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UAtividade Inovadora de Direito Civil Brasileiro

Aluna: Daniela Bertechini Stabile


RA 51655
7º semestre D

O episódio 432 do seriado “Os Simpsons” e o instituto jurídico da


Hipoteca à luz do Direito Civil Brasileiro.

Centro Universitário Toledo Araçatuba


Maio/2020
Introdução
Em paródia bem-humorada da crise imobiliária iniciada nos Estados
Unidos em 2008, a família Simpson perde sua casa por falta de
pagamento da hipoteca. O episódio faz referência à crise econômica
iniciada em decorrência das hipotecas subprime, financiamentos
imobiliários concedidos a clientes sem boa avaliação de crédito.
No episódio, a família recebe uma carta na qual são comunicados de
que sua hipoteca estava sendo mudada para um tipo variável, um dia
após Homer ter feito uma festa de carnaval custeada pelo crédito
sobre o imóvel.
Quando questionado sobre como consegue arcar com as custas de grandes
festas de carnaval todos os anos, o protagonista responde que possui
um empréstimo imobiliário, o que significa que pode pegar emprestado
todo o dinheiro que precisa enquanto “a casa fica com a conta”. De
fato, a modalidade de hipoteca “home equity”, onde o proprietário
pode ter acesso ao valor já pago ao banco pela casa, fez com que
muitas pessoas usassem suas propriedades como caixa automático, e
acabaram devendo ao banco um valor superior ao solicitado
inicialmente.
Como aconteceu com milhões de famílias nos Estados Unidos, Os
Simpsons descobrem também que a revisão de juros de sua hipoteca
disparou até um valor astronômico e impossível de pagar e acabam
perdendo a casa em hasta pública.
O presente trabalho tem o objetivo de fazer um estudo sobre o
instituto jurídico da hipoteca no direito civil brasileiro,
entretanto, ressalta-se que não há pretensão de esgotar o tema.

Do instituto jurídico “hipoteca” no Direito Civil Brasileiro


A hipoteca é classificada no Direito Civil Brasileiro como modalidade
de garantia real, assim como os institutos “penhor” e “anticrese”
(artigo 1.419 do Código Civil). A Lei 4.728/65 criou ainda a
“alienação fiduciária”, disciplinada no Código Civil como
“propriedade fiduciária” nos artigos 1.361 a 1.368.
Entende-se por garantia real toda aquela em que o próprio devedor,
ou alguém por ele, oferece todo ou parte de seu patrimônio para
assegurar o cumprimento de uma obrigação. Significa dizer que a coisa
oferecida em garantia fica vinculada à satisfação de um crédito.
Os direitos reais de garantia não se confundem com os direitos reais
de gozo. Isso porque, no primeiro, o bem se vincula ao pagamento de
uma dívida, mas o credor não pode dele usar e gozar, mesmo quando o
tenha em seu poder. Isso posto, conclui-se que qualquer rendimento
desse bem será destinado exclusivamente à liquidação do débito.

Da hipoteca
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “hipoteca é o direito real de
garantia que tem por objeto bem imóveis e os acessórios dos imóveis
conjuntamente com eles, navios ou aviões pertencentes ao devedor ou
a terceiro e que, embora não entregues ao credor, asseguram-lhe,
preferencialmente, o recebimento de seu crédito”.
A hipoteca tem natureza civil, ainda que garanta dívida comercial.
Terá incidência sempre sobre bens imóveis, sendo possível a
incidência sobre navios e aviões. O objeto hipotecado pode pertencer
ao devedor ou a terceiro, sendo que o credor somente poderá resgatar
o bem em caso de inadimplemento da obrigação, utilizando as vias
judiciais para tanto. Pode ser constituída para a garantia de dívida
futura ou condicionada, desde que determinado o valor máximo do
crédito a ser constituído.
Frisa-se ainda importante ensinamento do artigo 1.421 do Código
Civil, que dispõe que a hipoteca grava o bem em sua totalidade,
portanto, o pagamento parcial da dívida não exonera a garantia. Dessa
forma, enquanto não liquidada, a hipoteca subsiste por inteiro sobre
a totalidade dos bens gravados, salvo disposição em contrário.
Pode-se dizer ainda que a hipoteca tem caráter acessório, pois é
criada para assegurar o adimplemento de uma obrigação principal, e,
adimplida a obrigação, a garantia perde seus efeitos. É também
solene, quando feita na modalidade convencional, devendo ser
validada através de escritura pública.
A hipoteca confere ao seu titular os direitos de preferência e de
sequela. Se o bem for alienado, será transferido ao adquirente com
o ônus da hipoteca que o grava, desde que haja prévio registro. É
direito real oponível erga omnes, o credor pode excutir o bem em
hasta pública para que seja adimplida sua obrigação,
preferencialmente.

