Você está na página 1de 7

Espiral - 2008 / 4

198 páginas
EditorEres

O livro: Os escritos de Lóczy

A mão de uma enfermeira [*] [*]


Autor Anna Tardos
Anna Tardos, psicóloga e diretora do Instituto Emmi Pikler Hungria (Lóczy).

É bem conhecido que na vida do bebê (do lactente), os estímulos táteis


desempenham um papel extremamente importante no contato corporal entre a criança
e o adulto. No entanto, a literatura traz pouco ou nada sobre a questão de quais são as
ações dos adultos agradáveis para as crianças pequenas, e quais são aquelas que, sem
intencionalidade do adulto, suscitam neles sensações desagradáveis.
Ao analisar vários exemplos observados na prática, quero demonstrar que, no
processo de atendimento, o contato corporal é muitas vezes, para a criança, fonte de
desconforto em seu corpo, ofensa para sua pessoa e que pode causar sentimentos de
frustração; e falarei do que podemos fazer, para que este contato cumpra seu papel
verdadeiro.
O bebê, desde a mais tenra idade, expressa, por todo seu comportamento, o que
sente quando se lida com ele ou quando o adulto toca todas as partes do seu corpo, logo
que o pega e o leva em seus braços.
Quando o contato corporal lhe é agradável, o recém-nascido relaxa entre as mãos
macias que o tomam ou mantém. Se essas ações são repetidas ao longo do tratamento
dado a ele, se a criança está à vontade durante o cuidado, quando é limpo, toma banho,
é vestido e despido, ele relaxa mais e mais. Pode-se dizer que o bebê está se preparando
para que o adulto o assuma durante a limpeza ou banho, ele relaxa o corpo, muito antes
do toque do adulto. Ele continua de forma quase automática os movimentos iniciados
pelo adulto.
As experiências prazerosas adquiridas durante o tempo que passam juntos
enriquecem e diversificam as relações entre a criança e o adulto. Além disso, elas
tornam essas relações mais estreitas, enquanto que as experiências desagradáveis
perturbam a criança, criam ansiedade e a tornam desconfiada de adultos.
Por exemplo, um movimento brusco ou inesperado pode ser desagradável para o
bebê. Assim, o recém-nascido se estremece se a mão do adulto o toca inesperadamente.
Tentar acessar diferentes partes do seu corpo com movimentos bruscos e fortes demais
também é, para o bebê, fonte de sensações desagradáveis. Se, para virar a cabeça,
erguer os braços e as pernas, a partir de sua posição espontânea, não se espera com
paciência o relaxar de seus músculos, os movimentos do adulto deverão superar sua
resistência. E isso, muitas vezes, exige um esforço considerável, da parte dos adultos.
Assim, os gestos ‘cuidadores’ podem tornar-se, para a criança, bruscos e desagradáveis.
Muitas vezes, o desconforto do bebê provém de uma mudança de equilíbrio.
Durante os primeiros meses de sua vida, por exemplo, se a cabeça do bebê não tem um
apoio suficiente, ele fez esforços para impedir que sua cabeça se mova, para impedi-la
de cair para trás. Mas seus esforços não são sempre eficazes. Se esses sentimentos de
desconforto – além dos gestos da mão de um adulto - se repetem, a criança irá esperar
seja com irritação passiva, seja com resistência tensa, os momentos de despir-se, de ser
higienizada ou vestida.
Os momentos passados com os adultos - que se repetem várias vezes ao dia - não
são vividos nem esperados como uma fonte de prazer, mas sim como uma experiência
desagradável que a criança suporta mal.
O bem-estar do bebê depende em primeiro lugar e principalmente do adulto, isto
é, da maneira como ele o tocou. Sobre esta questão da “mão da enfermeira”, as
experiências de crianças criadas (cuidadas, educadas) em creches não são sempre
reconfortantes. Uma das fontes de suas experiências desagradáveis podem ser
movimentos rotineiros, mal aprendidos pelas enfermeiras [1]
Nas instituições, de fato, uma enfermeira a cada dia pega em seus braços várias
crianças, troca-as, dá-lhes banho, comida e, em seguida coloca-as em sua cama ou na
área de brincadeiras. A repetição das diversas situações e procedimentos de cuidados
exerce, inevitavelmente,uma influência sobre os gestos da enfermeira.
Os movimentos que, ao longo de seu trabalho, são muitas vezes repetidos, tornam-
se geralmente, justamente por sua natureza repetitiva, mais breves, mais rápidos, mais
