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I

PUBLICACÃO DA ACADEMIA CEARENSE DE LETRAS


'
.

SÂNZIO DE AZEVEDO

·
Professor de Literatura Cearense do Departamento de Letras Vern4culas do Centro de
Humanidades da Universidade Federal do e da Faculdade de Pllosofia do Ceará.
Da Academia Cearense de Letras •

-
·

CEARENSE DE LE TR A S - FO R JI LE Z A - 19 76
PUBLICICIO 04 ACIDEM IA •



COLECÃO ANTONIO SALES

.

1 A Academia de 1894 Raimundo Girão

2 Contos de Oliveira Paiva

3 Literatura Cearense Sânzio de Azevedo

)

r
). J
� •

..


Os estilos são a força dinâmica dos períodos.

Revelar-lhes a essência íntima é penetrar a própria

natureza da época.

AFRANIO COUTINHO


-

DO AUTOR:

A Terra Antes do Domem (divulgação científica). São Paulo, Edart


(coleção Visão do Universo, vol. 2), 1962.

Cantos da Longa Ausência (poemas). São Paulo, Bentivegna, 1966.

Caminhos da Poesia (ensaios). Fortaleza, Imprensa Universitária do


Ceará, 1968. (Prêmios de Ensaio e Crítica Literária da Academia
Cearense de Letras/67 e 11Cidade de Fortaleza", Crítica Literária,
da Secretaria de Cultura de Fortaleza/68.)

:Poesia de Todo o Tempo (ensaios). Fortaleza, Edições Clã, 1970 (Se­


parata da Revista Clã n.0 24, dezembro de 1968).

A Padaria Espiritual 1892-1898 (síntese histórica). Fortaleza, Casa


de José de Alencar, lUC, 1970.

A Academia Francesa do Ceará 1873-1875 (síntese histórica). For-


taleza, Casa de José de Alencar, IUC, 1971.

Centro Literário 1894-1904 (síntese histórica). Fortaleza, Casa


de José de Alencar, lUC, 1972/3.

'


Para

MARGARIDA,

minha esposa
'

.. . . .

LtVIO, •

meu filho.

'

_ �us agradecimentos a
quantos, de uma forma ou
de outra, contribuíram

para que este livro se tor-

nasse realidade, desta­


cando os nomes de CLAU­
DIO MARTINS, OTACí­
LIO COI·ARES, BRAGA
MONTENEGRO, A
DA CONCEIÇAO SOUZA
e RAIMUNDO GIRÃO.

A Academia Cearense de Letras está empenhada na rea­


lização de um plano de edições, tendentes a divulgar o livro
e o autor cearense.

Há pouco foi a vez de Oliveira Paiva, o consagrado fic­


cionista de Dona Guidinha do Poço e de A Afilhada, que teve
enfeixados em sugestivo opúsculo doze contos recolhidos por
Braga Montenegro dos arquivos do escritor Fran Martins e
comentados por Sânzio de Azevedo.

Agora, voltam-se as nossas atenções para este ad1nirável


tratado de Literatura Cearense, devido à cultura e ao talento
do ilustre ocupante da Cadeira n.o 1, da Casa de Thomaz
Pompeu.

Editando este alentado trabalho do poeta, prosador e pes­


quisador Sânzio de Azevedo, de tão alta significação para as
nossas letras, a Academia estâ certa de haver prestado ser..­
viço relevante à cultura cearense, pondo à disposição dos in­
teressados estudo percuciente, a par de re.positório de seguras
e oportunas informações sobre as origens e o desenvolvimento
de nossa literatura.

CLAUDIO MARTINS
Presidente da A.C.L.

PREFÁCIO

Este livro nasceu principalmente da necessidade de tex­


tos que servissem de iniciação ao estudo da Literatura Cea­
rense. Textos selecionados que pudessem dar uma idéia (a
mais completa possível) dos diversos estágios por que têm
passado as nossas letras.

. Como não se desconhece, os poucos livros que tratam do


assunto, apesar de obras da melhor categoria literária em sua
maioria, além de se acharem hoj.e esgotados, sendo portanto
praticamente inacessíveis ao estudante contemporâneo, não
se revestem nem foi essa a intenção de seus autores do
caráter didático que pretendemos imprimir ao presente tra­
balho. •

Por outro lado, buscamos apresentar simultaneamente


uma a�tologia e
,
1.1m roteiro critico, o que não esperamos seja
de modo algttm a última palavra a respeito dos autores aqui
estudados, mas tão-somente 11m ponto de partida.

Fizemos questão naturalmente de seguir a ordem crono­


lógica mas, acima de tudo, preocupou-nos o estudo de cada
escritor dentro de sua corrente estética, o que ainda não foi

feito em nossa literatura.

Assim, é dividido o volume em tantos capítulos quantas


.sejam essas correntes ou escolas literárias; entretanto, além
.dos autores, foram estudados também os movimentos que agi­
taram as letras em nosso Estado, mas que não constituem pro­
priamente estilos de época; são antes agremiações que, por
sua importância, merecem destaque especial, como a Acade-

13
..1

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' t ' r • ... •

mia Francesa. o Clube Literário. a Padaria Esp iritual, o Gru-
po Clã, etc .

Os que estão familiarizados com o evolver das correntes


literárias estranharão o fato de apresentarmos o Simbolismo
antes do Parnasianismo; é que, fundamentados em pesquisas
que há anos vimos efetuando, chegamos à conclusão de que,
ao tempo da famosa Padaria Espiritual, em plena década de
90, já havia aqui poetas verdadeiramente simbolistas. contem­
porâneos por conseguinte daqueles que, no sul do país, ergui­
am pela primeira vez a bandeira do Símbolo. Entretanto, os

que aqui se consideravam parnasianos longe e�tavam ca per-


feição formal, que só iria surgir plenamente no início do sé-

culo XX .

Como, justamente por volta desses a:1cs 90, versejavam


uns à maneira realista, mas com toques românticos; outros,.
romanticamente mas com a forma um tanto esmerada; ou­

tros ainda, de maneira puramente romântica; e outros, por
fim. misturando notas realistas e decadentistas, para não fa­
larmos de um genial poeta que mergulhou no quinhentismo
em pleno século XX, resolvemos reservar-lhes um capítulo -

especial, a fim de serem conhecidas suas diferentes tendên-


c1as .

Quanto ao fato que marca os primórdios das letras cea­


renses, ficamos com Dolor Barreira, em sua História da Lite­
ratura Cearense, para quem são os chamados Oiteiros, de
1813 e 14, a mais remota manifestação da literatura em n os ­

so Estado.

São diversas as opiniões nesse terreno: para An,tô ni Sa­


o

Ies, em sua "História da Literatura Cearense" (in o Ceard •

de Raimundo Girão e Antônio Martins Filho) , be m co m o para


Mário Linhares, na História Literária do Ceará, nossa litera­
tura teria começado com a publicação d·os Prelúdios Poéticos
"

de Juvenal Galeno, em 1856. Para Tristão de Ataíde, nos Es-


tudos (2.a série), nossas atividades literárias tiveram seu iní­
ci o em 1859, ano em que esteve no Ceará a Comissão Cienti-

14

f
fica de que fazia parte Gonçalves Dias; o poeta indianista,
segundo se conta, teria aconselhado Juvenal Galeno a explo­
rar a poesia popular, com a qual viria a consagrar -se. Por
11m, Cruz Filho, em sua História do Ceará, fixaria o ano de
1872 como o do alvorecer de nossa vida cultural: nesse ano .

consoante opinião de Guilhenne Studart. tiveram inicio as


atividades da Academia Francesa do Ceará, agremiação que
difundiu aqui as idéias positivistas da França.

Entendemos entretanto que, embora tragam todas as ca­


racterísticas da literatura portuguesa, e muito pouco repre­
sentem no tocante à qualidade artística de suas produções,
os poetas dos "oiteiros" escreveram no Ceará, alguns deles
com referências em seus poemas a localidades cearenses, e
por isso devem figurar, pelo menos como precursores.

Com relação ao critério de escolha dos escritores contem­


plados no presente trabalho, devemos igualmente uma expli­
cação: discordamos do sistema adotado pelo eminente histo­
riador Guilherme Studart (Barão de Studart), em seu Dicio­
nário Biobibliográfico Cearense., em que só são incluídas pes­
soas nascidas no Ceará, não obstante algumas haverem dei­
xado muito cedo a terra do berço. Assim, deixa de figurar um
Rodolfo Teófilo, por haver nascido acidentalmente na Bahia,
figurando, porém, um Oscar Lopes, do qual se pode dizer que
somente nasceu aqui ...
.

Concordamos com Antônio Sales, e com Dolor Barreira,


que em parte lhe seguiu as pegadas, uma vez que incluímos:

1 autores nascidos aqui e que aqui produziram lite­


rariamente, como Juvenal Galeno, Oliveira Paiva,
Filgueiras Lima e inúmeros outros;
2 autores nascidos noutros Estados, mas qu� produ­
ziram literariamente entre nós, como Rodolfo Teó­
filo, Pápi Júnior, Alf. Castro ou Demócrito Rocha.
3 autores que se ausentaram, mas ainda assim escre­
veram obras cearenses, como Domingos Olimpio,
Gustavo Barroso, e outros.

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'
o s. Jo sé d e A le n ca r, p ost o q u e o
Por fim, também incluim
cr it or ce ar en se d o .q u e u m ce ar en ­
cotlSideramos menos um es
tu ra br a si le ir a , se u s ro m a n ­
se escritor. Já pertencente à litera
ej o sã o no en ta nt o pu ra m en te no ssos ,
ces Iracema e �o Sertan
os op or tu ni da de de ap re se nt ar um tr ec ho
razão por que terem
pelo menos do primeiro.
Somente discordamos de Dolor Barreira, bem como da
maioria de nossos antologistas, no tocante a Franklin Távora.
Este escritor, conquanto seja uma glória para o Ceará, que o

viu nascer em Baturité, no ano d'e 1842, e não obstante seu


empenho em criar uma literatura do Norte, daqui partiu ain­
da criança, indo residir em Pernambuco e (além de seu des­
conhecido romance Os tndios do Jaguaribe) nada produziu
que se relacione ao menos com .a terra natal. Quanto a seus
principais romances, O Cabeleiro, O Matuto e Lourenço, foram
justamelljte subintitulados, o primeiro, "narrativa pernambu­
cana" e, os dois últimos, "crônica .pernambucana". Por isso
mesmo Clóvis Beviláqua observou que "nos seus romances
ressumbram, cantam, brilham, alegres, ou choram, magoa-
I das, as lendas e tradições da terra pemambucana", como lem­
bra o próprio Dolor Barreira . 1
.

Abelardo Jurema, por sua vez, ao estudar a ficção nordes-


tina, assim se pronuncia com rel�ção ao romancista: ''Embo­
ra nascido no Ceará, o autor de Os tndios do Jagu,aribe (1862),
. .
seu pnme1ro e un1co romance em moldes indianistas, é um
. ,

escritor de formação nitidamente pemambucana, ou melhor t


recifense, com todas as qualidades e defeitos .do ambiente li­
terário da tradicional Faculdade de Direito, onde se bachare­
lou em ciências jurídicas e sociais." 2
Até prova em contrário, continuaremos considerando-o,
um escritor nacional ou, quanto à região onde produziu suas
ohras, pernambucano. Da mesma fortna como não acharía­
mos justo algum antologista do Rio de Janeiro iricluir P áp

i
Júnior numa coletânea carioca ·(pelo fato de haver 0 auto
r de
O Simtz.s . n�scid'o lá),· não queremos roubar a Pernambu
co
esse ficcionista cearense .que tanto se destacou, ·e que Oliv
ei-

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ra Lima chamou de "pernambucano de adoção". Antônio
Bales. aliás, não o inclui no estudo citado.
Cumpre-nos ainda esclarecer que, atendendo às dimen­
sões do livro e ao espírito do programa que nos traçamos, res­
tringimos os textos exclusivamente a·o campo da criação, ou
seja, a poesia e a prosa de ficção. Deixamos assim de apre­
sentar páginas de autores que se destacaram única ou prin­
cipalmente através do Ensaio, seja científico ou literário �a
não ser Que esses mesmos autores sobressaiam também no ter-
-

rena que focalizamos).


Massaud Moisés, em sua A Literatura Brasileira Através
dos Textos, esclarece haver procurado dar um idéia orgâni­
ca da evolução histórica de nossa literatura, e não fazer uma
escolha de caráter valorativo, razão por que (segundo ele mes­
mo lembra) deixou de transcrever textos de poetas como Mar­
celo Gama ou Severiano de Resende, em favor de Bento Tei­
xeira, inferior artisticamente. É o que sucede com nosso tra­
balho: muitos dos autores aos quais apenas fazemos referên­
cia terão sido indiscutivelmente superiores literariamente
aos poetas dos Oiteiros. Estes, porém, não poderiam deixar
de figurar, pela grande importância que assumem no pano­
rama geral das nossas letras, como pioneiros que foram.
Aliás, no tocante às agremiações literárias, quase inume­
ráveis, sendo que não poucas congregaram nomes de peso, e
deixaram obras que enriquecem nosso patrimônio bibliográ­
fico, preferimos destacar as que julgamos mais importantes:
os citados Oiteiros, a Academia Francesa, o Clube Literário,
$Padaria Espiritual, o Centro Ljterário, a Academia Cearen­
se de Letras e o Grupo Clã. Além destas, que realmente mar­
caram nosso desenvolvimento literário, nenhuma nos pareceu
poder figurar nesta crestomatia sem abrir precedente para
·

que surgissem dezenas de outras. Quem quer que tenha pelo


menos noções de História Literária comp.reenderá perfeita-

mente nosso intuito.


Acredita iDos, ainda assim, sejam observadas vária& omis­
sões, mesmo no âmbito da pura criação artística: não seria

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possfvel, nunt livro de proporções normais, o estudo de todos
aqueles que prosaram ou poetaram nesta terra de Alencar.
E.tcolhemos os nomes que nos pareceram mais significativos.
'

Fruto de anos e anos de pesquisa e, sobretudo, convivên­


c ia com os textos, muito deve este livro à nossa experiê·ncia
l
no magistério, onde algumas conclusões nasceram, através de
debates.

Não temos evidentemente a pretensão de haver dado a


última palavra, é claro. Nada há de definitivo em trabalho
desta natureza. Destinado não somente a professores e alu­
nos, mas a todos quantos desejem um panorama de nossa li­
teratura, observações e reparos poderão torná-lo menos de­
feituoso em edições posteriores, se as houver.

Por enquanto, ocorre-nos reproduzir as palavras de Filipe


Nunes, que Manuel Bandeira transcreveu como epígrafe às
suas Noções de História das Literaturas: "Emende e acrescen­
te quem souber, e aprenda quem não souber, e tcdos dêem gló-
. ria ao Senhor".

Se alcançamos nosso desiderato- que é um velho sonho


-, o tempo e os leitores o dirão.

SÂNZIO DE AZEVEDO

18

NEOCLASSICISMO

Talvez devêssemos apresentar a primeira fase da Litera­


tura Cearense sob a denominação ampla de Classicismo (en­
globando o tern1o as manifestações que vão do Renascimento
ao Arcadismo) : é que, se a obra dos poetas que iremos estu­
dar está liberta da maioria dos maneirismos barrocos, o cer­
to é que também não apresenta aquela emoção que perpassa
nos sonetos dos árcades mineiros. Seguimos porém" a classi­
ficação dos autores que nos precederam e que, mais adstritos
à época, chamaram de neoclássica a poesia dos Oiteiros.

OS OITEIROS
.

Florescendo por volta de 1813 ou 1814, a literatura desse


tempo é representada pelos poemas de um grupo que � reu­
nia em tomo do Governador Sampaio (Cel. Manuel Inácio
de Sampaio) , em sessões palacianas que ficaram famosas sob
,

a designação de Oiteiros, onde se destacavam os nomes de


Pacheco Espinosa, Castro e Silva, Costa Barros e outros. Sua
poesia não se afastava dos louvores aos heróis e aos governan­
tes, com o que seguiam 11m dos postulados neoclássicos de
Luís Antônio Verney, teórico da corrente em · Portugal; mas,
ainda impregnados de racionalismo barroco, os poetas dos
Oiteiros não se entregaram aos temas pastoris, a fim de em­
belezar a realidade. Daí, sua produção versificada, que não
se eleva pela grandeza do estro, não poder ser considerada pu­
ramente arcádica ou neoclássica .

19


PACHECO ESPINOSA

José PACHECO ESPINOSA- Nasceu na Ilha da Madei-


ra, em data ignora d·a, vindo a falecer em dezembro de 1814,
provavelmente no Ceará. Era um dos principais comercian ­
tes de Fortaleza em seu tempo, chegando a fazer trans ações
diretas com a Europa. Segundo informação do Barão de Stu-
.

dart, Espinosa foi "dos poetas de mais nomeada que teve o


Ceará no começo do século passa do". 3 Apesar de nas cido em
terras de Portugal, aderiu à causa de nossa Independência.

Soneto

Alegrai-vos ó Chefe esclarecido


Pois que extinta está a cruel guerra:
Já respira alegria toda a terra,


Já se esquece do que tem padecido.

Alegrai-vos Congresso enobrecido,


Que a paz, a Santa paz que o mal desterra,
A guerra afugentou que tudo aterra,
E tUdo deixa a cinzas reduzido!

Venceu a justa causa: aniquilado


Esse monstro ficou, esse Tirano,
Que há de perpetuamente ser odiado.

Regozija-te ó bravo lusitano!


Vivas repete, Exército aliado!
Exulta de prazer, Americano!

Soneto 2.0 "Para o Chafariz da Vila Fortaleza"

Esta que , vês, curioso passageiro


Límpida Fonte, clara, sussurrante '

De cristalinas águas abundante,


Que o Sítio faz ameno, e lisonjeiro:

20


Este manancial de água, o primeiro,


Que fez surgir na Vila arte prestante,
Para a sede saciar o caminhante,
O sábio, o nobre, o rico, o jornaleiro:

Edificada foi incontinenti,


No memorável, ótimo Governo,
De Sampaio, Varão reto, ciente.

Como ao Povo mostrou amor Paterno,


Para todo o seu bem foi diligente,
Nesta Fonte deixou seu nome eterno.

Soneto 3.0 "Ao Aumento da Vila de Fortaleza"

Vai ó Fama, por toda a redondeza,


Publicando por tuas bocas cento,
Do Ceará que foi pobre o muito aumento,
A grande exportação, suma riqueza.

Dize que já se vê fausto e grandeza,


Na ·sua Capital do Chefe assento:
Que polícia já tem, tem luzimento,
E tem o que não tinha, Fortaleza.

Dize que do Governo a alta mente


Estas obras brotou assaz louvadas,
Por todos, sim, por todos geralmente;

Erários novos, rampas e calçadas,


Aterro, Cllafariz, Aula excelente,

Novas ruas, muralhas elevadas!


(Apud Dolor Barreira. "Associações Literárias no


Brasil e Particularmente no Ceará Oltelros", ln
Revista do Instituto do Ceará, vol. LVII, 1943, pp.
148-204.)

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O s one to inicial refere-se provavelmente ao primeiro des ­
terro de N�poleão, sendo ele, portan to, esse tirano, Que há de
ser odiado, visto haver ordenado a invasão de
Portugal pelas tropas de Junot, como se sabe; por isso deve
regozijar-se o port uguês, assim como o exército aliado contra
Bonaparte, e os americanos, ou seja, os brasileiros; note-se a
dicção clássica sobretudo através d·o hipérbato (A guerra afu­
gentou que tudo ate"a). N o segundo soneto, a pretexto de
falar d a construção de um chafariz em Fortaleza, derrama-se
o poeta em elogios ao Governador Sampaio, que é citado no­
Jninalmente; é um dos raríssimos poemas da época em que há
notas de poesia pastoril, apesar de tratar de uma fonte arti­
ficial: é quando, no primeiro quarteto, fala da fonte "clara,
sussurrante", abundante de águas cristalinas, e Que o Sítio
jaz ameno e lison;eiro; há inversões igualmente nessa estro­
fe. O soneto "Ao Aumento da Vila de Fortaleza", um dos
mais interessantes de Pacheco Espinosa, volta aos elogios,
exaltando o progresso da Vila, devido à "alta mente" do Go­
verno Sampaio; no verso 8.� certamente quis o poeta fazer um
· · trocadilho, dizendo que a vila "já .tem o que não tinha", isto
é : fortaleza (qualidad·e de ser forte) , com o que mostra forte
acento barroco . Os sonetos todos seguem rigorosamente o es­
quema rimático do Classicismo, em ABBA ABBA CDC DCD.
Pelo ·fato de serem quase todos dominados pe
. lo tom louvami­
nheiro, o que, diga-se de passagem� era característica geral no

tempo, assim se expressou Sílvio Júlio, tratando precisamente
de Espinosa:· ''Sonetos, décimas, vários tipos de composições
que deixou referem-se a coisas do Ceará . É pena que estes
acontecimentos não fossem os da sociedade, porém os do go­
verno. E� vez de cantar as praias batidas de vagalhões, o ho­
mem, gelidamente, atravancava o Parnaso com décimas e so­
netos sobre um chafariz!''

Antônio de CASTRO E SILVA Nasceu em Sobral em


21 de dezembro de 1787, e faleceu em Arronches (Porangaba.) ,
em 13 de J ulho de 1862 . Tendo sido arbitrariamente preso em
novembro de 1825, publicou mais tarde uma Resposta ao ma­
nifesto do ex-comandante das armas d o Ceará, Conrado Jacó

22
Nlemeyer (1828) , saída no Rio de Janeiro. Era Cônego, ten­
do Sido Capelão do Governador Sampaio.

Este obséquio, Senhor, que vos envia


Meu ânimo fiel, curto parece;
Mas quem o pouco que possui oferece,
Se mais tivera, muito mais daria.

Sobre singelas mãos não se avalia


A oferta, pelo vulto que aparece;
Que então a aceitação fora interesse,
Vício que nunca em vós haver podia.

Bem sei que de meus versos a humildade


Subir não pode àquele desempenho
A que a minha afeição me persuade;

Mas uma salvação convosco tenho,


Saber que a vossa cândida vontade
Mais preza um dom d'amor que d'alto engenho .

(Dolor Barreira. Op. e loc. clt.)


.

Repete-se aqui a poesia palaciana, fundamentada em te­


mas muito pouco poéticos e cheios de lisonjas aos governan­
tes, o que era de praxe na época, e como pregavam os árcades
europeus, para os quais a poesia, entre outras coisas, deveria

celebrar os deuses, os heróis e os homens ilustres. Mas é digna


de nota a segurança com que Castro e Silva trabalha o decas­
sílabo, que sai perfeitamente balançado, sem a dureza ou a
frouxidão de alguns versos do próprio Espinosa. Castro e Sil­
va, pel o menos neste soneto (o único que dele conhecemos),
mostra-se um excelente artífice do verso, conhecedor da técni­
ca do soneto, sabendo ainda tirar efeito dos hipérbatos e dan­
do ao poema uns toques que mais o aproximam da dicção ca­
moniana do que da arcádica. Note-se, no verso 3.0, a sincope
não assinalada de oferece, que deve forçosamente ser Udo
como se estivesse grafado of'rece.

23
COSTA BARROS

Pedro José da COSTA BARROS Júnior Nasceu no Ar a-


catl, em 7 de outubro de 1779, e faleceu no Rio de Janeiro�
em 20 de outubro de 1839. Deixou de fazer parte da Consti­
tuinte Portuguesa para ficar no Rio de Janeiro, trabalhando
pela independência do Brasil. Foi eleito à Constituinte Bra­
sileira em 1822, após cuja dissolução foi nomeado Ministro da
Marinha. Veio para o Ceará em 1824, como Presidente da
Província, ao tempo da rebelião de Pereira Filgueira s e Tris­
tão Gonçalves. Um de seus poemas foi incluído no Florilégio
da Poesia Brasileira (1850), de Varnhagen, editado em Po r­
tugal. De sua longa Ode "Aos Heróis Lus'Anglos" damos ape­
nas uma amostra, transcrevendo-lhe 0 início:

Aos Heróis Lus'Anglos


(fragmento)

Estrofe t.a

Do Sacrossanto monte despregando


As lisas, brancas asas pressurosa.,
Baixa celeste Musa: "

Do fogo, com que o Vate de Venusa,


Com que de Elpino a mente estrepitosa,
Dos Heróis a favor foste inflamando,
Benigna hoje me assiste, hoje me inflama:
Com teu divino facho
Tu na minha alma ateia ardente chama:
Guia-me afoita mão, q� as Cordas fira;
E transporei às Eras
Ações, que assustam Mantuana lira.

Antfstrofe 1.a

Dos LUB'Anglos Heróis em toda a terra


O sempre glorioso, imortal nome

24

Espalha novos brados:


Heróis, filhos de Heróis, de Heróis traslados,
Louro vivaz, que o tempo não consome,
Verde sempre na paz, verde na guerra:
No Eterno Temp lo só não brilha escrito
Temístocles, Lisandro,
Crasso, Antônio, Pompeu, César invicto:
Admira, ó Grécia; e tu contempla, ó Roma,
O glorioso enxame
De modernos Heróis, que ao Templo assoma.

Epodo 1.o

O monstro vê raivoso
A Lusitana glória!
Ar·ma contra a Nação, que vencedora •

Se1npre firme afrontou perigos, mortes,


Invejoso, cruel, fatais coortes;
Mas vê que à estragadora
Esfinge, que assolou Europa inteira,
Lusos peitos se opõem . Há mor barreira .

(Dolor Barreira. Op. e loc. cit.)

Esta é somente a sexta parte do poema que, seguindo o es­


quema da ode pindárica, é composto de Estrofes, Antístrofes
e Epodos. Fiel a um dos postulados da corrente arcádica, ce-
lebra o poeta a luta de ingleses e portugueses contra os exér­
citos napoleônicos. Na l.a estrofe, pede à Musa, como era de
praxe, que lhe dê inspiração para cantar os feitos de heróis:
a Musa deverá descer do Parnaso (o "Sacrossanto monte"),
'

com o fogo que inflamou a mente de Horácio (o "Vate de Ve-


nusa'.'); assim cantará o poeta ações tão admiráveis, que as­
sustarão a própria inspiração de Vergílio (nascido em Mân­
tua) . Na 1.a antístrofe, são enumerados nomes de várias fi­
guras da História Antiga, aos quais acrescenta o poeta os dos
novos Heróis, igualmente gloriosos. Por fim, no epodo l.o, é

25

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preparado o ambiente para se iniciar a descrição dos comba­
tes: Napoleão intenta avançar contra Portugal, invejando-lhe
as glórias. Os lusitanos porém se opõem energicamente, e
forma-se inacessível barreira. Essa ode, embora sem grandeza,
representa muito bem o poeta da época, com suas freqüentes
alusões ao mundo antigo, e a pretensão de verem os poetas
·os seus cantos imortalizados tempos afora ("E transporei às
Eras 1 Ações, que assustam Mantuana lira.").

Outros Nomes

Faziam parte dos Oiteiros ainda os poetas EL COR-


REIA LEAL e Padre LINO JOSÉ GONÇALVES DE OLIVEIRA.
Este último escreveu uma Ode Pindárica "Ao Ilmo. e Exmo.
Sr. Governador Manuel Inácio de S . Paio. "

Para o historiador Carlos Studart Filho, os Oiteiros não


devem ter durado apenas de 1813 a 1814. como admitira
Dolor Barreira ; é qu.e o Governador Sampaio, que exerceu

o governo da Capitania de 1812 a 1820, " Sendo inteligente e


muito amigo de incentivar o gosto pelàs Belas-Letras, não
podia, é claro, desinteressar-se das atividades intelectuais de
seus governados dois anos depois de eles terem iniciado com
'

tanto ardor. "E menciona ainda uina carta de 1817, em que


5

o governador mecenas falava de uma festa, que teria sido


abrilhantada com " Muitas peças poéticas de mais ou menos
merecimento.''

26
ROMANTISMO

Durante alguns anos, permaneceu a literatura cearense


nos moldes neoclássicos, nada havendo que mereça maior des ­
taque. Dolor Barreira assinala, nesse período que vai dos
tempos dos Oiteiros até ao aparecimento dos Prelúdios Poé­
ticos de Juvenal Galeno, em 1856, a fundação do j�rnal Sem­
pre-Viva, dedicado exclusivamente à literatura,. no qual es­
creviam Gustavo Gurgulino de Sousa e Juvenal Galeno (1849) ,
bem como as Cartas de Bras Pitorra à Sua Sobrinha Inês
Sensata (1851) , sátira em versos de Pedro Pereira, publicada
no jornal Pedro 11.

Mais tarde foram começando a aparecer palidamente as


primeiras notas de subjetivismo, tão fracas, porém, que não
mereceram registro, sendo que mttito da produção literária
dos meados do século XIX desapareceu irremediavelmente.
Podemos assim situar o início do nosso Romantismo em 1856,
data da publicação, no Rio de Janeiro, dos Prelú,dios Poéticos,
de Juvenal Galeno, embora, na opinião de Antônio Sales, seus
versos ainda mostrassem características neoclássicas. Depois
viriam, além das produções regionalistas de Galeno, os poe ­
mas byronianos de Joaquim de Sousa e de Barbosa de Freitas,
magnificados por um sopro condoreiro, além do legítimo Con­
doreirismo dos chamados Poetas da . Abolição (Antônio Be­
zerra, Justiniano de Serpa e Antônio Martins) . Aqui têm
lugar destacado os rotnances cearenses de José de Alencar, Ira-
.

cerna e O Sertanejo, publicados respectivamente em 1865 e em


1875. O primeiro será apresentado neste capítulo. E, embora
por muitos anos hajam persistido aqui as notas românticas,

27
Mas um dia. .. me ausentaram...
Fui obrigado. .. parti!
Chorando beijei-te as folhas . • •

Quanta saudade senti!


Fui-me longe. . . muitos anos
Ausente pensei em ti...
Caj1teiro pequenino,
Quando obrigado parti!

Agora volto, e te encontro


Ca"egadinho de flor!
Mas ainda tão pequeno,
Com muito mato ao redor .. .
Coitadinho, não cresceste
Por falta do meu amor,
ca;ueiro pequenino,
Carregadinho de flor.

A Jangada

Minha jangada de vela,


Que vento queres levar?
Tu queres vento da terra,
Ou queres vento do mar?
Minha jangada . de vela,
Que vento queres levar?

Aqui -no meio das ondas,


Das verdes ondas do mar,
�s como que pensativa,
Duvidosa a bordejar!
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

Saudade tens lá das praias,


Queres n'areia encalhar?
Ou no meio do oceano

38
Apraz-te a$ ondas sulcar?
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

Sobre as vagas, como a garça,


Gosto de ver-te adejar, .

Ou qual donzela no prado


Resvalando a meditar:
Minha jangacUL de vela,
Que vento queres levar?

Se a fresca brisa cUL tarde.


A vela vem te oscular,
Estremeces como a noiva·

Se vem-lhe o noivo beijar:


Minha jangacUL de vela,
Que vento queres levar?

Quer sossegada na praia,


Quer nos abismos do mar,
Tu és, ó minha jangada,
A virgem do meu sonhar:
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

Se à liberdade suspiro�
Vens liberdade me dar;
Se fome tenho ligeira
Me trazes para pescar:.
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

A tua vela branq1J,inha


Acabo de borrifar;•

Já peixe tenho de sobra,


Vamos à terra aproar:


3'l
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

Ai, vamos, que as verdes ondas,


Fagueiras a te embalar,
São falsas nestas alturas
Quais lá na beira do mar:
Minha jangada de vela,
É tempo de repousar!

Mistério do Mar

- Jangadeiro jangadeiro,
Que fazes cantando assim,
Embalado pelas vagas
No seio do mar sem fim?

E o jangadeiro nas ondas


Cantava triste canção;
Solto o remo, presa a vela
De sua jangada então.

- "Ai de quem amou na vida . . .


"Ai de quem sentiu o amor . . .
"Ai de quem sonhou constante
.
uum pet•to falso . . . tratdor .I . . . "

E o jangadeiro cantava
No frio leito do mar,
Ao murmurio da brisa,
Das vagas ao soluçar!

- "Amei-(1, com doce extremo,


-
''Com trmeza . . . e devoçao
1· . ..
"Té que um dia o seu desprezo
"Esmagou-me o coração . . . "

38
E o jangadeiro cantava . . .
Era noite de luar:
Ao longe . . . na choça; a festa. . .
Gemidos, prantos no mar.

Ao longe, ao som da viola,


Mais se animava a função,
Que Maria, a flor da praia,
Era noiva . . . dera a mão!

E o jangadeiro chorando
Cantava triste a gemer . . .
Deserta a praia . . . e na choça
O riso, a festa, o prazer.

No outro dia . . . à luz da aurora,


Na areia viu-se encalhar
O corpo do ja1lgadeiro,
Q1te a onda trouxe do mar!

E a jangadinlla sem vela,


Sem remo. . . veio também . . '

All. ! como mo1·rera o triste


Ningué ·m o so1tbe . . . ni1lguém •

Desde esse dia . . . nas ondas,


Q1ta1ldO a noite é de luar, r

Vê-se ao longe a jangadinha


Por sobre a face do 1nar.

E o jangadeiro cantando
A s1ta triste ca1zção . . .
Em balado pelas ondas . . .

Ao gemer da viração . . .

- "Ai de q1te11l amo1t 11a vida . . .


"Ai de q1tc11t sc1lti u o a11lOr . . .

39
"Ai de quem sonhou constante
''Um peito falso. . . traidor .. . "

E a pobre gente da praia


Chora ouvindo este cantar,
• •

Mais triste suspira a brisa,


Soluça a vaga do mar!

(Juvenal Galeno . Lendas e Canções Populares. Fortaleza ,


Imprensa Universitária do Ceará Ed. do Centenário da
obra, com Introdução de F. Alves de Andrade 1965, 1.0
vol., pp. 48-51; 209-10; 77-9; 1 07-8; 121-3.)

No prólogo da primeira edição d'e seu livro principal,


Juvenal Galeno declara haver tido por objetivo representar
o povo brasileiro, servindo-se, em tudo, " da toada de suas
cantigas, de sua linguagem, imagens e algumas vezes de seus

próprios versos." Este depoimento vem explicar de marteira


cabal a presença, em alguns de · seus poemas, de trechos per­
tencente� à tradição, à musa anônima de nossos trovadores
.

sertanejos ou praieiros; é o caso, por exemplo, da famosa


trova, t.ranscrita aliás no prólogo:

Minha jangada de vela,



Que vento queres levar?
De dia ·vento da terra,
De noite vent o do mar? ...

Assinalamos as locuções que não aparecem nq poema de


Galeno: na sua sextilha (ou seja, uma quadra unida à repe­
tição dos dois primeiros versos) , pergunta o poeta: Tu queres
vertto da terra, I Ou queres vento do mar? É igualmente" o caso
.

desta quadra mais conhecida ainda:


Cajueiro pequenino,
Carregadinho de flor,
Eu também sou pequenino,
Cerregadinho de amor.
Também aqui assinalamos os versos que não surgem na
produção de Juvenal Galeno . É que o poeta cearense recriava
as trovas anônimas, ou melhor, criava, a partir delas, à ma­
nei ra de paráfrase, poemas de cunho popular. Claro está que
ele não poderia, com a formação cultural que j á obtivera, es­
crever versos genttinamente do povo, como se fosse um can­
tador de viola, mas só o fato de chegar ao aproveitamento de
trovas anônimas para compor suas redondilhas demonstra
seu sincero intuito de produzir poesia popular no seu mais
genuíno sentido. Ciente da importância de sua missão, n·ão
esperava entretanto aplausos da crítica erudita : "Sei que
mal recebido serei nos salões aristocratas, e entre alguns crí­
ticos que, estudando nos livros do estrangeiro o nosso povo,
- desconhecem-no a ponto de escreverem que o Brasil não
tem poesia popular! " O título de seu livro, porém, pode ser
mal interpretado por algum leitor desavisado que entenda en­
feixar, todo ele, canções e lendas extraídas da tradição popu­
lar cearense ; tal não ocorre evidentemente, uma vez que, além
dos citados "A Jangada" e "Cajueiro", apenas em cerca de
seis poemas (entre eles "O Boiadão", "A Mulatinha", "O Vo­
luntário do Norte", etc . ) segundo notas do próprio poeta,
temos notícia haja o autor aproveitado copias do povo, sendo
as demais cento e vinte e tantas composições fruto de uma
arte profundamente embebida na alma da gente de nossa
terra, q.u e o autor conheceu muito de perto e que desde crian­
ça admirou e amou, mas escritas com as .Palavras com que
ele quis dar-lhes vida, o que fez certamente . Transcrevendo
estes cinco poemas, todos constantes das Lendas e Canções
Populares ( 1865), pretendemos dar uma idéia da faceta prin­
cipal da poesia de Juvenal Galeno : "O Vaqueiro'' mostra-nos
o homem valente, orgulhoso de seu ofício, feliz cotn a vida de
campeador de gado ; através dessa produção,· tem- se perfeita
noção do que seJa o legítimo vaqueiro cearense e do ambiente
em Que vive . Em " O Rapaz da Guia" , temos · como que o oposto
-

do precedente, quanto à bravura e o amor à profissão : para


o rapaz do segundo poema, guiar reses é uma "sorte má," eis
que vive em eterno sobressalto; d'estaque-se o canto do boia-

41
deiro, no final de cada estrofe, bem assim a linguagem p opu­
I
lar, quer na colocação do clítico (M'e s colheram), quer em con­
cordância como a da 3a estrofe. Quanto ao "Cajueiro Peque­
nino," é uma das mais belas páginas do nosso lirismo e um
dos mais farnosos poemas de Galeno; aí o poeta fala por si
mes mo, não interpreta sentimentos alheios, como na maio-

ria de sua obra . Mas ele não cantou apenas a vida interio­
rana: "A Jangada, " outro poema bastante conhecido, traz-nos
a vida do jangadeiro que, falando carinhosamente à sua em­
barcação, empresta-lhe qualidades humanas: aqui, a proso­
popéia não é simples adorno, mas reflete a importância da
jangada para o pescador, ou s�ja, sua própria razão de ser;
é notável o uso do refrão ao fim de cada estância, com o que
parece imitar o vaivem monótono das ondas; o verso final,
porém, é imprevisto: em vez da repetida indagação (Que vento
queres levar?), conclui o poeta : É tempo de repousar! Embora
romântico, nem sempre Juvenal Galeno ostenta aquele sen­
timentalismo da maioria dos poetas da corrente: O Vaquei­
"

ro," por exemplo, apesar de vazado em hendecassílabos iâm­


bico-anapésticos (com o que expressivamente nos evoca o ga­
lopar do cavalo) , verso típico do Romantismo e quase total-
.

mente abandonado pelas escolas posteriores, nada tem de


derramamentos líricos. O mesmo não podemos dizer de "Mis­
tério no Mar," pois neste, além do amor exacerbado, temos
a presença da morte,. com o que se cria uma atmosfera de
lenda ; o poema é tipicamente romântico, pelo tema e pela
dicção, mas, note-se, não é o poeta a figura central , o amante
desprezado, mas alguém de quem o poeta fala . Quase toda a
poesia de Juvenal Galeno elide, assim, o eu romântico (dentre
as composições reproduzidas, é exceção o " Caj ueiro Peque­
nino") : ele observa, de maneira algo realista, a vida do va­
queiro, do tangedor de gado, do jangadeiro, etc., para de­
pois cantá-la em verso, geralmente, porém, assumindo o lugar·
da figura focalizada, interpretando seus sentimentos. Nas
produções apresentadas, predomina o heptassílabo (ou sep­
tissílabo, ou redondilha maior) , genuinamente popular , e por
isso mesmo tão explorado pelos românticos e, com mais razão,
por Juvenal Galeno .

42

JOSÉ DE ALENCAR

JOSÉ Martiniano DE ALENCAR Nasceu em Messejana


(Sítio Alagadiço Novo) , em 10 de maio de 1829, e faleceu no
Rio de Janeiro, no dia 12 de dezembro de 1877. Deixando o
Ceará ainda menino, ao� nove anos, a viagem que fez por terra,
até a Bahia, de onde seguiu para a Corte, deixou-lhe vivas
marcas, datando de então as primeiras impressões que em
seu espírito causou o espetáculo de nossa natureza . Estudou
em colégios do Rio, mais tarde matriculando-se na Academia
de Direito de S . Paulo, onde concluiu o curso em 1850, fixan­
do-se no Rio de Janeiro e se dedicando ao jornalismo. Român­
tico entusiasta, aparece ruidosamente no mundo das letras
polemicando com Magalhães, cujo poema A Confederação dos
Tamoios era um retorno ao Classicismo. Jornalista, juriscon­
sulto, político, orador, Conselheiro e Ministro da Justiça, tudo
isso foi Alencar. Seu nome, porém, há de ficar pela obra de
ficção que nos legou, sendo considerado por muitos con1o o
fundador do ron1ance genuina111ente 11acional. Cultivou o
ron1ance urbano, o indianista e o histórico, além do teatro e
da poesia. Timbrou em dar a suas obras uma linguagem nossa,
-

o que ll1e valetl acerbas ataques da crítica de seu tempo. Entre


outras obras, publicou : O Guarani (1857) Cinco Minutos
(1857) , A Viuvinha (1860) , As Minas de Prata (1862) , Lttcíola
( 1862) , Diva (1864), Iracema (1865) , O Gaúch o (1870) , A Pata
da Gazela (1870) , o Tronco do Ipê (187 1) , G1terra dos Mas-
cates ( 1871) , Til (1872) , Sonhos d'Ouro (1872) , Alfarrábios
(1873) , Ubirajara (1874) e O Sertan.ejo (1875) . Cotno disse­
mos linhas atrás, José de Alencar será apresentado pela pu­
blicação de Irace7Jla.

Iracema

Trata-se de uma lenda, criada pelo próprio Alencar, e


representando a origem do povo cearense : nela aparecem fi­
guras da vida real, cotno o português Martim Soares Moreno
e 0 índio Poti (Antoni o Felipe Camarão) . Encontran1-se um

43


dia, em plena mata, a índia Iracema e Martim, o guerreiro


branco; a virgem leva-o à cabana do pai, o chefe Araquém.
Apa ix onam-se e ela passa a acompanhá-lo, o que açula as
iras do guerreiro índio Irapuã (o célebre Mel-Redondo). As
saudades da pátria, porém, maltratam o português. Teria lá
deixado uma amada? Iracema definha, e morre, deixando o
filho de ambos Moacir "filho da do r". Parte Martim levando
' '

o filho de seu amor . Era o primeiro cearense a emigrar.

Verdes Mares bravios de minha terra natal, onde canta


a jandaia nas frondes da carnaúba;

Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda ao:�


raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombra­
das de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impe­
tuosa para que o barco aventureiro manso resvale à flor das
aguas.
,

Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cea­


rense, aberta ao fresco terral a grande vela?
Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio
nas solidões do oceano?
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando
veloce, mar em fora.
U m jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue
americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no
berço das florestas e brincam irmãos, filhos ambos da mes ma
terra sei vagem .
A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante , que
ressoa entre o marulho das vagas :
- Iracema!
O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos
presos na sombra fugitiva da terra; a espaços o olhar empa­
nado por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam as
duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortút1io.

44


Nesse 1nomento o lábio arranca d'alma um agro sorriso.
Que deixara ele na terra do exílio?
Uma história que me contaram nas lindas várzeas onde
.
nasc1, a calada da noite, quando a lua passeava no céu ar-
'

genteando os campos, e a brisa rugitava nos palmares .


Refresca o vento.
O rulo das vagas precipita. O barco salta sobre as ondas
e desaparece no horizonte. Abre-se a imensidade dos mares,
e a borrasca enverga, como o condor, as foscas asas sobre o
abis· mo.
Deus te leve a salvo, brioso e altivo barco, por entre as
vagas revoltas, e te poje nalguma enseada amiga! Soprem para
ti as brandas auras, e para ti jaspeie a bonança mares de
leite!
E11quanto vogas assim à discrição do vento, airoso barco,
volva às brancas areias a saudade que te acompanha, mas
não se parte da terra onde revoa.
II
Além, n1uito além daquela serra, que ainda azula no ho­
rizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos
mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe
de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a bau­
nilha resce11dia no bosque cotno seu hálito perfumado.
Mais rápida que a etna selvagem, a morena virgem corria
o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo,
da grande nação tabajata. O pé grácil e nu, mal roçando,
alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as pri­
meiras águas.
Um dia, ao pin o do sol, ela repousava em um claro da
floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca
do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre es­
parziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folha­
gem, os pássaros ameigavam o canto.

45
damos como final da corrente os últimos anos da década de
80, que coincidem com o surgimento do Clube Literário, com
sua revista A Q uinzena. A Academia Francesa do Ceará en-
quadra-se cronologicamente bem no meio do período de fas­
tígio da corrente, como uma reação que, não obstante s ua
grande importância, não chegou a instaurar uma literatura
an ti - romântica.

JUVENAL GALENO

JUVENAL GALENO da Costa e Silva Nasceu em For-


taleza, no dia 27 de setembro de 1856, vindo a falecer na mes­
ma cidade, em 7 de março de 193 1 . Passou os primeiros anos
de sua infância no interior do Ceará, retornando à Capital em
1854, a fim de fazer as humanidades no Liceu. Esteve no
Rio de Janeiro, onde freqüentou a célebre Tipografia de Paula
Brito, lugar de reunião da fina flor do mundo intelectual
por volta dos meados do século XIX: Joaquim Manuel de
Macedo, Machado de Assis, Quintino Bocaiúva e outros. Pu­
blicou então seu primeiro livro de versos. De regresso ao Es ­
tado natal, colabora ativamente na imprensa fortense; Gon-

çalves Dias, em visita ao Nordeste com a Comissão Científira,


passa por Fortaleza, em 1859 e, lendo alguns poemas de Jtl­
venal Galeno, aconselha - o a cultivar sempre a poesia popu­
lar, segundo se conta. Em 1906, acometido de gl aucor11a, o
poeta perde completamente a vista, aposentando-se como Di­
retor da Biblioteca Pública, depois de haver sido editada toda
a sua obra poética . Publicou : Prelúdios Poéticos ( 185 6), A
Machadada (1860), "poema fanstástico" , em que satiriza o
comandante João Antônio Machado, q_ue o mand a ra })render,
quando Juvenal era alferes da Guarda Nacional; Quem com
Ferro Fere com Ferro Será Ferido (1861), comédia, Porangaba
( 1861), Lendas e Canções Populares (1865 ) , seu livro princi­
pal, que teve 2a edição em 1892, acrescida das "Novas Lf'ndas
e Canções Populares", e 3a edição no centenário, em 1 965: Ca1l­
ções da Escola ( 187 1), Cenas Populares ( 1871), porventu ra 0
primeiro livro de contos cearense ( 2a ed., 1891, e 3a, 1969 ) e
,

28
Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja,
como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. En­
quanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de
seu arco ; e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho
próximo, o canto agreste.
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto
dela . As vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a vir­
gem pelo nome ; outras, remexe o uru de palha matizada,
onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá,
as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de
que matiza o algodão .
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue
a virgem os olhos, que o sol não deslllmbra ; sua vista per­
turba-se.
Diante dela e todo a contemplá-Ia, está um guerreiro es­
tranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta.
Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar, nos
olhos, o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e te­
cidos ignotos cobrem-lhe o corpo .
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha
embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face
do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão !esta caiu sobre a cruz da
espada; mas logo sorriu. O moGo guerreiro aprendeu na re­
ligião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e
amor. Sofreu mais d'alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não sei
eu. Porém a virgem lançou de si o arco e uiraçaba, e correu
para o guerreiro, sentida da mágoa que causara. A mão, que
râpida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue

que gotejava . Depois Iracema quebrou a flecha homicida; deu
a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada .
O guerreiro falou :
- Quebras comigo a flecha da paz?
- Quem te ensinou, guerreiro branco, a li;nguagem de

46
meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram
outro guerreiro como tu?
- Venho de bem longe, filha das florestas . Venho das
terras que teus irmãos j á possuíram, e hoje têm os meU$
Bem- vindo o estrangeiro aos campos dos tabajaras,
senhores das aldeias, e à cabana de· Araquém, pai de Iracema .

