Você está na página 1de 37

SÉRIE TEXTOS DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

Editor Geral: John A. Fossa

VoLUME VII

LABORATÓRIO DE HISTÓRIA DA MAtEMÁTICA

EDUARDO SEBASTIANI FERREIRA


DEPARTAMENTO DE MATIMÁTICA. UFOP. MG

EDITORA DA

SBHMAT
2001
Sot 11 U A t UI IJHAS IU lmA DE HISTúRIA DA MATEMÁTICA SUMÁRIO

l't l"lld •11t : llbirntnn D' Ambrosio


Vk t• l'•t"{Ídl!ntc : irce M. da Silva
St•t'l •t u io-<icral: Sergio Roberto Nobre
., , .. 0 111 t•i•o: M;\rcos Vieira Teixeira
Scc•tlt ~ •·iu: Jolm A. Fossa APRFSENTAÇÃO os
hhtor: 11 iucu Bicudo
LABORATÓRIO DE Hl:srúRIA DA MA.TEMATICA 07
SIIIIMnt
( 'ulxa P1>!>tal, 68
I I' 00·970, Rio Claro/SP/Brasil HisróruA DA TANGENTE 38
l' muil::-.blunat@rc.unesp.br

R EFERêNCIAS 68
( 'upu, I'IOJclo Gráfico Beth Camara
l'duo• ••t;Ro Eletrônica Camara3 studlo
84 207-2505 Natai!RN
scamara@matrix.com.br

I 'nl a l o~uçllo da Publicação. UFRN/Biblioteca Central "Zilda Mamede"


Divisao de Serviços Técnicos

l·crrciro. Eduardo Sebastiani.


Laboratório de história da matemãtica/Eduardo Sebastiani Ferreira; Ed. Geral:
Juhn A Fossa. - Natal: SBHMata, 2001.
611p - (Série Textos de História da Matemática; v.7)

I Matemática. 2 . Matemática - His tória. 3 . Educação Matemática. 4.


l uluuntc'u m de Matcmâtica. S. Tangente. I. Fossa, John A Il. Titulo.

lt N/lJFIBC ZM CDU 51
APRESENTAÇÃO

Hist?ria da M~temática, patrocinado pela SBHMat

A realizado na cidade de Natal, no Campus da UFRN,


e 08 a 11 de abril de 2001 . Com o intuito de tomar
os minicursos mais significantes para os participantes, a Diretoria
da SBHMat sugeriu que os ministrantes dos referidos minicursos
deveriam preparar textos de apoio aos mesmos. Os textos não
seriam necessariamente limitados ao conteúdo dos minicursos, mas
seriam pequenas obras de referência.sobre os temas abordados.
Desta forma, esses textos não seriam apenas materiais auxiliares
das apresentações, mas verdadeiros livros independentes, que
trariam proveito a todos os leitores, mesmo os que não participaram
no IV SNHM. Com isto, pretende-se contribuir de forma mais
atuante e concreta ao desenvolvimento da História da Matemática
entre nós, bem como proporcionar aos pesquisadores desta área
um maior fórum para o debate e para a divulgação dos seus
resultados.
O presente volume, Vol. 6 da Série, mostra como a História
da Matemática pode ser usada para ajudar a construir competências
matemáticas através do uso de um Laboratório de História da
Matemática. Depois de estabelecer os fundamentos teóricos deste
método, Prof. Sebastiani ilustra o mesmo com referência a médias,
o problema da duplicação do cubo e o problema inverso da tangente
de uma cônica, mostrando a inter-relação destes assuntos. A
segunda metade do livro investiga, mais pormenorizadamente, a
história da tangente à uma curva

John A. Fossa
Editor Geral da Série
Textos de História da Matemática
LABORATÓRIO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

( 'oN!'lTRlJJNO COMPETtNCIAS COM A HISTÓRIA

11 Inu f tm•hclurd 110 s ·u I ivro La Formation de l 'Esprit


I s,·/l'llt(flrlm' trnzu público um dos problemas centrais
d 11 t ~·mut da uprcndizugcm, que ele chamou de "obstáculos
t.•pi, t ·mológicos". Nessa obra ele define esses obstáculos como:
Quando procuramos as condições psicológicas
dos progressos da ciência, chega-se rapidamente
a condição de que é em termos de obstáculos
que se faz colocar o problema do conhecimento
cientifico. Não se trata de considerar os
obstáculos externos, como a complexidade e a
fugacidade dos fenômenos, nem de incriminar a
fraqueza dos sentidos e do espírito humano; é
no ato mesmo de conhecer, intimamente, que
aparecem, por uma sorte de necessidade
funcional, lentidão ou confusão. É lá que nos
mostra as causas da estagnação e mesmo da
regressão, é lá que indicaremos as causa da
inércia que chamaremos os obstáculos
epistemológicos (Bachelard, 1972, p. 13).
Quanto a noção de obstáculo, eu compartilho com Etienne e
I .crouge, citado por Perrenoud, no seu livro Construir as
( 'ompelências desde a Escola, publicado pela ARTMED, em 1997
Obstáculo: convicção errônea, fortemente
estruturada, que tem um estatuto de verdade
na mente do aluno e que bloqueia o
aprendizado. Um obstáculo é diferente de um
"dificuldade", no sentido de que esta se insere
em uma falta de conhecimento ou de técnica
Eduardo Sebastiani Fcrrcirn I ....~ 11'" l!'lHit ) 1)1! I f iSI'ÔIUA DA MATEMÁTICA

não-estruturada, a prior, em convicção de (.lcun Pingct, em Jnherlder, Garcia & Voneche, 1996, p. 55,
verdade. O processamento de um obstáculo tttllul Macedo citado abaixo)
necessita, geralmente, de implementação de ... falo das condutas alfa, beta e gama quer
uma situação-problema. (Etienne e Lerouge, dizer, da perturbação, primeiro simplesmente
apud Perrenoud p. 59). neutralizada, em .'leguida, parcialmente
Quanto a noção de Epistemologia hoje é bem diferente do incorporaria no sistema o que produz um
que se tinha quando criada, como Teoria do Conhecimento. Naquela dt•,vlot'(lllll' flt o de equilíbrio e, finalmente,
época pensava-se que o conhecimento teria uma teoria universal, t Wflf)ltlf rmll'ltll· Integrada a titulo de variação
conceito esse que foi muito combatido, e o é até hoje, mas lnlt'tllrt do ·''1,\'tl·mu.
principalmente por Kant no seu livro Crítica à Razão Pura. Hoje 1111 pnltlli u; o N/ o.\' '1'•6rlcos que E\·truturam o ENEM
cJttcnde-se epistemologia mais como Teoria da Aprendizagem. (MI •.<' INI·:P • I ~NEM) Lino de Macedo (1999, p. ll) faz uma
No mesmo texto, Bachelard (1972, p. 14) divide esses JK' tgnuIn d • ·lslvu:
obstáculos em duas grandes categorias: A 1 ih ruçlks"problcma, pelos obstáculos propostos, desafiam
A noção de obstáculo epistemológico pode ser m·olmms a mobilizarem seus recurso e a aproveitarem os recurso
estudada no desenvolvimento histórico do fom<' ·Idos no contexto?
pensamento cientifico e na prática da I~nUlo , podemos encarar as situações"problema como
educação. ohsl{a·ulos, c porque não como obstáculos epistemológicos?
Assim, podemos resumir estas duas categorias : Para entender um pouco mais os sentido de situação-problema,
A) Histórico - quando é proveniente de um dado histórico, volto a citar o livro de Perrenoud:
isto é um obstáculo que teve que ser vencido quando da descoberta Uma situação-problema não é uma situação
e se repete cada vez que a descoberta é chamada a agir. Por didática qualquer, pois deve colocar o aprendiz
exemplo, na matemática o conceito de zero é um obstáculo diante de uma série de decisões a serem
epistemológico, pois foram necessários séculos para a humanidade tomadas para alcançar um objetivo que ele
chegar neste conceito, logo é dificil como conceito e leva então a mesmo escolheu ou que lhe foi proposto e até
um obstáculo na aprendizagem. traçado. Pragmático não quer dizer utilitarista:
B) Didático- é quando se apresenta no ato pedagógico, e pode-se traçar como projeto entender a origem
da vida tanto quanto lançar um foguete,
pode ser superado numa didática diferente, dependendo do
inventar um roteiro ou uma máquina de
aprendiz. Recursos didáticos que levam a uma aprendizagem,
costura. Entre as dez características de uma
digamos, mas significativa, são as pesquisas mais importantes para situação-problema destacarei que ela:
os educadores hoje. Todos os paradígmas educacionais com que . está organizada em torno de superação de
vivemos hoje são frutos dessa preocupação dos educadores. um obstáculo ... , obstáculo esse previamente
Por outro lado Piaget fala em perturbações que levam a identificado;
condulas que ele chamou de alfa, beta e gama: · deve oferecer uma resistência suficiente, que
leve o aluno a investir seus conhecimentos

9
LABORATÚRJO DE HISTúRlA DA MATEMÁTICA

anteriores disponíveis, bem como suas


competência (Étienne e Lerouge, apud Perrenoud,
representações, de maneira que leve ao seu
1999, p. 10).
questionamento e à elaboração de novas idéias
Podemos perguntar: Competência é conteúdo? Até que ponto
(Astolfi apudPerrenoud, 1999, p. 58).
esses dois conceitos estão interligados? Digo que medir competência
Acredito que, em ultima essência, educar hoje é criar condições
não rejeita nem os conteúdos, nem as disciplinas, mas sim acentua
aos alunos no que tange ao desenvolvimento das competências
seus valores.
fundamentais no exercício pleno da cidadania, e como a escoia está
Para Perrenoud (1999, p. 31 ):
se desempenhando para isso se realize?
A competência situa-se além dos conhecimentos.
Aqui outro termo aparece" Competência". Recorro outra vez Não se forma com a assimilação de conheci-
a Perrenoud (1999, p. 58) para descrever o que entendo por mentos suplementares, gerais ou locais, mas sim
competência: com construção de um conjunto de disposições
Eu definirei aqui (competência) como sendo e esquemas que permitem mobilizar os
uma capacidade de agir eficazmente em um conhecimentos na situação, no momento certo e
determinado tipo de situação; apoiada em com discernimento.
conhecimentos. O Ministério de Educação da Bélgica (1999, p. 57) lançou
Mais adiante, no mesmo texto, afim de clarificar seu conceito um manifesto, propondo aos seus professores que trabalhassem ao
de competência, Perrenoud (1999, p. 60) escreve: que chamou de "competências transversais" em suas aulas. Diz esse
Uma competência nunca é a implementação
manif~to:
"racional" pura e simples de conhecimentos,
As competências transversais estão "intimamente
de modelos de ação, de procedimentos. Formar ligadas às competências disciplinares, pois
em competênciàs não pode levar a dar as encontram-se na intersecção de deferentes
costas à assimilação-de conhecimento, pois a
disciplinas. Constituem não só os processo
apropriação de numerosos conhecimentos não fundamentais do pensamento, transferíveis de
permite, ipso facto, sua mobilização em situação uma matéria para outra, como também englobam
de ação. todas as interações sociais, cognitivas, afetivas,
Perrenoud cita Étienne e Lerouge nesse assunto: culturais e psicomotoras entre o aluno e a
A construção de uma competência depende do realidade em seu ambiente". Entre as
equilíbrio de dosagem entre o trabalho isolado competências disciplinares distinguem-se:
de seus diversos elementos e a integração desses competências globais, ditas de integração "que
elementos em situação de operacionalização. A reúnem e organizam um conjunto de
dificuldade didática está na gestão, de um'! conhecimentos, saber-fazer e saber-ser em suas
maneira dialética, dessas duas abordagens. E dimensões transversais e disciplinares. " E
uma utopia, porém, acreditar que a aprendizagem competências especificas, "a serem desenvol-
seqüencial de conhecimentos provoca esponta- vidas em situações de aprendizado para se
nNrmente sua integração operacional em uma

