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FICHAMENTO

ARRETCHE, Marta. O mito da descentralização como indutor de maior democratização


e eficiência das políticas públicas. In: GERSCHMAN, Silivia; VIANNA, Maria Lúcia
Werneck. A miragem da pós-modernidade: democracia e políticas sociais no
contexto da globalização. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1997, pp. 127-152.

Nº DA
ANOTAÇÃ
TRECHOS E EXCERTOS COMENTÁRIOS
OE
PÁGINA
[…] a partir de perspectivas políticas distintas,
produziu-se um grande consenso em torno da
descentralização. Passou-se a supor que, por Tanto grupos à esquerda quanto à
definição, formas descentralizadas de prestação direita passaram a defender a
de serviços públicos seriam mais democráticas e descentralização como modelo a
que, além disto, fortaleceriam e consolidariam a ser seguido para consolidar e
democracia. Igualmente tal consenso supunha aprofundar a democracia, de
que formas descentralizadas de prestação de modo que isso passou a formar
serviços públicos seriam mais eficientes e que, uma espécie de consenso.
portanto, elevariam os níveis reais de bem-estar
da população.
As expectativas postas sobre a descentralização e
a visão negativa das formas centralizadas de
gestão implicariam, como consequência, a -
necessária redução do escopo de atuação das
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instâncias centrais de governo.
A autora vai buscar, no decorrer
[…] várias das associações positivas que foram
do texto, desconstruir os
estabelecidas pelo consenso dos anos 80 não se
argumentos que colaboraram na
sustentam nem de um ponto de vista da
formação desse consenso,
construção lógica dos argumentos, nem
partindo de uma perspectiva
empiricamente. […] várias das expectativas que
analítica sobre os resultados das
repousaram sobre esse conjunto de associações
políticas descentralizadoras
positivas não são um resultado necessário e
implementadas a partir da década
automático da descentralização.
de 80.
[…] a concretização dos ideais democráticos
depende menos da escala ou nível de governo A descentralização teria, então,
encarregado da gestão das políticas e mais da um papel menor do que
natureza das instituições que, em cada nível de habitualmente se supõe.
governo, devem processar as decisões.
Contrariamente às teses que advogam a redução A descentralização, portanto, não
do escopo de atuação do governo federal, o demandará necessariamente uma
129 sucesso da descentralização depende – isto sim – redução da atuação do governo
de uma redefinição do papel estratégico do federal, mas sim uma redefinição
governo federal em um novo arranjo federativo. de seu papel no pacto federativo.

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Busco identificar os fundamentos históricos do
uso clientelístico de recursos públicos, para Para a autora, essa confusão entre
procurar mostrar que a viabilidade de que tais patrimônio público e privado
práticas ocorram depende mais fortemente da decorre menos da centralização do
natureza das relações entre burocracias públicas poder político do que da ausência
e das possibilidades de controle efetivo dos de mecanismos de controle dos
cidadãos sobre a ação dos governos do que da cidadãos sobre as ações do
escala ou nível de governo responsável pela governo.
prestação dos serviços.
Não se tarata (aqui) de defender (ou não) – a
partir de um ponto de vista normativo – a
descentralização das estruturas administrativas
129 no Brasil, mas de examinar as condições sob as
quais tal reforma tem se processado. Na verdade,
A autora esclarece, portanto, que
este é um processo já em curso no Brasil, dados:
o presente trabalho não vai
a crise do Estado desenvolvimentista e de suas
defender ou criticar a
bases de sustentação – especialmente do papel de
descentralização dos poderes
planejador, financiador e propulsor do
administrativos, mas vai analisar
desenvolvimento desempenhado até muito
as condições pelas quais este
recentemente pelo governo federal – e o processo
processo se dá.
de consolidação democrática, no qual novos
atores políticos, dotados de recursos políticos e
institucionais relevantes, disputam com as
instituições federais o papel de condução do
processo político.
129-130 […] as medidas descentralizadoras ocorridas no Dito de outra forma, a demanda
Brasil a partir da década de 80 – que, aliás, não pela descentralização – com as
são muitas – são resultado da disputa de poder consequentes medidas
por parte de elites políticas de âmbito local, cujos descentralizadoras – decorrem da
recursos institucionais, especialmente o controle ascendente disputa de poder local,
de máquinas eleitorais e administrativas locais, uma vez que processos eleitorais e
foram notavelmente fortalecidos com a retomada decisórios voltaram aos entes
da competição eleitoral como instrumento da federativos em detrimento do
legitimidade dos governantes. governo federal.
A autora chega a mencionar, em
nota na fl. 129, o seguinte:
“É interessante, aliás, observar que a luta
política pela descentralização no Brasil
passa-se essencialmente no interior da
esfera estatal, vale dizer, as demandas
que a impulsionam são realizadas por
atores tais como prefeitos, governadores,
técnicos de agências estatais e
especialistas em questões de políticas
públicas. Estas, por sua vez, não
encontram grande ressonância no âmbito
da sociedade civil; na verdade, os
movimentos sociais dirigem suas
reivindicações ao setor público tomado
genericamente, independentemente do
nível de governo envolvido (Grossi,
1989:75). Assim, por razões de
proximidades apenas (e não por

