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Estimativa de Estatura em Crianças com Paralisia Cerebral por Meio de Medidas

Segmentares: Uma Revisão Sistemática.

Stature Estimate of Children with Cerebral Palsy Through Segmental Measure: A Systematic
Revision

Autores: Andrade MR, Calixto CA, Marteletto NM, Lamounier JA, Tibúrcio JD

RESUMO

Em crianças portadoras de limitações físicas, a aferição da estatura direta constitui uma


dificuldade na prática. Medidas segmentares são utilizadas para essa finalidade. OBJETIVO.
Verificar correspondência entre medidas segmentares e estatura medida diretamente em crianças
com Paralisia Cerebral (PC).  METODOS. Revisão sistemática, utilizando bases de dados
PubMed, BVS, MEDLINE e Lilacs, orientada pelas estratégias PICO (Participantes,
Intervenção, Comparação e Outcomes/Resultados) para a seleção de referências e critério
PRISMA (Principais Itens para Relatar Revisões sistemáticas e Meta-análises) para
identificação, seleção, elegibilidade e inclusão. RESULTADO. Analisando os 7 artigos
selecionados, observa-se variação dos instrumentos utilizados para aferição dos segmentos
corporais. Os segmentos avaliados foram: Comprimento Tibial (CT), Comprimento Superior do
Braço (CB) e Comprimento do calcanhar ao Joelho (CJ). Na maioria dos estudos que estimaram
a estatura por meio de fórmulas, como a proposta por Stevenson, e medindo-se dois segmentos
em um mesmo indivíduo, não houve correspondência com a estatura estimada. Estudo realizado
em 2014 com 50 crianças portadoras de PC, utilizando-se a altura estimada a partir de CT e
comparando com a altura real (calculada pela soma de segmentos lineares), resultou em uma
nova equação, que foi validada em japoneses. DISCUSSÃO. Como o cálculo do Índice de
Massa Corpórea é importante para avaliação do estado nutricional, a aferição da altura deve ser
precisa. Em pacientes com espasticidade de membros e escoliose, identificou-se maior
dificuldade na estimativa de altura, pois esses fatores alteram as medidas segmentares.
CONCLUSÃO. Considerando esses resultados, verifica-se a necessidade de realizar estudo
brasileiro comparativo entre a altura diretamente aferida e aquela estimada, por meio dos
comprimentos segmentares, em pacientes com limitações físicas. Os serviços de referência da
rede pública, que prestam assistência interdisciplinar aos portadores de necessidades especiais,
se beneficiariam com esses estudos.
ABSTRACT

Carrying out the direct stature measurement in physically impaired children seems to present
itself as a practical difficulty. Instead, segmental measurements are used to this end.
OBJECTIVE: We aim at verifying the correspondence between the segmental and stature
measurements specifically involving children with Cerebral Palsy. METHODS: A Systematic
Revision is to be used by using PubMed, BVS, MEDLINE and Lilacs database guided by the
PICO Model (Participants, Intervention, Comparison, Outcome) for the selection of references
and the PRISMA Criteria (Preferred Reporting Items for Systematic Review and
Meta-Analyses) for identification, selection and inclusion. RESULTS: The analyses of the 7
selected articles allowed room for observing the variation of the tools used for the corporal
segments measurement. The segments under measurement analyses were the Tibia Length (TL),
the Upper Arm Length (UAL) and the Knee Length (KL). Most studies that have estimated the
stature through formulas, for instance the one proposed by Stevenson, and when measuring two
segments from one individual alone the results came out as a no-match to the estimated stature.
A study carried out on 50 children with Cerebral Palsy in 2014, using the estimated height from
TL and comparing it to the real height (calculated by the sum of the linear segments), resulted in
a new equation which was validated in Japanese children. DISCUSSION: As the Body Mass
Index (BMI) is paramount to the nutritional state evaluation, the height measurement has to be
accurate. With patients with limb spasticity and scoliosis, the height estimate has been difficult
to meet since such factors modify the segmental measures. CONCLUSION: Taking these results
into account, an investigation comparing the directly measured heigh with the estimated one,
through the segmental lengths, in physically impaired patients should prove to be useful.
Consequently, The public health care services that provide these patients with multidisciplinary
assistance ought to benefit substantially from these studies.

