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DUARTE, MARIA BEATAIZ BALENA. A ESCOLA COMO ORGANIZAÇÃO. P. 110 A 118 111
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isso, uma análise para fazer sentido, deverá ex- • até os anos 50, uma pedagogia centrada
pressar todas as dimensões pessoais, simbólicas nos alunos sob uma ótica individual. A
e políticas da vida escolar, sem cair no componente central da intervenção
reducionismo fácil de pensar a ação educativa educativa era o indivíduo-aluno, nas
em termos de técnicas de gestão e eficácia, típi- dimensões cognitiva, afetiva e motora.
cos das organizações empresariais. O discurso pedagógico concedia aten-
O estudo da escola como objeto autô- ção privilegiada às metodologias de
nomo das ciências da educação é relativamente ensino;
recente, por isso é importante que as aproxi- • as interações no processo educativo, fru-
mações e análises sejam feitas com o máximo to de movimentos ligados à dinâmica de
de precauções teóricas e conceituais, sublinha- grupos do pós-guerra, são acentuadas,
do por vários autores que se dedicam ao tema, conduzindo às pedagogias não diretivas
pelo fato de que o sistema educativo tem ex- da década de 1960. O que se passa numa
perimentado críticas e contradições ao longo sala de aula é mais importante que as
dos últimos anos, a discussão da escola como aprendizagens,. o fator principal são as
um todo, levando em conta o contexto vivências escolares. A produção pedagó-
sociopolítico, passa pela exigência da moder- gica deste período está centrada em téc-
nização do sistema educativo, o que significa nicas de animação e expressão;
em última análise, descentralização e investi- • os anos 1970 assistem à desmistificação
mento nas escolas como espaços de forma- das crenças ingênuas do potencial de
ção. Ao adaptarem-se aos "novos tempos", as transformação social, proposto pelos so-
escolas têm de adquirir uma grande mobilida- ciólogos da reprodução, onde é possí-
de e flexibilidade, abandonando a pesada bu- vel identificar a discussão crítica das
rocracia e inércia que as têm caracterizado. instituições escolares existentes, o pa-
Estas reivindicações estão claramente expres- pel do professor e a projeção da peda-
sas nos últimos documentos oficiais emanados gogia para fora dos muros da escola.
dos órgãos governamentais responsáveis pela Os estudos privilegiam a análise da edu-
questão, e mesmo da sociedade como um cação centrada no sistema educativo,
todo. Para que isso aconteça, é importante com recursos de metodologias de aná-
dotar as escolas, como espaços de autono- lise política e de intervenção social. Aqui
mia curricular e profissional, com tudo o que se nota um incremento das proposições
isso implica, ou seja, compreender o papel de correntes pedagógicas ocupadas com
dos estabelecimentos de ensino como orga- a racionalização e eficácia do ensino;
nizações, que funcionam numa tensão dinâ- • durante os anos 1980 as práticas peda-
mica entre produção e reprodução, entre gógicas estão voltadas na sala de aula,
liberdade e responsabilidade. com uso de metodologias de observa-
Tomando como base de análise a estrutu- ção e um novo incremento do desen-
ração dos conjuntos humanos num percurso de volvimento curricular;
complexidade crescente: indivíduos - as • desde os 1990 observa-se um esforço de
interações, os grupos, a organização e a institui- construção de uma pedagogia centrada
ção -, Nóvoa (995)5 faz adaptações com base na escola. A valorização de uma "escola-
em trabalho de Ardoino (977) para sugerir a organização" implica no estabelecimento
evolução das idéias sobre educação ao longo de margens de autonomia, com espaços
das últimas cinco décadas propondo a seguinte de formação participada, interação social
cronologia, que tratamos em resumo: e intervenção comunitária.
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Uma vasta literatura procura identificar E o conceito de Burke (987)13:
características organizacionais que são deter-
minantes para a eficácia das escolas. Partem da A cultura da empresa não é mais do que uma
construção de uma identidade própria das esco- aplicação específica da cultura no mundo do
las, e usam bases de consenso bastante alargadas. trabalho. Desempenha o mesmo papel. É um
sistema de integração, de diferenciação e de
Autores como Hopkins & Holly (998)9
referência que organiza e dá um sentido à ati-
Purkey&Smith (985)10 oferecem subsídios que vidade dos seus membros.
permitem o esboço, sem intenção prescritiva, do
retrato de uma escola eficaz, uma espécie de Com estas definições, podemos distinguir
cbece-list de apoio à regulação das organizações entre cultura interna (conjunto de significados e
escolares, e interessante para a compreensão de de quadros de referência partilhados pelos mem-
suas características mais dinâmicas. Incluem as- bros de uma organização) e cultura externa (va-
pectos como: Autonomia da escola, Liderança riáveis culturais existentes no contexto da
organizacional, Articulação curricular, Otimização organização que interferem na definição de sua
do tempo, Estabilidade profissional, Formação própria identidade).
do pessoal, Participação dos pais, Reconheci- No caso das instituições escolares, a cul-
mento público e Apoio das autoridades. tura organizacional, sob a ótica antropológica,
Nesse retrato, encontramos presentes os comporta elementos de ordem histórica, ideoló-
conceitos de autonomia, ethos, identidade, va- gica, sociológica e psicológica, que comporta
lores partilhados, adesão, coesão, etc. A cultura elementos que se encontram profundamente
de escola é uma das áreas de investigação que imbricados, que podem ser visíveis (organiza-
permite usar estes conceitos, dando-lhe consis- ção curricular, imagem exterior da escola, uni-
tência teórica e conceitual. forme, logotipo, lema, arquitetura do prédio,
Vala (998)11 observa que as organizações regulamentos e normas) ou não (valores, cren-
tendem a ser consideradas como "culturas", após ças, ideologias, currículo oculto, filosofia
terem sido vistas como máquinas, organismos e institucional, didática em sala de aula).