/0
11
Eduardo Sebastiani Ferreira LABORATÓRIO DE HISTóRIA DA MATEMÁTICA

chegar, com o tempo, a um domínio maior das 3 - Perturba-se o sistema (S) enviando-lhe a
competências de integração. " partir de fontes devidamente controladas
A História da Matemática em sala de aula é então l.L.'ll elemento fluxos bem definidos de matéria ou de energia
importante no processo de construir competências, ela mostra os (fluxos descritos segundo a natureza, o débito,
obstáculo epistemologicos, segundo Bachelard, o que leva o a velocidade e a posição pelo protocolo de
aprendiz a construir competências para supera-los, quando trabalha experiência);
4 - Inventariam-se as respostas do sistema
com situações-problemas contextualizados. Mas vem então a
graças aos aparelhos cuja natureza e posição
pergunta: Como usar a História da Matemática em sala de aula?
relativamente a (D) são específicos no
Para responder essa pergunta, minha proposta é a construção do protocolo de experiência.
Laboratório de História da Matemática no sentido que descrevo Obtém-se assim o 'fato' experimental. Este fato experimental
abaixo. é científico? Levanta-se aqui um problema de definição; mas estaria
tentado a pensar que um fato experimental não pode ser tido como
o LABORATÓRIO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA científico a não ser que satisfaça dois critérios, que como veremos,
funcionam freqüentemente de maneira contraditória
Renê Thom fez um discurso extremamente polêmico na 1. O fato deve ser reprodutível. O que exige que os protocolos
Academia de Ciência da Frânça: "O Método Experh-nental: Um de preparação e de experiência sejam suficientemente precisos e
Mito dos Epistemólogos (e dos Sábios?)", em 1984, na qual critica pormenorizados para que se possa - em outra altura e em outro
o uso do termo Método de Pesquisa dizendo ser contraditório. Ele lugar- reproduzir a experiência. A hipótese de reprodutibilidade
usa para tal afirmação a concepção carteziana de método ( do fato exige -numa interpretação dinâmica - uma hipótese de
repertório obrigatório de procedimentos canonicamente definidos). 'estabilidade. estrutural' (aliás 'genericidade') das dinâmicas
Este discurso teve uma grande repercussão no meio acadêmico, subjacentes.
com vários cientistas se opondo ao seu pensar. Mas o que eu gostaria 2. O fato deve apresentar algum interesse. Aflora-se aqui um
de tratar é quando ele escreve especificamente sobre a pesquisa problema imenso. Digamos somente que o interesse pode ser: quer
como um fato cientifico, e isto todos os oponentes a Thom não p~tico (tecnológico), quer teórico.
contestaram. Para ele a realização de uma experiência segue os Uma das preocupações de todo historiador da ciência é saber
seguintes passos: o que guiou o cientista para a experiência. Thom dá também aqui
1 - Isola-se um domínio D do espaço-tempo o sua interpretação deste fato:
'laboratório·. As paredes de D podem ser reais .. . a experiência é guiada quer por uma
ou fictícias; necessidade tecnologica imediata (por
2 - Enche-se esse domínio com diversos exemplo: testar as propriedades deste ou
ingredientes: substâncias químicas, seres vivos, daquele material nesta ou naquela condição),
etc..que constituem o sistema estudado (S), quer por uma hipótese, fruto de uma
.wwmrlo um protocolo de preparação (escrito experiência mental (Gedankenexperment) que
' ' "' I IIIJ( I((f 11\'!lal tecnicizada); a precede e da qual queremos ensaiar a

13
Eduardo Sebastiani FerTeira LABORATÓRIO DE HISTóRIA DA MATEMÁTICA

ml<'quação ao real. Quer dizer que toda a mais importante na formação do aluno. Ela dá a este aluno a noção
(' periência é resposta a uma pergunta (Thom exata desta ciência, como uma ciência em construção, com erros e
opud Hamburger, 1988, p.21; grifo meu). . acertos e sem verdades universais. Contrariando a idéia positivista de
N tt1 IU1:1 dus respostas à Thom, Jean Hamburger também nos uma ciência universal e com verdades absolutas, a História da
1h illlt l' On ·cpçffo de como ele entende o trabalho do pesquisador: Matemática tem este grande valor de poder também contextualizar
Trata-se de um diálogo. E esse diálogo não este saber, mostrar que seus conceitos são furtos de uma época histórica,
consiste somente em formular uma hipótese
dentro de um contexto social e político. Esta nova visão da Matemática
teórica seguida de uma experiência, por seu
faz com que el~..seja vista pelo aprendiz como um saber que tem
turno, que reage sobre os trâmites do
pensamento, modificam-nos, orientam-nos e significado, que foi, e é, construído pelo homem para responder uma
sugerem outras experiências que, por seu necessidade sua de leitura do mundo. Então, ele, o aluno, pode também
turno, farão evoluir a aproximação teórica do se apropriar deste saber, o que lhe propiciará. uma melhor leitura do
problema a resolver. Não se deve pensar que contexto, que o cerca, e mesmo de um contexto mais global.
isto é fácil. É preciso uma agilidade e uma Tudo isto sendo consenso entre os educadores matemáticos, existe
técnica intelectual cuja aquisição é diflcil. Os entretanto um problemapolêmico entre eles: Como fazer uso da História
grandes descobridores são aqueles que , afim de que se possa obter este ensino com significado? Como a
manejam esse método. com maior maestria História da Matemática em sala de aula poderá propiciar ao aluno uma
(Hamburger, 1988, p. 22). melhor leitura de seu mundo? Pelo menos em umponto há consenso
entre os educadores; não é dando bibliografia de grandes matemáticos,
MÉTODO EDUCACIONAL UTU.IZANDO PROBLEMAS muito menos contando fatos anedóticos sobre a criação de conceitos
HISTóRICOS DE MATEMÁTICA ou da vida deste matemáticos, que pode ajudar na educação dos alunos
e também não é isto que faz com que a História seja esta ferramenta
A experiência é a mestra dos mestres poderosa pedagogicamente.
Leonardo da Vinci Há várias maneiras de se usaraHistóriadaMatemáticano sentido
de se buscar um ensino com significado, útil na fonnação do cidadão.
Uma das grandes preocupações dos educadores matemáticos Alguns educadores recorrem à leitura dos originais, que apesar de ser
hoje é tentar levar ao educando este conhecimento científico, um poderoso recurso, é muito dificil para o aprendiz. Mesmo para o
construído pelo homem através de séculos, de maneira que tenha pesquisador em Matemática, ler um texto original, não é tarefa fácil.
significado e que contribua na formação deste cidadão, ou seja, Um dos fatores revolucionários na Matemática é sua fonna,
que construa competências. que altera com o tempo, devido a fatores sociais, políticos e mesmo
Nos congre&')Os tanto nacionais como internacionais de Educação da própria Matemática A forma é revolucionária nesta ciência pois
M l tlt'lll t icn L~m aparecido várias sugestões neste sentido. Existe hoje propicia as novas descobertas. Estando de posse da fonna como a
'u u Jl.'' 'ullp um; ·ducacionais correndo paralelamente. Uma destas Matemática se apresenta hoje, não é fácil entendê-la quando aparece
v ht'l t nln•v•''t dn ll hM)I inda MatemáticaApoiadapelamaioriados na escrita de uma outra época. Outras propostas aparecem entre
t.!w .uluu , u ii P.It'uiadu Mutcrnática éconsideradaumdostemas
11 1 15
Eduardo Sebastiani Ferreira LABORATÓRIO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

os educadores, como por exemplo a de Grattan-Guinness com sua percorrendo os principais momentos históricos no laboratório, até
"história satírica", na qual os problemas históricos são nos dias de hoje, onde o computador é uma das ferramentas mais
contextualizados nos diâS de hoje e também a proposta de Lakatos poderosa para o matemático, e então tratamos o nosso fato
"história destilada", onde se "destila" a história, conservando os experimental com esta ferramenta (protocolo de experiência).
fatores de maior significado para o aprendiz. Podemos citar outros 4 - O processo de inventariar a experiência é de extrema
autores, todos com argumentações convincentes e alguns mesmo importância para colocar aos alunos o desafio de expressar todo o
com experiências didáticas importantes. processo experimental.
Tenho também minha sugestão neste sentido, que também A avaliação é feita durante todo o processo pela participação
experimentei em sala de aula, com um retomo para mim satisfatório e também pelo trabalho final apresentado pelos grupos.
na formação dos meus alunos. Proponho então o Laboratório de Assim, um fato histórico da matemática (uma situação-
História da Matemática, tendo como guia as idéias de Thom. Para problema histórica) tem para mim um caráter de fato científico no
mim os problemas históricos na Matemática são experimentos sentido de Thom e, então, o processo de reprodutibilidade nos
científicos e, como tal, reprodutíveis. Na busca de reproduzir tais proporciona o reviver esse fato na sua época, e caminhar com ele
experimentos, busco no Laboratório seguir os passos que Thom pelos principais estilo (formas) na história da matemática
transcreveu, com tanta propriedade, em seu discurso na Academia Vou dar alguns exemplos de como proceder na reconstrução
de Ciência de Paris. Faço as adaptações necessárias para que, de situações-problemas históricos, que possa ajudar nossos alunos
usando o Laboratório de História da Matemática, seja de fato um na construção de competências. Tentarei dar exemplos que possam
laboratório experimental e além disso um momento de aprendizagem ser usados nos três níveis de ensino.
para meus alunos. Vejamos como as etapas sugeridas por Thom
são transcritas no laboratório: PROBLEMAS HISTÓRICOS
1 -Isolamos o laboratório para reproduzir a experiência, que
pode ser a sala de aula, a biblioteca ou o laboratório de computação;
MÉDIAS
2 - Os ingredientes que vão "encher" o espaço serão em
primeiro lugar o equipamento que se dispunha na época na qual o
fato foi descoberto. Estes equipamentos não necessariamente se Em Alexandria, durante o reinado de Diocleciano (284 -
constituem de material concreto, mas de conceitos, técnicas e 305),viveu um grande matemático • seguidor das idéias de Eudoxo
estratégias matemáticas que o autor dispunha (protocolo de e Arquimedes, Papus de Alexandria, que escreveu, por volta de
preparação). 320, um livro importante com o título de Coleção (Synagoge). Sua
3 - A perturbação do sistema se faz seguindo o processo importância é devido a vários fatores; pois além de conter conteúdos
histórico. Vamos mudando o equipamento com as novas aquisições inéditos para a época, é também wna rica fonte histórica da
que a mo temática vai nos colocando. O processo de descoberta matemática grega, além disso contém novas provas e lemas
do novos Iittguagcns matemáticas tem contribuído e muito para as suplementares para as obras de Euclides, Arquimedes, Apolônio e
r •voluçOcs nesta ciência. Assim com o mesmo fato histórico vou Ptolomeu.