INTRODUÇÃO

A nutrição, o estado de saúde, as condições socioeconômicas e os aspectos psicossociais


interferem no crescimento, que é um bom indicador global de bem-estar, desde o feto até a
adolescência.1 A avaliação antropométrica permite, então, o monitoramento da saúde, através da
vigilância do crescimento.

O Ministério da Saúde incorporou as curvas de crescimento da Organização Mundial de Saúde


(OMS) de 2006 e 2007 à Caderneta da Criança, fornecendo aos profissionais de saúde valiosa
ferramenta para o acompanhamento do crescimento de crianças e adolescentes.2,3 No entanto,
os gráficos de evolução para peso, comprimento, altura e Índice de Massa Corpórea (IMC), de
acordo com sexo e idade, foram criados com base em indivíduos saudáveis.4-6 Nesse caso, não
se contempla crianças com sequelas psicomotoras graves, cuja aferição do comprimento ou da
estatura é dificultada devido às deficiências físicas.

A aferição do comprimento ou da estatura, em crianças com limitações motoras, como no caso


da Paralisia Cerebral (PC), atualmente, é realizada por meio de medidas segmentares, como
proposto por Stevenson, em 1995.7 Nesse sentido, a estatura pode ser estimada combinando as
fórmulas propostas pelo autor com cada segmento medido: Comprimento Superior do Braço
(CB), Comprimento do calcanhar ao joelho (CJ) e Comprimento Tibial (CT). Entretanto, é
necessário saber se as medidas segmentares traduzem a altura real. Sendo assim, este artigo traz
uma revisão bibliográfica com a finalidade de verificar se há evidências na literatura quanto à
correspondência entre as medidas segmentares associadas às equações propostas, para
estimativa da altura real de crianças portadoras de PC.

MÉTODOS

Para o desenvolvimento deste estudo de revisão sistemática, foram realizadas buscas na


literatura científica nas bases de dados PubMed (US Nacional Library of Medicine Nactional
Institutes of Health), BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), MEDLINE (Medical Literature
Analysis and Retrieval System Online) e Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em
Ciências da Saúde).

Os descritores e expressões utilizados nas buscas foram: anthropometry, cerebral palsy, child e
body height. Estes integram a lista de descritores em Ciência da Saúde (DeCs) e da Medical
Subject Headings (MeSH) e foram combinados por meio do operador booleano AND.

A busca das referências bibliográficas foi realizada de acordo com as seguintes etapas:

Primeira Etapa: foram identificados 159 trabalhos nas bases de dados analisadas.
Segunda Etapa: excluídos 2 artigos no idioma alemão (apenas o resumo estava em inglês e,
além disso, não apresentavam compatibilidade com o objetivo deste estudo), após a utilização
do filtro de idiomas (português, inglês e espanhol), permanecendo elegíveis 157 referências.

Terceira Etapa: Selecionou-se o período de interesse: entre janeiro de 1995 a abril de 2018. O
limite inferior desse intervalo foi escolhido em função do ano de publicação da equação
proposta por Stevenson que é utilizada na pratica clínica para a estimativa da altura em crianças
com paralisia cerebral.7 A aplicação desse filtro acarretou a exclusão de 41 trabalhos.

Quarta Etapa: Das 116 referências restantes foram excluídas 29 por estarem repetidas nas bases
de dados pesquisadas, restando 87 referências.
A partir deste ponto, os artigos foram selecionados com base em sua compatibilidade de
conteúdo, considerando uma pergunta norteadora, elaborada conforme descrito nas etapas
seguintes.

Quinta Etapa: Foram seguidos os critérios de elegibilidade do PICO (acrônimo para


Participantes, Intervenção, Comparação e Resultados - Outcomes), conforme proposto pelo
PRISMA (Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-análises, 2015) para
elaborar uma pergunta que possibilitasse o direcionamento da busca conforme os objetivos do
trabalho8,9.