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princípios políticos), os governos locais
tornam-se o alvo direto destas
reivindicações e são mais fortemente
pressionados a atendê-las.
ACERCA DAS RELAÇÕES ENTRE DESCENTRALIZAÇÃO E DEMOCRACIA
Para alguns, comprometidos com o ideário da
radicalização democrática, a descentralização
representa uma estratégia pela qual criar-se-iam Neste ponto, a autora ressalta o
(ou conferir-se-ia poder efetivo a) instituições pensamento de um intelectual “de
que viabilizem a participação dos cidadãos nas esquerda” sobre a
decisões públicas. Para Jordi Borja, por exemplo: descentralização política. Aqui, a
La izquierda se confronta em Europa com la reforma de descentralização é vista como “a
sus próprios Estados nacionales, em sentido teoricamente única forma de superar as
democratizador: la descentralización. (…) La única forma tendências à setorização, à
de superar las tendencias a la sectorialización, al
burocracia do Estado, à distância
burocratismo del Estado, la distancia com los actores
sociales, etc. consiste em crear instituciones que tengam dos atores sociais etc.”.
una capacidad de actuación global, que sean Descentralizar, então, seria um
representativas, pero que correspondam a sujetos sociales, passo para construir uma
130 a ciudadanos que de alguma forma se sientam identificados sociedade verdadeiramente
entre ellos, que tienem una identidad comunitaria. (…) La
democrática, haja vista o vínculo
democracia territorial que históricamente corresponde a
nuesta época desarrollar, sólo puede construirse sobre identitário entre os cidadãos de
bases locales. En resumen: la democracia se expandirá uma mesma localidade.
unicamente si se desarrolan las instituciones políticas
locales. (Borja, 1988:9-10).
As experiências bem-sucedidas de participação
popular em gestões municipais, tais como o
Orçamento Participativo, difundiram a ideia de Políticas públicas bem sucedidas
que, mais próxima de formas de democracia de participação popular na gestão
direta, a vida democrática de âmbito municipal reforçaram o argumento de Jordi
poderia representar uma alternativa aos limites e Borja, na visão da autora.
vícios postos pelas instituições nacionais da
democracia representativa.
Para outra corrente de opinião, inspirada no
modelo político norte-americano e nos
tradicionais princípios do liberalismo politico, a
descentralização seria um instrumento de A intelectualidade à direita, por
fortalecimento da vida cívica – portanto, da sua vez, considerava que
sociedade civil –, sufocada por um Estado descentralizar significaria reduzir
excessivamente centralizador e invasivo. Para o arbítrio do Estado central na
131 Rudolf Hommes, por exemplo: vida dos cidadãos, permitindo a
(…) Essa tradição de poder centralizado e burocrático construção de uma cidadania de
determinou a evolução institucional da América Latina e base comunitária, aumentando a
pode ser responsável pelo enorme gap entre a América do capacidade de autogestão por
Norte e do Sul. (…) O modelo centralizador também inibiu
o desenvolvimento de instituições cívicas de base
parte da comunidade.
comunitária porque criou uma forte dependência das
comunidades em relação ao governo central e suas
instituições (…). (1995:2)
131 Embora vinculadas a visões distintas de A autora advoga, portanto, que os
democracia, estas concepções têm em comum a benefícios alegadamente
expetativa de que a escala ou âmbito no qual se decorrentes da descentralização
processam as decisões políticas viabilizem a derivarão, na verdade, de que

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realização de determinados conteúdos do ideal
democrático. Diferentemente, pretendo
alguns princípios sejam
argumentar que a realização deste ideal,
institucionalizados concretamente,
independentemente de seu conteúdo específico
independente “da escala ou
(…), depende mais da possibilidade de que
âmbito de abrangência de tais
determinados princípios possam traduzir-se em
instituições”.
instituições políticas concretas do que da escala
ou âmbito de abrangência de tais instituições.
Com a constituição de governos de larga escala,
isto é, sistemas de governo que envolvem um
país inteiro, o princípio da representação se Por um lado: como um país (ou o
impôs como um princípio democrático. Sem um Estado-nação) envolve uma
sistema de representação, a participação popular comunidade que se desenvolve
efetiva em decisões de âmbito nacional seria em escalas geograficamente
impossível. É por esta razão que, nos últimos grandes, tornou-se impossível um
dois séculos, têm sido feitos esforços para sistema democrático direto; desta
estender os processos democráticos aos governos forma, os Estados viram-se a
132 de nível nacional, através do desenvolvimento de desenvolver mecanismos de
instituições representativas. (…) democracia representativa.
Por outro lado, formas de participação Por outro lado, a implementação
consoantes com os princípios da democracia de elementos de democracia direta
direta supõem necessariamente uma demos de vai exigir, consequentemente, um
pequenas dimensões. Assim, a reduzida espaço de atuação mais
dimensão da demos necessária à implementação delimitado (as questões locais, por
da democracia direta implica também a redução exemplo).
do escopo das questões a respeito das quais uma
dada população deve pronunciar-se.
(…) mantidas as estruturas atuais do Estado- A autora argumenta, então, que
nação (…), continuarão a existir questões (ou em qualquer governo haverá
partes da agenda governamental ou funções) decisões a serem tomadas em
correspondentes a cada nível de governo. É a nível nacional ou local. A mera
concretização de princípios democráticos nas realocação do âmbito de decisão
instituições políticas de cada nível de governo não significa, por si, uma gestão
132-133
que define seu caráter, e não a escala ou âmbito mais ou menos democrática. O
das decisões. (…) o simples fato de que que define a qualidade
determinadas questões ou políticas sejam geridas democrática da gestão é a
e/ou tenha seus mecanismos decisórios concretização de princípios
processados) pelo nível central não é indicador democráticos nas instituições
de uma gestão menos (ou mais democrática. políticas.
133 Isto não significa que a descentralização de um A autora argumenta que a
conjunto significativo de decisões políticas não descentralização pode, sim, ser
possa ser um elemento de radicalização e um instrumento de radicalização
aprofundamento da democracia nas da democracia, desde que não aja
circunstâncias atuais. Mais que isto, faz sentido por si só; a mera descentralização
supor que instituições de âmbito local, dotadas não significa que a gestão passará
de efetivo poder, possam representar um a ser mais democrática. É possível
incentivo à participação política, dado que que haja uma relação de estímulo,
podem possibilitar formas mais efetivas de mas não de causalidade;
controle sobre a agenda e sobre as ações de inexistindo instituições que
governo. No entanto, não é suficiente que se reflitam com concretude os ideais