Condições para a existência da hipoteca


A existência da hipoteca está vinculada ao preenchimento de
requisitos de natureza objetiva, subjetiva e formal, que serão
abrangidos em um breve resumo.
O requisito objetivo baseia-se nos bens passíveis de serem objeto
de hipoteca, e estão disciplinados no artigo 1.473 do Código Civil,
incisos I a X.
O requisito subjetivo, por sua vez, é a capacidade para realização
de atos da vida civil, em especial, capacidade para alienar. Isso
porque somente bem alienável pode ser dado em garantia, ao passo que
só aquele que pode alienar poderá hipotecar, porque o bem será levado
à leilão judicial se a dívida não for quitada. Fica aqui ressalvado
que nenhum dos cônjuges pode, sem a autorização do outro, gravar de
ônus real os bens imóveis, exceto no regime de separação absoluta.
Quanto ao requisito formal, restará preenchido quando for
constituída por força de contrato particular ou escritura pública,
a depender do valor do imóvel (hipoteca convencional), por disposição
legal (hipoteca legal) ou por sentença (hipoteca judicial). Deve-
se observar ainda a satisfação dos princípios da especialização e
da publicidade, isso é, a hipoteca garantirá crédito determinado e
recairá sobre imóvel determinado, e deverá ainda ser registrada.
Somente com o registro a hipoteca se constitui validamente, gerando
efeitos erga omnes, sendo que antes disso será considerada apenas
como crédito de natureza pessoa, produzindo efeitos inter partes. É
o registro que assegura o direito de preferência na execução.

Espécies de hipoteca
A hipoteca pode ser classificada em convencional, legal ou judicial.
A espécie convencional se constitui por meio de um acordo de vontades
celebrados entre o credor e o devedor da obrigação principal, podendo
incidir sobre qualquer modalidade de prestação. Abrange todas as
obrigações de caráter econômico, podendo assegurar a entrega do
objeto da prestação ou o pagamento de indenização por perdas e danos.
Vale ressaltar que a hipoteca só será constituída validamente se
preenchidos os requisitos objetivo, subjetivo e formal.
A hipoteca legal, por sua vez, é aquela imposta por força de lei,
dessa forma, não deriva de contrato. É conferida às pessoas elencadas
no artigo 1.489 do Código Civil. A eficácia erga omnes da hipoteca
legal se dará com a especialização, que ocorrerá em juízo, e o
respectivo registro. O procedimento de especialização está regulado
nos artigos 1.205 e seguintes do Código de Processo Civil, e poderá
ocorrer sem a intervenção judicial, quando o interessado for capaz
de contratar, e convenciona-la por meio de escritura pública com o
interessado.
Com relação a hipoteca judicial, como o nome sugere, será constituída
em juízo. Tem origem francesa, e foi idealizada com o fim de conferir
efetividade às decisões judiciais, garantindo que o vencido cumpra
a condenação. Insta salientar que a hipoteca judicial não foi
contemplada no Código Civil de 2002, embora esteja expressamente
prevista no artigo 495 do Código de Processo Civil.

Da pluralidade de hipotecas
É possível que um mesmo imóvel seja gravado por várias hipotecas,
desde que com novo título constitutivo, em favor do mesmo ou de outro
credor, a menos que o título executivo anterior vede isso
expressamente. O valor do prédio deve ser suficiente para garantir
a satisfação dos créditos que a hipoteca busca assegurar. No caso
de pluralidade de hipotecas, o credor primitivo gozará do direito
de preferência.

Cédula hipotecária
A hipoteca cedular, segundo Carlos Roberto Gonçalves, é modalidade
de hipoteca convencional, criada com o intuito de facilitar a
circulação do crédito. O artigo 1.486 do Código Civil permite que
credor e devedor autorizem, no título constitutivo da hipoteca, a
emissão da cédula hipotecária na forma e para os fins previstos em
lei especial. Em outras palavras, a emissão da cédula hipotecária
depende de prévia regulamentação em lei especial, como é o caso do
Decreto-Lei nº167, de 14 de fevereiro de 1967, que instituiu a cédula
hipotecária rural, ou o Decreto-Lei nº 413, de 9 de janeiro de 1969,
que instituiu a cédula hipotecária industrial.

Da execução da dívida hipotecária


A execução do imóvel hipotecado se dará por meio de ação de execução
de título executivo extrajudicial. A execução será em face do
devedor, que será intimado para pagar a dívida em 3 dias, ou nomear
bens à penhora. Se não pagar a dívida, o oficial de justiça
penhorará, preferencialmente, o imóvel dado em hipoteca, podendo
penhorar outros caso o valor do imóvel não seja suficiente para
quitar a dívida. Deverá ser citada a esposa do devedor (exceto no
regime de separação absoluta), já que a penhora incide sobre direitos
reais imobiliários. O imóvel será penhorado mesmo se estiver em nome
de terceiro. A execução é de índole pessoal, e não real, portanto,
seu ajuizamento dispensa a outorga uxória.
A lei prevê ainda a necessidade de intimação dos credores
hipotecários e dos senhorios diretos da penhora realizada e da praça
futura. Com isso, busca-se acautelar o direito do credor hipotecário
que não participa da execução. Entretanto, se se tratar de excussão
promovida pelo primeiro credor hipotecário, torna-se dispensável a
notificação de segundo credor com igual garantia.
Salienta-se que o bem vinculado à cédula hipotecária torna-se
impenhorável por outras dívidas enquanto estiver vigente o contrato
de financiamento. No entanto, estando findo o prazo do financiamento,
o bem poderá ser penhorado por outros credores, contudo, o credor
hipotecário terá preferência na satisfação do crédito.