A utilização dos critérios PICO permite a elaboração de uma questão de pesquisa que torne mais
eficaz as buscas nas bases de dados, uma vez que foca no objetivo do estudo, evitando análises
desnecessárias. Sendo assim, ao considerar a questão guia “Existe correlação entre a altura
estimada por meio de equações em crianças com paralisia cerebral e as medidas diretas de
altura?” os critérios PICO foram: participantes - crianças com paralisia cerebral; intervenção -
altura estimada por meio de equações; controle - não intervenção e resultados (outcomes) -
correspondência entre as medidas diretas de altura e aquelas estimadas por meio de equações.

A análise guiada pela pergunta norteadora foi realizada a partir da leitura dos resumos dos 87
trabalhos que restaram após a exclusão das 29 referências repetidas nas bases de dados.

Sexta Etapa: nesta etapa explicamos o motivo da exclusão de cada trabalhos analisado à luz da
questão guia. Foram encontrados artigos em diversos eixos temáticos que diferiam da finalidade
desta pesquisa.  21 artigos versam especificamente sobre análise do índice de massa corporal
(IMC), composição corporal e estudo sobre gráficos de crescimento em indivíduos com
distúrbios motores. Outros 21 artigos tratam de nutrição, disfagia alimentar, consequências da
gastrostomia, dificuldades alimentares e/ou estado nutricional de pacientes com
comprometimento motor. 8 artigos abordam a respeito da paralisia cerebral em relação ao
comprometimento ósseo, densidade óssea e presença de escoliose. Outros 8 artigos tratam de
comprometimentos neurais em pacientes prematuros ou recém-nascidos de baixo ou muito
baixo peso. 7 artigos referem alterações motoras, classificação da função motora e desempenho
funcional em pacientes com comprometimento neural. 6 artigos discorrem sobre atividade
física, sedentarismo e gasto energético em pacientes com paralisia cerebral. Um trabalho
discorre sobre a temática de paralisia cerebral em formato de capítulo de livro, não se
encaixando, portanto, na seleção de artigos proposta pela pergunta norteadora.  Os demais 9
trabalhos excluídos, tratavam de temáticas bastante específicas como: Hipopituitarismo,
deficiência de vitamina D, efeitos da equoterapia na marcha de crianças com paralisia cerebral,
análise de crescimento de crianças pós rizotomia dorsal, análise de anticorpos em crianças com
paralisia cerebral, tratamento com hormônio do crescimento, níveis de prostaglandina e baixa
estatura em casos de hidrocefalia.

Sétima Etapa: Finalmente, pós a exclusão das 80 referências que não responderam à questão
guia, foram selecionados sete artigos que atenderam aos critérios estabelecidos. Estes, por sua
vez, foram lidos na íntegra e as informações mais relevantes de cada um deles foram extraídas
para subsidiar a construção de quadros, a fim de facilitar a visualização e a interpretação dos
resultados.

Oitava Etapa: Foram produzidos dois quadros (Quadro 1 e Quadro 2), que possibilitaram a
síntese das informações mais relevantes de cada artigo. Para tanto, foram criadas colunas com
os seguintes títulos: autor e local do estudo, tamanho da amostra, faixa etária, medidas
antropométricas de interesse, instrumentos de medidas, cálculo da altura estimada, conclusões
sobre as medidas antropométricas e limitações do estudo.

Nona Etapa: Foi elaborado um fluxograma, de acordo com o modelo de recomendação


PRISMA, composto por 4 etapas (identificação, seleção, elegibilidade e inclusão), para
sintetizar a técnica da revisão sistematizada nesse artigo (Figura 1).

Décima Etapa: após a seleção dos artigos foi feita busca secundária nas referências
bibliográficas de cada um dos artigos selecionados. No entanto, os artigos que responderam à
pergunta norteadora foram os mesmos encontrados na busca primária. Sendo assim, a discussão
dos resultados se limitou aos sete artigos localizados no rastreamento inicial.