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democráticos, de nada adiantará a
descentralização. Acredito que o
ponto a ser discutido, aqui, é: a
descentralização não seria um
reforme apenas a escala ou âmbito da esfera facilitador para a construção de
responsável pela decisão a ser tomada. É tais instituições, vez que a
necessário que se construam instituições cuja proximidade dos cidadãos com os
natureza e cujas formas específicas de gestores faz com que as instâncias
funcionamento sejam compatíveis com os locais sejam mais responsivas às
princípios democráticos que norteiam os demandas populares? É lógico
resultados que se espera produzir. que não é uma resposta
necessariamente positiva, mas
abstratamente parece um
argumento coerente, com base no
que a própria autora defende.
Deslocar recursos do “centro” para subsistemas
Só mudaria a figura do
mais autônomos pode evitar a dominação pelo
“dominador”, ou seja, o agente
“centro”, mas pode permitir esta dominação no
político dominante.
interior deste subsistema.
Se, por um lado, a criação de
Finalmente, não há consenso quanto à
instituições políticas aptas a
possibilidade de que a reforma das instituições
implementar princípios
possa produzir comportamentos democráticos.
democráticos pode servir de
133 De um lado, as instituições conformam as formas
estímulo a determinados
de ação política e, neste sentido, a ação pública
comportamentos, por outro, os
pode deliberadamente incentivar determinados
comportamentos que já estejam
comportamentos políticos (Cohen & Rogers,
arraigados no cotidiano podem
1995). De outro lado, contudo, o contexto social
impedir a concretização dos
e a história condicionam profundamente a forma
objetivos das instituições. Haverá
efetiva de funcionamento das instituições
sempre essa disputa quando se
(Putnam, 1993:182).
busca uma mudança social.
DESCENTRALIZAÇÃO E DEMOCRACIA NA FRANÇA E NA ESPANHA
134 Na Espanha, contudo, a descentralização daria Na Espanha, historicamente há
lugar a um estado de traços federativos e a um um descompasso entre as elites
completo rearranjo da distribuição efetiva do nacionais e as elites locais. Com o
poder político, no qual as elites regionais advento da ditadura franquista,
passaram a dispor de recursos institucionais e houve um agravamento nesse
administrativos até então controlados pelo conflito; o autoritarismo do
governo central. governo fez com que se
(…) não somente passou-se de um regime percebesse uma relação entre a
político a outro – de uma ditadura para uma forte centralização do regime e o
democracia –, mas a estrutura do Estado foi autoritarismo do governo. Assim,
transformada. A radicalidade do processo de na reconstrução da democracia
descentralização territorial – o qual supôs uma espanhola, demandou-se por
modificação profunda da Constituição para que maior descentralização,
se operasse um completo rearranjo das relações associando-a com ideais
intergovernamentais e cujo resultado implicou a democráticos. Disto resultou que
criação das comunidades autônomas – tem sua o Estado espanhol passou a
explicação no modo pelo qual ali combinaram-se conferir às regiões (comunidades
historicamente centralismo, autoritarismo e autônomas) um poder até então

