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Resumo
Neste capítulo é apresentado o Alinhamento Construtivo proposto por John Biggs,
incluindo os fundamentos e aplicações no ensino. Para explicar os fundamentos é
apresentada uma síntese traduzida da última edição do livro de Biggs, acrescida de
compilações de outros artigos deste autor e colaboradores. Para demonstrar aplicações
no ensino, são apresentados vários trabalhos nacionais e internacionais. O Alinhamento
Construtivo provê orientações para que professores novatos e experientes possam
planejar cuidadosamente suas atividades de ensino e avaliação, alinhando-as aos
objetivos pretendidos da aprendizagem.
Introdução
O Alinhamento Construtivo, proposto por John Biggs, pode ser entendido como
uma forma de planejar o ensino de tal modo que as ações de ensino e avaliação estejam
cuidadosamente alinhadas e, os estudantes sejam engajados ativamente para o alcance
dos resultados pretendidos da aprendizagem.
A fim de auxiliar na divulgação, compreensão e aplicação do Alinhamento
Construtivo, este texto apresenta uma síntese traduzida da última edição do livro de John
Biggs e Catherine Tang (2011), acrescida de uma compilação de vários trabalhos deste
autor e seus colaboradores. Além disso, são apresentadas pesquisas empíricas realizadas
por diferentes pesquisadores e que fornecem insights para professores que tenham
desafios similares no ensino.
Dois fatores motivaram a escrita deste capítulo: (i) a carência de material em
português sobre este tema; e, (ii) a importância dele no planejamento de aulas mais
centradas nos estudantes. Com respeito a primeira motivação, esta é justificada por alguns
dados como, por exemplo, em uma consulta realizada em Junho de 2014 no Google
Acadêmico1 com a frase exata “alinhamento construtivo” houve apenas 22 resultados.
Enquanto que a frase equivalente em inglês (“constructive alignment”) culminou em
4.500 resultados neste idioma. Ao modificar a palavra-chave para “taxonomia SOLO”2,
termo estritamente relacionado ao assunto, o Google Acadêmico exibiu 54 resultados,
considerando apenas textos em português. A mesma palavra-chave quando submetida em
inglês (“SOLO taxonomy”) retornou 3.210 resultados neste idioma.
Embora estes dados sejam provenientes de uma pesquisa simples (uso de poucas
palavras-chave) em uma máquina de busca de informações acadêmicas na Internet, os
resultados demonstram uma discrepância significativa na produção de conteúdo sobre o
assunto se comparado os idiomas inglês e português. Por consequência, a dificuldade com
1
http://scholar.google.com
2
Taxonomia SOLO (Structure of the Observed Learning Outcome).
a literatura em língua inglesa pode ser um fator que inibe a leitura, entendimento e
utilização das práticas propostas pelo Alinhamento Construtivo por leitores lusófonos,
entre eles, estudantes em formação para a docência, bem como os próprios professores.
Quanto a segunda motivação, o Alinhamento Construtivo é um exemplo de prática
de ensino que se concentra nos resultados de aprendizagem que se pretende que os
estudantes alcancem. Conforme explica Lemov (2011), muitos planos de aula
concentram-se nas ações do professor – o que ele vai dizer, explicar, o que vai distribuir
e recolher, o que vai passar de lição para casa, esquecendo-se de planejar o que os
estudantes vão fazer no curso de sua aprendizagem. O Alinhamento Construtivo, em
contrapartida, fornece orientações práticas aos professores sobre como planejar suas
aulas, levando em consideração a perspectiva dos estudantes, de tal modo a mantê-los
engajados de forma produtiva.
Além do planejamento que leva em consideração o que o professor faz (atividades
de ensino) e o que os alunos fazem (atividades de aprendizagem), outro foco do
Alinhamento Construtivo é definir os resultados pretendidos de aprendizagem e
estabelecer claramente como eles serão avaliados: quais habilidades, a que nível de
complexidade e quais formatos de avaliação serão utilizados.
Assim, o Alinhamento Construtivo fornece aos professores técnicas que lhes
permitem alinhar ensino e avaliação aos resultados pretendidos da aprendizagem, a fim
de que o ensino requeira que os alunos se envolvam em atividades de aprendizagem que
são projetadas para atingir os resultados, e a avaliação projetada para informar quão bem
os resultados foram atingidos.
Para apresentar tais ideias, este capítulo foi organizado de modo que apresenta
uma visão geral do Alinhamento Construtivo, os suportes teóricos que o fundamentam,
as estratégias para trazer a teoria para a prática e experiências de sua implementação em
diferentes contextos de ensino.
Categorias de Estudantes
Fonte: (BIGGS, 1999).
