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8. O Ego e os mecanismos de defesa


(Do Livro: Freud Básico, pensamentos psicanalíticos para o século XXI, Michael Kahn,
Editora Civilização Brasileira, 2003, pág. 159 .... )

Praticamente desde o começo de nossas vidas nos deparamos com conflitos inevitáveis. Existem impulsos imperiosos
demandando satisfação. Postado à frente deles, temos o mundo exterior, que ameaça de punição a tentativa de satisfazer vários
desses impulsos. Esse é o primeiro conflito, sendo, com diferentes disfarces, vitalício. Durante a infância, uma outra força se
desenvolve, e é preciso lidar com ela: o superego, a consciência, que ameaça punir com a culpa. A psicanálise é o estudo desses
conflitos e do modo como se lida com eles.

No quadro freudiano da vida mental, ... os impulsos se originam no id e o ego é aquela parte da personalidade encarregada de
manejar os conflitos entre o id, o mundo exterior e o superego. O ego tem de tentar nos manter longe do perigo, enquanto busca
conseguir que ao menos alguns dos impulsos sejam satisfeitos. Deve tentar manter a dor psíquica na intensidade mínima.
Acima de tudo, deve impedir que sejamos subjugados pelas três variedades de ansiedade: a realista, a moral e a neurótica. Não
é uma missão fácil de cumprir. A própria antecipação da satisfação de alguns desses impulsos evoca o espectro da punição e,
desse modo, gera muita ansiedade. Uma decisão consciente de privar-se do impulso, no entanto, pode ser extremamente
frustrante.

Freud deu o nome de mecanismos de defesa às muitas tentativas do ego de solucionar esses dilemas. Repetidamente, ele disse
que os mecanismos de defesa eram a pedra fundamental da teoria psicanalítica. Se os compreendêssemos, compreenderíamos
como a mente funciona. Embora ele tenha acrescentado que por meio disso compreenderíamos também a neurose, é importante
observar que nem Freud nem nenhum dos seus seguidores acreditavam que o emprego dos mecanismos de defesa era
necessariamente patológico. Pelo contrário, todos nós os utilizamos; não poderíamos levar a vida sem eles. Esses mecanismos
só se tornam um problema ao serem utilizados pelo ego de modo excessivo ou inflexível.

Observa-se corriqueiramente na medicina que o corpo algumas tenta encontrar alívio para uma doença ou ferimento com
excessivo entusiasmo e produz uma condição pior ainda. A afirmação de Freud de que os mecanismos de defesa são a chave da
neurose contém a mesma implicação. Em uma tentativa de se proteger da ansiedade, as pessoas algumas vezes instauram
medidas defensivas excessivas que se tornam componentes pertinazes e gravemente onerosos do seu caráter.

Dos vários mecanismos de defesa, o primeiro que Freud focalizou foi o RECALQUE, ......Mais tarde, Freud acrescentou outros
mecanismos, mas nunca escreveu um relatório sistemático sobre eles. Essa tarefa coube à sua filha, Anna Freud, que em 1936
publicou O ego e os mecanismos de defesa, até hoje um dos livros clássicos da psicanálise sobe o assunto. Dos escritos do pai,
ela selecionou uma lista de defesas e, em seguida, acrescentou outras; cogitaremos as mais importantes aqui.

Gostaria de propor uma definição de mecanismo de defesa que se afasta das definições clássicas.... Ela tem, espero, a vantagem
de ser simples: Um mecanismo de defesa é uma manipulação da percepção que tem como intuito proteger o indivíduo da
ansiedade. A percepção pode ser de episódios internos, tais como os sentimentos e impulsos, ou de episódios exteriores, tais
como os sentimentos dos outros ou as realidades do mundo.

1. Recalque - .... Recalcar significa excluir um impulso ou um sentimento da consciência. Portanto, é a manipulação da
percepção de um episódio interior.

O desejo erótico por uma pessoa proibida é perigoso. Se a pessoa que eu desejo é um progenitor ou filho ou irmão, ou talvez (se
me defino como heterossexual) uma pessoa do mesmo sexo, ter a consciência desse desejo me colocaria em risco de sentir
dolorosos sentimentos de culpa. Se eu revelasse o desejo incorreria em novo risco, o de ser humilhado ou punido. Se tenho
consciência do impulso e consigo mantê-lo inteiramente oculto, tenho de lidar não apenas com a culpa, mas também com a
frustração de uma forte necessidade que nunca pode ser satisfeita. Parece claro que para mim é uma vantagem não ter
consciência do meu desejo.

