Você está na página 1de 6

POLÍTICA E PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Desafios para uma educação política: meta 19 e gestão


democrática

Professora: Ana Lorena Bruel

Alunos: André Fagundes e Gabriel Domingues

Turma: Manhã
A política, caracterizada como um modo de transformação conjunta do
mundo realizada pelos homens enquanto seres capazes de formar cidades
(espaço de convivência não familiar), comunidades ou agrupamentos
multitudinários, exige ser pensada em todas as instâncias onde o homem é
levado a unir-se com outros homens. A educação, como uma dessas esferas
de poder e de congregação social, é de importância fundamental para que
observemos o modo como uma cidade humana determina sua organização
política. Isto porque é em grande parte através dela que os homens começam
a aprender as ações que podem ou não realizar no mundo, ações tais que são
necessariamente adquiridas por um aprendizado e que portanto exigem uma
certa prática, auxílio e estímulo. Por ser uma instância tão fundamental da
existência e cultura humana, a educação é também a condição de toda a
política, pois é nela que diversas visões e concepções do mundo são
confrontadas afim de determinar diferentes modos de vida possíveis. Desta
maneira, faz-se necessário que observemos com atenção como a educação é
capaz de transformar a política, bem como a política é capaz de determinar a
educação. Em suma, este texto pretende traçar um breve esboço para uma
análise da relação entre política e educação, tomando como objeto material a
legislação brasileira e o Plano Nacional de Educação.

A promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988 trouxe em


seu arcabouço legal diversos avanços em relação ao processo de formação
política da educação no Brasil. Seguida a ela, alguns dos marcos mais
significativos para o ensino público brasileiro se deram na reformulação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) em 1996 e na recriação
do Plano Nacional de Educação (PNE), que teve sua primeira publicação em
1934 mas que passou por diversas transformações culminando em seu novo
documento fixado pela lei federal em 2014, estendendo-se até 2024 com
diversas metas, estratégias e prazos de realização. No entanto, apesar de
serem consideradas pela opinião da maioria dos profissionais da educação
como leis avançadas e ambiciosas em sua constituição formal, estas
legislações e diretrizes por si mesmas não foram capazes de concretizar
efetivamente, em nível nacional, o ensino público e estão na opinião de muitos
especialistas longe de serem alcançadas. Isto porque a realização das
conquistas políticas que manifestam-se nas leis do Estado é constante e
ininterruptamente confrontada com diversas fontes de desvio e dificuldades
tanto internas como externas ao poder público. Portanto, para que tais leis
saiam da mera formalidade e sejam de fato executadas, é necessário que além
de uma constituição sem lacunas de interpretação ou ambiguidades quanto ao
seu significado, haja também um trabalho árduo na construção de mecanismos
que permitam a sociedade civil avaliar e retificar o seu andamento.

Tomemos como exemplo a lei de Gestão Democrática nas escolas


públicas, que está presente tanto na CF como na LDBEN, sendo também tema
da meta 19 do PNE. Esta legislação, em grande parte influenciada pelas
concepções freireanas, prevê que o funcionamento e organização escolar do
ensino público deve priorizar a participação tanto dos profissionais da
educação quanto da comunidade escolar e local na gestão pedagógica,
administrativa e financeira, na elaboração do projeto político pedagógico (PPP)
da escola e nos conselhos escolares. Apesar dos diversos problemas que
enfrenta a educação brasileira tanto na questão financeira quanto do seu
acesso, auxílio à permanência e conclusão, principalmente pela população
carente de recursos materiais (que constitui a maioria populacional), a questão
da convivência coletiva e não-hierárquica dentro das escolas, apesar de ser na
maioria das vezes suprimida por um debate meramente conteudista,
despolitizante e autocrático do sistema de ensino, é também fundamental para
uma análise do desempenho e qualidade escolar, pois contribui para a
formação de um cidadão crítico, capaz de propor mudanças e transformar
politicamente a realidade em que vive.

