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Bennet Omalu, um 

gigante
Bennet Omalu é nigeriano e atua na área da saúde nos Estados Unidos.
Patologia forense e neuropatologia compreendem suas áreas de atuação
no âmbito clínico. Já enquanto pesquisador, Omalu se dedica, por
exemplo, a investigar a encefalopatia traumática crônica em esportistas e
o transtorno do estresse pós-traumático em militares veteranos 1.

Bennet Omalu
Omalu saiu do anonimato quando seus estudos o conduziram à
identificação de uma doença, a encefalopatia traumática crônica (ETC).
Essa descoberta pôs em evidência danos específicos e gravíssimos à
saúde mental de atletas sujeitos a pancadas em suas cabeças enquanto
treinando ou jogando – tal como acontece com jogadores de hóquei no
gelo e, particularmente, com jogadores de futebol americano. Por temer
prejuízos, a liga estadunidense de futebol americano fez o que esteve a
seu alcance, no começo deste século 21, para desacreditar Omalu,
questionando, publicamente, a validade dos resultados da pesquisa que
ele vinha desenvolvendo.
Bennet Omalu e
Julian Bailes
I think it was an amalgamation of faith and science that made
me even to save his brain [Mike Webster’s brain]. I had no
reason examining that brain the way I did. I did not know what
I was looking for […] Bennet Omalu, fevereiro de 2016.
Os avanços científicos e os percalços sociais divisados por Omalu em
decorrência da repercussão de sua descoberta foram registrados
por Jeanne Marie Laskas, primeiramente em uma reportagem para
revista GQ, e em seguida, em um livro. Eles também serviram de
inspiração para um filme concebido por Ridley Scott e dirigido por Peter
Landesman, lançado em 2015.
Intitulado “Concussion”, o filme surgiu identificado pelo título “Um
homem entre gigantes” no Brasil. Nele, Omalu foi interpretado por Will
Smith, que se empenhou na materialização da prosódia do inglês
nigeriano, recebendo, dentre outros, o Variety Creative Impact in Acting
Award, no Palm Springs International Film Festival de 2016, por sua
atuação.
Giannina Scott, B. Omalu, P. Landesman, Gugu Mbatha-Raw, W. Smith, Elizabeth Cantillon e
David Morse

Omalu não é único imigrante a ser retratado no filme em questão. A


narrativa fílmica também nos apresenta a Prema, jovem enfermeira
queniana que foi para os Estados Unidos, para dar continuidade a seus
estudos. Na “vida real”, o vínculo entre Omalu e Prema se estreitou
enquanto ambos frequentavam a mesma igreja. Eles namoraram,
casaram-se e hoje têm dois filhos.
Bennet Omalu, Prema Mutiso e seus filhos Mark e Ashly
Em “Um homem entre gigantes”, Prema ocupa um espaço secundário e
não se menciona sua contribuição para os estudos de Omalu. Ela é
interpretada pela inglesa Gugu Mbatha-Raw, que também tem histórias
de imigração na família. O pai da atriz, por exemplo, que é próximo
dela, é sul-africano e vive na Inglaterra. A própria Gugu tem realizado
cada vez mais trabalhos nos Estados Unidos. Em janeiro de 2015, ela
vivia em West Hollywood, na Califórnia, e sempre que possível, visitava
regiões do entorno que lhe permitissem ter um contato maior com a
natureza, tal como acontecia na região em que cresceu 2.
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O mais interessante da história de Omalu talvez seja a constatação de


que sua idealização dos Estados Unidos não constituiu um entrave para o
desenvolvimento de suas pesquisas. O país, é claro, lhe ofereceu a
infraestrutura para que sua curiosidade, sua dedicação à ciência e seu
compromisso com a integridade humana se conjugassem de forma a
permitir que interessados por esportes de alto impacto começassem a
praticá-los conscientes dos riscos que correrão – inclusive, este público
está cada vez mais perto de poder contar com medidas profiláticas,
capazes de amenizar danos cerebrais causados por sua prática esportiva.

Mas a sociedade que primeiro usufruirá desses benefícios é a mesma que


a princípio rejeitou modos de pensar, de fazer e de ser que percebeu
como alheios e, por isso, como menores. A rejeição a Omalu, tachado
como um estrangeiro desrespeitador de um esporte caro aos
estadunidenses, e os inúmeros respingos da dificuldade deste povo em
reconhecer o mérito de um negro que fez transcender seu campo de
atuação, assim, deixando claro sua perícia para atuar na ciência, área que
muitos querem ver embranquecida, certamente respondem por vários dos
obstáculos enfrentados por Omalu enquanto imigrante, especialmente
enquanto alguém que deseja se integrar em uma sociedade que não é
originalmente a sua ao mesmo tempo em que procura preservar quem é.
Indiretamente, sua história nos faz pensar no papel a ser desempenhado
por sociedades receptoras que desejem ser também acolhedoras,
fomentando a aceitação entre pessoas de países diferentes ou
provenientes de regiões diferentes de um mesmo país, para que aquilo
que as aproxima seja alçado ao primeiro plano de suas vidas. Dez anos
depois da publicação do primeiro artigo de Omalu sobre a ETC, uma
pesquisa conduzida pelo Departamento de Assuntos dos Veteranos do
governo dos Estados Unidos e pela Universidade de Boston encontrou
evidências dessa doença em 87 indivíduos de um conjunto de 91 ex-
jogadores da liga estadunidense de futebol americano 3. Curiosamente,
nessa mesma época Omalu dizia acreditar ainda não ter sido aceito pelos
Estados Unidos. Para ele, ainda aconteciam coisas em sua vida que o
faziam lembrar-se de que era um “outsider”4.
I was naïve. […] There are times I wish I never looked at Mike
Webster’s brain. It has dragged me into worldly affairs I do not
want to be associated with. Human meanness, wickedness, and
selfishness. People trying to cover up, to control how
information is released. I started this not knowing I was
walking into a minefield. That is my only regret. Bennet Omalu,
setembro de 2009.
Dr. Bennet Omalu recebeu o Dr. Ernst Jokl Sports Medicine Award, em
2016, da Academia de Esportes do Estados Unidos, o maior prêmio
dessa academia em Medicina do Esporte. Photo: United States Sports
Academy.
Quantas histórias como a de Bennet Omalu precisaremos conhecer para
que nos envolvamos com a desconstrução das subalternidades e
assumamos a integração de diversos enquanto um gesto
sociopolíticopsicocultural com potencial emancipatório? E por que não
agora?

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