O mesmo é verdadeiro para os impulsos agressivos. Para muitos de nós, é difícil ter consciência dos sentimentos de raiva que
guardamos em relação a pessoas próximas. Par alguns de nós, é difícil aceitar sentimentos de raiva em relação a qualquer
pessoa. Assim como em relação aos sentimentos eróticos, parece melhor não estar ciente deles.

Essa opção está disponível; é a opção do recalque. Encontramos de novo nosso velho amigo, o vigia que toma conta da sala de
visitas da consciência. Ele examina o desejo que busca ser admitido na consciência e decide expulsá-lo, mantê-lo no hall de
entrada. Se de algum modo esse desejo consegue entrar na sala de visitas, ele o acompanha até a saída novamente. Na
linguagem da teoria dos mecanismos de defesa, o ego reconheceu essa dupla demanda do id:

- que o desejo seja reconhecido pela consciência e


- que seja satisfeito por meio de ação.

O ego sabe bem que, se qualquer dessas demandas for concedida, o superego atacará coma culpa. Ele também sabe que
provavelmente haverá respostas negativas do mundo exterior, se o desejo for revelado. Portanto, recalca o desejo, ou seja,
mantém-no longe da consciência, mantém-no aprisionado no inconsciente, e, ao fazer isso, protege-se da ansiedade, da
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antecipação do desamparo diante do perigo........ Ao menos no caso da agressão, isso é uma vitória pirrônica. O superego não
será mitigado porque os sentimentos agressivos se tornaram inconscientes. No exemplo anterior, a percepção de um episódio
anterior (desejo) foi bloqueada. Ainda desejo a pessoa ou ainda quero magoá-la, mas esse desejo é agora inconsciente, invisível,
não mais percebido por mim....

... O recalque é indispensável. Os desejos incestuosos são um bom exemplo disso. Como poucos de nós estamos planejando
violar os tabus e arcar com as conseqüências, a consciência desses impulsos seria dolorosa, frustrante e provocaria ansiedade. O
mesmo pode ser dito a respeito de boa parte dos desejos eróticos e dos impulsos agressivos que sentimos. Se não os
recalcássemos de todo, sentir-nos-íamos oprimidos pela profusão de fantasias e impulsos que incidiriam sobre a consciência.

... A maioria de nós recalca mais do que seria desejável. Se não posso ter plena consciência dos meus sentimentos amorosos -
tanto dos afetuosos quanto dos passionais -, da minha jocosidade, da minha assertividade e da minha dor e tristeza, minha vida
fica truncada e distorcida. Embora o recalque seja indispensável quando aplicado aos impulsos apropriados em doses
apropriadas, quando excessivo, é a causa de graves problemas na vida.

Há uma importante lição sobre a criação dos filhos que pode ser tirada disso. A muitos de nós foi ensinado que havia não
apenas boas e más ações, mas bons e maus sentimentos também. São raros os pais que encorajam os filhos a fazerem uma
distinção entre sentimentos e comportamentos, apoiando o direito deles de sentir tudo que sentem, ao mesmo tempo em que
lhes ensinam que certos comportamentos são proibidos. O encorajamento dessa distinção, no entanto, seria um avanço, no
sentido de proteger a criança de um recalque excessivo em sua vida futura.

Sigmund e Anna Freud entendiam que o recalque era o mecanismo de defesa básico e o mais propenso a causar sérias
dificuldades neuróticas. Veremos que alguns dos outros podem ser muito destrutivos, se utilizados em excesso, mas em sua
maior parte fazem parte da vida mental normal. À medida que prosseguimos, consideraremos os mecanismos rotulados de
negação, projeção, formação reativa, identificação com o agressor, deslocamento, e voltando-se contra o self.

2. Negação - O recalque é a manipulação da percepção de um episódio interno. O mecanismo da negação é a manipulação


mental de um episódio externo.

A negação significa que eu me protejo da ansiedade, deixando de perceber ou percebendo equivocadamente algo no mundo
exterior aos meus próprios pensamentos ou sentimentos. Assim que saímos da infância, a negação apresenta um problema para
o ego. Uma das missões do ego é o teste de realidade. Sobrevivemos graças à capacidade do ego de avaliar a realidade, e é
através dessa capacidade que maximizamos as nossas gratificações.