eficientes e também, em certa medida, automáticos. O datilógrafo, o laboratorista ou o
operário experientes executam maior proporção do seu trabalho muito rapidamente,
quase automaticamente, sem prestar atenção aos detalhes.
O trabalho da enfermeira é facilitado, é verdade, se alguns de seus movimentos se
tornam mais rápidos e mecânicos: se for capaz, por exemplo, de preparar rapidamente
os panos e vários objetos necessários para trocar o bebê ou para vesti-lo; e se ela
habilmente arruma a cama, se prepara o alimento rapidamente , em uma palavra, se
não dedicar sua atenção aos processos "técnicos" das diferentes operações.
Mas o fato de que os movimentos diretamente dedicados à criança tornem-se mais
breves, mais rápidos e mecânicos representa um grande perigo.
Este tipo de movimentos não permite, exclui até mesmo, que a criança possa se
preparar convenientemente para o gesto em questão, ou que ela participe, de forma ativa,
da operação, associando à sua pessoa. Algumas tarefas de rotina são precisamente
destinadas a tornar o trabalho mais rápido, para não impedir que a criança desenvolva
sua atividade. Esses atos normalmente contêm alguns elementos bruscos, e é por isso
que tornam-se duros e, portanto, desagradáveis. Eles não permitem que o bebê ou a
criança com pouca idade sintam-se à vontade durante os cuidados.
Durante esses movimentos executados com pressa, outras formas de
relacionamento entre a criança e o adulto, como a troca de olhares, são, portanto, muito
pobres.
A forma como a criança é tratada contém, para o bebê (lactente), muitas
informações. Os movimentos ternos e delicados expressam atenção e interesse,
enquanto os movimentos rápidos e repentinos são sinais de desatenção, indiferença ou
impaciência.
Se, por exemplo, a auxiliar (a cuidadora) chama o bebê, deitado sobre as costas, no
parque, se ela procura seu olhar e espera que ele se aperceba, se a criança é assim
preparada para que o adulto a pegue em seus braços com gestos calmos e lentos,
segurando bem sua cabeça e seu tronco, ela pode não só evitar, assim, que a criança
estremeça, se assuste como resultado de movimento rápido e inesperado, mas também
a faz entender que "Ela espera, ela quer a sua participação e cooperação em tudo o que
se segue. Mas, se ao contrário, a enfermeira leva o bebê em seus braços tão de repente e
inesperadamente, levantando o tronco ou puxando os braços, a criança não tem
somente uma emoção ou uma experiência desagradáveis, mas significa para ela que a
enfermeira não espera a sua cooperação, e não lhe dá tempo para se preparar para um
gesto especial; neste caso, a criança é tratada como um objeto pouco apreciado e sem
valor, que não tem necessidade de ser tratado nem com precaução nem com doçura.
Mesmo hoje, os pequenos educados em nossos institutos têm muitas vezes essa
experiência: muitos movimentos rotineiros, realizados rapidamente não asseguram
nem mesmo um sentimento de mínimo de conforto e, finalmente, impedem a
construção de uma relação afetiva entre a criança e o adulto.
Como ainda pode ser visto em hospitais ou maternidades, a enfermeira segura o
bebê sob a água corrente, como se fosse um casaco jogado por cima do braço, a criança
nem consegue se mover. Esse procedimento pode ser executado muito rapidamente,
mas a criança não sabe a princípio o que vai acontecer com ela, ela não sabe quando a
mão da enfermeira ou o jato d’água tocará suas pernas, quando ela começará a
ensaboar ou a enxaguar. A criança não tem nenhuma possibilidade de participar da
operação, nem de expressar seu sentimento de satisfação ou insatisfação, por exemplo,
se a temperatura da água lhe é agradável ou não. A enfermeira nem sequer olha o rosto
da criança ... Parece que o que acontece com a criança não desperta interesse e
importância. De qualquer maneira, é como o bebê o sente.
Durante a refeição, quando o braço de uma criança, sentada no colo da enfermeira,
é preso entre o adulto e seu próprio corpo e que o outro braço é imobilizado pela
auxiliar que segura o prato, o bebê não só é incapaz de qualquer tipo de participação,
mas também de qualquer forma de protesto. Isso significa também, para a criança, que