XXXII ..

Descamba o sol .
Japi sai do mato e corre para a porta da cabana .
Iracema, sentada com o filho no colo, banha-se nos raios
do sol e sente o frio arrepiar-he o corpo . Vendo o animal, fiel
mensageiro do esposo, a esperança reanima seu coração;
quer esguer-se para ir ao encontro de seu guerreiro e senhor,
mas os membros débeis se recusam à sua vontade .
Caiu desfalecida contra o esteio . Japi lambia-lhe a mão
fria e pulava travesso para fazer sorrir a criança, soltando
uns doces latidos de prazer . Por vezes, afastava-se para cor­
rer até a orla da mata e latir chamando o senhor; logo, tor­
nava à cabana para festejar a mãe e o filho .
Por esse tempo pisava Martim os campos amarelos do
Tauape; seu irmão Poti, o inseparável, caminhava a seu lado.
Oito luas havia que ele deixara as praias de Jacarecan­
ga . Vencidos os guaraciabas na baía dos papagaios, o guerrei­
ro cristão quis partir para as margens do Mearim, onde ha­
bitava o bárbaro aliado dos tupinambás .
Poti e seus guerreiros o acompanharam . Depois que
transpuseram o braço corrente do mar que vem da serra de
Tauatinga e banha as várzeas onde se pesca o piau, vieram
enfim as praias do Mearim e a velha taba do bárbaro tapuia .
A raça de cabelos do sol cada vez ganhava mais a ami­
zade dos tupinambás; crescia o número de guerreiros bran­
cos, que já tinham levantado na ilha a grande itaoca para
despedir o raio .

47
Quando Martim viu 0 que desejava , tornou ao s cam pos
da Porangaba, que ele agora trilha . Já ouve o ronco do mar
nas praias do Mucuripe ; j á lhe bafej a o rosto o sopro vivo das
vagas do oceano .
Quanto mais seu passo o aproxima da cabana, mais lento
se torna e pesado. Tem medo de chegar; e sente que sua alma
vai sofrer, quando os olhos tristes e magoados da esposa en­
trarem nela .
Há muito que a palavra desertou seu lábio seco: o amigo
respeita este silêncio, que ele bem entende. É o silêncio do
rio quando passa nos lugares profundos e sombrios.
Tanto que os dois guerreiros tocaram as margens do rio,
ouviram o latir do cão a chamá-los e o grito da ará, que se la­
mentava . Estavam mui próximos à cabana, apenas oculta
por uma língua de mato . O cristão parou calcando a mão no
peito para sofrear o coração, que saltava como o poraquê .
- O latido de Japi é de alegria, disse o chefe .
- Porque chegou; mas a voz da jandaia é de tristeza .
Achará o guerreiro ausente a paz no seio da esposa solitária,
ou terá a saudade matado em suas entranhas o fruto do
amor?
O cristão moveu o passo vacilante . De repente, entre os
ramos das árvores, seus olhos viram sentada, à porta da ca­
bana, Iracema com o filho no regaço, e o cão a brincar . Seu
coração o arrojou de um ímpeto e a alma lhe estalou nos lá­
bios:
- Iracema! . . .

A triste esposa e mãe soabriu os olhos, ouvindo a voz


amada . Com esforço grande pode erguer o filho nos braços e
apresentá-lo ao pai, que o olhava extático em seu amor .

- Recebe o filho de teu sangue . Era te�po ; meus seios


ingratos já não tinham alimento para dar-lhe!
Pousando a criança nos braços· paternos, a desventura­
da mãe de�faleceu como a jetica, se lhe arrancam o bulbo .

48
O esposo viu então como a dor tinha consumido seu belo cor­
po; mas a formosura ainda morava nela, como o perfume na
flor caída do manacá .
Iracema não se ergue mais da rede onde a pousaram os
aflitos braços de Martim . O terno esposo, em quem o amor
renascera com o júbilo paterno, a cercou de carícias que en­
cheram sua alma de alegria, mas não a puderam tornar à
vida; o estame de sua flor se rompera .
- Enterra o corpo de tua esposa ao pé do coqueiro que
tu amavas . Quando o vento do · mar soprar nas folhas, Irace­
ma pensará que é tua voz que fala entre seus cabelos .
O doce lábio emudeceu para sempre; o último lampejo
despediu-se dos olhos baços .
Poti amparou o irmão na grande dor . Martim sentiu
quanto um amigo verdadeiro é precioso na desventura: é
como o outeiro que abriga do vendaval o tronco forte e robus­
to do ubiratã, quando o cupim lhe broca o âmago .
O camucitn qtte recebeu o corpo de Iracema, embebido
de resinas odoríferas, foi enterrado ao pé do coqueiro, à bor­
da do rio . Martim quebrou um ramo de murta, a folha da
-

tristeza, e deitou-o no jazigo de sua esposa. A jandaia pou-


sad a no olho da palmeira repetia tristemente : Iracema!
Desde então os gtierreiros pitiguaras que passavan1 per­
to da cabana abandonada e ouviam ressoar a voz pla11gente
da ave amiga, afastavatn-se cotn a alma cheia de tristeza, do
coqueiro onde cantava a jandaia . E foi assim que um dia
veio a chamar-se Ceará o rio onde crescia o coqueiro, e os cam-
pos onde serpeja o rio .

XXXIII

o caj ttciro floresceu quatro vezes depois qtte Martim par­


ti t 1 das llraias do Ceará, levando no frágil barco o fill1o e o
cão fiel. A jandaia 11ão qttis deixar a terra onde repousava
su'.t arniga c senhora .

49

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O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra


da pátria . Havia ai a predestinação de uma raça?
Poti levantava a taba de seus guerreiros na margem do
rio e esperava o irmão que lhe prometera voltar ; todas as ma ­
nhãs subia ao morro das areias e volvia os olhos ao mar, para
ver se branqueava ao longe a vela amiga .
Afinal volta Martim de novo às terras que foram de sua
felicida
' de e são agora de amarga saudade . Quando seu pé
sentiu o calor das brancas areias, em seu coração derramou­
-se um fogo que o requeimou : era o fogo das recordações, que
ardiam como a centelha sob as cinzas .
Só aplacou essa chama quando ele tocou a terra onde
dormia sua esposa ; porque nesse instante seu coração transu­
dou, como o tronco do jetaí nos ardentes calores e orvalhou
sua tristeza de lágrimas abund·antes .
Muitos guerreiros de sua raça acompanharam o chefe
branco, para fundar com ele a mairi dos cristãos . Veio tam­
bém um sacerdote de sua religião, de negras vestes, para
plantar a cruz na terra selvagem .
Poti foi o primeiro que ajoelhou aos pés do sagrado le­
nho ; não sofria ele que nada mais o separasse de seu irmão
li branco . Deviam ter ambos um só Deus, como tinham um só
coraçao .
-

Ele recebeu com o batismo o nome do santo cujo era o


dia e o do rei a quem iria servir, e sobre os dois o seu, na lín­
gua dos novos irmãos . Sua f�ma cresceu e ai11da hoje é o or­
gulho da terra, onde ele primeiro viu a luz .
A mairi que Martim esguera à margem d o rio, nas praias
do Ceará, medrou . Germinou a palavra do Deus verdadeiro
na terra selvagem e o bronze sagrado ressoou nos vales onde
rugia o maraca.
. ,


Jacaúna veio hab�tar nos campos da Porangaba para es­
tar perto de seu amigo branco; Camarão erguera a taba de
seus guerreiros nas margens da Messejana .
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_______ -- - ·
ca r teve o cuidado de explicar , lo go no ca pi tu lo in ic ia l do li­
vro: "Uma história que m e co nt ar am . na s lin da s vá rz eas on de
na sc i, à calada da noite, quando a lua passeava no ceu ar-
,

o
genteand os campo e a s, br isa ru git av a no s pa lm ar e s . " Tr a­
ta-se , portanto, de uma lenda, cr iad a, como dissemos, para
narrar as origens do povo cearense, sendo Moacir o símbolo •

do filho de nossa gleba, predestinado às migrações . Ha via o


escritor iniciado um poema, em que seriam cantadas as t radi­
ções de nossos indígenas; d'esistiu porém do verso e ten tou a
prosa. Na "Carta" apensa à primeira edi ção de Iracema, conta
Alencar, a Domingos José Nogueira Jaguaribe , a orig em do
livro , dizendo, a certa altura : "O assunto para a exper1enc1a,
• A •

de antemão estava achado . Quando em 1848 revi nossa ter­


ra natal, tive a idéia de aproveitar suas lendas e tradições e1n
alguma obra literária . Já em São Paulo tinha começado uma
biografia do Camarão . Sua mocidade, a heróica amizade que
o ligava a Soares Moreno, a bravura e lealdade de Jacaúna,
aliado dos portugueses, e suas guerras contra o célebre Mel­
Redondo: aí estava o tema . Faltava-lhe o perfume que der­
rama sobre as paixões do homem a alma da mulher . '' O nome
Iracema que, segundo a observação de Afrânio Peixoto, é um
anagrama de América, foi criado por Alencar e é por ele ex­
plicado, com base no tupi, como "lábios de mel" (ira mel +
tembe-lábios) . Aceita por João Ribeiro e poucos mais, a ex­
plicação de Afrânio Peixoto tem sido refutada por vários au­
tores, principalmente com apoio no fato de ser a lenda inspi­
rada pela origem do povo cearense, e não americano; Oscar
Mendes lembra que, nos cadernos do romancista, 0 primeiro
nome da heroína era Aracema, o que desfaz o anagrama .
Braga Montenegro, na Introdução de uma das edi çõe s de Ira­
cema, é de opinião que o escritor nã o se apercebeu d o fato .

lingüístico, ao criar o nome com fundamento no tup i . Entre-


tanto, sem tomar partido, não podemos deixar de reg ist rar a
coincidência . Transcrevemos os dois capí tulos ini cia is e os
dois últimos de Iracema; no primeiro, destaque-se como
aliás j á tem sido inúmeras vezes feito a musicalidade do s
períodos, o ritmo cantante das frases qu e, em vários pa ss os ,

52
vão coincidir com alguns versos de metro tradicional, pelo
número de silabas e pelos ictos : log0 no parágrafo inicial, por
exemplo, vamos encontrar, entremeados, dois hexassílabos e
dois heptassílabos (ou redondilha maior) ; 6171617 . No segun ­
do parágrafo, temos anda menos de cinco heptassilabos : Ver­
des mares que brilhais 1 como líquida esmeralda 1 aos raios
do sol nascente, I perlongando as alvas praias 1 ensombradas
de coqueiros . E seguem-se as frases, não mais em versos me­
dido s, mas numa atmosfera de poesia que envolve perfeita­
mente significante e significado . Isso levou Augusto Linha­
res, um tanto arbitrariamente, a estampar, dividido em ver­
sos, esse capítulo inicial de Iracema, na sua Coletânea de Poe ­
tas Cearenses ( 1952) publicada no Rio de Janeiro . Ressalte-se
ainda, no mesmo capítulot a apóstrofe : começa o escritor di­
rigindo-se aos mares; passa depois a falar dos tripulantes da
embarcação e, por fim, volta-s.e para o próprio barco, augu­
rando-lhe brandas auras . Inicia-se o romance, na verdade,
quando tudo j á passou (como Basílio da Gama fez no seu O
Uraguai) : a força da saudade, porém, faz com que, a partir
do capítulo II7 se i.nicie a narrativa . Nos capítulos finais pre­
dominam as alusões aos topônimos e às personagens que re­
almente viveram : fala o escritor de várias regiões conhecidas
ainda hoje, como Tauape, Porangaba, Mucuripe, Messejana, •

etc . , bem assim de figuras como Poti, depois batizado Antô­


nio Felipe Camarão, herói na expulsão dos holandeses do Nor­
deste· do Brasil, seu irmão Jacaúna, aliado dos lusos contra
os tabajaras cl1efiados por Irapuã, o famoso Mel-Redondo :
Irac ema , figura lendária, era tabajara no enredo, mas o guer­
reiro branco, que surge no capítulo II e não é outro senão
Martim Soares Moreno, . aliou-se aos pitiguares contra os da
tribo da virgem . O romance faz alusão ainda a Jerônimo de
Albuquerque, embora de passagem . No final do capítulo
XX XI I, refere-se Alencar a uma das muitas versões que pre­
tendem explicar a origem do vocábulo Ceará: "canto da jan ­
daia " . É escusado repisar que esse livro é um dos mais popu­
lares de toda a literatura nacional, sendo já incontáveis suas
edições, sem falar nas suas traduções para vários idiomas,

53

'

com o o inglês, o francês e o espanhol . Muitas de sua s frases,


de tão repetidas, tomaram-se verdadeiros clichés, e os "ver­
des mares bravios" ficaram definitivamente retratando as
nossas praias : Manuel Bandeira, alud indo a essa vulgariza­
ção do sintagma, escreveu um soneto que, publicado orig ina ­
riamente num j ornal cearense em 1908, termina dize ndo :
I Olhando a vastidão magnífica do mar, 1 Que ressalta e reluz:
- "'Verdes mares bravios . . "1 Cita um sujeito que não leu,
.

nunca o Alencar! Também nem seria preciso aludir ao núme ­


ro imenso de pessoas com o nome de Iracema, por todo o
Brasil, o que igualmente j á foi observado . Ao contrário da
maioria dos romances românticos, incluindo alguns do pró..
prio Alencar, Iracema é um livro que conservou sua j uventu­
de, podendo ser hoje lido sem enfado, mais de um século
depois de ter aparecido pela vez primeira . Por sinal, em 1965,
ao completar precisamente 100 . anos da primeira edição, a
Universidade Federal do Ceará publicou uma edição de Irace­
ma com excelente estudo crítico de Braga Montenegro . Quan­
to à classificação da obra, que tem muito de poético e de ro­
manesco, é oportuna a transcrição de palavras de Machado
de Assis, referindo-se premonitoriamente ao livro de José de
Alencar : "Poema lhe chamamos a este, sem curar de sa·ber
se é antes uma lenda, se um romance : o futuro chamar-lhe­
-á obra-prima . "

JOAQUIM DE SOUSA

JOAQUIM Francisco DE SOUSA Nasceu em Fortale-


za, provavelmente no ano de 1855 , vindo a falecer no Rio de
Janeiro, em 6 de setembro de 187 6 (suicidou-se, lançando-se
de uma barca na Baía de Guanabara) . O jornal o Cearensc
de 4 de Ç>utubro de 187 3, noticiando-lhe a morte, informava
qu e "a idé ia sinistra d o suicídio j á ele acalentava no espírito
desde que partiu para a corte" . Trabalhou como tipógrafo em
jornais de Fortaleza, como esse mesmo O Cearense, e seu s ver­
sos aparecem desd� o ano de 187 2 . Encontramos alg un s de
se us poemas nos Ensaios Literários, de 18 74 , e n' A Brisa, de

54
I

1 875 . Mais copiosamente, porém, colaborou na Mocidade, de


1876, que ele mesmo fundou com Antônio Martins e Rodolpi­
ano Padilha . Não deixou livro .

À L UZ DE UMA ESTEARINA

Não me chores, por Deus! O meu destino


Rojou- me à pira ardente dos prazeres . . .
- Preciso do satânico-divino
Desses devassos beijos das mulheres;
Eu sei que vou morrer! . . . Lufada fria
Desnudou meu vergel de mocidade;
Queima-me o sangue a febre n'ardentia
Em ondas de fugaz lubricidade! . . .

Qual vulto temeroso, que perpassa


Entre as névoas de escura cerração,
Sozinho, aos ombros nus conchego a capa,
E mergulho na longa escuridão!

Vem, sombra peregrina e lagrimosa


Palpitante de pejo e de rec�io,
- Qual nuvem perfumada e vapo·rosa,
De manso adormecer sobre o meu seio! . . .
Oh vem! ninguém te escuta, a lua dorme,
No seu leito de arcanjo e prostituta . . .
Em longos beijos, Marion De.lorme . . .
- Pousemos do prazer a taça enxuta!

Olha, a brisa repousa no arvoredo,


O céu é todo crepe . . . Nem um círio!
Esse resto de vida que nos resta,
Oh! gastemos na taça do delírio!

Eu quero enodoar-te essa grinalda . . .


Acho um gozo satânico em perder-te!
- N ão se i se é ódio a febre qu e m e es ca ld a,
Esse jogo, que jaz-me enlouquecer-te!

55

Tu és ainda um raio de minh'alma
Que voga sobre o mar do céticismo;
Um traço do luar de noite calma
Resvalando dos céus, no meu abismo!

Espreita à luz mortiça da lanterna


O moço Don Juan, •
o libertirto ;
Dorme a sonhar na banca da taverna . . .
- Deixai, o condenado do destino!

É tarde, Marion, p'ra os devaneios . . .


É hora de gozar, que foge a vida . . .
Deixa beber aromas nos teus seios,
E busquemos nos céus a luz perdida!
- Caminheiro sem fé, que vaga insan.o,
Cavalgando o corcel do seu tormento,
Eu fui o meu senhor e meu tirano,
Morri . . . e não vivi um só momento! . . .

Não me chores, mulher, se a �morte acaso


Repousar-me no rosto o beijo amigo;
Na penumbra infeliz do meu ocaso,
Ainda eu viverei talvez contigo! . .

Lá sob o céu vermelho das procelas


Correm nuvens veloces, incendidas;
São nossas crenças, Marion; são elas,
P'ra o fundo dos abismos impelidas!
- Eu sinto me quebrarem fibra a fibra
A caçoula febril do coração,
E minh'alma;- que morre, já não vibra,
Senão cantos de fel e maldição!

O h morramos! . . . Sejamos assassin o s!


O peito, qu e g em eu de d or es ta la ,·
Em nossa tu m b a o corvo d o s d es ti n o s
R i- se , gargalha, tripudia e fa la ! . . .

56
I

Folhetins de Silvanus ( 18 91 ), p8esia satírica. Recentemente


foram lançados pela Casa de Juvenal Galeno, em primeira
edição, as Cantigas Populares e a Medicina Caseira (1969) .

O Vaqueiro

Ai, vida qu'eu levo por montes e vales,


Catingas e grotas se vou campear;
E após descansando, cercado dos filhos,
E junto à consorte nos gozos do lar!
A vida qu'eu levo,
Ouvi-me cantar.

De véstia e perneiras, chapé1l, guarda-peito,


De peles curtidas . . . que lindo trajar!
Com minha guiada, montando o ginete,
Que riacho fogoso, que sabe pular . . .
A vida qu'eu levo,
Ouvi- me cantar.

Eu vou-nze às campi12as, por e1ztre os mocanzbos.


Saltan do os barrancos, n.ão torço o correr!
Assim campeando 11ze1t gado visito,
Sor1·indo aos perigos sem n1tnca os temer!
A vida qu'e1t levo,
Ouvi-me dizer.

Assim ca1npeando . . . se encontro, se vejo,


A rês mais arisca de todo o sertão,
E1t boto o cavalo . . . fechada a carreira,
Veloz o ginete 1nal visa n.o cl7ão! . . .
Da vida qu'eu levo,
01lVi-me a canção .

Eu boto o cavalo . . . Q1le sente as esporas,


E assopra e se escancha nos rastos da rês . . .
Ardente . . . brioso . . . sedento de glórias . . .

29
Só! . . .

Brisas da tarde que fugis voando


Lá para o céu azul de meu país_·
Levai nas asas brancas, perfumadas,
Meu canto de proscrito . . . e de infeliz! . . .
Ide, tristes formosas companheiras
De minhas horas de febre e de ci smar;
Levai, das ilusões, as derradeiras.
E deponde-as na porta do meu lar .
\

Não foi meu coração que desvairou-se


No deserto perdido peregrino;
Foi a sina fatal que consumou-se . . ·.
- Eu nasci já maldito do destino/
Vozes sinistras percorreram lentas
A tela sep1tlcral do meu cenário . . .
Do fut1tro nas ondas lutulentas
Galgo o cimo feral do meu Calvário! . . .

Minh'alma quis pousar lá nas esferas,


E na sombra fatal adormeceu . . .
- Viajora da luz e das quimeras,
Nos bulcões da desgraça se perdeu .
Pobrezinha! . . . Um anelo amargurado,
Toda a seiva vital lhe consumiu . . .
O seu leito de amor foi pó gelado . . .

O fantasma da morte ali dormiu! . . .

Oh doces ilusões! sombras fagueiras,


Oh formosas visões da musa minha,
Dai-me um raio fugaz daquelas eras,
Dai-me um sonho sequer desses que eu tinha!
- Mas, ai ! meu coraçao Ja consumzu-se . . .
#fllllll • , •

E d'envolta nas cinzas do passado


Resvala tanto riso, que esvaiu-se,
Bóia muito sonhar idolatrado! . . .

57
Füho das sombras, no bulcão tateio,
E me sumo no pego carrancudo .
Que me i mporta o porvir? meu nome leio
No pórtico fatal, sombrio e mudo! . . .
Da larva fria da morada escura
Tenho a veste manchada, e as mãos já tintas;
E o arcanjo feral da desven tura
Vem-me ao seio acordar vozes extintas! . . .

Vinde espectros do mal, passai sorrindo,


Vinde loiras ·vestais, passai cantando!
- Eu resvalo na noite o céu é lindo,
- Eu mergulh o na sombra o mar é brando!
E quando o tempo, com seu cetro eterno,
O passado rojar, que tudo some,
Lá entre as brumas do tristonho inverno
Nem sequer passará meu pobre nome! . . .

À MINHA IRMA

Oh! mar! oh ! solidão, eu te saúdo;


No deserto soberbo em que tu rolas
o

Passa a asa sutil da branca garça


Como tênue vapor que se esvaece; •

Mas o verme brutal não vai rasteiro


Sobre o leitp do azul dormir impuro!
Alta noite, na tolda do navio,
Com os olhos fitos nos celestes lumes,
Ora plenos de luz ou desmaiados,
Luzes de festa ou círios de sepulcro,
Eu lemfrei-me de ti oh ! m in ha terra'

E foi teu meu suspiro amargurado!


Feliz quem sob o lar de sua infância
Dormiu sempre em risonha placidez.
Quem nunca viu no céu estrelas negras,
Os demónios da do! lançando crepe
Sobre os santos recessos de sua alma!

58

Por altos e baixos correndO por três!


A vida qu'eu levo,
Ouvi-me esta vez.

Então nas catingas, rompendo espinheiros,


Saltando os valados . . . Qual passa o tufão,
Que louca vertigem . . . que jogo no peito . ..
Té o céu desafio no meu campeão!
Da vida qu'eu levo, '.

OuVi-me a canção.

Que louca vertigem! Por entre mil troncos,


Fugindo aos embates .. . irado a gritar . . .

O qalho do mato de um pulo salvando . . .


Caindo na sela . . . sem nunca parar!


A vida qu'eu levo,
Ouvi- me cantar.

Por fim na carreira, se a rês derrubando,


É minha a vitória . . . que doce prazer!
Peada ou laçada . . . vencida a contemplo;
Quem tudo duvida . . . que venha isto ver!
A vida qu'eu levo,

Ouvi-me dizer.

Assim nestes campos campeio orgulhoso,


Por entre os perigos, qu� fero lidar!
Depois quase sempre ferido e rasgado,
A casa procuro . . . lá vou descansar.
A vida qu'eu levo,
Ouvi-me cantar.

A casa voltando . . . que doce carinho


Da meiga consorte do meu coração!
A história do campo lhe conto soberbo,
E ela me escuta .. . qu'extrema afeição!
Da vida qu'eu levo,
Ouvi-me a canção.


30


E ela me escuta . . . dizendo: ��que louco!
Feriu-se, rasgou-se Me queres matar!" . . •

Talvez lá consigo dizendo: 11que bravo!


Não há quem te vença . . . mas sei eu te amar!"
A vida qu'eu · levo,
Ouvi -me cantar.

E junto à morena, meu sonho, minh'alma,


Os filhos saltando, contentes a rir!
- "Papai, também quero correr lá no campo" . . .
- 1'Papai, a Mimosa queria fugi·r" . . .
A vida qu'eu. levo,
·

Ai, vinde-me ouvir.


Depois, descansando, me traz a consorte


O queijo . . . e a coalhada, que apraz-me cear; •

Depois, a seu lado na rede . . . ditoso,


Ou a onça matreira no ca�po a esperar.
A vida qu'eu levo,
Ouvi-me cantar. •
·

Assim esta vida! . ·. . Se .é tempo de inverno,


Bem cedo nós vamos o leite tirar,
E após o al'11Wço . . . que taça ela os queijos, •

Qu'eu saio a cavalo, qu'eu vou campear.


A vi(la qu'eu levo,
·

Ouvi-me COIJ1,tar..
. .

Se é tempo de seca, que longas fadigas,


A brindo as cacimbas pra o gado beber!
As ramas cortando, que a rês me suplica
Num berro mais triste que o triste gemer!
A vida qu'eu levo,

Ouvi-me dizer.

Porém que ventura no dia � ferra!


Marcando os bezerros que soube ganhar,

31

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Ai, pelos filhinhos reparto os melhores . . .
E o amo sorri-se . . . talvez a invejar!
A vida qu'eu levo,
Ouvi-me cantar.

Se é tempo das feiras . . . se levo a boiada,


Ai, quanta saudade, que prantos então!
Na volta . . . que mimos! Ao filho uma gaita,
A esposa uma saia com seu cabeção!
Da vida qu'eu levo,
Ouvi-me a canção.

Assim esta vida no ermo dos campos,


As lidas, os gozos do meu bem querer;
Aqui eu sou livre, não sinto cuidados,
Aqui tenho glórias, amor e prazer!
A vida qu'eu levo,
Deixai-me viver!

O Rapaz da Guia

Pobre rapaz da fazenda,


Nos campos do Ceará,
Foi-me sorte ser guieiro,
Oh, meu Deus, que sorte má!
M'escolheram por esperto,
Em susto contínuo vou . . .
Segui-me, gado formoso,
6 boiada é cou . .. é lO'U
. • • •

Vou cantando aqui 1ta frente


Deste gado, a caminhar,
Onde terei certa a morte
Quando a boiada arrancar;
Pois o gado sequioso,
Se uma fonte adivinhou,
Corre todo eu fico inorto;
Oh .' que stna.' . . . ecou . . . e lou . .
• A A

32
Oh ! que sina! No perigo
� meu dever a boiar;
Dão - m e sempre um bom ginete,
Em qu'eu me possa salvar .
Ai, qu'apenas me consola
Nesta vida em que estou,
Toadas de minha gaita . . .
ó Espaço . . . ê cou . . . ê lou . . .

Eu por isso sou humilde


E por isso canto assim . ..
Se a minha voz a boiada
Não escutar. . . ai de mim!
Mas, uma voz entoada·
Sempre a boiada escutou,•

Até mesmo a mocambeira


Vai direito ê cou . . . I Zou . • .:..

Quando o guieiro saudoso


Sa be seu canto dizer,
Marcha o gado reunido,
Como que chora a gemer!
Pois ele conhece o canto
Que terno choro molhou!
A ma a rês a voz saudosa . . .
E ia, avante . . . ê cou . . . ê Zou . . .

Mas, a catinga receio,



Que pode gado esconder;
E nas pontas dum novilho,
Tenho medo de morrer!
E contudo eu sou sozinho,
Minha mãe já se finou . . .
É minha jamilia o gado . . .
Eia avante . . . ê cou . . . ê lou. . .
'

33

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Minha vaca Noite - escura,


Nada, nada de parar!
Meu Surubim, meu "boi liso",
Cor de noite de luar;
Toca, toca para a feira,
A viagem não findou:
I
Adiante, ó Pintadinho,
6 Bargado . . ê cou . ê lou . . .
. . .

Cajueiro Pequenino

I •
Cajueiro pequenino,
Carregadinho de flor,
A sombra das tuas folh.as •

Venho cantar meu amor,


Acompanhado somente
Da brisa pelo rumor,
Cajueiro pequenino,
Carregadinho de flor.

Tu és um sonlto querido
De minha vida infantil,
Desde esse dia . . . n1e lembro . . .
Era uma aurora d'abril,
Por entre verdes ervinhas
Nasces te todo gentil,
Cajueiro pequenino,
Meu lindo sonho infantil.

Que prazer quando encontrei-te


Nascendo junto ao meu lar!
- Este é meu, este defendo,
Ninguém m'o venha arrancar! ·­

Bradei e logo cuidoso,


Contente fui te alimpar,
Cajueiro pequenino,
Meu companheiro do lar.

34

Cresceste . . . se eu te faltasse,
Que de ti seria, irmão?
Afogado nestes matos,
Morto d sede no verão . . .
Tu que foste sempre enfermo
Aq'lLi neste ingrato chão!
Cajueiro pequenino,
Que de ti seria, irmão?

Cresceste . . . crescemos ambos,


Nossa amizade também;
Eras tu o meu enlevo,
O meu afeto o teu bem;
Se tu sofrias . . . eu, triste,
Chorava como . . . ninguém!
Cajueiro pequenino,
Por mim sofrias também!

Quando em casa me batiam,


Contava-te o meu pen�ar;
Tu calado me escutavas,
Pois não podias falar;
Mas no teu semblante, amigo,
Mostravas grande pesar,
Cajueiro pequenino,
Nas horas do meu penar!

Após as dores . . . me vias


Brincando ledo e feliz
O tempo-será e outros
Brinquedos que eu tanto quis!
Depois cismado a teu lado
Em muitos versos que fiz . . .
Cajueiro pequenino,

Me vias brincar feliz!

35
'

REALISMO

Reação à subjetividade romântica, o Realismo iria (como



indica o seu nome) opor uma cos.movisão real à mundividên-


cia ideal do Romantismo. Na poesia, daria alguns quadros
pintados realisticamente, mas ainda sem a tortura formal do
Parnasianismo, Que constituirá corrente à parte. Na prosa,
-

daria autores voltados para os problemas biológicos, e chama-


dos simplesmente de realistas, assim como outros, preocupa­
dos mais com os casos patológicos, e chamados de naturalis­
tas . No Ceará, podemos dar como início mais ou menos re­
moto de Realismo a década de 80, em que aparece! o Clube
Literário, congregando escritores românticos ao lado de outros
que já seguem a nova tendência. Surgem os primeiros escri­ '

tos de Oliveira Paiva, para, logo mais, aparecerem romancis­


tas como Adolfo Caminha, Rodolfo Teófilo, Pápi Júnior e ou­
tros. Entre poetas de notas realistas e outros de feição inca­
racterística, oscilando entre Romantismo e prenúncios de Par-

nasianismo, destacam-se versejadores puramente simbolistas,


que serão estudados em seu devido lugar. Englobando Realis­ t
'

mo e Simbolismo, e.nquadra-se nessa época (na década de 90)


a famosa Padaria Espiritual, original agremiação que se tor­
nou conhecida em todo o P'aís .

O CLUBE LITE-RARIO

Floresceu no ano de 1886, fundado por João Lopes (ur.n


dos participantes da Acade:mia Francesa, como vimos) , 0 Clu­
be Literário, responsável pelo surgimento de alguns dos maio­
res nomes da literatura no Ceará .
É verdade! que dessa agremiação faziam parte alguns es­
critores já consagrados pela fama, como Juvenal Galeno, o pa­
triarca de nossa poesia ; Antônio Bezerra, Antônio Martins e
Justiniano de Serpa, os Poetas da Abolição; Virgílio Brígido,
autor dos Cantos do Amanhecer. Mas a grande maioria come­
çou a adestrar-se literariamente no Clube Literário, com.o Oli­
veira Paiva, que veremos adiante, como romancista realista;

90 l


I

Antônio Sales, mais tarde um dos maiores vultos das letras


cearenses; Rodolfo Teófilo, que havia composto versos român­

ticos na década anterior, mas haveria de firmar-se como ro­
mancista; Farias Brito, o maior filósofo brasileiro; José Car ­
los Júnior, prosador e poeta, que sobressairá mais tarde, na
Padaria Espiritual; Xavier de Castro, vindo também do Ro­
mantismo, e que logo mais brilhará com seus cromos, além
de vários outros.
O Clube Literário teve como órgão na imprensa a revista
A Quinzena, que circulou de janeiro de 1887 a junho de 1888,
perfazendo 30 números . Nesse periódico, que tinha c.omo re­
datores João Lopes, Antônio Martins, Abel Garcia, José de
Barcelos, José Olímpia, depois José Carlos Júnior, Oliveira Pai­
val Antônio Bezerra, Justiniano de Serpa, Paulino Nogueira e
Martinho Rodrigues, colaboravam, além dos nomes citados,
Farias Brito, Pápi Júnior, Ana Nogueira e Francisca Clotil­
de, Alvaro Martins, Juvenal Galeno e outros.
Ao lado de poemas românticos de Juvenal Galeno e das
narrativas, igualmente românticas, de José Carlos Júnior ou
Jane Davy (Francisca Clotilde)1 surgiam os contos cientificis­
tas de Rodolfo Teófilo; o Realismo despontava, porém, com
mais forca e arte através dos contos de Oliveira Paiva. 11

Isso, para não falar dos artigos críticos sobre Realismo:


A Quinze1la n.o 14, de 31 de julho de 1887, traz artigo em que
Abel Garcia se dirige a Francisca Clotilde, exortando-a a aban­
donar o Romantismo, "quando essa fase literária, transitó­
ria, que já passou, não pode ser hoje mantida sem perverti­
nlcnt o do bom gosto, da verdade e da emoção estética". Assi­
nados por Gil Bert, pseudônimo de Oliveira Paiva, surgem nos
números 1 e 2 (ano II) d' A Qui1lZe1la, respectivamente de 15
c 30 de janeiro de 1888, dois artigos sobre o Naturalismo, a

propóstio do êxito de O Honle1n, de Aluísio Azevedo; é louvado


o tigor da observação da nova escola que, "acatando a Ciên­
cia, subordinatldo-se de todo à Arte, elevou o trabalho, o bom
"
senso , etc. E1nbora considerando a nova corrente "uma plan­
ta rxótica" no Brasil, José Carlos Júnior, no número 6, de 16

91
de abril de 1888, não deixa de tecer elogios ao citado roman ­
ce de Aluisio Azevedo, augurando um caráter mais naciona­
lista ao nosso Naturalismo .

Acrescente-se que, ao lado das atividades j ornalísticas d'


A Quinzena, realizava o Clube Literário sessões noturnas, du­
rante as quais eram postas em discussão as mais recentes ten­
dências da literatura estrangeira ou nacional . Dessa forma,
o grêmio contribuiu admiravelmente para a renovação das
letras no Ceará: com o conhecimento do que se passava nos
grandes centros é oue os nossos escritores foram pouco a pou-
-

co aderindo à nova corrente, o Realismo . Dir- se-ia haver João


Lopes trazido da Academia Francesa o costume das leituras
críticas . . .

Mesmo poemas de intenções claramente satíricas, que


surgiram na época, mostram-nos hoj e como o Realismo ia
ganhando terreno entre nós .

É o caso, por exemplo, do soneto intitulado "Realista",


publicado no Libertador, em 12 de fevereiro de 1887, assinado
por Bruno .Jacy (pseudônimo de José Carlos Júnior) : trata-se
de composição que pretende de certa forma satirizar a nova
escola, não com ataques frontais a ela, mas parodiando seus
próprios recursos, como o que Machado de Assis certa vez cha­
mou de "estética de inventário", e que consistia na enume­
ração de vários fatos com intenções realísticas :

A casa é rebuliço, alarma, espalhafato;


Ali grita um moleque e vira uma cadeira,
Vêm as negr. as lamber o bule e a mantegueira,
Trepam no guarda-louça o cão e mais o gato .

Disputam na cozinha, e lá quebrou-se um prato!!


O menino mais novo arrasta-se à cocheira,
Um negro está a cantar, curtindo a bebedeira,
Na sala vêm entrando um galo, um porco , um pato

92

--- -

E salta e berra e come aquela multidão,


E trava pugilato, e g ritam as galinhas,
Conversa co'a mucama um súcia no portão .

E a filha na janela a receber cartinhas . . .


Tudo isso enquanto o pai 'stá na repartição
E a mãe foi conversar na casa das vizinhas.

Traduzindo bem o espírito da época, surgiu uma poesia


que, pelo modo objetivo de reproduzir a realidade, não mais
deve ser considerada romântica mas, por outro lado, ainda
está longe do Parnasianismo , que no Ceará só viria aparecer
rigorosamente no início do século XX . Exemplo de poesia rea-
lista são os cromos de X . de Castro .

X . DE CASTRO

Augusto Xavier DE CASTRO Nasceu em Fortaleza, no


dia 30 de janeiro de 1858, vindo a falecer na mesma cidade,
em 30 de abril de 1895 . Compôs versos românticos desde a dé­
cada de 70, constando que alguns de seus poemas teriam sido
musicados . Sua feição definitiva e mais importante é, porém,
a dos cromos que, provavelmente sob influência de B. Lopes,
escreveu a partir da década de 80 . �ertenceria à Padaria Es­
piritual, que lhe editaria postumamente seu único livro,
Cromos ( 1895) , cuja edição se esgotou rapidamente .

RESIGNADA

A casa tem a feitura


D'uma cegonha cansada,
D'asas abertas, tostada,
Do sol ao bafo, à quentura!

93

Numa escora se segura


Velha a frente esburacada;
Do mar a vaga anilada
Perto, bem perto murmura!

É de tarde O sol é posto .


.

Maria , voltando o rosto


P'ras ondas sempre em jragor, -

- Espera, à porta sentada,


Que volte a alegre jangada
Do marido, o pescador.

II

DISTRAIDA

Numa esteirinha sentada


B ranca a velha, no terreiro,
Toca um chorado faceiro
Nos bilros d'alva almofada .

Não falta mais quase nada


P'ra levantar todo inteiro
O papelão, que é o primeiro
D'uma renda encomen dada .

Leva os oc'los à cabeça;


E, como deles se esqueça,
Diz: Meu Deus! Inda mais esta!
.l
Perdi meus oc'los! Chi quinha,
Procura-os aqui . . . Dindin ha,
Seus oc'los estão na testa! . . .

94 '


III

EM PORANGABA


Pára o trent. Da vilazinha
Verde, risonha, engraçada,
Vem para a beira da estrada
. Toda a gente, ali vizinha.

Começa na férrea linha


Por gritar a meninada:
- E olha a castanha assada
É nova, é boa, é fresquinha!

- Dé cá, diz um passageiro


E en quanto puxa o dinheiro
Parte o trem já da Estação ...
.

Corre, e o menino aturdido


Grita e brada enraivecido:
- Paga as castanhas, ladrão!

XXI

AGUA CEIRO

Cai a chuva. Em casa tudo


Revela grande alegria,
Menos o velho, que chia .
Com seu reumatismo agudo.

De semblante carrancudo
Põe-se a velha em gritaria,
Dizendo: Corre, Maria! ...
Oh! Que pé-d'água barbudo!
'

• 95

- -
----- --- --
. -----
-- ---- - ------
---
------- - ---
Corre, negra/ Anda, ronceiral
B ota a jarra na goteira,
Tira da chuva o pilão! . ..

- Oral . . . A gente assim molhada! ...


- Tira essa roupa, lesada!
.
Ftca s o de ca beçao....
I -
,

XXIII •

CONTRA TADOS

. a
Ela agora foi pedid
Para em agosto casar-se,
E desde logo pagar-se
Terna promessa devida .

A o vê-la já prometida
Vai o n oivo retirar-se .. .
Mas de.la ao aproximar-se
Sente-a triste . . . comovida! . ..

Diz-lhe então: Tens pena, filha,


De abandonar a família? .. .
Responde ela com ardil:

Ah! meu Deus, jazei-me um gosto. . .


Permiti que o mês de agosto
Caia este ano em abril...
(X. de ·Castro. Cromos. Fortaleza, Padaria Espiritual Edi­
tora, Tipo. Universal, 1 895, pp. 1, 2, 12, 21, 22, 23.)
'

Estes cromos de X . de Castro situam-se perfeitamente


dentro daquela tendência que Péricles Eugênio da Silva Ra­
mos chamou de Realismo Agreste, e que, tendo como princi­
pal representante no Brasil o poeta B . Lopes, teve sua origem
na "influência de Gonçalves Crespo, conjugada a certa linha

96
ingenuamente campesina de alguns de nossos românticos" .
12 X . de Castro explora quase sempre os aspectos anedóticos,
mas o que ressalta acima de tudo é a nota regionalista : tanto
as cenas como a linguagem são puramente cearenses. O cro­
mo de n.0 I é descritivo, constituindo como que um flash da
vida praieira . O de n.o II, que sofreu ligeiras alterações depois
de estampado n' O Pão de 1.o de janeiro de 1895 (no v . s.o es­
tava ruja, em vez de toca) , pode retratar uma cena de subúr­
bio, tendo como protagonista uma rendeira, figura tipicamen­
te nossa; a síncope em óculos deve ser menos reminiscência ro­
mântica do que tentativa de "cor local", uma vez que é essa
(oc'los) a pronúncia corrente entre a gente simples do Cea­
rá . O de n.0 XII focaliza a então vila de Porangaba , explo­
rando um incidente algo jocoso, onde está presente um dos
produtos da terra, a castanha de caj u . O de n.o XXI mostra -
nos, com muita graça, o alvoroço e a alegria que as chuvas
causam em nossa terra : veja-se a ânsia de aproveitar a água
pluvial, límpida e leve ; note-se ainda o emprego de um termo
bem nosso, o vocábulo lesada, com o sentido de "amalucada,
boba" . O cromo n.o XXIII é o mais divulgado, sendo tam­
bém, a nosso ver, o mais interessante e mais feliz : na rima
filhalfamília vemos ainda uma aproximação do linguajar do
povo, que palataliza o L antes dos ditongos crescentes; mas,
quando não fosse essa a razão, o poeta teria precedentes ilus­
tres, como Castro Alves (com espalha I Itália, em "O Derra­
deiro Amor de Byron") , ou Casimiro de Abreu (com exílio I fi­
lho, na "Canção do Exílio") , sem falar de poetas que vieram
depois, e que deveriam ser mais exigentes, como Humberto de
Campos (com Itália 1 espalha, em "Poeira") . Esse cromo é
uma autêntica anedota, sendo imprevista a resposta final da
noiva . Outros poetas, mais ou menos por essa época, pratica­
ram 0 cromo no Ceará, e entre eles podemos citar os nomes
de Antônio Sales e de José Carvalho, para não aludir a inúme­
ros que se ocultavam sob criptônimos. X. de Castro, porém, fez
do gênero como que sua especialidade, cultivando desde os
tempos do Libertador.

97
Do Realismo na poesia baste o exemplo de X. de Castro
e seus cromos . Algo numerosa é a lista dos ficcioni stas da
corrente, dos quais escolhemos os mais representativos. Pre ­
nunciando-se nos contos que Oliveira Paiva publicou n' A
Quinzena, o Realismo vai consolidar-se com a publicação de
A Fome� de Rodolfo Teófilo, e se prolongará até quase aos
nossos dias, razão por que avançamos até épocas recentes,
uma vez que não poderíamos deixar de contemplar as figu-
ras de Gustavo Barroso e de Herman Lima, que rigidamente
não cabem noutra corrente.

RODOLFO TEóFILO

RODOLFO Marcos TEóFILO Nasceu na Bahla, em 6


de maio de 1853, e faleceu em Fortaleza, no dia 2 de j ulho
. de 1932. Aqui passou quase toda a sua vida· e exerceu ati ­
vidades de escritor e cientista, merecendo por isso ser consi­
d.erado cearense, como era seu desej o. Orfão ainda criança,
foi amparado pelo Barão de Aratanha, que o matriculou no
Ateneu Cearense; abandonou porém os estudos para labutar
no comércio- . Depois de conseguir estudar no Recife, chegou
a matricular-se na Faculdade de Medicina da Bahia , de onde
regressaria não como médico, mas como farmacêutico . São
memorãveis as campanhas que empreendeu contra diversas
doenças, principalmente a varíola, que grassava ao tempo das
secas. Como romancista, publicou : A Fome (1890 2.a ed. ,
1922), Os Brilhantes (1895 2.a ed., 1906 3.a, 1972) , Maria
Rita (1897) , Violação (1899) , e O Paroara (1899) , cuja 2.a
edição é prefaciada por Otacílio Colares (1974) , além de Reino
de Kiato (1922) . É vasta sua bibliografia noutros setores, des­
tacando-se vários livros sobre as secas, dos quais o primeiro
foi a História da Seca no Ceará (1884) ; obras científicas, como
a Monografia da Mucunã (1888) , as Ciências Naturais em
Contos (1889) ou a Botânica Elementar (1890) . Fez sátira po­
lítica nas Memórias de um Engrossador (1912) , e relatou fatos
que presenciou, em Libertação do Ceará (1914) e A Sedição de
Juazeiro (1922) ; reuniu seu versos da mocidade em Telesias e

98
Li ra Rústica (1913) ; de contos, escreveu O Conduru (1910) e
de cr ônica ou memorialismo, Cenas e Tipos ( 191 9) e Coberta
de Ta cos (1931) , sendo ainda digno de nota o livro de polê­
mica O s Meus Zoilos (1924) . Aqui, interessa-nos o roman­
cista.

A FOME

Uma família sertaneja (Freitas, Josefa, a filha Carolina


e 3 crianças), fugindo à seca, busca a Capital; Inácio, primo
de Freitas, encarregado de vender aqui os últimos escravos e
jóias, tudo perde, chegando a vender a liberta Filipa e sua
filha: Filípa enlouquece. Freitas, após ver toda sorte de mi­
sérias, chega a um abarracamento do Governo, onde o co-
missário tenta seduzir sua filha. Esta resiste e termina ca­
sando com Edmundo, amigo de Freitas, ao passo que o co­
lnissário morre de maneira trágica. Inácio, para redimir-se,
compra a filha de Filipa que, recolhida pelos antigos amos,
recobra a razão ao rever a filha.
Começando o trabalho, depois de tomada a primeira e
única refeição d'aquele dia, Freitas, ansioso de explorar aque­
les sítios e desejoso de carne, saiu da várzea fora com o ma­
chado ao ombro e terçado à cinta. Seguia rumo de leste.
A terra era nua . As malvas. os marmeleiros, as sensitivas
tinham morrido, e o vento derrubado os seus esqueletos. Nem
uma habitação, um rancho d'aquele lado! Entrou no extremo
da várzea para a mata e começou a ouvir muito ao longe
o ladrar de um cão. Tomou o rumo e seguiu por uma vereda.

o caminho morreu no pátio da vivenda, que de telhas, caiada,


com porta e janela para o nascente, era a habitação da famí­
lia e ao mesmo tempo um pequeno estabelecimento rural.
Nos outões saíam duas asas, dois grandes alpendres, ocupa­
dos um pelos toscos maquinismos de madeira do fabrico da
farinha de mandioca e o outro por uma engenhoca também
de pau e mais pertences destinados ao fazimento de rapaduras.
Ao lado do sul, um curral de pau a pique, com a porteira
fechada, e pousado em um dos mourões, jejuava um grande

99
carcará olhando o sitio onde outrora viveu luzido gado. Frei­
tas andou às pedradas com o rapina, a fim de matá-lo. A ave
alou-se muito alto e se pôs livre das pedras . A janela da
casa estava aberta, e a porta fechada deixava ver riscos a
carvão formando inúmeras e diversas figuras . A primeira vista
parecia uma página de hieróglifos. Aproximando·-se, via-se que
eram desenhos de marcas de tamanho e formas diferentes não
só das fazendas da vizinhança como das mais distantes, cujos
vaqueiros na pista de animais perdidos deixavam os ferros
ali desenhados, a fim de não se apagarem da memória .

