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O Medo e a Maçonaria

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António Jorge 31/03/2023

Eu não devo ter medo. Medo é o assassino da mente. Medo é a pequena morte que
leva à aniquilação total. Eu enfrentei o meu medo. Permitirei que passe por cima e
me atravesse. E, quando tiver passado, voltarei o olho interior para ver o seu
rastro. Onde o medo não estiver mais, nada haverá. Só eu permaneci.

Frank Herbert , Duna

Na nossa juventude, protestamos contra a injustiça do mundo. À medida que


desenvolvemos as nossas filosofias de vida, também desenvolvemos os nossos medos.
Numa recente discussão em grupo sobre o simbolismo específico da Maçonaria, foi
colocada a questão: como nos podemos livrar dos medos ? O medo, disse uma pessoa,
é o que impulsiona o comportamento negativo. Outro disse que o medo motiva todo o
comportamento. Depois de muita discussão, nunca chegamos a uma conclusão contínua
sobre como aliviar o medo.

O medo leva à raiva, a raiva leva ao ódio e o ódio leva ao sofrimento.

Yoda, Star Wars Episódio I: A Ameaça Fantasma (1999)

O medo é o sentimento causado pela crença de que alguém ou algo é perigoso,


ameaçador ou que pode causar dor. Esta definição está repleta de oportunidades para
dissecação, para separar as peças que criam razões filosóficas para o medo.

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Em primeiro lugar, é uma sensação sentida, e os humanos odeiam expressões
satisfeitas. Ninguém realmente quer se sentir mal e, no entanto, esse sentimento
malicioso é construído sobre uma crença – não necessariamente baseado em fato ou
razão. É simplesmente uma crença. Por definição, uma crença é uma fé ou confiança em
algo”. Separados e colocados juntos, podemos dizer que o medo é um sentimento
causado por uma confiança, fé ou garantia de que alguém ou algo está pronto para
causar danos à nossa pessoa, aos nossos parentes ou talvez ao nosso modo de vida e
também ideias.

Esta explicação não visa banalizar o medo ou certeza de manifestações importantes de


medo, como o transtorno de estresse pós-traumático. Trata-se apenas de discutir medos
comuns que a maioria de nós, se não todos, temos. Os medos são justificados? alguns,
sim. Alguns, talvez não. Em face do desastre imediato, o medo certamente está em
ordem. Sigmund Freud disse, sobre medo real versus medo neurótico:

Você me entenderá imediatamente quando eu chamar esse medo de medo


real, em oposição ao medo neurótico. O medo real parece bastante racional e
compreensível para nós. Podemos testemunhar que é uma reação à
percepção de um perigo externo, isto é, de um mal esperado e previsto. Está
relacionado ao reflexo de fuga e pode ser considerado uma expressão do
instinto de autopreservação. Assim, as ocasiões, ou seja, os objetos e
situações que despertam medo, dependem em grande parte do nosso
conhecimento e do nosso sentimento de poder sobre o mundo externo…

Passemos agora ao medo neurótico, quais são as suas manifestações e


condições…? Em primeiro lugar, encontramos um estado geral de ansiedade,
um estado flutuante de medo, por assim dizer, que está pronto para se ligar a
qualquer ideia adequada, para influenciar o julgamento, para criar
expectativas, de facto, para aproveitar qualquer oportunidade para ser
cheirado. Chamamos esta condição de “medo-expectativa” ou “expectativa
ansiosa”. As pessoas que sofrem deste tipo de medo sempre profetizam a
mais terrível de todas as possibilidades, interpretam cada coincidência como
um mau presságio e atribuem um significado terrível a qualquer conflito.
Muitas pessoas que não podem ser chamadas de doentes apresentam essa
tendência de antecipar o desastre.

Simplificando, o medo é simplesmente a falta de um senso de poder sobre o nosso


próprio mundo, seja causado por um tornado iminente ou por sentimentos de
inadequação. O que nos interessa aqui é o que Freud chamou de medos neuróticos. No
entanto, a base das nossas reações, essa falta de controle, vem do mesmo processo de
sobrevivência “lutar para fugir”. Ambos têm suas raízes no controle.

