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Recurso Natural: A Construção Do Conceito
Recurso Natural: A Construção Do Conceito
09 - 17, 2006
RESUMO:
Este texto apresenta os resultados de um processo de discussão ocorrido entre 2005 e 2006
acerca da definição de recurso natural, no qual, a partir de uma idéia simples, foram-se agregando
elementos, de modo a resultar em uma definição que, preliminarmente, resolveria alguns dos diversos
questionamentos da análise geográfica sobre os recursos naturais. A definição aqui proposta
objetiva a retomada da discussão conceitual acerca dos recursos naturais.
PALAVRAS-CHAVE:
recurso natural – demanda - uso
ABSTRACT:
This text presents the results of a process of discussion occurred between 2005 and 2006 about
the definition of natural resource, in which, starting from a simple idea they were being joined
elements, in oder to result in a definition that, previously, they would solve some of the several
wonderings of the geographical analysis about the natural resources. The definition here proposed
objectifies the retaking of the conceptual discussion about the natural resources.
KEY WORDS:
natural resource – demand - use
*
Professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
E-mail: luisgeo@usp.br
10 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 20, 2006 VENTURI, L. A. B.
envolve, portanto, matérias, energias e valores. demanda por ele. Além de contextualizar
historicamente o recurso natural, a incorporação
Muitos autores trabalharam na definição
do termo demanda traz a idéia de que o acesso
de paisagem e esta discussão poderia ainda ser
a ele depende de outros fatores, além de sua
ilustrada com mais exemplos3 . Mas retomemos
ocorrência e distribuição na natureza, como
a questão da imaterialidade que, a esta altura,
questões técnicas, econômicas ou geopolíticas.
tinha a sua inclusão na definição de recurso
Isto significa dizer que o fato de um elemento
natural como uma decisão unânime. Isso foi
ou aspecto da natureza estar em demanda
resolvido acrescentando, simplesmente, o termo
torna-o um recurso natural, mas sua
aspecto à definição inicial: qualquer elemento ou
apropriação e uso ainda permanecem sem
aspecto da natureza... Incorporando esta idéia,
garantias. GODARD (2002) reforça a idéia de
surgiu a necessidade de explicitar a
historicidade do conceito quando diz que
possibilidade de aproveitamento indireto
relacionado ao aspecto, além do direto [...] os recursos não podem ser fixados de
relacionado ao elemento. Isto pôde ser resolvido uma vez por todas; o conteúdo daquilo que
incluindo, entre vírgulas, as palavras direta ou denominamos recursos transforma-se
indiretamente, no enunciado. historicamente e depende tanto da evolução
dos ambientes quanto da evolução das
Partimos, então, para um segundo
possibilidades técnicas, da natureza das
questionamento: aquela primeira definição de
necessidades sociais e das condições
recurso natural desvincula-o de contextos
econômicas. (p.207)
históricos. No entanto, algum bem natural pode
ser recurso natural em determinado contexto Assim, a definição inicial de recurso
histórico e deixar de sê-lo em outro. Ou ainda, natural incorporou essa idéia e passou a ter,
algo que nunca se constituiu em um recurso provisoriamente, o seguinte enunciado: qualquer
natural pode vir a sê-lo, de acordo com um novo elemento ou aspecto da natureza que possa ser
contexto, dependendo dos diferentes níveis de explorado pelo Homem, direta ou indiretamente,
desenvolvimento tecnológico, assim como dos ou que esteja em demanda . Em verdade, a
diferentes conjuntos de valores culturais etimologia do termo recurso já traz,
assimilados por determinada sociedade em implicitamente, a idéia de algo que está em
certo tempo e espaço. Além disso, deve-se evitar demanda, pois em uma de suas acepções, no
confundir elemento natural com recurso natural. léxico da Língua Portuguesa, o termo é
Para MENDONÇA (2001), designado como algo a que se recorre (CUNHA,
1982). Ora, o Homem recorre àquilo de que
Os elementos da natureza não devem
necessita, em um determinado momento
ser reduzidos somente a recursos, pois, antes
histórico. Contudo, se uma definição mantém
de assim transformados, constituem-se em bens
elementos implícitos em seu enunciado, pode
e elementos naturais que possuem dinâmica
correr o risco de descumprir seu papel: o da
própria e que independentemente de sua
explicação de um conceito.