Manoel de Freitas, chegando à j anela, se debruça no


peitoril e diz para dentro :

- ó de casa!

O eco de suas palavras repercutiu nos escuros aposentos,


e foi respondido pelo ladrar do cão. Freitas notou que de
quando e,m quando um ruído semelhante ao vôo de aves se
fazia ouvir . Não se conteve e pulou a janela, mas antes de
chegar ao corredor o cã o saiu-lhe ao encontro. Foi difícil
defender-se sem o auxílio do terçado. O animal, levemente fe­
rido, cedeu o caminho à sala de jantar. Antes de entrar n'ela,
Freitas começou a sentir um cheiro insuportável de car­
niça. A atmosfera parecia podre. Havia pouca luz. Aberta a
porta renovou-se o ar e fez-se claridade. Os raios do sol ba -
teram em cheio no pavimento e um espetáculo horrível viu
o fazendeiro. Apodrecia ali o cadáver de um homem, cujo
rosto já estava medonho pela decomposição . A pele cianótica
se estilhava na putrefação, que fazia a cara disforme e hor ­
ripilante. A fisionomia mais hórrida tornava o nariz que, di-
luído em uma amálgama de pus e vermes, caíra sobre a boca,
já sem lábios, e não cobria mais os dentes alvos e sãos. Os
olhos arregalados a saltar das órbitas, n'um olhar de morto
sem luz e consciência, pareciam fitar -se no fazendeiro. O
cadáver estava vestido de camisa e calça de algodão. O hú.bito,
entretanto, na altura do ventre estava rasgado, ra sgad o tam­
bém estava o abdômen pelo cão, a cevar-se nos intestinos e

100
vísceras do morto. O terreno onde descansava o corpo estava
revolvido.

Manoel de Freitas aproxima-se mais da carniça para me­


lhor observá -la, quando o cão, vendo-o junto do repasto, ata­
ca-o de novo. O animal vinha furioso. Para se livrar, o fa-

zendeiro mata-o a golpes de machado. Parecia-lhe que o morto


não era uma vítima da fome. Quase putrefato, se percebia
assim mesmo gordura nos tecidos, gordura que a fo�e teria
gasto antes de matá-lo. Examinava o cadáver com interesse,
quando notou sinais de um crime: um suicídio por estrangu­
lamento. O pescoço do defundo ainda apertava 0 mortífero
laço .

Prescindindo de mais conjecturas, Freitas voltava à sala


pelo corredor quando ao passar pela porta de um quarto foi
vivamente impressionado por um ruído de vóo que vinha de
dentro. Parou, íorçou a porta e entrou no escuro aposento.
Uma nuvem de morcegos pairava no ar. Freitas vai às apal­
padelas à porta fronteira guiado pelas estreitas frestas aber­
tas entre as tábuas e por onde a luz se coava. Aberta a porta,
entra a luz em feixes e os morcegos deslumbrados esvoaçam
doudamente . A um canto estava uma rede armada, que os­
cilava brandarnente como impelida pelos movimentos respira­
tórios de animal. O fazendeiro se aproxima e vê viva uma
massa preta a mover-se, olha com mais atenção e vê que cen­
tenas de morcegos se enovelam ali grunhindo. Observa aten­
tamente e com surpresa divulga encravados na pretidão da
nuvem dois pontos azuis aureolados de branco. Eram olhos, e
olhos humanos . Aproxima-se mais e tocando o pêlo dos ani­
mais procura enxotá-los. Poucos foram os que voaram deixan-­
do o repasto. Rarefeito o véu negro percebe o fazendeiro as
formas de um corpo de criança. Os morcegos agarrados su-
gavam o sangue, embora de cheios já não pudessem voar .

Freitas toma a criança nos braços com uma piedade pa­


ternal. Alguns dos bichos soltaram o corpo e pesados de san­
gue arrastavam-se no chão. Outros mais gulosos não viam o
fazendeiro, que tomava a indiferença deles pelo mais requin-

101
!
tado atrevimento. Pagariam com a vida os ins tintos carn1- •

ceiros e a audácia.

Manoel de Freitas arrancava um a um e ia-os estrangu-


lando entre os dedos. O animal, obrigado a despregar-se da
vítima. raivoso rilhava os dentes mas era logo esmagad o: o
corpo sem forma era atirado para longe, enquanto debaix o da •

rede ficava uma poça de sangue. o último se enchia, indi ­


ferente à matança dos companheiros, agarrado ao lábio in­
ferior da menina. Freitas segura-o, mas ele resiste agarran­
do-se mais à carne, que chupava. O fazendeiro emprega mais
força, aperta-o a ponto de quebrar-lhe todos os ossos, do san­
gue esguichar por todos os poros, mas o quiróptero nas con­
vulsões da morte cravou anda mais os dentes no lábio da
criança. Freitas procura arrancá - lo e o cadáver cede, porém
trazendo quase todo o beiço da menina.

Mortos. e em fuga todos os morcegos, o fazendeiro per


gunta a si mesmo que socorro há de prestar àquela criatu-
rinha. Uma só ferida cobria-lhe o corpo . Já se lhe ouve a
agon ia. O velho com toda a piedade assiste à morte da criança
que se anuncia pela frialdade da pele, pelas últimas contra­ •

ções dos músculos. A vida cessa n'um suspiro, que os lábios


entreabertos deixam passar.

Freitas estava comovido. A frieza do cadáver chegava-lhe


às carnes, impressionando-o desagradavelmente. Compadecido,


olha ainda uma vez para a criança, deitando-a na rede, vol­
tou ao rancho.

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

Manoel de Freitas chegava na pior quadra. No dia que


sucedeu ao seu alojamento, logo pela manhã saiu a conhecer
a capital da província. Tinha um desejo veemente de vê-la,
de admirá-la! A Fortaleza é uma cidade nova, reedificada •


sobre as ruínas de uma casaria de palhas e de taipas de­ •

pois da seca de 184 5 .

Situada na costa, muito perto do mar, em um terreno


plano, teria todas as vantagens das povoações marítimas se

102
. --

fosse servida por um bom porto. Entretanto, o seu comércio se


alarga todos os anos e a área edificaãa aumenta sempre.

Era a primeira vez que Freitas a via. Deixou os tabu­


leiros da Jacareca.nga, aquele areal branco e estéril, cuja mo­
bilidade tanto dificulta a locomoção, coberto apenas em al­
guns pontos de uma vegetação raquítica, mas enfolhada, e
entrou pela rua do Senador Pompeu, chamada outrora rua
Amélia. O fazendeiro ficou admirado da regularidade da edi­
ficação. Duas filas de casas com a 1naioria das frentes pin­
tadas de amarelo, com saliente comija branca, parapeito tam­
bém emoldurado de alvos relevos, e do qual saíam cabeças de
serpentes, de jacarés, de dragões, feitas de zinco e destinadas
a esgotar os telhados durante as chuvas, perfilavam-se na ex­

tensão de quase um quilômetro, guardando de uma para outra


a distância de vinte metros. As fachadas das casas todas obe­
deciam ao mesmo plano e à mesma simetria monótona.

D'elas se destacavam portas e janelas, aquelas tendo ró­


tulas e estas vidraças na metade superior do vão e rótulas
na metade inferior, mas todas pintadas de verde. De muitas
portadas os postigos se abriam para fora, embaraçando estu­
pidamente o trânsito público, ou saindo de encontro inespe­
radamente à cara do transeunte, impelido
· pelo morador que
abria de súbito a portinhola da rótula.

A rua calçada de seixos, com o dorso convexo, descia até


às coxias, onde formava uma depressão, subindo depois até
encontrar o cordão da calçada. Os passeios das casas, todos
da mesma largura, tinham os bordos extremos orlados pelos
combust{)res de gás de iluminação, colunas de ferro pintadas
de alcatrão. de vinte em vinte metros de distância, terminadas.
por um a manga oval, inteiriça, de bom vidro e coberta por
um capacete de metal pintado de verde. Essas filas de postes
pretos lembravam à noite o desfilar de um enterro.

As dez ruas todas do mesmo comprimento e largura, cal­


çadas e co rta da s em re tâ ng ul os , formando quarteirões de ce m
metros quadrados, eram pelo plano de disposição convenien­
témente ventiladas e quanto possível alumiadas pelo sol. Mais

103
'

de dez praças, grandes, arborizadas de castanheiros e mon ..


gubeiras, embelezavam a cidade concorrendo assim para a
salubridade do clima, até então, um dos melhores do Império.

Da linha superior da fachada das casas elevavam-se al­


guns sobrados, quase todos de um só andar e de recente edi­
ficação, pois os antigos proprietários acreditavam que o ter­
reno da Fortaleza, por sua natureza arenosa, não se pres­
tava a este gênero de construção.

Poucos templos e todos construídos ainda no estilo da


antiga arquitetura portuguesa, viam-se com seus pares de
campanários terminados em cata-ventos de ferro, mas imó­
veis em pleno espaço. Alguns edifícios públicos isolados, como
a assembléia provincial, o palácio do governo, o seminário
episcopal, o tesouro provincial, a biblioteca pública, a escola
normal, mas todos ressentindo-se mais ou menos da falta
�e estética. Entre os edifícios, é o da estação central da es­
trada de ferro de Baturité o que estava mais no caso de sa­
tisfazer a todas as exigências dos preceitos arquitetônicos,
pois foi construído por profissionais; este mesmo tinha graves
defeitos percebíveis logo à primeira vista.

(Rodolfo Teófilo. A Fome. Rio de Janeiro, Imprensa In­


glesa. 2.a ed., 1922, pp. 55-9 ; 160-2.)

Logo pelo enredo, que ligeiramente esboçamos, vê-se que


muito há de romântico n'A Fome (quem ler o capítulo da
morte do comissário Arruda, verá que não é tão realista a
dramaticidade da cena). Seu lugar, todavia, é dentro do Rea­
lismo, ou melhor, do Naturalismo, não só pela verdade que •

ressuma das descrições, de modo geral, como pela exacerba­


ção de minúcias repelentes (há um trecho em que descreve
detalhadamente um ataque epiléptico). Os dois excertos trans­
critos, extraídos de capítulos diferentes (o VI da 1.8 parte e
o 1 da 3 . a parte) , mostram-nos essas duas facetas e permi­
tem-nos verificar a falta dos atavios verdadeiramente lite­
rários. No primeiro, temos a crua descrição de uma cena tal­
vez presenciada pelo próprio escritor que, à maneira natura -

104
.. .. 'i!
....., ...
.
-
- ..

lista. não evita chocar o leitor; pelo contrário, prima em des­


crever os mínimos passos da tragédia. Note-se a lingua­
gem cientifica que surge exageradamente, mas que é típica
da escola e da época ("pele cianótica", "gordura dos tecidos,"
"quiróptero," etc.) . Rodolfo Teófilo, cientista que era, encon­
trou no Naturalismo campo para expandir seus conhecimentos
da matéria, (Sua novela Violação pretende estudar cientifi­
camente um caso· de necrofilia.) mas, chegando ao exagero,
mereceu várias críticas, inclusive de José Veríssimo que, fa­
lando d' Os B rilhantes, observou: "Cometendo um grave erro
de ofício, o autor, como já notei, multiplica a terminologia
da técnica médica e fisiológica.'' 1a No segt1ndo· trecho re-
produzido, a pretexto de narrar a chegada de Freitas a For­
taleza (que grafa s.empre precedida de artigo, como era cos-
tume da época), faz minuciosa descrição da cidade, não per­
dendo as menores particularidades: as cornijas das casas,
os parapeitos, os jacarés de zinco para escoamento das águas
pluviais, os postes de iluminação a gás, com todos os seus
apetrechos, a arquitetura dos templos e dos edifícios, a razão
de não haver prédios altos na Capital, enfim, até o fato de
as janelas abrirem para fora atravancando a passagem do
povo! Trata-se de uma descrição purame!nte realista, fruto
daquela "estética de inventário" de que falava Machado de
Assis; pode faltar-lhe certa elegância literária, com o que
chega às vezes a lembrar um relatório, mas é cheia de rea­
lismo; sente-se que o autor viu a cidade na época em que
se passam as cenas do romance, descrevendo-a com admirá-
vel precisão. Considerado o romance inicial da chamada "lite­
ratura das secas" por Tristão de Ataíde, tem sido enquadrado
na corrente sertanista; grande parte de seu enredo, porém,
se passa na Capital, logrando assim o escritor mostrar-nos,
num só livro, o flagelo de 1877 no interior e dentro das ci-
dades, nã o dei xa nd o de faz er alguma critica político-social.

Todos são unânimes em lhe reconhecer a fragilidade do es-


tilo: ma s nin gu ém nega o imenso valor documental de tod a

a su a ob ra , qu e transpira verdade e vida.


105
OLIVEIRA PAIVA

Manoel de OLIVEIRA PAIVA Nasceu em Fortaleza,


no dia 2 de julho de 1861, vindo a falecer na mesma cidade,
em 29 de setembro de 1892 . Cursou o Seminário do Crato,
abandonando-o para seguir a carreira militar no Rio de Ja­
neiro, voltando porém ao Ceará, com um início de tuberculose.
Colaborou ativamente no Libertador, fazendo parte da cam­
panha abolicionista, chegando a publicar dois poemetos contra
a escravidão, Zabelinha ou a Tacha Maldita (1883) e Vinte e
Cinco de Março de 1884. Como vimos, foi figura destacada do
Clube Literário, publicando seus contos realistas n' A Quin­
zena. Em folhetins do Libertador foi publicado seu romance
A A filhadfl, em 1889 (editado em livro em 1961). Sua obra
principal é o romance Dona Guidinha do Poço, que escrito
n o sertão ficaria inédito por muitos anos: com a morte do
autor, os originais passaram para as mãos de Antônio Sales,
que os confia a Lopes Filho; este perde-os no Rio de Janeiro;
outra cópia é levada para o Sul pelo próprio Sales, que o apre­
senta a José Veríssimo. O crítico começa a publicar seus ca-
pítulos na sua Revista Brasileira a qual, quatro números de­
pois, deixa de circular. Antônio Sales entrega os originais a
Américo Facó; meio século depois, Lúcia Miguel Pereira con­
segue encontrá-los nas mãos de Facó, após buscas intensas, e
faz com que se publique o romance, exatamente sessenta anos
após a morte de Oliveira Paiva, ou seja, em 1952. Usava os
pseudônimos de Gil e Gil Bert. Em 1976, organizados por
Braga Montenegro e com introdução de Sânzio de Azevedo,
saíam, publicados por iniciativa da Academia Cearense de
Letras, Contos, do autor de A Afilhada.

Dona Guidinha do Poço

A ação se passa no sertão cearense: Margarida (D. Gui­


dinha), proprietária da fazenda "Poço da Moita," mulher
enérgica e voluntariosa, ·é casada com o major Joaquim Da­
mião, "uma boa alma." Durante a · seca. acolhe Damião um

10.6
velho amigo e conterrâneo, o Silveira. É também acolhido
o Secundino, sobrinho do major, moço bem-apessoado, que
foge, acusado de crime em Pernambuco . Guidinha apaixo­
na-se pelo rapaz, e de tal forma se desenvolve a paixã o que

todos percebem; após uma discussão, Secundino é expulso de


casa pelo tio. Por fim, mancomunada com o amante e com
aquele Silveira, Guidinha manda matar o marido. Vai presa
e, na cadeia, tem ainda a tristeza de saber da prisão de Se-
cundino . Todo o enredo desse romance é baseado na vida
real, como demonstrou o historiador Ismael Pordeus. ts
Trata-se de um crime ocorrido em Quixeramobim, que teve
como protagonista Marica Lessa, seu marido, cel . Domingos
d'Abreu e Vasconcelos; Secundino chamou-se, na realidade,
Senhorinha Pereira. Tal crime ocorreu em 1853 .

De primeiro havia na ribeira do Curimataú, afluente do


Jaguaribe, uma fazenda chamada Poço da Moita . Situada
no século passado pelo português Reginaldo Venceslau de Oli­

veira, passou a filhos e netos. Se não fora o desgraçado acon­


. sta narrative.,
tecimento que �erve de assunto principal de
ainda hoje estaria de pé com ferro e sinal.

A margem esquerda do impetuoso escoadouro hibernino,


a casa grande amostrava-se num alto, de onde se enxergava
grande distância em derredor, principalmente pela seca . Du-
rante o inverno, a superabundância de folhagem restringia
sensivelmente o campo de visão . Para leste via-se uma série
de colinas que faziam o sol aparecer mais tarde . Divulgava-se
para o sul, que era o lado da frente, 11m pico� azul, o serrote
da Meruanha; e para o ocaso, bem no horizonte, mais uns
três ou quatro dentes das serras do Batista e do Papagaio,
que abriam um boqueirão ao rio Curimataú.


Poço da Moita por último passara para Margarida, a
primeira neta do Reginaldo, filha do Capitão-Mar, casada com
o Major Joaquim Damião de Barros, um homenzarrão alto

107
e grosso, natural de Pernambuco uma boa alma. Viera ao
Cearã à compra de cavalos, e por cá se ficou amarrado aos
amores e aos possuídos da muito conhecida Guidin·ha elo
Poço. Tinha o preto-do-olho amarelo, com a menina esver­
deada, semelhando um tapuru.

Não seja para admirar a seqüência, logo ali assim, de


dois postos militares, capitão-mor e major. Mais virão. E
quase tanto� sejam os homens de gravata, que este acanhado
verbo por aq�i vá pondo de pé, quantas as patentes. Era an­
tigo vezo. Não que militares fossem de índole, nem de pro­
sápia: alguns o foram de crueldade. Todavia, desculpe-se-lhes
a fonfança pela tendência natural que temos todos nós de
nos enfileirarmos aí numa qualquer ordem, que distinga. E
eles, os matutas, coitados, não sobressaíam pela profissão nem
pela cultura.

Outro motivo para explicar o alto preço com que encare­


ciam os barateados títulos, outorgados pela munificência ad ­
ministrativa, seria a persistência dos costumes portugueses
onde tudo que descia dei-rei era como se de Deus viera . A
consciência republicana não se adunara ainda com aquela
vida rural, em pleno ar, sob um céu ardente e oco, em uma
natureza incerta, que arrasta o homem a precisar de uma
Providência divina e de outra humana, e o impele noite e
dia para o amor, esse ócio, em incessante desequilíbrio com
as outras necessidades. Daí, numa tendência monoteísta e mo­
nárquica, Deus e o vigário, o rei e o presidente .
.

Margarida, isto é, Guidinha, apesar de sua princesía, não


casou tão cedo como era d·e supor . Parece que prim�iro quis
desfrutar a vidoca. Seu pai, o segundo Venceslau, capitão­
-mar da vila, possuía larga fortuna em gados, terras, ouro,
escravos . .. Fora um rico e um mandão.
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

II

Estava-se em fevereiro, e nem um pingo de água. O poço


da Catingueira, o mais onça d'a ribeira do Banabuiú, que em

108
I
1825 não pOde esturricar, sumia-se quase na rocha, entre as
enormes oiticicas de um lado, e do outro o saib
ro do rio. Era
um trabalhão para os pobres vaqueiros: aqui, alevantar uma
rês calda; ali, fazer sentinela nas aguadas a fim de proteger
o gado amofinado contra a crueldade do mais forte; e, todos
os dias que dava Nosso Senhor, cortar rama. E ainda tinha
de percorrer constantemente as veredas e batidas para acudir
prontamente à rês inanida de fome e de sede, perseguir os
porcos, que algum desalmado vizinho teiraava em criar, per­
segui-los à bala, porque o torpe cabeça-baixa empestava os
bebedouros .

Era preciso o vaqueiro da Guidinha tornar-se ubíquo, para


o que ocupava os seus filhos e alguns escravos do amo. O boi
com a vista do homem parecia reanimar como se tivera cons ­
ciência de que ambos padeciam sob a indiferença do mesmo
ceu .
,

E estão, só ali, no espaço de três léguas, cinco fazendas.


Ajuntem a isto as retiradas, que procedem do sertão do Ca­
rindé, do Quixadá, e de tantos outros, e vejam se é possível
em tão pouca terra, com tão pouca rama e pouca água, ter
o bastante para tanta boca.

Além da sequidão, o mal, desenvolvido na bebida infeccio­


nada pelos amaldiçoados paquidermes e pelo contágio doentio
da rês viajada . Só o major Quinquim. Damião do Poço da
Moita perdera, até ali, cinqüenta vacas amojadas, isso apesar
dos vaqueiros passarem todo o dia a tratar do gado. Quanto
mais não perdiam os outros que não se apuravam tanto?

Fizeram-se todos os remédios para chover. O vigário da


fre gu esi a, cu ja sed e ficava a três léguas e um quarto, alén1
das preces que a Santa Madre Igreja aconselha, consentiu
I
que o po vo , em pr oc iss ão , m ud asse a imag em de Sa nto An ­

tônio da mat riz pa ra a ca pe la de No ss a Se nh ora do Ro sá rio ,

que er a o m elh or je ito a da r pa ra De us No ss o Se nh or en sopa r

a terra com água do cé u . Todavia, apesar de as seis pe dr i­


nhas de sal, da noite de Santa Luzia, l3 de dezembro, terem

109

marcado inverno para fevereiro, 0 dito céu permanecia im­


placável .

Entrou março, novenas de São José.


O calor subira despropositadamente. A roupa vinha da
lavadeira grudada do sabão . A gente bebia água de todas as
cores; era antes uma mistura de não sei que sais ou não sei
de quê. O vento era quente como a rocha nua dos serrotes .
A paisagem tinha um aspecto de pêlo de leão, no confuso da
galharia despida e empoeirada, a perder de vista sobre as
ondulações ásperas de um chão negro de detritos vegetais
tostados pela morte e pelo ardor da atmosfera. As serras le­
vantavam-se abruptamente, sem as doces transições dos con­
tra.fortes afofados de verdura.

Serrotas pareciam umas cabeças de negro peladas de


· caspa. Ao meio-dia a cigarra vinha aumentar a impressão ar­
dente. Os bandos de periquitos e maracanãs atravessavam o ar,
em busca do verde, espalhando uma gritaria desoladora, sem
um acento de úmida harmonia, sem uma doce combinação
melódica, no ritmo seco, árido, torrefeito, de golpes de ma­
traca. O viajante, ao caminhar por algum souto de angicos
e paus-d'arco, sem uma folha, penetrava institivamente com o
olhar por entre os troncos e garranchos com uma sede, já
não de água, mas de uma notazinha vibrada por goela de
pássaro cantor. Lá uma rolinha, lá um quenquém, apenas
piand .o.

O pobre emigrava como as aves, que viviam ambos do suor


do dia . Eram pelas estradas e pelos ranchos aquelas roma­
rias, cargas de meninos, um pai com o filho às costas, mães
com os pequenos a garlirem no bico dos peitos chuchados
tudo pó, tudo boca sumida e olhos grelados, fala tênue, e de
vez em quando a cabra, a derradeira cabeça do rebanho, pu­
xada pela corda, a berrar pelos cabritos.

Margarida era extremamente generosa para os retirantes


que passavam pela sua fazenda. O que lhes pedia era que
não ficassem; dava-lhes com que se fossem caminho a fora a
procurar salvação nas praias, que era só para onde a Rainha

'
110
olhava . Tinha duas escravas incumbidas unicamente de ser­
vi-los, já a dar leite cozido às criancinhas, já a passar na
agua alguns molambos que as pobres mães não tinham força
,

para lavar, agora a armar-lhes redes no telheiro da casa de


í'arinha, agora a fornecer-lhes carne seca, farinha e rapaáura.

Mas que se fossem, pelo amor de Deus! Bem sabia ela


que dois dias depois o retirante se tornava agregado. E agre­
gado para quê?

Em vindo o inverno, arribavam todos para os seus ser­


tões, e adeus minhas encomendas . Além disso, gente de toda
a parte, até do Rio Grande do Norte e Paraíba, e quem sabe
quantos assassinos?

O marido levava a mal aquela prodigalida . de caritativa,


mas lho fez ver em muito bons tennos, com umas delicadezas
de quem quer bem.
Margarida calou-se; e continuou, na expansão natural de
uma vontade sua . Até, pelo contrário, parecia tornar-se mais
mãos abertas para com os famintos. Terceira admoestação do
r

marido . Então ela voltou-se friamente:


-- Eu dou do que é meu.
- E agora, senhor Quinquim, que responder-lhe? mur-
murou consigo o major. Ela dá do que é . seu ! Dá do, que é seu !

Era a primeira vez que a mulher lhe falava com menos


respeito . Se arrependimento salvara . . . Mas para que a pro­
vocou? para que a atacou de frente? Bem lh.e conhecia a ín­ I

dole . Margarida era como um palácio cuja fachada princi-


pal desse para um abismo . Só havia penetrar-lhe pela insídia,
pelas portas travessas .

· sposara possuía apenas alguns vin­


O homem quando a de
téns de seu. Reconhecia que par� viver com a mulher pre ­
cisava de ter uma certa habilidade, faculdade essa que lhe
era porém inacessível . Amara à Margarida em demasia, creio,
e o vigor nervudo e musculento da herdeira d·o !'Wrinheiro
Reginaldo Venceslau era como um moirão a que o Sr. Quin­
quim se deixara gostosamente sujigar .

111
(Manoel de Oliveira Palva. Dona Guidinha do Poço (I n ­
trodução de Lúcia Miguel Pereira). São Paulo, Ed . Sarai­
va, 195 2, pp. 15-6 ; 22-4.)

Vários escritores cearenses fizeram uso de termos ou ex­


pressões regionais; nenhum, porém, soube trabalhar com
tanta felicidade a nossa linguagem do povo sem desfigu­
rar o conteúdo literário quanto Oliveira Paiva. Logo na
primeira linha, temos o sabor puramente popular na locução
''De primeiro" ... Com o que, segundo observa Braga Monte-

Ilegro, "já sugeria. o seu propósito de emprestar ao argumento


um sentido translato, um tratamento de fábula, tornando de
logo a sua história imprecisa no tempo." 16 Isso, lembra
ainda, talve� para disfarçar a veracidade do enredo. Lúcia
Miguel Pereira ressalta ,. a arte de tornar sugestiva qualquer
minúcia, de valer-se de indicações objetivas para reforçar in­
d iretamente o sentido da narrativa ou insinuar o caráter de
uma personagem." 17 E destaca o feitio bravio do major pelo
"preto-do-olho amarelo, com a menina esverd·eada, semelhan­
do um tapuru;" ta�bém alude à forma com que o autor anun­

cia a seca, dizendo que "a roupa vinha da lavadeira grudada


do sabã.o." Vê-se com efeito que nada é supérfluo nas descri-

ções, o que nos dá um quadro perfeito da vida do sertão, como


no capítulo II, transcrito, em que lutam os vaquianos levan-
1

tando reses, corta11do rama, protegendo o gado, perseguindo


o "cabeça baixa," livrando o gado do contágio da rês "via ­
jada." Quanto à linguagem, a que já aludimos, note-se que
divulgar tem o sentido de "vislumbrar"; o poço da Catingueira
era o mais onça, isto é, o mais "resistente;" alevantar, de sabor
lusitano, todos sabemos corrente no Nordeste ainda hoje; os
retirantes tinham os olhos grelados, ou seja, "arregalados."
Para não salientarmos expressões como "todos os dias que
dava Nosso Senhor", além da enumeração dos "remédios para
fazer chover." No final do capitulo II, temos uma prova do '

temperamento indomável de Guidinha, bem como da passi­


vidade do major. Saliente-se a propriedade dos epítetos no
último parágrafo, que nos fala do vigor "nervudo e mus­
culento" da heroína. A maneira um tanto galhofeira com que

112 ,

o próprio autor se refere ao maj


or traduz-se pelo tratamento:
"Sr. Quinquim." O romance é realista,
porque pinta realis­
ticamente as cenas e os temperamentos; na
da tem entretanto
de Naturalismo, a nosso ver: ao contrário da mod
a, Oliveira
Paiva lH preferia deixar entrever,
e não mostrar crua-
mente as cenas es·cabrosas que deixa subentendidas. Não
vemos por isso nenhuma cena de alcova, apesar de ser claro
o adultério de Guidinha, e o próprio assassínio do major nos
surge através dos relatos, depois de já consumado. Embora
fuja a uma das características do romance realista, a da preo­
cupação com a vida contemporânea (vimos que Oliveira Paiva
1·etratou as cenas de um crime ocorrido antes de seu nasci­
mento), Dona Guidinha do Poço não pode enquadrar- se nou­
tra corrente senão no Realismo, com tendências regionalistas.

ADOLFO CAMINHA

ADOLFO Ferreira CAMINHA Nasceu em Aracati, no


dia 29 de maio de 1867, falecendo no Rio de Janeiro, em 1°

de janeiro de 1897. Chegou a oficial da Marinha, abando­


nando a farda devido a um escândalo em que se envolveu,
tornando-o malvisto na pequena Fortaleza de então. Ingressa
no serviço público civil, transferindo- se para o Rio, depois

de ter tomado parte na fundação da Padaria Espiritual (que


veremos adiante). Estreou com um livro de poemas, Vôos ln-·
certos ( 1886) e um de novelas, Judite e Lágrimas de um
Crente ( 1887) . Publicou depois o principal de sua obra, os
romances A Normalista ( 1893) e Bom-Crioulo (1895). Entre
um e outro) lançou um livro d.e viagem, No País dos Ianques
( 1894) Seus derradeiros trabalhos foram Cartas Literárias
.

( 1895) , de crítica, e o romance Tentação (1896) . Interessa-


-nos particularmente A Normalista, por tratar-se de romance
cearense, aqui escrito e tendo Fortaleza como palco de seu
enredo .

A NORMALISTA

Maria do Carmo, estudante da Escola Normal, foi criada


por seu padrinho, João da Mata, pois perdera a mãe na seca

1 13

-=- ... -:--


- -...
de 77 e o pai partira para a Amazônia. Tornando-se moça, a
collcupiscência do padrinho, que vive com uma amásia, volta­
- se para sua beleza juvenil ; por isso João d·a Mata não vê
com bons olhos o namoro de Maria do Carmo com o Zuza,
moço casquilho, amigo do Presidente da Província. Valendo-se
de sua condição de segundo pai, o amanuense termina sedu­
zindo-a, com promessa de permitir seu namoro com o Zuza.
Este viaja, e Maria do Carmo é levada para um casebre na
Aldeota, onde lhe nasce um filho, que morre em seguida. E
tudo a.bafado, casando-por fim Maria do Carmo com um al­
feres Coutinho. que nada ttnha com a história.

João Maciel da Mata Gadelha� conhecido em Fortaleza


por João da Mata, habitava há anos, no Trilho, uma casi­
nhola de porta e janela, cor d'açafrão, com a frente encar­
dida pela fuligem das locomotivas que diariamente cruzavam
defronte, e donde se avistava a Estação da linha férrea de
Baturité. Era amanuense, amigado, e gostava de jogar o vís­
pora em família aos domingos.

Nessa noite estavam reunidas as pessoas do costume. Ao


centro da sala, em torno d'uma mesa coberta com um pano
de xadrez, à luz parca de um candeeiro de louça esfumado,
em forma d' abat-jour, corriam os olhos sobre as velhas cole­
ções desbotadas, enquanto uma voz fina de mulher flauteava
arrastando as sílabas numa cadência morosa : Vin . . te e
.

quatro ! Sessen . . . ta e nove ! . . . Cinquen . . . ta e seis!

Havia um silêncio morno e concentrado em que destacava


o rolar abafado, das pedras no saquinho de baet.a verde.

A sala era estreita, sem teta, chão de tijolo, com duas


portas para o interior da casa, paredes escorridas pedindo uma
caiação geral. À direita, defronte da j anela, dormia um velho
piano de aspecto pobre, encimado por um espelho não me­
nos gasto. O resto da mobília compunha-se de algumas ca­
deiras, um sofá entre as duas portas do fundo, a mesa do
centro, e uma espécie de console colocada à esquerda, onde
pousavam dois jarros com flores artificiais.

1 14
D e onde em onde zunia o falsete do ama�u
ense :
Quadra . . . Ou caçoava : Os anos de Cristo ! . . . Os
oculos do Padre Eterno !
,

Risadinhas explodiam a espaços, gostosas, indiscretas -


uma pilhéria ricocheteava nos quatro ângulos da mesa .
É boa ! É boa ! fazia João da Mata erguendo a cabeça,
mostrando a dentuça.
Depois voltava o silêncio e a voz fina de mulher con­
tinuava a cantar os números solenemente.
- Víspora ! saltou de repente um rapazola d'óculos, bi­
godinho fino, flor na botoeira do fraque de casimira clara.
Toda a gente o conhecia era o Zuza, quintanista de
direito, filho do coronel Souza Nunes.
- Podem conferir, disse erguendo-se, risonho - segunda
linha.
E estendeu o braço, passando o cartão para o amanuense .
- Não desmarquem, não desmarquem , recomendou este
espalmando a mão. Pode ter sido engano. Errare humanum
est . . .
Houve um ligeiro sussurro de vozes e de caroços rolando
sobre a mesa com um surdo ruído de contas desfiadas. Todos
desfizeram as marcações.
l\Iuma das extremidades sentava-se João da Mata, de pa­
letó de fazenda parda sobre a camisa-de-meia, costas para a
rua .
À direita mexia.-se uma senhora gorducha, de seus trinta
anos, metida num casaco frouxo de rendas, cabelo penteado
em cocó, estampa insinuante, bo.ns de:ntes; era a mulher do
amanuense, que passava por sua legítima esposa, não obs­
tante as insinuações malévolas da alcovitice vilã que entre-
vira esc ândalos na vida privada de D . Terezinha. Contudo.
era tid a em con ta de exc ele nte dona - de-casa, honesta, dt­
zendo-se relacionada com as principais familias de Fortaleza.
Ninguém ousava mesmo dirigir-lhe um gracejo de mau
gosto, uma pilhéria calculada. Inventava-se calúnias de

115


populacho que se correspondia ocultamente com o presi­
dente da província. Ela, porém, gabava, batendo no peito com
orgulho, que tinha uma vid·a limpa, graças a Deus ; que isso
de patifarias não lhe entrava em casa, não, mas era o mesmo .
Estava ali o Janj ão que não a deixava mentir.
Ao pé de D . Terezinha aprumava-se Maria do Carmo,
afilhada de João, uma rapariga muito nova, com um belo ar­
zinho de noviça, moreno-clara, olhos cor de azeitona, carnes
rijas, e cuja atenção volvia-se insistentemente para o Zuza.
As outras pessoas eram também da intimidade : o Lou­
reiro, guarda-livros da firma Carvalho & Cia. , o dr. Mendes,
juiz municipal, mais a senhora, a Lídia Campelo, filha da
viúva Campelo, e o estudante . Às vezes ia mais gente e o
víspora prolongava-se até meia-noite.

João da Mata era um sujeitp esgrouvinhado, esguio e


alto, carão magro de tísico, com uma cor hepática denuncian­
do vícios de sangue, pouco cabelo, óculos escuros através dos
quais boliam dois olhos miúdos e vesgos. Usava pêra e bi­
gode ralo caindo sobre os beiços tensos como fios de arame ; a
testa ampla confundia-se com a meia calva reluzente. Falava
depressa, com um sotaque abemolado, gesticulando brusca­
mente, e, quando ria, punha em evidência a medonha dentuça
postiça. Noutros tempos fora mestre-escola no sertão da pro ­
víncia, donde m·udara-se para a capital por conveniências par­
ticulares . Era então simplesmente o professor Gadelha, o ter-
ror dos estudantes de gramática. O sertão foi-lhe aborrecendo ;
estava cansado de ensinar a meninos, era preciso fazer pela
vida noutro meio mais vasto onde as suas qualidades, boas ou
más, fossem aquilatadas �om j ustiça. Estava-se perdendo, se
inutilizando, fossilizando-se, por assim dizer, entre um vigá­
rio seboso e pernóstico e um delegado de polícia ignorante :
" Não era uma águia, um Abílio Borges, um Macêdo . . . mas
reconhecia que também não era um burro. Até podia fazer fi­
gura em Fortaleza. "

E abalou com tanta felicidade que não tardou ser no­


meado comissário de socorros ao tempo da grande seca de

1 16


77 , dois anos depois de sua chegada à capital . Desde logo
tornou-se conhecido, suas façanhas corriam impressas nos
pasquins domingueiros. D'uma feita escapou milagrosamente
de ser preso por crime de defloramento numa menor, criada
do Dr . Morais e Silva ; d'outra feita apanhou de rebenque na
cara por haver caluniado um capitão �'infantaria propalando
uma infâmia . Toda a gente o conhecia muitíssimo bem , por
sinal tinha uma cicatriz oblonga e funda na têmpora esquer­
da, e não largava o mau vezo de roer o canto das unhas .
• • • • • .
• .. . .

. .

. . . .. . .
• •
. .

. . • • • • . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . '

A Avenida Caio Prado tinha o aspecto fantástico d'um


terraço oriental onde passeavam princesas e odaliscas sob
um céu de prata polida, com as suas filas de combustores
azuis, encarnados e verdes, com as suas esfinges . . . Senhoras
de braço dado, em toilettes garridas, iam e vinham no ma­
cadame, arrastando os pés, ao compasso da música, conver­
sando alto, entrechocando-se, numa promiscuidade interes­
sante de cores, que tinham reflexos vivos ao luar. D'um lado
e d'outro da avenida estendiam-se duas alas de cadeiras ocupa ­
das por gente de ambos os sexos, na maior parte curiosos que
assistiam tranqüilamente ao vaivém contínuo dos passantes .

O plenilúnio muito alto dir-se-ia uma grande medalha de


prata reluzente com o anverso para a terra, suspensa por um
fio invisível lá em cima na cúpula do céu. Defronte da ave­
nida, o mar, na sua aparente imobilidade, tinha reflexos opa­
linos que deslumbravam, crivado de cintilações minúsculas,
largo-imenso, desdobrando-se por ali fora a perder de vista, e
para o sul, muito ao longe, a luz branca do farol tinha lampe­
j as intermitentes, de minuto a minuto. No porto a mastreação
dos navios destacava nitidamente, inclinando-se num movi­
mento incessante para um e outro lado, como oscilações de
u m pêndulo invertido.
• • • • • • • • • • • • • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . '

E cont inua va a cheg ar ge nte e a encher o Pa ss eio po :-­

todas as av en id as do prim eiro pl an o, cruzan do-se em to do s


1 17

-- -
-
- -� �
--
--
os sentidos, acotovelando-se, confundindo-se . Na Mororó, mais
larga que as outras, havia uma promiscuidade franca de ra­
parigas d·e todas as classes : criadinhas morenas e rechonchu­
das, com os seus vestidos brancos de ver a Deus. de avental ,
conduzindo crianças ; filhas de famílias pobres em trajes do­
mingueiros, muito alegres na sua encantadora obscuridade : •

mulheres de vida livre sacundindo os quadris descarnados ,


com ademanes característicos, perseguidas por uma troça de
sujeitos pulhas que se punham a lhes dizer gracinhas in­
sulsas. Toda uma geração nascente, ávida de emoções, can­
sada d 'uma vida sedentária e monótona, ia espairecer no Pas-
seio Público aos domingos e quintas-feiras, gratuitamente,
sem ter que pagar dez tostões por uma entrada, como no
teatro e no circo.

{Adolfo Caminha. A Normalista (Texto, Introdução e No­


tas de Sabóia Ribeiro ) . São Paulo, Editora Atica, convê­
nio com o INL, 1972, pp. 13-5 ; 74-5 ; 76.)

Este ormance foi escrito com visíveis intenções de des­


forra : repelido por uma sociedade n a qual ele não via auto­ '

ridade para julgá-lo, Caminha retratou-a impiedosamente ,


expondo-lhe as podridões morais, sendo mesmo algumas per­
sonagens a caricatura de figurões com os quais se desaviera
o escritor. Reproduzimos o início do capítulo I e dois tre­
chos do VII : logo no início do livro, temos a descriç.ão do local
onde se desenrolará grande parte do enredo, bem como al­
gumas de suas personagens, tintas d·e ridículo : a casinhola
encardida� no Trilho (Rua do Trilho, hoje Tristão Gonçalves ) ,
as figuras da senhora gorducha, de Maria do Carmo, "more­
no-clara, olhos d·e cor de azeitona, carnes rij as", e sobretudo
do amanuense, "sujeito esgrouvinhado, esguio e alto, carão
n1agro de tísico," apresentando ainda medonha dentuça, além
da calva� tudo rescende a puro Naturalismo. Tudo lembra a
influência de Eça de Queirós como observa Lúcia Miguel
Pereira . Note-se ainda que o tipo físico de João da Mata condiz
perfeitamente coin o seu tipo moral, numa sintonia lombro­
siana : além de futuro sedutor da afilhad·a , traz ele do pas-

1 18
sado l embranças de outras tantas patifarias, como vimos. Sa­
ltente-se igualmente a insinuação malévola com relação a
certa correspondência entre a amásia do amanuense e o Pre­
sidente da Província, bastante ridicularizado por Adolfo Ca­
minha . Nos outros dois excertos, focaliza o romancista a Ave·­
nida Caio Erado (Passeio Público) , onde havia diversas divi­
sões, cada uma com sua população típica : aqui, damas da
elite ; ali, moças da classe baixa. Temos assim uma perfeita
reportagem acerca de um dos divertimentos do povo fortense
nas últimas décadas do século passado (a ação do romance
se passa no fim da década de 80) . É naturalista o romance.
uma vez que não expõe somente o real, o biológico, mas desce
ao patológico, fazendo pulular toda uma população de ver­
mes : nada é grandioso. Já nem falamos de João da Mata,
um crápula ; o próprio Zuza, que numa obra romântica teria
sido a salvação da heroína, abandona-a menos por imposição
da família que por desinteresse. Ela, por sua vez, não tem
forças para resistir ao pad.rinho, chegando mesmo a sentir
certa atração pelo amanuense . Caminha, defendendo-se de
acusações feitas ao romance, escreveu : " Não me consta se
tenha escrito em parte alguma romance de costumes cea­
renses observado e verdadeiro como este, em cujas páginas
vibra forte e caniculante o sol do Norte e onde a vida de um
povo é descrita com alguma precisão.'' O certo é que Caminha ,
temperamento violento e algo agressivo, e ainda por cima
recalcando mágoas do ambiente em que viveu e sofreu, en­
controu no Naturalismo a corrente ideal para a expansão de
seu inegável talento de ficcionista. Sua obra-prima é o B om
-crioulo ( 1895) , que não focalizamos por não se tratar de
um romance cearense, nem ter sido aqui escrito. A Norma­
lista, entretanto, bastaria para garantir ao seu autor lugar
dos mais destacados entre os romancistas da corrente, não
só na literatura do Ceará, mas no panorama das letras na-
cionais.
PAPI JúNIOR

Antônio PAPI JúNIOR Nasceu no Rio de Janeiro, en1


28 de agosto de 1854, e faleceu em Fortaleza, no dia 30

1 19

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de novembro de 1934 . Como acontece com outros nomes re­
feridos neste panorama, Pâpi Júnior, apesar de não haver
nascido no Ceará, é puramente cearense pela obra que nos
deixou, toda escrita aqui. Veio para Fortaleza como praça
do Exército, abandonando depois a farda e seguindo para o
Norte do Pais, de onde regressaria para se fixar definitiva­
niente aqui. Teatrólogo, poeta e contista, seu nome desta­
ca-se principalmente como romancista, autor de O Si mas
( 1898) , Gêmeos (1914) , Sem Crime (1920) , A Casa dos Azu­
lejos ( 1927) e Almas Excêntricas ( 1931) . Em 1898 publicara
a conferência A. Caminha e Sua Obra Literária, hoje desco­
Ilhecida. E m 1925 publicou, com o título Teatro, os poemas
" Romance Antigo" e " Coroa". Em 1954 a Academia Cearense
de Letras publicou alguns de seus Contos. E a Secretaria de
Cultura, Desporto e Promoção Social reeditou O Simas , com
apresentação de Sânzio de Azevedo e un1 estudo de José Alves
F,ern andes.

O SIMAS

Simas, aventureiro e sedutor, começara a namorar Luísa,


jovem viúva, de algumas posses, quando residiam no Pará ;
vindo Luísa para Porangaba, no Ceará, com a sogra, D. Felis-
mina, e o filho Laura, breve surge o Simas e reatam-se os
amores, contra a vontade de D . Felismina. Um dia, Luísa
descobre ser o pai do Simas o velho sem escrúpulos que
a havia seduzido aos 15 anos, quando ela perdera o pai . Nasce
llaí uma aversão ao amante que, vendo seus planos fracas­
sados, rouba as jóias de Luísa; Peixoto, amigo da viúva, pro­
tege-a contra o canalha e consegue reaver as jóias. Por fi1n,
Luísa, D . Felismina, Lauro e o Peixoto deixam o Ceará, onde
fica o Simas .
Um dia, porém, muito pela manhã, por um acaso, foi a

Felismina própria abrir o salão de baixo para ser vasculhado .


Aquilo andava por ali desde muito empoeirado, pedindo bastas
sacudidelas pelo s móveis e vidraçaria s . A velha abriu todas
as j anela s, de par em par, e sentou-se no amplo sofá espa­
daúdo, obra antiga, a envergadura de jacarandá e os acol-

120
chorados de marroquim escuro, enquanto a criada entrava às
varridelas. A Felismina ia notando com exageros meticulosos
o estado em que tudo se achava : o assoalho nodoado de
cusparadas, coberto de pontas de charutos e de fósforo de
cera, as cabeças ardidas já. Demorou-se a olhar para isto, ao
começo sem grande interesse, sem particularizar a atenção,
mas de repente ficou abs.trata, olhos fixos no chão, e, pouco a
pouco, veio a fisionomia transtornando-se-lhe . Um tremor con­
vulsivo, veemente, sacudiu-a toda . Pôs-se de pé, então, com
as mãos na cabeça, com um profundo sulco de desespero ca­
vado em cada ruga das faces. Mandou fechar tudo novamente ;
subiu o grande lance da escada, trôpega, atordoada, sem res­
piração, com duas lágrimas como dois punhos, limpas como
cristais, a tremerem-lhe sobre a epiderme rugosa da cara, a
I

repetir em voz baixa, como se houvesse enlouquecido : Oh !


n1eu Deus ! Que desgraça!