O escopo do trabalho foi guiado pelo checklist de itens a serem incluídos no relato de revisão
sistemática, também proposto no referido método.9
RESULTADOS

As etapas seguidas para a seleção dos sete artigos analisados neste estudo estão descritas na
forma de fluxograma na figura 1. Os resultados obtidos nesta revisão sistemática foram
sumarizados nos quadros 1 e 2.
Bases de dados: PubMed, BVS, MEDLINE, Lilacs.
159 referências identificadas

2 referências em alemão excluídas após utilização do filtro de idiomas para inglês, espanhol e
português

157 referências selecionadas


116 referências selecionadas
Excluídas 29 referências repetidas nas bases de dados

87 referências elegíveis
7 artigos incluídos na revisão
Excluídas 80 referências por não responderem à pergunta norteadora

Excluídas 41 referências após utilização do filtro: ano de publicação de 1995-2018*

Quadro 1: Características dos estudos antropométricos envolvendo medidas segmentares

Faixa
Tamanho
Autor Local etária Segmento medido instrumentos de medidas
da amostra
(anos)
Iñiguez México 108 2 - 16 CT, CJ e CB Fita métrica para o
et al. com PC comprimento da tíbia;
(2017) Segmômetro Rosscraft
para CJ e para CB.
Haapala Estados 137 2 - 25 Altura, Estadiômetro e fita métrica
et al. Unidos com PC comprimento flexível de aço.
(2015) medido em
decúbito,
CJ, CT e CU.
Amezquita Chile 60 3 - 15 CT e CJ. Calibrador de Ross para
et al. com PC medida de CJ; fita métrica
(2014) inextensível para medida de
CT.
Kihara Japão 50 3 - 12 CT e comprimento Fita métrica.
et al. com PC e corporal dividido
(2014) 38 em segmentos.
saudáveis
Teixeira e Brasil 14 0-3 CJ Antropômetro horizontal para
Gomes com PC medida do comprimento;
(2014) fita milimetrada inextensível
para medida de CJ
Bell e Austrália 17 5 - 12 CJ Estadiômetro de parede
Davies com PC e para medida da altura e
(2006) 20 Antropômetro
saudáveis para medida de CJ.
Hogan Canadá 34 6 - 30 CJ Calibrador antropométrico;
(1999) com PC não foi informado
instrumento para medida do
comprimento em decúbito.

Quadro 2: Análise dos resultados dos estudos selecionados

Conclusões sobre as medidas


Autor Cálculo da altura estimada Limitações
antropométricas
Iñiguez Equação de Stevenson Altura estimada pelo CT e CJ Análises do IMC, por
et al. (1995)* foram similares. Ambas meio da altura, estimada
(2017) diferiram daquela estimada pelo são falhas.
CB.
Haapala Equação de Stevenson Variação entre a altura estimada O crescimento das
et al. se ≤ 12 anos. e a real em todas as equações extremidades inferiores
(2015) Equações de (± 10 cm). é hipoplásico em
Chumlea et al.** relação ao das
se ≥ 6 anos. superiores, resultando
Equação de Existe uma concordância falha em viés na tentativa de
Gauld et al.*** entre a altura real e a estimada prever altura.
se ≥ 7 anos. pelas equações avaliadas.

Amezquita Equação de Stevenson Comprimento estimado concorda Em 40% da amostra não