ela não pode influenciar o curso da refeição, quer goste de sua comida ou não, quer o
ritmo colheradas lhe convenha ou não, ou que a quantidade de alimento a satisfaça ou
não. Assim, a experiência de jantar, que deveria ser uma fonte de prazer e satisfação,
rapidamente se transforma em algo doloroso e extremamente desagradável para a
criança.
Às vezes acontece da criança, sentada sobre o trocador, ser puxada pela auxiliar
por um movimento de tração sobre suas pernas ou, durante o vestir, de ela ser pega
pelos braços para que se sente ou deite, antes que a criança, informada da demanda do
adulto, possa sentar-se, levantar-se ou alongar-se sozinha. Nestas circunstâncias, não é
possível para a criança se beneficiar da presença da enfermeira para compartilhar uma
atividade comum, nem mesmo eventualmente carícias ou brincadeiras.
Quando a auxiliar troca, também com movimentos rápidos, uma criança um pouco
mais velha, colocando-a pé diante dela, a cabeça da criança contra as pernas, toda troca
de olhar ou de palavras fica impossível. A auxiliar só pode ver as costas da criança, ela
só se ocupa com os cuidados de higiene e vestimentas, sem dedicar a sua atenção para a
própria criança que se sente "negligenciada" durante os cuidados.
Da mesma forma, quando a enfermeira pega a criança pelo pulso ou antebraço,
quando ela o puxa para trás, ou empurra, tocando em sua cabeça ou suas costas, esses
movimentos também contêm elementos abruptos. Estas maneiras de se dirigir à
criança mostram que o adulto não confia nela, não acredita que ela possa entender o
que ele quer, ou podem mostrar que o adulto não está satisfeito com o ritmo da criança.
As manifestações dessas práticas, esses hábitos excessivamente rápidos que
surgem no cuidado diário e a sua repetição são inevitáveis no trabalho das enfermeiras?
Nossas experiências, que já datam de várias décadas, mostram que é possível
impedir o desenvolvimento destes hábitos de trabalho, e mesmo que a enfermeira é
capaz de se livrar de gestos muito rápidos, mecânicos e mal aprendidos ... Mas sabemos
também que não é tão fácil de realizar esse processo de mudança.
Para se livrar de certos hábitos, a enfermeira deve primeiro mudar seu estado de
espírito. Um interesse sincero, sua determinação para conseguir uma cooperação real
da criança irão lhe render, em geral, mãos sensíveis, delicadas e ternas.
Mas isso não acontece espontaneamente: é necessário adquirir uma verdadeira
"cultura" da mão para torná-la carinhosa, com gestos mais reconfortantes e mais
agradáveis para crianças, gestos que lhes permitam cooperar com adultos.
Treinamos [2] nossas enfermeiras como elas podem levantar, carregar ou levar o
bebê em seus braços, para que ele não perca, durante todo o tempo, seu senso de
segurança física; nossas enfermeiras pegam os bebês, ainda incapazes de manter sua
cabeça ou tronco, de modo que seus corpos e suas cabeças são seguras. A criança que
está em seus braços deve sentir-se continuamente à vontade. Elas aprendem a segurar
o bebê no colo sem bloquear os seus movimentos: a criança pode tocar a mão no rosto
do adulto, pode estar ativa em tudo o que lhe acontece.
Nossas enfermeiras aprendem não só a realizar as diferentes operações que fazem
parte do seu trabalho, mas também, por assim dizer, para "perceber" com as mãos. Ao
ficar alerta e levar em conta as reações da criança, elas podem encontrar gestos
agradáveis, delicados, que não incomodam a criança. Elas aprendem a cuidar de bebês
e crianças bem pequenas dentro de um ritmo que lhes dá tempo e oportunidade para
se preparar para a abordagem de um adulto ou dos vários gestos de cuidado.
Desta forma, a enfermeira sempre chama a criança de quem cuida. Ela espera que
o bebê, através de algum sinal, manifeste que percebeu seu apelo. Em geral, neste
momento seus olhos se encontraram, a enfermeira pega a criança quando ela "sente",
no seu contato tátil com o bebê, que ele aguarda a sua ação.
Cooperar e participar nas diferentes atividades de cuidados, quer dizer, no fundo,
que a criança responde com seus movimentos às demandas ou aos gestos iniciados pela
enfermeira. Mas, para isso, a criança tem necessidade de tempo. As crianças pequenas
não podem se preparar para os movimentos que se repetem a um ritmo rápido, e são