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Uma vez me foi explicado que todos os vícios – preguiça, inveja, ganância,
ganância, orgulho e luxúria – são todas as principais manifestações do medo.

“Para que nos reunimos aqui? ”.

“Para combater o despotismo, as orientações, os preconceitos e os erros.

Para glorificar a Verdade e a Justiça. Para promover o bem-estar da Pátria e da


Humanidade, levante Templos à Virtude e cavando masmorras ao Vício”

Aristóteles, em Ética a Nicómaco, fez afirmações semelhantes, explicando que virtudes e


vícios eram um espectro e deficiências eram expressões dos extremos do espectro. Em
muitos lugares, os cursos de psicologia ensinam como lidar com os medos das pessoas
com algumas dessas mesmas técnicas, mas, novamente, ninguém realmente chega ao
cerne do gerenciamento do medo. Então, sabemos o que pode ser o medo e como ele
se manifesta, mas como realmente lidamos com ele?

Na minha juventude, li uma série de livros baseados na Psicologia. Esses ensinamentos


eram canalizados sobre a vida e o estilo de vida, como e por que as pessoas fazem o
que fazem e as relações humanas em geral. Um aspecto que ficou comigo foi
relacionado aos medos. Muitas pessoas têm uma atitude negativa e dominante que
precisam superar em suas vidas.

Alguns exemplos disso são

autodepreciação,
auto-destruição,
martírio,
teimosia,
ganância,

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impaciência,
arrogância.

Muitos de nós passamos por tudo isso em algum momento das nossas vidas, mas,
geralmente, limitamo-nos a um (talvez dois) quando estamos cansados, deprimidos,
sobrecarregados, distraídos ou simplesmente não estamos trabalhando no auge.
Quando a nossa sensação de conforto, a nossa criança interior, é atacada ou se sente
vulnerável, recorremos a essas atitudes que na verdade são expressões de medo.

Eles surgem desde a nossa infância e são colocados lá por nossas reações ao ambiente
e experiências. Cada um desses bloqueios é baseado num medo muito específico e
pode ser superado, com esforço consciente. Estas são as atitudes negativas dominantes
com o seu espectro de manifestação, para tomar a ideia aristotélica de uma escala
móvel de virtudes e vícios.

A autodepreciação é o medo de não ser bom o suficiente – manifesta-se


como humildade (positiva) a auto-humilhação (negativa).
A ganância é o medo de não ter o suficiente – manifesta-se como egoísmo |
Desejo (positivo) para Voracidade | Gula (negativo).
A autodestruição é o medo de perder o controle – manifesta-se no auto-
sacrifício (positivo) até o suicídio | Imolação (negativo).
O martírio é o medo de não ser digno – manifesta-se no altruísmo (positivo) à
mentalidade de vítima (negativa).
A teimosia é o medo da mudança, de novas situações – manifesta-se na força
de vontade | experiência (positiva) à teimosia (negativa).
A impaciência é o medo de perder ou perder oportunidades – manifesta-se
como ousadia (positiva) à intolerância (negativa).
Arrogância é o medo de ser vulnerável – manifesta-se como orgulho
(positivo) à vaidade (negativo).

Como Sócrates, Aristóteles define o homem pela sua alma inteligente e, ao admitir que
tudo tem uma finalidade, afirma que a finalidade do homem é a felicidade. Mas que
felicidade seria essa? Podemos pensar a partir de um pensamento bem simples: Qual é
a felicidade de uma planta? Luz solar e água, por exemplo. Qual é a felicidade de um
animal? Não sentir fome e poder viver em liberdade. E, por fim: Qual é a felicidade do
homem? Desenvolver aquilo que tem de diferente em relação a todos os outros seres – a
racionalidade. Para Aristóteles, a alma humana tem três partes: a alma vegetativa, com
necessidades biológicas como as plantas; a alma sensitiva, com necessidades de
sensações e movimento dos animais, e a alma intelectiva, com a necessidade de usar o
pensamento. Se a alma tem três partes, então o homem tem de ser feliz nelas três, pois
ninguém é feliz pela metade. Daí a importância do conhecimento e do pensamento,
responsáveis ​por evitar que haja exagero em qualquer uma das funções da alma. Em
síntese, o alcançado de Aristóteles é o equilíbrio.