et al. (1995) com a altura real em amostra de foi possível realizar as
(2014) crianças chilenas com PC. medidas diretas de
estatura.
Kihara Proposta de equações para O cálculo por essas equações Estudo realizado apenas
et al. estimar a estatura, com base independe da presença de com japoneses.
(2014) no CT. escoliose/ contratura articular.
Desenvolvimento típico: Conclui que CJ não é apropriado
Estatura = CT x 3,25 + 34,45 [cm] para estimar altura em casos de
Crianças com PC: contratura severa da articulação
Estatura = CT x 3,42 + 31,82 [cm]
do tornozelo.
Teixeira e Equação de Stevenson Correspondência entre o Pequena amostra
Gomes (1995) comprimento real e estimado por (14 indivíduos).
(2014) CJ. Faixa etária de 0 a 3
anos.
Bell e Equações de Equações apresentam erros Pequena amostra
Davies Chumlea et al. (1994) significativos na análise (17-PC e 20-saudáveis).
(2006) e individual. Desconsiderou-se:
Stevenson (1995) Equação de Stevenson: crianças com
variação entre -12,7 cm (10%) a +11,8 contraturas severas/
cm (9%) para crianças com PC.
escoliose/ PC grave.
Equação de Chumlea:
variação entre -11,3 cm (9%) a + 13,3
cm (11%) para crianças saudáveis.
Hogan Equações de Independentemente da idade/ Pequena amostra
(1999) Chumlea et al. gênero/ tipo da PC, (34 indivíduos). Medida
(1994) CJ foi considerado bom preditor de comprimento em
do comprimento em decúbito. decúbito nas crianças
com PC estão sujeitas
a erros (contraturas
/movimentos espásticos/
defesa táctil).
CB – Comprimento superior do Braço; CJ – Comprimento do calcanhar ao Joelho; CT – Comprimento Tibial; CU –
Comprimento Ulnar; PC – Paralisia Cerebral. *equações para prever altura a partir de CJ, CB e CT de 172 crianças
com PC.7 **equações baseadas em indivíduos saudáveis ​desenvolvidas para uso em pessoas com mobilidade
reduzida. Amostra de 13.800 crianças saudáveis.10 ***equação baseada na estimativa da altura a partir CU em 2.343
indivíduos saudáveis, com especificação de gênero.11

DISCUSSÃO

A antropometria fornece informações para análise nutricional de crianças, contribuindo para a


monitorização do desenvolvimento daquelas portadoras de PC, sem custos adicionais ao sistema
de saúde.12-18 Nesse sentido, a dificuldade em aferir com exatidão as medidas antropométricas
desses pacientes afeta, diretamente, os resultados de análise do risco nutricional, o que pode
gerar diagnósticos inadequados, como a identificação errônea de distúrbios de desnutrição,
sobrepeso ou obesidade.12 Esse déficit nutricional afeta negativamente a qualidade de vida
desses indivíduos, ocasionando aumento das hospitalizações, piora da cicatrização, redução na
imunidade, entre outros distúrbios.16 Além disso, a medida da altura é primordial, também, para
determinar a área corporal e possibilitar cálculos mais acurados a respeito das doses de fármacos
utilizados.15

As dificuldades em aferir a altura de pacientes com PC é objeto central de estudo neste artigo de
revisão. Isso ocorre devido a diversos fatores relacionados à fragilidade, à debilidade ou às
alterações fenotípicas e posturais dos indivíduos com PC, impedindo a aplicação da técnica e o
uso dos instrumentos habituais para aferir a estatura.12,15,18 Exemplos desses fatores limitantes,
referidos em grande parte dos artigos estudados, são: presença de escoliose, atrofia muscular,
incapacidade de se manter em posição ortostática, espasticidade e contratura muscular de
articulações, características muito comuns nesses pacientes.12,13,15,16,18