Mais tarde, após a exigência da Gestão Democrática ser posta em lei, o


Estado brasileiro responsabilizou-se por formular os mecanismos de sua
efetivação, um deles e talvez o mais importante foi o Plano Nacional de
Educação, realizado e publicado após diversas discussões promovidas em
todo território nacional, em que a operacionalidade da lei de GD foi mais
explicitada e melhor delineada, ainda que seja uma das metas menos claras e
talvez (por consequência) menos efetivadas de todo o documento. Nele estão
presentes diferentes disposições estratégicas que versam sobre as prioridades,
tarefas e atribuições a serem realizadas pelo Estado Brasileiro bem como pelas
suas unidades federativas para alcançar um funcionamento mais democrático e
coletivo de todos os indivíduos pertencentes à vivência escolar.

No Artigo 9º da lei nº 13.0005, que torna o PNE uma exigência legal e


não um mero documento, é posto que “os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios deverão aprovar leis específicas para os seus sistemas de ensino,
disciplinando a gestão democrática da educação pública nos respectivos
âmbitos de atuação, no prazo de 2 (dois) anos contado da publicação desta
Lei, adequando, quando for o caso, a legislação local já adotada com essa
finalidade”. Desde a promulgação desta lei, diversas críticas foram realizadas
apontando que ao colocar no texto apenas a responsabilidade dos Estados, DF
e Municípios na formulação de legislações específicas para a gestão
democrática, a meta apenas realizou uma descentralização formal, o que dá
brecha para a negligência da Federação, dificulta uma fiscalização nacional
dos resultados e enfraquece uma articulação federal de parâmetros capazes de
auxiliar os entes federados com menos capacidade técnica e financeira para
realizar tal proposta. Ainda sim, é inegável que diversos avanços foram
realizados em diversas regiões do Brasil, que tem uma herança muito pouco
democrática, como a construção de programas e materiais de apoio para a sua
efetivação. No entanto, pode-se considerar que a meta como um todo, voltada
para sua concretização universal em todas as unidades federativas do país foi
até agora um fracasso. Em 2019, três anos após o vencimento do prazo,
apenas 11 estados mais o Distrito Federal dos 27 existentes, menos da
metade, realizaram uma legislação voltada ao estabelecimento da gestão
democrática nas suas escolas. Mas se nem a legislação formal foi realizada, é
de se imaginar que os mecanismos de sua fiscalização tão pouco o foram.
Uma das maiores dificuldades para quem analisa esta meta do PNE é a
escassa existência de indicadores que permitam avaliar se as escolas
funcionam ou não de forma democrática. Algumas pesquisas realizadas pelo
IBGE e os dados fornecidos pela Prova Brasil, um questionário específico
dirigido a diretores e professores, nos indicam apenas três aspectos que
apesar de serem fundamentais para uma organização democrática não são
capazes de medir com precisão concreta se as escolas tem de fato uma
constante prática participativa e descentralizada de gestão ou se apenas são
aparelhos burocráticos de gerenciamento . O primeiro deles é a forma de
provimento dos diretores escolares, que na maioria dos municípios (74,4%) é
feita por indicação - na maioria das vezes política, com alinhamento partidário
ao governo eleito - e apenas na menor parte é feita por eleição ou seleção
técnica, como prevê a legislação nacional. O segundo é a existência, inclusão e
frequência dos conselhos escolares, que aponta que 76,2% dos municípios têm
escolas com um órgão colegiado desse tipo, que destes, apenas 65,5% tinham
a presença de alunos e 64,4% de todos os membros da escola (o que
evidencia que a democracia, em que os conselhos tem importância crucial para
o estabelecimento do diálogo, que acontece dentro das escolas é também
restrita e não universal) e por fim, no número de frequência, apenas 4%
realizava mais de uma reunião por bimestre, o que sugere por sua vez que o
espaço e o tempo de diálogo é suprimido pela grande maioria das escolas. O
terceiro fator considerado pelos exames é a participação da comunidade
escolar na formulação do projeto pedagógico da escola, que indica que apenas
40,7% das escolas tem um PPP com todos os agentes do ambiente escolar
envolvidos. Este último talvez seja o mais importante e ao mesmo tempo o de
mais difícil confirmação plena, pois o critério para avaliar a qualidade
democrática desta participação não foi objeto de preocupação na legislação e,
além disso, tal informação necessita de um acompanhamento especializado
que na maior parte das regiões é ausente.