Aquele dia passou-o recolhida no seu aposento, pretex­


tando doença, invadida de um dissabor profundo, apunhalada
de aflições . Imaginava estar vendo aqu.ela sua Luísa tão que-
.

rid·a, ali em baixo ao lado do Simas, ocultos, enganando-a,


I

chafurdando-se num concubinato vergonhoso, que era tam­


bém a sua vergonha. Por vezes chegava a querer duvidar da­
queles indícios veementes e claros, daquela abundância com-
prometedora e misteriosa de pontas de charutos e fósforos
queimados, daquele fio condutor que a levava, inexoravelmen­
te, de encontro, à lâmina buída dessa verdade inconcussa, em
que sentia varar-se dolorosamente .

Mas não havia dúvida. Os fósforos eram dos que o Simas


usava, e que, por sinal, sabia sacudi-los com um piparote a
.

distância, quand'o servidos. Depois . . . Quem fumava mais por


ali ?
A despeito destas deduções claríssimas, teimava em não
formular contra a nora uma acusação decisiva, completa.
Duvidava sempre. Não era possível aquilo. A sua afeição por
Luísa desviava-lhe a convicção, não podia firmá-la, apesar
de tudo, pedindo lá p'ra si uma prova que fosse uma aurora

121
límpida de cores, que, por fim, viesse esboroar as s uposiçõe s
que tanto a angustiavam. ·

Media, entretanto, as possibilidades daqueles encontros


, fora de horas, no calado da noite, quando todos dormiam


a chando-os inteiramente fáceis, realizáveis ; conjecturava a
saída de Luísa pela porta da sala de visitas, que ia para a
escada ; descia depois, pé ante pé, sem fazer ruído, abria ela
mesma a porta da rua para que o Simas entrasse . . . Sim !
Era isso . Nada mais fácil! Restava apenas a entrada do salão
térreo . . . e a chave? Fez esta brusca interrogação, a fisio ­
nomia alentada por um sopro de esperança reanimador. Si m !
A chave estava na sala de jantar pendurad·a, só se ela a ia bus­
car ali às horas mortas . Subitamente a fustigou a idéia de
espreitar durante a noite se a chave desaparecia do lugar .
Seria uma prova certa, irrefragável . Passou o resto do dia
ansiosa, ameigando no espírito preocupado a esperançazinha
de ver desfeita a tenebrosa sombra daquela pesada nuvem de
desgosto . A noite a inquietação arrancou-lhe o sono, não pôde
dormir . As onze horas andava por toda a casa um silêncio
profundíssima, decerto que só ela estaria desperta àquela
hora . Intranqüila, dominada por semelhante idéia, levan­
tou-se então cuidad·osamente, atirou sobre as costas um xale ,
e saiu da alcova mansamente, nas pontas dos pés, de cas­
tiçal à mão, alumiada por uma vela estearina cuja chama
amarela dobrava-se ao encontro do ar que vinha pelo corre­
dor. Foi até a sala de jantar caminhando lentamente, com
cuidado para não tropeçar . •

Chegara enfim perto do aparador. Ergue o braço, sus­


pendendo o castiçal ac�a da cabeça . A luz foi inte iramen ·
te refletir sobre a parede fazendo nela um núcleo de clarida­
de circundante . E de braço estendido fixou, por momentos , o

rosto num brilho doce, inefável, de satisfação : a chave lá


estava no seu lugar costumado, pendente do prego, junto do
aparador das frutas . Voltou para o quarto com a alma est1o­
rada em júbilos, cheia de uma tranqüilidade relativa ; n1as
ali foi assaltada de u1na nova dúvida que· a pôs cismarenta :

122

Podia ser muito cedo ainda, convinha para seu descanso
fazer, quando a noite fosse alta, 11ma outra visita à sala de
jantar . E, pacientemente , deixou que as horas fossem ba-
tendo .na pêndula envidraçada do refeitório . A uma hora,
tornou, com as mesmas precauções, ao exame que uma vez
fizera . A chave continuava lá, não havia dúvida, viu-a, e vol-
tou para a alcova. banhada de um prazer intimo, afogando­
-se nele por inteiro .

Pelo menos, naquela noite nada tinha havido : era-lhe


isso um consolo : porém às outras? . . Ah ! . . . Havia de
.

fazer a mesma experiência ! Meteu-se na cama; entretan­


to, uma estranha superstição a tornava impaciente; inva­
dia-lhe o espírito uma esquisita preocupação que lhe tirava
o sono; virava-se de um lado para o outror sentindo-se aterro­
rizada por uma surda impressão . Apurava logo o ouvido, e
rumores confusos, impe�cebidos quase, pareciam-lhe vir de
cada canto da alcova, com estalinhos inexplicáveis . E, quan­
to mais aplicava a atenção no indefinido daqueles rumores,
mais cresciam no seu espírito, enchendo-a de apreensões te­
merosas .

No meio daqueles sussurros ouviu então uma forte pan­


cada ressoar por toda a casa ferindo o silêncio fechado da
hora . Aquele baque veio-lhe com um resfriamento ao cora­
ção; em lugar deste, pareceu-lhe sentir dentro do peito um
bloco de gelo . Arrepiou- se toda num tremor que se lhe vi­
brou de molécula em molécula, sacudindo-a nervosamente .
Fora para o lado da sala da frente aquilo; como que tinha
sido na rótula envidraçada da janela da varanda . Sentou-se
na cama, pôs-se a escutar, atentamente, olhar imóvel , fais­
cando de espanto, numa indecisão cruciante . O silêncio es­
tendia-se por toda a casa, modorrado, sinistro, intangível,
frio .

Agora vinham-lhe de tropel outras suposições suceden­


do-se numa calma transitória : podia ter sido o Cupi do, o
gato maltês cabriolando, ou o Laura que se voltara no leito
e fizera estralej ar o colchão metálico . Mas, não se con-

123

formava com estas soluções; aquilo tinha sido na j anela da


varanda, insistia, por outro lado . Pôs-se de pé, numa decisão
palpitante, tomou o castiçal, e saiu, sem se lembrar do xale ,
apenas resguardada pela camisa de dormir, que lhe caía em
longas pregas, alvacenta, como uma túnica, até aos pés . To­
mou ainda o caminho da sala de j antar, desta vez com a pas­
sada incerta, mal segura, as pernas vacilantes ; no olhar, erra-
va-lhe uma manifestação de medo, decompondo-lhe a sereni­
dade da face j á transfigurada pela imobilidade das pálpe­
bras e pelo torvelinhar dos cabelos brancos, que lhe davam
à cabeça atitudes de enlouquecida . Parou no meio da sala,
encostou-se à grande mesa das refeições para descansar . An­
siava por ver se a chave ainda lá estava e hesitou ; afinal, se­
guiu até ao aparador . Teve então receio de erguer a vela
para aclarar a parede . Poisou o castiçal sobre a mesa, pu­ I

xou uma cadeira, sentou-se . Estava incapaz de levantar o


braço, cheia de esmorecimentos, sem energia para receber
uma confirmação pungentíssima, j á desmentida por duas
vezes que ali fora . Arrependia - se agora de ter vindo . Devia
ter-se contentado com as duas primeiras provas, como sufi­
cientes, porque Luísa não era capaz de ter decaído tanto .
Não! Isto era impossível : E animada por esta fugaz refle­
xão, que o sentimento de estima pela nora obstinara em ati­
rar-lhe aos sentidos, levantou-se da cadeira, tomou a palma­
tória, meio tranqüila, calma e resoluta , suspendeu-a até que
a luz fosse bater contra a parede . Deu um passo mais para
diante, fixando profundamente o olhar sobre ela, e soltou um
grito surdo, longo como um gemido. A chave desaparecera.

Em vão o seu olhar erradio e vago procurou desfazer


aquele suposto engano visual ; só ali estava o prego desocu­
pado, cuja sombra se desenhava como um risco preto e lon­
go, caindo por baixo dele em diagonal .

Ficou como aturdida, apanhada por uma vertigem, de ­


salentada, sem forças ; recuou, inconsciente, e deixou-se cair
na cadeira quase falta de sentidos . O castiçal desprendeu-

124
-se- lhe da mão e veio bater no assoalho ; a vela apagou-se, a
sala mergulhou em trevas .

(Pápi Júnior. O Simas. Fortaleza, Tipografia Universal,


Cunha, Ferro & Cla., 1898, pp. 169-175. )

Poderíamos ter transcrito um trecho do primeiro capí-


tulo, em que o autor nos mostra a vila, sob o sol quente do
meio-dia, com seu telegrafista que, "com sonolência de can-
sado, atirava um olhar distraído sobre a nesga do horizon­
te", ouvindo-se "guinchar o carretel da cacimba ao peso da
corrente e do balde, em frente ao cruzeiro, onde mulheres
agrupadas enchiam os potes, descansadamente, deixando ver
os seios nus pela queda das camisas sujas" ; não faltando um

cavalo esquelético, "entregue ao seu próprio destino, a ba.­


bujar, sacudindo com as farripas da cauda as moscas que o
atanazavam", e vindo a descrição minuciosa da igreja, apre­
sentada em seus mínimos pormenores ; as ruas, os mexeri­
cos, enfim, tudo aquilo que dá vida a um lugarejo numa nar-
rativa realista . Preferimos entretanto reproduzir um excer-
to do capítulo VI, em que podemos vislumbrar ainda o pin­
tor de ambientes, mas onde avulta acima de tudo o pintor de
almas, o psicólogo, digamos assim. Note-se a segurança e a
força persuasiva com que o escritor conduz o drama interior
da velha Felismina, sob a terrível luta entre a desconfiança
e o desej o imenso de ver por terra suas suspeitas. Mas, como
o trecho transcrito nos mostra, a cada prova em favor da
nora vão surgindo novos motivos de desconfiança, o que põe
0 leitor em clima de verdadeiro suspense, como observou Rai-
mundo Girão. 2o O romance trai visível influência de Eça
de Queirós, o que aliás j á foi a�sinalado por vários crítieos:
Pápi Júnior era admirador entusiasta do autor d' O Primo
Basílio, e é precisamente deste romance do autor luso que
mais se aproxima o do escritor cearense, sendo de se notar
não somente a aproximação do tema, como também a coin-
cidência do nome da personagem ce�tral feminina, Luísa, em
ambos. A nosso ver, a causa mais forte do procedimento de

125

Lufsa (Uin seml-adultério) estaria na sua educação român­


tica, o que ocorre com a personage�m do romance eciano, mas,


anteriormente aos dois, com a famosa Madamme Bovary, de

Gl!stave Flaubert. Isso todavia não tira o valor d'O Simas,


absolutamente : trata-se de romance� bem urdido e bem nosso .
constando que o enredo teria sido inspirado por um fato da
vida real . Infeliztnente. é obra pouco conhecida (somente
agora reeditada) e por isso quase nunca citada quando. no
Sul do País, se trata do romance realista-naturalista brasi­
leiro. Pedro de Queirós, em artigo de critica estampado na
Revista da Academia Cearense, de 1898, apesar de referir-se
a impropriedades de linguagem, abuso de neologismos arbi-
trários, "adjetivação superabundante, empolada, e nem sem­
pre soante", não lhe deixa de reconhecer as qualidades, quer
na criação das personagens, quer na condução do enredo ,
q11er ainda no fato de tratar-se de romance com caráter re -
gionalista, "recendendo aos aromas da terra cearense" .
21
:rfestor Vítor chegou a afirmar que "0 Simas, com os seus
defeitos apontados e o mais que ainda se lhe possa como se
lhe pode censurar, é dos melhores romances que se tem pro-
duzid·o no Brasil" 22 O que não é pequeno elogio, partindo
de um mestre de tal porte .
.

DOMINGOS OLtMPIO

DOMINGOS OLtMPIO Braga Cavalcante Nasceu em


Sobral, em 18 de setembro de 1850, falecendo no Rio de Ja­
neiro, em 7 de outubro de 1906 . Bacharel pela Academia do
Recife, voltou ao Ceará, onde residiu durante 6 anos, transfe­
rindo-se em 1879 para Belém, de onde se mudaria definitiva­
mente para o Rio em 9 1 ; no Pará, foi jornalista e deputado .
No Rio, prosseguiu no jornalismo e foi Secretário de uma
Missão Diplomática em Washington . Exerceu a advocacia
e fundou a revista Os Anais, de grande repercussão . Publi-
cou Luzia-Homem ( 1903) e, na citada revista, o romance O·
Almirante e a novela O Uirapuru·. · · · ·

126

L UZIA -HOMEM •

Fazendo parte de um band de retirante da


o s seca de 77 .
que trabalha na construção da cadeia
de Sobral, Luzia, bela
�ulher, apesar de bem feminina tinha força máscula, daí lhe
vmdo a alcunha de Luzia-Homem . O soldado Crapiúna que­
ria cortejá-la, mas as simpatias da moça são para o caixeiro
de um armazém, Alexandre . Crapiúna , mau-cará�r, faz com
que o moço seja preso, acusado de um roubo na verdade pra­
ticado pelo soldado . Alexandre é preso, mas graças à inter­
venção de Teresinha (mulher perdida mas de bons sentimen­
tos, e amiga de Luzia) , é preso o verdadeiro ladrão . Luzia
pensa poder ir morar na praia com a velha mãe, e casar-se
·Com Alexandre . Crapiúna, porém, foge da prisão e encon-
trando a moça, crava-lhe o punhal; na luta, Luzia-Homem
arranca-lhe um dos olhos e o soldado assassino rola num pre -
. .
ClplCIO .
,

O morro do Curral do Açougue emergia em suave decli­


ve da campina ·ondulada . Escorchado, indigente de arvore­
do, o cômoro, enegrecido pelo sangue de reses sem conto, dei­
xara de s�r o sítio sinistro do matadouro e a pousada predile­
ta de b��dos de urubutingas e camirangas vorazes .

Bateram-se os vastos currais, de grossos esteios de aro­


eira, fincados a pique, rijos como barras de ferro, currais se­
culares, obra ciclópica, da qual restava apenas, como lúgubre
vestígio, o mourão ligeiramente inclinado, adelgaçado no
centro, polido pelo contínuo atrito das cordas de laçar as ví-
- ea

timas, que a ele eram arrastadas aos empuxoes, bufanao,


resistindo, ou entregando, resignadas e mansas, o pescoço à
faca do magarefe . Ali, no sítio de morte, fervilhavam, en�ão,
em ruidosa diligência, legiões de operários construindo a pe-
nitenciária de Sobral .

tura do de sa ng ue , nu e ár id o, destac an do-se


No cabeço sa
rde-escu ro da Serra M er uoca, e do m inan do o va le .
do perfil ve

127

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�-�-
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onde repousava, reluzente ao sol, a formosa cidade intelectual ,
a casaria branca alinhada em ruas extensas e largas, os
telhados vermelhos e as altas torres dos templos, rebrilhando
em esplendores abrasados, surgia, em linhas severas e fortes�
o castelo da prisão, traçado pelo engenho de João Braga,
massa ainda informe, áspera e escura, de muralhas sem re­
boco, enleadas em confusa floresta de andaimes a esgalharem
e crescerem, dia a dia, numa exuberância fantástica de ve­
getação despida de folhas, de flores e frutos . Pela encosta de
cortante piçarra, desagregada em finíssimo pó, subia e des­
cia, em fileiras tortuosas, o formigueiro de retirantes, velhos
e moços, mulheres e meninos, conduzindo materiais para a

obra . Era um incessante vaivém de figuras pitorescas, esquá­


lidas, pacientes, recordando os heróicos povos cativos, er­
guendo monumentos- imortais ao vencedor .

Acertara a Comissão de Socorros em substituir a esmola


depressora pelo salário emulativo, pago em rações de farinha
de mandioca, arroz, carne de charque, feijão e bacalhau, ver­
dadeiras gulodices para infelizes criaturas, açoitadas pelo
flagelo da seca, a calamidade estupenda e horrível que devas­
tava o sertão combusto . Vinham de longe aqueles magotes
heróicos atravessando montanhas e planícies, por estradas
ásperas, quase nus, nutridos de cardos, raízes intoxicantes e
palmitos amargos, devoradas as entranhas pela sede, a pele
curtida pelo implacável sol incandescente .
� . .
.
.
. .
. . . . . . . .
. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . .

II

O francês Paul 1nisantropo devoto e excelente fabrican-


te de sinetes que, na despreocupada viagem de aventura pelo
mundo, encalhara em Sobral costumava vaguear pelos ran­
chos de retirantes, colhendo, com apurada e firme observação ,
documentos da vida do povo, nos seus aspectos mais exóticos,
ou rabiscando notas curiosas, ilustradas com esboço de tipos
originais, cenas e paisagens trabalho paciente e douto, per­
dido no seu espólio de alfarrábios, de coleções de botânica e

128
geologia, quando morreu, inanido pelos jejuns, como um santo.

Um dia, visitando as obras da cadeia, escreveu ele, com


assombro, no seu caderno de notas :
'

uPassou por mim uma mulher extraordinária, carregan­


do uma parede na cabeça" .

Era Luzia, conduzindo para a obra, arr1.1mados sobre uma


tâbua, cinqüenta tijolos .

Viram-na outros levar, firme, sobre a cabeça, 111na enor­


me j arra d'água, que valia três potes, de peso calculado para
a força normal de um homem robusto . De outra feita, remo­
vera, e assentara no lugar próprio, a soleira de granito da
porta principal da prisão, causando pasmo aos mais valen­
tes operários, que haviam tentado, em vão, a façanha e, com
eles, Raulino Uchoa, sertanejo hercúleo e afamado, prodigio­
so de destreza, que chibanteava em pitorescas narrativas .

Em plena florescência de mocidade e saúde, a extraor­


dinária mulher, que tanto impressionara o francês Paul, en­
cobria os músculos de aço sob as formas esbeltas e graciosas
d'as morenas moças do sertão . Trazia a cabeça sempre vela­
da por um manto de algodãozinho, cujas ourelas prendia aos
alvos dentes, como se, por 1.1m requinte de casquilhice, cui­
dasse com meticuloso interes�e de preservar o rosto dos raios
do sol e da poeira corrosiva, a evolar etn nuvens espessas do
solo adusto, donde ao tênue borrifo de chuvas fecundantes,
surgiam, por encanto, alfombras de relva virente e flores ado-
rosas . Pouco expansiva, sempre em tímido recato, vivia só,
afastada dos grupos de consortes de infortúnio e quase não
conversava com as companheiras de trabalho, cumprindo,
com inalterável calma, a sua tarefa diária, que excedia à vul­
grtr, para fazer jus a dobrada ração .

- É de uma soberbia desmarcada diziam as moças da


mesma idade, na grande maloria desenvoltas ou deprimidas
e infamadas pela miséria .

- A modos que despreza de falar com a gente, como se


fosse uma senhora dona murmuravam os rapazes remar-

129
didos pelo despeito da invencível recusa, impassível às suas
insinuações galantes . .

- Aquilo nem parece mulher fêmea observava uma


velha alcoveta e curandeira de profissão . Reparem que ela
tem cabelos nos braços e um buço que parece bigode de ho-
mem . . .

- Qual, tia Catirina ! O Lixande que o diga ! maldou


uma cabocla roliça e bronzeada, d� dentes de piranha, toda
. .
. .

adornada de jóias de pe�hisbeque e fios de miçangas, muito


·

besuntada de óleos cheirosos .

- Não diga isso q�e é uma ·blasfêmia · atalhou Teresi-


nha, loura, delgada e grácil, de olhar petulante e . irânico ,
toda ela requebrada em · movimentos suaves de gata amora.:
sa . . •

• • • •
.

• • • • •
. • • • • • • • • • •
.

• • • • • • ? • � • • • • • • • • • • • .• • • • • • • • • • • • • • • • •

Sentia-s.e incapaz de amar; carecia-lhe a fraqueza


sublime, essa languidez atributiva da função da mulher no • •

a�or, � passividade pudica,_ ou aviltante da fêmea subsmissa .


.

ao macho, forte .e dominador, irresistível, comG aprendera na


·
intuitiva lição da natureza ; ess.a comovente timidez de novi­
lha ante a investiqa
. prutal do touro lascivo, sem prévios afa-
gos sedutores, se� carícias e beijos co��espondidos, como nos
.
idílios das rolas mimosas . Não; não fora destinada à sub-
missão . Dera-lhe Deus músculos possantes para resistir� fe ­
chara-lhe o coração para dominar, amando como os animais
fortes, procurar o amor e conquistá-los ; saciar-se sem implo-
rar, como onça . faminta caindo sobre a presa, estrangulan­
do-a, d'evorando-a . Não _ era mulher como as outras, como
Teresinha, para abandonar a família, o lar, a honra , por um
momento de ventura efêmera, escravizando-se ao homem
amado, contente do sacrifício, orgulhosa do crime, insensí­
vel ao vilipêndio, sem olhar para trãs onde ficaram os tran­
qüilos afetos, para sempre perdidos ; e, por fim, consolada à
torpeza do repúdio infame, à margem da estrada da vida,
como um resíduo inútil, condenado a vis serventias, trapo

130
que foi adorno cobiçado, molambo ·que vestiu damas formo­
sas. casca de fruto saboroso e aromático .

Não ; não fora feita para amar . Seu destino era penar
no trabalho; por isso, fora marcada com o estigma varonil ;
por isso, a voz do povo, que é o eco da de Deus, lhe chamava
Luzia-Homem .
• • • • • •
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

O coração pulsou-lhe inquieto, ao avistar o teta da ca­


sinha, vergando ao peso das telhas enegrecidas pelas intem­
péries, deslocadas pelos tufões . Naquele abrigo, onde gemia
a mãe doente, e que ela amava como lugar do sofrimento dos
fortes resignados e dos crentes ; naquele sítio, onde Alexan­
dre lhe propusera viverem eternamente j untos, ligados pelo
mesmo afeto espontâneo e sincero, e lhe dera os cravos ver­
melhos que lhe haviam envolvido o coração com raízes vigo­
rosas, e o inebriaram com o seu perfume suavíssimo ; sob
aquele teto velho, a vacilar sobre as forquilhas de aroeira.
passara dias de amargura, noites de vigília torturantes, e os
momentos mais venturosos de sua existência humilde, igno­

rada; e ali, àquela hora melancólica, contrastando com as


pompas deslumbrantes do crepúsculo, encontraria a satisfa­
ção dos seus supremos desejos .

Exausta da caminhada, estacou para tomar fôlego e con­


sertar as vestes, como quem se aparelha para um lance de
efeito . Prosseguiu, lívida e trêmula, com precauções de me­
nina criminosa na iminência de castigo merecido .

(Domingos Olímpio. Luzia-Homem. São Paulo, Edições


Melhoramentos, 5.a ed., 1964, pp. 5-6; 8-10; 77-8; 162.)

Luzia-Homem, que Lúcia Miguel Pereira considerou


com razão um livro difícil de ser classificado, pode ser
tido como romance realista, com algumas pinceladas natu­
ralistas (estando a escola Zola praticamente extinta) , de
.

entan do notas rom antic as . Pa ra Mas-


A

mas igualm ente ost


saud Moisés, na complei'ção da própria heroína, "que refie-

13 1
te a dualidade meiguice versus energia moral de seu tempe­
ramento. estampa-se a batalha travada entre o substrato ro­
mântico (representado pela beleza) e a doutrinação natura-
lista (concentrada na força) " . 23 Nos textos apresentados,
temos, no início do capítulo I, a preparação do enredo, atra ­
vés da descrição da cena : nota-se de pronto que o autor não
primava pela concisão, sendo longos os seus períodos e, por
isso, às vezes pesados . Mas, embora nem sempre nos dê pá­
ginas de estilo esmerado, reconstitui realisticamente as pai­
sagens e as cenas, introduzindo com felicidade a presença da
seca, razão de ser da existência de tantos retirantes trabalhan­
do na construção da cadeia. No trecho seguinte, início do ca­
pítl.tlo II, entra em cena um subsídio para dar veracidade aos
fatos e à existência da heroína : o depoimento do diário do
\
francês Paul, que vira Luzia trabalhando entre os operários -
("Passou por mim uma mulh.er extraordinária, carregando
uma parede na cabeça . ") . Começa então a apresentação de
Luzia, sem dúvida alguma a maior criação de toda a romancís­
tica cearense, e tlma das mais felizes da ficção nacional. Tra­
ta-se de uma mulher singular, admirável, tanto pelo aspecto
)
físico quanto pelo aspecto moral : forte e disposta, de formidá­
vel compleição física, havendo por isso mesmo recebido do
povo a alcunha de Luzia-Homem, com a qual ela mesma se
conforma, não se pense entretanto estar diante de uma vi­
rago, com tendências lésbicas : no texto extraído do capítulo
XI, de sabor naturalista, sentimos perfeitameente que ela mes­
ma se sentia diferente das demais ("Dera-lhe Deus músculos
possantes para resistir, fechara-lhe o coração para dominar,
amando como os animais fortes : procurar o amor e con·­
quistá-lo ; saciar-se sem implorar, como onça faminta caindo
sobre a presa, estrangulando-a, devorando-a") ; entretanto,
·essa diferença apenas se resolve na impossibilidade de sub-
.
meter-se ( " Não, não fora destinada à submissão.") . Já vi- '
mos mesmo como Luzia prendia femininamente o manto. de
algodãozinho aos alvos dentes, "como se, por um·. requinte
de casquilhice, cuidasse com meticuloso interesse d'e preser�
var o rosto dos raios do sol" .. . . E , logo adiante, no capítulo

132 '
----·

X X II I, do qual retiramos o último excert tran


o scrito , vamos
encontrá-la inquieta, com o coração pulsan
do forte , a emocio­
nar-se diante da casinha onde "Alexandre lhe propuser vi­
a
verem ,eternamente juntos, ligados pelo mesmo afeto espon­
tâneo e sincero. " Foi ali que ela recebeu de Alexandre os
escravos vermelhos que a haveriam de acompanhar até a mor­
te , de dramaticidade quase romântica. Ainda que pecando pela
falta de unidade formal (o livro ' como afirmamos oscila '

entre realismo, com notas naturalistas e puro romantismo


para não aludirmos à linguagem às vezes barroca) , Luzia­
..Homem é um romance verdadeiramente imortal razão de '

suas constantes reedições.

ANTóNIO SALES

Nasceu no Parazinho, Paracuru, em 13 de junho de 1868,


vindo a falecer em Fortaleza, no dia 14 de novembro de 1940.
·r endo estreado na literatura ao tempo do Clube Literário, de
que tratamos, iremos ainda encontrá-lo, oportunamente ,
como idealizador da famosa Padaria Espiritual, bem como en­
tre os poetas parnasianos. AntOnio Sales foi Secretário do
Interior e Justiça e deputado, no Ceará; transferindo-se para
o Rio de Janeiro, tornou-se íntimo dos maiores vultos das
letras na época. Publicou Versos Diversos ( 1890) , Trovas do
Norte (1895) , Poesias ( 1902) , Panteon ( 1919) e Minha Terra
( 1919) , todos de poesia, aos quais se devem acrescentar os
livros póstumos Aguas Passadas e Fábulas Brasileiras, de 1944.
Ainda publicou Retratos e Lembranças ( 19·38) , de reminis ­
cências, e algumas peças teatrais. Interessa-nos agora tão­
-somente, porém, o seu romance, Aves de Arribação ( 1914) .
Deixou inacabado outro romance, Estrada de Damasco .

AVES DE ARRIBAÇÃO

Chega a Ipuçaba, como Promotor, o Dr . Alípio Flávio


de Campos; recebido com grandes festas, nasce logo um ro­
mance entre ele e Florzinha, filha do coletor Asclepíades .

133
Acontece que Bilinha, a professora pública, também se inte­
ressa por Alipio . Afinal , entrega-se Bilinha ao praciano e fo­
gem ambos, como aves de arribação, ficando Florzinha a es­
perar o casamento que não se realiza. Em segundo plano,
aparece Matias, poeta sertanej o, apaixonado por Florzinha .
Segundo se diz, o próprio Antônio Bales estaria caricaturado
o 2s .
nesse poeta matut .

Achava-se em consertos desde alguns dias a casa do vi­


gário, que se preparava para receber festivamente o sobrinho,
nomeado ultimamente promotor da comarca .

Havia uns quinze anos que aquele edifício apresentava aos


olhos dos habitantes da cidade de Ipuçaba o mesmo aspecto
de abandono e ruína, fechando a vasta praça da matriz, com
as suas paredes gretadas e sujas, com os seus muros verdes
d·e lodo e eriçado de capins e de cardos .
.

Todos os vigários de Ipuçaba, desd� sua elevação a fre-



guesia, haviam residido naquele casarão, legado por uma velha


devota· e ricaça ao patrimônio da matriz, que tinha por pa­
droeira Nossa Senhora dos Remédios.

O atual vigário, padre Balbino, substituíra ao padre


Serrão, que pastoreara o rebanho ipuçabense durante treze
anos e sete meses .

Como sacerdote, tinha este padre uma biografia apagada


e mediocremente edificante . Despido de fervor evangélico
desde sua ordenação, ele havia chegado, ao tempo em que foi
nomeado para Ipuçaba, a uma sólida indiferença quanto à
conduta religiosa dos seus paroquianos, aos quais administrava
os sacramentos j á um tanto maquinalmente, apenas preo­
cupado com os proventos que embolsava .

Desde moço, mostrara-se apegado ao dinheiro, pregando


a caridade sem praticá-la. Com o correr dos anos, esse apego
tornou-se-lhe cada vez mais dominante e ultimamente não
estava muito longe d·a avareza .

134
Outra te�dência sua, · a paixão partidária, longo tempo
refreada por certas conveniências, foi-lhe avassalando lenta­
mente o espirita até que o dominou de todo .

II

Aquele dia, 19 de fevereiro, era a véspera da · chegada do


promotor fqrmado, Alípio Flávio de Campos . O sobrinho do
padre Balbino vinha assumir o cargo provido interinamente
em Manoel Pinheiro, uma vez por outra no exe;rcício da pro­
motoria, que exercia cumulativamente com as funções de mé­
dico amador, cuj a reputação afugentava de Ipuçaba, à falta
de clínica, os profissionais diplot:nados . .
. . .

Na Fortaleza e no Recife gozava o bacharel Alípio de fama


de talentoso, não porque · se houvesse distinguido muito nos
seus estudos jurídicos, mas por suas aptidões oratórias e pelos
trabalhos - literários publicados nas · revistas acadêmicas · do Re­
cife . Obtivera um ruidoso triunfo com o· discurso de forma­
'
tura, bordado sobre um tema audacioso - e . cheio · · de irreve­
rências para com os lentes . Era autor de livro Pingentes -

coleção de poesias prefaciada por Tobias Barreto, mestre a


quem votava . uma admiração fanática .
_
Em Ipuçaba ninguém sabia coisa alguma sobre a indi­
vidualidade privada do .novo · ·promotor, a não -ser o · vigário,
que cooperara bastante para a sua formatura, sacrificando­
-se às vezes para atender aos pedidos que ele lhe fazia nos
seus freqüentes apertos pecuniários . Houve mesmo uma tem ­
porada de mais de ano, durante a qual o acadêmico viveu
exclusivamente à custa do tio, por ter perdido dois anos de
curso numa infrene vadiagem, num completo abandono dos
estudos, fazendo literatura, sustentando polêmicas nos jornais
e vivendo em bambochatas com um grupo de boêmios que
deixaram tradições famosas na Faculdade .

o pai de Alípio, homem poupado e birrento, cortara-lhe


inflexivelmente a mesada depois de ter ele gazeado os exa ­
mes do terceiro ano, e só restabeleceu quando o rapaz se re-

135
solveu a voltar ao bom caminho, graças à ameaça do tio que ,
cansado de lhe dar conselhos, também não lhe quis mais dar
din.heiro . Por esse tempo morreu o pai do estudante, e este
fato concorreu em grande parte para que ele levasse a cabo
com regularidade o resto do curso .

O padre Balbino, em sua grande afeição ao sobrinho,


perdoou-lhe tudo, enxergando nos desvios de sua conduta o
efeito das más companhias e da vida praciana com todos os
seus perigos e seduções . Subordinado a mocidade inteira à
disciplina férrea do Seminário, ele tivera pungentes momen- ·

tos de revolta íntima, febris assomas de fugir ao jugo ecle­


siástico e ir participar da vida livre que ia lá por fora daquelas
tristes paredes onde enjaulavam a sua jovem carne dolorosa.
Nas condições de Alípio não teria feito também algumas to­
lices? Conhecia casos muito piores de rapazes que se haviam
perdido completamente. Minai não restava muito de que se
queixar; o sobrinho aí estava formado aos vinte e quatro anos,
com fama d·e inteligente, bem-apessoado e sabendo fazer um
discurso como poucos .

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • •

A começar das 5 horas, cavaleiros começaram a chegar.


Uma penumbra fugitiva envolvia suavemente a cidade imersa
ainda num sono discreto e profundo . Longas cintas de rosa
e verde pálido se entremostravam através do acolchoado das
nuvens pardas oureladas de ouro. O alvorecer coava Iam­
pejos vagos pelas eminências, e grandes nuvens se deslocavam
no horizonte, demandando o alto do céu .

Os galos amiudavam os seus cantos, que se repetiam


de quintal em quintal num concertante wagneriano, gargan­
teados em tons vários notas grossas e arrastadas de galos
velhos, outras limpas e retinidas de galos novos, tudo entre­
meado dos falsetes dos franguinhos pretensiosos e dominado
pelas fanfarras intermitentes das galinhas-de-angola .

Nas pausas da sinfonia ainda se ouviam, reduzidas à sur­


dina pela distância, as escalas estrídulas das seriemas .

1 36
De envolta com a fragrância das flores da mongubeira,
sentia-se o hálito das res·es malhadas na praça da igreja e no
próprio patamar . E os vagos cicios da viração na folhagem
davam a ilusão de respiros humanos, como se se ouvisse a
população adormecida a arquejar sonoramente nos últim�s
paroxismos do sono .

Cerca de vinte cavaleiros j á haviam chegado até às 5


1 /2 no prazo dado, e aquele ponto da cidade se enchia de
um tumor insólito e festivo . Ria-se e falava-se alto no meio
do estrupido das cavalgaduras que sacudiam as moscas e sol­
tavam a espaços relinchos agudos . Novos cavaleiros vinham
chegando . Uns faziam roda em cadeiras na calçada, outros
formavam grupos em ' pé ou se espalhavam pela casa adentro
até a sala de jantar, onde a Josefina, muito azafamada, en­
trava e saía a servir sucess.ivas bandejas de café

- Vai outra xícara, seu Asclepíades?


- Ora se ! E j á tomei em casa. Lá a mulher e as me-
ninas levantaram-se às três horas, e a chaleira cantou logo
no fogo . Há dias que tomo café oito vezes. E olhem que
quando estive no Rio chegava a tomar quinze e dezesseis .

O grupo procurou um pretexto para rir do conhecido


sestro do coletor, que não perdia ensejo de referir-se à sua
estada na capital do país . A sua frase quando estive no
Rio . . . pertencia ao domínio da pilhéria da terra .
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
• • • • •

. .

E o tempo passava, os trovões redobravam de fragor, fo-


ram depois enfraquecendo , espaç�ndo- se, fugindo no seio da
nuvem arrastada para . além pelo vento, a diluir-se em lá­
ar . entre rugidos de fera combalida. E , pas­
grimas, a estertor
sado o susto, a velha esperava ouvir a cada instante os passos
do doutor a retirar-se, o bater da porta, o entrar da filha no
quarto. E nada . O r�lógio da escola deu . horas ; contou-as
uma a uma : onze. E o doutor não saía e as portas não se
fechavam . Atentava o · ouvido e só de longe lhe chegava um
sussur ro ab af ad o, se m o qual -julgaria a sala deserta .

137

Uma curiosidade ardente, uma ansiedade estranha , de


envolta com uma suspeita, alastrou-se em sua mente como
um desses relâmpagos que ainda coruscavam no espaço. Que
estaria a passar-se além daquelas paredes? Então não se
conteve mais, ergueu-se, e pé ante pé veio vindo pelo corre­
dor, parou à porta do quarto, escutou : nada. Penetrou no
quarto, tirou com infinitas cautelas a chave da fechadura,
olhou pelo buraco : ninguém na sala. A janela estava encos­
tada, a meia porta fechada . Ficou alguns instantes inter­
dita, procurando uma explicação da ausência das duas cria­
turas . Teriam fugido? A idéia de ficar abandonada fê-la es ­
tremecer de terror e de ódio . E os seus olhos, a perscrutarem
a casa, fixaram-se na porta da sala da escola . Uma forte
pancada do coração acompanhou a súbita convicção que lhe

nasceu no espírito ao descobrir a um canto, atrás da porta


que abrira, o chapéu do doutor posto sobre a bengala .

A porta da escola estava apenas cerrada ; via-se, pela


bandeirola, que não havia luz lá dentro. Na ponta dos pés
aproximou-se dessa porta, e pela estreita frincha o seu ou ­
vido sábio apreendeu ru1nores que não deixaram dúvida .

A velha escutou bem, certificou-se bem, endireitou-se, teve


um sorriso feroz, e com o passo balanceado de uma leoa de­
crépita, afastou-se e foi pelo corredor afora a arrastar os
chinelos e a monologar em voz alta :

"Ora até que afinal chegou a tua vez, minh a donzela das
dúzias ! Agora vai acabar-se o meu cativeiro. De hoje em
diante há de abaixar a grimpa diante de mim! Ah ! ah ! Mulher
de nossa raça não mente fogo ... Eu sabia que havias de cair
também, mesmo com a tua proa e com a tua sabença . . . Já
não há de sentir tanto desprezo e tanta vergonha de tua
mãe, a quem tratas como a uma cadela. Agora falaremos de
igual a igual . . . Tão bom como tão bom! Muitas felicidades,
senhores noivos ! Estejam à vontade, e até amanhã ! "

E entrou no seu quarto, puxando a porta com estrépito


e fazendo a chave ranger com força na fechadura .

138


(Antônio Sales. Aves de Arribação. S. Paulo, Companhia
'

Editora Nacional, 2 .a ed., 1929, pp. 24-8; 29-30 ; 182-4.)

Quatro excertos do romance : um do capitulo I, dois do


II e um do IX . Primeiro, a preparação da igreja e o retrato
moral do antigo vigário. O outro trecho dâ-nos o retrato do
Dr . Alípio : pouco importa seu aspecto físico ao escritor, mais
empenhado em desvendar-lhe a psique. Temos assim um es­
boço do caráter do anti-herói, que não é um mancebo virtuoso
(como eram os heróis românticos) , mas um estudante co­
mum , ambicioso, sem outro brilho além dos dons da orató­
ria e do fato de haver publicad·o um livro de poemas, inti­
tulado Pingentes, editado no Recife. Observe-se que, para a
obra surgir envolta numa auréola de veracidade, teve prefá­
cio de Tobias Barreto (lembre-se, na Casa de Pensão, de Aluí­
sio Azevedo, as alusões a figuras da vida real maranhense) .
Vê-se ainda que, não fora a morte do pai e Alípio nem teria
concluído o curso . Num trecho do capítulo III (que não
transcrevemos) , dirá ele próprio : ''Gozar e subir, eis o meu
fim; quanto aos meios, serão os que as circunstâncias dita­
rem. " Essa concepção maquiavélica da vida, e mais o enredo
do romance, dão bem uma idéia do estofo moral dessa perso­
nagem, digna de um Eça ou de um Aluísio. No segund·o trecho,
destaca-se a graça com que Antônio Sales pinta o ambiente :
algumas notas românticas do 1.o parágrafo logo se dissipam
diante do realismo do segund·o, onde entra em cena o ele­
mento caricatural e pitoresco, através dos diversos timbres
dos cantos dos galos . Em seguida, um rápido diálogo traduz
a Ingenuidade do coletor Asclepíades, cuj a glória maior se
resume em haver estado na capital do País. O excerto final,

que encerra o capítulo IX, é talvez o ponto mais alto de todo


C} romance : aqui podemos constatar a perícia do escritor en1
nos dar, sem crueza, uma cena que nas mãos de un1 natu­
ralista à outrance apareceria inteira, surgindo, aqui, indire­
tamente, pela observação da mãe de Bilinha, cuja apreensão
é de alguma forma comparável à da sogra de Luísa, n' O Simas
de Pápi Júnior. Com a diferença fundamental de a mãe da

139
professora alegrar-se com a queda da filha, por motivos que
seu monólogo deixa claros . Sal iente-se ainda a força de su­
gestão contida nesse ' 'pass o balanceado de uma leoa decré­
pita," com que se retira a velha mãe de Bilinha . Esse ro ­
mance, que um crítico desavisadamente disse enfocar "o dra­
ma da seca," 26 na verdade não se enfileira nessa literatura
que se inicia com A Fome, de Rodolfo Teófilo . É o retrato de
um drama passional e da vida pacata de uma cidadezinha
do interior cearense. Para não repetirmos a classificação de
" regionalista," que alguns lhe têm dado, mas que nada ca­
racteriza, preferimos considerá-lo um romance realista .

GUSTAVO BARROSO

'
GUSTAVO Dodt BARROSO Nasceu em Fortaleza, no
dia 29 de dezembro de 1888, vindo a falecer no Rio de Ja­ •

neiro, em 3 de dezembro de 1959 . Deixou o Ceará em 1910,


indo residir na Capital do País, onde concluiu o curso jurí­
dico, aqui iniciado . Voltou ainda ao Ceará, como Secretário
do Interior e Justiça, em 1914, exercendo depois mandato de
deputado federal pelo Ceará . Pertenceu à Academia Brasi­
f

leira de Letras, da qual foi por duas vezes Presidente ; foi ainda
Diretor do Museu Histórico Nacional . Desde cedo salientou- se
nas lutas da imprensa como j ornalista de pulso. Sua vastís­
sima bibliografia, que chega a quase cem títulos, abrange
os mais diversos temas e gêneros. Todavia, podem-se desta­
car, na Sociologia Sertaneja : Terra de Sol ( 19 12 ) , Heróis e
Bandidos ( 1 917) , Almas de Lama e Aço ( 1930) ; na História :
Tradições Militares ( 1918 ) , O Brasil em Face do Prata ( 1930 ) ,

História Militar do Brasil ( 1935 ) , História Secreta do Brasil


( 1936 a 38 3 vols.) ; Literatura Histórica : Guerra do Lopes
( 1929 ) , Guerra do Flores ( 1929 ) , Guerra do Vidéo ( 1930 ) ,
Guerra do Artigas ( 1930 ) ; na Poesia : As Sete Vozes do Espí- •

rito ( 1946) ; Biografia : Osório, o Centauro dos Pampas ( 1932) ,


Tamandaré, o Nélson Brasileiro ( 1933 ) ; Memórias : Coração
de Menino ( 1 939) , Liceu do Ceará ( 1940) , Consulado da China
( 194 1 ) ; Folclore: Casa de Maribondos (192 1 ) , Ao Som da

140 ,
Viola ( 192 1) , A través dos Folclores ( 19 27
) ; Conto e Novela :
Praias e Várzeas ( 19 15 ) , Mula Sem Cab
eça ( 19 22 ) , A lm a Ser·
taneja ( 19 23 ) , Mapirunga ( 1924) , Pergamin
hos ( 19 22 ) , Livro
dos Milagres ( 19 24 ) , O Bracelete de Safiras ( 19 31 ) Rom
; an­
ce : Tição do Inferno ( 19 26 ) , O Santo do Br
ejo ( 19 33 ) , Missis­
sipi ( 1961 ) . E não aludimos às obras sobre museologia, ar­
queologia, lexicologia, política, economia, viagens, ou teatro.
Tendo adquirido renome logo quando estreou, Gustavo Bar­
roso chegou a ser um dos maiores vultos de toda a litera­
tura cearense. Leremos um de seus contos que vai transcrito
na íntegra :

ESPECTRO

A paisagem tinha a tristeza dos ermos, a quietude das


cousas abandonadas. No topo dum serro rude e escalvado,
entre carcavões ressequidos, a casa da fazenda era uma ruína,
um amontoado de paredes a cair, o madeiramento da taipa
a descoberto, os rebocos chagados ; em muitas partes o te­
lhado abatera e pontas de caibros apareciam carcomidas e
pretas ; portas tombavam dos gonzos partidos, montões de
telhas em cacos pesavam no velho assoalho esburacado. Sobre
as pedras disj untas da calçada as lagartixas aquentavam-se
preguiçosamente ao sol num eterno abalar de cabeças . Vege­
tações irrompiam a esmo, aqui e ali, entre aquela ruinaria,
viçosas, dum verde novo e forte, apoderando-se do que o ho-
mem abandonara .
Açoitada do vento, uma porta rangia fanhosa, dando um
gemido arrastado e feio como o das avantesmas por noite sem
lua, nas solidões. Entre duas travessas de pequiá robusto, na
alpendrada, o velho sino de cobre da capela senhorial escan­
celava a boca cheia de lágrimas esverdinhadas, de onde pen­
diam, a esvoaçar, umas farripas de corda .

Em torno, o matagal tristonho amarelava ao sol . &


cercas de pau-a-pique dos currais caíam aos lanços e os mou­
rões pretos, �e mad'eiras rijas, denunciavam o lugar das por­
teiras . Dentro dos curros, o esterco do gado pulverizava-se,

141
misturando-se à areia grossa, dando-lhe um tom bistrado que
enegrecia à chuva . E lá para baixo do serro, numa curva
brusca, escorria o fio barrento do rio Fonseca, levando o mi­
sero tributo de suas águas reles para as cheias invernais do
Banabuiú.

A tarde ia findar. Pelo ar andava a fumarada tênue das


queimadas distantes. O sol baixava sem raios e sem glória,
como um grande olho ensangüentado . Um vento sutil fazia
um murmúrio leve nos ramos dos marmeleiros . E longe,,
além duma várzea extensa, onde o carnaubal chorava, as
casas do arraial do Cosmo Pais punham manchas brancas
esparsas entre o verde do mato e a púrpura régia do poente .

Aquela tapera tinha sido em tempos idos de abastança


e fidalguia a residência feudal do padre Ferreira, um dos ho­
mens mais ricos e poderosos do sertão . Dizia o povo que ele
era homem de "muito dinheiro e pouco coração. " Vivera ali
por muito tempo. Entre as cercas daqueles currais mugiram
centenares de cabeças de gado. Por aquelas várzeas e car­
rascões andavam a campeã-las os seus escravos, cujo braço
fazia sair da terra colheitas magníficas. Até aquele vargedo
do Cosmo Pais estendiam-se, ciciando, os milharais da fa­
zenda e para o outro lado, nas baixas do rio Fonseca, tudo
era mandioca, feij ão e jerimum. De manhã té sol posto ou­
via-se o cantar da escravaria nas brocas do mato, no entran­
çar das cercas, no desmanchar da farinha e no plantio dos
legumes . Quando os cantos morriam ofegantes, estralejavam
os chicotes dos capatazes e o relho do feitor. De novo o ar
se enchia de melodias africanas, pungentes, repetidas, enfa­
donhas como uma vista árida de deserto.

Nunca o padre fizera um benefi.cio. Não havia na ribeira


notícias de uma esmola sua. Vivia no meio da abu11dância
entre meia duzia de concubinas pretas. Os filhos desse serra­
lho não tinham, porém, mais direito que os simples filhos da
senzala. Trabalhavam e apanhavam do mesmo modo. O padre
não considerava os escravos como gente e punha-os mesmo
um pouco abaixo dos seus cavalos de sela . O trabalho du·-

142
rava a semana inteira, sem interrupções. Não havia dia santo
que se guardasse. Sexta-feira da Paixão era o único. Matou
muito escravo de açoites e uma feita mandou arrancar, a
torquês, os dentes alvos duma sua odalisca que um hóspede
gabara a miúdo .