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questão regional.
(…) a ausência de integração entre elites
regionais e elites políticas do governo central, em
um estado unitário como o espanhol, é anterior à inédito quando da
ditadura franquista. O caráter autoritário daquele redemocratização do país.
regime apenas reforçou a centralização e a
desarticulação entre as autoridades do governo
central e as elites locais.
Na França (…) a estrutura político-administrativa Na França o processo histórico de
centralizada era encarada como de grande desenvolvimento das relações
eficácia e, mais que isso, o caráter subordinado entre as elites locais e nacionais é
das coletividades locais justificava-se em nome diferente do espanhol; havendo
da unidade nacional. O ideal republicano estava articulação permanente entre
associado à unidade do regime local, à sua ambos, bem como sendo
uniformidade e ao centralismo político. (…) No satisfatória a legitimidade do
caso francês, diferentemente da Espanha, Estado junto aos cidadãos, não
consolidaram-se historicamente formas havia correlação entre
cooperativas de integração entre os funcionários autoritarismo e centralidade
do governo central e os eleitos em nível local. política, pelo contrário.
A descentralização à française, implementada
pelo governo socialista, é absolutamente tímida,
quando comparada com o caso espanhol. (…) No
caso francês, o “Estado [central] conserva
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integralmente seu poder de legislar e Em suma, a descentralização
regulamentar nos domínios que são de francesa mudou pouca coisa na
competência das coletividades territoriais” organização política do país, que
(D’Arcy & Baena del Alcazar, 1986:155). Mais permaneceu centralizada. A
que isto, do ponto de vista do impacto de tais descentralização veio como uma
medidas sobre o sistema político, “(…) o poder maneira de acomodar os
foi redistribuído entre aqueles que já tinham interesses políticos das novas
acesso a ele”. camadas urbanas que não
(…) sendo o processo de descentralização encontravam no modelo
explicado sobretudo pelo surgimento de novas tradicional espaço de
camadas urbanas que, não encontrando formas de representatividade.
representação no sistema anterior, demandavam
mudanças no sistema político, mudanças estas
que foram absorvidas pelo Partido Socialista
Francês.
(…) na França não se identifica uma relação de
identidade entre centralismo e ausência de
democracia. (…) Ali, o Estado unitário, com
regras extremamente centralizadas de escolha do
135-136 poder executivo no âmbito local (municípios
com escolha indireta e departamentos com
indicação do governo central) não estiveram
associadas ao autoritarismo, mas ao ideal
republicano da unidade nacional.
136 Portanto, o que distingue os dois países não é a Para a autora, os elementos
existência prévia de um estado centralizado, nem fulcrais na distinção entre os
a predominância das elites políticas do nível processos espanhol e francês são:

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central, nem as expectativas democráticas em
torno da descentralização. O conteúdo
substantivo destas expectativas era, no entanto,
substancialmente diferente entre os dois países,
bem como os resultados alcançados do ponto de 1) a ditadura prévia;
vista da profundidade da Reforma do Estado e da 2) as relações (“processos de
redistribuição efetiva do poder político. Tais cooptação, exclusão e
diferenças parecem ser melhor explicadas pela integração”) entre o governo
combinação de duas variáveis: a existência central e as elites locais.
prévia de um regime ditatorial, e os diferentes
processos de cooptação, exclusão e integração,
consolidados na história de cada país, entre
governo central e elites locais.
(…) o Brasil poderia ser, na verdade, um
importante caso a ser estudado, porque, se de um
lado, as demandas por descentralização estão
associadas à existência prévia de um regime
ditatorial e a uma historia de regimes
autoritários), de outro, historicamente as elites
políticas regionais detêm desde a 1ª República o
controle das máquinas políticas e eleitorais no
plano local (Abrucio, 1994).
ACERCA DAS RELAÇÕES ENTRE DESCENTRALIZAÇÃO E O PAPEL DO GOVERNO CENTRAL
(…) pretendo chamar a atenção para um aparente
paradoxo que o processo de descentralização, tal
como tem se desenvolvido no Brasil tem
137 evidenciado: o eventual sucesso de medidas
descentralizadoras supõe o fortalecimento das
cidades institucionais e administrativas (e,
portanto, do poder decisório) do governo central.
O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO EM CURSO NO BRASIL
Com exceção de um breve período histórico – a
República Velha –, o Brasil foi administrado de
forma fortemente centralizada desde o período
Centralização administrativa
colonial. (…) durante a maior parte da história
137 como marca da gestão pública no
brasileira a criação de recursos administrativos
Brasil.
necessários para o desempenho de capacidades
estatais esteve concentrado no nível central de
governo.
137 A forma centralizada do Estado então emergente O “apreço” pela centralização no
é resultado de dois movimentos simultâneos: de Brasil decorre, portanto, de dois
um lado, os principais tributos e fontes de fatores principais:
recursos fiscais passaram progressivamente a ser 1) centralização financeira
de competência exclusiva do governo federal (o (tributária);
fenômeno da centralização financeira); de outro 2) fortalecimento institucional do
lado – e não menos importante –, foi no nível governo federal (criação de
federal que se desencadeou uma bem-sucedida órgãos com capacidade de
estratégia de fortalecimento institucional, que formular e executar políticas
compreendeu a criação de órgãos administrativos públicas e formação de um corpo
capazes de formular estratégias de qualificado de burocratas)).