16 17
Eduardo Scbastiani Ferreira L ABORATÓRIO DE HISTó RIA DA M ATEMÁTICA

No Livro ID, Seção 2 da Coleção, Papus, preocupado com


o problema de colocar num mesmo semi-círculo as três médias: AB=a
aritmética, geométrica e harmônica, inicia com as definições CD = c
pitagóricas dessas médias. AO=OD média
aritmética
Assim, dado dois números a e c (se c(a , então sendo b a BH média
média c( b( a), e a razão (a - b) : ( b - c) deve ser proporcional geométrica
a a: a= c: c paraamédiaaritmética,a a: bparaageométrica
e a a : c para a harmônica, assim:
A primeira construção geométrica de Papus para a média
a-b a c a+c
Média aritmética -b-
-c
= -a = -,uma
c
maneira moderna b = - -
2
harmônica foi a seguinte: Sejam AB =a e BG =c dois segmentos
de retas, que queremos achar a média hannônica de suas medidas:
a-b a D
Média geométrica b_ c = b b=~

a-b n b = 2ac
Média harmônica - - = =.
b-c c a+c

Os números 6, 8, 9 e 12 que aparecem na música para


introduzir o conceito de razão, aqui também aparecem de maneira
significativa. É fácil de verificar que 9 é média aritmética de 6 e 12
e 8 é média harmônica de 6 e 12, ainda mais que 6/8=9/12 e 6/ E
9=8/12, que em música são os harmônicos de cordas de tamanhos
6 e 8, e é o mesmo para cordas de tamanho 9 e 12, isto é uma Em A traçamos uma perpendicular a AB, DAE, com a
quarta e wna quinta respectivamente. condição DA= AE. Ligamos De E a B. Do ponto G traçamos uma
Os números 6, 8 e 12 têm propriedades importantes que perpendicular aAB, que encontra o segmento DB em F. Ligamos F
vêm da música Assim por darem harmônicos de oitava e quinta (6/ a E, esse segmento encontra AB no ponto C. Então BC é a média
12 e 8/12), estão em média harmônica; e, ainda mais, o cubo tem 6 hannônicaentre AB e BG, pois:
faces, 8 vértices e 12 arestas. Esse é o motivo também dos AB : BG =DA: FG (semelhança de triângulos)
pitagóricos chamarem o cubo de "corpo harmônico". = EA : FG (por construção)
Papus tinha já a construção das médias aritmética e geométrica = AC : CG (semelhança de triângulos)
de dois segmentos de comprimentos a e c em um mesmo semi- = (AB - BC) : (BC - BG).
·lrctalo: Então, chamando BC = b teremos

18 19
li.dunrdo Scb;ISti:llli Ferreira LABORATÓRIO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

a:c=(a-b):(b-c).
Papus mostrou também, que se d~rmos a e b, ~demos ach~
c e se dermos b e c achamos geometricamente a .....Je reproduzm
~desenho sobre o outro e obteve então as três médias num mesmo
semi-círculo.
H

Isto é, DF é a média harmônica de AB e BC. De fato, como


ODB é um triângulo retângulo e BF é perpendicular a OD, então:
A G
DF: BD = BD :DO (semelhança de triângulos),
DF.DO = BD2 = AB . BC (propriedade das proporções e
média geométrica)
1
DO = (AB +BC) (construção do raio),
Dado o semi-círculo AC de diâmetro ABC (AB =a, BC= c) 2
e centro O, traça-se a perpendicular AC por B, encontra o semi- DF.(AB +BC)= 2AB.BC,
círculo em D. Por D traça-se a tangente ao semi-círculo, isto é, a AB.(DF - BC) = BC.(AB - DF),
perpendicular em D ao raio OD. Essa tangente vai encontrar o AB:BC = (AB - DF): (DF - BC) (propriedade das
segmento AC em G. Marca-se na tangente o ponto H, tal que HD = proporções).
DG. Unindo H a B encontramos sobre o raio OD o ponto K. Da Foi usado somente cinco segmentos DO (= OC), DF ,AB,
mesma maneira que no desenho anterior OK é a média hannônica BCeBD.
dos segmentos OF e OD, onde F é o pé da perpendicular a OD Papus apresenta também nessa seção dez novas médias,com
por B. d' , . ,. as construções geométricas, algumas delas já apresentadas por
Papus nesse desenho acha as três mé tas so que a arttmettca Nicômano de Gerasa, aproximadamente no ano 100, no seu livro
daAB e BC é AO, a geométrica também de AB e BC é BD, mas a lntroduction Arithmeticae.
harmônica OK é de OF e OD. Por outro lado, ele teve que usar O quadro a seguir dá as dez médias apresentadas pelos dois
seis segmentos DO(= OC), OK, OF, AB, BC e BD.
autores, com a) b ) c .
Um outro geômetra, escreveu Papus, resolveu o problema
usando somente cinco segmentos e a médiahannônica também de
AB e BC. É uma simplificação do seu, sem usar a tangente.

20 21
Eduardo Scbastiani Ferreira LABORATÓRIO DE HlsróRIA DA MATEMATICA

NICÔMACO PAPUS FÓRMULA EQUIVALENTE


a-c b'
a-b a c lO 7 - - -- - a =b+c
- - =-= - a-b c
b-c a c
a +c = 2b aritmética
a-c a
--=-
(omitiu) 8
a-b h a
2
= 2ab-bc
a-b a
2 2 --=- ac = b 2 geométrica
b-c b
a-b a 1 1 2 DUPLICAÇÃO DO Cuso
3 3 --=- - +- =- harmônica
b-c c a c b
O problema da construção com régua e compasso de um cubo
de volume o dobro de um cubo dado é um dos três problemas
a-b c clássicos gregos, com a quadratura do círculo e a trisecção do
4 4 --=-
b-c a a+c ângulo. A história desse problema aparece na literatura de duas
maneiras distintas, ambas escritas por Erastostenes de Alexandria
a-b c c2 (por volta de 276-194 aC). Uma primeira, diz que o oráculo de
5 5 --=- a=b+c-- Delos, quando consultado a fim de livrar o país de uma praga,
b-c b b
mandou que construíssem uma altar, o dobro do existente. Os
a-b b a2 arquitetos da.época ficaram pezplexos no esforço que fizeram para
6 6 - -=- c = a+b - - descobrir as medidas de uma sólido, com o volume duplicado de
b-c a b
um outro dado. O problema foi levado à Academia de Platão, e
a-c a esse censurou os arquitetos dizendo que eles tinham desprezado a
7 (omitiu) -- = - c 2 = ac-ab geometria
b-c c
A segunda lenda é a que o rei Minos, da ilha de Creta, mandou
a-c a duplicar o volume do altar que tinha mandado construir para seu
8 9 --= - filho Glaucus e os arquitetos sin1plesmente dobraram a medida do
a -b c lado.
A primeira história é considerada mais fidedígna pelos
a-c b historiadores, e com ela nasce o problema de duplicar o volume de
9 lO - -=-
b-c c um sólido, no caso mais simples de um cubo.
Os gregos já tinham percebido que era impossível resolver
esse problema com régua e compasso, como é o caso por exemplo
de duplicar a área de um quadrado.

22 23
Edunrdo Sebastiani Ferreira LABORATÓRIO DE HJSróRJA DA MATEMÁTICA

transformando em x e y. Como o volume fica o mesmo, assim como


a altura, então as duas áreas da base, do primeiro e do segundo,
devem ser iguais, isto é 2a2 = xy.

Dado um quadrado de lado a, pelo teorema de Pitágora temos


que, su x é n diugona l do quadrado, x2 = 2a2, logo o quadrado de
lado x tem área o dobro da área do de lado a.
Eutócio no seu comentário sobre o livro Sob a Esfera e o
Cilindro de 1\rquimcdes, por volta de 560, relata preciosas soluções
cncontrudu~; para o problema.
Escrevendo em proporções:
Pod ·mos olhar a duplicação da área de uma quadrado x2 = a:x=y:2a
2ul, como uma proporção entre duas razões a:x = x:2a. 3)Vamos agora imaginar um terceiro paralelepípedo do
Na busca de um segmento de medida x, dado um outro de mesmo volume, onde deixamos fixo o comprimento x e mudamos
medida a, tal que x3 = 2a3, Hipócrates (viveu por volta de 430 aC) as medidas a e y também para x
reduziu o problema a construção de dois segmentos x e y em
"medida proporcional contínua" entre os dois comprimentos a e
2a, isto é, construir dois segmentos de comprimentos x e y, tais que:
a:x = x·:y = y:2a
Provavelmente seu raciocínio seguiu os seguintes passos:
1) Coloca-se dois cubos de lado a, um ao lado do outro
formando um só bloco. Então, o novo sólido terá volume 2a3, pois
o novo sólido tem medidas 2a , a e a

Como o novo paralelepípedo tem volume x3 e o anterior x.y.a,


então y.a =x2 ; ou em proporções:
x:y=a:x
Dessas duas proporções podemos escrever a "média
2) Imagine esse sólido transformado num outro paralelepípedo proporcional contínua":
de mesmo volume, mantendo a altura a e as medidas da base se a:x =x:y =y:2a
(Ver Bunt et ai., 1988, p. 98-99)

24 25
Eduardo Sebasti:mi Ferreira LABORATÓRIO DE HlsróRIA DA MATEMÁTICA

O problema mudou, então, para como encontrar a média onde os triângulos BAD e ADC são retângulos, têm o lado AD em
proporcional contínua entre dois valores dados, e é nessa comum e as hipotenusas AC e BD se interceptam
formulação que aparece as várias soluções citadas por Eutócio. perpendicularmente em E. Então, se EC= a, EB = b, ED =x e EA
= y temos; por semelhança de triângulos:
a) Solução de Meneacmus (por volta de 350 aC). a:x=x:y=y:b.
Meneacmus considerou x e y como duas médias proporcionais A solução de Platão, então, consiste em reproduzir essa figura,
entre os segmentos a e b, isto é, se a:x = x:y =y:b, tem-se então, na sendo dado a e b. Primeiramente constroi-se duas semi-retas
nomcndatma atual, que: perpendiculares me I em A, e seja numa semi-reta que desliza
x2 = ay, y2 = bx e xy = ab. paralelamente a m por um ponto D sobre 1
A::> duas primeiras equações representam as equações de
parábolas c a terceira de um hipérbole.
A primeira solução dada por Meneacmus, na
linguagem atual, é a interseção da parábola t
y = bx e a hipérbole xy = ab, no seu ramo do

Uj-------0

primeiro quadrante. Sua segunda solução é a


interseção das duas parábolas r = ay e y =
bx. (Heath, 1981, p. 253-254) A m
b) Solução de Platão (427 a 347 aC.) Uma outra figura é feita onde duas novas semi-retas são
A solução mecânica atribuída a Platão, não tem seu estilo, desenhadas perpendicularmente em E, tais que EC= a e EB = b.
provavelmente veio da sua academia, onde estavam matemáticos
como Eudoxus, mas é a seguinte:
Considere a seguinte figura:
D c

A B

26 27
Eduardo Sebastiani Ferreira L ABORATÓRIO DE HISfó RIA DA MATEMÁTICA

O processo "mecâni.c o" consiste, então, em


fazer B deslizar sobre a semi-reta m e a semi-
reta n deslizar com C sobre ela, até obter o
desenho anterior. Quando isto estiver feito
termos os segmentos x e y, que serão as médias
proporcionais contínuas entre a e b.
(Bunt et ai., 1988, p.l 02).

c) Solução deArquitas (428 a365 aC.)