Teve morte digna de sua vida miserável. Uma manhã de


outubro, indo ao Quixeramobim, o cavalo espantou-se com a
queda duma galhada seca, espinoteou, bateu com as patas
num garrancho que se lhe prendeu aos jarretes . Mais cres­
ceu- lhe o medo. Deu upas, saltos e corcovos formidáveis. Não
desmontou o padre, que era exímio vaqueiro, corredor de ar­
golinhas, pegador de gado pelo rabo, a laço e a unha, no limpo
e no fechado das caatingas . De orelhas fitas, arquejando, o
pedrês atirou-se mato adentro, furando a ramaria espessa .
O pajem procurou segui-lo, o que só pôde fazer com muita
dificuldade. Foi encontrar o garanhão atirado abaixo dum
barranco, nas vascas da agonia, com o pescoço quebrado, par­
tidas as patas e o couro varado de estrepes . Perto achou o
padre. Na carreira furibunda batera com o crânio num ramo
de mororó. Estava morto e da cabeça brechada a mioleira va­
zava pelo chão . . .

Contavam depois por ali que, quando o foram enterrar,


o caixão ia vazio. O corpo desaparecera. Disseram que o diabo
o levara. O Bernardo da Cauã afirmava ter visto na tarde do
enterro um negro todo encourado surgir na casa da fazenda.
A afluência era numerosa e ele quase não foi notado. Era Sa­
tanás em pessoa, com toda a certeza, aquele vaqueiro.

Depois, ao abandono, a casa foi- se arruinando. Hoje es­


tava naquele estado . Noite de sexta-feira ninguém passava
ali . Para ir ao Cosmo Pais fazia-se um rodeio .

o padre aparecia no alpendre, de batina, miolos pingando


da cabeça aberta, alto, espigado, olhos em fogo. Agarrava-se
à corda do sino ; puxava - a desesperado .

E o sino reboava fanhoso por aqueles campos vastos, en­


voltos no sudário branco d·a lua ou no manto negro da es-

143
curldão como voz de além- túmulo que proclamasse ao mundo
dos vivos a fealdad.e e a torpeza daquela alma !

( Gustavo Barroso. Praias e Várzeas. Rio de Janeiro, Li­


vraria Francisco Alves, 1915, pp. 73-7.)

É difícil dizer-se qual o gênero em que maior mestria


demonstrou Gustavo Barroso : de nossa coletânea estariam
excluídos j á, p.elos motivos expostos na nossa Introd·ução, as
páginas de sociologia sertaneja de Terra de Sol, seu primeiro
livro, e para muitos sua obra-prima ; assim também aquelas
que tratam d.e História� Com exceção da poesia, na qual o es­
. !
critor não lo grou elevar-se muito, igualmente grande ele res­
salta no. memorialismo, no romance .e no conto. Apresenta­
mo-lo neste último gênero, ·a través de uma das histórias curtas I
do livro Praias e Várzeas ( 1915) . Podemos, com a leitura de
I

"Espectro," constatar a segurança e a felicidade do escritor


em retratar a · paisagem que compõe o pano de fundo para o


desenrolar da narrativa; se não gasta muitas palavras com a
pintura do cenário, muito menos com a descrição da tor­
peza moral do protágonista, infinitamente mais criminoso do l

que o Padre Amaro do realista português . . . Sente-se tam­


bém nesta história curta como de resto em quase tudo que
nos d'eixou o escritor a pr�sença viva, dominante, da terra
cearense, através. da flora (pequiá, marmeleiro, mororó) aci­
dentes ou localidades (Banabu�ú, Quixeramobim) . Uma ponta
de Realismo naturalista aparece quando da morte do padre
.

Ferreira, cujos miolos vazam · pela rachadura do crânio : não


procurou o escritor suavizar a rud·eza da cena com rodeios,
à maneira dos Glose-ups cinematográficos; apresentou-a crua­
mente·, tal como surgiria no relato de u m homenl do sertão .
.
E, para mais fundamentar a verossimilhança da história, tra-
duzindo a índole supersticiosa do nosso povo interiorano, adap­
tou ao conto a . lenda do e�cQurado que, sendo o próprio de-
• •

mônio, teria levado o corpo do. padre. Na verdade, essa lenda


I
foi ouvida pelo próprio Gustavo Barroso, quando menino, e.
.

referia-se a um · Comendador · de · Fortaleza, que, segundo o


.

povo, enriquecera mediante um pacto com o Diabo ; tal fato

144
e contado num dos volumes de m
,

emórias, Coração de Menino


(pp . 1 19 -20) . O livro Praias e Várzeas se compõe de 1 1 contos,
cujos enredos ora se passam no sertão ora no litoral, como
aliás indica o titulo, e foi o terceiro livro publicado por Gus­
tavo Barroso, trazendo ainda, abaixo d'e seu nome, o pseu­
dônimo com que largamente colaborou na imprensa : João
do Norte.

HERMAN LIMA

HERMAN de Castro LIMA Nasceu em Fortaleza, em


1 1 de maio de 1897 ; trabalhou na Fotografia Olsen por volta
de 1910, sendo mais tarde auxiliar da estrada de rodagem
de Aracati a Morada Nova, em pleno sertão; regressando a
Fortaleza, foi nomeado escriturário da Delegacia Fiscal em
192 1, transferindo-se, no ano seguinte, para repartição con­
gênere em Salvador, Bahia, onde se diplomaria em Medicina,
seis anos mais tarde. Foi áuxiliar da Presidência da República,
de 1933 a 1937, quando foi designado para a Delegacia do
Tesouro em Londres. Publicou : Tigipió ( 1924) , A Mãe-da­
-Agua ( 1928) , e Garimpos ( 1932) , os dois primeiros de contos
e o terceiro, romance; escreveu também livros de viagem (Na
Ilha de John Bull 1941, e Outros Céus, Outros Mares -

1942) , além de diversas obras sobre caricatura, destacando-se


a monumental História da Caricatura no Brasil ( 1963) , em
4 vols. É também teórico do conto, tendo publicado O Conto
( 1958) e Variações Sobre o Conto ( 1 952) . Ultimamente pu­
blicou um livro de memórias, Poeira do Tempo (1967) .

VENTURA ALHEIA

Conto do livro Tigipió, fala-nos de dois irmãos que, desde


pequenos, eram amigos de Isabel, menina da vizinhanç a; Jus­
tino era belo e saudâvel , ao passo que Damião era raquítico
e extremamente feio; com o tempo, Isabel, j á moça, começa
a fugir das amabilidades de Damião, enquanto se enleva na
presença de Justino. Leiamos um trecho do início e o final
do conto :

145
As duas casas ficavam a pouca distância uma da outra,
separadas apenas por uma cerca de pa-us-a-pique, e um capão
cerrado de paus-brancos e mo.fumbos,- çheios de perfume, en­
frouxelados de arminho e de ouro no .inverno, garranchentos
e negros quando o estio chegava . :
. ' .
Vizinhos havia anos sem conta, os dois filhos do velho
Marcelino foram sempre muito amigos de Isabel, a filha de
sinhá Felipa. órfãos de mãe, muito �ovos ainda, os rapazes
cresceram desiguais em tudo . Justino, o mais velho, era um
cabloco airoso � vivo, muito fornido de cqrpo, de cara bonita
e franca, de uma alegria sem par. O outro, o Damião, pe­
quenino, raquítico, o tronco abaul�do, os ombros para cima,
só tinha em proporção a cabeça, uma cabeçorra - horrível, de
olhos esbugalhados, · vítreos e mansos, como olhos de peixe
ou de sapo . O nariz rom�udo parecia arrebentado a socos .
.


O lábio superior, partido e arrepanhado . num "sinal de chave,"
descobrindo-lhe os dentes e as gengi.yas, daya�lhe um ar feroz
de cão de fila . O . mento :fino �ompia. saliente, entreabrindo­
-lhe a boca enorme, de forma -� por consta�temente à mostra
um pedaço de lingua . entre a beiçada . .E os braços longos e
.

magros tomb�vam-lhe flácidos, . a repousarem �o regaço, quan­


do ele ficava em calma, sempre encr�zado como um . árabe,
com os gravetos .d�s · pernas lamentáveis . metidos para . as
coxas .
. .
. Enquanto �ão lhes chegou a adolescência,
. os . dois irmãos,
muito · un�dos, andavam sempre a folgar com a vizinha
. .

mimosa, a caboclinha de carne acanelada e rosto lindo, que,


aos doze anos, era já uma promessa
. radiosa de mulher. Pe-
.

quenina, gorducha, os cabelos de azeviche revoltos sobre a


cara, os seios repontando no casaquinho de �hita, salientes e
duros como duas ta�geri� verdes; muito rija de carnes,
,

muito esb�lta. de linhas, dona ·dos olhos mais negros e fui­


gentes, e d·a ·boça . mais _ fresca e polpuda que se podia ima-
.

ginar . Da mesma idade do . rapaz mais· velho, . Is�bel tinha-,


para o outro, as·sqmos .de temura q.uase . maternal, aten�a a
miséria física do pobre. Justino, sempre j ovial, ante aquelas

146
pr1m1c1as de amor, ria muito, ajudava-a a mimar
. , .

o · irmão,
exageradamente, chamava-a de ''m ãezinha '' ''m ãezinha ''
·
'
do outro . E, nos foguedos comun·s , figuravam sempre assim,
como uma família amiga e feliz, contentando-se o doentinho
com a S'orte d·e invâlido que lhe davam os outros .

• • • • • • • • • •
• •

• • • • • • • •
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
• • • • • • • • •

A rapariguinha recebia- o num sorriso doce, indagava de


sua saúde, calava-se após, entregando-se ao trabalho em que
se ocupava, ora · trocando os bilros na almofada, mudando
com ligeireza os espinhos de �andacaru, ora na tarefa de ·

costurar um chapéu de palha, cuja trança a mãe preparava , a


um lad o .
.

Damião quedava, então, enlevado ante ela, minutos a


fio, pobre Tântalo do amor, � que por cois�a · alg.uma do mundo,
nesses momentos inefáveis, s.e arrancaria dali, do seu êx­
tase de sapo ante as estrelas. E era sempre mais desolado e
suspiroso que deixava, a custo, a casa· da vizinha .
· ·

Para irem lá, os dois rapazes seguiam sempre por uma


vereda serpeante, aberta ria mata, sob o túnel de garranchos
do capão .
.
. . . .

Ora, um dia, e�tando Justino fora de casa havia j á


. .

uma semana, encaminhando-se para o mato, com a es-


pingarda d·e dois canos carregada, ao ombro, e o polvarinho
.
e a cabacinha de chumbo à cintura, tomando a trilha es-

treita, para ganhar, além, as capoeiras, · Damião encontrou,


a pouca distância d'a cerca · de paus- a�pique · os restos de uma
ovelha arrebatada na véspera ao chiqueiro, por uma onça des­
temida, que o devastava aos poucos, de certo . tempo em diante.
Certo de que o animal voltaria . à noite, para finalizar o re­
pasto interrompido, o rapaz reso�veu preparar-lhe uma ar­
madilha com a espingarda, quando regressasse da caça, ao
fim do dia. Atirou um. olhar para as· · bandas da palhoça vi­
zinha, que mal sé entrevia adiante; através das · galhadas ne-
gras, .n�m suspirq internou-se no ma�o. . . . .

147
Nesse dia, entretanto, Justino, que saíra do Aracati, duas
horas antes, apeava-se, ao anoitecer , em casa do Fortunato
Rocha, no Rancho do Povo, para um breve descanso, que apro­
veitou para "bater a sela," o que, no dizer matuto, equivale
a boa ração de milho para o animal. E , quando cavalgou, no­
vamente, o pedrês esquálido, rumando à casa, o sol descam ­
bava já para o poente, sem pompas violentas de cores, ama­
relado e frio.

Seriam sete horas, quando o rapaz se apeou no terreiro


da casa. Aí, foi só desarrear o animal, que se atirou para um
lado, espojand<rse na areia, a bufar, com volúpia, entrou,
para tomar bênção ao pai e precipitou-se de corrida pela ve­
reda, para a casa da namorada.

Mal ele passara, Damião, que perdera o tempo todo va­


gando ao longe, sem abater uma caça, entrava pelo atalho
procurando os despojos da ovelha abandonada. Diante deles,
ao pé do mato fronteiro, apoiada a duas forquilhas de pau­
-branco, o rapaz colocou a espingarda b.em firme, visando a
carniça; amarrou um cordel aos gatilhos armados, passando-o
por trás d·a arma, por um torozinho de madeira fincado no
chão, a pouca distância ; e levou a outra ponta ao outro lado
da estrada, prendendo-a num tronco de hortênsia, junto à
presa abatida. Quando a onça voltasse, topand o na linha dis­
tendida, faria detonar a arma certeiramente .

Perigo de alguém passar por ali não havia, pois só ele e


o irmão corriam aquela trilha perdida, e o Justino, àquela
hora, devia estar ainda pelo Aracati . Pronta a armadilha, le­
vantou-se, examinou tudo com vagar, endireitou para casa .

Aí, porém, aterrado, viu o cavalo do irtnão, o pai lhe disse


que ele chegara pouco antes correndo logo à procura da vizi­
nha. O rapaz ficou por um momento imóvel, varado de susto.
Mas, de repente, sem uma palavra, atirou-se à disparada para
a vereda, a evitar que o outro, de volta, fosse de encontro à
arma traiçoeira . Ao defrontâ-la respirou em desafogo, por en­
contrá-la intacta . Parou resfolegando, morto de cansaço, as
pernas bambas, o coração estrondando no peito . E , passa.do

148
um instante, abaixou- se, dispunha-se a desfazer a armadilha,
quando vozes em diálogo, muito perto, o sustiveram . Erguen­
do-se então a meio, protegido pela sombra da mata garran­
chenta, correu a vista em tomo, a fim de ver quem falava .

A lua, alta no céu, muito branca, muito limpa, aclarava


como o dia o campo vizinho . A pouca distância, rumando à
cerca de paus- a-pique, vinham dois vultos abraçados, não tar­
dou a reconhecer o irmão e a namorada .

Damião, estarrecido, opresso, o cavername do peito num


estrupido de forja, estacou vivendo só pelos olhos, olhos de
fogo, que davam calafrios, assim luzindo na penumbra . Em­
bora soubesse, havia muito, dos amores dos dois, nunca os
vira assim, sozinhos, de par, aos beijos como dois noivos ven-
turosos . A cabeça ficara-lhe à roda, corriam-lhe manchas pela
vista , sentia-se estrangular de dor. Pelas fontes batia-lhe um
pampam de sangue a latejar, tombaram-lhe os braços inertes
para o chão, estava de joelhos · na areia; a boca escancarada,
hedionda, deixava escorrer uma filetação de baba entre a bei­
çorra . Duas grandes lágrimas doloridas ferviam-lhe nos olhos
loucos . Imóvel como um tronco, abatido ao pé da armadilha ,
ficou assim um tempo enorme, sem sentir, sem viver .

Mas, os dois tinham parado em face da estacada, Justino


despedia-se para saltar a cerca .

Então, de rep.ente, num pulo feroz, o rapaz precipitou-se


para a ·arma carregada, calcou com força na forquilha de trás,
que a sustinha, alçou assim mais o cano, até pô-lo à altura de
visar um homem . E, tudo pronto, o cordel esticado, os ga­
tilhos abertos, prestes a bater, agachado ao pé do mato,
cauteloso e sinistro como uma sombra maldita, Damião ati­
rou-se a correr pela vereda em fora, como um doido, soluçan-
do de dor e de ódio .

(Herman Lima. Tigipió e Garimpos. Rio de Janeiro, Or­


ganizações Simões, 1951, pp. 63-6.)

o conto focalizado tem como cenário a paisagem inte­


riorana, onde mourejam agricultores à beira do riacho de Rus-

149

sas . O Realismo· ressalta logo no início da narrativa·, quando


o autor nos mostra a hediondez de Damião, cuja descrição por­
menorizada contrasta com a da beleza da menina Isabel , que
ainda criança quase já inspira algumas leves notas de ero­
tismo, inúmeros parágrafos do segundo trecho transcrito re­
velam um pouco de cor loçal, através do vocabulário caracte­
rístico : é o trabalho da almofada, com os espinhos do manda­
caro, são os vestígios deixados .p or .uma onça j unto às capoei­
ras, é o caboclo a " bater a sela", enfim, alusões a tudo quan-
.

� rodeia a vida dos sertanejos, sem faltar a referência topo-


. .

gráfica : o Aracati . Em meio a tudo isso., destaca-se, dominan-


do tudo, o drama terrível que se desenrola no íntimo do infe-


liz Damião : vítima de um determinismo
. implacável, nascera
.

predestinado ao desprezo ou, quando muito, à pi.edade ; arma -


.
-se assim o clássico �'triângulo amoroso" que tem, no vértice,
a bela Isabel e, ·nos outros ângulos, os dois irmãos belo e ama­
do, 11m hediondo e desamado outro . Note-se que, mesmo sa-
bendo
. ou
.
desconfiando dás preferências
. da.
moça, Da�ião não
desejava mal ao irmão, tanto ·assim que correu a desarmar a
armadilha, a fim de que não fosse Justino a vítima do tiro ; a
. ..

cena dos dois juntos, entretanto, despertou-lhe o ciúme, fa-


zendo-o perceber claramente toda a extensão de sua desgra­
ça . Trata-se, portanto� de uma página regionalista (como to­
das as narrativas desse livro de H·erman Lima) , mas com pre­
dominância do aspecto . psicológico explor�do com mão de
mestre . É realista a linguagern do �scritor, a que nãQ . faltam
mesmo certos requintes que poderíamos talvez cham�r de par�
nasianos, . como a alusão a� mito de Tântalo; nem faltam,.
igualmente, . tintas �atur�listas na desçrição da fealdade de
.
Damião, no.tadam��t.e no . mome�to e� que. ele presencia a
.

cena dos 4ois namorados, aos beijos, à luz da lua ("a boca es-
cancarada, hedionda, deixava escorrer uma filetação de baba.
entre a beiçorra") . Conquanto publicado 11a Bahia, Tigipió,.
além · de · erueixar con�os. onde �stá :presente a �rra cearense,
'
. .
o '
1 ;

foi todo escrito aqui, sob o "influxo das ieituras de Afonso Ari-
nos e Gustavo · Barroso, sendo uma das · mais representativas
obras ·da ficção cearense, em : todos . os tempos .

150
- -----

n o S u l d o Pais, o certo é que, talv


ez mesmo antes de. tomar
conhecimento d o grupo da Fo
lha Popular que em 1891 con­
gregou poetas como Cruz e Sousa,
Emiliano Perneta e B. Lo­
pe s, eram já simbolistas alguns membr
os da Padaria Espiri ­
tual , dois dos quais deixaram livros de po
esia: Lopes Filho e
Livio Barreto; por isso, quando estudarmos o Sim
bolismo no
Ceará, as duas figuras apresentadas serão precisamen
te esses
d oi s "padeiros" .

Mas é tempo de falarmos no grêmio que surgiu para fazer


frente à Padaria Espiritual, iniciando uma emulação que mais
ainda agitaria a modorrenta vida literária da Província: o
Centro Literário.

O CENTRO LITERÁRIO

Aparecendo em 1894, essa agremiação não teve evidente­


mente a mesma originalidade e, em conseqüência, a mesma
projeção nacional conseguida, dois anos antes, pela Padaria
Espiritual.

Todavia, seu nome chegou ao Rio de Janeiro, onde tam­


bém foi cercado de elogios, e não se pode de maneira alguma
dizer haja sido o Centro Literário um grêmio como dezenas de
outros que pululavam em todo o Estado, nas últimas décadas
do século XIX: é que, além de haver quebrado a quase tradi­
cional transitoriedade da maioria dos agrupamentos de in­
telectuais da Província, logrando manter-se durante cerca de
10 anos, chegou a publicar uma revista, intitulada Iracema, e
reuniu o maior número, talvez, de sócios já observado entre
nós, sendo que, ao lado do aspecto quantitativo pesava forte­
mente 0qualitativo, t�l a envergadura intelectual de grande
.
parte de seus componentes.
Esses sócios,- entretanto, não ingressaram todos de uma
só vez, nem de duas, nem mesmo de três: fundado no dia 27
de setembro de 1894, d'ois dias depois o jornal A República
noticiava sua instalação, dele dizendo: "Isento do vírus con­
taminoso e letal do exclusivismo, combaterá em prol de todas

167
as idéias alevantadas, visando torná-las do embrião à reali­
dade pelo consentâneo e mútuo auxüio de tódos por um . " Em
seguida vem a lista dos sócios, nesta ordem: _,....

Juvenal Galeno
Viana de Carvalho •

Temistocles Machado
Pápi Júnior
Alvaro Martins
Luis Agassiz
·Pedro Moniz
Rodolfo Teófilo
Alves Lima
José Olimpio
I
Otacílio de Oliveira
Ulisses Sarmento
Francisco Barreto
João Barreto
Bonfim Sobrinho

Alfredo Severo
Tancredo de Melo
J ovino Guedes
.

Quintino Cunha
Frota Pessoa
Eduardo Sabóia I

Alcides Mendes \
Farias Brito I

Bruno de Sabóia
Almeida Braga I
Belfort Teixeira •

Desta primeira lista podemos dest�car alguns nomes que


ainda hoje brilham com intensidade, como os de Quintino
Cunha, Juvenal Galeno, Farias Brito, Rodolfo Teófilo e Pápi
Júnior. Outros, são ainda lembrados por quem lida com a li­
teratura entre nós, como Frota Pessoa, Alvaro Martins, Te­
místocles Machado ou Bonfim Sobrinh o; alguns, porém, mer­
gulharam no esquecimento completo.

'168
. . ·-
----=-
=--- =----

Assi m é que, da lista de mais 22 sóciós que foram admi ­


tidos no ano seguinte, ou seja, em 1895, podemos assinalar as
presenças de ANTONIO BE·ZERRA ("padeiro" como vários da
primeira lista, e aos quais nos referiremos mais tarde), JUS­
TINIA NO DE SERPA (que, ao lado de Antônio Bezerra, foi
estudado no Romantismo, ·entre os "Poetas da Abolição"), Jú­
LIO OLfMPIO, RODRIGUES DE CARVALHO (que será figu­
ra de proa logo mais), GUILHERME STUDART (depois Barão
de Studart), SOAR ES BULCAO, FERNANDO WEYNE, .ANí­
BAL TEóFILO e FlúZA DE PONTES.

No fim do mesmo ano de 95, resolve-se reduzir o número


de sócios para 30, sendo que, ainda assim, no novo quadro fi­
guram sete sócios que não faziam parte do Centro Literário,
I ficando assim con.c:;tituído:

1 Guilherme Studart
2 Pápi Júnior
3 ---- Pedro Moniz
4 Alvaro Martins
5 Frota Pessoa
6 Viana de Carvalho
7 Francisco Carneiro
8 Francisco Matos
9 Antônio Ivo
10 Rodrigues de Carvalho
11 Soares Bulcão
12 Temístocles Machado
13 Joaquim Carneiro
14 Aníbal Teófilo
15 Marcolino Fagundes
16 João Lopes Ribeiro
17 Matos Guerra
18 Nabor Drumond
19 Alfredo Severo
20 Francisco Xavier de Castro
21 : · ernando Weyne
F
22 Pâdua Mamede

169
23 Alcides Mendes
24 Joaquim Fabricio
25 Martinho Rodrigues
26 Farias Brito
27 Antônio Bezerra
28 Justiniano de Serpa
29 José Lino da Justa
30 Fiúza de Pontes

A partir de 1896, diminuíram sensivemente as atividades


do grêm.io: sua revista, Iracema, criada em abril de 1895, ain ­
da circulou por todo o ano seguinte, ao fim do qual se extin­
guiu. Mas tanto é verdade que não havia mais aquele entu­
siasmo dos primeiros tempos, que Antônio Sales, escreven­
do a respeito da literatura no Ceará, dizia haverem-se extin­
guido "quase ao mesmo tempo" a Padaria Espiritual e o C.en­
tro Literário, "por morte ou expatriamento da maioria dos seus
membros''. 36 Lembre-se que Sales escreveu isso na década
de 20. Entretanto, o Centro Literário ainda lutou por vários
anos, vindo a desaparecer somente em 1904, ou início de 1905
(segundo constatou Dolor Barreira), durando, por conseguin­
te, cerca de dez anos. Antônio Sales, porém, certamente pelo
fato de residir no Rio de Janeiro nos primeiros anos deste sécu­
lo, não chegou a tomar conhecimento da reorganização do
grêmio, que teve lugar em 1900. ·

Rodrigues de Carvalho, num artigo intitUlado ''O Ceará


Literário nestes últimos dez anos'', referira-se ao Centro, em
1899, qualificando-o de "plêiade dos batalhadores que mais
contribuíram para a agitação operada em nossa vida literária,
de
· 1894 a 96". 37

Mas foi ele mesmo quem, no ano de 1900, assumindo a


presidência da entidade, convocou alguns sócios, a fim de fa­
zer renascer o entusiasmo que os impelira na década de 90 . j

Infelizmente escasseiam os documentos pelos quais se


possa acompanhar � atividades do Centro por volta de 1896,
quando ameaçou extinguir-se; todavia, pelo "Livro de Memó­
rias do Centro Literário", transcrito na revista A spectos, da

170
··�
-- ------ ---

Secretaria de Cultura do Ceará (julho a dezembro de 1968),


podemos ver que, antes da reorganização, havia feito parte do
grenuo o poeta LOP ES FILHO, agora pranteado, nessa ses-
" .

são de 1900, juntamente com dois outros centristas falecidos:


BONFIM SOBRINHO e PEDRO MONIZ.

''Os convocantes diz a primeira Memória acharar11


por demais penoso deixar extinguir-se lentamente, impercepti­
velmente, uma das mais apreciadas sociedades de letras do
Ceará, já bem conhecida e elogiada em todo o território na­
cional".

Dessa nova fase fizeram parte, além de vários remanes­


centes da década de 90, cerca de 37 novos sócios, que foram
ingressand·o gradativamente no �êmio; destaquem-se os no­
mes de bRUNO BARBOSA, TELES DE SOUZA, EURICO
FACó, ALBA VALDEZ, JOSÉ AI.BANO, ALVARO BOMfLCAR,
ULISSES BEZERRA, e HENRIQUE CASTRICIANO.

Revigorado nos fins de 1900, o Centro Literário ainda re­


sistiria, como foi dito, por mais quatro anos, aproximadamen­
te; havendo há muito deixado de circular a revista Iracema,
porta-voz dos centristas, resolveu-se editar um periódico que
deveria intitular-se Jornal da Semana. Ao que tudo indica,
esse jornal jamais foi lançado.

Ao longo de sua existência, esteve o Centro Literário sob


as presidências de Temístocles Machado, Guilherme Studart
(duas vezes), José Lino da Justa, Pápi Júnior e Rodrigues de
Carvalho. . Quanto a isso não parece existir dúvida; alg o con­
traditória, entretanto, é a história de sua origem .

Ouçamos em primeiro lugar a palavra de Rodrigues de


Carvalho, membro da agremiação, no citado artigo escrito em
1899, cinco anos depois de fundado o Centro, portanto:
Um certo exclusivismo estabelecido pelos rapazes da
" Padaria Espiritual", que só admitiam no seu grêmio de­
terminados estreantes, que muitas vezes não ofereciam os
requisitos mentais compativeis com a reputação da So­
ciedade, concorreu para que, dada uma rivalidade inci-

171
tante, um grupo de moços talentosos fundasse o ''Cen­
tro Literário". A idéia partiu do cerebro de Pápi Júnior,
uma insubmissa mentalidade. 38

Outro contemporâneo, Antônio Sales, criador e um dos


principais componentes da Padaria Espiritual como vimos
-, escreveria, a respeito:

A animação que vinha de fora e a emulação que se


operava dentro deram lugar à fundação de mais duas as­
sociações o Centro Literário, composto de novos dissi ­
dentes, e a Academia Cearense. 39

Leonardo Mota reporta-se ainda a um estudo de Antônio


Sales, intitulado "Pelo Ceará Intelectual", onde o autor das
A.ves de Arribação teria escrito: •

Uma cisão operada na "Padaria" com a retirada de


Alvaro Martins e Temistocles Machado determinou a
' uma outra associação que tomou o nome de
criação de
"Centro Literário".40

Vimos que, enquanto Rodrigues de Andrade at.ribui a Pápi


Júnior a idéia da fundação do Centro Literário, Antônio Sa­
les afirma que a saída de dois "padeiros", Álvaro Martins e
Temístocles Machado, foi a causa d'a criação do novo grêmio .
Quanto a Leonardo Mota, não sendo contemporâneo, mas
di.scordando da versão de Rodrigues de Carvalho, argumenta
nestes termos:

A fundação do "Centro Literário" foi um acinte de


Temístocles Machado e Alvaro Martins à "Padaria", com
a qual não andavam em cheiro de santidade. Pápi Jú-
. nior com eles se uniu, mas a prova de que os verdadeiros
fundadores do "Centro" foram os ex-Padeiros menciona­
dos temo-la no fato expressivo de a primeira presidência
ter cabido a Temístocles, que contava 20 anos incomple­
tos, e não a Pápi Júnior, bastante mais idoso, já com pro­
jeção social no meio e reputado homem de letras. 41

Lembra ainda Leonardo Mota que, tendo sid o fundado o


Centro Literário no dia 27 de setembro de 1894, logo no dia se-

172

..


g inte a Padaria Espiritual expuls
ava os dois sócios, o que,
dtga-se de passag;em, inverte a situaçã es
o boçada por Antônio

S les, para quem a saída de Alvarins
e Temístocles é que te-
ria determinado o nascimento do novo grêmio. A não ser que
Sa le s tivesse escrúpulos em dizer abertamente que sua agrc­
lniação havia punido com expulsão dois de seus membros, pelo
sim ple s fato de fundarem ou ajudarem a fundação de outra
sociedade literária.
.
Há porém um fato que tem passado despercebido a quan­
tos se debruçam sobre os raros documentos de nosso passado
literário: Rodrigues de Carvalho, no citado artigo, fala de uma
Carta-Circular, de 15 de outubro de 1894, espécie de manifes­
to dos criadores do Centro Literário, esclarecendo que tal
documento foi assinado por Temistocles Machado, Pápi Jú­
tlior, Juvenal Galeno, Farias Brito, Pedro Moniz, Jovino Gue­
des, Ulisses Sarmento, Alcides Mendes, Otacílio de Oliveira,
\'ia.n a de Carvalho e Bonfim Sobrinho (Grifos nossos).

Não vemos aí o nome de Álvaro Martins. Vemos, isto sim,


além de outro "padeiro" dissidente, Temístocles Machado, o
primeiro Padeiro-Mor que teve a famosa agremiação: Jovino
Guedes. Nessa época, Venceslau Tupiniquim já não era Padei­
ro-Mar (tanto assim que Sales, no Retrospecto, escrito no fim
de setembro de 1894, já se assina como Padeiro-Mor interino),
mas isso não determinou sua expulsão.

Rodrigues de Carvalho, ainda no artigo mencionado, enu­


mera os novos elementos que se juntaram aos primitivos, e
então é que, ao lado de inúmeros escritores, aparece Álvaro
Martins.

, Te m ís to cl es M ac ha do e Jo vi no G ue de s
Álvaro Martins
ú n ic os m em br os da P ad ar ia E sp ir it u al a fa ze r
n ão seriam os
fo ra m ta m b ém ce n tr ista s R od ol ­
parte d a nova agremiação:
ô er ra , E d u a rd o S a b óia, A lm ei d a B ra g a ,
fo Teófiio, Ant nio Bez
Lope s F il h o e U li s s e s B e z e r r a .

co n ta o fa to d e a lg u n s h a ve re m en tr a ­
sem levarmos em
s d e a d m it id o s n a r e or g a n izaç ã o d a P a d a r ta
d o n o c e n tr o a n te

173
Espiritual, não deixa de ser estranho que, sendo rivais as agre­
miações a ponto de se acreditar que a fundação de uma deter­
mine a expulsão de membros de outra, não deixa de ser estra ­
nho que houvesse elementos que pertencessem simultanea­
mente aos dois grêmios. Além disso, como se vê claramente
pelas notícias estampadas nos jornais da época, sempre que
havia festa numa das duas sociedades a outra se fazia repre­
sentar, da maneira mais cordial.
Conforme temos visto, é enorme o número de componen­
tes do Centro Literário; entretanto, procuraremos destacar
algumas de suas mais expressivas figuras.

Antônio PAPI JúNIOR (1854 1934) Teatrólogo, poe-


ta, romancista e contista, já tivemos oportunidade de estudá­
-lo entre os cultores do romance realista.

PEDRO MONIZ (1866 1898) Poeta, contista e jor-


nalista, exerceu as funções de S.ecretário do Centr o e publicou
Bíblia do Amor (1895), e Versos de Ontem (1896), além de
uma novela realista, "O Estupro", na revista Iracema.
TEMiSTOCLES MACHADO (1874 1921) Vimo-lo en-
tre os fundadores da Padaria Espiritual, com a qual rompeu,
fundando o Centro Literário, do qual foi o primeiro Presiden­
te. Será apresentado adiante como poeta.

ALVARO Dias MARTINS (1868 1906) Fundador da


Padaria Espiritual, dela foi expulso juntamente com Temísto­
cles Machado . Foi figura de destaque n o Centro Literário
Será estudado como poeta, oportunamente.

J UVENAL GALENO da Costa e Silva (1836 1931) -


Criador da poesia popular na literatura brasileira, contribui11
generosamente, com seu nome consagrado, para a fundação do
grêmio, do qual não parece haver participado com muito entli­
siasmo. Estudamo-lo como grande poeta romântico_

Raimundo de FARIAS BRITO (1862 1917) Conside--


rado por muitos como o maior filósofo do Brasil, estreou com
um livro de poemas, Cantos Modernos (1889); depois, publi­
cou Pequena História (sobre fenícios e hebreus 1891), Fi-

174
nalidade do Mundo (1.0 vol. 1894; 2.o, 1899; a.o, 1905). sua

obra mais importante. Escreveu ainda, entre outros traba­


lhos, A Verdade Como Regra das Ações (1905), A Base Ffsica
do Espfrito (1912) e O Mundo Interior (1914) .
José da Silva BONFIM SOBRINHO (1875 1900) Será
estudado adiante, por ocasião do exame das várias tendências
assumidas pela poesia em seu tempo .
José Getúlio da FROTA PESSOA {1875 1951) Ba-
charel em Direito, foi professor, poeta e polemista, havendo
redigido vários jornais, no Ceará. no Rio e em São Paulo. Fez
oposição ao Governo Acióli, vindo a ser Secretário do Interior
e Justiça ao tempo de Franco Rabelo. Publicou: Salmos
(1898), Crítica e Polêmica (1902), além de outras obras, en­
tre as quais A Oligarquia no Ceará (1909), terrível panfleto
contra o governo a que fez tenaz oposição.

José QUINTINO da CUNHA (1875 1943) Um dos


mais conhecidos vultos da cultura cearense. será estudado
adiante, quando da apresentação de Bonfim Sobrinho, Temís­
tocles Machado e outros.

ULISSES Teixeira da Silva SARMENTO (1875 ?) -


Não nasceu no Ceará, mas no Espírito Santo, residindo aqui.
algum tempo, como aluno da Escola Militar. Publicou Clâ­
mides (1894), livro imperfeito, que não pode ser qualificado
de parnasiano, mas se ressente de forte 'influência bilaquiana.
Colaborou ativamente no jornal A República, e no Rio publi­
cou ainda Torturas do Ideal (1900).

GUILHERME STUDART (1856 1938) Médico pela


Faculd ad e de M edicina da Bahia, Vi ce-C ôn sul da In glater ra
histor iador, fundou várias instit uições, com o o
e sobretud o
Centro Abolicionista, em 1884, o Instituto do Ceará, em 1887,
a Academia Cearense, em 1894, e o Centro Médico Cearense,

em 1913 , além de entid ades religiosas e de benem erên cia . Em

1900 fo i ag raciad o pe lo Pa pa Le ão XI II com o titulo de B a·


ud ar t. Com o vim os, fo i P reside nte do C en tr o Lite ­
rão de St
r duas veze s. É ex tens a a lista de suas ob ras, da s qu ais
rário po

I
175 •
podemos destacar História do Ceará, Fámília Castro, Ligeirog
Apontamentos (1883), Notas Para a História do Ceará Se­
gunda Metade do Sécuo XVIII (1892), Datas e Fatos Para a
História do Ceará 3 vols . (1896 a 1900), Dicionário Biobi­
bliográjico Cearense 3 vols. (1910, 13, 15), Documentos
Para a História do Brasil e Especialmente do Ceará (1904, 09,.
10), Para a História do Jornalismo Cearense (1924), além de
mttitas outras.

Francisco ALVES LIMA (1869 1958) Era natural


do Piauí, tendo-se bacharelado pe. la Academia de Direito do·
Recife, no ano em que publicou seu primeiro livro, Estrofes
(1891), com prefácio de Adolfo Ca a. Fundador da Aca­
·

demia Cearense, deixou ainda várias o�bras jurídicas, desta­


cando-se Psicologia do Direito (1909). Foi ainda promotor e
juiz no interior cearense, dedicando-se também ao magisté-
rio.

José RODRIGUES DE CARVALHO (1867 1935}


Como vimos, foi a principal figura da última fase do Centro
Literário . Cultor do folclore e da poesia, iremos reencontrá-lo.
entre os poetas que não se classificam rigidamente em cor­
rentes literârias .
.

FERN dá Costa WEYNE (1868 1906) Será.


igualmente apresentado quando falannos das vârias faceta.s.
da poesia de seu tempo.

ANíBAL TEóFILO de Ladislau y Silva de Figueiredo de


Girón de Torres y Espinosa (1873 1915) Nasceu no Pa-­
raguai (estando seu pai em campanha), vindo para o Ceará.
como aluno da Escola Militar; escreveu aqui· seus primeiros
versos . Transferiu-se depois para a Amazônia, dali se mu­
dando para o Rio de Janeiro, onde conviveu intimamente
com Bilac, Emílio de Me.nezes, Coelho Neto, Martins Fontes.
e outros da chamada "boêmia dourada". Foi assassinado logo
após uma reunião da Sociedade dos Homens de Letras do Bra­
sil. Um de seus sonetos, "A Cegonha�', tornou-se nacionalmen--
te conhecido. 42

176 •


José Pedro SOARES BULCAO (1873 1942) Político,
historiador e poeta, será visto oportunamente entre os verse­
jadores d'e várias tendências que poetaram mais ou menos
independentemente.
.. ...... - ...

' (. -

Antônio FiúZA DE PONTE S (1876 1909) Bacharel


em Direito pela Academia do Recife, foi juiz no Pará . Exer­
ceu o cargo de Secretário da Faculdade Livre de Direito do
Ceará, sendo mais tarde eleito deputado estadual . Seus poe­
mas, que espalhou em periódicos daqui e de outros Estados,
jamais foram reunidos em livro, apesar de haver anunciado
a publicação de Miosótis e Dos Tempos Idos. •

JOSÉ LINO DA JUSTA (1863 1952) Doutor em Me-


dicina, pela Faculdade de Medicina da Bahia, destacou-se
como orador e conferencista, tendo sido deputado estadual
e federal em várias legislaturas. Foi o terceiro- Presidente do
Centro Literário, último, portanto, antes da reorganização de
1900. Deixou yárias obras, notadamente discursos, estudos
históricos (Dom Pedro II e o Ceará 1906; Centenário da In­
dependência 1922), de política (Em Torno da Conferência
de Haia 1908), ou versando assuntos ligados à Medicina.
Pertenceu também ao· Instituto do Ceará.

EURICO de Queirós FACó (1879 1941) Fez parte


do Centro Literário em sua derradeira fase. Como poeta,
será estudado entre aqueles que não se enquadram rigida­
mente dentro de nenhuma escola literária .

ALVARO BOMíLCAR da Cunha (1874- 1957) - Cea-


ren�e, ingressou, no Rio de Janeiro, na carreira das armas,
vindo para a Escola Militar do Ceará; daqui seguiu para o
Rio Grande do Sul, na revolução de 1893, mas depois de
um a es ta da ·no M at o Gr os so ab an do no u a vid a m ilita r, pa s­
sando a fu nc ioná rio pú blico civ il . Cu ltivo u a po . esia na m o­
cidade, re uni nd o algu ns ve rsos �m liv ros, m as de di cou- se

depois in teira m ente aQs es tu do s so ciológ icos, no s qu ai s ob teve

grande de staq ue . P ratico u tam bé� o jom a ism o, �


fundan do

jornais em diverso s Esta dos . Publicou : G raetos a novela e

177


poesia (1901), Poemas Sentidos (1902), Elegia à memória do
pranteado poeta cearense Alvaro Martins (1906), A Política
opúsculos contendo discursos e conferências.
no Brasil ou Nacionalismo Racial (1926), além de inúmeros
JOSlt d' Abreu ALBANO (1882 1923) Figura ímpar
em nossas letras, por muitos considerad9 o maior poeta do
Ceará, José Albano será estudado no capítulo dedicado às
diversas tendências de nossa poesia, visto não poder enqua­
drar-se dentro de. nenhuma corrente estética de seu tempo.
Antônio BRUNO BARBOSA (1884 1956) Estreou
em livro aos 16 anós de idade, sendo seu livro recebido com
admiração. Posteriormente, bacharelando-se em Direito e
sendo nomeado juiz em S. Paulo, abandonou completamente
a po.esia . Publicou: Utopias (1900), com prefácio de Rodrigues
de Carvalho; Dois Discursos (1900) e Mocidade (1905) .
.

' LIO OLfMPIO da Rocha ( 1873


Jú . 1945) Funcioná-
rio da Alfândega do Ceará por muitos anos, transferiu-se para
o Amazonas, onde faleceu. Publicou Farfalhas (1902), A Co�
ruja 1903) e Crepúsculos (1906) .
.

ALBA VALDEZ Maria Rodrigues (1874 1962)


Foi professora, dedicando-se também ao, jornalismo. Além do
Centro Literário, figurou noutras agremiações culturais cea­
renses, sendo ainda �ócia do . Instituto do qeará. Publicou
Em Sonho (l901),
. e Dias de Luz (1907) sendo o primeiro de
'

contos e crônicas e, o segundo, de reminiscên.cias. São inú-


meros os artigos que deixou em revistas e jornais.
Deixamos, devido à falta de alguns dados biobibliográ­
ficos, de referir-nos a vários outros vultos de importância den­
tro da agremiação ou no panorama de nossas letras; fica
assim confirmado o que dis$éramos, a respeito do número
avultado de sócios que teve o Centro Literário.
Podemos, assim; dizer que esse grêmio, que tanta agita­
ção produziu na vida literária cearense em sua época, não
inaugurou uma nova corrente de . pensamento, como a Aca­
demia Francesa; também. não ostentou a originalidade da Pa-

178

daria Espiritual; cujo "Pro


grama de Instalação" logo se tornou
nacionalmente famoso pela es
pirituosidade; mas ninguém po­
,
�era negar haver sido o
i Centro. Literário uma das mais im-
portante� sociedades culturais d.o Cearâ, pe
. .

la .. tenacidade com
q e enfrentou as dificuldad�s d'e um m
� eio nem sempre favo­
ravel a tais cometimentos, logrando uma existência bem mais
lo�ga .que a .da maioria dos grêmios ·de s·eu tempo, pelos no�
mes que congregou, alguns de projeção naciorial.

Acrescente-se a isso a lista das obras editadas pelo Cen-


tro: Clâmides Ulisses Sarmento (1894); Coração Rodri-
gues de Carvalho (1894); Os Pescadores da Taíba Alvaro
Martins (1895); Miudinhos Fernando Weyne; Versos de
Ontem Pedro Moniz (1896); Mirtos Temístocles Macha­
do (1897); A. Cc;tminha e S·ua Obra Literária Pápi Júnior
(1898); Prismas Rodrigues de Carvalho (1898); Facetas-
Viana de Carvalho (data ignorada); Salmos Frota Pessoa
(1898); O Simas Pápi Júnior (1898); Ruínas Henrique
Castriciano (1899); Poema de Maio Rodrigues de Carvalho
(1901); Poemas Sentidos Alvaro Bomílcar (1902); Amarf·
.

lis Teles de Sousa (1902); Farfalh(!,s Júlio Olímpia


(1902). Esta lista foi publicada na aludida revista Aspectos,
precedendo as Memórias do Centro.

Não é demais porém aumentarmos ainda o rol das publi­


cações centristas, mencionando livros que pelo menos são da
época e de componentes do grêmio, como os Cromos, de Fran­
cisco Silvério (1897), autor ainda dos Cantos Singelos que tive­
ram, com o precedeqte, 2.a edição em 1904, Agonia Suprema,
de Alvaro Martins (.1902), A Coruja, de Júlio Olímpia (1903).

Some-se a essa bibliografia a larga cópia de produções,


em prosa e em verso, estampada pelos centristas nas páginas
da revista Iracema e e� outros periódicos. da época.
.

Como observou Dolor Barreira, tudo isso "teria sido em


.

grande parte esplêndido efeito da emulação que: entre o Cen­


tro e a Padaria. logo de· início se cri.ou � .. • · As duas sociedades
literárias, muito louvavelmente, tudo fariam,· sob o ponto de
.

179
vista intelectual, para suplantar e avantajar-se uma à ou­
tra ...", a

Com efeito, foi tamanha a agitação operada em nossas


letras pelas duas agremiações, que Valentim Magalhães, fi­
gura exponencial do jornalismo literário de eatão, escreveu,
na Notícia, do Rio de Janeiro, na secção ''Semana Literária'':
"O Ceará não pára, o Ceará não cansa. Rara é a semana que

eu não tenha algo a dizer de um livro ou de um escritor."

E quem lucrou afinal com a contenda foi a cultura cea­


rense.

A ACADEMIA CEARENSE

Cabe aqui falar de uma instituição à qual nos temos re­


ferido algumas vezes, ao longo deste trabalho. Trata-se da
Academia Cearense, fundada no dia 15 de agosto de 1894, anos
antes da própria Academia Brasileira de Letras, portanto.

Não eram exclusivamente literários os objetivos dessa


entidade, pois abrangiam, além das letras propriamente di­
tas, o campo das ciências, da educação, ou da arte, de modo
geral. É todavia obrigatória sua inclusão em qualquer tra­
balho que vise a um levantamento da literatura em nosso Es­
tado, tanto pelo número de escritores que arregimentou,
como pelo fato de originar, mais tarde, a Academia Cearen­
se de Letras, esta, sim, como indica a própria designação,
uma entidade puramente literária.

Foram fundadores da Academia Ceearense:


GUILHERME STUDART (1856-1938) Notável histo-


riador, de quem falamos ao tratar do Centro literário, pági­
nas atrás.

JUSTINIANO José DE SERPA (1856 1923) Vimo-lo


como um dos Poetas da Abolição e entre os componentes do I
i
Centro Literário.

Raimundo de FARIAS BRITO (1862 1917) Conside-


rado o maior filósofo brasileiro, também pertenceu ao Centro
Literário, como vimos.