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desenvolvimento econômico e de inovação em
política social, bem como a formação de
burocracias tecnicamente preparadas.
(…) a centralização estatal a partir de 1930 (…)
deriva do fato de que foi o nível federal que
demonstrou elevada capacidade de inovação
institucional e de resposta às pressões advindas
dos processos de industrialização e urbanização
em curso.
A centralização tributária na União significava
que os estados e municípios dispunham de uma
margem muito pequena de recursos a serem
aplicados livremente, isto é, o governo federal
(…) vinculava as transferências a itens de
despesa e, deste modo, a centralização tributária Ocorreu, então, que, apesar de a
implicava falta de autonomia de gasto ou estreita distribuição financeira ser
138 margem decisória para estados e municípios, mas altamente centralizada no governo
não significava indisponibilidade de recursos. federal, Estados e Municípios
Do mesmo modo, a estratégia de criação de receberam uma parcela
empresas públicas estaduais (de eletricidade, considerável de recursos, muito
telecomunicações, saneamento etc.) criou, no embora esta parcela fosse
âmbito dos estados, capacidades administrativas “engessada” pela vinculação
que viabilizam hoje sua capacidade de gestão prévia dos recursos. Não obstante,
independente da União. (…) No período 1961- foi esse repasse, somado ao
1976, foram criadas 119 novas empresas públicas estímulo emanado pelo governo
da União e 147 novas empresas públicas nos central de criação de empresas
estados (Martins, 1985:62). Mais que isto, a estatais locais, que permitiu que
criação de empresas públicas nos estados e os Estados e Municípios criassem
municípios foi estimulada pelas políticas condições que lhes permitissem
emanadas do centro. pleitear maior descentralização.
139 Portanto, a partir de políticas implementadas
quando da vigência do Estado centralizado,
ocorreu um processo de fortalecimento das
capacidades administrativas dos estados e
municípios.
As tentativas fracassadas de reforma do serviço
público em direção a formas meritocráticas de
Criou-se, no Brasil, dois modelos
seleção, durante o regime iniciado em 30,
de burocracia estatal: uma
implicaram a adoção de uma estratégia
“meritocrática”, cujo ingresso no
alternativa: a da criação de “ilhas” de eficiência
serviço público se dava por
administrativa fora da burocracia tradicional em
alguma avaliação de
algumas empresas públicas e grupos executivos.
competências, e outra “política”,
Assim é que se convive no Brasil, desde então,
decidida por discricionariedade do
com uma “burocracia dual”, regida por duas
gestor.
formas distintas de seleção: o mérito e o
favoritismo político (Sikkink, 1993).
O Estado brasileiro cresceu e expandiu-se sob Este desenvolvimento dificultou
forma fragmentada, o que permitiu a existência sobremaneira a criação de
de órgãos e instituições superpostas e de mecanismos de coordenação,
burocracias difusas, cujo controle e possibilidade dividindo os tipos de políticas

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de coordenação é extremamente difícil. (…)
Desta forma, as políticas emanadas do centro do
sistema político em direção à periferia
emanadas do centro em
combinaram ao longo do tempo políticas
“clientelistas” e “dirigistas”.
clientelistas (baseadas na distribuição de favores)
e políticas “dirigistas” (caracterizadas por
processos de inovação politica).
140 Os impulsos pró-descentralização (ou dito de
outro modo, os incentivos políticos para que a
Reforma do Estado se processe nesta direção)
nascem da reação à forma pela qual expandiu-se
Em contraposição ao
o Estado centralizado.
desenvolvimento do centralismo
De um lado, a consolidação democrática trouxe à
como modo de governar no
arena política um conjunto de atores que hoje
Brasil, cresceu a pressão pela
atuam reduzindo o poder de comando
descentralização; a
anteriormente inteiramente exercido pelo
democratização trouxe uma
Executivo federal (Sallum Jr. & Kugelmas,
miríade de novos atores políticos
1993): governadores, prefeitos, parlamentares,
que vão retirando, aos poucos,
movimentos populares, sindicatos consolidaram
poder político do governo federal
seu poder político ao longo do processo de
em seu próprio favor. Por outro
redemocratização e reduzem o poder de mando
lado, as políticas inovadoras hoje
de governo central. Além disto, é no plano dos
ocorrem no âmbito dos Estados e
estados e municípios que ocorre hoje um
Municípios, em processo que
expressivo processo de inovação política (as
remete ao início do Estado
chamadas “novidades vindas de baixo”),
desenvolvimentista.
processo este que guarda paralelo com a
capacidade de inovação política do governo
federal nos primórdios do Estado
desenvolvimentista.
Por um lado, um conjunto de fatores esgarça as
bases de sustentação do Estado
A autora lista 3 razões principais
desenvolvimentista e do pacto federativo que o
para o rompimento do pacto
sustentou. (…) processo de desconcentração
federativo que sustentou o Estado
produtiva, com a emergência de novas elites
desenvolvimentista:
regionais modernas que, conectadas diretamente
1) processo de desconcentração
com o exterior, questionam o poder de regulação
produtiva → emergência de novas
do Estado nacional e de sua expressão política, o
elites locais conectadas
governo federal (…). Dada a redução dos
diretamente com o capital
investimentos federais em infraestrutura, estes
internacional;
têm sido objeto de violentas disputas inter e
2) competição entre os Estados e
intrarregionais. (…) “guerra fiscal” entre estados
Municípios para receber
e municípios na busca de captar investimentos
investimentos em infraestrutura
produtivos (…). Finalmente, as dificuldades
(“guerra fiscal”);
políticas com que se defronta o Executivo federal
3) dificuldade do Executivo
para coordenar um efetivo programa de reformas
federal para coordenar um
estruturais implicam um processo reiterado de
programa de reformas estruturais.
sua deslegitimação enquanto instância política
reguladora dos conflitos nacionais.
A forma de expansão do Estado que implicou o É dizer, em síntese, que, apesar da
fortalecimento institucional e administrativo dos extrema centralização do poder no