apropriação social. (p.127)
No decorrer das discussões, o termo
Convencidos da necessidade da
explorado usado na definição inicial foi
contextualização do recurso natural, apoiamo-
questionado a ponto de ser substituído. A
nos na afirmação de ZIMMERMANN (1966): “Os
exploração de um recurso natural representa
recursos não são: eles se tornam”. Assim, a
os meios que irão possibilitar seu uso. O fim,
idéia da demanda seria fundamental para
portanto, é o uso. O recurso natural é, em última
historicizar a definição de recurso natural.
instância, algo da natureza que será usado,
Então, para que um elemento ou um aspecto da
ainda que, para isso, tenha que ser explorado.
natureza, seja considerado um recurso, é preciso
Além disso, no universo dos recursos naturais
que esteja em uso ou que, pelo menos, exista
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minerais, o termo explorar é mais utilizado na discutiu em sala de aula sobre qual seria o termo
acepção de percorrer estudando, procurando do mais adequado para incorporar esta idéia à
que naquela que designa tirar partido definição de recurso natural que estávamos
abusivamente de algo , mais utilizada pelas tentando construir. Pensou-se em anseios ,
ciências sociais. O termo mais adequado para carências, desejos... mas, ao final, havia o risco
designar que algo está sendo extraído da de criarmos neologismos ou utilizarmos,
natureza seria explotar, que significa tirar proveito indevidamente, conceitos da psicologia. Decidiu-
(econômico) de uma área, principalmente quanto se, assim, por um enunciado simples e direto
aos recursos naturais 4 . De qualquer forma, que se referia às necessidades físicas e culturais,
ambos os termos referem-se aos meios, e, contemplando, na definição, deste modo, as
portanto, adotamos, em substituição, o termo finalidades de uso dos recursos naturais. Como
utilizado, que se refere ao fim. a definição já se constitui como uma explicação,
ela deveria evitar incorporar termos que
Um outro questionamento proposto
poderiam requerer novas explicações. Neste
referia-se à finalidade dos recursos naturais.
sentido, a clareza, a simplicidade e a precisão
Seu uso estaria vinculado apenas às
qualificariam o enunciado da definição. Por esta
necessidades materiais do Homem, ou,
razão, mantivemos o termo natureza, no lugar
também, a seus anseios, desejos, ou carências?
de paisagem. Ainda que natureza possa,
Observou-se que a idéia de recurso natural tem
também, representar uma categoria, sobretudo
sido concebida fortemente ligada às
na Filosofia, a paisagem, na qualidade de
necessidades humanas, justamente por estar
categoria geográfica, poderia requerer novas
relacionada à idéia de materialidade, à
explicações e, no lugar de uma definição ampla,
recorrência a um valor material proveniente da
geraríamos uma discussão conceitual, de certa
natureza.
forma, circunscrita aos geógrafos. Este fato
Porém, os valores estéticos e poderia conduzir a um desvio do objetivo
educacionais da paisagem representam, ao inicialmente proposto: o de tentar construir uma
serem apropriados, a busca da satisfação de definição de recurso natural que, embora dentro
outras necessidades, além das físico-materiais de uma perspectiva geográfica, pudesse,
relacionadas à sobrevivência do Homem. também, ser assimilada por outras áreas do
Relacionam-se às carências, aos desejos, aos conhecimento.