180
vista intelectual, para suplantar e avantajar- se uma à ou­
tra ...", a

Com efeito, foi tamanha a agitação operada em nossa s


letras pelas duas agremiações, que Valentim Magalhães, fi­
gura exponencial do jornalismo literário de eatão, escreveu,
na Notícia, do Rio de Janeiro, na secção ''Semana Literária'':
"O Ceará não pára, o Ceará não cansa. Rara é a semana que

eu não tenha algo a dizer de um livro ou de um escritor."

E quem lucrou afinal com a contenda foi a cultura cea­


rense.

A ACADEMIA CEARENSE

Cabe aqui falar de uma instituição à qual nos temos re­


ferido algumas vezes, ao longo deste trabalho. Trata-se da
Academia Cearense, fundada no dia 15 de agosto de 1894, anos
antes da própria Academia Brasileira de Letras, portanto.

Não eram exclusivamente literários os objetivos dessa


entidade, pois abrangiam, além das letras propriamente di­
tas, o campo das ciências, da educação, ou da arte, de modo
geral. É todavia obrigatória sua inclusão em qualquer tra­
balho que vise a um levantamento da literatura em nosso Es­
tado, tanto pelo número de escritores que arregimentou,
como pelo fato de originar, mais tarde, a Academia Cearen­
se de Letras, esta, sim, como indica a própria designação,
uma entidade puramente literária.

Foram fundadores da Academia Ceearense:


GUILHERME STUDART (1856-1938) Notável histo-


riador, de quem falamos ao tratar do Centro literário, pági­
nas atrás.

JUSTINIANO José DE SERPA (1856 1923) Vimo-lo


como um dos Poetas da Abolição e entre os componentes do I
i
Centro Literário.

Raimundo de FARIAS BRITO (1862 1917) Conside-


rado o maior filósofo brasileiro, também pertenceu ao Centro
Literário, como vimos.

180
Antônio Luis DRUMOND DA COSTA
(? ?) Bacha-
rel em Direito pela Academia d o Reci
fe, foi Juiz no Ceará,
onde também exerceu as funções de pr
ofessor; militou no
jornalismo, com grande destaque. Faleceu
no Amazonas.
JOS� Domingues FONTENELE (1869 1905) Piauien-
se, foi no Ceará juiz e professor, salientando-se na oratória.
Deixou obras jurídicas e discursos.

ALVARO Gurgel DE ALENCAR (1861 1945) Promo-


tor e juiz no interior cearense, foi também professor da Fa­
culdade de Direito e Desembargador. Entre outras obras, dei­
xou o Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Estado
do Ceará (1903), além de trabalhos jurídicos.
BENEDITO Façanha SIDOU (1864 1926) Engenhei-
ro, foi professor de Matemática e de Geografia em Manaus.
Faleceu em Fortaleza.
Marcos F RANCO RABELO (1861-1929) Professor da
Escola Militar, foi eleito Presidente do Estado, após a deposi­
ção do Comendador Acióli; governou de 1912 a 14 quando,
apesar do apoio popular, entregou o poder, forçado pela sedi­
ção do Juazeiro . Escreveu trabalhos sobre politica.

ANTôNIO AUGUSTO DE VASCONCELOS (1852 1930)


- Juiz e promotor no Ceará, fundou um gabinete de leitura,
11ma escola e um jornal (o Gran;ense), na cidade de Granja.
Deixou obras sobre Geografia, História e Politica.

PEDRO Tomás DE QUEIRóS (1854 1918) Foi julz


e de sem barg ad or . Su a bib liogr afia abra ng e a So ciolog ia, a Po ­

lítica, a H ist ór ia e a Lite ra tura , além de es tu dos ju rid ico s.

Reuniu seus en sa io s em 4 vo lu m es, qu e in tit ul ou Fr ag m en to s


Foi um dos mais aplaudidos críticos li-
(1913, 14, 15 e 16 ).
terários de sua época.
o A L V E S LI MA (1 86 9 19 58 ) P erten ceu ao
Francisc
o vimos, atr avés d e ligeiro esb oço b io -
centro Literãrio, onde
bibliogrâfico.
CA VAL C AN1' E (1 8 6 9 1 9 1 4 ) Vimo-lo
VALDEMIRO
entes d a Pa daria Esp iri tual .
entre os compon

181

TOMAS POMPEU de Sousa ·Brasil'.Filho (1B52 -- 1929)
___,.;. Figura entre os membros·. da. Acade
' mia Francesa do Ceará.
••

'RAIMUNDO Leopoldo Coelho DE ARRUDA (1863 1934)


-Farmacêutico, foi porém professor de Geografia, Português e
Literatura no Liceu do Ceará.

ALVARO Teixeira de Sousa MENDES (1863 1940)


Piauiense, foi promotor de justiça e Chefe de Polícia no Cea-

rá, ao tempo do Govern o Franco Rabelo.


'JOSÉ CARLOS da Costa Ribeiro JúNIOR •


(1860. 1896)
- Fez parte da Padaria Espiritual, ocupando o lugar de Pa-

.
deiro-Mor, como vimos.
.

VIRO"fLIO Augusto DE MORAIS (1845 1914) Pro-


motor de justiça, Procurador da Fazenda e Diretor da Instru-
.

ção Pública; deixou obras jurídicàs.

JOSÉ DE BARCELOS da Silva Sobrinho (1843 1919)


- Educador e estudioso da língua e literatura da Grécia; es­
creveu sobre EducaÇão, ·G eografia, Gramática e Literatura .

ANTôNIO BEZERRA de Menezes (1841 1921)


Um
dos Poetas da Abolição, foi também membro da Padaria Es­
piritual e do Centro Literário.

EDUARDO Guilherme Osvaldo STUDART (1863 1955)


. . �rmão do Barão de Studart; exerceu diversos cargos na ma­
gistratura do Ceará, Maranhão. e Piauí. Destacou-se n o jor­
nalismo, escrevendo sobre política 9u sobre literatura .
.
1953)

ADOLFO ��ederico LVNA �REIRE (1864


Pernambuca�o, foi médico e

professor da Escola Militar .
transfe�indo-se para o Rio, sobr�ssaiu a .ponto de ser condeco-
rado no exterio�, na· I Guerra Mundial. .

EDUARDO da Rocha SALGADO (18·64 1934) Tam-


bém .médico, foi Inspetor da Higiene e professor d.e Medicina
Pública na Faculdade de. P.ireito do Ceará, .da qual foi Diretor.
Suas obras versam temas de Medicina. ·

Joaquim Lopes de 'ALCANTARA BILHAR (1848 .1905)


_ Promotor de justiça.. :e: :j.uiz · e m várias cidad·es cearenses,. sen-

182
�o ainda professor da Faculdade de Direito, militou no jorna-
lismo, mas suas obras tr�tam de a
ssuntos jurídicos. ·

ANTONINO da Cunha FONTENELÉ (1863 1937)


Militou na advocacia, exercendo ainda vários carg
os judiciá­
rios. Todos os seus trabalhos giram em tomo de temas jurí-
dicos.
·

ANTONIO TEODORICO DA COSTA Filho (1861 1939)


Engenheiro, foi ainda professor de Geografia e Corografia
do Brasil, no Liceu do Ceará. Dedicou-se às ciências publican­
do vários estudos sobre Geografia, Astronomia, etc. ·

Padre Francisco VALDIVINO NOGUEIRA (1866


1921)
- Foi professor d·o Seminário de Fortaleza e Vigário de Cas­
cavel. Distinguiu-se como orador sacro e poeta. Era tio do ·

escritor José Valdivino.


HENRIQUE THEBERGE

(1838 1905) Pernambuca-


no, veio cedo para o Ceará, onde ingressou na carreira mili-
tar, para se destacar como engenheiro. Escreveu · sobre His-
. .

tória e Botânica, além de impressões de viagem. Seu pai, de


origem francesa, havia sido um dos mais notáveis historiado­
res do Ceará.

Com a morte de José Carlos Júnior, entrou para a Aca­


demia Cearense o poeta RODRIGUES DE CARVALHO, ao qual
nos referimos, quando tratamos dos componentes do Centro
Literário.

1896 começou a circular o órgão oficial da en-


A partir de
tidade, a Revista da Academia Cearense, que iria sobreviver
até 191 4. Nos 19 tom os desse periódico foram publicado s inú - •

meros artigos sobre os ma is dif erentes tem as: Biog rafia, Hi s-

tória, Medic ina, Ge ografia, Litera tura, Folclore, Botâ nica , Fi ­

losofia, Direito, Filologia, Política, etc. Abrangia assim quase


todo o va sto ca mp o do s co nh eci me ntos hu ma no s. Fo i aliás

na s pá gi na s de ssa re vista qu e su rg ira m , pe la pr im eira, os ve r­

betes do Di cio ná rio Bi ob ibl iog rá fi�c o Ce aren se, e as Da ta s e


a H is tó ri a do Ce ar á, do Barão de Studart, be m
Fatos Para
ensaios cr íticos de Pedro de Queir ós.
como os Fr ag m en to s,

183
Tudo isso vem confirmar o que dissemos há· pouco: não
eram exclusivamente literários os objetivos da Academia Cea­
rense, que por sinal pretendia editar uma obra, O Ceará em
1896, que seria uma espécie de enciclopédia regional, ficando
.

cada tema a cargo de um especialista na matéria. Tal empre-


endimento, porém, infelizmente não foi levado avante.

Foram presidentes da Academia Cearense: Guilherme


�tudart, seu verdadeiro idealizador (provisoriamente), Tomás
Pompeu e Pedro de Queirós.

A partir de 1902 como observa Dolor Barreira vão


rareando as sessões da entidade, terminando por cessar total­
mente.

Quanto à revista, com o já foi dito, circulou até 1914. A


partir de então, podemos dizer que praticamente morreu a
Academia Cearense. Entretanto, convém avançarmos no tem­
po, uma vez que não está definitivamente encerrada a histó­
ria dessa agremiação. Assumindo um caráter eminentemen­
te literário, e sob outra denominação, vai aparecer, em 1922�
uma entidade que é a continuação da Academia Cearense.

A ACADEMIA CEARENSE DE LETRA.�

(Segunda Fase da Academia Cearense)

No governo Justiniano de Serpa, teve lugar a reorganiza­


ção da Academia: dos 28 antigos componentes, somente 8 es­
tavam em Fortaleza. E, por iniciativa de Leonardo Mota, foi
elevado o número de sócios para 40, como na Academia Fran­
cesa (e na Academia Brasileira de Letras), tendo cada cadei­
ra um Patrono. A exemplo das outras entidades congêneres
do País, denominou-se Academia Cearense de Letras, sendo
esta sua composição:

1)Guilherme Studart. 2) Justiniano de Serpa. 3) Tomás


Pompeu. 4) Antônio Augusto de Vasconcelos. 5) Pe. João A .
da Frota. 6) Antônio Sales. 7) Pápi Júnior. 8) Alf. Castro.
9) Rodolfo Teófilo. 10) Tomás Pompeu Sobrinho. 11) Adonias

184
Tudo isso vem confirmar o que dissemos há· pouco: não
eram exclusivamente literários os objetivos da Academia Cea­
rense, que por sinal pretendia editar uma obra, O Ceará em
1896, que seria uma espécie de enciclopédia regional, ficando
.

cada tema a cargo de um especialista na matéria . Tal empre -


endimento, porém, infelizmente não foi levado avante .
Foram presidentes da Academia Cearense: Guilherme
�tudart, seu verdadeiro idealizador (provisoriamente) , Tomás
Pompeu e Pedro de Queirós.
A partir de 1902 como observa Dolor Barreira vão
rareando as sessões da entidade, terminando por cessar total­
mente .
Quanto à revista, com o já foi dito, circulou até 1914. A
partir de então, podemos dizer que praticamente morreu a
Academia Cearense . Entretanto, convém avançarmos no tem­
po, uma vez que não está definitivamente encerrada a histó­
ria dessa agremiação . Assumindo um caráter eminentemen­
te literário, e sob outra denominação, vai aparecer, em 1922�
uma entidade que é a continuação da Academia Cearense.

A ACADEMIA CEARENSE DE LETRA.�

(Segunda Fase da Academia Cearense)

No governo Justiniano de Serpa, teve lugar a reorganiza­


ção da Academia: dos 28 antigos componentes, somente 8 es­
tavam em Fortaleza . E, por iniciativa de Leonardo Mota, foi
elevado o número de sócios para 40, como na Academia Fran­
cesa (e na Academia Brasileira de Letras) , tendo cada cadei­
ra um Patrono. A exemplo das outras entidades congêneres
do País, denominou-se Academia Cearense de Letras, sendo
esta sua composição:
1) Guilherme Studart. 2) Justiniano de Serpa. 3) Tomás
Pompeu. 4) Antônio Augusto de Vasconcelos. 5) Pe . João A.
da Frota . 6) Antônio Sales . 7) Pápi Júnior. 8) Alf . Castro .
9) Rodolfo Teófilo . 10) Tomás Pompeu Sobrinho. 11) Adonias

184
Lima· 12) Antonino Fonte
nele. 13) Júlio Maciel . 14) Alba

Val e� . 15) Moreira de Azevedo.
16) Carlos Câmara. 17) Pe.
Antomo Tomás. 18) Bales Campos. 19) Leiri de Andrad .
a e
20) Otávio Lôbo. 21) Cruz Filho. 22) Cu
rsino Belém. 23)
Ant6nio Teodorico da Costa. 24) Soares Bulcão. 25) Matos Pei­
xoto. 26) Jorge de Sousa. 27) Beni Carvalho. 28) José Lino da
Justa. 29) Fernandes Távora. 30) Alvaro de Alencar. 31) .
Francisco Prado. 32) Júlio Ibiapina. 33) Ferreira dos Santos.
34) Andrade Furtado. 35) Raimundo de Arruda. 36) José
Sombra (filho). 37) Raimundo Ribeiro. 38) Antônio Dru­
mon d. 39) Quintino Cunha e 40) Leonardo Mota.

Grifamos os nomes daqueles que fizeram parte do pri­


mitivo grêmio.

Nessa nova fase da Academia (pois considera-se oficial­


mente como sendo a mesma entidade), foi Tomás Pompeu o
primeiro Presidente, sendo o Presidente de Honra Justiniano
de Serpa.

Mas, como diz ainda Dolor Barreira, com base em depoi­


mento de Leonardo Mota, não foi das mais apreciáveis a atua­
ção da entidade nessa época: adoecendo Justiniano de Serpa,
que viria a falecer em .1923, arrefeceram os ânimos dos acadê­
micos que, entretanto, continuaram a cultivar as letras, atra­
vés dos periódicos ou da publicação de seus livros. A Acade­
mia, porém, parecia ir novamente entrar em colapso.

A ACADEMIA CEARENSE DE. LETRAS

(Terceira Fase da Academia Cearense)

Aconteceu todavia qu e, as su m in do o G ov er no do Es ta do
M ato s P ei xo to (q ue figu ro u en tre os 40
0 D r. José Carlos de
a em 19 22 ), h ou ve n ov a reor ga n iz a­
componentes da Academi
ção, desta vez em 1930 , so b a in sp ir a çã o d o is�
to ria d or V á �
l r
ti d a d e a den o m in a r-se A ca d. enu a
Pompeu, continuando a en
ns e rv a n d o -se co m q ua re n ta m em b ro s,
cearense d e Letras, e có
cada Ca d e ir a c o m u m P a tr o n o .

1 85


Cerca de 27 escritores deixaram de compor a nova lista
de sócios, que ficou assim constitufda :
1) Ermínio Araújo. 2) Amora Maciel. 3) Luís Sucupira .
4) Pontes Vieira. 5) Antônio Furtado. 6) Pompeu Sobrinho .
7) Cruz Filho. 8) Válter Pompeu. 9) Fernandes Távora . 10)
Matos Peixoto. 11) Carvalho Júnior. 12) Joel Linhares . 13)
Natanael Cortez. 14) Misael Gomes. 15) Jáder de Carvalho .
16) Antônio Teodorico. 17) Renato Braga. 18) Andrade Fur-
tado . 19) Martinz de Aguiar . 20) Antônio Sales . 21) Clodo­
aldo Pinto. 22) Leiria de Andrade . 23) Elias Malmann. 24)
Júlio Maciel . 25) Demócrito Rocha . 26) Otávio Lôbo . 27)
Pápi Júnior. 28) José Sombra Filho. 29) Carlos Studart Fi­
lho. 30) Adauto Fernandes. 31) Mozart Pinto. 32) Josaphat
Linhares. 33) Tomás Pompeu Filho. 34) Dolor Barreira . 35)
Teodoro Cabral. 36) José Martins Rodrigues. 37) Mozart Fir­
meza . 38) Monte Arrais . 39) Beni Carvalho . 40) Emídio Bar­
bosa.
Nesse mesmo ano de 1930 foi criada outra agremiação,
denominada Academia de Letras do Ceará . Dela faziam par�
te alguns elementos da Academia Cearense de Letras, como
Antônio Furtado, Demócrito Rocha, Beni Carvalho, Mozart
Firmeza e Matos Peixoto, além de nomes estranhos ao velho
grêmio, como Henriqueta Galeno, Menezes Pimentel, Alencar
Matos, Sidney Neto, Perboyre e Silva, Gastão Justa, J . W . Ri­
beiro Ramos, Hugo Catunda, Leite . Maranhão," Livino de Car­
valho, Manoel Albano Amora e Adonias Lima, este último,
membro da Academia Cearense de Letras em 1922.
Estas duas agremiações terminaram por fundir-se em
1951, graças aos esforços de Dolor Barreira, Joel Linhares e
Clodoaldo Pinto, pela Academia Cearense de Letras, e de Hen-­
.
riqueta Galeno, Albano Amora e Perboyre e Silva, pela Acade­
mia de Letras do Ceará, com o que eram atendidos os apelos
que, nesse sentido, haviam feito Martins d'Alvarez e Mário
Linhares, residentes no Sul do País . Nas vagas dos sócios fa­
lecidos ou ausentes, entraram os membros da segunda, e a de­
nominação vitoriosa foi a de Academia C.earense de Letras.
'

186
Dolor Ba·rreira, figura principal dessa fusão,· foi entã acla
o ­
mado por todos para dirigir a entidade, que experimentou
·

uma fase rle·autêntico renascimento.

Diga-se, por amor à verdade, que a Academia Cearense


de Letras de 1930 pretendeu a princípio ser uma entidade au­
tônoma, sem vinculo com a agremiação de 1894 e sua reorga­
nização de 1922,. como se pode ver não só de seus Estatutos,
onde se declara constituir-se e não reconstituir-se bem como
'

da "Exposição de Motivos" publicada no Diário do Ceará e da-


tad� de 29 de maio de 1930, onde há mesmo alusões desfavo­
ráveis àquelas: "Já duas vezes se pretendeu erguer entre nós
uma corporação representativa da atividade intelectual, e é
esta a terceira, portanto, que se faz a fundação de uma Aca­
demia de Letras no Ceará. Da Academia Cearense perdem-se
na poeira dos arquivos as pálidas reminiscências; da Acade­
mia Cearense criada em 1922, como uma das partes do pro­
grama comemorativo do Centenário da In<lependência do
Brasil, nunca houve a menor parcela de iniciativa para o cum­
primento do que deveria constituir um ato de presença, a sua
finalidade.''
Leve-se o tom acre à conta de desabafo contra o marasmo
de nossa vida intelectual no início da década de 30, lembrando
ainda que, poucos anos m�is tarde, todos os acadêmicos eram
tinânimes em considerar a entidade realmente o prolonga­
mento da mesma que se inaugurara no século passado. Assim
é que a revista traz indicação de segunda fase.
Desde a reorganização de 1922, tem-se modificado não
somente o quadro dos componentes da entidade, mas também
a lista dos Patronos, que sofreu alterações em 1930 e em 1951.

Teve a Academia Cearense de Letras, de 1922 até o pre­


sente, em su a Pr es id ên ci a, al ém de To m ás Po m pe u (e m 19 22 ),
.

Antônio Sales,. depois Tomás Po�peu Sobrinho, Dolor Bar-


reira (a cla m ad o qu an do da fu sã o a qu e alu dim os ), M ár io
Li nh ar es , Ra im un do G irã o, An dr ad e Fu rt ad o, Re na to Br ag a,
Antônio M ar tin s Fi lh o, . Ed ua rd o Ca m po s e Cl áu di o M ar tin s
t u al ) .
·

(a
·

,
·
. · · : · . . · · .

187
Damos a seguir a lista das quarenta Cadeiras da Acade­
mia Cearense de Letras, com os nomes de seus Patronos e os
nomes e noticias blobibllográflcas dos atuais ocupantes .
1 LFO Ferreira CAMINHA (romancista) Sânzio de
Azevedo.
2 ALVARO Dias TINS (poeta) Luís Sucupira, jor-
nalista, economista e professor. Foi Deputado Federal,
tendo exercido ainda as funções de Secretário de Estado
dos Negócios da Fazenda e de Inspetor da Alfândega do
Ceará, e interinamente foi Interventor Federal no Esta­
do . É de todos conhecida a tenacidade com que sempre
defendeu os princípios do Catolicismo, através das pági­
nas d'O Nordeste, ao lado de Andrade Furtado. É autor
1

de obras sobre Religião e Economia, entre elas o Curso


de Ação Católica (1937) e o Programa de Economia Polí­
tica (1940) . Isso para não falarmos dos Equatoriais, li­
vro de versos com que estreou em 1917, sob o pseudôni­
mo de Rubens Brá·ulio. Exerceu o magistério no Institu-
to Católico de Estudos Superiores e no Instituto Social,
no Rio de Janeiro (onde também se destacou no jornalis­ •

mo) e em vários colégios de Fortaleza, sendo ainda mem­


bro do Instituto do Ceará.
3 ANTONIO AUGUSTO de Vasconcelos (j urista e profes­
sor) Antônio Martins Filho, historiador, jurista e pro­
fessor, Presidente de Honra da ACL, será visto oportuna­
mente, com o Grupo Clã.
4 ANTóNIO BEZERRA de Menezes (poeta e historiador) -

Mílton Dias, cronista, contista e professor, será estudado


no Grupo Clã.
5 Antônio PAPI JúNIOR (romancista, teatrólogo e contis­
ta) Fran Martins, romancista, contista, jurista e pro­
fessor, será também focalizado quando da apresentação
do Grupo Clã. . ·

6 ANTONIO POMPEU de Sousa Brasil (médico) F. Al-


ves de Andrade, ensaísta, professor e engenheiro-agrôno-

188
mo, técnico em problemas agrários, além de humanista;
tem cultivado a poesia. Exerceu, entre outros, os cargos
de Secretário de Estado da Secretaria de Agricultura e
Obras Públicas e de Delegado do Ministério da Agricul­
tura do Ceará. É professor da Escola de Agronomia da
Universidade Federal do Ceará, e membro do Instituto do
Ceará. De sua vasta bibliografia, destacamos: Tomás
Pompeu e o Seu Tempo (1954), Estudo de Zootécnia Re­
gional (1950), ·O Pioneiro do Folclore no Nordeste do Bra­
sil (1950), A Reforma Agrária no Polígono das Secas
(1959), Agropecuária e Desenvolvimento do Nordeste
(1960), Agronomia e Humanismo (1967), O Seminário de
Fortaleza e a Cultura Cearense (1967), Renato Braga -
' in memoriam (1969), A Integração do Ensino das Ciên­
cias Agrárias na Universidade Brasileira Moderna (1970),
e Ensaios de Sociologia Rural (1971) É ainda autor das .

Introduções das Lendas e Canções Populares, de Juvenal


Galeno (3.3 ed. , 1965) e do Jeca Tatu e Mané Xiquexique,
de Ildefonso Albano (2.a ed. , 1969). Como poeta, é ''bis­
sexto'', tendo recentemente lançado suas mensagens em
I

minúsculas (1973) .

'7 CLóVIS BEVILAQUA (jurisconsulto) Nertan Macedo


jornalista, historiador, teatrólogo e poeta. Redigiu vários
jornais no Recife e no Rio de Janeiro, onde reside. Ini­
ciou-se no poema e, depois de incursionar pelo teatro, fi­
xou-se no estudo histórico. É hoje funcionário graduado
do Ministério da Fazenda. Publicou Caderno de Poesia
(1949), Cancioneiro de Lampião (1959), Rosário, Rifle e
Punhal (1960), O Padre e a Beata (1961), Capitão Virg-z.t·
lino Fe rre ira , La mp ião (19 62 ), Me mo ria l de Vi la No va
(1964), O Clã dos Inhamuns (1965), O Bacamarte dos
Mourõ es (1 96 6) , O Clã de Sa nt a Q ui té ria (1 96 7) , D oi s
Poetas Pe rn am bu ca no s (1 96 7) , Fl or o B ar to lo m eu (1 97 0) ,
Cinco His tóri as Sa ng re ntas de L am pi ãO (1 97 0) . A lg um as
d e suas o b r a s já co nta m v á r ia s e d iç õ e s.

DOMINGOS OLtMPIO Braga Cavalcanti (romancista) -

189


Aderbal Sales, médico e ensaísta. Fqi Secretário da Edu­


cação e Saúde do Ceará e de Higiene e Saúde de Fortale ­
za. Exerceu mandato de deputado estadual, tendo ainda
sido professor do Liceu do Ceará e da Escola Normal por
vários anos. Desempenhou ainda as funções de presiden­
te do Centro Médico Cearense. Publicou: Intenções
(1930) , Tuberculose: Terreno, Hereditariedade, Contágio
(1933) , O Brasil e a Democracia. Subsídio para a História
(1937) , Povos e Líderes (1943) , Gilberto Freire e Alguns
Aspectos da Antropossociologia no Brasil (1945) . O Cora­
ção na Clínica de Ambulatório (1958) e Orientação e Base
da Medicina Psicossomática (s/d) .

9 FAUSTO Carlos BARRETO (filólogo) João Clímaco Be-


zerra, romancista, contista, ensaísta e jornalista., que será
apreciado entre os membros do Grupo Clã .

10 Gonçalo Inácio de Loiola de Albuquerque Melo Mororó­


PADRE MORORó (jornalista .e político) Abelardo F.
Montenegro, ensaísta, sociólogo, historiador e professor.
Foi Promotor de Justiça em Santa Catarina e no interior
cearense . É professor da Faculdade de Ciências Econômi­
cas da Universidade Federal do Ceará. Escritor de grande
fecundidade, é autor de vasta e variada .b ibliografia, da
qual podemos ci.tar alguns títulos: Rui B arbosa e a Revo-
.

lução Industrial no Brasil (1951) , Sariano de Albuquerque,


um Pioneiro da Sociologia no Brasil (1952) , O Romance
Cearense (1953) , um de seus trabalho.s mais importantes
a nosso ver, Tobiás Barreto e Machado de Assis (1954) , An­
tônio ConselJ?,�.iro (1954) , Cruz e Sousa e o Movimento
Simbolista no Bras�l (1954) . ,
· A Ansia de Glória de Balzac
e Outros Estudos (1954) , História do Cangaceirismo no
Ceará (1955) . , O Messianismo Russo (1955) , Variações
.

em Torno da Democracia (1956) , A Ciêncj,a Política e Ou- I

tros Artigos (1956) , Maquiavel e o Estado. (1957) , Histó-


ria dos Partidos P9líticos Cearenses ·(1965) , Pontos de


Economia Internacional '(1967) , Fanáticos e Cangacei-
ros (1973) .
\

.190

-
- - -
I

11 GUILHERME . STUDART (h
istoriador, ensaísta e médi­
c o) José Valdivino, ensaísta, professor,· poeta e j oma­
.
llsta . Exerceu a s funções de Diret
or do Instituto de Edu­
c�ção Justiniano de Serpa e tem, através da impren
sa ou
da tribuna, versado temas ligados aos proble
mas da re­
ligião, na qualidade de católico militant e. Publicou co­
ração ( 1939) , de poemas, O Perigo da Co-Educação ( 1939) ,
A Poética do Padre Antônio Tomás ( 1940 ) , Ma Grammaire
Française (1940), A Flor da Jurema� ( 1940) , biografia,
além de vários ensaios estampados na Revista da Acade­
mia Cearense de Letras, dentre os quais "A Comédia An­
gélica de José Albano" ( 196 1 ) , "José Albano em Ode à
Língua Portuguesa, Alegoria e O Triunfo" ( 1962) , "A For­
j a de Cruz e Sousa" (1 964) , "Linguagem de Alencar na
Iracema" ( 1 965) , ou "Fagundes Varela num Panorama
de Sua Obra" ( 197 1 ) .

12 HERÁCLITO de Alencastro Pereira da. GRAÇA (filólo­


go) J . C. Alencar Araripe, jornalista, professor, en ­
saísta e sociólogo. Há vários anos militando na impren­
sa fortalezense, e atualmente Diretor-Editor d' O Povo,
publicou livros que constituem ensaios de grande signi­
ficação, como, entre ·outros, A Faculdade de Medicina e
Sua Ação Renovadora ( 1958) , Nordeste, Pão e Agua
.

( 1959) , Do Sonho de Brasília à Realidade do Nordeste


( 1960) , A Glória de Um Pioneiro ( 1966) , este sobre a fi­
gura e a obra de Delmiro Gouveia, e O Mundo em Três
Dimensões ( 1967) , este último fruto de sua experiência
jornalística e de viagens empreendidas por vários paí­
ses, surpreendendo e discutindo problemas de politica in­
ternacional, economia e ideologia .

13 D. JERóNIMO TOMÉ DA SILVA (orador sacro) · Pa­


dre Misael Gomes, orador sacro e professor. Ordenou-se
em Roma, laureado em Filosofia e em Teologia pela Uni­
versidade Gregoriana. No Rio de Janeiro, assumiu interi­
namente a Coadjutoria da Paróquia de S . Joaquim . De
regresso ao Ceará, exerceu o cargo de Capelão da Santa

191

Casa de Misericórdia, tendo sido ainda pró-Vigário Ge­


ral do Bispado. No ano de 1913 fundou, com outros, o
Colégio Cearense; em 1921 ingressou por concurso no
magistério militar, lecionando História do Brasil no Co­
légio Militar do Ceará; extinto este e criada a Escola
Preparatória de Fortaleza, continuou como professor�
reforinando-se no posto de Coronel . Foi ainda professor
no Liceu do Ceará, durante vários anos . É membro do
Instituto do Ceará, tendo publicado : Discurso de Para­
ninfa (1917) , As Mais Fortes Características do Povo Ro­
mano (1920) , Primeiras Lições (1921) , O Problema So­
cial (1928) , O Pontificado Romano (1929) , A Ciência da
História (1934) , A Influência do Mundo Oriental na Ci­
vilização do Ocidente (1934) .
14 JOAO BRíGIDO dos Santos (jornalista) Jáder de
Carvalho, poeta, ensaísta e romancista; será mais tar­
de estudado, através de sua poesia, entre os iniciadores
do Modernismo no Ceará .
·

15 João CAPISTRANO DE ABREU (historiador) Braga.


Montenegro, contista e crítico literário, será estudado
oportunamente, entre os componentes do Grupo Clã.
16 João FRANKI.IN da Silveira TAVORA (romancista)
Joel Linhares, filólogo e professor . Foi durante muitos
anos professor de música e canto gregoriano, mas sua
especialidade é a Filologia Romântica, disciplina da
qual foi titular na Faculdade de Letras da Universidade
Federal do Ceará e na Faculdade de Filosofia do Ceará.
Lecionou Português em diversos estabelecimentos de en­
sino de Fortaleza. Exerceu o cargo de Diretor-Geral da
Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e da Jus­
tiça . Tem publicado discursos e poemas esparsos, estan­
do ainda inéditos vários trabalhos versando temas gra­
maticais e filológicos, inclusive uma Gramática Portu­
guesa.
17 JOAQUIM de Oliveira CATUNDA (historiador) Paulo
Bonavides, jurista, .ensaísta e professor . Titular de Ci-

192
ência Politica da Escola de Administração do Ceará e
da Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Ceará. Membro do Instituto de Direito Público da Fun­
dação Getúlio Vargas . Publicou Universidade da Amé­
rica (1946), O Tempo e os Homens (1952), Dos Fins do
Estado (19·55), Do Estado Liberal e do Estado Social
(1958, 2 .a ed., 1961, 3.8 ed . , 1972), Ciência Política (1967,
2.a ed. 1972), Teoria do, Estado (1967), A Crise Política
Brasileira (1969), Textos Políticos da História do Brasil
(1973), em colaboração com R . A . do Amaral Vieira,
Reflexões Política e Direito (1973) .

18 José Cardoso de MOURA BRASIL (médico) Antônio


Girão Barroso, poeta, jornalista e professor . Como poe­
ta, será visto no Grupo Clã .
19 JOSÉ d'Abreu ALBANO (poeta) Mozart Sariano Ade-
raldo, ensaísta, historiador, sociólogo e professor, será
visto entre os componentes do Grupo Clã.

20 JOSÉ LIBERATO BARROSO (jurista e político) Clo-


doaldo Pinto, jurista e professor. Chegou na mocid.ade a
anunciar um livro de poemas, jamais editado. Exerceu
o cargo de Promotor de Justiça de Fortaleza, tendo sido
professor catedrático de Direito Penal, na Faculdade de
Direito do Ceará, alcançando ao mesmo tempo larga
r1omeada como criminalista. Segundo o testemunho de
Manoel Albano Amora, os seus livros são citados como
fonte de doutrina por expoentes da ciência jurídica de
todo o Brasil. Publicou Decadência em Matéria Penal
(1934), Inafiançabilidade em Direito .Punitivo (1935),
Quatro Estudos (1936), O Caso Fidélis (1945), Legítima
Defesa Autêntica (1947), Um Caso de Alibi (1952), O Caso
Frias (1963) etc .
21 JOSÉ Martiniano DE ALENCAR (romancista e político)
Raimundo Girão, historiador, economista, ensaísta,
autor de vasta bibliografia, foi Presidente da Academia
Cearense de Letras. Ocupava a Cadeira n.0 4, passando,

193

- ---
..
após a morte de Filgueiras Lima, para esta, n.0 21, antes
ocupada pelo poeta. Será visto adiante.
22 JUSTINIANO José DE SERPA (jornalista, parlamentar,
orador e poeta) Eduardo Campos, contista, �omancista
e teatróJogo. Ex-Presidente da Aca.demia Cearense de
Letras, será visto no Grupo Clã.

23 JUVENAL GALENO da Costa e Silva (poeta) Florival


Seraine, ensaísta, lingüista e estudi�so do folclore. Mé­
dico tem exercido altos cargos públicos dentro de sua
' .

especialidade. Como escritor, aprofunda-se nos estudos


lingüísticos e folclóricos, em que é versado, com renome
nacional, tendo. exercido ainda a crítica literária. Me m­
bro do Instituto do Ceará. Entre outras obras, publicou:
Panorama Artístico na Época Colonial (1937), Cultura
Brasileira (1938), Estudos Cearenses (1942), Através da
·

Literatura Cearense (1948), Aspectos Históricos da Lín- .

gua Nacional no Ceará (1949), Contribuição ao Estudo


da Influência no Linguajar Cearense (1951), Os Estudos
Folclóricos e Etnográficos Cearenses (1952), Reisado no
Interior Cearense (1954), Ensaios de Interpretação Lin­
güística (1954), Dicionário de Termos Populares (1959),
Antologia do Fol· clore Cearense (1968), além de larga
cópia de estudos em revistas especializadas.
24 LíVIO BARRETO (poeta) Pedro Paulo Montenegro,
crítico literário e professor, será visto quando da apre-
.

sentação do Grupo Clã.


25 Manuel de OLIVEIRA PAIVA (romancista e contista) -

Carlyle Martins, poeta, contista e ensaísta. Será visto


como poeta, entre os autores da nossa fase parnasiana.
26 MANUEL SOARES DA SILVA BEZERRA (filólogo)
Otacílio de Azevedo, poeta, será igualmente estudado en�
tre os parnasianos.

27 Manuel SORIANO DE ALBUQUERQUE (sociólogo e ju-


rista) Durval Aires, jor11alista, poeta e novelista, será
visto como poeta, entre os componentes do Grupo Clã .

194
28 MARIO DA SILVEIRA (poeta) - João Jacques, cronista,
contista e jornalista, será mais tarde estudado através
de um de seus contos · .

29 PAULINO NOGUEIRA Borges da Fonseca (historiador)


Carlos Studart Filho, historiador, geógrafo, indianista
e ensaísta. Médico e general do Exército, é Presidente do
Instituto do Ceará, ten<l:o exercido o magistério em di­
versas escolas militares, no Rio de Janeiro, em Fortaleza
e em São Paulo, bem como na Escola Normal de Forta­
leza. Como escritor, conseguiu sólido renome por seus
estudos de História e de Geografia, praticando ainda vez
por outra a crítica literária, sob o pseudônimo de Po ­
destá Ribeiro. De sua vasta bibliografia destacamos O
Uso dos Metais na América Pré-Histórica (1924), Notas
Para a História das Fortificações no Ceará (1937), His­
tória do Ceará Holandês (1954), Estudos de História Seis­
centista (1958), Fundamentos Geográficos e Históricos do
Estado do Maranhão e Grão-Pará (1959), As Famílias
Studart e Pereira (1960), A Revolução de 1817 no Ceará
e Outros Estudos (1961), Os Aborígines do Ceará (1965),
Antônio de Sampaio (1966), Páginas de História e Pre-
.

História (1966) e Artigos de Podestá R·ibeiro (1967), Te-


mas Obsoletos (1974). Membro do Conselho Estadual de
Cultura.

30 Raimundo Antônio da ROCHA LIMA (crítico literário)


- Josaphat Linhares, ensaísta, economista e professor.
Conhecedor profundo dos problemas ligados à política
monetária e de assuntos pertinentes ao mecanismo ban­
cário e financeiro, foi professor catedrático de Moeda e
Cr éd ito na Fa cu lda de de Ciê nc ias Ec on ôm ica s e liv re- do ­

cente de Ciência das Finanças na Faculdade de Direito


do ce ar á. De nt re as ob ra s que tem pu bli ca do , em su a m aio ­

ca da s a m at ér ia s de· su a es pe ci al id ad e, po de m os
ria dedi
destacar O In tegr al i-sm o à L uz da D ou tr in a S oc ia l C a­
tólica (1 933), A M oe da e as Fi na nç as Pú bl ica s (1 93 6) , O
lítica .. Financ eiera do B ra sil (1 93 7) , Pr é-
Mil--Réi s e a Po

195


mios do Dinheiro ou Taxas do Capital (1937), A Moeda


Bancária e a Função dos Bancos na Vida Econômica
(1943), Organização Bancária Nacional (1947), O Processo
Inflacionário no Brasil (1953), O Desenvolvimento Eco­
nômico do Nordeste (1957), A Margem do Plano Trienal
(1963), Podem os Bancos Criar Depósitos? (1966), A Re-
forma Tributária e Sua Implicação nas Finanças dÔs
Estados e Municípios ( 1973) .
31 Raimundo de FARIAS BRITO (filósofo) Cláudio Mar-
tins, financista, poeta e professor, atual Presidente da
Academia Cearense de Letras, será estudado quando da
apresentação do Grupo Clã.
32 Raimundo ULISSES PENAFORT, cônego (ensaísta, poeta
e filósofo) Moreira Campos, contista e professor. Será
igualmente estudado entre os componentes do Grupo Clã.
33 RODOLFO Marcos TEóFILO (romancista, contista, poeta J
polemista e historiador) Otacíli·o Colares, poeta, jor­
nalista, ensaísta e professor, também faz parte do Grupo
Clã, onde será estudado como um dos componentes da
primeira hora.
34 SAMUEL Felipe de Sousa UCHOA (jornalista e magis-
.

trado) José Denizard Macêdo de Alcântara, historia-


dor, geógrafo e professor. Doutor em Ciências Econômi­
cas, tem exercido o magistério em diversos estabeleci­
mentos de ensino de Fortaleza, sendo professor do Co­
légio Militar e titular da Faculdade de Ciências Econô­
micas da Universidade Federal do Ceará. Exerceu as fun­
ções de Vice-Reitor Para Assuntos Estudantis, na mesma
Universidade. É membro do Ins-tituto do Ceará. e de sua
bibliografia podemos destacar as seguintes obras: A Uni­
versidade na Defesa Nacional (1941), Fundamentos da
Administração Cearense (1946), A Conjuntura Histó­
rico-Geográfica da Industrialização Brasileira (1948), Ra­
cionalização da Competência Administrativa do Municí­
pio (1950), Geografia da América (19 52), Vida do Briga­
deiro Leandro Bezerra Monteiro (1957), Cultura e Uni- •

196

versidade <19�7), Ensino


da Filosofia no Ceará (197 2 ) ,
e m colaboraçao com
Adisia Sá, Antônio Sidra Rodrigue
s,
Bren P Walsh, Domin
·

gos A . LiliJ.a e Michael A . Kelly.


35 TO � POMPEU de Sousa Brasil Filho (his
toriador, geó·
grafo, JUrista e jornalist
a) Cândida Galeno ensaísta
e jornalista . Será vista oportun
amente, quand da apre­ �
sentação de escritores contemporâneo
s do Grupo Clã.
36 Tomâs Pompeu de Sousa Brasil SENADOR POMPEU
(historiador, jornalista e politico) Hugo Catunda, his-
toriador, professor e orador. Exerceu as funções de Di­
retor do Museu História do Ceará e de Secretário Muni­
cipal de Educação, bem como de Diretor do Ensino Rural
no Ceará, Delegado Regional do Ensino e Juiz do Tribu­
nal de Contas do Município. Como escritor, tem cultivado,
além dos estudos de História, a genealogia, não desde­
nhando ainda as pesquisas sociológicas e os problemas
de Educação, matérias em que é igualmente versado .
De sua bibliografia, poderemos destacar Atualidade de
Justiniano de Serpa (1952), bem como inúmeros ensaios
estampados em jornais e revistas cearenses e do Sul do
País, como "Sentido Social da Educação Nova", "Juvenal
Galeno o Precursor da Arte Nova", "João Brígido", "Um
Caudilho do Norte", Metodologia do Ensino na Escola
Normal Rural", "A Duquesa do Ceará" e o Prefácio à
segunda edição d' A Sedição do Juazeiro, de Rodolfo Teó­
filo (1969) .

37 TOMAS Pompeu LOPES Ferreira (poeta, contista e di­


plomata) Manoel Albano Amora, historiador, ensaísta,
professor e poeta. Apesar de sobressair principalmente
como historiador, será visto como um dos poetas do Mo-
.

demismo.

38 TIBORCIO R OD R IG U E S (j orna li st a) F.S. Nasctmento,


. T em co labo ra do no s pe riód icos cear en ses, ver­
ensaísta
d e H is tó ri a , S oc io lo g ia ou L iteratu ra. Já
sando temas
ta çõ es par a li vr os d e div erso s a u to re s co n ­
redigiu apresen
ez p or ex a g er ad a p ru d ên ci a , p u b li co u
sagrados, mas, talv

197
apenas um livro, A Estrutura Desmontada (1972), aná­
lise das novelas de Durval Aires, não chegando nem mes­
mo a anunciar a publicação de Conflitos e Tendências�
livro de ensaios que recebeu prêmio da Secretaria de Cul­
tura do Município de Fortaleza. Entre os artigos espa­
lhados em revistas, vale destacar "Hora de Decisão Marca
o Futuro da Primeira Academia do Brasil", estampado
na Revista da Academia Cearense de Letras, em 19 62.
39 Tristão de Alencar ARARIPE JúNIOR (critico literário
e romancista) Plácido Aderaldo Castelo, :p.istoriador,
educador e homem público. Foi Secretário da Fazenda,
Presidente do Instituto de Previdência çio Estado do Ceará,
Prefeito Municipal de Fortaleza, Procurador Judicial do
Estado, Secretário de Agricultura e Obras Públicas, Depu­
tado Estadual, Ministro do Tribunal de Con�as e Gover­ •

nador do Estado do Ceará. Entre outras obras, publicou:


IVletodologia do Ensino da História (19 28), Rápidos Traços

Sobre a Educação do Sertanejo (1931), A Escola Normal


Rural (1933), História Política do Ceará (1963) e História
I
do Ensino no Ceará (1970) .
.

40 Vicente Cândido Figueira de Sabóia VISCONDE DE


.

SABóiA (médico) Artur Eduardo Benevides, poeta, en­


saísta, contista e professor, será estudado entr� os com­
ponentes do Grupo Clã.

Note-se que alguns Patronos, como ANTôNIO AUGUSTO


DE VASCONCELOS, ANTôNIO BEZERRA, GUILHERME
· STUDART, JUSTINIANO DE SERPA, FARIAS BRITO e T O­
MAS POMPEU, haviam figurado como Fundadores em 1894,
enquanto outros, como PAPI JúNIOR e RODOLFO TEóFILO,
pertenceram ao quadro de sócios efetivos em 1922.

.
·

Desde 19 37 circula a Revista da Academia .cearense de


Letras, que é evidentemente a continuação da Revista da Aca-


demia Cearense, tanto assim que segue a numeração destat
a partir de sua criação, em 1896, dois anos depois de. fundada
a . entidade . ..

198
Se podemos dizer que foi Guilherme Studart o idealiza­
dor da Academia naquele ano de 1894, igualmente devemos
a Leonardo Mota e a Justiniano de Serpa a reorganização
�a A�ademia, em1922. Da mesma forma, a Válter Pompeu
e devida a reforma de 1930, sem a qual talvez a instituição
.
t1vesse desapareceido, com o falecimento de Serpa, em 1924.
Ao nome de Vâlter Pompeu é de justiça ligar-se o de Matos
Peixoto, Chefe do Governo então e membro da Academia d'esde
a reorganização de 1922, como vimos e falecido no Rio de
Janeiro, em 1976. E ligue.:Se ainda o nõme de Dolor Barreira
à providencial fusão das duas Academias, em 1951.

Como entretanto ficaria incompleta esta visã o panorâ-


111ica, apenas com ligeiras notas sobre os acadêmicos de hoje,
falaremos de outros que, ao longo dos tempos, têm ocupado
'

as cadeiras do sodalício:

Inúmeras foram as figuras que passaram pela Academia


Cearense de Letras; além das já focalizadas, lembrem-se ainda
os nomes que foram ou serão comentados noutros capítulos
desta obra, como ANTóNIO SALES, PÃPI JúNIOR e RO­
DOLFO TE·óFILO, j á vistos como romancistas ou nos qua­
dros de outras agremiações; JOS.É LINO DA JUSTA e ALBA
VALDEZ, que pertenceram ao Centro Literário; QUINTINO
CUNHA e SOARES BULCÃOs que, também centristas, s.erão
estudados entre os poetas de várias tendências; o PADRE
ANTóNIO TOMÁS, também apreciado no mesmo capítulo;
ALF. CASTRO, JúLIO MACIEL, CRUZ FILHO, M.ÃRIO LI­
NHARES, ANTóNIO FURTADO e BENI CARVALHO, que
serão analisados dentro da corrente parnasiana; OTÁVIO
LOBO, representante da prosa parnasiana; HENRIQUETA
GALENO, de quem trataremos quando falarmos na Casa de
Juvenal Galeno; DEMóCRITO ROCHA, MOZART FIRMEZA,
SIDNEY NETO e FILGUEIRAS LIMA, que serão estudados
no Modernismo; JOAQUIM ALVES, representante do Grupo

Clã, j á na década d e 40.