Categorias de Professores
Resultados Pretendidos da
Aprendizagem
Representam os níveis de
entendimento pretendidos e são
expressos com verbos
Atividades de Ensino e Atividades de Avaliação
Aprendizagem
Projetadas para avaliar quão bem
Projetadas para suscitar ações as ações indicadas pelos verbos
indicadas pelos verbos foram empregadas
Fonte: Adaptado de (BIGGS, 1999).
Objetivos Resultados Pretendidos da Aprendizagem
1. Prover um entendimento de cinemática e 1. Descrever os princípios básicos de
cinética no contexto de máquinas e os cinemática e cinética de máquinas e os
conceitos de estresse e tensão. conceitos de estresse e tensão.
2. Desenvolver uma compreensão analítica 2. Usando os princípios indicados, resolver
de cinemática, cinética e comportamentos um problema mecânico que envolve carga e
elásticos de elementos de uma máquina em movimento.
carregamento.
3. Selecionar princípios relevantes para
obter soluções para problemas mecânicos.
4. Apresentar análise e resultados de
experimentos em um formato de relatório
escrito de tal forma que uma pessoa com
qualificação técnica possa seguir e obter
resultados semelhantes
Fonte: (BIGGS; TANG, 2011).
3
Em português, Estrutura dos Produtos de Aprendizagem Observados.
Nível Pré-estrutural. Neste nível, os estudantes demonstram pouca evidência de
entendimento sobre um determinado conteúdo. A resposta dos estudantes a um
questionamento ou a um problema possui informações dispersas, desorganizadas e até
irrelevantes. Alunos, tais como Robert, podem tentar camuflar sua falta de conhecimento
por meio de “respostas tautológicas”, reutilizando e reorganizando pistas de uma questão
de modo a produzir uma resposta com essencialmente a mesma informação que foi
incorporado na pergunta, dando a ilusão de entendimento.
Uniestrutural. Neste nível, o estudante é capaz de lidar com um aspecto relevante
ou conhecido da pergunta ou problema e usá-lo na produção de uma resposta válida, mas
simples. Desta forma, do nível 1 para o 2 percebe-se melhorias no aluno, ele tornar-se
capaz de discernir informações relevantes e lidar com uma destas informações para
abordar o problema. Neste nível, o estudante é capaz de fazer relevantes, mas óbvias,
conexões, utilizar terminologias corretas, lembrar-se de fatos, realizar instruções simples,
identificar, nomear, etc.
Multiestrutural. Do nível 2 para o 3, o estudante é capaz de lidar com uma
multiplicidade de informação relevantes. Contudo, estas informações são apresentadas de
modo independente, sem as devidas conexões para a formação do todo. Metaforicamente
falando, o estudante vê muitas árvores, mas não a floresta. Ele é capaz de enumerar,
descrever, classificar, etc.
Relacional. No nível 4 vê-se uma melhoria qualitativa, pois o estudante pode
agora perceber as relações entre as várias informações e como elas podem se encaixar
para formar um todo e, assim, prover uma resposta mais estruturada. O estudante agora
vê como muitas árvores em conjunto formam uma floresta. Um aluno pode, assim,
comparar, relacionar, analisar, explicar em termos de causa e efeito, etc.
Abstrato Estendido. Do nível 4 para o 5 nota-se mais melhorias qualitativas à
medida que a resposta estruturada do estudante é generalizada e ele tornar-se capaz de
lidar com informações hipotéticas, que não lhe foram fornecidas. O estudante pode
perceber agora a estrutura do conhecimento de muitas perspectivas diferentes, podendo
produzir diferentes respostas, dependendo da perspectiva e da informação hipotética
incluída. Aqui, o estudante pode generalizar, criar hipóteses, teorizar, transferir a teoria
para um novo domínio, etc.
No Quadro 2 é apresentada uma lista de verbos relacionada a cada nível da
Taxonomia SOLO e deve ajudar professores na definição dos resultados pretendidos da
aprendizagem.
Abstrato Estendido Teorizar, criar hipóteses, generalizar, compor, criar, provar a partir
de princípios, transferir teoria (para um novo domínio)
Relacional Aplicar, integrar, analisar, explicar, predizer, concluir, argumentar,
caracterizar, comparar, diferenciar, examinar, parafrasear, resolver
um problema, resolver um “case” (para o mesmo domínio)
Multiestrutural Classificar, descrever, listar, ilustrar, selecionar, calcular,
sequenciar, separar
Uniestrutural Memorizar, identificar, reconhecer, contar, definir, corresponder
(combinar), nomear, citar, ordenar, copiar
Fonte: (BIGGS; TANG, 2011).