A alternativa mais utilizada para superar essas dificuldades é o uso de equações propostas por
vários pesquisadores para estimar a altura com base na medida de segmentos corporais. Porém,
este é um padrão de referência bastante questionável por diversos autores.13-15 Sendo assim, o
uso dessas equações não é bem estabelecido na literatura atual.14 Entretanto, dois trabalhos
realizaram comparação entre crianças saudáveis e crianças com Paralisia Cerebral.13,14 Bell e
Davies realizaram comparação entre 17 crianças com PC e 20 saudáveis, utilizando equações
descritas por Chumlea et al. (1994) e Stevenson (1995). A estimativa de altura foi por meio de
CJ. A equação de Stevenson foi mais adequada para crianças com quadro leve de PC, sem a
mesma correspondência para pessoas portadoras de limitação graves. Há limitações pela
amostra pequena e variações de estimativa, que diferiram de 9 a 10%. Os autores Kihara et al.
(2014) realizaram um estudo comparativo entre 50 indivíduos com PC e 38 saudáveis,
estimando altura a partir de CT. Foram incluídas crianças com PC, de moderada à grave, bem
como portadoras de contraturas graves e/ou escoliose. Nesse caso, a altura real desses pacientes
pôde ser considerada bastante precisa, uma vez que os pesquisadores realizaram medidas
corporais utilizando um método de divisão. A partir desse método o comprimento corporal foi
dividido em segmentos contíguos lineares, que, quando somados, representariam a altura real.
Assim, esses autores elaboraram equações de regressão inovadoras para o cálculo da altura
estimada tanto para crianças saudáveis como para crianças com comprometimento neural. A
medida do CJ é dificultada ou impossibilitada em crianças com CP que possuem severa
contratura do tornozelo. Por essa razão o estudo padronizou o uso do CT para uso nas equações
para facilitar sua aplicação em pacientes com PC grave.14 Este trabalho foi realizado apenas em
pacientes japoneses.
Em cinco estudos - Iñiguez et al. (2017); Haapala et al. (2015); Hogan (1999); Teixeira e
Gomes (2014) e Amezquita et al. (2014) - que são descritos nos quadros 1 e 2, a estimativa de
altura foi realizada por meio de segmentos corporais, apenas em indivíduos com limitações
motoras. Estes estudos investigaram, ao total, 353 indivíduos, com faixa etária entre zero e trinta
anos. Os autores utilizaram a equação proposta por Stevenson (1995) e/ou por Chumlea et al.
(1994). Não houve comparação com população saudável da mesma faixa etária. Considera-se
que a realização dessa comparação é importante para validação das equações utilizadas na
estimativa da estatura, também em população saudável, uma vez que as curvas de crescimento
da Organização Mundial da Saúde – OMS, são baseadas em crianças hígidas e com nutrição
adequada. Na prática clínica, essas mesmas curvas são aplicadas para avaliação do estado
nutricional de crianças com limitações físicas.19 Haapala et al. (2015) em 137 indivíduos com
PC investigou a validade das equações de Stevenson (1995), Chumlea (1994) e Gauld (2004).
Embora os estudos demonstrassem a validade dessas equações para estimar a altura, tal
associação não ficou evidente em um amplo grupo de pacientes ambulatoriais com PC, quando
comparou-se a altura real com a altura medida testada.12 Realizou-se estudo transversal com 108
crianças portadoras de PC e concluiu-se que as medidas antropométricas variam de acordo com
o segmento corporal mensurado e o tipo de disfunção motora. De maneira semelhante, Haapala
et al. (2015) mostraram que o grau de comprometimento neurológico gera variações no padrão
de crescimento. Em relação a classificação motora, por exemplo, Garcia-Iñiguez et al. (2017)
observaram que a altura era significantemente maior em indivíduos com paralisia espástica, se
comparados a indivíduos com outros tipos de paralisia cerebral.

Kihara et al. (2014) também retrataram o fato de que crianças com Paralisia Cerebral tendem a
ter menores estaturas que crianças com desenvolvimento típico. Nesse estudo mexicano, os
autores estratificaram os pacientes por idade e compararam a altura estimada pelo CT, CJ e CB.
Encontraram-se diferenças significativas entre a altura estimada pela técnica de Stevenson para
cada um desses segmentos. Na comparação entre faixas etárias houve variação de 12 cm (em
crianças até 71 meses) a 15,2cm (em indivíduos iguais ou acima de 120 meses).12

Haapala et al. (2015) também encontraram em seu estudo diferenças entre altura estimada pela
equação de Stevenson usando o CJ e altura real medida por antropômetro ou pela soma de
segmentos do corpo (em casos de escoliose ou contratura muscular). Essa variação foi de
-1,77cm a +5,4 cm. Em relação ao uso do CT, a variação foi de -2,97 a +5,9. Em ambos os casos
essa diferença foi maior na comparação dos pacientes com grau de comprometimento motor
mais severo.15