É o ego que nos lembra que, por mais que tenhamos prazer em dirigir rápido, a realidade é que podemos ser presos ou mortos
por causa de uma velocidade muito alta. Para o ego, o uso de um mecanismo de defesa que distorce a realidade, como, por
exemplo, achar que não existe perigo na alta velocidade, lhe apresenta um problema. Entretanto, mesmo o ego mais maduro e
flexível dá um jeito de, às vezes, fazer exatamente isso.

Um exemplo clássico de negação em nosso mundo contemporâneo é a persistente falta de disposição de amplas parcelas da
população de reconhecer conhecidos riscos à saúde, mais flagrantemente, o hábito de fumar. Para fumar sem um forte sen-
timento de ansiedade, é necessário encobrir a consciência do perigo.

No auge do impasse nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética, todos os habitantes do planeta estavam sob per -
manente ameaça de uma catástrofe de proporções inimagináveis. Tenho a impressão de que, para todos, algum grau de negação
era necessário para viver sem uma ansiedade paralisante. A maioria das pessoas parecia ter conseguido uma boa dose de nega-
ção. Mesmo os ativistas antinucleares precisavam negar de alguma forma, para continuar em atividade.

Jogadores contumazes empregam a negação, a um custo considerável. As chances de não ganhar uma das loterias que pagam
prêmios elevados são estarrecedoras. Tenho um amigo que vive falando de ganhar a loteria; quando alguém diz que não sabia
que ele jogava, ele diz: "Eu não jogo, mas tenho tanta chance de ganhar quanto as pessoas que jogam." Isso está muito próximo
da verdade, porém não há falta de fregueses para os bilhetes lotéricos. Jogadores envolvidos com máquinas caça-níqueis não
poderiam continuar jogando se não negassem a alta
probabilidade desfavorável a eles. Mesmo os jogadores de dados, que enfrentam as probabilidades menos ruins de um cassino,
precisam negar a pequena chance que têm de sair vitoriosos ao final do jogo.

A maioria de nós utiliza a defesa da negação ao menos ocasionalmente. Certa vez, no meu trabalho, eu desejava muito uma
determinada atribuição, e, durante várias semanas, fui o principal candidato a ela. Um amigo meu, preocupado com a possibi-
lidade de uma reação negativa de minha parte quando a realidade fosse revelada, chamou-me de lado e disse, gentilmente, que
todos, menos eu, estavam percebendo que eu não tinha a menor chance - o meu supervisor vinha indicando isso. Eu não tinha
me permitido enxergar esses indícios,

Algumas vezes, empregamos a negação em nossos relacionamentos, quando, por exemplo, estamos motivados para não
enxergar que o nosso amor não é correspondido ou, caso contrário, quando o relacionamento é tão agradável que nos re-
cusamos; a enxergar que estamos nos envolvendo mais profundamente do que planejávamos.
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A negação pode ser muito perigosa, como no caso do fumo. No entanto, às vezes pode ser adaptativa. Uma amiga minha
precisava fazer uma biópsia que, ela disse, poderia produzir um diagnóstico inofensivo ou catastrófico. A biópsia estava
marcada para dali a sete dias. Ela continuou fazendo o que tinha de fazer na semana, parecendo bastante animada. Comentei
com um culto psicólogo amigo nosso que estava preocupado com a negação dela, temendo que não estivesse preparada para a
catástrofe, caso esta de fato ocorresse. Ele me disse para deixá-la em paz e me dar por contente por. ela ter um ego
suficientemente forte para negar o perigo, quando não havia nada que pudesse fazer a respeito. Nunca me esqueci desse
conselho. Incidentalmente, a história teve um final feliz.

3. Projeção - O mecanismo de defesa com o qual manipulamos uma percepção interna e uma percepção externa é chamado de
projeção. A projeção refere-se a uma forma de proteção contra a ansiedade por meio do recalque de um sentimento e da
percepção equivocada desse sentimento em uma outra pessoa. Eu recalco a minha raiva e acho que você está com raiva de mim.
Recalco o meu desejo sexual e acho que você está me desejando.