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período da ditadura, foi nessa
níveis municipal e estadual – paradoxalmente época que se desenvolveram as
implementada no período de maior centralização condições para que Estados e
financeira e política da história brasileira –, em Municípios exercessem maior
um contexto de crise das capacidades estatais do autonomia, o que ganhou força
governo federal e de fortalecimento do poder diante da incapacidade do
político das elites regionais, explica boa parte da governo federal de gerenciar
dinâmica do conflito federativo. projetos envolvendo entes
diversos em todo o país.
(…) não existe uma estratégia ou programa
nacional de descentralização que, comandado
pela União, proponha um rearranjo das estruturas
político-institucionais do Estado (Draibe &
Arretche, 1995). Existe, sim, sob o impulso da
consolidação democrática e da crise de
capacidades estatais do governo federal, uma
conflitiva barganha em torno da descentralização
fiscal, processo este que tem como um de seus
desdobramentos a descentralização da despesa
pública e o fortalecimento institucional dos
níveis subnacionais.
141 (…) a inexistência de um programa nacional
implica, entre outras coisas, que a
heterogeneidade na prestação dos serviços – que
é um resultado natural das formas
descentralizadas – seja dramaticamente reforçada
no caso brasileiro. Implica também que, dado
que não há formalmente um novo arranjo, não é
de todo descartável que uma eventual
(re)centralização possa ocorrer, se os fatores (ou
parte deles) que geram a crise das capacidades
estatais do governo federal se alterarem e se
equipes governamentais tiverem tal orientação e
competência política para realizá-la.
DESCENTRALIZAÇÃO DOS PROGRAMAS SOCIAIS
141-142 A agenda de redemocratização incluiu desde Os setores progressistas se
meados dos anos 80 – entre um conjunto de adiantaram em organizar diversos
outras demandas – um projeto de reformas pedidos de maior descentralização
setoriais do Sistema de Proteção Social na execução de políticas públicas
Brasileiro. No início do governo do Presidente de diversos matizes dentro do
José Sarney (…), o debate em torno de tais sistema de proteção social
reformas teve a hegemonia de setores brasileiro. Todavia, esses setores
progressistas e, neste, a descentralização, o perdem força e as reformas ficam
resgate da dívida social, a participação social e pelo meio do caminho, parando
política foram princípios norteadores de boa em óbices relacionados ao próprio
parte das propostas de reforma (…). funcionamento da estrutura
De um lado, a perda de espaço político dos política.
setores progressistas na aliança que conduziu
inicialmente o processo de redemocratização
explica em grande parte a impossibilidade de

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realização dos grandes projetos de reforma. De
outro, a dinâmica de funcionamento da arena
política constituída em torno de cada política
setorial explica a extensão e o ritmo das reformas
efetivamente alcançadas (Melo, 1993).
Tomemos inicialmente os programas de
Em relação à estrutura política
assistência social, aqueles que atingem mais
vigente que obstaculizou a
diretamente as populações mais carentes. No
implementação de uma efetiva
Ministério do Bem-Estar Social, estavam
descentralização, vê-se que a
concentradas a maior parte dos recursos da União
centralização era interessante para
realocados através de transferências negociadas –
142 a manutenção dos repasses a título
51,5% do total em 1991 (Roarelli, 1992:7) –, o
“clientelístico” para entes
que dá uma medida da importância da
subnacionais – mecanismo que
centralização para o uso clientelístico destes
privilegia setores já com grande
recursos e, dela decorrente, a força e resistência
poder político e capazes de travar
da coalizão interessada na manutenção das
o processo descentralizador.
formas centralizadas de gestão.
No entanto, isto não significa que esforços Alguns pontos da agenda pela
isolados de descentralização de alguns programas descentralização avançam; a
não tenham dado passos bem-sucedidos. A autora inicia citando como
descentralização da merenda escolar, iniciada em exemplos a merenda escolar, a
1994, (…) a descentralização da aquisição e aquisição de livros didáticos e
distribuição dos livros didáticos para as crianças programas assistenciais, estes
das escolas públicas (…), são incontáveis as últimos impulsionados também
iniciativas de governos estaduais e municipais no pela sujeição dos chefes do
que diz respeito a programas focalizados nas Executivo local à força dos
populações mais carentes. processos eleitorais.
A ausência de um programa nacional planejado
143 de descentralização dos programas educacionais
O âmbito da educação é apenas
tem implicado nos mesmos resultados:
um exemplo: a descentralização
tendências de transferência de parcelas das
vai ocorrendo na prática, sujeita
atividades envolvidas na prestação de serviços
às peculiaridades locais e sem
sem uma efetiva redistribuição de competências.
uma direção clara pelo governo
(…) Dito de outro modo, à ausência de uma
federal. É verdade que após a
direção do “centro” soma-se o caráter
virada do século o MEC teve
heterogêneo e difuso dos interesses envolvidos, o
papel preponderante para buscar
que dificulta enormemente a formação de uma
diminuir as desigualdades no
coalizão pró-descentralização, com
ensino básico, contudo.
consequências evidentes sobre o caráter errático
do processo.
144 É certamente no campo dos programas de saúde
pública que ocorreram os mais bem-sucedidos
avanços em direção a uma reforma de tipo Buscou-se, portanto, maior
descentralizador. (…) Esta reforma, que protagonismo dos municípios na
redistribuiu funções e competências entre os prestação dos serviços de saúde
níveis de governo tem uma direção clara: os pública, inclusive no que diz
municípios passam progressivamente a ter respeito ao manejo dos recursos.
capacidade decisória, competências e recursos
para a prestação dos serviços básicos de saúde.
(…) as feições do sistema descentralizado Mais uma vez, a incapacidade do