ainda menos capaz de responder a eles.
Nossas enfermeiras aprendem a abrandar, tornar mais lentos os movimentos
para esperar uma resposta e contar com a participação da criança. Porque, se
enquanto vestem o recém-nascido, pegam-no pelo braço, que é colocado de imediato na
manga da camisa, ou se, durante a refeição, elas apresentam o alimento colocando o
copo diretamente na boca da criança, elas não dão à criança a oportunidade dela, antes
de ser vestida ou de comer, estender e passar a mão na camisa ou no vidro do copo. Se
elas executam toda a operação rapidamente, o gesto de a criança se torna totalmente
supérfluo.
Mas, se a enfermeira executa essas ações, tendo em conta os “movimentos-
respostas” da criança, se modifica sesu gestos em conformidade com os da criança, o
bebê pode, então, participar, cada vez mais, dos diversos procedimentos de cuidados.
Basicamente, nossas enfermeiras aprendem movimentos interrompidos: ao
chamar a criança, oferecer-lhe um objeto, ou solicitar que lhe dê alguma coisa, a
enfermeira começa a fazer um gesto, mas não o termina imediatamente e aguarda por
alguns instantes, a sua resposta. Estes gestos expressam expectativas e oferecem , à
criança, a possibilidade de escolha: poder agir de forma independente.
O gesto de solicitação desempenha um papel particularmente importante na
relação enfermeira-criança. Como gestos de ‘chamar’ e de ‘oferecer’, a solicitação é o
símbolo de uma reaproximação pacífica, um verdadeiro pedido dentro do qual o outro
existe, sem que sua realização dependa da força. Este gesto exprime que o adulto, em
vez de agir sozinho, por si só, está à espera da ação do bebê (lactente): ele espera, por
exemplo, que a criança pegue com as próprias mãos o pedaço de maçã, que não quer
mais comer, ou seus sapatos que vai tirar.
A atitude do adulto que demanda e aguarda, oferece à criança a possibilidade de
decidir, ela mesma, se atenderá o desejo do adulto. Esta atitude é, ao mesmo tempo,
um "modelo", um exemplo para a criança, nas suas relações com os outros: não
podemos esperar que uma criança em vez de tomar, pela força, um objeto desejado, o
peça à outra criança, se o adulto tem o mesmo comportamento em relação a ela, isto é,
se toma dela o objeto, em vez de lhe pedir. A mão do adulto é, portanto, para a criança,
uma importante fonte de experiências ...
Em um berçário, é mais fácil obter das enfermeiras um rosto sorridente ou falante
do que movimentos suaves e delicados. Citamos a esse respeito, Vercors: "Aprendi
naquele dia que uma mão pode, para quem sabe observá-la, refletir as emoções, tão
bem como uma face, tão bem ou ainda que um rosto, porque ela escapa mais ao
controle da vontade. "
Hoje, sabemos que a enfermeira não pode cuidar adequadamente das crianças
senão dando provas de um real interesse, estando atenta a todas as reações do bebê e
estando pronta para lhe responder. E essa atenção não se completa a menos que ela
empregue não apenas seus olhos e ouvidos, que ela responda não só com palavras e
sorrisos, mas também que ela toque a criança com mãos delicadas, com mãos que
aguardam a resposta e que estão sempre prontas a responder.
Nossas experiências, o interesse manifestado sobre a criança e a criação de
condições de cuidados realmente atensiosos, mostram que a "cultura" das mãos e dos
gestos reflexivos permite ocupar-se de lactentes e crianças de tal modo que eles
estejam realmente à vontade; desta forma, seu relaxamento, sua alegria e sua
participação ativa influenciam favoravelmente, por sua vez, o comportamento da
enfermeira.

NOTAS

[*] Este texto é parte de uma lista de mais de 80 artigos escritos por membros da equipe Pikler Instituto

em Budapeste (Lóczy) e com diferentes aspectos da sua abordagem clínica e institucional da casa do

bebê em uma instituição. Esta lista está disponível no site da Associação Pikler de France www. Pikler.

en

[1] Para este anglicismo, o cuidador direto da criança, o que "o bebê em seus braços" ( NDR).

[2] A descrição detalhada desses movimentos e cuidadoso na Figura manual Treinamento enfermeiros,

Escrito pelo Dr. Pikler Emmi.

Anna Tardos "A mão da enfermeira, Espiral 4 / 2008 (No. 48), 177-182.
© Cairn.info 2010

Você também pode gostar