Essa forma de projeção, incidentalmente, está sempre presente na homofobia. Eu recalco meus anseios homossexuais e acredito
que outro homem, talvez um que identifico como gay, está tentando me seduzir. É possível que muitas das acusações políticas
contra os homossexuais tenham suas raízes na projeção. Por exemplo, diz-se freqüentemente que não se deveria permitir que
homens homossexuais dessem aulas nos colégios ou fossem chefes de escoteiros, porque poderiam incentivar um estilo de vida
gay ou mesmo seduzir os meninos. Não há evidências para se afirmar isso, portanto a teoria da projeção leva a deduzir que
pode ser o acusador quem tema correr o risco de ser seduzido ou de seduzir. O leitor não terá dificuldade para entender por que
tantos soldados heterossexuais se opõem veementemente a que haja homossexuais em suas unidades. Freud acreditava que a
homofobia podia explicar muitos casos de paranóia.

Um dos meus clientes, Jay, estava fazendo um doutorado e havia tempo tentava terminar sua dissertação. Os meses se
passavam, e ele ia ficando cada vez mais enfurecido com os professores da banca, alegando que eles sempre conseguiam
inventar um novo obstáculo para colocar no seu caminho. Por fim, concluiu que eles não queriam que ele obtivesse o titulo e
estavam conspirando para derrotá-lo, Ao longo de todo esse período, fui ficando cada vez mais convencido de que Jay estava
sabotando a dissertação e inconscientemente determinado a não terminá-la. Seu pai tinha sido um operário que fizera
verdadeiros sacrifícios para que o filho pudesse estudar e tinha morrido assim que ele começara os estudos na faculdade. Jay
falava com freqüência do amor que sentia pelo pai, de sua gratidão por ter sido encorajado a estudar e de sua tristeza pelo fato
de o pai não estar vivo para vê-lo concluir os estudos. Aos poucos, foi ficando claro que também se sentia muito culpado por
suplantar o pai. A culpa decorria de diversos fatores, já que a morte do pai deixara a mãe só para ele. Todo esse complexo de
emoções era tão assustador para Jay, que a solução que encontrou foi projetar nos professores seu senso de desvalor e o desejo
de fracassar.

Todos nós empregamos versões moderadas da projeção durante uma boa parte do tempo, e nunca nos damos conta disso, a não
ser quando ela afeta um relacionamento o suficiente para chamar a atenção para a sua existência. Não é incomum a pes soa
projetar no parceiro a fantasia da infidelidade, e em seguida acusá-lo de infiel.

Quando eu estava na faculdade, um amigo meu que era muito íntimo do seu companheiro de quarto convenceu -se de maneira
inabalável de que sua noiva planejava ter um caso com ele, durante o tempo em que estaria fora da cidade. Em meio a uma
intensa confrontação, sua noiva, que era muito ponderada e requintada, lhe disse: "Alguém está 'com desejo de dormir com o
Ted, muito bem, e não sou eu." Meu amigo ficou completamente abalado. Mais tarde, ele me disse que até aquele momento
acreditara firmemente que sua heterossexualidade era absoluta. Durante um curso de psicologia, ao ouvir alguém falar da teoria
de que todas as pessoas eram inconscientemente bissexuais, ele pensara: "Menos eu."

Essa situação acabou se provando um problema brando (e muito instrutivo). A projeção levada aos extremos pode se trans -
formar num problema muito grave, que se deteriora até se tornar uma paranóia plenamente desenvolvida.

4. Formação reativa - A formação reativa é um mecanismo de defesa com o qual nos protegemos da ansiedade, manipulando
uma percepção interna. Significa perceber equivocadamente um sentimento como o seu oposto. Freqüentemente, significa
transformar amor em agressão ou agressão em amor.

Um dos episódios mais fascinantes e emocionantes da vida de Beethoven envolveu o seu sobrinho Karl e a sua cunhada Johana,
mãe de Karl. Beethoven desenvolveu um ódio irracional por Johana e uma firme convicção de que deveria resgatar Karl de sua
influência. Maynard Solomon, o biógrafo mais sofisticado do compositor, psicologicamente falando, levanta a hipótese
convincente de que o ódio obsessivo de Beethoven por Johana representava uma atração passional inconsciente por ela.