anseios e, portanto, ao conjunto de valores
A inclusão das necessidades culturais
culturais socialmente assimilados em um
poderia, inclusive, ajudar a resolver o caráter
determinado tempo e espaço. Considerando
econômico da apropriação dos recursos
que o que diferencia o Homem dos outros
naturais, já que produtividade e lucro poderiam
animais é mais do que seu pensamento
incluir-se dentro do conjunto de valores
teleológico que transforma a natureza pelo
assimilados pela sociedade em determinado
trabalho; é mais do que apenas a sua razão,
contexto. E a inclusão da idéia de necessidade
mas também a criação de um universo simbólico
cultural foi favorecida pela incorporação do termo
que se interpõe na sua relação com o mundo, a
aspecto que já havia sido feita à definição, ainda
idéia de recurso natural deveria transcender o
que inexista uma relação de exclusividade entre
significado marxista de objeto e meio de trabalho
elementos e necessidades, e entre aspectos e
voltado à satisfação das necessidades
anseios. Um elemento material pode ser
humanas. Se a vista para o mar representa a
apropriado para satisfazer um desejo. Do
apropriação indireta de um recurso natural
mesmo modo, um aspecto pode ser apropriado
representado por um aspecto da paisagem,
para resolver uma necessidade material (o
esta apropriação refere-se a um anseio, um
exemplo do relevo nos represamentos).
desejo relacionado a valores culturais, mais do
que à satisfação de necessidades 5 . Muito se Isto posto, podemos afirmar que seria
Recurso Natural: a construção de um conceito, pp. 09 - 17 13
impossível conceber recurso natural apenas pela últimas inexista trabalho na forma como é
perspectiva da natureza ou apenas pela concebido no sistema capitalista. A afirmação
perspectiva social. O recurso natural, por estar de MORAES e COSTA (1999) de que o espaço
ligado às necessidades físicas e culturais do pode “possuir um valor intrínseco, não
Homem, por representar um olhar do Homem necessariamente produto do trabalho humano,
sobre a natureza, exige uma abordagem física uma riqueza natural”(p. 124) poderia corroborar
e humana, ou seja, uma abordagem geográfica a idéia proposta se interpretarmos riqueza
como a concebemos. Para GODARD (op cit), natural como recurso natural. De todas as
maneiras, parece estar implicitamente presente
Recurso Natural é um conceito situado na
a idéia de recurso como a algo que se recorre
interface entre processos sociais e processos
para um determinado uso: seja para a
naturais: ele resulta do olhar lançado pelos
reprodução do capital, para garantir a
homens sobre seu meio biofísico, um olhar
sobrevivência, a reprodução de valores culturais
orientado por suas necessidades, seus
e religiosos6 , para a satisfação de necessidades
conhecimentos e seu savoir-faire.(p.205)
ou anseios, vinculados ou não às leis de
Em seguida, questionou-se se a idéia de mercado.
recurso natural deveria estar exclusivamente
A incorporação dessa idéia exigiu novas
vinculada ao modo de produção capitalista.
alterações à definição inicial. Propôs-se em
Ainda que haja uma estreita relação entre
qualquer tempo ou espaço ou em determinado
apropriação de recursos naturais e reprodução
tempo ou espaço para atribuir maior abrangência
de qualquer modo de produção, inclusive
à definição de recurso natural. De uma forma
capitalista, ela lhe seria exclusiva? Isto ocorreria
ou de outra, a questão da demanda já estaria,
caso a idéia do trabalho como forma de
implicitamente, relacionando o recurso natural
apropriação do recurso natural sobreponha-se
a um determinado contexto histórico, como
à idéia do recurso natural em si, como algo a
vimos.
que se recorre. Neste caso, poderíamos pensar
que recurso natural estaria fortemente vinculado Mais alguns ajustes no enunciado da
ao trabalho como reprodução do sistema definição também foram sugeridos: considerou-
capitalista. Para LEFF (2001), se mais adequada a expressão passível de ser
utilizado, já que a existência de um recurso
O recurso natural e a força de trabalho não
representaria apenas uma possibilidade de
são entes naturais existentes
apropriação e uso. Esta expressão atribui-lhe
independentemente do social, mas são já o
um caráter mais provisório, exigido pela
biológico determinado pelas condições de
contextualização.