Acrescentem-se os nom(lS de LEONARDO MOTA (1891-
-1948 ) , responsável pela reorganização da Academia em 1922,

199
como vimos, e cultor do ensaio folclórico; são de sua autoria;
Cantadores (19 21) , Violeiros do Norte (19 25) , Sertão Alegre
(1928) , No Tempo de Lampião (1930) , Prosa Vadia (1932) e
uma obra a que temos aludido várias vezes, A Padaria Espi..
ritual (1938). Leota (era este seu pseudônimo) colhia o ma­
terial folclórico diretamente do povo, en1 longas viagens pelo
sertão.
ADONIAS Lil\iA (1887-1971) , paraibano que aqui pro­ •

duziu obra de sociólogo e de critico social, sendo interessante


destacar Idolatria Leiga (1910), A Mulher e Sua Cultura Jn ..

telectual (1914), O Terror da Morte (1917) , A Vitória do Fe­


minismo (1931) e O Amor Físico e a Mulher (1949) .
CARLOS CA A (1881-1939), jornalista e teatrólogo,
um d·os maiores vultos do teatro cearense, autor, entre ou­
tras, das peças: A Bailarina (1919) , Casamento da Peraldiana
(1919) , Zé Fidélis (1920) , Alvorada (1921) , Pecados da Moci­
dade (1924), O Paraíso (1929) e Os Coriscos (1931) .
ANTôNIO DRUMOND (1882-1930) , pernambucano que,
no Ceará, teve destaque na advocacia e no jornalismo, à
1
frente da Gazeta de Notícias. E ra autor de diversas obras ju­
rídicas.
ANDRADE FURTADO (1890-19 68) , jurista e jornalista,
com incursões pela poesia, destacou-se também no magistério
superior, dirigiu desde sua fundação o jornal católico O Nor ­

deste. Publicou, entre outras obras, Liberdade Económica e


Instrução Pública (1917) , O Nacionalismo e a Imprensa (1918}
A Solução do Magno Problema do Ceará (1925), A Catedral
(1942) , Quixeramobim e Sua Vida Religiosa (1955) e Es-·
baços e Perfis (1957).

JORGE DE SOUSA (1877-1937) , médico, orador e homem


público, foi catedrático de Medicina Legal da Faculdade de·
Direito do Ceará.
Pe. JOAO A. DA FROTA (1849- 19 42) , teólogo, orador e
filólogo, dedicado ta�bém às ciências, cultivava a poesia,.
nada deixando, porém, em livro.

200


-

--- ----

CURSINO BELÉM (1895-1968), j urista, jornalista, e en­


,
satsta, autor do Perfil Histórico de
Rui Barbos (191 A a 4),
Alma de Nossa Gente (1915) e de vários ou
tros ensaios sobre
direito ou literatura. Tendo figura
do no quadro de sócios de
1922, entraria novamente na Academia na vaga deixad pela
, a
renuncia de Leite Maranhão, em 195
.

7.
LEITE MARANHAO (1894), médico, orador e ensaísta,
tem exercido o magistério, sendo autor de várias obras ligadas
a sua especialidade, bem como estudos sobre educação e li­
teratura .
LEIRIA DE ANDRADE (1889-1935), j urista e escritor,
destacou-se também como orador . Embora cultivando a li­
teratura e os estudos de metafísica, não chegou a deixar livro.

FERREIRA DOS SANTOS (1881-192.3), professor e filó­


logo renomeado, deixou algumas obras versando temas gra­
maticais, como Dúvidas e Conjeturas e Controvérsias Grama­
ticais.
RAIMUNDO RIBEIRO (1861-1928), professor, advogado
e magistrado, conhecedor profundo da língua latina e do
Direito Romano, publicando vinte fasciculos das suas Lições
de Direito Romano.
JúLIO IBIAPINA (1890-1948), jornalista e professor, co­
nhecedor de vária s línguas, autor de uma gramática fran­
cesa, um dicionário inglês-português e tradutor do Mein
Kampf, de Hitler.
FRANCISCO P'RADO (18·86-1932), advogado, professor,
orador e jornalista, foi deputado estadual e federal; em 1911
f11ndou com Viana de Carvalho o jornal ·O Lábaro.

JOSÉ SO M BRA (fi lh o) (1 883- 19 32 ), pr of es so r e co nfe­

tou també m n o jo rn al is m o; pu bl ic ou , en tre ou­


rencista, mili
A Fa lê n ci a d a M or al Le ig a (191 4) e Fe m i­
tros, os estudos
4), tend o pr of er id o aind a um. a conf erên cia so br e
nismo (191
''José Albano" (1919) .
MATOS PEIXOTO (1884-1976), professor, jurista e parla­
mentar, que chegott a ocupar o cargo de Presidente do Estado.

201
Professor de Direito Romano no Ri o de Janeiro . P'ublicou:
Reforma da Constituição Cearense ( 1924), Curso de Direito
Romano (1945) etc . Foi figura exponencial na segunda reor­
.

ganização da Academia, em 1930, como vimos.

VALTER POMPEU (1901-1939), historiador e� oficial do


Exército, foi ao lado de Matos Peixoto um dos promotores. da
reorganização da Academia em 1930 . Autor de Ceará Co­
lônia (1929) .
ANTôNIO TABOSA BRAGA, o Mo·nsenhor Tabosa, (1874-
-1935), sacerdote e jo·rnalista, publico·u n·o Cruzeiro do Norte,
de Fortaleza. cartas sob o pseudônimo de ·O Velh.o Nicodemus.
Foi Vigário-Geral do Arcebtspado de' Fortaleza .

EMíDIO BARBOSA (1891-1939), jornalista e humorista,


que usava o pseudônimo de Chammarion, autor d' "A Chafa­
rica", sátira em versos à Câmara Municipal de Fortaleza.
I Também praticou a poesia lírica, mas não deixou livro pu­
I
blicado .
J. J. PONT·E S
. VIEIRA (1894-1944), jurista, magistrado e
parlamentar, autor de vários trabalhos jurídicos e literários,
destacando:-se, entre estes, o artigo intitulado "a Figura
Gentil de Antônio Sales", publicado na Revista da Academia
Cearense de Letras de 1940 .
CARVALHO LIMA (1875-1941), poeta, jornalista e his­
I toriador, pertenceu ao Centro Literário. Publicou um AlmatM
naque Literário Cearense (1898) e Narrativas Militares, Re­
'rolução do· R'i�o� Gra.ndle do· Sul (1906).

MARTINZ DE AGUIAR (1893-1974), professor e reno­


meado filólogo, exerceu o magistério no Liceu do Ceará e no
Colégio Militar. Publicou Repa.sse Crítico dia Gramática Por­
tuguesa (1922), A Reforma Ortográfica da Academia Brasi­
leira (19·30), Notas e Lições de Português (1942), Notas de
Port'!-lguês de Filinto e Odorico (1955). É ainda autor de inú­
meros artigos publicados em. jornais e revistas .

EPIFANIO LEITE (1891-1942), poet.a e magistrado. Al­


guns de seus sonetos, como "Raiz" e "Flor de Tomilho", tor-

202

naram-se largamento co
nhecidos. Publicou Escada de Jacó
( 1924) .

ADAUTO FERNANDES (1899), jornalista, advogado e •

indianista . Além de inúmeras obras versand temas de Di­


o
reito, escreveu outras tantas sob
re diversos assuntos como O '

Indio do Brasil (1923), Gramática Tupi (1924) Capricho de


,

J
Mulher ( 1924) , Terra Verde (1925) , O Amazonas ( 19·27) , Yara
( 1928 ) , Demônio ( 1929) , sendo romances os dois últimos;
autor ainda de ensaios sobre, teatro .

ERMíNIO ARAúJO (1 891 ) , professor, latinista. Foi ca­


tedrático do Liceu do Ceará e da Escola Normal, defendendo
teses sobre "O Latim-Período Arcaico" e "O Latim- Período
Clássico."

MOZART PINTO ( 1886-1948) , professor, conferencista e


musicólogo, também exerceu a advocacia. Militou no jorna­
lismo, iniciando-se ao lado de Cruz Filho, n' O Ca1tindé, em
. publicação póstuma: O Gua­
1903. Todos os seus livros são de
rani (1948), Serenata de Braga ( 1953 ) , e França, Arauto· da
Civilização ( 1956) .
LIVINO DE CARVALHO ( 1881-1960) , jurista, jornalista
e escritor. Foi por duas vezes Diretor do Correio do Ceará.
Exerceu vários cargos de relevo, inclusive o de Interventor
Federal.
MENEZES PIMENTEL (1887-1973), professor, jurista e

homem público. Exerceu o cargo de Diretor da Faculdade de


Direito do Ceará, b.em como o de Governador e Interventor
Federal. Foi ainda Ministro da Justiça e Senador. Manoel Al­
bano Amora destaca-lhe a invulgar cultura humanística .

TOMAS POMPEU FILHO (1878-1957), médico e ensaísta.


Foi Secretário da Agricultura do Estado, exercendo ainda
interinamente o cargo de Interventor Federal.
J . W. RIBEIRO RAMOS ( 1901-196.1) , professor, historia-

dor, ju ris ta e en sa íst a. De su a va sta bi bl iog ra fia po de m os cita r:

Influência do D ire ito na So cie da de (1923), O Am or e o Cr im e


In flu ên cia do Cr ist ian ism o na So cie da de (1 93 0) , O
(1928),

203
Sentimento e a Arte na Poesia de Carlos Gondim (1930), Pá­
ginas de Literatura e Crítica (1933), A Paisagem e o Home m
na Obra de Rodolfo Teófilo (1936), Cangaceirismo Nordestina
(1936), Lições de Geografia Geral (1936), Ao Sol de Me sse­
jana (1937), Ignorante Sublime (1944), este último sobre
Barbosa de Freitas.
DOLOR BARREIRA (189·3-1967), jurista, historiador, pro­
fessor e ensaísta. Foi um dos maiores advogados de Fortaleza,
tendo deixado várias obras jurídicas; exerceu os cargos de
Procurador Geral do Estado e de Catedrático de Direito Civil
da Faculdade de Direito do Ceará. Como Presidente da Aca­
demia Cearense de Letras, foi responsável pela fusão desta
com a Academia de Letras do Ceará, conforme vimos; tendo-se
voltado, desde a mocidade, para as lides literárias, dedicou-se,
nos últimos vinte anos de sua vida, à redação de uma His­
tória da Literatura Cearense, obra sob vários aspectos notá­
vel, da qual chegou a publicar quatro tomos, em 1948, 1951,
1954 e 1962; nesse monumental trabalho de pesquisa, é de
justiça registrar a colaboração da bibliotecária Maria da Con­
ceição Souza, como aliás fazia o autor, na abertura de t-ada
volume, exceto o 1.o. Essa obra foi uma iniciativa do Ins­
tituto do Ceará, ao qual pertencia Dolor Barreira. De sua au­
toria é também o livro Clóvis Beviláqua e Outros Trabalhos
(1956).

PERBOYRE E SILVA (1905-1965), jornalista, jurista e


professor. Foi Catedrático d'e Direito Internacional Privado na
Faculdade de Direito do Ceará, tendo exercido os cargos de
Diretor da Instrução Pública, Procurador Fiscal do Estado e
Delegado de Polícia, bem como o de Presidente da Associa­
ção Cearense de Imprensa . Deixou várias obras versando
temas jurídicos e sociológicos .
GASTAO JUSTA (1899-1969), poeta, contista e jorna­
lista, há muito escrevia em periódicos fortalezenses e do Rio
de Janeiro, quando fundou, em 1919, o jornal Ceará Socia­
lista; em 1930 fundaria ainda A Muralha. Foi Assisten·
te de Divulgação da Seção de Fiscalização de Diversões

204
----____,___- -- -

Populares, da Secretaria do Interior e Justiça do Estado. Pu­


blico �:
Quand� as Rosas Florescem . . . (1943), poemas ; O
.
Escntor Bramletro em Face do Direito Autoral (1946) , e Notas
Sobre Folclore (1951 ) .
SALES CAMPOS (1894-?) , poeta e professor. Salientou-se
como educador tanto no Ceará como em São Paulo, onde pu ­
blicou livros didáticos sobre Literatura Brasileira, disciplina
da qual era livre-docente na Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da USP . Alameda do Sonho
De poesia, publicou
(1919 ) e organizou A Poesia Cearense no Centenário (1922).
RENATO BRAGA (19 05-1968 ) , professor, engenheiro-agrô­
nomo e ensaísta. Foi Diretor da Escola de Agronomia do
Ceará, e Secretário de Agricultura do Estado, tendo ainda
exercido mandato de deputado estadual em duas legislatu­
ras . Era membro do Instituto do Ceará e chegou a Presidente
da Academia Cearense de Letras . Sua bibliografia versa ' temas
Plantas do Nordeste, Especialmente
científicos, destacando-se
I do Ceará (1953). Esta obra seria reeditada, em 1976, na "Co-
leção Mossoroense", por ocasião do II Congresso Brasileiro de
18 a
Florestas Tropicais, realizado em Mossoró, R . G. N . , de
2 4 de julho do referido ano. Estava publicando o Dicionário
Geográfico e Histórico do Ceará, quando faleceu.
NATANAEL CORTEZ (1889-1967), professor e jornalis­
ta . Era Pastor da Igreja Presbiteriana, e exerceu mandato de
deputado estadual, tendo sido professor no Liceu do Ceará e
no Colégio Militar, lecionando várias disciplinas, principal­
mente Português e Inglês . Publicou vários ensaios, como
"Apologia da Bíblia" e "Joana d'Arc", ficando inéditos ou­
tros notadamente sobre problemas religiosos . 1l ainda de sua

aut ria 0 discurso "Heráclito Graça" (1931), proferido quan­
do de sua entrada na Academia. Pouco antes de falecer, publt-
de se u jubi leu m inisterial, trab alh os d e
co u , comemorativos
e S ocio logia, sob o ti tu lo ge ral
-

Letras, Economia , R el ig iã o
Os Dois Tributos.
S POMPEU SO BR INH O (188 0 19 68), h istoria-
T
lo g o , pro fessor e en ge nheiro, foi u m a das
dor, geógrafo, etn ó


205
maiores culturas do Ceará. Dirigiu por muitos a,nos a Inspeto..
ria Federal de Obras Contra as Secas, tend'o sido Presidente do
Instituto do Ceará e da Academia Cearense de Letras, da qual
também foi Presidente d'e Honra . De sua vasta bibliografia,
ressaltamos: O Problema das Secas no Ceará (1916 ) , A Indús­
tria Pastoril no Ceará (1917 ) , Esboço Fisiográfico do Ceará
(192 2 ) , Parêntese Geográfico (1932) , Prato-História Cearen..
se (1946) , Pré-História Cearense (1955) , etc.
FERNANDES TAVORA (1877 1974 ) , médico, jornalis-
ta, politico e orador. Deputado estadual em duas legislaturas,
deputado federal e senador, chegou também a exercer o car ­
go de Interventor Federal no Ceará (o primeiro que teve nos­
so Estado) ; como jornalista, colaborou em inúmeros periódi­
cos e fundou, em 1921 , A Tribuna, onde se revelou polemista
desassombrado. Doutor em Medicina, sua tese v.ersou sobre
Telepatia (19· 03) , assunto muito pouco explorado àquela épo­
ca; estagiou posteriormente em vários hospitais da Europa .
Orador de renome, deixou inúmeros discursos estampados em
.

revistas ou em opúsculos .
MONTE ARRAIS (188 2 1965) , jurista. e jornalista . Di-
rigiu vários jornais em Fortaleza e chegou a ocupar por duas
vezes o cargo de Secretário de Estado; foi ainda deputado es­
tadual e federal. Transferiu-se para o Sul, onde foi advoga­
dq no Rio Grande do Sul e notário público no Rio de Janeiro.
Publicou : O Habeas-Corpus e a Autonomia Muni·cipal (1918 ) ,
Do Poder do Estado e dos �órgãos Governamentais (1935) , Ter­
ra Redimida (19.37) , Estudos Parlamentares (1947 ) , etc .
AMORA MACIEL (1895) , jornalista, poeta, contista e ro­
mancista. Foi delegado do Tribunal de Contas da União . Pu­
blicou Cantigas de Pã (1922 ) , Sol Sobre Vidraça (1955) e Ti­
ção (1956) , este último de· contos .
.
ANTONIO TEODORICO ( 1861 1939) , professor, ensaís-
ta e cientista, publicou : O Homem e os Progressos de Sua Lo­
comoção (1907) , A Geografia (1909) , O Cometa de Halley
(1910) , Folhas ao Vento (1914 )- , Ruídos e Sonidos (1919 ) , R·ui
Barbosa (1923 ) , etc . ·

2 06
Pe . JOAO AUGUSTO DA
FROTA ( 1 849 1 942) , orador
sacro e Professor de Mate
mática do Liceu do Cearâ. Foi Dire­
tor da Instrução Pública
do Estado do Ceará . Destacou-se na
campanha abolicionista .

�· DE FIGUEIREDO FILHO ( 1 904 1973) , professor,


ensatsta e historiador, foi um do fundado
s res do Instituto Cul­
tural do Cariri e da Faculdade de Filosofia
do Crato . Publi­
co u, entre outras obras, Meu Mundo é u ma Farm ác
ia ( 1948 ) ,
Engenhos d e Rapadur a no Cariri ( 1958 ) , O Folclore no Carir i
( 1962 ) , Folguedos Infantis Cari rienses ( 19 66 ) , A Patativa d o
�1ssaré ( 1 9 7 0 ) .
MOREIRA DE AZEVEDO ( 1892) , advo�gado, militou no
terreno do Direito Civil e do Direito Comercial . Foi professor
àa Faculdade de Direito do Ceará . Transferiu-se para o Rio de
Janeiro .
Não cremos figurem aqui todos os nomes daqueles qut
passaram pela Academia Cearense de Letras . Contudo, aqui
está segurament€ a grande maioria de quantos receberam a

láurea acadêmica. E o que fica dito neste capítulo basta para


• dar uma idéia do que tem sido a Academia Cearense de Letras,
ao longo de seus oitenta e tantos anos de existência .
Se viemos até os nossos dias, foi tendo em vista o, fato de
ser a entidade a legítima continuadora das tradições e da obra
da Academia Cearense, do século passado ou, como quiseram
seus próprios reorganizadores, a própria entidade original, r�­
nascida, e que, embora com outra denominação e cada vez
com obj etivos mais estritamente literários, conta sua história
desde os j á hoje longínquos tempos da Padaria Espiritual e
do Centro Literário . •

Para esses tempos, portanto, voltamos agora, retomando


nossa traj etória .

OUTROS NOMES

os as pr in ci pa is fi gu ra s de n os so R ea lis m o ,
F oc alizam
m o n o te m p o at é ép oc as m ai s re ce n te s, on d e a
avancando mes

2 07

escola deixou remanescentes ilustres . Todavia, ainda pode­
ríamos citar, além dos já mencionados ARTU R TEóFILO, da
Padaria Espiritual, autor de vários contos estampados n' O
Pão , e de PEDRO MONIZ, do Centro Literário, autor da nove­
la O E stup ro, publicada na revista Iracema , em 1896, o con­
tista JOSÉ LUíS DE c·AsTRO, no início do século colaboran-·
do no Almana qu e do Cear á, bem como ANTôNIO FURTADO,
com seu livro de contos Idé ia Fixa (1931) .
Podemos apresentar como figuras divergentes ANA FACó,
autora dos romances Rapto Joco so e Nuven s., surgidos ambos
em folhetins do Jorna l do Cear á em 1907 (segundo nos informa
Abelardo F . Montenegro em O Roma n.c e Ceare n.se , 1953) e
editados em volume� em 1937 e .38, respectivamente, o·bras que
são pautadas pela estética romântica ; JOÃO MIGUEL DA
FONSECA LOBO é autor do romance, também romântico_,
A Cam pone sa, publicado em 1914 .

S I M BO L I SMO

Segundo informação de Adolfo Caminha, um único volu­


me do Só, do poeta português Antônio Nobre , que! surgira em
Fortaleza, era lido e relido pelos rapazes d'a Padaria Espiri,.
tual, andando de mão� em mão . Ao que acrescenta o autor
d A N ormal ista : "O Só era a nossa bíblia, o nosso encanto, o
'

nosso livro amado". 37 Deduz-se daí, e mais dos versos que


iremos ter oportunidade de ler, que o Simbolismo aparecido
no Ceará na década de 90 foi bebido diret.amente de Porttl­
gal, sem influência portanto. do grupo da Fol ha Popular, do
Sul do País, onde pontificava Cruz e Sousa . Interessante é
que a maioria dos "padeiros", Antônio Sales à frente, atacava
violentamente os chamados decadentistas ou nefelibatas .
Mas o fundamental é observarmos que, enquanto o· Simbolis...
mo de um Lopes Filho e de! um Lívio Barreto j á era puro Sim­
bolismo, e não apenas prenúncio, o chamado Parnasianismo

208
' - .
escola deixou remanescentes ilustres. Todavia, ainda pode­
ríamos citar, além dos já mencionados ARTUR TEóFILO, da
Padaria Espiritual, autor de vários contos estampados n' O
Pão, e de PEDRO MONIZ, do Centro Literário, autor da nove­
la O Estupro, publicada na revista Iracema, em 1896 , o con­
tista JOSÉ LUíS DE c·AsTRO, no início do século colaboran-·
do no Almanaque do Ceará, bem como ANTôNIO FURTADO,
com seu livro de contos Idéia Fixa (19 31).

Podemos apresentar como figuras divergentes ANA FACó,


autora dos romances Rapto Jocoso e Nuvens., surgidos ambos
em folhetins do Jornal do Ceará em 1907 (segundo nos informa
Abelardo F. Montenegro em O Roman.ce Cearen.se, 195 3) e
editados em volume� em 19 37 e .38, respectivamente, o·bras que
são pautadas pela estética romântica; JOÃO MIGUEL DA
FONSECA LOBO é autor do romance, também romântico_,
A Camponesa, publicado em 1914 .

SIMBOLISMO

Segundo informação de Adolfo Caminha, um único volu­


me do Só, do poeta português Antônio Nobre, que! surgira em
Fortaleza, era lido e relido pelos rapazes da
' Padaria Espiri,.
tual, andando de mão� em mão. Ao que acrescenta o autor
d'A N ormalista: "O Só era a nossa bíblia, o nosso encanto, o
nosso livro amado". 37 Deduz-se daí, e mais dos versos que
iremos ter oportunidade de ler, que o Simbolismo aparecido
no Ceará na década de 90 foi bebido diret.amente de Porttl­
gal, sem influência portanto. do grupo da Folha Popular, do
Sul do País, onde pontificava Cruz e Sousa. Interessante é
que a maioria dos "padeiros", Antônio Sales à frente, atacava
violentamente os chamados decadentistas ou nefelibatas.
Mas o fundamental é observarmos que, enquanto o· Simbolis...
mo de um Lopes Filho e de! um Lívio Barreto já era puro Sim­
bolismo, e não apenas prenúncio, o chamado Parnasianismo

208
' - .
de Antônio . Sales ou de outros de seu tempo qua
se nada tinha
de comum com a arte de Heredia ou Leconte de Lisle. Assim .

podemos seguramente afirmar que o Simbolismo no Ceará,


surgindo com a Padaria Espiritual, foi anterior ao Parnasia­
nismo, que só seria instaurado verdadeiramente no início do
século XX. Note-se ainda que o livro Phantos, de Lopes Fi­
lho, é do mesmo ano dos Broquéis e do Missal de Cruz e Sou­
sa, os quais são considerados o marco inicial do Simbolismo
nacional.

LOPES FILHO

João Lopes de Abreu Lage Nasceu em Fortaleza, no dia


7 de abril de 1868, e faleceu na mesma cidade, em 19 de julho
de 1900 . Publicou um único livro, Phantos (1893), recebendo
desde logo a qualificaÇão de decadista. Embora Antônio Sa-·
les, na Carta-Prefácio ao livro, dissesse claramente que o poe­
ta seguia os poetas simbolistas, o próprio Lopes Filho iria polt­
co tempo depois atacar os chamados nefelibatas. Seu livro,
entretanto, é o marco inaugurador da corrente em nosso Es·­
tado. Não obstante, seu _autor é completamente desconheci­
do no Sul do País e, o que é mais interessante, não figura em
nenhuma antologia, mesmo de autores cearenses.

PHANTOS

·6 Nirvana! repouso absoluto e completo!


Sonha, Espírito meu, eleva-te às alturas,
Onde as Aguias do Céu, no seu mundo dileto,
Olham, cheias de horror, as pobres criaturas!

6 Ideal do Amor imaterial e casto,


Harmonias dos Sons, combinação da Cor:
Encantado País, Mundo mais que este vasto,
ó região que eu sonho! ó região do Amor!

209


Poetas! meus irmãos! febris adoradores I

Do Luar e do Sol que morre quando desce


A noite sob o pálio auricolor dos Astros!

De joelhos, irmãos! rezemos nossa prece!


Amigos, a rezar! nós que vamos de rastros
Por este Mundo vil de mágoas e negrores! . . .

IGREJINHA

Igrejinha aldeã! como de ti me lembro!


Vejo-te ainda assim, velhinha, esbranquiçada,
Como o branquinho véu de uma menina noiva
Pura e singela a rir, muito alegre e caiada!
Igrejinha aldeã, ó minha torre a ,
.

N' alma, triste a lembrar os dias de Setembro,


'

Quando um.a rola, tonta ao sol, encandeada,


Ia a morte encontrar na parede caiada . . .
igrejinha aldeã, ó minha torre amada,
Como de ti me lembro!

Eu tinha 8 anos e minha Mãe me le·vava


(Com a minha Irmã que ia ao colo e eu pela mão)
A missa do dia aonde todos rezávamos
Uma ave em louvor à Virgem da Conceição . ..
E a Virgem Santa e pura- as orações guardava,
Enquanto minha Mãe pedia e suplicava
A Deus Nosso Senhor, de todo Coração!

Fé dos tempos (que)vão, vinde, pois, à minh' Alma!


Vinde enchê-la de vida e de paz e de calma . . .
Virgem Santa, fazei que eu seja bom e crente!
Eu amo-te ainda, e hei de amar-te toda a vida,
Como naquele bom tempo em que era inocente!
.Hoje o que me falta é somente a confiança,
• A fé que eu tinha quando era uma criança;
Quando, alegre e jovial, nas noites de Novena,
Cantava com uma voz plangente, enternecida:
Ave, gratiae plena! ...

210
• � · ..:;:-. •
• ;r.:

- - •

E as velhinhas, então, olhavam para mim,


Admiradas, talvez, por eu cantar latim! ...

OS VENCIDOS DA VIDA

De nosso lábio triste e descorado


Murchou a flor vermelha da Alegria;
E o nosso rir é um rir contrariado,
Sempre amarelo e cheio de ironia...

Vinte anos! já velhice! quem diria


Que chegasse (tão cedo) tal estado,
Em que é o Coração supliciado
Um claustro cheio de Melancolia!

Schopenhauer! Lusbel, tu semeaste


A dúvida cruel em nossos peitos,
E a Fé e o Amor de nós arrebataste!

Vamos, pois, meus amigos, no abandono!


Resta-nos hoje o derradeiro Sono! ...
- Coveiros! onde estão os nossos Leitos?

Martírio de Santa Júlia

(De um quadro)

Morta! sobre uma cruz, os braços hirtos,


Banha a água do Luar seu níveo rosto!
E erram no ar uns funerários gritos:
- São os tristes gemidos do Sol-posto. . .

Flores esparsas pelo chão, também,


Choram a Santa que voou tão cedo,
Ao longínquo País de onde ninguém
Trouxe aos hwmanos o menor segredo!

Sobre o seu corpo branco de alabastro


Caem as luzes místicas de um Astro
Que anda perdido na azulada esfera;

211

Enquanto o seu olhar terno e dorido,


- com essa · calma que a Virtude gera -,
No Luar se alonga, como um vão gemido.!

(Lopes Filho. Phantos. Fortaleza, Tip. Universal, 1895, 1-2;


7; 55; 30.)
\

No primeiro soneto percebe-se a concepção decadentista


da vida, a qual nada vale, num mundo simplesmente "vil"; em
conseqüência, tem-se que buscar o Nirvana (a beatitude, o
'

Nada), oriundo das crenças orientais, através de Schope-


nhauer, filósofo alemão (1 788 1860) cujas idéias pessimis­
tas tiveram repercussão no movimento simbolista; temos as­
sim o escapismo próprio dos chamad·os nefelibatas, sendo ele
notar a personificação dos nomes por meio das maiúsct1las
alegorizadoras, para não citarmos a rima astros I rastros, lar­
gamente usada então. Em "Igrejinha", temos outra caracte
rística do Simbolismo: a irregularidade dos versos alexan ­
drinos. Essa irregularidade, bem como o tom geral, meio in-
gênuo e coloquial, traem influência· de Antônio Nobre . N o
'

I
verso 1.0 da terceira estrofe, acrescentamos um que (o qual
deixamos entre parênteses) certamente omitido no original.
por erro tipográfico. No soneto "Os Vencidos da Vida" nova­
mente se patenteia o p.essimismo decadentista, sob influêl1··
cia de Nobre (este poema é bem irmão daqueles em que o por­
tuguês vazou sua desilusão, como o I?-·o 1 3, do Só, em que diz:
ó meus amigos! todos nós falhamos ... 1 Nada nos resta. s o.
mos uns perdidos). Ainda aqui surgem maiúsculas personifi­
cadoras, sendo digna de nota a alusão a "claustro", o que in­
troduz mais um elemento simbolista: o misticismo. Entre-

tanto, o poema nada tem de religioso e, apostrofando Scho-


.

penhauer, citado nominalmente, o poeta chama-o de Lusbel


(o mesmo que Lucifer) e abomina o pessimismo que o filóso­
fo difundiu. Por fim, "O Martírio de Santa Júlia", ap.esar de
,

trazer a indicação (De um quadro), o que poderia sugerir a


maneira fotográfica de reproduzir cenas entre os chamados
parnasianos, traz-nos todo um arsenal de características sim-

212

balistas: o Luar (com maiúscula, como vários outros vocábu­


los no poema) banhando o rosto da Santa com a água de sua
luz, enquanto erram pelo ar "funerários gritos"; esses gritos
são os gemidos do Sol-posto, diz o próprio poeta, e aqui temos
a presença da sinestesia ou. reciprocação de sentidos, que vai
repetir-se no final do soneto, quando o olhar da Santa se
alonga, no Luar, como um gemido. Some-se a isso 0 Astro per­
dido no azul, astro que deve ser a Lua, já indiretamente men­
cionada, mas que se reveste de certo mistério, .já que surge
de forma indefinida (um Astro); o misticismo, presente em
todo o poema, é referido expressamente através das "luzes
místicas" desse mesmo astro . Entre as irregularidades verifi­
cáveis nessa composição, temos a rima hirtos 1 gritos e, como
no primeiro poema transcrito, a falta de rima nos quartetos
t
entre si (quanto a isso, caso não constitua traço exclusiva­
'

mente simbolista, p.elo menos ocorre em vários poetas da cor­


rente, como Emiliano Perneta, Dário Veloso, Alceu Wamosy�
Ernâni Rosas e Silveira Neto, para não alongarmos a lista).
Assinale-se, por último, que os hiatos nos versos 2.0, 6.0, 7.0 e
10.o, e a diale.fa no verso .3.o, contribuem para dar maior flui­
dez ao p oema, o que redunda naquela imprecisão ou vagui­
dade tão do gosto dos poetas simbolistas . Ausente de todas as
antologias cearenses ou nacionais, Lopes ·Filho apresenta no
entanto notável importância, sqbretudo· do ponto de vista cro­
nológico, uma vez que seus Phantos já estavam expostos à
venda em Fortaleza desde julho de 1893, sendo assim ante­
riores aos Broquéis, com que Cruz e Sousa iria inaugurar a
poesia simbolista brasileira, em agosto desse ano (O Missal, de
janeiro, é de prosa poemática). Sobre o poeta cearense escre­
vemos "Lopes Filho e o Advento do Simbolismo no Brasil", es­
tampado na revista Aspectos n.o 4, da Secretaria de Cultura,
.Desporto e Promoção Social do Ceará (Fortaleza, 1972, p.
85ss).
.

LtVIO BARRETO

Nasceu em Granja, no dia 18 de fevereiro de 1870 , vin­


do a falecer em Camucim, em 29 de setembro de 1895 . Foi um

213


dos maiores poetas de seu tempo e pertenceu, como Lopes Fi­
lho, à Padaria Espiritual. Seu único livro de poesia, Dolentes�
foi publicado por iniciativa de Valdemiro Cavalcante, também,
"padeiro" e seu conterrâneo, que o prefaciou (1897) Algu ..
.

mas produções de Livio Barreto figuram no Panorama do Mo­


Vimento Simbolista Brasileiro, de Andrade Muricy (1952).
Por ocasião do Centenário de nascimento do poeta, a Secreta ­
ria de Cultura do Ceará publicou, em colaboração com a Un i­
versidade Federal do Ceará, a 2. a edição dos Dolentes, organi­
zada por Braga Montenegro e com Apresentação e Notas de
Sânzio de Azevedo (1970).

CREDENCIAL

Arte! suprema, incomparável Arte!


Tu, Cornélia, que os fihos avigoras
P'ra desfraldar às noites e às auroras
Teu glorioso, harmônico estandarte;

Arte do Verso, prenhe de luares,


De sóis fecundos, de pujantes messes,
Amplo seio de prantos e de preces,
De amarguras, de risos, de pesares;

Arte do Verso, Arte das harmonias


Vibrantes, doudas, cálidas, inquietas;
Elétrica centelha dos Poetas,
Que esfolhas rosas sobre as agonias;

Arte nevada de dolências meigas,


Pulcra santa de beijos dolorosos.
Que tens os seios de rosais chetrosos
E a virgindade de cheirosas veigas;

Arte, monja de idílica piedade,


Que tens, eterna, angélica visão,
No olhar o Angelus nobre do Perdão
E a paz augusta da maternidade;

214
Arte! ideal, oh sacrossanto viático!
'

ó Arte Mater de consolações!


Com os meus sonhos e amores e ilusões
Fiz-te um missal de Dor! sou teu fanático!
l


LAGRIMAS

Lágrimas tristes, lágrimas doridas,


Podeis rolar desconsoladamente!
Vindes da ruína dolorosa e ardente
Das minhas torres de luar vestidas!

,órfãs trementes, órfãs desvalidas,


Não tenho um seio carinhoso e quente,
••

Frouxel de ninho, cálix rescendente,


Onde abrigar-vos, pérolas sentidas.

Vindes da noite, vindes da amargura


Desabrochastes sobre a dura frágua
Do coração ao sol da desventura!

Vindes de um seio, vindes de uma mágoa


E não achastes uma urna pura
Para abriga-vos, frias gotas d'água!

POEMAS NOTURNOS

Vai tarde a noite. Todo o azul cintila


Como uma azul, nostálgica pupila.

Vão as estrelas como virgens louras


No terraço do céu passeando e rindo,
Às amplidóes profundas, sonhadoras,

As longas tranças d'oiro sacudindo .

E com a paz magnânima de um crente


Reza o Silêncio taciturnamente .

215
Para as bandas do sul as nuvens correm
Como blocos de gelo sobre o mar;
Brancas, tão tênues que de ténues morrem;
Cansa-se a vista para as alcançar.

Gemem do vento as quérulas surdinas


No órgão melancólico das ruínas.

Uma estrela destaca-se, brilhando


Mais do que as outras, luminosa e bela;
E eu fico ansioso e trémulo cismando
6 minha amada, se é tua estrela .

Pálida, corta a Estrada de Santiago


O céu profundo, acinzentado e vago.

Tudo o que eu vejo em cima é triste e doce,


Misteriosamente �oncentrado,
Como se acaso tudo em. cima fosse
Como o meu peito pela dor trancado.

Na i: mensa (J,quosa solidão dos mares,


.
'

Quantos nautas cismando nos seus ,lares!

Esses têm lares e eu não tenho, olha,


E também vou sobre este mar, querida,
E o malmequer que, pálida, desfolha
A tua mão é ma�s do que eu com vida!

Do azul-longínquo vai a lua em meio,


Monja da noite de rosário ao seio.

Vai longe a noite; quem me dera o dia!


Estou cansado desta solidão. . .
ó sol, acaba esta melancolia
Que a lua deixa no meu coração.

216
OS CRAVOS BRANCOS •

Cravos brancos, cravos brancos como o leite,


Que as noivas levam pára a Igreja ao· ir casar
Cravos da cor das escumilhas do corpete,
Brancos de espumas atiradas pelo mar.

Cravos brancos invejados pelos goivos,


. Cravos brancos que de brancos dão vertigens;
Cravos que são como hálitos de noivos,
Beijos de noivos embaciando mãos de Virgens!

Cravos. brancos,· cravos brancos, lágrimas d'anjo,


Cravos de maio cor de· leito de noivado;
Cravos do luar que sorri como um arcanjo
A meditar no seu castelo enamorado.

ó cravos brancos! Brancas flores misteriosas,


Seios ireis agasalhar com vossas neves,
Seios macios como pétalas de rosas,
De carne rija, sangue quente e curvas breves.

flores dormentes de volúpia e de desejos,


Sempre a sonhar presas aos seios das donzelas,
Amarrotadas pelo fogo de seus beijos
E sempre brancas, sempre puras, sempre belas!

Flores que as noivas levam presas na caçoula


Das mãos de arminho, cravos brancos, para o altar,
Para, ao voltar com as faces de papoula,
. . .

Dá- los às virgens .p ara .logo irem casar.

Cravos brancos como as mãos da minha amada,


Quando eu descer à terra fria, num caixão,
Desabrochai, brancos soluços d' alvorada,
6 cravos brancos que plantei no coração.

217

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AO LUAR

Abro a janela. O luar canta no espaço e alaga


Tudo,. possante assim como uma inundação .
Subjugando a noite o escuro tredo esmaga,
É um combate fatal, uma revolução .

Por toda a parte a rir sua luz se propaga.


Acorda o lírio e doira a grama pelo chão,

Vai ao mar e incendeia a espuma sobre a vaga,


Branqueia a rocha e faz a nuvem de algodão.

Fura a tapeçaria espessa da folhagem,


·Dilui-se, corre, vaz�, inunda, e, na uiagem,
Desce como um rastilho às fragas, aos barrancos.
'

Vai aos rosais em flor, bole nos jasmineiros,


Aromatiza o ar, murmura. E nos canteiros
Para ver o luar abrem os ·cravos brancos.

O SONO DO· CORAÇÃO

Silêncio na rua . . Que longa tristeza


Paira no ar frio e pesado:
• •

Oh, lua de Junho., que incutes tristeza


.

Como um castelo abandonado;


.

. Como a visão de um mau passado,


.

Como uma vela ao dia acesa!

Nas telhas das casas distantes, cintilas


Pólen de prata do infinito!
Oh, lua de Junho, das tuas pupilas,
Silenciosa, sem um grito
Deixas rolar o pranto aflito
Em ondas claras e tranqüilas .

O vento tardio da noite murmura


No campanário abandonado .

218
- - ...
--JJ.

Oh, lua de Junho, tão triste, tão pura


No teu roupão aurilavrado,
És como um cravo desbrochado
No azul monótono da altura.

As aves noturnas, piando, na Igreja


Roçam co'as asas nos altares.
·

Oh, lua de Junho, no alto sobeja


A luz que deixas, pelos ares,
Em flocos, ir cair nos mares
Onde as espumas têm inveja.

Naquela janela sonhando ao relent o


Deixei ficar meu coração,
Oh, lua de Junho, zombando do vento
Cantando a mística canção ·

Do seu amor, cheia de unção


E de pesar, como um lamento!

De tarde, que ainda não era o sol posto,


I
O fui deixar n'essa janela;
Oh, lua de Junho, vieste, e no posto
Como u·ma boa sentinela
Achaste-o ainda, que hora aquela!
Inda a velar ao frio exposto.

Faz frio. Que importa que gele a neblina


Inda a velar ao frio exposto.
Quando se dorme e sonha e esquece?
Oh, lua de Junho, se a morte fulmina,
O sono as dores adormece!
Oh, coração, dorme...
Parece ·
Que uma mulher o afaga e nina!

<Lívlo Barreto. Dolentes. Fortal�za, Publicação da Sec. de


Cultura do Ceará, 2.a ed., 1970, org. por Braga Montene-
·

gro, pp. 31-2; 90-1; 164-6; 218-19; 222; O Pão, n.0 30,

15. 12.95.)

219
Há poemas que oscilam entre o Romantismo e Rea lismo
nos � Dolentes; mas a feição definitiva do poeta é o Simbolis­
mo, patente nas composições transcritas: na "Credencial",
ele fala na Arte do Verso, mas essa arte é cheia de maiúscu­
las e notas .. litúrgicas, longe portanto da perfeição pamasiana.
"Lágrimas" mostra-nos, numa atmosfera de luares, o artífice
do verso, usando a anáfora com requintes de joalheiro. Nos
"Poemas Noturnos", os dísticos, entremeados com as quadras,
dão o tom solene de responsos, havendo ainda alusões caras
aos da corrente, como "Estrada de Santiago", bem como o cli­
ma litúrgico ("Reza o Silêncio" ...) , sobretudo quando o poe ­
ta chama a lua de Monja da noite de rosário ao seio; para An­
tônio Nobre, era a lua do convento do céu a eterna freira. Em
"Os Cravos Brancos", é estranha a musicalidade dos versos,
onde se misturam dodecassílabos trímetros (com ictos nas
sílabas 4.a e s.a) e hendecassílabos, havendo alguns com acen­
tuação inteiramente irregular: na primeira estrofe, o verso,
inicial é um hendecassílabo trocaico, ao passo que os demais
são trímetros de 12 sílabas; o primeiro da terceira estrofe,
Cravos brancos, cravos brancos, lágrimas d'anjo, foge a qual­
I
quer tipo conhecido de acentuação do dodecassílabo; por ou­
tro lado, surgem alguns decassílabos ( Cravos que são como
hálitos de noivos e Para, ao voltar com as faces de papoula,
respectivamente terceiro da segunda e da sexta estrofe); apa­
recem rimas curiosas, como a peneconsoante leite 1 corpete, ou
a imperfeita virgensjvertigens, largamente empregada pe­
los românticos. Vê-se que as irregularidades desse poema são
pura bizarria simbolista, já que, através de outros poemas de
Lívio Barreto, podemos constatar seu domínio sobre a arte do
verso. No soneto "Ao Luar", por exemplo, segue ele estrita­
mente as normas clássicas, menos com respeito ao suarabácti
do verso a.o onde temos de ler subijugando, com uma vogal
de apoio para perfazer as 12 silabas do alexandrino; o luar,
aqui, assume tons de mistério, sendo digna de nota a sineste­
sia no verso inicial, com mistura de sensações visuais e audi­
tivas. Quanto ao último poema, "O Sono do Coração", não
foi incluido nos Dolentes: encontramo-lo n' O Pão n o 30, de
.

'

220
15 de dezembro de 1895, trazendo data de 1893; fizemos ques­
tão de reproduzi-lo (como já o fizéramos em nosso trabalho
�'Lívio Barreto e o Simbolismo no Ceará", introdução à 2.a
edição do livro do poeta) pela estranha beleza e notável musi­
calidade de seus versos, em que se associam hendecassílabos
iâmbico anapésticos e octossilabos; não somente de seu ritmo,
como também da repetição da apóstrofe "Oh, lua de Junho'',
em cada terceiro verso, provém grande parte de sua magia
encantatória e de sua atmosfera de puro Simbolismo; ainda
aqui podemos lembrar a influência de Antônio Nobre, visto o
hendecassilabo iâmbico-anapéstico, muito usado por ele, ter
sido geralmente, no Brasil, desprezado pelos simbolistas, em
favor do trocaico. Lívio Barreto, não obstante haver-nos dei­
xado apenas um livro, avulta como uma das expressões maio­
res da poesia cearense no século passado ou· mesmo em todos
os tempos: observe-se que, apesar das irregularidades pró­
prias da escola, o poeta não professava um pessimismo deca­
dentista, antes preferindo expandir-se numa leve tristeza de
acentos românticos .

( OUTROS NOMES

Poderemos ainda mencionar, entre os nossos cultores do


Símbolo, o poeta CUNHA MENDES, cedo transferido para
São Paulo, assim como TIBúRCIO DE FREITAS e CABRAL
DE ALENCAR, ambos da Paparia Espiritual e posteriormente
freqüentadores das rodas simbolistas do Rio de Janeiro.

VáRIAS TEND�NCIAS •

Aqui se reúnem os diferentes aspectos assumidos pela nos­


sa poesia, por volta dos fins do século XIX e inícios do sécu­
lo XX. Alguns autores apresentam notas regionalistas, atra ­
·vés de certo descritivismo quase impessoal, mas continuam
·vez por outra rendendo tributo à sentimentalidade romântica.
outros oscilam de um regionalismo tipicamente romântico
para o seguro prenúncio do Parnasianismo . Outros ainda pra-

221
15 de dezembro de 1895, trazendo data de 1893; fizemos ques­
tão de reproduzi-lo (como já o fizéramos em nosso trabalho
�'Lívio Barreto e o Simbolismo no Ceará", introdução à 2.a
edição do livro do poeta) pela estranha beleza e notável musi­
calidade de seus versos, em que se associam hendecassílabos
iâmbico anapésticos e octossilabos; não somente de seu ritmo,
como também da repetição da apóstrofe "Oh, lua de Junho'',
em cada terceiro verso, provém grande parte de sua magia
encantatória e de sua atmosfera de puro Simbolismo; ainda
aqui podemos lembrar a influência de Antônio Nobre, visto o
hendecassilabo iâmbico- anapéstico, muito usado por ele, ter
sido geralmente, no Brasil, desprezado pelos simbolistas, em
favor do trocaico. Lívio Barreto, não obstante haver- nos dei­
xado apenas um livro, avulta como uma das expressões maio­
res da poesia cearense no século passado ou· mesmo em todos
os tempos: observe-se que, apesar das irregularidades pró­
prias da escola, o poeta não professava um pessimismo deca­
dentista, antes preferindo expandir-se numa leve tristeza de
acentos românticos.

( OUTROS NOMES

Poderemos ainda mencionar, entre os nossos cultores do


Símbolo, o poeta CUNHA MENDES, cedo transferido para
São Paulo, assim como TIBúRCIO DE FREITAS e CABRAL
DE ALENCAR, ambos da Paparia Espiritual e posteriormente
freqüentadores das rodas simbolistas do Rio de Janeiro.

VáRIAS TEND�NCIAS •

Aqui se reúnem os diferentes aspectos assumidos pela nos­


sa poesia, por volta dos fins do século XIX e inícios do sécu­
lo XX. Alguns autores apresentam notas regionalistas, atra ­
·vés de certo descritivismo quase impessoal, mas continuam
·vez por outra rendendo tributo à sentimentalidade romântica.
outros oscilam de um regionalismo tipicamente romântico
para o seguro prenúncio do Parnasianismo. Outros ainda pra-

221
ticam uma espécie de Romantismo de forma algo esmerada
para os cânones da escola, mas ainda bem distante do que de­
veria ser a perfeição formal pamasiana. Hâ ainda os que
simplesmente repetem o puro Romantismo, retardatariamen­
te, embora com notas pessoais. Nem se esqueçam aqueles que
não desdenharam a influência do Simbolismo, para não fa­
lar dos de mais difícil classificação. O caso mais desconcer­
tante, porém, é o de José Albano, com sua dicção puramente
clássica em pleno século vinte . . .