Nesta tabela, feita pelo pesquisador do Núcleo de Políticas


Educacionais, Ângelo Ricardo de Souza, é possível perceber que apesar de
muitos dos indicadores de GD terem sofrido aumentos em todas as regiões do
país, as suas proporções ainda são muito desiguais. Muitas escolas, apesar de
possuírem conselhos, tem um funcionamento democrático precário, tomando
como exemplo a região sudeste, que possui 84% das escolas com Conselhos
Escolares e apenas 45% com eleições para diretores, o que se agrava nas
regiões norte e nordeste, com apenas 24% das escolas com diretores eleitos,
número que representa um retrocesso em relação aos dados de 2003.

Com a falta de indicadores mais específicos, de um acompanhamento e


suporte técnico- financeiro, de uma formação e capacitação universitária dos
docentes, da presença de tempo e espaço para uma pedagogia democrática e
social no currículo escolar para além dos ensino conteudista e de legislações
mais incisivas para a responsabilização dos entes federativos em relação à
uma gestão comunitária de todo o sistema de ensino, somada aos
investimentos cada vez mais precários do Estado Brasileiro na educação e ao
projeto de militarização do ensino pelo governo eleito em 2018, fica cada vez
mais evidente que a meta 19 do PNE está longe de ser efetivada. Ainda sim,
não deixa de ser de importância crucial para os rumos da educação brasileira a
sua discussão, pois a política não se faz presente apenas no Congresso
Nacional, mas também em todas as instâncias de comunicação humana, em
que a educação se faz absolutamente presente. Muito se fala em aprender a
ler e a escrever, o que não deixa de ser importante, mas quanto as escolas tem
se esforçado para ensinar a ouvir e falar? A prática democrática exige que o
aluno seja capaz de dialogar e dessa maneira o estimula a uma participação
política e cidadã mais intensa. Talvez por isso tal forma de organização dentro
das escolas venha sendo cada vez mais suprimida, com projetos que
impulsionam uma despolitização em massa de toda a escola e população e
não permitem que os cidadãos exerçam seu direito de expressão e autonomia,
obliterando o trabalho coletivo e favorecendo a mentalidade competitiva e
eliminatória. Porém, além da formação cidadã, podemos constatar através dos
dados do INEP e das estatísticas levantadas pelo IBGE e Prova Brasil que as
regiões que apresentam maiores índices de gestão democrática são também
as que possuem um melhor desempenho nas avaliações nacionais, o que
indica que a GD não é apenas uma ferramenta de consciência política e
cidadã, mas também um estímulo ao aprendizado e envolvimento dos alunos
nos conteúdos curriculares.
A democracia, enquanto regime de diálogo, transparência, consulta e
decisão coletiva está muito longe de ser meramente um regime eleitoral e
burocrático (como geralmente é reconhecida pelo senso comum que a conhece
apenas pela abstração do aparato estatal macro-político e não nos espaços
mais concretos de convívio como a educação e o trabalho), pois seu
funcionamento exige a participação de todos os envolvidos no processo político
de transformação do espaço e não um mero jogo de representação,
característica do estado autoritário e populista. A transição da lógica feudal e
hierárquica de convívio centralizado para uma lógica mais democrática, coletiva
e de menor concentração de poder é um processo de longa duração, mas que
tem a escola como espaço eminente de ruptura, pois é nela que a possibilidade
de transformação do espaço pode ser concretizada e internalizada na ação dos
cidadãos, visto as diversas experiências de escolas comunitárias existentes
mesmo em lugares carentes e autoritários como muitas regiões brasileiras,
provando ser possível que a escola seja um modelo para a construção de uma
nova realidade mais justa e menos excludente.

REFERÊNCIAS

SOUZA, A. R. “As condições de democratização da gestão da escola pública


brasileira”, jun. 2018

BERNARDO, E. S.; BORDE, A. M. “PNE 2014-2024: Uma reflexão sobre a


meta 19 e os desafios da gestão democrática.”, out 2016.

CORTESE, B. “Estamos avançando na construção de uma gestão educacional


democrática?”, jun, 2017

AGUIAR, D. R. C. “As políticas educacionais em municípios que se orientam


por referenciais freireanos: outro jeito de fazer escola” abr. 2017.

SANTOS, A. P.; PRSYBYCIEM, M. M. “Indicadores de práticas de gestão


democráticas no âmbito da educação básica a partir das avaliações em larga
escala”

Você também pode gostar