Neste quadro, estão as funções das partes da alma:

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A felicidade completa do homem depende da realização de todas essas funções da
alma. Mas, segundo uma ordem de importância, a alma intelectiva, ou seja, a
inteligência, deve governar todas as funções. Além disso, como as pessoas vivem juntas,
é função da alma treinar as virtudes, que são as boas práticas comuns do dia a dia. A
palavra virtude (areté), para Aristóteles, significa “hábito que torna o homem bom”.
Seguindo este pensamento, temos de treinar as virtudes, ou melhor, disciplinar os
nossos hábitos, para nos tornarmos bons. Podemos compreender isto como uma
espécie de treinamento de virtudes a algumas regras de comportamento, por exemplo,
lembrando que pessoas sem treinamento de boas maneiras, ao precisar demonstrá-las,
acabam parecendo falsas, aprendidas ou até ridículas. Isto acontece, geralmente, em
entrevistas de emprego ou na hora da paquera, quando o nervosismo e a falta de
experiência podem criar situações estranhas. Do mesmo modo que não se pode fingir ter
boas maneiras, não adianta querer parecer bom, pois isso depende do treinamento das
virtudes, que acaba se incorporando à alma da pessoa. Para Aristóteles, então, uma
virtude, ou as práticas da busca da felicidade, têm de ser treinadas sempre para que não
cometamos erros e prejudiquemos a nossa felicidade, que depende muito da nossa
relação com as outras pessoas.

Observe no quadro abaixo os exemplos que demonstram o conceito de justa-medida ou


equilíbrio de Aristóteles e reflita:

No meu dia a dia eu costumo fazer escolhas virtuosas/equilibradas?


Apropriando-se dos conceitos de Aristóteles posso dizer que sou capaz de cuidar
da minha alma vegetativa, sensível e intelectiva?

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Olhando mais de perto o nosso próprio comportamento, pode ser mais fácil ver como
uma reação a uma situação ou outra remontar a uma dessas atitudes negativas e ao
medo por trás dela. Quando você deixa de se orgulhar de um trabalho bem feito e passa
a acreditar que o trabalho que fez é o melhor que já viu, pode ter algum medo. Esta linha
que separa os dois extremos pode ser diferente para pessoas diferentes, e é claro que
todos nós temos diferentes níveis de tolerância e habilidades para processar reações
quando nos deparamos com o medo. Quando começamos a mergulhar além da
superfície da nossa própria psique, a introspecção revela, talvez, estas atitudes positivas
experimentadas nas experiências da infância.

As crianças criam, com base na sua experiência ambiental e inclinações pessoais,


visões de mundo distorcidas. Todos nós criamos essas distorções (grandes e pequenas)
e elas acabam se tornando os nossos mitos pessoais. Pense: “Sou feio”, “Sou estúpido”
ou “Não vou comer hoje à noite”. Situações repetidas ou eventos traumáticos reforçam
este mito. Impulsionados por um medo profundo e por uma visão de mundo distorcida, a
atitude negativa dominante emergente entra em ação nas suas vidas, até mesmo na
idade adulta.

A criança pensa, por exemplo: “Vou evitar que a vida sofra assuma o controle da minha
dor. Eu vou me machucar mais do que qualquer outra pessoa. A estratégia de
sobrevivência escolhida pela criança envolve uma espécie de conflito, uma guerra contra
si mesma, contra os outros ou contra a vida. É um padrão de comportamento defensivo
que parece irracional por fora, mas que, do ponto de vista da criança, é perfeitamente
racional. À medida que amadurecemos, devemos lidar com essas atitudes negativas
dominantes ou elas comprometem qualquer chance de auto-aperfeiçoamento. Eles
escondem a nossa verdadeira natureza.