Arquitas deu uma solução notável para o problema,
principalmente pela época. Ele imaginou uma construção espacial e
achou, que a solução para a média proporcional contínua, era a
projeção no plano da interseção de três sólidos de revolução.
Escrevendo em na notação atual de geometria analítica, os sólidos
são: 3 -Um toro de equação:
1 - Um cone de equação: x2 + y 2 + z2=a ~x 2 + y2
a2
x2 + y2 + z2 = -
b2 x2

Das equações do cone e do cilindro obtemos:

x2 + y2 + z2 = ( x z + Y 2)2
2 -Um cilindro dado pela equação: b2
x2+y2 = ax e da equação do toro:

28 29
Eduardo Sebastiani Ferreira 1 t\lli )1(1\'1ÓRIO DE HtS fÓRIA DA MATEMÁTICA

a Jx2 + y2 +z2 A. curva fica determinada desde que conheçamos a posição


t lt, t cu vértice. Se esse ponto coincidir com o ponto O ou com N,

Jx2 + y2 b , (' nicu será respecitivamente uma parábola ou uma circunferência;


· ~·sti vercntre C e O, ou entre O e A, será uma hipérbole ou uma
que é a nossa média proporcional contínua entre a e b. c•llp · '.
(Heath, 1981, v. I, p. 248.) Kcpler, porêm, não chegou a esse resultado tirando da figura
H' l l ~~·Ocs que o levassem a detenninar a natureza da curva, mas fez
tqm•l:.-1 ltfirmações porque anteriormente estudara as secções
l<EPLER E O PROBLEMA INvERSO DA
t t 1kw, •H ubia por isso a situação que o vértice de cada uma delas
TANGENTE DE UMA CóNICA
tll' llptt nH rota AC."
Possivcl solução de Kepler
Anibal Scipião de Gomes de Carvalho, na sua tese de Os conhecimentos da época de Kepler sobre cônicas vieram
doutorado A Teoria das Tangentes antes da Invenção do Cálculo ptoVIIV •lmcntc de Apolônio de Perga (262-200 aC.). Um dos
Diforencial, defendida no Porto e publicada em Coimbra em 1919, n.·••ttllnd<m ntniNimportmalc de Apolônio sobre cônica e sua tangente
escreveu um capítulo sobre o problema inverso da tangente, isto é, •' n ••qwtll'tn io lt111111 11ko", isto é, dada umacônicacomeixo VW,
dada a reta tangente em um ponto encontrar a curva que tem essa fiiiiiJ.I'tlltl I H ' t1111 ll, v6 1i ·cs VW; sendo A o ponto onde a reta
tangente neste ponto. Ele inicia o capítulo escrevendo que Kepler v• ~~~~u i Jl<ll' H l'llt'OH int o •ixo c ·o ponto onde a tangente encontra
foi o primiero a tratar desse assunto para as cônicas: "O primieiro
exemplo que se conhece é devido a Kepler, que procurou determinar AW CW
f unbém o eixo, então: - - ==--
a natureza de uma secção cônica de que eram dados o eixo AC, AV cv·
um.ponto B e a tangene BC nesse ponto, que corta AC no ponto
c.
B

c w

N
A
Voltemos a construção geométrica de Kepler. A primeira
·,)isa a ser mostrada é que o ponto N fica entre os pontos O e A,
Baixando de B a perpendicular BA sobre o eixo, tomemos
sendo O o ponto médio entre A e C.
nesta reta o ponto O meio da subtangente AC, e um ponto N, tal
Em primeiro lugar vamos considerar que AB < BC por
que
·onstrução, pois, se for igual a reta tangente sendo perpendicular
NAINC =AB/BC.

30 31
Eduardo Sebastiani Ferreira LABORAI'ÓRIO DE H ISTóRIA DA MATEMÁTIC A

ao eixo e o B coincidiria com o vértice, teremos coincidência dos


NA AB
AB NA BÁ = BA. Pela construção do ponto N, NC = BC, mas como
pontos A,B,C,O e N. Então, BC < 1, e também NC < 1, isto
AB = ÁB e AÁ é paralela a BN, então BM = MN. Logo se o
é, N está entre O e A. vértice V estiver em N será um círculo de centro Me raio MB.
Vamos ver agora o lugar geométrico dos vértices. Supomos
que o vértice V está entre C e O, então VC < VA e pelo Quatérnio Problema de Kepler tratado por coordenadas
Harmônico teremos WC < WA, isto é, se realiza somente na Michel Chasles, no seu clássico livro: Aperçu Historique sur
hipérbole /'Origines e !e Développement des Méthodes en Géométrie,
publicado em Paris em 1875, mostrou que Apolônio, nas suas
construções de cônicas,.as representava numa equivalência de hoje
em coordenadas cartezianas pela equação y 2 = 2px + qx 2 • Quando
q é positivo não nulo temos uma hipérbole, se for negativo e diferente
de -1 temos uma elipse. Quando q = -1 temos o círculo e para q =
Oa parábola.
c N A M Então, a equação y 2 = 2 px + qx 2 representa uma cônica
de eixo OX e vértice na origem. A determinação de Kepler da
natureza da cônica, tangente a reta BC, no ponto B, colocando CA
Se o vértice está em O = V, Apolônio mostrou que nesse
como eixo coordenado das abcissas e B com coordenadas (a , b),
caso, em que CV = VA temos a parábola, e isso sai imediatamente
se fará variando a origem entre C e A.

do Quatérnio Harmônico, também, pois teremos WA


wc =1, que Em primeiro lugar vamos escrever a equação da reta tangente
, p+qa
tem duas soluções, W ponto médio entre A e C, e aí o W coincidiria por B e de coeficiente angular (y ) {a,b) = b , então a
com V, no segundo caso quando W está no infinito e no limite
equação será:
teríamos o quociente tendendo a 1(parábola).
Quando o vértice V estiver entre O e A, então VA < VC, e y = p + qa x +C, como passa pelo ponto (a, b) temos
pelo Quatérnio Harmônico de Apolônio temos que WC > WA, que b
é o caso da elipse.
Vejamos agora o caso em que o vértice V está em N. Partindo p+qa ap ap
Y= b x +b . A abcissa do ponto C será - p + qa
de uma reta perpendicular a reta tangente em B, ela vai encontrar o
eixo no ponto M. Seja Á um ponto sobre a reta tangente, tal que, Estamos considerando a reta tangente em B com as coordenas a e

32 33
Eduardo Scbastiani Ferreira LABORATÓRIO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

b positivas, não nulas e de coeficiente angular positivo, isto é,


p+qa >O.
A. equação reduzida da cônica, quando q :t= O, isto é, quando
2
2
não for uma parábola, será: q(x + P)z - Y = ]!_.
q q
O ponto no eixo O, médio entre A e C, terá abcissa
qa
2(p+qa)"

Quando a origem estiver em O teremos


p
a.;qa = a , isto é q
2
b2
=O, e a cônica será a parábola de equação Y = - X
a
Já vimos que o triângulo BI-AN é isósceles, com BM = N1.1,
Quando a origem estiver entre C e O, então, a coordenada
istoé~(a- p-qa-a) 2 +h 2 =~(-x+ p+qa+a) 2 ,
qa ) > O. Por outro
do ponto O será positiva e teremos que ( p+qa . onde chamamos de x a abcissa do ponto N. Então
2
lado, como p + qa > O e a >o, temos que q > O, e a curva será x=p+..qa+a-~(p+qa) 2 +h 2 •
uma hipérbole. Vejamos o caso em que a origem coincide com N, isto é, x =
No caso da origem estar entre O e A, temos q < O, e a cônica
será uma elípse. O p + qa +a = ~(p + qa ) 2 + b 2 • Elevando ambos os
Vamos agora calcular a abcissa do ponto N. A reta normal à membros ao quadrado, cancelando os termos iguais e considerando
b ba o ponto (a , b) na cônica, teremos que q = -1, e temos, então, o
tangente tem equação: Y = x +b+ essa reta vai
p+qa p+qa' a2 + b2 2 2 a2 + b2 )2
cortar o eixo das abcissas no ponto M de coordenada p + qa +a. círculo de equação: ( x - a ) +Y = ( a ·
2 2
Vamos estudar o caso da elipse, isto é, a origem entre O e A,
e o q é negativo. Dividimos em dois casos: a origem entre O e N e
entreN e A.

34 35
Eduardo Sebastiani Ferreira LABORATÓ RIO DE HISTóRIA DA MATEMÁTICA

No primeiro caso, em que a origem está entre O e N, a matematicamente que se tem de dar, ele representa de uma maneira
coordenada de N será positiva, isto é: muito melhor os desenhos. Neste caso do problema de Kepler tem
ainda um fator importante de usando a animação poder-se ver a
p + qa + a - .J(p + qa) 2 + b2 >O. Como p + qa é positivo, +a cônica se transfonnando. Assim, começando com a elipse, ela inicia
elevando ao quadrado mantém a desigualdade, e chegamos a com o eixo maior em pé, depois aparece o círculo, ficando em
q + 1 > O, sendo q negativo, então I q I < 1. seguida uma elipse de eixo maior horizontal. Logo toma-se mais
No segundo caso, em que a origem está entre N e A, temos alongada, rompendo de um lado, construindo, então, uma parábola,
q+l<O el qi>L que depois aparece no lado oposto um outro ramo, dando a
Na equação reduzida da elípse, colocando --q no lugar de q, hipérbole.
Vejamos então o programa. na linguagem Mathematica, usado
pelos alunos de cálculo para mostrar esse problema:
(x- P)2 2

temos: q + L = 1· No primeiro caso em que q < 1, então Do[p:=4-((8*d"2-48*d+64)/(d"2-8*d+ 16));


p2 p2
q:=(l6-8*d)/(d"2-8*d+16);
q2 q
Plot[{x+d,Sqrt[2*p*x+q*x"2],
-Sqrt[2*p*x+q*x"2]},{x,-l O, 10},
p2 p2
2 2 PlotRange-> {{-8,1 O}, {-8,8}},
q < q ,1 I q > 1I q e - 2 > - , logo o eixo maior da elípse
q q Plotstyle-> {RGBColor[1.000,0.000,0 .000],
está sobre o eixo OX e sua excentricidade e será: RGBColor[0.502,0.000,0.502],
2 2 RGBColor[0.502,0.000,0.5.02]} ],
p 2 (1- e
q
2
) =f!_ . Teremos então 1- e 2 =
q
q,e e= ..Jl=q < 1. {d,0,3.9,0.2}]

p2 p2
Quando q> 1 então, - 2 < - , o eixo maior estará sobre o
q q

eixo OU e sua excentricidade será e ~ ~I- ~ < I.