Uma forma extremamente importante de formação reativa é confundir um desejo com um medo. É um modo comum de se
proteger da culpa decorrente de um desejo.
Minha cliente Marian estava preocupada com a segurança física do filho de dez anos. Mantinha-o sob rédea curta,
restringindo sua liberdade consideravelmente, mais do que o faziam as mães dos seus amigos. Vivia ansiosa, achando
que algo terrível lhe aconteceria. Antes do nascimento desse seu único filho, conforme seu relato, era uma pessoa
animada e despreocupada. Uma prolongada depressão pós-parto seguiu-se ao nascimento do filho. Seria a primeira de
uma série de depressões dolorosamente severas. Ela mencionava freqüentemente o quanto amava esse menino e o
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quanto se preocupava com a sua segurança. Passaram-se vários meses antes de ela ter condições de aceder em explorar
a possibilidade de que também sentisse raiva. E só muitos meses depois disso foi que ela me permitiu dizer-lhe:
"Ambos sabemos que ele não desejava lhe fazer nenhum mal. Apesar disso, me parece inevitável que de vez em
quando você possa desejar que ele seja de algum modo punido, por tê-la machucado tanto."...................

Os terapeutas psicodinâmicos aprenderam que, ao se confrontar com um medo do cliente que consideram enigmático, devem
refletir, ao menos para si, sobre que desejo aquele medo pode estar mascarando.

A forma oposta da formação reativa é a contrafobia, em que o indivíduo se protege de ter de confrontar um medo, perce-
bendo-o equivocadamente como um desejo.

Sou fascinado por cutelarias. Existe uma cadeia delas em Nova York, com amplas vitrines exibindo uma infindável coleção de
facas brilhantes, canivetes e tesouras. Posso ficar horas diante de uma dessas vitrines, embora certamente não necessite de mais
uma faca militar suíça. O leitor que me acompanhou até aqui reconhecerá uma resposta contrafóbica a um caso gra ve de
ansiedade de castração.

5. Identificação com o agressor - Um dos conteúdos mais importantes do livro de Anna Freud é o capítulo sobre identificação
com o agressor. Embora Sigmund Freud tenha descrito o fenômeno em diversos contextos, nunca o isolou e nomeou.

A confrontação com alguém mais poderoso que você, que tem intenções agressivas a seu respeito, reais ou supostas, provoca
muita ansiedade. Possuir intenções agressivas em relação a essa pessoa poderosa também pode provocar ansiedade, devido ao
medo da retaliação. A identificação com o agressor é uma defesa elaborada para proteger o sujeito contra a ansiedade de -
corrente do conflito com uma pessoa poderosa ou de estar à mercê dessa pessoa.

...A identificação com o agressor desempenha um papel importante na resolução do complexo de Édipo, na formação da
identidade do adolescente e na formação do superego.

A psicanalista Nancy MacWilliams assinalou que a análise que Anna Freud fez desse fenômeno teria sido mais clara se ela o
tivesse chamado de "introjeção do agressor", porque era claramente isso o que ela queria dizer. A identificação em geral
implica uma defesa menos automática e inconsciente do que a introjeção. As crianças se identificam com os pais, mentores e
colegas de maneiras muito óbvias: forma de vestir, atitudes e maneirismos. Também introjetam aspectos deles, como na reso-
lução do complexo de Édipo. A introjeção implica a suposição inconsciente de que existe em mim um determinado atributo ou
conjunto de atributos da outra pessoa. No entanto, manteremos a terminologia empregada por Anna Freud, já que esta tem apa -
rentemente um lugar permanente na linguagem.

A identificação com o agressor me permite aumentar o poder que percebo em mim por meio da introjeção de algum aspecto da
pessoa perigosa. Posso introjetar uma ou mais de suas características pessoais; posso introjetar a agressividade; posso introjetar
ambas. Na resolução edipiana clássica, eu me torno igual ao meu progenitor do mesmo sexo, ao me definir corno heterossexual
e partir em busca do meu próprio parceiro. É provável que eu também me torne igual àquele progenitor, de urna série de outras
maneiras. Uma parte importante da minha identidade é construída por meio dessa introjeção.