11
tornam-se crescentemente heterogêneas no
território nacional, dadas as diferentes
possibilidades financeiras e administrativas e as governo federal de gerenciar o
distintas disposições políticas de governadores e sistema a nível federal permite
prefeitos: em algumas regiões onde os recursos que os entes subnacionais “se
são mais escassos e as demandas são mais virem” de acordo com as suas
agudas, o sistema dá sinais evidentes de falência; capacidades, gerando grande
em outras regiões, com maiores recursos, os desigualdade na qualidade da
municípios demonstram capacidade de gestão prestação do serviço.
praticamente autônoma de seus sistemas de
saúde.
O PARADOXO APARENTE: DESCENTRALIZAÇÃO E FORTALECIMENTO DO GOVERNO CENTRAL
(…) no pós-64, a forma centralizada de gestão
inaugurou uma nova orientação para a expansão
do Estado: esta efetivamente fortaleceu as
capacidades administrativas de estados e Reitera o argumento já trabalhado
municípios, ainda que de forma inteiramente anteriormente: a centralização
desigual no território nacional, fato este que promovida pela ditadura militar
permite que a descentralização seja hoje uma possibilitou a criação de estruturas
possibilidade real. Finalmente, ao longo da descentralizadas que, após a
década de 80, assistimos a um esvaziamento queda do regime, permitiram
progressivo dos recursos de que dispunha o maior apelo político pela
governo federal para o exercício de suas funções descentralização.
tradicionais, vale dizer, aquelas sob as quais
erigiu-se como grande protagonista do Estado
desenvolvimentista.
Este quadro tem implicado que o processo de
descentralização das políticas sociais seja
caracterizado por desigualdades de toda ordem
A autora frisa que a
(…). A superação destas dificuldades não pode
descentralização das políticas
145 ocorrer apenas por iniciativa dos governos locais
sociais só obterá sucesso do ponto
(…). Apenas o governo central pode
de vista qualitativo com a
desempenhar esta tarefa, sob pena de que se
coordenação do governo federal;
aprofundem as desigualdades regionais. (…)
do contrário, desigualdades
parece-me que as tendências de Reforma do
diversas se manifestarão,
Estado brasileiro apontam para um novo papel a
sobretudo no que diz respeito à
ser desempenhado pelo governo federal: de forte
qualidade dos serviços prestados.
regulação das políticas nacionais, de correção das
desigualdades regionais e de compensação das
insuficiências locais.
Assim, conclui que a
(…) antes que um esvaziamento das funções dos descentralização não supõe um
níveis centrais de governo, o sucesso da enfraquecimento do governo
descentralização supõe sua expansão seletiva, central, senão o contrário: o poder
vale dizer, um reordenamento expansivo das central deverá ser robustecido
agências do governo central em direção a novas para que a descentralização tenha
atividades, reordenamento este que implica um êxito, reconfigurando-se a ação do
governo central fortalecido. poder nacional para articulação
dos poderes locais.
ACERCA DAS POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE DESCENTRALIZAÇÃO E CLIENTELISMO