produção e reprodução de uma dada estrutura
social. (p.121) Chegamos, assim, a um enunciado de
uma definição cujo texto parecia alinhavar todas
Mas, ao compreendermos recurso
aquelas idéias, portanto, dentro de uma
natural como algo a que se recorre,
perspectiva geográfica, um potencial explicativo
independentemente dos meios de apropriação
bem mais satisfatório do que aquela primeira
e uso, ele poderia ser concebido como tal em
breve definição inicial:
outros modos de produção: primitivos, orientais,
feudais ou mesmo socialistas. O Homem, ao Recurso natural pode ser definido como qualquer
perceber a natureza como algo que pode, de elemento ou aspecto da natureza que esteja em
alguma forma, ser aproveitado, transforma o demanda, seja passível de uso ou esteja sendo
elemento natural em recurso natural. Isso pode usado pelo Homem, direta ou indiretamente,
ocorrer independentemente do advento do como forma de satisfação de suas necessidades
capitalismo, e pode, inclusive, existir em meio físicas e culturais em determinado tempo e
às sociedades indígenas, ainda que nessas espaço.
14 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 20, 2006 VENTURI, L. A. B.
Notas
1
Disciplina optativa oferecida no curso de Geografia
(FFLCH-USP). 4
Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova
2
A esse respeito ver VENTURI (2001). Fronteira, s/d, p.600.
3
Para Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, por 5
MORAES e COSTA (1999) afirmam que “A
exemplo, a paisagem é entendida como uma valorização do espaço passa necessariamente
“Entidade espacial delimitada segundo um nível pelas formas de pensamento que os homens
de resolução do geógrafo (pesquisador) a partir constroem na sua relação com seu espaço”
dos objetivos centrais da análise, de qualquer (p.146), enfatizando a questão da subjetividade.
modo, sempre resultante da integração dinâmica, 6
A exemplo do significado religioso do rio Ganges,
portanto instável, dos elementos de suporte e na Índia.
cobertura (físicos, biológicos e antrópicos) 7
Agradeço aos professores Carlos Augusto de
expressa em partes delimitáveis infinitamente Figueiredo Monteiro e Francisco de Assis
mas individualizadas através das relações entre Mendonça, os quais, por e-mail, enviaram da
elas que organizam um todo complexo (Sistema), França valiosas críticas e sugestões à primeira
verdadeiro conjunto solidário e único, em versão deste texto.
perpétua evolução”. (MONTEIRO, 2000, p.39) 8
Ética aqui entendida simplesmente como atributo
Grifo nosso. da ação que se volta para o bem comum.
Recurso Natural: a construção de um conceito, pp. 09 - 17 17
Bibliografia
AB´SABER, A. N. (2003) Os domínios de natureza socioambiental Revista Terra Livre, n.16. São
no Brasil. São Paulo: Atelier Editorial. Paulo: p.113-132.
GODARD, O. (2002) Gestão integrada dos MORAES, A.C.R. & COSTA, W.M. (1999) Geografia
recursos naturais e do meio ambiente: crítica: a valorização do espaço. 4. ed. São Paulo:
conceitos, instituições e desafios de legitimação. Hucitec.
In: VIEIRA, P.F. & WEBER, J. (org.) Gestão de VENTURI, L. A. B. (2001) O relevo como recurso
recursos naturais renováveis e desenvolvimento. imaterial. Revista Unifieo, n.6. São Paulo: Edifieo.
São Paulo: Cortez. 500p. P.144-147.
LEFF, H. (2001) Epistemologia ambiental. São ZIMMERMANN, E.W. (1966) Introducción a los
Paulo: Cortez. recursos mundiales.Barcelona: Oikos-Tau.
MENDONÇA, F. A. (2001) Geografia
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