Ao utilizar essa defesa, posso também projetar. Projeto as minhas intenções agressivas na outra pessoa para me proteger contra
a ansiedade superegóica, ou seja, para me proteger da culpa. Desse modo, não percebo minha agressividade em rela ção ao meu
pai; percebo apenas que tenho medo dele. Como introjetei o seu poder, o medo é administrável. As crianças que brincam de
super-heróis onipotentes empregam uma versão cotidiana adaptada dessa defesa. Elas estão, é claro, identificando-se com uma
pessoa poderosa que as amedronta, freqüentemente com um progenitor.

Em seu livro sobre os campos de concentração nazistas, o psicanalista Bruno Bettlelheim, ele mesmo um sobrevivente do
holocausto, fornece um exemplo comovedor dessa defesa. Os prisioneiros judeus se identificavam com os guardas nazistas.
Eles imitavam a maneira de os guardas andarem e se apossavam de uma parte descartada do uniforme deles, como se fosse um
objeto de valor.

6. Deslocamento e voltando-se contra o self - Anna Freud conta de um paciente do sexo feminino cujas tentativas de lidar
com a ansiedade ilustram dois mecanismos de defesa que ainda não consideramos:

Quando criança, essa paciente sentia inveja e ciúme intenso do tratamento especial que acreditava ser concedido por sua mãe
aos irmãos dela. Isso se transformou eventualmente em uma impetuosa hostilidade contra a mãe, e ela se tornou uma crian ça
abertamente raivosa e desobediente. Mas seu amor pela mãe era igualmente forte, o que fez com que adquirisse um severo
conflito. Temia que a raiva lhe custasse o amor da mãe, de que ela tanto necessitava. Ao entrar no período de latência, sua
ansiedade e conflito se tornaram cada vez mais intensos. A primeira tentativa de dominar essa ansiedade foi através do emprego
do mecanismo de deslocamento. Para solucionar o problema da ambivalência, ela deslocou o ódio para uma série de mulheres.
Sempre havia em sua vida uma segunda mulher importante que ela odiava violentamente. Isso produzia uma culpa menor do
que o ódio que sentia pela mãe, mas não eliminava a culpa. Portanto, o deslocamento não era uma solução adequada.

O seu ego agora recorreu a um segundo mecanismo [que Sigmund Freud chamou de voltando-se contra o self]: interiorizou o
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ódio que até então estava relacionado exclusivamente a outras pessoas. Ela se torturava com auto-acusações e sentimentos de
inferioridade. Ao longo da adolescência e já adulta, fez tudo que podia para se colocar em desvantagem e prejudicar seus
interesses, sempre abdicando dos seus desejos em forma das demandas dos outros em relação a ela.

Como os outros mecanismos, o deslocamento e o voltar-se contra o self são comuns na vida cotidiana, mas relativamente
inofensivos, contanto que sejam brandos e de curta duração. O deslocamento é uma defesa tão comum, que adquiriu um apelido
geral: "Chutar o cachorro." Se o meu patrão me tratou mal, é claro que não posso manifestara raiva que sinto dele. O que é mais
sutil: posso não me permitir senti-la plenamente, porque isso tornaria a minha vida profissional desagradável e poderia
estimular uma culpa inconsciente relacionada à raiva que sinto de um progenitor. Nessas ocasiões, meus entes queridos mais
próximos me fornecem um amplo ancoradouro; eles são alvos mais seguros.

Minha cliente Victoria, quando criança, aprendeu que as conseqüências de expressar a raiva eram terríveis, freqüentemente dias
de tratamento silencioso. Ela cresceu praticamente sem poder até mesmo sentir raiva, quanto mais manifestá -la. Sua resposta a
qualquer dificuldade interpessoal era se sentir bastante deprimida. Demorou muito até ela ser capaz de perceber a depressão
como raiva voltada contra si mesma, o único lugar seguro para onde podia dirigi-la.

No começo deste capítulo, propus uma definição de mecanismo de defesa: uma manipulação da percepção, com o objetivo de
proteger a pessoa da ansiedade. A percepção pode ser de episódios interiores, tais como os sentimentos e impulsos, ou de
episódios exteriores, tais como os sentimentos dos outros ou as realidades do mundo. Afirmei que ela diferia das definições
clássicas. Essa diferença dá margem a uma questão fascinante.