Considere os objetivos da disciplina e identifique:
a. O tipo de conhecimento a ser ensinado (declarativo ou funcional);
b. O conteúdo a ser ensinado;
c. O nível de entendimento a ser alcançado pelos estudantes;
d. O contexto em particular no qual o verbo deve ser posto em ação.
Tipo de Conhecimento Conteúdo Nível de entendimento (verbo) Contexto
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
Agora, escreva os resultados pretendidos da aprendizagem, iniciando pelo nível de
entendimento pretendido (verbo), depois destaque o conteúdo e o contexto. Não há
obrigatoriedade de incluir o tipo de conhecimento uma vez que ele é identificado pelo
verbo que você usa. Um exemplo de resultado pretendido da aprendizagem (RPA) é:
Construir programas (nível de entendimento/tipo de conhecimento) para resolver
problemas que envolvam as estruturas de dados listas, pilhas e filas (conteúdo), utilizando
a Linguagem de Programação Python (contexto).
Agora escreva os resultados pretendidos da aprendizagem (RPA) de sua disciplina.
Os estudantes devem ser capazes de:
RPA1: _____________________________________________________________________
RPA2: _____________________________________________________________________
RPA3: _____________________________________________________________________
(...)
Revise os resultados pretendidos da aprendizagem para verificar se:
a. O tipo de conhecimento, conteúdo e nível de entendimento são relevantes para
alcançar os objetivos da disciplina;
b. Eles cobrem todas as principais razões para ensinar a disciplina;
c. Eles estão claramente escritos, especialmente no que diz respeito a identificação do
nível de entendimento a ser alcançado pelos estudantes, e o contexto (se
apropriado);
d. O número é administrável, considerando as atividades de ensino e aprendizagem e as
atividades de avaliação.
Fonte: Adaptado de (BIGGS; TANG, 2011).
Atividades de Ensino e Aprendizagem (AEA)
Atividades do Professor Atividades dos Estudantes
Apresentar o conteúdo Ouvir
Explicar Tomar nota
Elaborar Entender (corretamente? profundamente?)
Mostrar slides Observar com atenção
Questionar com base nos slides Escrever as respostas para as questões
Sumarizar Possivelmente perguntar
Fonte: (BIGGS; TANG, 2011).
Embora os estudantes tivessem que explicar, pois este era o resultado pretendido
da aprendizagem, foi o professor quem fez toda a explicação (vide Quadro 4).
Provavelmente, os estudantes só serão requeridos a explicar no momento da avaliação,
mas será tarde, pois eles não tiveram a oportunidade de aprender a explicar. Há, portanto,
uma falta de alinhamento entre os resultados pretendidos da aprendizagem e as atividades
de ensino e aprendizagem.
Novamente, Biggs e Tang (2011) chamam atenção para a necessidade de pensar
em atividades de ensino e aprendizagem que sejam adequadas ao tipo de conhecimento
em questão. Para o tipo declarativo, a construção de uma base de conhecimento envolve
o que Ausubel denominou de aprendizagem por recepção, isto é, recepção de
conhecimento declarativo e estruturação de forma significativa (AUSUBEL; NOVAK;
HANESIAN, 1980).
A aprendizagem por recepção pode ser administrada pelo professor (exposição do
conteúdo, tutoriais, livros textos, mapas conceituais, etc.); pelo professor com
participação ativa dos estudantes (interativo trabalho em classe, debates, etc.); por
grupos de estudantes (aprendizagem em grupos, etc.) e por estudantes individualmente
(leitura, busca na Web, etc.). Muitas dessas não são atividades de ensino e aprendizagem
e sim situações na qual a atividade de ensino e aprendizagem pode ou não ocorrer.
Uma aula expositiva sobre determinado conteúdo, por exemplo, é uma situação
que exige dos estudantes apenas concentração. Porém, quais atividades devem ser
desenvolvidas pelos estudantes para que, de fato, eles compreendam o conteúdo?
Explicar com suas próprias palavras determinado conceito? Escrever um resumo?
Apresentar argumentações favoráveis ou contrárias a uma determinada questão
divergente?
No caso do conhecimento funcional, aplicar é o verbo mais característico.
Contudo, faz-se necessário primeiro construir uma base de conhecimento declarativo. É
importante planejar as atividades de ensino e aprendizagem de tal modo que elas
assegurem que os próprios estudantes farão a aplicação de algo e não apenas verão alguém
fazer ou dizer sobre o que foi feito.
A Aprendizagem Baseada em Problemas (do inglês, Problem-Based Learning -
PBL) é um exemplo de modelo que é por si só alinhado construtivamente. Ela é centrada
nos estudantes e estes devem engajar-se ativa e colaborativamente para prover soluções
a problemas que lhe são apresentados. A resolução do problema proposto tornar-se a
motivação para aprender.