Quando alguém implica comigo ou com outras pessoas, acredite que o motivo seja
sempre o medo. O medo não é a motivação para todas as atividades que fazemos.
Sempre parece, no entanto, que o medo está no cerne de comportamentos
administrativos negativos e destrutivos. O ódio, a mentira e o fanatismo são reações e
atitudes reais animadas no medo. Ao lidar com essas reações no mundo, devemos ter
em mente que o medo é o fator motivador e que, talvez, fazendo a pessoa se sentir
segura, deixando-a expressar os seus verdadeiros medos, a cura pode começar.

Em outro grupo de estudo, discutimos o medo e como usá-lo para vender a verdade.
Fiquei então impressionado com o fato de que a Maçonaria nos oferecia oportunidades
para confrontar os nossos próprios medos e os dos outros. Seja falando na frente de um
grupo, assumindo o trabalho ritual ou dirigindo o trabalho voluntário, a Maçonaria
oferece-nos uma chance de transformar continuamente os medos em nosso
relacionamento, proporcionando os tipos de experiências que nos testam e nos forçam a
enfrentar esses medos.

Por que o Maçom se importa com os medos? Há uma grande parte do mundo que opera
numa dieta constante de medo. A única maneira de encontrar um mundo melhor e uma
humanidade melhor é elevar-se acima das coisas que nos levam a viver uma vida

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mundana, irracional e medíocre. Ao abordar e reconhecer quando as pessoas se estão
movendo com medo, podemos acabar interrompendo o ciclo para elas e para nós
mesmos.

Além disso, os maçons se esforçam para serem líderes. Liderança é aprender o que
motiva as pessoas; aprendendo os seus medos e ajudando-os a contorná-los,
descobrindo talentos e habilidades esperando para serem descobertos. A liderança
ilumina o que impede as pessoas de serem o melhor que podem ser. Abordar os medos
é difícil, a menos que você chore um diálogo verdadeiro e honesto. A Maçonaria fornece
um ambiente para expressar honestidade e ser apoiado.

Este diálogo honesto estende-se a nós mesmos. Quais são os nossos medos? Qual é a
nossa atitude negativa dominante e como isso me afeta a mim, à minha família e aos
meus relacionamentos? Quais relacionamentos são saudáveis ​e positivos e quais não
são?

Perguntar “por que” é um bom começo. Talvez, examinando as motivações dentro de nós
que nos levam a ter relacionamentos dolorosos com os outros, podemos enfrentar o
nosso medo. Para fazer isso, devemos ser capazes de examinar ativamente o nosso
comportamento, avaliar o dano que estamos causando a nós mesmos e, como Paul
Atreides da série Duna, olhar para dentro do caminho que ele percorreu e nos encontrar
no seu caminho, e despertar.

Tente olhar naquele lugar onde você não ousa olhar!


Você vai me encontrar lá, olhando para você!

Paul-Muad'Dib à Reverenda Madre, de “Duna” de Frank Herbert

Aos Buscadores, onde quer que estejam sobre a face da terra.

Geovanne Pereira

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Geovanne é Bacharel em Filosofia, Pós graduado em Psicanálise, Pós graduado em
Neuropsicologia, Académico em Psicologia, Psiconauta, Yogue, Facilitador voluntário de
estados holotrópicos de consciência no Instituto de Desenvolvimento Humano Céu na
Terra ( @ceunaterra.autoconhecimento) e Mestre Maçom da ARLS Jacques DeMolay,
n°22 – GLMMG .

Medo à Parte… uma perspectiva Maçónica


O salário do Maçom
Medo e Maçonaria
O Universo e a Maçonaria
O medo – a perspectiva de um Maçom

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