Da extinção da hipoteca
O artigo 1.499 do Código Civil traz em seu texto um rol
exemplificativo de causas que acarretam a extinção da hipoteca, quais
são: a extinção da obrigação principal; o perecimento da coisa; a
resolução da propriedade; a renúncia do credor; a remição e a
arrematação ou adjudicação.
No que tange a extinção da obrigação principal, há extinção da
hipoteca porque esta é acessória, e, seguindo o princípio da
gravitação, o acessório sempre acompanha o principal. Desaparecida
a dívida que estava a garantir, o ônus real se extingue.
Quanto ao perecimento da coisa, trata de causa de extinção inerente
à natureza da hipoteca. Salienta-se que o perecimento precisa ser
total, pois quando for parcial, a garantia permanecerá sobre a parte
remanescente.
Sobre a resolução da propriedade, admite-se que seja dado em garantia
imóvel cuja propriedade seja resolutiva ou sujeita a termo, desde
que o credor aceite. O credor que aceita assume o risco. Nesses casos
a hipoteca será extinta por via direta, persistindo ainda a obrigação
principal, mas sem a garantia real.
No que tange a renúncia do credor, esta deve ser sempre expressa. O
credor renuncia o ônus real, não a obrigação principal. Dessa forma,
o credor torna-se quirografário. A hipoteca legal é irrenunciável,
em regra.
Quanto a remição, pode ser efetuada pelo credor da segunda hipoteca,
pelo adquirente do imóvel hipotecado, pelo executado, seu cônjuge,
descendente ou ascendente. Resgatado o imóvel por essas pessoas,
deixa de existir o ônus real.
O ônus real se extinguirá também quando houver arrematação ou
adjudicação do imóvel, desde que o credor hipotecário seja notificado
da venda e não compareça para defender o seu direito. É ineficaz a
venda sem a intimação do credor. Realizada a praça de forma válida,
o arrematante ou adjudicante irá receber o imóvel livre de qualquer
ônus.
A extinção pode se dar também pela averbação do cancelamento no
Registro de Imóveis, conforme preleciona o artigo 1.500 do Código
Civil.
Pode ocorrer a extinção ainda por consolidação da propriedade, quando
credor se torna dono do imóvel; pela perempção legal, quando a
hipoteca completa trinta anos e então se extingue, fazendo surgir
uma nova em seu lugar; ou pela a anulação em virtude de fraude contra
credores.

Conclusão
A crise nos Estados Unidos se deu quando os bancos passaram a
oferecer empréstimos a juros baixos para a população financiar a
compra de imóveis, mesmo para aquelas que não teriam condições
financeiras de quitá-los. O aumento da procura por imóveis acarretou
em a alta dos preços, e a consequência disso foi o surgimento de uma
bolha imobiliária, já que as pessoas financiavam imóveis a preço
muito acima do que eles valiam. Quando os bancos passaram a aumentar
a taxa de juros dos empréstimos, muitas pessoas não conseguiram mais
pagar as parcelas e, com isso, os bancos não tinham mais dinheiro
para realizar operações.
O home equity, operação de crédito realizada pela personagem e
hipoteca propriamente dita, segue linha de raciocínio parecida. A
diferença é que nele a pessoa dá o imóvel em garantia e o banco
concede empréstimos de altos valores, entretanto, o imóvel dado em
garantia permanece na propriedade do devedor, só podendo ser
requisitado pelo credor quando houver inadimplemento, devendo
realizar então hasta pública, pois não tem direito de uso e gozo
sobre o imóvel.
Com efeito, ao observar o desfecho da história, percebe-se que a
hipoteca no direito norte americano e no direito brasileiro guardam
muitas semelhanças, pois são direitos reais de garantia, onde a
pessoa vincula um bem imóvel de sua propriedade para a satisfação
de um crédito e, vencida e não paga a dívida, esse bem será penhorado
e levado a leilão.
Apesar de muito comum nos EUA, no Brasil, a hipoteca vem perdendo
espaço para a alienação fiduciária de bem imóvel, pois neste, o
imóvel dado em garantia fica na propriedade do credor e na posse do
devedor. Há diferença também no procedimento de execução, pois o
credor, possuidor indireto do bem, pode reivindicar o imóvel por
vias extrajudiciais, o que a torna muito mais célere do que na
execução da hipoteca. Ressalta-se ainda que, na alienação fiduciária
de bem imóvel, não há concorrência com demais credores, justamente
porque o bem dado em garantia deixou de fazer parte do patrimônio
do credor.
Referências Bibliográficas
- Direito Civil Brasileiro, Carlos Roberto Gonçalves, Vol. 5 -
Direito das coisas, 15º edição, Editora Saraiva.
- Manual de Direito Civil, Flávio Tartuce, Vol. Único, 9º edição,
Editora Gen Jurídico.
- Link do episódio: https://goyabu.com/videos/47472/

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