cérebros. Basicamente, a tendência é estudar as Todos esses elementos têm de ser "lidos"
organizações tomando emprestado conceitos de dentro e de fora da escola. De dentro pelos
elaborados pela antropologia, com o objetivo seus atores mas também de fora, pelas múltiplas
de separar o campo das estruturas organi- inter-relações que envolvem uma comunidade ..
zacionais do campo da cultura organizacional, Aliás, essa interação com o meio social que a
incorporando fatores políticos e ideológicos para envolve é um dos pilares básicos na análise da
compreender o cotidiano escolar, os processos cultura organizacional das escolas.
organizacionais, estabelecendo um olhar mais É importante salientar, que a questão "cul-
dinâmico e plural. tura" é central nas análises da escola como um
O conceito de cultura organizacional foi todo, em diferentes abordagens. Escola transmis-
importado para a área da educação a partir dos sora de cultura em Durkheim, reprodutora de
anos 70, de onde destacamos o conceito de cultura para Bourdieu ou de ação cultural para
Brunet (991)12: libertação em Paulo Freire, são olhares diferen-
tes sobre a realidade educativa, que podem ser
As organizações escolares, ainda que estejam utilizados sob um novo prisma.
integradas num contexto cultural mais amplo,
Conhecendo a estrutura da escola como
produzem uma cultura que lhes é própria e
que exprime os valores (ou os ideais sociais) e um grupo instituído e um corpo de normas, como
as crenças que os membros da organização no caso brasileiro, conscientemente submetido
partilham. ao Poder Público, por ser ele o agente regula-
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habilidades, atitudes, interesses pessoais e ma- penha um fator de integração entre os elemen-
neiras de agir. Afinal, quem poderia desprezar a tos, e é também um fator de diferenciação ex-
multiplicidade de processos de interação e apren- terna. Há portanto uma profunda inter-relação
dizagem favorecida pela ida obrigatória à escola com o meio social em que se insere e qualquer
durante anos de uma vida? Como não levar em análise da cultura organizacional da escola não
conta as oportunidades de aprendizagem, inclu- poderá deixar de lado este aspecto.
indo aí as aprendizagens não formais, ainda que Uma outra questão importante a ser con-
na e pela escola, através do currículo oculto, siderada levando em conta a demanda externa
uma espécie de aprendizado "invisível", como tem a ver com a exigência que recai sobre a
que se estivesse impregnado no ambiente, que escola mais recentemente: a de preparar com
forma um conjunto de aprendizagens resultante eficiência as competências necessárias para um
mais da vivência, da percepção e das ações do mundo globalizado, competitivo e veloz. Ainda,
aluno do que daquilo que formalmente e ensi- uma escola democrática, que ensine a convi-
nado na sala de aula. Está relacionada com a vência com as diferenças, que seja útil e eficaz
forma pela qual a escola organiza o trabalho, o para ricos e pobres.
tempo, os saberes, os grupos e subgrupos. É o Traduzido pelo discurso oficial, seria o que
modo de vida da escola, e é nele que os alunos conhecemos por "uma escola de qualidade para
constróem suas competências e atitudes, apren- todos"- preocupação tanto de comunidades como
dendo desde cedo a lógica da organização for- de políticas de governos do mundo todo, deslo-
mal, quase que por um processo que Nóvoa cando um pouco a função de transmissão de co-
chama de "osmótico"!". nhecimentos para estimular o desenvolvimento
De certa forma, parte do desempenho desta de um conjunto de funções e atitudes e capaci-
organização é dada pela comunidade externa à dades de analisar, concluir sintetizar e compreen-
escola, quando, por exemplo, ela é considerada o der, negociar, argumentar e trabalhar em grupos,
loeus onde são encontrados certos ideais da cultu- relativizar saberes, isto é, aprender a aprender.
ra dominante da sociedade. Assim, o professor é Cabe então uma questão simples, mas
visto pela comunidade como alguém responsável perturbadora para a escola como organização:
pela transmissão desta cultura, e dos valores cultu- como saber onde estas habilidades se proces-
rais da sociedade. O papel esperado é de que ele sam? Sabemos quem e quais as pessoas respon-
esteja preparado para tal, situado de acordo com sáveis para que os alunos adquiram estas
estes valores. Desta forma, é a comunidade quem habilidades? É a sala de aula apenas o lugar onde
define em parte o papel exercido pela escola, o estas experiências são desenvolvidas? Quem
que de certa forma não deixa de ser uma maneira controla a "produção" desses saberes? Qual o
de regular o que é ensinado, e a maneira pela meio de avaliação da eficácia das atividades pro-
qual é ensinado. A opinião externa a respeito da postas com estes fins?
escola e suas funções acaba por determinar aquilo Não se sabe ao certo como são desenvol-
que é realizado na escola bem como os mecanis- vidas as competências mencionadas, apenas sa-
mos que serão engendrados para funcionar a fim bemos que elas não são adquiridas igualmente
de atender a "clientela", definindo enfim sua pró- por todos os alunos, não fazem parte de um
pria organização funcional. treino sistemático promovido pelos programas
A totalidade dos elementos da cultura e currículos e que sua aquisição não deriva ape-
organizacional devem ser lidos de fora para den- nas da ação da escola, mas está relacionada com
tro e de dentro para fora da escola, e as aprendizagens anteriores, familiares e sociais.
equacionados igualmente com ambas as popu- O que é certo de afirmar é que este é o desafio
lações envolvidas. A cultura educacional desem- imposto à escola como organização, ou seja,
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