} )n c Iipse à hipérbole. Uma animação com o deslocamento
lt••t p••n 1"uu;do a linguagem Mathematica.
I h' • IIIIH 11 lo computador é praticamente imprescindível num
111 " ' '' • r•J. tdu , 11 l ,~u1 do trutamento, digamos, correto

I (I 37
LABORATÓRIO DE HISfóRIA DA MATEMÁTICA

A
HISTÓRIA DA TANGENTE

~nto aqui dar um resumo dos principais trabalhos na busca


1. da tangente a uma curva dada. Sigo cronologicamente os
autores, afim de mostrar a evolução do conceito de tangente e mesmo
de curva. Foram deixados de lado autores importantes, mas me
concentrei naqueles que de fato mudaram o conceito, isto é, nos
orno E é o centro dos círculos BCD e AFG, então, EA é
autores que revolucionaram a forma de tratar o assunto.
igual a EF e ED a EB; e, também, os dois lados AE e EB são iguais
aos dois lados FE e ED: e tem em comwn wn ângulo, o ângulo E; e
como a base DF é igual a base AB, o triângulo DEF é igual ao
EuCLIDES triângulo BEA. Então, os ângulos EDF e EBA são iguais. Mas EDF
é reto, logo EBA também. Agora, como EB é o raio, a reta traçada
Euclides, que viveu em Alexandria por volta de 300 a.C. e fazendo um ângulo reto com o diâmetro de um círculo, por sua
escreveu os Elementos, menciona somente a tangente à extremidade, toca o círculo (Porisma da Proposição 16). Logo AB
circunferência, isto no Livro ill dos Elementos. Sua Definição 2 toca o círculo BCD.
diz que: "Uma linha reta se diz que toca um círculo , quando o Então, de um ponto dado A, a reta AB foi traçada tocando o
encontra, mas não corta o círculo." Essa é a noção de reta tangente círculo BCD.
a um círculo que encontramos nos Elementos. Dentro os teoremas A palavra ''tangente" aparece na proposição seguinte, que diz:
desse livro a Proposição 111-17 é o mais significativo para a "Se uma reta toca um círculo, e wna outra reta liga o centro ao
construção da tangente. Ele mostra como encontrar a tangente à ponto de contato, essa reta será perpendicular á tangente."
uma circunferência, por um ponto fora dela. Diz ele: "Por um ponto Outra proposição importante sobre tangente demonstrada por
dado traçar a reta tocante a uma dada circunferência." Euclides nos Elementos é a m-36, que refere-se a potência de um
Sua demonstração é a seguinte: ponto em relação ao um círculo, diz ela: "Se um ponto de fora de
Seja A um dado ponto, e BCD o círculo dado; então, é um círculo é traçado duas retas, uma tocando o círculo e outra
requerido que tracemos pelo ponto A uma reta que toque o círculo cortando-o, o retângulo contido por toda reta que corta o círculo e
BCD. o segmento que intercepta do lado de fora o ponto e a circunferência
Do centro E do círculo tracemos a reta AE, e com a distância convexa, será igual ao quadrado da tangente."
A I·: c centro E traça-se o círculo AFG, de D traça-se DF em ângulo Nos Elementos nada se encontra sobre a teoria das seções
' ''"' t•om I·:A, c seja EF, AB ligados; dizemos que AB tendo sido cônicas. Euclides escreveu um tratado sobre as propriedades
lt ' '\ ud11 do ponlo A toca o círculo BCD. daquelas curvas, hoje infelizmente perdido, que deve ter sido base
para os trabalhos de Apolônio e Arquimedes.

39
Eduardo Sebastiani Ferreira LABORATÓRIO DE HISTóRIA DA MATEMÁTICA

ARQUIMEDES . <a cosa. - aa sena, - a seno: - aa.cosa. > = a <coso:, - sena>


+ aa <- sena., -cosa>. O primeiro vetor unitário <cosa, - sena >
Eudóxio de Cnido (por volta de 360 a C.) foi quem introduziu está na direção do raio polar r e o outro, também unitário, <- sena,
o método de exaustão, usado por Arquimedes (287-212 a.C.) e - cosa., > é perpendicular ao primeiro e tangente ao círculo de raio
também pelos matemáticos do Século XVIT. Resumidamente r=aa., no ponto de tangência. Então, o vetor tangente no ponto
podemos dizer que o método consiste em: se quisermos demonstrar t=a, é a composição de dois vetores, um na direção do raio e o
que uma quantidade A é igual a outraB, tomamos uma terceira C outro tangente ao círculo de raio r=aa.. Podemos, então, afirmar
de modo que a diferença A - C possa diminuir tanto quanto nós que a velocidade no ponto, na direção do raio é a, e sobre o
quisermos, isto é, que se possa esgotar (o que dá o nome ao circulo de centro na origem c que passa pelo ponto de tangência, é
método).Consideramos primeiramente C> A e depois C< A. Se ua. l .ogo as distâncias percorridas para t=a será aa. na direção do
depois da comparação de C com B resultar um absurdo, ficará raio e aa.2 no círculo.
provado, como pretendíamos , que a é igual a B. Arquimedes construiu a tangente à espiral calculando o valor
No Tratado das Espirais, Arquimedes não apresenta da subtangente, isto é, o segmento de reta perpendicular ao raio,
nenhuma definição de tangente, mas usa o termo, logo se supõe do centro ao ponto que intercepta a tangente (AZ). Ele demonstrou,
que ele utilizou da definição de Euclides para tangente em um círculo: por redução ao absurdo, que esse segmento mede o mesmo
"o segmento de reta que corta o círculo em um único ponto". comprimento do arco de círculo KH. Hoje podemos mostrar mais
Arquimedes demonstrou como achar a reta tangente à uma espiral facilmente esse fato: ternos os seguintes triângulos semelhantes AZH
específica, que é a que ele usa todo tempo no seu tratado. Vejamos e HPQ, logo AZIAH = HP/PQ.
como Arquimedes definiu sua espiral, hoje conhecida como espiral Q
de Arquimedes: "Primeiramente consideramos uma semi-reta v
girando no plano, com Velocidade uniforme em relação a sua
extremidade, que fica fixa, e volta a sua posição iniciaL Ao mesmo
K
tempo que a semi-reta gira, um ponto move sobre ela com
velocidade uniforme também, iniciando da extremidade fixa, esse
ponto descreve uma espiral no plano."
Para ele então a espiral era descrita pela composição de dois
movimentos, um de rotação de uma semi-reta com origem fixa e o
outro pelo deslocamento sobre essa semi-reta. A equação polar da
Espiral de Arquimedes então é r= ae, para uma constante a, descrita
no sentido horário. Então, neste sentido, suas equações cartesianas
serão: x = r cose e y = r sene e as paramétricas x = at cos te y = at Como Q- H é o vetor tangente em H temos
sen t. Seu vetor tangente no ponto t = a. será: AZ = AH.HP I PQ = aa. ao: /a = aa.2 , que é igual ao arco KH
percorrido pelo círculo.

40 41
Eduardo Sebastiani Ferreira LABORATÓRIÔ DE HISTóRIA DA MATEMÁTICA

Oma outra demonstração é calculando a reta tangente e fazendo composta de 8 livros. Neles, Apolônio demonstrou muitas
sua interseção com a subtangente. Se o ponto de tangência é H= propriedades dessas curvas e, usando o conceito euclideano para
( ua.,a), a equação da subtangente será: e= a. -rt /2. Por outro lado a tangente, demonstrou 7 teoremas sobre tangentes à u.-na cônica
equação da reta tangente em coordenadas cartezianas é y = (dy/dxÀ. x (Livro I, Proposições 17, 32, 34, 35,37 e 38).
+ c, e como Sua primeira proposição sobre reta tangente à cônica (I-17)
(dy/dt)H =-a sena- aa cosa e (dx/dt)H = a cosa- aa sena, mostm que a paralela à uma ordenada, passando pelo extremo A
então, a reta tangente em coordenadas polares será: de um diâmetro de uma cônica, é tangente a essa cônica. Devemos
rsen9 = [(sen<x. +a. cosa )/(cosa.- asena )] r cose -c, e como pri m ·i nununlc entender sua defini ção de diâmetro e de ordenada,
passa pelo ponto H= (aa.,a), temos c= aa.2 / (cosa-a. sen a.); então, iwm Nu UJICOul ru na Definição 4 do Livro I: "Para qualquer curva
a equação da reta tangente por H fica: q uc ·stá num plano eu chamo uma reta dada de diâmetro quando,
rsen9 = [(sena.+a cosa)/(cosa. -a. sena.)] r cose- aa.2 I (cosa. Lraçada na curva, bissecta todas as retas traçadas, sobre a curva,
-a. sena.). paralelas a uma reta dada; e eu chamo o fim da reta (diâmetro),
Calculando sua interseção comasubtangente e= a- rr/2 temos:- situado sobre a curva, de vértice da curva, e eu digo que cada
r cosa. = [(sena +a cosa) rsen a- aa2 ] I (cosa -a. sen a), paralela é ordenada deste diâmetro." Sua demonstração também é
our=aa2 • por absurdo, supondo que a reta paralela a ordenada por A (vértice)
Esse resultado de Arquimedes aparece na Proposição 20 do seu encontra a cônica em nm outro ponto B, e a reta AB deve ser
livro sobre espirais. Assim ele podia traçar a reta tangente à espiral (na divida ao meio pelo diâmetro o que é absurdo, pois o ponto A é
primeira volta), sabendo o ponto de tangencia e o ponto de interseção vértice.
da tangentecomasubtangente. A demonstração de Arquimedes, como Chalés, no seu livro Aperçu Historique sur I'Origine et /e
já dissemos, é por redução ao absurdo, primeiro ele supõe que a Développement des Méthodes en Géométrie, publicado em Paris
subtangente seja maior que o arco e depois que seja menor, chegando · em 1875, mostrou (p. 3-6) que Apolônio, em suas construções
em ambos os casos a um absurdo, isto é, que a tangente corta a espiral geométricas, usou o equivalente hoje a equação cartesiana y2 =
em dois pontos. 2px + qx2 para as cônicas.
Um dos resultados mais importante de Apolônio sobre a
APOLÔNIO tangente a uma cônica é o seguinte: "Dada a tangente por um ponto
C da cônica, essa vai encontrar o diâmetro em um ponto E, relativo
!f in a section oj cone a straight fine is draw à ordenada que passa por C. Se esta ordenada·encontra o diâmetro
from the vertex of the fine, and parallel to an em um ponto D e sendo A e B os dois vértices, então vale a relação:
ordinate, it will fall out side the section. BD/DA = EB/EA." Essa relação é chamada de Quatérnio
Harmônico.
Depois de Euclides e Arquimedes foi Apolônio (262- 200 Considerando a equação de Charles para a cônica, sua reta
a.C.) o geômetra que trabalhou com tangentes, nesse caso à cônicas. tangente no ponto de coordenadas (a,b) será:
Das suas o bras, a mais conhecida é o tratado das seções cônicas,

42 43
Eduardo Sebastiani Ferreira LABORATORIO DE HISrORIA DA MATEMÁTICA

y [(p + qa)l b]x +c, quando a obrigamos passar pelo ponto


de tangência, o valor de c será c = paI b , e a equação fica:
y = [(p + qa)l b]x+ pai b. Para o diâmetro y =O, vamos ter a
abscissa de E x =- pa /(p + qa). No caso da elipse, onde
consideramos -q no lugar de q, x =pa /( qa- p), e a equação
daelípse fica:(x - p I q) 2 l(p 2 I q 2 ) + y 2 l(p 2 I q) = 1
A razão de Apolônio, ou o Quatérnio Harmônico, será:
a/(2p/ q-a) =[pal(qa- p)]l[pal(qa- p) - 2pl q], c
que simplificando dá:
al(qa- p)-21 p=(2p-qa)l[ql(qa - p)],
ou ainda, aq- 2qa + 2p = 2p- aq.
No caso da parábola, onde q = O, a razão de Apolônio se
reduz a AE = ED, que em coordenadas, como o ponto E tem
abscissa x = - pa /(p + qa) e q = O, x = - a.
Vejamos agora o caso da hipérbole, que é o caso de q > O,
sua equação será (x+ p/ q) 2 l(p 2 I q 2 ) - y 2 l(p 2 I q) = 1
Então o ponto B terá abscissa x = -2p I q e por uma simples
substituição teremos a razão de Apolônio BD I DA= BE I EA.
É com essa razão que Apolônio constnúa a tangente em um
ponto da cônica, determinado o ponto E no diâmetro.
Geometricamente esta construção é fácil; vejamos o caso da
hipérbole:
Como (BD + DA)/DA = BAIEA, temos que EA =(BA.DA)I
(BD + DA).Então, tendo o ponto D achamos facilmente o E. No
caso da elipse usamos a diferença, isto é, (BD - DA)/DA = BN
EA, e então, EA = (BA.DA)I(BD- DA).
A razão de Apolônio recebe o nome de Quatérnio Harmônico
pois partindo dela chegaremos muna relação harmônica entre BA,
BD e BE. Para mostrar isso, tomemos como exemplo o caso da

