o bem é o que diferenciará o cristão dos que não levam
Deus no coração, porque os que O levam vêm tudo com sentido sobrenatural e
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querem fazer valer o exemplo de Cristo, uma vez que “a caridade é paciente, a
caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante.
Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda
rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo
desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13,4-8). Assim, a mansidão
abre as portas para que esta caridade adentre o coração do homem.
Ser manso significa, muitas vezes, calar o desnecessário, mas nem sempre
o silêncio é essencial. Se é nosso dever corrigir um erro e podemos realmente
fazer algo para emendá-lo e emendar aquele que errou, precisamos fazer tudo que
estiver ao nosso alcance para que assim seja, visando o bem de todos os
envolvidos e o agrado de Deus.
Nem mesmo para conosco devemos nos irar. A dor pelo pecado não deve ser
aborrecida, mas mansa e humilde. A verdadeira compunção nos leva a abrandar
todas as paixões e a não nos exasperarmos, colocando toda a confiança na
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Misericórdia de Deus, que tudo perdoa a um coração contrito que o busca no
Sacramento da Confissão, e com tranqüilidade e firmeza mantém o propósito de
não mais voltar a ofender ao Senhor. Com o salmista, devemos repetir: “meu
sacrifício, ó Senhor, é um espírito contrito, um coração arrependido e humilhado, ó
Deus, que não haveis de desprezar” (Sl 50,19).
“Se a pessoa não dirige de modo algum toda a sua escolha às coisas visíveis
e, por isso, não se encontra sujeita a nenhum sofrimento que lhe advenha ao corpo,
então ela perdoa, verdadeira e impassivelmente, àqueles que pecam contra ela,
uma vez que absolutamente ninguém pode por a mão no bem que ela busca com
tanto zelo, pois o sabe inalienável por natureza” (MÁXIMO, São: Centúrias sobre a
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Caridade e Outros Escritos Espirituais. São Paulo: Landy, 2003. p. 146). Estes
bens que a alma, já nos caminhos da santidade, busca com tranqüilidade e zelo,
são os bens eternos, os quais ninguém pode nos privar senão nós mesmos. Se o
homem faz caso de bens terrenos e passageiros, como glórias humanas, conforto
e prazeres mundanos, se apegando a eles de tal forma a deixar de lado o Bem
divino, se vierem a lhe faltar fica perturbado e inconsolável, irado contra os que o
privou de tais bens e, por vezes, encolerizado para com Deus, chamando-O
injusto por não ter mais aquilo a que tanto ama. Já o manso não tendo os bens
temporais como objetivo, mas como meios dos quais pode se utilizar para chegar
Àquele para quem foi criado, não tem nada disto como importante o bastante
perto de seu Senhor, a quem tanto ama; não será neste mundo que terá sua
plena felicidade, e se for privado de tudo, honras, prazeres, consolos, ainda lhe
resta uma grande esperança; sabe que, junto de Cristo, tudo pode suportar e que
um dia todo sofrimento acabará. Aí, então, na eternidade, possuirá todo o Bem
que desejou, o qual neste mundo apenas vê como que em espelho, mas então
verá face a face.
Cristo pediu que deixassem vir a Ele as criancinhas, e falou aos discípulos:
“se não voltardes a ser como meninos não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18,3).
Assim disse pois “as crianças caracterizam-se pela sua incapacidade de ódio, e
vê-se nelas uma total inocência no que diz respeito aos vícios, e principalmente
ao orgulho, que é o maior de todos. São simples e abandonam-se confiadamente”
(Bíblia Sagrada – Santos Evangelhos. Edição da Universidade de Navarra. p. 317).
É nas almas inocentes que Jesus Cristo estabelece sua morada, é aí onde o
Senhor se deleita. Será tornando-nos almas inocentes, que não levam em conta o
mal que lhe fazem e logo se reconcilia com o irmão, que seremos mansos. Nos
caminhos da perfeição, os que se unem a Cristo têm uma só vontade com Ele, e
compartilham integralmente sua doçura, não havendo lugar nenhum para o que
não procede de Deus.
Para quem assim vive, buscando as coisas do alto, nem a maior injustiça é
motivo suficiente para irar-se, pois sabe que a ira contra o irmão não procede a
justiça divina e a afastará de Deus; antes oferecer a face esquerda a quem ferir a
direita, que pecar. Nenhuma injúria é grande o bastante que valha perder o Bem
Eterno por sua causa!
A regra de ouro para o manso será: “tudo o que quereis que os homens vos
façam, fazei-o vós a eles” (Mt 7,12). Dizendo isto, Cristo indicou que o caminho
não seria fácil, e continuou: “Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e
espaçoso o caminho que conduzem à perdição e numerosos são os que por aí
entram” (Mt 7,13). E para provar-nos que não era algo impossível, Ele mesmo
veio até nós e nos ensinou. Doce redentor que, enquanto sofre e está humilhado,
perdoa os pecados dos que os injuriam e oferece o Céu a quem se arrepende de
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sua iniqüidade.
E ainda assim, na maioria das vezes, tudo é difícil... Ou, parafraseando
Santa Teresinha do Menino Jesus, deveríamos dizer que parece difícil, pois o jugo
do Senhor é suave e leve (Cf. Mt 11,30). Por isso temos ainda mais uma fonte de
consolo e auxílio, deixada por Cristo a todos os homens. Ele deu-nos uma mãe!
“Ama a Senhora. E Ela te obterá graça abundante para venceres nesta luta
quotidiana. – E de nada servirão ao maldito essas coisas perversas que sobem e
sobem, fervendo dentro de ti, até quererem sufocar, com a sua podridão bem
cheirosa, os grandes ideais, os mandamentos sublimes que o próprio Cristo pôs
em teu coração. – «Serviam!»” (ESCRIVÁ, São Josemaria: Caminho. São Paulo:
Quadrante, 1999. Ponto 493). Se estamos cansados e não encontramos saída no
desespero, olhemos para Maria, ela nos retribuirá com seu piedoso olhar, e
depois de todo este desterro, nos mostrará seu Filho, ajudando-nos a tornar
nosso coração semelhante ao d’Ele, manso e humilde.
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