Independentemente do tipo de conhecimento (declarativo ou funcional), o
planejamento das atividades de ensino e aprendizagem exige um trabalho meticuloso que
deve considerar os níveis de entendimento de baixa e alta ordem adequados aos objetivos
da disciplina. No Quadro 5 é apresentado um exercício sugerido por Biggs e Tang (2011)
para este fim.
Selecione os resultados pretendidos da aprendizagem (RPA) e planeje as atividades de ensino
e aprendizagem que devem facilitar o alcance desses objetivos.
RPA1: _______________________________________________________________________
RPA2: _______________________________________________________________________
(...)
Número de estudantes na disciplina: __________
Agora verifique se as atividades de aprendizagem dos estudantes estão alinhados aos verbos
indicados nos respectivos RPAs.
Fonte: (BIGGS; TANG, 2011).
Tarefas de Avaliação (TA)
Selecione o resultado pretendido da aprendizagem (RPA) e planeje as tarefas que serão
utilizadas na avaliação. Para ajudar a checar o alinhamento entre as tarefas e o RPA, identifique
o que os estudantes terão que fazer para realizá‐las. Os requisitos das tarefas devem estar
alinhadas ao RPA.
RPA: _______________________________________________________________________
Número de estudantes na disciplina: __________
Tarefa da Avaliação Atividades dos estudantes para realizar a tarefa
1.
2.
Agora verifique se as atividades dos estudantes estão alinhadas ao verbo que identifica o
respectivo RPA. Depois, defina os critérios de avaliação.
Fonte: (BIGGS; TANG, 2011).
Intenções do Atividades Intenções do Atividades
Professor Professor
dos Alunos dos Alunos
- construir - nomear - construir
Ignorado! - construir
- analisar - enumerar - analisar
- analisar
Inconsistente! Alinhado!
Despreza as
intenções do
professor
- nomear - construir
- enumerar - analisar
Tarefas de Tarefas de
Avaliação Avaliação
a) Uma disciplina não alinhada. b) Uma disciplina alinhada.
Fonte: (BRABRAND; DAHL, 2007).
Uma disciplina que não está alinhada construtivamente (Figura 4, lado a), não
possui consistência (correspondência) entre as intenções do professor e as atividades de
avaliação. O professor pretende que os estudantes aprendam a “construir e analisar”
(Figura 4, lado a, intenções do professor), mas a avaliação foca em competências como
“nomear e enumerar” (Figura 4, lado a, tarefas de avaliação). Neste contexto, um aluno
como Robert irá focar somente nas competências requeridas para avaliação e desprezará
as intenções do professor (Figura 4, lado a, atividades dos alunos). Na disciplina que está
alinhada construtivamente (Figura 4, lado b), o professor formula os resultados
pretendidos da aprendizagem orientando-se pela Taxonomia SOLO e os comunica
explicitamente aos estudantes no início da disciplina. Cuidadosamente, concebe a
avaliação de tal forma que a mesma esteja em perfeita correspondência com os resultados
pretendidos da aprendizagem. O resultado é um contexto no qual um aluno como Robert
para ser aprovado na disciplina terá que atender aos resultados pretendidos da
aprendizagem, conforme formulados pelo professor.
Estes fundamentos do Alinhamento Construtivo são a base para vários trabalhos
de pesquisa em Educação, conforme apresentados a seguir.
Considerações Finais
4
O vídeo possui legenda para vários idiomas, incluindo o português.
Agradecimento
Agradeço ao Professor John Biggs pelas orientações relacionadas ao Alinhamento
Construtivo.
Referências
BIGGS, J. What the student does: teaching for enhanced learning. Higher Education
Research & Development, Taylor & Francis, London, England, v. 18, n. 1, p. 57-75, 1999.
BIGGS, J.; TANG, C. Teaching for Quality Learning at University. 4. ed. Berkshire,
England: Society for Research into Higher Education & Open University Press, 2011.
HOOK, P.; CASSÉ, B. SOLO Taxonomy for the Early Years Making Connections for
belonging, being and becoming. 1. ed. Laughton, England: Essential Resources
Educational Publisher Limited, 2013.
JOSEPH, S.; JUWAH, C. Using constructive alignment theory to develop nursing skills
curricula. Nurse Education in Practice, v. 12, n. 1, p. 52-59, 2012. ISSN 1471-5953.
Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii-/S1471595311001016
SNOW, R.; CORNO, L.; JACKSON, D. Individual diferences in affective and conative
functions. Handbook of educational psychology, MacMillan, New York, 1996.