44 45
Eduardo Sebastiani Ferreira LABORATÓRIO DE His r ORJA DA MATEMÁTICA

hip6rbolc, onde DA = BD- BA e EA =BA-BE, então, a razão encontra o centro e o raio desse círculo, que Descartes chamou de
HO/DA = BE/EA pode ser escrita como: normal à curva no ponto. A reta tangente então fica determinada
(BD- DA)/DA = (BE- EA)/EA, a relação da hipérbole nos pela reta ortogonal a esta normal no ponto de contato. Para a
dá: BAlDA= (2BE- BA)/EA e invertendo essa razão temos DA/ tangente à curva por um ponto fora dela, a construção cartesiana
BA = EA/(2BE- BA) (1 ). foi também pela sub-tangente. Vejamos os processos cartesianos
Voltando à razão de Apolônio, podemos, não subtraindo os para a construção da tangente à uma curva geral.
denominadores como fizemos anteriormente, mas somando: (BD + Suponhamo~ que queremos construir a nonnal à curvaACE,
DA)/DA = (BE + EA)/EA, usando novamente a propriedade da 'lljn ·quuç. o é F(x, y) O, no ponto de contato C, definido pelas
hipérbole: (2BD- BA)/BA = BAIEA e trocando os meios (2BD- NU: IN coordcnndus OM =x c CM = y. Descartes supunha o problema

BA)/BA =DAIEA (2). r ~solvido, isto é, se P um ponto do eixo x de abcissa v= PO e seja

Igualando (1) e (2) vamos obter: (2BD- BA)/BA = BA/ PC : :.: s. Então, o círculo de centro P e de raio CP terá a equação
(2BE- BA). Multiplicando os extremos: (2BD- BA)(2BE- BA) = ( x - v Y+ y 2 = s 2 , que vai interceptar a curva ACE em pontos
2
BA2 , desenvolvendo 4BDBE- 2BDBA- 2BABE + BA2 = BA , detem1inados pelas raízes da equação:
ou ainda BA =2BDBE/(BD + BE),isto é, BA é média harmônica
entre BD e BE. F~,[s 2
-(x-v} ]Yz }=0·
2

Podemos repetir o mesmo processo nos outros casos, da Como C é uma das soluções dessa equação, Vâ.lüOS supor que
elipse e parábola. exista uma outra, um ponto O. Quando os dois pontos C e D se
aproximam indefinidamente, o círculo tocará a curva, como
escreveu Descartes, e CP será a normal procurada. Nesse caso as
DEscARTES abcissas de C e D serão iguais e ainda mais, serão raízes da equação
acima. Logo a equação terá raízes duplaS. Com essa condição
Et j ·ose dire que c·est /e prohleme Ie plus utile determinamos se v em função das coordenadas do ponto de contato
et le plus general, non seulement que je sache, C.
mais même que j'aie jamais desiré de savoir
en géometrie.
(Descartes, apud Edwards 1979, p. 126)

No seu Geometria, Livro 2, Descartes tratado problema da


tangente à uma curva de maneira geral, o tratamento cartesiano foi
~h: ·ncont raro círculo que tangencia a curva no ponto de tangencia,
1' 111 11 11111bos, u curva e o círculo terão a mesma tangente nesse
o
puni u ( 't HIHH' n ·ontrar a tangente a umcírculojáeraconhecido
, .. ,, I "' l th •o p11 1hll·mu em facilmente resolvido. Para isso, bastava

-
46 47
Eduardo ~bastiani .t'erreira

A equação do círculo de raio s e centro (0,-v) é


lloje para determinar a subnormal pelo processo de
Descartes, o processo é bem mais simples. Determinamos o x 2 + (y +v) 2 = s 2 • Por outro lado, pelo teorema de Thales para
comprimento v - x da subnormal, pela solução única da CM, LA e G podemos escrever que y I c= b 1LG , logo
equação F ~, [s 2 - ( x - v)2 ~ } = O. Quando desenvolvida pela LG = bc/y. Do triângul o retângulo CMG temos que:

série de Taylor, para ter raízes duplas é necessário que dF i dx == O no x 2 + (y + b)2 = (c+ bc I y ) 2 , c então, a equação cartesiana para a
ponto C, isto é, t5FI & +(oF I bjl)(dyl dx) =O, noponto.Como conchóidc será x 2 y 2 =(y + b) 2 (c 2 - y 1 ) . Fazendo a interseção
dyl dx = (v - x)l y, então a :;ubnormal será: v-x == - y(FJ F, ) . ·nm <1 cfrculn teremos:
Fica assim determinado a subnormal v- x no ponto, ou a abeissa v y' ,, lCs 1 • V 1 - c' +b 2 )/2(b - v)}l-[bc 2 /(b-v)]y-b2c2 /2(b-v) =0 .
do centro do círculo. ( 'o mo queremos que tenha raízes duplas, por exemplo a, então,
No caso particular da Conchóide de Nicomedes, que aparece terá de ser escrito da forma: (y- a ) 2 (y +a) =O. Igualando os
nos comentários de Schooten do livro de Descartes, é também coeficientes b2 c 2 12(v-b)=a1 a e bc2 1(v -b)=a(a-2a) .
tratada dessa maneira Procura-se o centro do círculo no eixo das
ordenas, onde é colado também o pólo G da conchóide. Sua base Eliminadooaefazendoy=avamoster v =b+bc 2 / y 2 +b 1 c 2 1y 3 •
está no AB no eixo das abcissas: AG = b, CL =c, CM = x, CB = Descartes faz uma construção geométrica e chega na mesma
y, AP = v e PC = s. expressão. Para isso ele constrói os seguinte segmentos LH e m
paralelos a AP e CG respectivamente, temos, da semelhança dos
triângulos CDF e HPI: CD!fll =DF IIP, ou IP = DF.HIICD. Como
c DF= LG = HI = be/y e CD = y, então 1P = b2 c 2 I y 3 •
Por outro lado, como GI = LH e os triângulos CLH e HIP
B também são semelhantes CUlll =LHIIP, então, LH = CL.IP!fll =
bc 2 I y 2 •
Logo: AP =AG+GI + IP=b+bc2 ly 2 +b 2 c 2 /l . APdáa
ordenada do centro do círculo normal a curva no ponto C. O
segmento CP é o raio e a tangente em C à curva é perpemlicular a
CP em C.
A idéia de Descartes para a construção da tangente a uma
curva no espaço começa em considerar a curva como interseção
de dois cilindros gerados pelas projeções desta curva em dois planos
ortogonais. Considerando as duas normais às projeções, nas

49
48
Hduardo ::iebastiani f erreira L ABORATÚR!O DE H ISI'ORIA DA MATEMÁTICA

proj eções do ponto da curva, elas detenninam dois planos ortogonais . , . A maneira de Descartes descrever como traçar a tangente à
no~ plunos projetantes, que vão se interceptar numa reta, que é a ciclotde, num ponto da curva, é a seguinte: por esse ponto traça-se
110 1mal procurada. Foi dessa maneira que Descartes descreveu a uma reta paralela a reta fixa (eixo) e fazendo o disco gerador rodar
construção da normal a uma curva no espaço, mas uma curva no até que o ponto dado fique oposto a o de contato, isto é, no ponto
espaço não admite uma só normal, mas uma infinidade delas. Então, mais alt? da c!clóidc, então, ligando a interseção da reta traçada
a construção de Descartes não é correta Isso, também, não é válido com o d1sco gtrado c o ponto mais alto, temos uma reta paralela à
para o caso de considerar a tangente nas projeções e tomar a tangente; bnslu I ruçnr (t paralela a ela pelo ponto dado. Uma maneira
tangente no espaço como a interseção dos planos ortogonais que fúc~ l é liglll' o ponto dado ao ponto oposto ao de contato, o ponto
contém essas tangentes, pois o exemplo da hélice nos mostra que a 111111:~ uilo do cfrculo gerador. Então, essa retaéperpendicularareta
projeção pode não admitir tangente e a curva no espaço ter, a hélice (( uc une o ponto dado ao ponto de contato com a reta fixa.
com inclinação de 45°, se projeta no plano yz como uma ciclóide,
que não tem tangente em todos os seus pontos.
É evidente que ele não desenvolvia em série de Taylor suas
equações de curvas, mas usava, quando possível, escrevê-las na
forrnapolinomialdotipo: (x-a)2 (Ao +A1 x+~x + ...A.. x") =O,em
2

A D
seguida igualava os coeficientes. Quando isso r-..ão era possível, como
é o caso da ciclóide, então, o argumento de Descartes era a
construção geométrica, como veremos. Nesse caso, considerava Em 1636 Fermat elaborou seu método para encontrar a
um polígono regular girando sobre um eixo, assim quando o lado tangente à uma curva de maneira geral, isso criou uma enorme
CD está no eixo e vai mudar para o lado DF, o vértice A descreve polêmica entre os matemáticos da época, principalmente Descartes.
· um arco de círculo de raio AD com centro D fiXo no eixo. No caso Ele escreveu, em 163 8, uma carta à Mersenne, onde dá o processo
limite o polígono toma-se um círculo, que para cada ponto fora do de achar a tangente à parábola por um ponto T fora dela. Esse é o
ponto de contato, é tangente à circunferência de centro no ponto seu processo:
de contato e raio indo desse ponto ao ponto do círculo. Sendo
dessa maneira fácil achar a tangente à ciclóide por um ponto dela.

/
r
T A B D
C D

50 51
urtD\.Jl'.t\ l UNV ur.; ~ U~ I UNfi Ufi IV.lfili!MAll\..1\

f)uda a parábola AMN e TM a reta que passa pelo fixado T


c corta u parábola nos ponto Me N, tomando A como origem, seja
AO x a abcissa e BM = y a ordenada do ponto M. Suponhamos
que a abcissa do ponto N seja x + e. Se BT =a é a subtangente
procurada, então, pela semelhança dos triângulos TMB e TND
temos ND I y =(a+ e)/a= (1 +e/a), donde tiramos que ND = y(l
+ e/a). hnmumos de c BD. Pela semelliançados triângulo TMB
Por outro lado, N está na curva de equação y 2 = 2 px , logo · TN n t ·mos N l)f fl) MBn'B, ou então ND = (a+ e)e/a. Logo
DN" =2p(x+e),ouseja (l+e/a)2 l =2p(x+e).Desenvolvendo ku n 1 c. Das equações F(N) = Oe ka =a+ e determinamos a e
e dividindo tudo por e vamos ter: 4 px I a+ ey 2 I a 2 = 2p. Como c, logo o ponto ·c Mas se quisermos que TM seja tangente, então,
queremos que a reta seja tangente, Me N devem coincidir, lo.go e M = N e k = 1, logo e = O. Desenvolvendo em série de Taylor F(N)
tende a zero. Então, 4 px I a == 2x ou a = 2x. Temos assim a
= F (b +e, c(a+ e)/a) =O, no ponto M , com acréscimo N- M,
abcissa do ponto de tangência em função da subtangente a.
dividindo por e e fazendo e tender a zero teremos:, que é a
Este método de Descartes para a parábola é geral, pois, se
tivermos uma curva de equação F(x,y) = O e a distância da coordenada da subtangente procwada.
subtangente a, e se o ponto procurado de tangência tem
coordenadas (x,y), um ponto próximo a ele terá coordenadas (x
+e y(l +e/a)). Desenvolvendo em série de Taylor a equação F(x FERMAT
+e: y(l +e/a))= O, em tomo do ponto de tangêl)ria (x,y}, dividindo
por e e fazendo e tender a zero, teremos: Fz + (- )Fy == O. Tomando Puisque donc, fout-i/, ces deux méthodes (la
T com coordenadas (-b,O), então a = b + x e afduas equações b + sienne et cel/e de Descartes) paroissent
x = -y F/ Fx e F(x,y) = O darão as coordenadas do ponto de insuffisantes, e/ en fallait trouver une que levât
tangência toutes ces difficultés. Il me semble avec raison
No mesmo ano, numa carta a Hardy, Descartes demonstrou que c 'est la primiere que }'ai proposée.
como achar a tangente por um ponto na curva, ou melhor, como (Fermat, apud Itard e Dedron, 1948, p. 596)
achar a subtangente. O processo é análogo ao anterior, isto é, dada
a curva F(x,y) = Oe um ponto dela M = (b,c), procuramos o ponto O processo de Fermat, para achar a tangente a uma curva
T no eixo AB, tal que, a reta TM seja a tangente à curva em M dada, era baseado no seu processo de encontrar o máximo, ou o
(buscando então a = TB) Se a reta TM cortar curva em um outro mínimo, de uma função, que por sua vez, dizem os historiadores,
ponto N, suponhamos que a ordenada ND esteja numa razão k era baseado num teorema de Kepler, que dizia, que junto dos pontos
com MB, ND = kMB. de máximo, ou mínimo, de uma função, o acréscimo dessa função
varia muito pouco.