Anna Freud escreveu que "os processos defensivos, tais como o deslocamento... ou o voltar-se contra o self, afetam o próprio
processo pulsional; o recalque e a projeção apenas o impedem de ser percebido. O que ela queria dizer com isso era que a
criança, no exemplo anterior retirado do seu livro, deixou realmente de odiar a mãe e começou a odiar primeiro as outras
mulheres, e depois a si mesma. A mudança não foi meramente perceptiva. A definição que proponho infere que o ódio da mãe
ainda está presente inconscientemente, sendo simplesmente recalcado, ou seja, não percebido.

Não é incomum trabalhar com um cliente que deslocou seus anseios eróticos edipianos para outra pessoa, e então falseia a
evidência inconfundível de que o anseio original continua a existir, inconscientemente.

Quando Freud elaborou a sua segunda teoria da ansiedade, em 1926, ela exerceu um impacto na sua teoria das defesas. O leitor
lembrará que a teoria de 1926 descrevia a ansiedade como um sinal, um aviso de desamparo iminente diante do perigo. As
defesas têm a função de proteger o indivíduo dessa sensação de desamparo. A ansiedade adulta, como acreditava Freud, era
exacerbada por servir como um lembrete das situações traumáticas mais primitivas, quando intensidades traumáticas de esti-
mulação inundavam o recém-nascido, o bebê ou a criança. Portanto, uma função importante do mecanismo de defesa era repelir
essa estimulação traumática.

Um dos três tipos de ansiedade com os quais as defesas têm de contender é a ansiedade moral, o medo do superego. Isso traz à
tona uma das principais questões da psicologia psicodinâmica: o problema da culpa.

Outros mecanismos de defesa


(Fonte internet: http://psicanalisefreudiana.vilabol.uol.com.br/mecanismosdedefesa.html)

Atos falhos ou falhados - São aqueles que praticamos aparentemente sem querer e de modo inexplicável. É comum
cometermos enganos, trocarmos palavras, esquecermos objetos, etc. Os atos falhos são causados pelos impulsos reprimidos que
procuram se descarregar de qualquer modo, mesmo interferindo em nossas ações não submetidas à repressão.

Um exemplo de ato falho seria o seguinte caso: Um presidente da câmara austríaca, ao abrir a sessão, numa noite em que todos
temiam um escândalo, disse: “Senhores deputados, está encerrada a sessão” em vez de “está aberta a sessão”.
É freqüente perdermos objetos que nos foram dados por pessoas de quem não gostamos, enganar-nos com o itinerário ou
perdermos a condução quando vamos aborrecidos a algum lugar.

Racionalização - É o mecanismo pelo qual a nossa inteligência apresenta razões socialmente aceitáveis para nossas ações que,
na realidade, foram motivadas pelos impulsos do Id. Racionalizar é inventar pretextos, razões para desculpar, diante da
sociedade e de nós mesmos, os nossos atos cujos motivos reais não percebemos.

Por exemplo: um rapaz compra um carro, realizando uma despesa exagerada em relação a sua situação financeira e a suas
necessidades profissionais, porém tranqüiliza sua consciência e justifica-se diante dos outros afirmando que o carro vai ser
muito útil para seu trabalho e vai facilitar as atividades de suas irmãs e de seus pais já idosos. A finalidade da racionalização é
manter o auto-respeito e reduzir as tensões resultantes da frustração e dos sentimentos de culpa.

Conversão – é a transformação de conflitos emocionais em sintomas físicos. Por exemplo, os “tiques” em crianças, que
acontecem sem se perceber, podem ser sintomas de problemas emocionais
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Regressão – é o processo psíquico em que o Ego recua, fugindo de situações conflitivas atuais, para um estágio anterior. É o
caso de alguém que depois de repetidas frustrações na área sexual, regrida, para obter satisfações, à fase oral, passando a comer
em excesso.

Isolamento – é um processo psíquico típico da neurose obsessiva, que consiste em isolar um comportamento ou um
pensamento de tal maneira que as suas ligações com os outros pensamentos, ou com o autoconhecimento, ficam absolutamente
interrompidas, já que foram (os pensamentos, os comportamentos), completamente excluídos do consciente. Certos doentes
defendem-se contra uma idéia, uma impressão, uma ação, isolando-as do contexto. Ele se manifesta inclusive no tratamento
psicanalítico. Um meio de evidenciá-lo é através da associação livre.

Substituição - Processo pelo qual um objeto valorizado emocionalmente, mas que não pode ser possuído, é inconscientemente
substituído por outro, que geralmente se assemelha ao proibido..

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