Uma hipótese para justificar a variabilidade do resultado da altura estimada conforme o


segmento medido é destacada por Haapala et al. (2015). Os autores destacam que existem
diferenças no crescimento de segmentos corporais na medida em que a severidade da paralisia
piora. Essa pesquisa sugere que o crescimento das extremidades inferiores é mais hipoplásico
em relação ao crescimento das superiores, podendo causar viés na estimativa da altura dessa
população.15

O estudo de Haapala et al. (2015) validou a equação de Stevenson usando CJ apenas para níveis
de comprometimento motor leves, sem contraturas ou deformidades espinhais. Acredita-se que
isso se deva ao comprometimento hipotrófico da musculatura de membros inferiores à medida
em que aumenta a severidade da paralisia.15 Iñiguez et al. (2017) também salientam sobre a
possibilidade de erros no cálculo do IMC em pacientes portadores de doença neural, que
variavam de acordo com o segmento de escolha para o cálculo da altura. Nesse aspecto, o
estudo encontrou diferenças de até 6,1 Kg/m2 quando comparou o IMC medido a partir do CT,
CJ e CB. Segundo Haapala et al. (2015), o IMC é calculado baseado na altura ao quadrado.
Sendo assim, pequenas variações na estimativa da altura podem gerar erros exponenciais no
cálculo do IMC. Esses autores também concluíram que há uma pobre correlação entre a altura
estimada e a real, quando aferida por medidas segmentares.

As equações propostas por Stevenson (1995), Chumlea et al. (1994) e Gauld et al. (2004)
podem gerar desacordos entre o resultado da altura estimada e a altura real. Como consequência,
haveria erro no cálculo de IMC, ocasionando diagnósticos e abordagens equivocadas sobre a
situação nutricional desses pacientes.

Em 2014, no Chile, um estudo encontrou concordância entre altura estimada pelos segmentos
CJ e CT e a altura medida.16 No entanto, houve impossibilidade de estimativa da altura em 40%
da amostra devido à dificuldade de realizar medidas diretas, pois se utilizou apenas a altura em
posição supina para verificar a altura real dos pacientes. Esses 40% coincidem justamente com
portadores de paralisias moderadas à severas, em que os pacientes não conseguem se manter em
posição ortostática. Esse é um fator limitante do estudo, já que a análise da correspondência das
equações somente contemplou pacientes com paralisias leves.

Nesta revisão, observa-se limitação de alguns dos trabalhos analisados, em relação à


estratificação de faixa etária nas populações estudadas. A separação das medidas para cada
idade é importante, uma vez que para cada fase do desenvolvimento infantil existem diferenças
nas proporções dos tamanhos dos membros. Por esse mesmo motivo, a incorporação, na mesma
amostra, de indivíduos adultos e de crianças, como no estudo de Hogan (1999) e Haapala et al.
(2015), pode gerar viés. Outro aspecto observado foi a variação dos instrumentos utilizados para
a obtenção das medidas antropométricas. Stevenson (1995) preconiza o uso de calibrador de
Ross ou antropômetro para a obtenção da altura CJ. Teixeira e Gomes (2014) obtiveram essa
medida por meio de uma fita métrica, o que também pode gerar viés, uma vez este instrumento
pode sofrer deformação durante a medição, reduzindo a precisão e a confiabilidade dos valores
determinados.

CONCLUSÃO

O emprego de diferentes instrumentos de medida pode alterar a o cálculo da estatura estimada,


causando dificuldade na avaliação do IMC. Além disso, as equações utilizadas para cálculo da
altura foram validadas em populações com biotipos diferentes das crianças brasileiras.
Evidencia-se a necessidade de realizar estudo nacional comparativo entre a altura diretamente
aferida e aquela estimada, por meio dos comprimentos segmentares, em pacientes com
limitações físicas. Os serviços que prestam assistência interdisciplinar aos portadores de
necessidades especiais, se beneficiariam desses estudos.

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Orcid joel https://orcid.org/0000-0002-8386-4140

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