52 53
LABORATÚRIO DE HISrORJA DA MATBMÁTICA
Eduardo Sebastiani Ferreira

Vamos mostrar um exemplo de Fermat no tratamento de achar Vejamos o primeiro método de Fermat para encontrar a
o máximo, ou mínimo de uma função. O primeiro problema que tangente à uma curva por esse processo. O primeiro exemplo que
Fennat apresenta foi de subdividir um segmento de comprimento b =
Fermat descreve é o de uma parábola y 2 kx: Seja (x,y) as
em dois segmentos x e b- x, cujo produto x(b -x) = xb- x 2 seja coordenadas de um ponto B da parábola e (x- e, y1) um outro
máximo. Isto é, encontrar o retângulo de perímetro 2b de área ponto B' próximo,
máxima Fennatusava o seguinte procedimento: dava um acréscimo
e a variável x, então temos: x +e e b- (x +e).
Escrevia a pseudo-igualdade:
b(x +e)- (x + e) 2 = bx + be- x 2 - 2xe- e 2 -bx-i-· Depois de
cancelar os termos iguais teremos b -2x - e- O, ou b - 2x +e.
Descartando-se dos termos que contenha e, temos a igualdade E
x = b/2. Fermat nunca explicou a lógica do seu processo. Os
historiadores dizem, que ele baseando-se no teorema de Kepler,
numa situação infinitamente vizinha dos pontos de extremos da fi.mção
o seu crescimento ou decrescimento é nulo. Hoje diríamos que se Então, kCD = BC 2 e kDI = B 'P . Por outro lado, como o
f(x) está num valor máximo oumÍilÍ.t-no, então, os valores de f mudara ponto O é exterior à parábola B 'P<OP , e então, CD/DI>BC2/
muito pouco perto de x. Isto é, se e é um valor pequeno, então f(x OF. Pela semelhança dos triângulos BCE e DIE tem-se BC/OI=
+e)e f(x)estãopróximos, ou que f(x- e)- f(x)-0. Quando f(x) é CEIIE, e logo CD/DI > CE2/IE2 • Como CD = x, CE =a e DI= x
um polinômio, podemos dividir f(x +e)- f(x) por e e continuamos a -e: x/(x -e)> a 2 I (a- e)2, oux(a- e)2 > a2 (x- e). Desenvolvendo
ter [f(x +e)- f(x)] /e - 0. Fazendoetenderazero, vamos obter, na ambos os membros da desigualdade : xa2 - 2aex + xe2 > a 2x - a 2e.
nossa notação a definição de derivada de fno ponto x, isto é, df(x)/ Cancelando os termos iguais e dividindo por e xe- 2ax > -a2 ,ou
dx = O. a2> 2ax- xe. Fazendo o e tender a zero teremos a igualdade a =
f(x) f(x +e) 2x, que determina a sub-tangente.
Em geral se temos a curva dada pela equação y = f(x),
procurandoomáximooumínimodafimçãoh(x)=Y/f(x), onde Y é
a ordenada do ponto de tangência que corresponde a abcissa x +c
da curva, então, (s +e)/s = OI/BC = Y/f(x), onde EC =seCI = c.
Por outro lado, como Y - f(x +e) e s- ef(x)/[f(x +e)- f(x)], ou
ainda, quando e tende a zero vamos obter a igualdade s = f(x)/f' (x ),
que é a sub-tangente. Assim, como o coeficiente angular da tHtiP,Cill '
x x+e no ponto x é f(x)/s, isto é, f (x). Esse método exige que n cquaç o
seja da forma y = f(x) .

54 55
LABORATÓRIO DE H 15T Ó RIA DA MATEMÁTICA
Eduardo Sebastiani Ferreira

Como x 3 + y 3 =nxy ,p01sopontoAestánoFolium,dividindopor



Quando a curva está escrita na forma F(x,y) =O a solução de e e fazendo e tender a zero, temos 3x 2 - 3l 1a = -nyx 1a _ ny
Fermat era: OUa=(3y 1 - nxy)/(ny-3x2 ) = (nxy-3y 1 )/(3x 2 -ny), que é~
sub-tangente.
. , .Fermat construíu a tangent~, com esse processo, para a
c1cl01de, para a ~triz de equação y =k9, para a oval de equação
y = k[cos(x/b)] tiL, para uma curva descrita por: dada uma parábola
, a curva é construída pelos pontos cuja ordenada é igual ao arco
correspondente da parábola. Mais geralmente, Fermat construiu a
D F B
tangente para curvas do tipo X 2 = âxi âsi , para i variando de 1 a n,
Por um ponto E da reta tangente, supostamente construída, onde xie si são abcissas e comprimentos de arcos de n curvas
de abcissa x - e, abaixamos a ordenada EF, que encontra a curva dadas.
no ponto I. Seja a = DB a ordenada do ponto de tangência, pela
semelhança de triângulos EF/y =(a- e)/a, ou EF = y(a -e)/a. Quando
e tende a zero o ponto E tende-se a confundir com I e temos F[x- ROBERVAL
e, y(l- e/a)]= O, que é a equação análoga a de Descartes, e daí
Fermat segue o mesmo caminho de Descartes. /f, instead of being equal, the magnitudes of
Assim o processo de Fermat para a construção da tangente two motivos had been in some ration, the
ao Folium de Descartes é o seguinte: parallelogram would have been constructed
A curva é dada pela equação x 3 + y 3 = nxy with sides in the ration.
(Roberval, apudStruik, 1986, p. 235).

Usando a idéia de Arquimedes, Roberval estudou as curvas


geradas por composição de movimentos e suas tangentes como
sendo a "soma vetorial" das tangentes às curvas que as detenninam.
Roberval mostrou várias proposições de movimentos retilíneos ou
curvelíneos uniformes e variados. Por exemplo, sua primeira
construção foi para a parábola de foco F na origem, com equação
r = x + 112p, onde r = FM. Então, x2 + y2 = x2 + px + p2/4 , ou
Sendo FB = e, DB = a e EF = y (a- e)/a, a equação fica: y 2 = p(x + p/4).
(x- e )1 + y 1 (l-e/ a) 3 =n(x-e)y/(1-e/ a),ou:
X3 - 3x 1e + 3xe 1 - e,+ y,(l-3e l a+3e 1 I a 1 - e, I a,)= ny(x-exl a-e+ e1 I a}

57
56
LABORATÓRIO DE HISI"ÚRIA DA MATEMÁTICA
Eduardo.Sebastiani Ferreira

T O F H

O ponto M, que descreve a parábola, considerado com


dois movimentos um na direção do raio r= FM e o outro paralelo De fato, como MN'= MN =y e PN '= p/2 , e ainda devemos
ao eixo. Da equação da curva, derivando em relação ao tempo, ter a semelhança dos triângulos QRM e PN'M, ou a razão PN'I
obtemos drldt = dx/dt, isto é, as duas velocidades são iguais. Então, QR = MN'/RM, isto é, (pl2)/ysenJ = y/(y + ycosJ). Por outro
tomando MN = MN', a diagonal MQ do paralelogramo MN'NQ lado, a equação polar da parábola é r( I - cosJ) = p/2, e, então,
estará na reta tangente à parábola. Por semelhança de triângulos substituindo na igualdade anterior termos a equação procurada. O
TFM e MQN' temosMF/TP = QN'IMN'= 1, logo MF=TP e TF processo é análogo se iniciannos com as coordenadas polares.
=r. Considerando o segmento TO= r- OF, temos TO= x + l/2p- No caso da elipse Roberval partiu da equação r 1+ r2 = 2a,
l/4p = x + l/4p. Por outro lado, OH também é igual a x + l/4p e, onde a é wna constante, segue, então, que dr1I dt =-dr/dt. Portanto,
então, OT =OH como já havia mostrado Apolônio. tomamos num dos raios e no prolongamento do outro tamanhos
Roberval usou a equação r= x + ~para a parábola, mas iguais, a diagonal deste losango dá a inclinação da tang~nte. Aqui,
(x,r) não é um sistema de coordenadas, pois nem é bijetora com os analogamente, Roberval comete o mesmo erro, pois r1 e r2 não
pontos do plano, pois, dois pontos simétricos em relação ao eixo x determinam um sistema de coordenadas.
têm aos mesmos valores de r e x. Para ele, entretanto, era só As outras curvas estudadas por Roberval foram: a conchoide
considerado os pontos acima do eixo x. Por outro lado, a inclinação de equação r = a secJ + 1, com -;r í 2 s 9 s TC; 2; a espiral de
da diagonal do paralelogramo MNQN' coincide com a da tangente Arquimedes de equação r = aB; a quadratriz; a cissóide de Diocles;
se estivermos trabalhando em coordenadas ca.>tesianas. De fato, a ciclóide e a parábola de Descartes.
como em coordenadas cartesianas a equação da parábola é y2 =
p(x +pl4), então 2ydyldx =p, ou (dyldx)l(dx/dt) =(pl2)1p. Logo o TORRICELU
paralelogramo MRPN' terá seu vértice P sobre a diagonal MQ.
There has arisen a good deal of discussion
among historians of malhemalics as to which
of the geometers, Roberval or Torricelli, firts

59
58
Eduardo Sebastiani Ferreira LABORATóRio DE HrsrORIA DA MATEMÁTICA

thought of determining by instantaneous BARROW


velocities.
(Coolidge,l963, p. 457.) lsaac Barrow was the first inventor of the
Infinitesimal Calculus, Newton got the main
O processo de Torricelli ainda é baseando na decomposição idea of it from Barrow by personal
de velocidades, mas diferente do de Roberval. Vejamos como ele communication; and Leibniz was a/so in some
encontra a tangente à parábola de vértice na origem C e foco F. measure indebted to Barrow 's work, obtaning
Sua equação pode ser escrita y 2 = 2px . Supomos sua tangente con.fimation deve/opment; to his own original
AD já construída. Chamando BC= x, BA = y, então, FI= p, pois ideas, and suggestion for their further
a abcissa de F é p/2. O ponto A, ao ir até I pela secante, animado development, from the copy of Barrow 's book
that he purchased in 1673.
de dois movimentos retilíneos de direções AB e BC, vai cortar o
(Child, apudCajori, 1919, p.l6.)
eixo das ordenadas num ponto tal que as distâncias a B e F ficam
entre si, como AB está para FI. Isto é, pela semelhança de triângulos
Barrow foi professor da Universidade de Cambridge, sendo
DFIDB = FIIAB = p/y, e pela equação da curva y/p = 2x/y, logo
mesmo professor e amigo de Newton. Sua principal obra foi
DF!DB = 2x/y = DB/AB. Então, a razão das velocidades, ou o
publicada em Londres no ano de 1735, com o título: Geometrical
coeficiente angular da tangente será AB/DB = y/2x, que fica
Lectures. Barrow estudou movimentos que podiam ser descritos
determinado.
por equações do tipo x = x (t) e y = t, isto é, a ordenada era
considerada como o parâmetro tempo. Seu conceito de tangente
era o mesmo dos gregos, a reta que ~oca sem cortar a curva.
Considerando, então, a curvaAM, com tangente 1M, se V(t)
é a velocidade sobre o eixo das abcissas, quando um ponto percorre
a reta tangente e x'(t) a velocidade, também, sobre o eixo das
abcissas, quando o ponto percorre a curva; com TO< AO, então,
V (t) > x •(t) antes de atingir o ponto de tangência. Para um t maior
que o do ponto detangênciaDG<DR, logox'(t)> V(t). Então, no
Torricelli também mostrou, usando o seu método, como ponto de tangência x'(t) = V(t) e, por outro lado, TO= V(t)t,
encontrar a tangente para as outras cônicas, para a espiral de AO= x ·(t)t e ainda, como t =y, temos a expressão da subtangente
Arquimedes e para a ciclóide. TO=ydx/dy.