12
Parte importante das expectativas postas na
descentralização estão associadas à noção de que
Este é um dos principais
uma maior proximidade entre prestador de
argumentos dos defensores da
serviços e usuários viabilizaria maior
descentralização administrativa
accountability dos governos em relação aos
como modelo: maior possibilidade
146 cidadãos e, por esta razão, maior responsiveness
de controle do governo pelos
daqueles em relação às necessidades destes.
cidadãos e maior capacidade de
Nesta perspectiva, a descentralização passaria a
resposta daquele em relação às
ser um dos elementos da Reforma do Estado pelo
demandas destes.
qual se combateria os problemas de ineficiência
alocativa postos pelo clientelismo.
Ainda que a proximidade possa ser um elemento
importante para a visibilidade das ações de
governo (…), é possível problematizar tais O contraponto: as práticas de
expectativas, com base no argumento de que o alocação clientelista de recursos
uso clientelístico de recursos públicos está públicos não dependerá da escala
historicamente associado à natureza das relações de governo responsável por esta
entre burocracias públicas e partidos políticos. alocação, mas das instituições
Neste sentido, tais práticas parecem depender responsáveis para tanto.
menos da escala da prestação de serviços e mais
146 da natureza das instituições deles encarregadas.
A liberalização do voto anteriormente à plena
consolidação de estruturas burocráticas tenderia a
reduzir o grau de bureaucratic insulation, A autora expõe brevemente que o
porque, nestas circunstâncias históricas, os desenvolvimento da relação entre
partidos tenderiam a consolidar-se diante do democratização e burocratização é
eleitorado utilizando os recursos estatais como um fator importante no grau de
moeda de troca. As estruturas administrativas clientelismo existente no governo.
seriam, portanto, prisioneiras da patronagem
política.
No Brasil, o desenvolvimento foi
similar? Nos EUA, segundo a
autora, a liberalização do voto
ocorreu antes da consolidação das
[referindo-se ao desenvolvimento da relação
estruturas burocráticas, de modo
mencionada acima nos EUA]
que esta foram sendo construídas
(…) a sequência histórica “democratização-
por partidos que assumiam o
146-147 burocratização” implicou que os arranjos
poder e se utilizavam dos
administrativos então constituídos fossem
mecanismos eleitorais para
colonizados por partidos que se reproduziam por
ampliar seu poder mediante a
meio do clientelismo.
expansão da burocracia, o que,
consequentemente, permite a
“instalação” do clientelismo na
máquina pública. E no Brasil?
147 (…) nem a centralização explica o clientelismo e, Um balde de água fria na tese da
muito menos, formas descentralizadas de descentralização? A autora chega
prestação de serviços públicas implicam sua à conclusão de que não há uma
eliminação. Dito de outro modo, não há uma relação direta entre centralização
relação necessária entre uma determinada escala e combate ao clientelismo, muito
de prestação de serviços públicos e o grau de embora o fator proximidade possa

13
apropriação privada ou patronagem política que a
prestação de tais serviços pode viabilizar. A
proximidade não é, assim, condição suficiente ser um elemento importante nessa
para evitar que determinadas necessidades dos disputa.
cidadãos sejam atendidas segundo padrões
clientelísticos.
Diferentemente, as possibilidades de elevação
dos níveis de imparcialidade na alocação de
recursos públicos estariam associadas à
consolidação de burocracias relativamente
insuladas das pressões partidárias para seu uso Reiterando a ideia de que a
clientelístico. (…) são necessárias instituições construção de instituições de
que permitam aos cidadãos controlar as ações do governo permeáveis ao controle
governo. (…) por parte dos cidadãos é mais
[citando Adam Przeworski] importante do que a
Para estabelecer condições para intervenções efetivas do descentralização da
Estado, os governos devem ser capazes de controlar administração.
asações econômicas dos atores privados e os cidadãos
devem ser capazes de controlar os governos. Os agentes
privados devem beneficiar-se quando agem no sentido do
147 interesse público e devem sofrer sanções quando não o
fazem; o mesmo deve ocorrer com os governos.
(…) a questão da formulação e implementação
de políticas adequadas às necessidades dos
Evidentemente, a proximidade
cidadãos – conceito este que é certamente sujeito
dos cidadãos com o governo não
a grande controvérsia – depende menos do nível
vai transformar, em passe de
de governo delas encarregado que do desenho
mágica, um governo ruim e
de instituições que criem incentivos ao
clientelista em um governo bom e
comportamento responsável por parte dos
eficaz; trata-se apenas de um
governos. Isto não significa que a proximidade
elemento inserido em um contexto
não possa ser – para algumas políticas – um
complexo, dependendo de
elemento que possa propiciar tais incentivos;
elementos outros.
significa que certamente a proximidade não é
uma condição suficiente para tal.
CONCLUSÃO
148 (…) qualquer que seja o conteúdo da proposta de
democracia ao qual se esteja filiado, os
princípios e valores que o sustentam devem
encarnar-se em instituições concretas, as quais
têm variado ao longo do tempo. (…) o caráter Instituições > descentralização
democrático do processo decisório depende
menos do âmbito no qual se tomam decisões e
mais da natureza das instituições delas
encarregadas.
(…) a associação entre centralismo e Ou seja: esta não é uma relação
autoritarismo pode ser melhor explicada pelo automática, obrigatória, mas sim
exame da forma pela qual associaram-se resultado de um processo
historicamente, no processo de formação dos histórico que varia conforme o
distintos Estados nacionais, estruturas Estado que se analise.
administrativas do governo central e elites locais
e/ou regionais.

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Pelo menos no caso brasileiro,
(…) o sucesso de reformas do Estado de tipo descentralizar não significa
descentralizador supõe uma expansão seletiva esvaziar o poder do governo
das funções do governo central, mais federal. Pelo contrário: para que
especificamente o fortalecimento de suas uma política de descentralização
capacidades administrativas e institucionais na seja bem sucedida, é importante
condução e regulação de políticas setoriais que seja comandada pelo governo
implementadas pelos governos subnacionais e do federal e que este disponha de
próprio processo de descentralização. recursos capazes de orientar esta
reforma estatal.
(…) não há uma relação necessária entre
descentralização e redução do clientelismo: este
pode ocorrer em qualquer escala de operações.
Na verdade, a redução do clientelismo supõe a Mais uma vez: instituições >
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construção de instituições que garantam a descentralização.
capacidade de enforcement do governo e a
capacidade de controle dos cidadãos sobre as
ações deste último.

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