60 6/
Eduardo Sebastiani Ferreira L ABORATóRio DE HISróRIA DA M ATEMATICA

R No seu livro, Lições 6 e 7, Barrow constrói geometricwnentc


tangentes às curvas que derivam de outras, cujas tangentes são
conhecidas. A pedido de u.rn a..'Iligo, que alguns historiadores
acreditam ser Newton, Barrow dá sua maneira analítica de encontrar
i a tangente a uma curva dada. Seu método é o seguinte: Se ANM é
!
'i uma curva e MT sua tangente no ponto M dela, para determinar a
i
i posição dessa tangente, tomemos um arco MN infinitamente
·- --·
T
i ----
0
- D-- pequeno da curva e tracemos as retas NQ paralela a MP e NR
paralela a AP. Fazendo MP = y, PT = t, MR =a e NR = e;
relacionando por meio de cálculos MR e NR e observando as regras
Seu teorema mais importante, Teorema Fundamental do abaixo, obtemos o valor de r e, portanto, o ponto T.
Cálculo, diz que" Se ZGE é uma curva, com eixo das abcissas AD Regras:
e ordenadas AZ, PG e DE continuamente crescente de ordenada 1- Rejeitar todos os tennos em que entre como fator qualquer
inicial AZ, e se considerarmos uma outra curva AIF, tal que, para potência de a ou e maior que 1, ou do produto desses termos, pois
qualquer reta EDF perpendicular a AD, que corta as duas curvas estes termos devem ser iguais a zero.
em E e F respectivamente, e D ao eixo AD, supomos ainda a 2- Desorezar também os termos não afetados de a ou e,
condição de que a área do retânguio DFxR, para uma medida R porque estes te~os transportados para um mesmo membro da
não nula dada, seja igual a área da região ADEZ. Seja, ainda, To equação que relaciona a com e, devem ter soma igual a zero.
ponto sobre o eixo AD que satisfaz a condição DE/DF= R!DT, 3 - Substituir a por y e e por t.
então, TF é a reta tangente a curva AIF no ponto F, isto é, DT é a Outra substituição que Barrow faz é de um arco pequeno pelo
subtangente." correspondente segmento de tangência

'o
I
I
I
!
II A T Q p
I I i
'?Z---L__!_
G E

62 63
Eduardo Sebastiani Ferreira LABORATÓRIO DE HLSTORIA DA MATEMÁTICA

Algwnas curvas trabalhadas por Barrow, com seu método, Outro exemplo tratado por Sluse foi da curva de
para achar a tangente, foram por exemplo: a de equação equação 3x1 =by2 - .xy2 , que ele chega na subtangente
x 3 + y 1 = nxy e a quadratriz de equação y =kq. a = (2by 2 - 2xy2 ) /(3x 2 + y 2 ) .
Assim, todos os exemplos tratados por Sluse, seguem o mesmo
caminho, que conduz a expressão da subtangente conhecida hoje:
SLUSE a = - yF' I F' x • Dizem os historiadores que na busca da
generalização deste processo para equações fracionárias irracionais,
Talvez através de Torricelli, talvez indepen- levou Sluse à descobrir o cálculo diferencial.
dentemente, Sluse em 1652 chegou a um
processo de rotina para achar a tangente a
uma curva. NEWTON
(Boyer, 1974, p. 273)

Tangents are drawn in various ways according


Seguindo as idéias de Fermat, Sluse escreveu seu processo
to the various re/ationships ojcurves to straight
de encontrar a tangente de uma curva dada pela equação f(x,y) = /ines.
O, na forma polinomial. Em primeiro lugar, ele despreza o termo (Newton, 1968, v. m, p. 121.)
constante e separa em cada termo da igualdade os termos em x e y.
Quando temos termos em xy, ele coloca cada metade em um dos No seu Métodos de Séries e Fluxos, publicado em 1669,
lados. Sluse usa também a igualdade: Newton descreve seu processo para determinar a tangente a uma
(x"' -a"' ) /(x-a)= xm-l + x"'-2a+ ... + xam-l +a"'-I' que no limite curva da por uma equação do tipo f(x,y) =O. Seu processo é
quando x tende a a, isto é, quando a tangente sendo o limite da análogo ao de Sluse.
secante, quando os pontos de interseção se aproximam, temos
então dxm/dx = m xm·l, isso sugerido por Le Paige. Outros Newton estuda curvas ED, que são descritas por suas
historiadores acreditam que Sluse baseou seu processo em Fermat. coordenadas AB e BD, a segunda sendo a ordenada em relação ao
Continuando, então, seu processo, que ele não explicou como eixo AB, fazendo um ângulo fixo qualquer comAB.
chegou, multiplica-se todos os termos de y e x pelo expoente e,
sendo o valor da subtangente a, substitui-se x por a, temos a
subtangente com o respectivo sinal.
O primeiro exemplo dado por ele foi: A equação da curva
sendo y 2 = bx- x 2 , então 2y 2 = bx - 2x 2 • Fazendo um dos x igual
a a, 2y 2 = a(b -2x).
A subtangente será a =2 y 2 / (b- 2x) . A T E B b

64 65
Eduardo Sebastiani Ferreira L ABORATÓRIO DE H ISTÓRIA DA MATEMÁTICA

Tomando um outro ponto d sobre a curva, próximo a D,


D
ponto de tangência, os acréscimos nas coordenadas serão cd na
ordenada e Bb no eixo AB. A secante Dd vai cortar o eixo AB no
ponto T, que no limite, quando d tende a D, serã a reta tangente
procurada Então, temos uma semelhança de triângulos dcD e DBT,
que nos garante a igualdade TB/BD =Dclcd, onde Dc/cd é a razão
dos "fluxos" de AB e BD da curva, quando passa do ponto D para
o ponto d. Assim temos que TB = BD.Dclcd, o que determina o
ponto T, por onde passa a tangente à curva em D. Na notação atual
T
seria TB =y.x'ly'.
O exemplo dado por Newton foi da oval de Descartes, que
Seu primeiro exemplo é a curva de equação aparece no estudo das propriedades da refração da luz:
x 3 -ax 2 +axy-l =O, onde AB=x e BD =y.Arazãodosfluxos
a + (e I d)!j - r2 = O, onde DF = rrd/e .
será: x'I y' = (3y 2 - ax) /(3x2 - 2ax + ay) e então a subtangente TB
será = yx'I y' = (3y3 - axy) 1(3x2 - 2ax + ay) . Newton descreve ainda mais sete modos de descrever uma
curva, mas mostra que seu método de encontrar a tangente é sempre
O segundo exemplo de Newton é a curva dada pela equação
polinomial:x3 -ay2 +by3 1(a+ y) -x2 (ay+x2 ) 112 = O. O exemolo o mesmo.
seguinte ele calcula a tangente à conchoide de Nicomedes, e p~ Nwn artigo anterior, quando estudava as propriedades das
isso introduz uma nova coordenada z. cônicas (Newton, v. li, p. 190) ele nos dã uma maneira interessante
Ele chamou de primeiro modo este processo, quando a curva de encontrar a tangente a uma cônica, quando não se conhece o
é dada por coordenadas digamos cartesianas. Seu segundo modo eixo. Se quisermos traçar a tangente a uma cônica, num ponto A
é quando as coor.denadas são: a ordenada e a distância à um ponto dela, traçamos as secantes AB e AC, em seguida as paralelas a
fixo. Neste caso ele mostrou que o processo é anãlogo para traçar essas secantes BD e CF. Então, a reta DF serã paralela a tangente
a tangente e dão exemplo da conchoide. pelo ponto A. Isto é verdade pelo teorema de Pascal, que diz que
Quanto ao terceiro modo era quando a curva é dada por uma um hexãgono inscrito numa cônica, seus lados serão paralelos dois
equação em r 1 e r2, duas distâncias a dois ponto fixos A e B. Outra a dois. No caso da cônica considerada, o hexágono é degenerado
vez seDe d são dois pontos próximos na curva, tomemos DK e em A, isto é de vértices AABFDC.
DC os "momentos" relativos. A perpendicular a BD no ponto B vai
encontrar a secante Dd no ponto T, que no limite serã a tangente.
Deste ponto T uma perpendicular DA intercepta a tangente em F.
Então, temos uma semelhança de quadrilãteros DFTB e DKdc,
que nos garante que a reta TD toca a curva e, ainda, chamando AD
de r 1 e DB de r2 temos que DF= r2 r1 'lr2 '.

67
REFERÊNCIAS

Bachelard, G. La Formation de I'Esprlt Scientijique. Paris, Vrin, 1972.


I
Boyer, C. B. História da Matemática (Trad. Elza Gomide). São Paulo, Edgard
BIUcher, 1974.
Bunt, L., P. S. Jones e J. D. Benedient. The Historical Roots ofE/ementary \
Mathematics. Dover, New York, 1888.
Cajori, F. A History of Mathematics. New York, MacrniUan, 1919.
Chales, M. Aperçu Historique sur /'Origines et /e Dévélopement des
I
MéthodesenGéométrie. Paris, Hennann, 1875.
Coolidge, J. L. A History ofGeometrical Methods. New York, Dover, 1963.
Edwards Jr, C. H. The Historical Development ofthe Calculus. New York, \
Springer-Verlang, 1979.
Hamburger, J. A Filosofia das Ciências Hoje. Lisboa, Fragmento, 1988.
I
Heath, T. A History ofGreekMathematics. New York, Dover, 1981.

Il
Inhelder, B., R. Garcia e J. Voneche (Redatores). Epistemologia Genética e
Equilibração (Trad. Jorge C. Jesuíno). Lisboa, Horizonte, 1976.
ltard, J. e P. Dedron. Mathématiques et Mathématiciens. Paris, Magnard,
1959.
Macedo, L. Eixos Teóricos que Estruturam o ENEM. Brasília, MEC/INEP,
1999.
Newton, I. Mathematical Works (Ed. D. T. Whiteside e Johson). New York,
1964-1967.
Perrenoud, P. Constuir as Competências desde a Escola (Trad. Bruno Magne).
Porto Alegre, Artmed, 1999.
Struik, D. J. A Concise History of Mathematics. New York, Dover, 1967.
V ouUMB VII

~Q~iOM" ~A\

SiHMA1'

Você também pode gostar