TEMfSTOCLES MACHADO

Nasceu em Limoeiro no dia 25 de agosto de 1874, e fale­


ceu em Senador Pompeu, no dia 5 de agosto de 1921. Parti­
cipou da Padaria Espiritual e do Centro Literário, na qualida­
de de fundador, como vimos. · Exerceu o jornalismo no Rio de
Janeiro e no Amazonas, onde também militou na advocacia.
Além do "nome de guerra" padeiro, Túlio Guanabara, usou os
pseudônimos de Joo
ã da Ega, Alfredo César, Padre Teobaldo
e outros, geralmente assinando sátiras. Publicou. Mirtos
(1897), com prefácio de Valentim Magalhães; A Fileteida
(1898), assinando- se João da Ega; A Esmola (1900), O Maldi­
to (.1901), Pela República (1902), prosa e verso, Invocação de
Vítima (1904), deixando inacabado 11m romance e um livro
de biografias,

BORRASCA

Fora, torcendo as árvores, gargalha


A tempestade em rugidora festa;
Como o rude estridor de uma batalha,
Ruge o trovão nas comas da floresta .

A treva desenrola-se funesta


Nos ermos, como lúgubre mortalha; •

A luz relampejante as flores cresta


E o vento as grandes árvores esgalha .

222
Aterradora, ind6mita, selvagem,
Tudo arrasta na hórrida passagem
A potência ciclópica dos ventos .

E eu, triste e só, pergunto à noite escura:


Será maior que a minha desventura
A fúria colossal dos ele7nentos?

IRONIA DAS FLORES

I

Foi na deserta e flórida avenida,


De um sol de Maio rútilo doirada,
Que me disseste . o adeus da despedida
Convulsamente em lágrimas banhada . ·

Repetias chorando em voz magoadas


"Hei de amar-te por toda a minha vida".
Tinhas sobre o meu peito a delicada
Fronte, n'esse desânimo, pendida .

Os passarinhos pelos q,rvoredos,


Ouvindo as doces notas que soltavas,
Souberam nossos íntimos segreàos .

As brisas pelas árvores gemiam . . .


E na alameda, enquanto tu choravas,
Como eterno contraste as flores riam .

II

Depois de larga ausência dolorosa,


Através de desertos e de espinhos,
Volvi à terra onde deixei-te ansiosa,
Oh! visão dos meus intimos carinhos!

223

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Pela triste avenida silenCiosa
Cantavam tristemente os passarinhos
Aquela endecha tr8mula e queixosa
Que tu, leviana, confiaste aos ninhos .
.

Rindo, a. outro dizias, no entretanto,


'

Essa história de amor, hoje desfeita,


Que juraste a meus pés banhada em pranto.

As brisas pelas árvores cantavam . ..


Enquanto tu sorrias satisfeita
Como que as flores nos vergéis choravam.

Consola tio Miseris...

Eu escrevo versos para os desgraçados,


Falando aos corações dos infelizes,
Pelas garras do tédio lacerados,
Sangrando como rubras cicatrizes.

Talvez ·n o leito vil das meretrizes,


Na masmorra onde gemem condenados,
.

Possam cortar as sôfregas raízes


De cancerosos tédios ignorados .

Eu canto para alívio dos que choram,


Para os que, como eu, de joelho, imploram
Na treva a luz bendita de um carinho.

Canto par� espancar as mágoas; canto


.
Para enxug.ar ao som do verso o pranto
Que vejo derramado em meu caminho!

(Temístocles Machado. Mirtos. Fortaleza, Tip . Universal�


.
1897, pp. 13'·; 14-5; 12.)
. .

Os poemas aqui reproduzidos são do primeiro e princi­


pal livro do poeta,.. p�efaciado por Valentim· Magalhães. O

224
soneto ''Borrasca'', aproxima-se um pouco da arte de Alberto
de Oliveira.,· mas muito ·lhe falta ainda para chegar ao puro
lavor pamasiano no sentido francês: começa com acentos
descritivos, que dominam os quartetos e o primeiro terceto;
no final, porém, o descritivismo cede lugar ao sentimento do
poeta, até · então ausente do quadro apresentado. Os dois
sonetos que.compõem a "Ironia das Flores", por sua vez, tra­
duzem clima romântico que podemos ver a partir do próprio
tema ou de alguns aspectos formais, como, no v. 3.o do so­
neto II, a colocaçã o do clítico ainda assim, lembra de certa
maneira um autor geralmente incluído nas antolog:.as par­
nasianas, Artur ·Azevedo, notadamente. pelo soneto ''As Es­
tátuas". "Consolatio Miseris", um dos menos desconhecidos
poemas de Temístocles Machado, desafia-nos também a uma
classificação rígida por oscilar entre várias tendências de seu
tempo, com predomínio de notas realistas. Nos Sonetos Cea­
renses, de Hugo Vítor (1938 ) ; há uma outra versão desse so­
neto, com seis versos modificados.

RODRIGUES DE CARVALHO

José RODRIGUES DE CARVALHO Nasceu na Paraíba,


em 18 de dezembro de 1867, falecendo no· Recife, em 20 de
dezembro de 1935 . Veio para o Ceará em 1894, iniciando os
estudos de Direito e exercendo as funções de contador do
Banco do Ceará. Aqui produziu o ·.me])lor de sua obra literá­
ria, participando não somente do Centro Literário (de cuja
última fase foi a figura de maior destaque, segundo vimos),
mas também da Academia Cearense. Cultivando a poesia e o

folclore, publicou:, Coração ( 1894) , Prismas ( 189·8) , Poema de


Maio ( 1901) , Cancioneiro do Norte (1903) , este ·último uma
coletânia literária e folclórica.

OS SEIOS

Quando a seiva da carne perfumosa


.

Protubera-se em conchas ofegantes,


Os seios da mulher são como errantes
Aves do céu· com bicos·; cor-de-rosa.

225

Pomos com fibras de cetim, inconhos,


São quando a virgem, na cerúlea est4ncia,
Rompe o casulo lirial da inf4ncia, •

Para ser Clóris de um pomar de sonhos.

Mas, quando, oh! nume de paixão, os mundos


Aos olhos frágeis dos mortais desvendas,
Cheios de amor, de sedução fecundos .. .
,

I
Eles, qual fruto tentador das lendas,
São dois abismos santamente fundos,
Dois assassinos no grilhão das rendas.

DOIS CEGOS

Por uma senda de escolhos,



Vêm um cego e um trovador:
- Aquele, cego dos olhos,

E este, cego de amor.

Chega o cego. Nos escolhos, I

Fica, eterno, o trovador .. .

Mais vê um cego dos ."olhos


Do que um cego de amor . . .

VIúVA

Há na ametista roxa das olheiras


Dessa doce e franzina criatura,
Um ocaso de mística doçura, ·
O vestígio aromal das laranjeiras.

Ri esse riso angelical das freiras


Na alvorada mortiça da clausura . . .
E, quando mira a célica planura,
Segue, chorando, as nuvens forasteiras.

226
Bela, no entanto ... pálida, vestida
• •

• •
De· um tecido crivado de martfrios

.
.

Sob u11i fundo de aurora anoitecida.


Enchendo os olhos do palor dos círios


Vai, bela e triste, sepultada em vida,
Trajando a roxa viuvez dos lírios . . •

. Corina é a. flor da ternura,


De neve e leite, tão pura! . . . •

Espelho em que Deus se vê . . .


Seu corpo brando e mimoso
.
.

Tem o todo melindroso


De uma flor de muçambê.
.

Seus olhos . . . têm uma l�istória


!)e tão sagrada memória,
Que não .há quem bem . relate-a . . .

Numa . açucena e�butidos


São dois astros foragidos
De uma extinta via-láctea.

Seu cabelo de serrana .


.

.
� feito de filigran� •

.
·
Qu� a . rtoite. no espaço v�ste . ..
.
. .. . .

.

De tanta fror que ela prende


A cabeleira recende
O cheiro da mata ,agreste.
Pela polpa de seu lábio
' É· ·que Deus · o eterno ·sábio -
, Abre· ··o lábio· ·da romã... .
• •
Se Corina não sorri$se •

· Que flor havia que abrisse . . . ••


O cálix pela manhã? .



. .
. · •

227
O rigues de Carvalho.
(IOd Prismas.· Fortaleza, Tip. Univer­
sal, 1896, pp. 3, 9, 44;. Dolor Barreira. História da Litera­
tura Cearense. Fortaleza, Ed. Instituto do Ceará, t. 2, 1951,
pp. 49-50.)

Conquanto desconhecido das novas gerações, o soneto


"Os Seios" chegou a ter, no Ceará, fama idêntica à de "As
Pombas", de Raimundo Correia ou "Os Cisnes", de· Júlio Sa­
lusse. Tendendo de certa forma para o Romantismo, nota-
damente pelo vocabulário, alguma lembrança clássica nos
vem da alusão a Clóris, deusa Flora entre os gregos; não
segue o esquema rimático dos clássicos e românticos, pois não
rimam os quartetos entre si, embora os tercetos sejam dispos­
tos em CDC DCD. No poema seguinte, ''Dois Cegos'', temos
quase outro poeta: um miniaturista conceituoso, sem a emo­
ção erótica do primeiro poema, e enfeixando graciosamente
em 8 versos uma história de fundo moral. Em "Viúva", jun-
. .

ta-se a um clima romântico a presença do Simbolismo, por


meio de conotações místicas sugeridas pelo vocabulário, so­
bretud o quando fala na "roxa viuvez dos lírios". Minai, "Co­
rina", fragmento do Poema de Maio (1901), apesar de ser o
mais recente ainda é mais romântico do que os precedentes:
aí se encontra toda a ingenuidade da poesia campesina, não
se preocupando o poeta nem mesmo com a colocação dos clí­
ticos, como se observa no v. 9.0 (quem bem relate-a). Por
isso mesmo, Dolor Barreira, muito acertadamente, afirmou
ser todo o livro "vazado nos moldes do romantismo, cuja ins­
piração ainda influenciou de mo·do considerável embora re­
tardariamente, a nossa poesia nos primeiros anos do século'".
44

ALVARO MARTINS

ALVARO Dias MARTINS Nasceu no Trairi, em 4 de


abril de 1868, e faleceu em Fortaleza, no dia 30 de junho de
1906. Como vimos, foi ele um dos fundadores da Padaria Es­
piritual, da qual saiu, juntamente com Temistocles Machado ,
ajudando a criar o Centro Literário. Tam�ém foi visto que

228

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.
•'.


ao tempo da criação da Padaria Espiritual era já ele larga-
mente conhecido: no Libertador, sob o pseudônimo Alva­
rins, assinava ele as "Curvas e Retas", tendo ante riormente
militado no jornalismo carioca., ao lado de figuras como José
do Patrocínio. Só começaria a publicar livros ao tempo do
Centro Lite rário: Os Pescadores da Taíba (1895), Capela Mi-
lagrosa (1898), Agonia Suprema (1901), Casa Mal-Assom­
.

brada (1903), Comemorando o Tricentenário do Ceará co­


laboração com Rodrigues de Carvalho (1903), além de peças
teatrais, como Belecho (1898), Lopes Veiga e Companhia
(1898), Me Ceda . . . .
. (1908);· etc.

OS PESCADORES DA TAlBA
(fragmento)

O mar tem fundos arcanos,


Abismos desconhecidos,
Profundos como os gemidos
Dos desesperos humanos.

Por sobre o manto das águas,


Os seios dos nenúfares
Derramam negros pesares •

De melancólicas mágoas.
,.
,_-

A branda espuma que frisa


A onda que se esmaece,
Como que geme! . . . parece
Um coração que agoniza!

Há desalentos fatais
No choro infinito ê vago,
Daquele inddmito lago

'

Cheio de lodo e corais.

A v ãga agomando a bruma,


Entre longas litanias, · · . ...

229
Tece amargas ironias
Com brancos fios de espuma.

E a onda a cantar e a rir


As vezes desaparece
E surge do abismo . . e desce . . .
.

E desce . . . e torna . a subir.


••

• • •

NO ALTO · DA SERRA
• •
.

Cai a tarde no azul., e o poente, em brasas


Arde. O alto da serra também arde.
E as aves brandas, o cair da tarde,
Passam, ligeiras, arruflando as asas.

Porcos vão-se em tropel, sujos de lama,


Nas barrancas do val descem grunhindo,
A cauda hirsuta e curva sacudindo,
Na poeira de luz, que · o sol derrama.

Caem as sombras . nos casais. Ovelhas


. .

Mugem, na solidão. Zumbem abelhas,


Na tristeza outonal ·(lo fim do dia.

Na quebrada da serra, a luz se alonga,


E ouve-se ao longe o canto da araponga
Como um grito de dor e de agonia.
. .
.
.. .
'
. . .

CASA MAL-ASSOMBRADA •
:

(fragmento)

Debaixo do largo alpendre · . . .


. .

O povo das vizinhança$·,- . . . . . , · ·


Mulheres, velhas, crianças,
Promiscuamente agrupados,
Em torno de enormes lotes

De mandioca atulhados · � · , ·.
• t•


.

230

I
.

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"
·.J
'
-- '

No chão, .
Parlam, jogando os capotes,
Para alegrar o serão.

Sobre uma esteira de junco


Agachado, o ti-Rosário
- Um velhinho octogenário
Que nas caçadas cegou -
Narra, aos meninos, que o cercam,
Velhos casos engraçados
Dos tesouros encantados
Que nas matas encontrou.

De quando em vez, a Quinana,


Filha do dono da casa,
Surgindo à porta do outão,
Para animar a função,
Distribui goles de cana
Numa xícara sem asa, -
Que voa de mão em mão.

Curva ao rodete, encanchada


No banco, ao peito amarrada
A toalha de algodão cru,
Sá-Chica, do João Minhoca,
Canta, e ceva mandioca
Nos dentes do caiti tu . . .

- Empunhando o largo. rodo,


Junto ao forno o Paraíba,
Cabra grosso, espadaúdo,
Nu da cintura pra riba,
Mexe a massa com vigor
Sobre o peito cabeludo · •

Caem- lhe as bagas de suor .. .

231
�---

Perto, a Biloca Giralda,


- Gorda e fresca mocetona,


Que tem fogo na patrona,
Como se diz no sertão -
Com a urupemba nos braços

Sacode a massa, peneira,


Vai separando a crueira,
Que rola, esparsa, no chão . . .

Move os quadris opulentos


Nos agitados meneios .

Traem-lhe os bicos dos seios


As rendas do cabeção.

Malicioso, o prenseiro
Olha-a, sorrindo, de esguelha.
E a moça, muito vermelha,
Que surpreende-lhe o olhar,
Se amua, solta um muxoxo,

Derrama fora do coxo •

A massa . . . e põe-se a · ralhar . . .

A ARANHA

Da água no úmido seio� a_ aranha · misteriosa.,


Artífice do ocean() .
. ao noturnal pa;lor,
.

Urde os fios, estende a rede caprichosa,


Leve trama irial, de artístico lavor . . .

E ali, na oscilação da vaga tumultuosa,


Oculta, entre os ramais da flora multicor,
.

Prende aos elos, no ardil, da teia luminosa,


Algas, conchas, corais, que vogam em derredor.

Calma, às vezes, do. abismo a leve face enruga,


Vagarosa arrastando · o casco, · à tartaruga,

Na doce ondulação do líquido cristal.

232


Passa perto da teia. E a aranha, que não dorme,


Ao vê-la, se contrai; e, abrindo a jauce informe,
Crava-lhe o frio olhar, venéfico e letal! . . .

CEARA

Brancas praias, alvas dunas,


Onde o mar, rolando, chora . . .
Coqueiros, onde as graúnas
Cantam, ao nascer da aurora;

.

Brancas praias, vós ouvistes


O que alguém jamais ouviu:
De Iracema as queixas tristes
Quando Moreno partiu.

Orla da praia querida


Guarda em berço encantador
O sonho de minha vida,
E a vida do meu amor!

(Alvaro Martins. Os Pescadores da Taíba. Fortaleza, Tip.


Universal, 1895, pp. 1-2; A República, de 19. 08 .1903; Al­
varo Martins. Casa Mal-Assombrada. Fortaleza, Tip. Mi­
nerva, 1903, pp. 52-4; Dolor Barreira. História da Litera­
tura Cearense. Fortaleza, Ed. Instituto do Ceará, t. 2, 1951,
pp. 124; 305.)

Alvaro Martins foi um dos mais aplaudidos poetas de seu


tempo; mas foi também um dos mais estranhos: poucos es­
critores têm tido tantos altos e baixos em sua trajetória !iterá-
.

ria. Transcrevemos alguns de seus melhores poemas em ordem



cronológica para mostrar que ele, sim, teve faces e não fases
(como se disse a respeito de Alberto de Oliveira). Lutamos
com uma dificuldade: os livros de Alvarins não enfeixam vá­
rios poemas, mas cada um constitui um poema só. Valemo­
-nos entretanto de fragmentos, e de alg1.1mas produções que
surgiram na imprensa. O primeiro trecho, que é o intróito do

233

I
I

-- ..... �.A. - --__


.,.- - �•
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livro de estréia (1895), consta de versos simples, quase ro­


mânticos que, j untamente com as notas fortemente regio­
nalistas do poema inteiro, não nos parecem prenunciar um
parnasiano. Jã o soneto "No Alto da Serra" é uma descrição
realista; com efeito, estampado pela primeira vez no Alma-
naque de Baturité de 1896, trazia como subtítulo a indicação:
d'apres nature. Reproduzimo-lo tal como foi publicado n' A
República, em 1903, tendo sofrido algumas alterações formais
que não lhe modificaram a essência. Mas, em Casa Mal-As­
sombrada, livro do qual também retiramos um fragmento
(1903), volta a dicção do primeiro livro, com acentos de poe­
sia popular, inclusive com o linguajar do povo sertanej o ("Nu
da cintura pra riba") . Mas ocorre que, nesse mesmo ano de
1903, vem a público o soneto "A Aranha", vencedor de um
concurso literário instituído por uma revista cearense (Re­
vista Acadêmica) : nesse admirável soneto, observa-se um
perfeito exemplar da pura arte parnasiana, pela iinpassibi­
lidade marmórea e pelo burilamento do verso alexandrino.
não obstante a ectlipse do verso a. o (vogam em), onde o m tem
de ser elidido. É clara a influência de Heredia, o grande par­
nasiano francês, com o soneto "Le Récif de Corail". 45 Al-
varo Martins, com "A Aranha", tornou-se cronologicament e
o primeiro parnasiano puro do Ceará . Dir-se-ia que o poeta
iria, doravante, seguir a corrente na qual tão seguramente
estreara (aliás, Alvarins havia feito, anteriormente, uma
tradução do mencionado soneto herediano, mas sem a perfei­
ção alcançada n' "A Aranha"). Isso não ocorreu, entretanto:
folheando-se os números d' A República, de 1903 a 1905, de ­
paramos com incontáveis poemas, notadamente trovas, de
Alvaro Martins, que nada, absolutamente nada lembram do
burilador daquele soneto. Em 1904, saíram naquele jornal
versos seus desse teor:

Olhar - íris de bonança,


Sorrir brando rosicler:
Ai! não sorrias, criança,
Ai! não me fites, mulher!

234

O último poema transcrito é de 1905, e foi publicado ainda
no mesmo periódico, sob o títul o de "Praias", tendo sofrido
levíssimas correções. Vê-se por ele que o poeta voltou exata­
nlente ao poetar dos primeiros versos reproduzidos aqui; isso,

para não falarmos das iní1meras trovas que espalhou pela im-
prensa nos últimos anos de vida, e às quais já nos referimos
de passagem. O principal de sua obra poética situa-se nessa
faixa do Romantismo agreste com que escreveu os Pescadores
da Taíba: pura poesia brasileira, com o sabor das coisas do
Ceará. Não haveríamos portanto de incluí-lo entre os parna­
sianos unicamente pelo soneto A Aranha'', este, porém, re­
''

vela u1n ponto de partida.

BONFIM SOBRINHO

José da Silva BONFIM SOBRINHO Nasceu em Forta-


leza, no dia 19 de março de 1875, e faleceu em Belém do
Pará, em 22 de junho de 19 00. Espalhou suas produções pelos
jornais, nunca chegando a reuni-las em volume . Fala-se de
I
vários livros seus, como Goivos e Rosas, Musa Triste e Gri­
naldas, mas nenhum desses volumes foi jamais editado . Per­
tenceu ao Centro Literário, onde aliás já o vimos, entre os
fundadores. Dolor Barreira, no segundo volume de sua His­
tória da Literatura Cearense, reproduz inúmeros dos sonetos
de Bonfim Sobrinho.

PECADORA

Levou-te a morte ao último desterro,


Remota estância azul na eternidade.
Gemeu em funeral minha saudade,
No cortejo final do teu enterro.

No cemitério, junto desse aterro,


Que, sobre ti, fizeram sem piedade,
.

Disse-me alguém que tua mocidade


Fora na vida dissipada em erro.

235


Lembro-me, sim, que, teu caixão fechando,
Vi-te as mãos postas, como se, rezando,
Tivesses fenecido arrependida . . .

E nele, fria, hirta, inteiriçada,


Dormias para sempre, a alhada,
Sonhavas para sempre, adormecida. •

VISÃO DE ENFERMO
I

Da minha febre nos mortais delírios


Apareceste morta no ataúde.
Entre· dois tristes, funerári'os círios,
Vi-te, e conter as lágrimas não pude .

Santa Teresa, monja dos martírios,


. Esmaecida à flor da juventude,
Eras então mais alva do que os lírios,
Muda e desfeita pela morte rude.

Quando beijei- te a lânguida cabeça,


Recordei, em soluços, branca rosa,
D_o nosso amor a úl't'hma promessa.


Nisto, acordei, de súbito chorando �· ·
E, viva, ó ceus, estavas, carinhosa,
Junto ao meu leito pálida, velando . . .

NOIVADO FúNEBRE

Negra tristeza meu semblante encova,


6 noiva minha, ó lírio meu fanado!
Por que não vamos na mudez da cova
Em círios celebrar nosso noivado?

Nos sete palmos d'esse leito amado,


Ao frio bom de uma volúpia . nova,

236
Há de embalar o nosso amor gelado
O coveiro a cantar magoada trova.

E os nossos corpos, gélidos, inermes:


Em demorados e famintos beijos,
Serão depois roídos pelos vermes . . .

E do leito final que nos encerra,


Em plantas brotarão nossos desejos,
E o nosso amor, em flores, pela terra.

(Dolor Barreira. Op. Cit., t. 2, ·pp. 36; 3 8; Mário Linhares.


Op. Cit., p. 45.)

Pela mais superficial leitura dos três poemas aqui es­


tampados, verifica-se de pronto a presença avassaladora da
morte; apesar de haver escri to algumas redondilhas amoro-
sas, aqui apresentamos a faceta mais característica do poeta,
essencialmente elegíaco. Romântico retardatário, podemos po­
rém admitir alguma influência simbolista (ou decadentista,
.que é sua feição satânica) em sua poesia . O primeiro soneto
não parece transbordar do Romantismo, senão pela versi­
ficação, que não se prende ao decassílabo sáfico, como era
vezo naquela corrente; já o segundo, "Visão de Enfermo",
com sua alusão a Santa Tereza, "monja dos martírios", res­
suma atmosfera simbolista (o Simbolismo, não se deve es­
·quecer, foi uma revivescência romântica) . Quanto ao "Noi­
vado Fúnebre", seu mais conhecido soneto (figura nos So-
netos Brasileiros, de Laudelino Freire), a partir do título traz­

-nos à memória a célebre balada "Noivado do Sepulcro", do
·poeta português Soares dos Passos. Entretanto, se no consa­
·grado poema do ultra-romântico lusitano os fantasmas se
levantam das tumbas e trocam palavras de amor, no soneto
do cearense, pelo menos no final, parece haver menos idea­
lização: os desejos e o amor vão dar origem a plantas e flores,
o que poderemos interpretar como uma alusão . às próprias
leis naturais. Por fim, para que alguém, inadvertidamente,
,

237
-· .......,_
- - -
- -
-

11ão faça associação e.ntre os versos do "Noivado Fúnebre" e


alguns poemas de Augusto dos Anjos, que tanta influência
exerceu entre poetas menores no Brasil inteiro, lembramos
que Bonfim Sobrinho morreu doze anos antes de surgir o
livro do poeta paraibano .

FERNANDO WEYNE

FERNANDO da Costa WEYNE Nasceu em S . Fernando


(Paraguai), em 3 de setembro· de 1868, estando o local sitiado
pelas tropas do General Sampaio, e faleceu em Porangaba, em
17 de ·abril de 1 9 06 . Exerceu o jornalismo, fazendo da im­
prensa a sua arena de combates políticos. De sua bagagem li­
terária, vasta e variada, incluindo contos, poemas e comé­
dias, unicamente chegou a publicar um livro de contos, Miu­
dinhos (1895). Reproduzimos seu poema "Loucuras" que,
musicado, logrou obter larga popularidade:

LOUCURAS

Agora que não vejo-te a meu lado


A segredar-me apaixonadas juras,
Busco, às vezes, do nosso amor passado,
Recordar estas íntimas loucuras.

Faz muito tempo . . . eu nem me lembro quanto!


- A vida é longa e o pensamento é vário! -
Tu mostravas-me a rir que idílio santo! -
A pequenina cruz do teu rosário.

E sempre que me vias, recordavas


Do nosso amor a fantasia louca:
Cada vez que a pequena cruz beijavas,
Eu beijava, febril, a tua boca . . .

Mas o tempo passou. Triste, segui


Da f!tinha vida o longo itinerário�

238
..

E nunca mais, e nunca mais eu vi


A pequenina cruz do teu rosário.

Do amor /'ltgiu-me a benfazeja .luz!


Não posso mais! . . . errante caminheiro,
Sem Cirineu, tal como o de Jesus, ·

Verga meu corpo ao peso do madeiro.

Já vou trilhando a estrada da amargura!


- Antes, porém, que chegue ao meu Calvário,
Dá-me a beijar, ó santa criatura,
A pequenina cruz do teu rosário.

Recorda ainda o nosso amor de outrora!


Vamos lembrar os tempos de criança!
- Se da vida perdi a doce aurora,
Resta em minha alma um raio de esperança:

Tu que és tão boa, que és tão meiga e pura,


Quando eu baixar ao campo funerário,
Virás deitar na minha sepultura.
A pequenina cruz do teu rosário.

(Almanaque do Ceará. Fortaleza, Tipolitografia a Vapor,


1906, p. 187.)

Este poema, escrito em 1897, foi publicado no Amanaque


do Ceará para 1906, datado daquele ano e com a indicação
de inédito. Musicado pelo violonista Roberto Xavier de Castro
(sobrinho do X . de Castro dos Cromos), veio a tornar-se uma
das canções mais populares nas serenatas, sob o título de
"A Pequenina Cruz do Teu Rosário" . Pelo fato de trazer como
epígrafe o verso final do soneto "Dulce", de Castro Alves
(Morrer beijando a cruz do teu rosário) , e ainda pelo verso
que se repete ao final de cada estrofe de número par, foi
atribuída sua autoria ao Poeta dos Escravos. Com o passar
dos anos, os versos foram sendo deturpados . Atravessando

239
fronteiras, apareceu em 1925 gravada em disco pelo cantor
paulista Roque Ricciardi (Paraguassu), com vários versos
desfigurados e como de autoria dele, Paraguassu. O musicó­
logo Almirante e depois Mário Linhares e Edigar de Alencar
protestaram contra o fato, que não envolvia plágio, mas sim,.,
plesmente furto . 46 Com a intervenção da família do poeta,,
foi afinal reconhecida a autoria verdadeira da modinha. En­
tretanto, depois disso houve regravação, com os nomes dos
legítimos autores, mas ainda com os versos adulterados. E,
segundo Edigar de Alencar, em 1962, foi editado um álbum
de " 2 13 Sucessos Musicais Escolhidos", onde figura "a in­
ditosa modinha cearense com o nome de Paraguassu como
seu autor" . 47 Trata-se de poema indiscutivelmente român­
tico, sem um toque sequer de influência de outra corrente
estética; não podemos porém incluir Fernando Weyne entre
os românticos, por uma questão de cronologia : ao tempo em
que foram compostos os versos de "Loucuras", já o Realismo
dominava nossas letras, na prosa e na poesia, para não aludir­
mos ao Simbolismo do início dos anos 9 0. Fernando Weyne�
juntamente com Bonfim Sobrinho e outros, deve figurar entre
os neo-românticos que versaram paralelamente às várias ten­
dências de que ora tratamos.


QUINTINO CUNHA

José QUINTINO da CUNHA Nasceu em Itapajé (então


Vila de S. Francisco de Uruburetama) em 24 de junho de 1875,
e faleceu em Fortaleza, no dia 1.0 de junho de 1943. Exerceu
a advocacia algum tempo na Amazônia. Era orador dos mats
aplaudidos, além de poeta e contista. Como Fernando Weyne,
teve poemas que, musicados, se popularizaram largamente,
como a "Comunhão da Serra" e o "Encontro das Aguas". Seu
nome perdura ainda como o de homem de fino espírito, êmulo
de Emílio de Menezes e de Paula Ney, sendo famosos alguns
de seus epigramas, bem como inúmeras de suas tiradas fa­
cetas, que constituem as chamadas "anedotas do Quintino"
Quintino Cunha, que figurava na lista do s sócios fundadores

24 0


do Centro Literário, estreou com um livro de contos. Dife..


rentes (1895) , ao qual se seguiram, mais tarde, A Morte do
Cabeleira (1902), elegia, Pelo Solimões ( 1907), seu livro prin­
cipal, publicado em Paris, quando lá se achava o poeta.

COMUNHAO DA SERRA

Ontem, à noite, eu vi a minha Serra,


Como uma virgem, trêmula, contrita,
Recebendo de Deus, d'aqui da terra,

Uma hóstia do Céu, hóstia bendita.

Como foi, para vê-la assim? De neves


Era o véu transparente, que a cobria,
Vendo-se aqui e ali negros tons leves,
Do negro que do verde aparecia.

Tons negros, talvez restos, que os comparo,


De alguma nuvem torva, esfacelada
Por Deus, que só queria o Céu bem claro,
Porque ia dar a hóstia consagrada!

O cafeei1·al, que rebentava em flores,


A grinalda na fronte lhe brotava;
E o frio, rebento dos temores, .
No seu íntimo, o frio rebentava!

Assim a Naturezea era o sacrário,


De onde Deus dava a comunhão radiosa
A Serra! E era o Céu o grande hostiário
E era a lua, a hóstia luminosa.

E digam que eu não vi a minha Serra,


Como uma virgem, de grinalda e véu,
Recebendo de Deus, d'aqui da terTa,
A hóstia luminosa lá do Céu!

:241

- -
- ----

..
-
.....
. . -

·-·-·--·-

ENCONTRO DAS AGUAS ·


(Rios Negro e Solimões) •

Vê bem, Marià, aqui se c.ruzam: este


É o Rio Negro, aquele é o Solimões.
Vê bem como este contra aquele investe,
Como as saudades com as recordações.

Vê como se separam duas águas,


Que se querem reunir, mas visualmente;
É um coração que quer reunir as mágoas

De um passado, às venturas de um presente.

É um simulacro só, que as águas donas


D'esta região não seguem curso adverso,

Todas convergem para o Amazonas,


O real rei dos rios do Universo;

Para o velho Amazonas, Soberano


Que, no solo brasílio, tem o Paço;


Para o Amazonas, que nasceu humano,
Porque afinal · é filho de um abraço!

Olha esta água, que é negra como tinta,


Posta nas mãos, é alva que faz gosto;
Dá por visto o nanquim com que. se pinta,
.

Nos olhos, a paisagem de um desgosto.


Aquela outra parece amarelaça,


Muito, no entanto ·é tam·bém limpa, engana;
É direito a virtude quando passa
Pela flexível porta da choupana.

Que profundeza extraordinária, imensa,


Que profundeza, mais que desconfonne!

Este navio é uma estrela, suspensa


N'este céu d'água, brutalmente enorme.

242

' -
----- ---- -
-•
...,
.

.
.. �- .

Se estes . dois rios fôssemos, Mari-a,


Toda� as vezes que nos encontramos,
Que Amazonas de amor não sairia
De mim, de ti, de nós que nos amamos/ I ...

ENTRE
. .
NUVENS

Ameaça chuva. O pássaro na rama


Vem de ocultar-se . Agora permanece
A Sombra do covil . Tudo parece
Triste como a saudade de quem se ama.

Enquanto o Céu apenas se recama


' De nuvens, não; mas, quando se incandesce
De um relampe·ar profundo, a chuva desce,
Por fina força a eh uva se derrama.

Em nós outros também o tempestivo


A mar é assim como este quadro vivo,
Que, há pouco, a natureza dominava.

Falo por mim, tirando por Maria;


Pois, quando na minh'ama relampeava,
Nos seus olhos tristíssimos chovia!

NUBLADO

O Sol quis ver a terra hoje. A invernia


Só uma nuvem formou ·no firmamento;
Queria vê-la, ao menos um momento,
Mas mesmo esse momento não podia.

Porque o sombrio, o torvo, o pardacento


Dessa nuvem ao Sol não permitia
Ver uma flor sequer. �assou-se o dia
Quase que num perfeito enlutam�nto.

243
Quis ver a terra, mas a tarde veio,
Depois a noite, que o ocultou no meio
Dos seus escuros e tristonhos falhos.

Maria, eu sou direito esse sol-posto:


Há dias em que a nuvem de um desgosto
Não quer que eu veja a terra dos teus olhos! . . .

SPES UNICA!

Morto, dentro da fria sepultura,


Sem te poder falar?


E tu que me amas, boa criatura,
Indo me visitar .. .

Banhada de suspiros, de soluços,


Desmaiada, talvez ...
Muita vez reclinada, até de bruços,
Na altura dos meus pés;

Pedindo a Deus o meu viver eterno


Junto das glórias suas;
Que me livre das penas do inferno ...
E a chorar continuas,

Lembrando nossa vida, a todo instante.


Repassada de dor . . .
A lembrar-te que fui o teu amante
- O teu único amor! •

Mal pensando na horrífica caveira,


Em que me transformei,
Exausto de fadiga, de canseira,
Imaginar não sei . . .

Para evitar essa hora (l,mt�,rgurada,


Esse quadro de dor, tão verdadeiro,

244 '

-�- -----
- ---
Deus há de ser servido, minha amada,
Que tu mo"as primeiro/ . . •

<Quintino Cunha. Pelo Solimões. Paris, Livraria AUlaud &


Cia., 1907, pp. 9-11; 67-8; Sales Campos. A Poesia Cea­
rense no Centenário. Fortaleza, Tlp. Modema, 1922, pp.
217-8; 219; 220; Renato Sóldon. Verve Cearense. Rio, 1969,
pp. 37-8.)

Os quatro primeiros poemas aqui reproduzidos constam


do livro principal de Quintino Cunha, Pelo Solimõ,es, de 1907:
A "Comunhão da Serra", que recebeu melodia de João Quin­
tino (irmão do poeta), chegou a ser modinha popularíssima
nas serenatas cearenses; é talvez o mais romântico de todos
os seus poemas; contudo, podemos assinalar a dicção pessoal
do autor através da originalidade de seu versejar (veja-se,
por exemplo, a simplicid . ade coloquial da derradeira estância,
em que o poeta quase· conversa com o leitor: E digam que
eu não vi a minha Serra . . O "Encontro das Aguas", uma de
.

suas mais famosas composições, fez igualmente "sucesso" nas


nossas noites de seresta, com melodia de Mamede Cirino:
ostenta concepção original, inspirada pela paisagem amazôni­
ca: vejam-se as expressões populares, como é alva que faz gos­
to, da por visto, é direito·. . etc. O poeta procurava locuções bem
.

nossas, razão por que mesmo composto; quase todo, de "versos


norte-brasileiros" como o subintitulou, seu livro não perde o
caráter cearense. Profundamente espontâneo, por isso mesmo
às vezes o autor descuida-se no tocante à metrificação, como
no v. 3.o da sétima estrofe, com acentuação irregular. O "En­
contro das Aguas'', assim como os dois sonetos que se lhe
seguem, transcrevemo-los não do Pelo Solimões mas d' A Poe ­
sia Cearense no Centenário, organizada por Sales Campos
(1922), por haverem sofrido alterações. "Entre Nuvens" e
"Nublado" são dois sonetos liricos dos quais não se pod·e dizer
que sejam poemas purame.nte românticos; mais do que em
quaisquer outras produções de Quintino Cunha, aqui pode ser
observada a. linguagem característica· do poeta: em ''Entre

Nuvens", o elemento coloquial aparece na expressão por

245

-
-
-

.J
!""
-
..-.: •
..
fina .força e no -'Verso Falo por mim, tirando por Maria . Em
"Nublado", surge, como surgiram no '''Encontro das Aguas",
a locução sou direito, com o sentido de sou igual . Na maioria
dos poemas predominam a comparação; e como estes, muitos
outros poemas do Pelo Solimões . Por último, como não era
lícito desprezar a face mais conhecida de Quintino, transcre-
.

vemos um poema que foi ditado pelo autor ao seu parente


Renato Sólon. 48 Composto de seis estrofes, até chegarmos
à quinta, e mesmo ao iniciarmos a última, aparece-nos como
um poema elegíaco, em que é pesada e trágica a atmosfera,
a boutade final, entretanto, dá-nos idéia do espírito do poeta,
e de seu extraordinário humor, o que, aliás, lhe deu maior
renome junto ao povo do que os seus versos líricos que, en­
tretanto, merecem ficar.

PADRE ANTôNIO TOMAS

Nasceu em Acaraú, no dia 14 de setembro de 1868, e fa­


leceu em Fortaleza, em 16 de julho de 1941 . Ordenando-se
sacerdote em 1891 no Seminário da Prainha, exerceu o paro­
quiato durante mais de trinta anos, tendo sido vigário de Trairi
e de Ac-araú; em 1924, por motivo de saúde, deixou as ativida­
des paroquiais. Em concurso promovido pela revista Ceará Ilus­
trado, foi eleito em 1925 "Príncipe dos Poetas Cearense".
Publicou inúmeros sonetos nos jornais fortalezenses, mas ja­
rrJais os reuniu em livro, deixando mesmo um pedido, em seu
testamento, para que nunca fossem publicados colet.iva.mente
seus versos. Alguns de seus sonetos obtiveram fama nacional.

INVICTUS

Mensageiros do Arcanjo revoltoso,


Homens descridos vão em fero bando
Há dezenove séculos tentando .
Roubar-te, ó Cristo, o cetro gloriQso .
.

2 46
Mas sempre forte e sempre poderoso,
Tu vais a todos eles suplantando,
E com o teu suave jugo, doce e brando,
Curva-se o mundo humilde e respeitoso.

Tens apesar da guerra a ti movida


Por essas almas fracas e pequenas,
A terra toda ao teu poder jungida.

E ainda hoje a um teu gesto ap�nas


Voltam de 1�ovo os Lázaros à vida
E vão beijar-te os pés as Madalenas:

CONTRASTE

Quando partimos no verdor dos anos,


Da vida pela estrada florescente,
As esperanças vão conosco à frente,
E vão ficando atrás os desenganos .
.
Rindo e cantando, célebres, ufanos,
Vam.os marchand
. o descuidosamente;
.
Eis que chega a velhice, de repente,
Desfazendo ilusões, matando enganos.

Então, nós enxergamos claramente


Como a existência é rápida e falaz, •

E vemos que sucede, . exatamente,

O contrário dos tempos de rapaz:


Os desenganos vão conosco à frente,
E as esperanças vão ficando atrás! •

NO ENTERRO DE UM ANJINHO

Ei-lo que segue ornado de mil flores,


De manto azul e túnica de neve,

24'l

-
-

,.."':�,-
·�..
...
"
.
."
"

A sorrir . . . a sorrir, porque tão breve


Fugiu da vida sem provar-lhe as dores!
• •

Vão-no levando à cova . . . Os portadores


Do brando esquife, pequenino e leve,
São crianças também, que não se deve
Deixar um anjo em mão de pecadores.

Do funéreo cortejo me avizinho


E das crianças vou seguindo os passos
.

A cismar . . . a cismar pelo caminho .


E no caixão pendente dos seus braços,


Julgo estar vendo, não o loiro anjinho,
Mas, uma alma de mãe feita em pedaços.

EVA

Cantam-lhe n'alma ainda as sedutoras


Finais pa·lavras do inimigo astuto:
- "Se o fl,ouveras provado um só minuto,
.

uneusa, decerto, e não mulher, tu foras.''


E desprezando as iras vingadoras


Do céu, �stende o braço resoluto
E colhe o belo, rubicundo fruto
De estranho cheiro e formas tentadoras.

Nas mãos o .preme e, quando o vai partindo,


Se lhe esguiça da polpa sumarenta


O róseo mosto sobre o seio lindo.

E em cada poma fica-lhe estampado


Um vivo timbre dessa cor sangrenta,
Como as insígnias rubras do pecado. ·

..

248
CAMPESINA

Uns aromas sutis na veiga espalha


A mansa brisa. Suga a loira abelha
O lindo cálix de ?.tma cor vermelha
Que o puro rócio matutino orvalha.

O vento sul do bosque o coma esgalha


E o frio lago azul a s�mbra espalha;
Triste e saudosa muge a br�nca. ovelha
Cujo cincerro finos sons chocalha.

Loura matuta vem buscando a trilha


. Da fonte um fio d'água que marulha
Trazendo aos curvos ombros grande bilha.

Em pleno viço a mata escura abrolha;


Se o vento ali perpassa em doce bulha,
Treme um pingo de luz em cada folha.

O PALHAÇO

Ontem, viu-se-lhe em casa a esposa morta


E a filhinha mais nova tão doente! . . .
Hoje o empresário vem bater-lhe à porta,
Que a platéia o reclama impaciente ...
I

No palco em breve surge ... Pouco importa


O seu pesar àquela estranha gente ...
E ao som das ovações que os ares corta
Trejeita e canta e ri nervosamente.

Aos aplausos da turba ele trabalha,


Para esconder no manto em que se embuça
A cruciante angústia que o retalha.

249
No entanto, a dor cruel mais se lhe aguça,
E, enquanto o lábio, trémulo, gargalha,
Dentro do peito o coração soluça.

CONFIDI:NCIA

Eu fui contar chorando as minhas penas


Ao velho mar: e as ondas buliçosas,
Supondo que eu diria essas pequenas
Mágoas comuns, ou queixas amorosas,

Não quiseram cessar as cantilenas


·Que entoavam nas praias arenosas;
Mas pouco a pouco, imóveis e serenas,
Quedaram todas por me ouvir ansiosas.

E, terminada a narração de tudo,


.

Mostrou-se o mar pois nunca tinha ouvido


História igual, sombrio e carrancudo . I

Depois rolando as gemedoras águas,


Pôs- se a chorar també�, compadecido
Das minhas fundas, dolorosas mágoas.

A MORTE DO JANGADEIRO

Ao sopro do terral abrindo a vela,


Na esteira azul das águas arrastada,
Segue veloz a intrépida jangada
Entre os uivos do mar que se encapela.

Prudente, o jangadeiro se acautela


Contra os mil acidentes da jornada;
Fazem-lhe, entanto, guerra encarniçada
O vento, a chuva, os raios, a procela.

250

- �--
----=
'

Súbito, um raio o prostra e, furioso,


Da jangada o despeja n'água escura; •

E, em brancos véus de espuma, o desditoso .

Envolve e traga a onda intumesci·da,


Dando-lhe, assim, mortalha e sepultura
O mesmo mar que o pão lhe dera e1u. vzda.

(Dolor Barreira. Op cit., t. 2, pp. 61-2; Sales Campos, Op.


cit., pp. 26; 30; 3 3; Dolor Barreira, Op. cit., p. 252; Dlnorá
Tomás Ramos. Padre Antônio To1nás Príncipe dos Poe­
tas Cearenses. Fortaleza, Tip. Aragão, 2.6 ed., 195 8, pp. 109;
Sales Campos, Op. cit., p. 26 ; Antologia Cearense. Forta-
leza, 1957, p. 59.) .

Baseamo-nos em Dolor Barreira ( História da Literatura


Cearense, vol . 2), para apresentar os poemas em ordem cro­
nológica . Embora nascido no mesmo ano em que nasceram
António Sales, Lopes Filho, Alvaro Martins e vários outros
poe�as, somente a partir de 1901 começou o· Padre Antônio
Tomás a dar publicidade a seus .escritos, a maioria dos quais
surgiu no jornal A República . Dessa época é "Invictus", que
denota, principalmente no segundo quarteto, certa presença
de Classicismo (pelo menos muito mais do que Romantismo,
que será a nota predominante de seu estro); é um dos muitos
poemas religiosos que deixou . "Contraste", também do iní­
cio do século, é seu mais famoso poema e um dos mais bem
construídos.: nele se reflete uma filosofia mais realista do que
propriamente pessimista, visto ser a esperança, na verdade,
mais comum entre os jovens, i. e., aos menos experientes .
Esse soneto consta de várias antologias nacionais . Pela tris ­
teza que o envolve, com a morte como tema, "No Enterro· de
um Anjinho", como inúmeras outras composições do poeta,
seg.ue os cânones românticos (por isso houve quem acusasse
o Padre Antônio Tomás de estar, quanto. à plástica do ver-

so, '�uns cinqüenta anos do passado"). 49 Entretanto·, "Eva",


que é de 1906 (o anterior é de 1903), foge da linha geralmen­
te seguida . pelo poeta e, pelos .encadeamentos, assim como pelo

251
.
• •

...

descritivo da cena, onde não penetra a .participação do autor,


mais se aproxima da arte parnasiana . É um poema de fundo
religioso, mas de concepção ousada · e de linguagem· altamen ­
te significativa. Já "Campesina", da mesma época, ostenta
dicção e vocabulário mais ou menos românticos, mas lembra,
pela descrição, alguns cromos do nosso Realismo . ·. As rima s
traem um requinte caro aos simbolistas, pois são em alha,
elha, ilha olha e ulha, o que indica ser o poeta, apesar de es­
pontâneo, capaz de trabalhar o verso com esmero . O tema de
.

"O Palhaço" é há muito um lugar-comum; entretanto, o poe-


1

ta soube d�r-lhe tratamento artístico e, acima de tudo, atin-


gir o leitor, razão da grande popularidade desse soneto : numa
leitura redimensionada, podemos ver aí não somente a an­
gústia do palhaço, mas a de todos quantos, em dado momen­
to, são obrigados a mascarar suas mágoas . Encerramos as

transcrições com dois poemas onde surge o mar (reminiscên-


cia talvez de sua infância no Acaraú) : "Confidência" era o
seu poema preferido, conforme depoimento de sua sobrinha,
D . Dinorá Tomâs Ramos, que adianta : "Quando instado a
recitar quaisquer dos seus versos, sempre o escolhia." 5o O
derradeiro, além da cor local, mostra-nos uma das caracterís­
ticas do poeeta, visível em "Contraste", "O Palhaço" e diver­
sos outros : a contemplação filosófica da existência, através
de antíteses. 51 O Padre Antônio Tomás, através de uns dez
ou vinte sonetos que deixou (escreveu para mais de 100), me­
rece lugar do maior destaque entre os cultores desse poema
de fortna fixa, não somente no Ceará, mas no Brasil, em · todos
os tempos .

EURICO FACó

EURICO de Queirós FACó Nasceu em Beberibe, no dia


13 de abril de 1879, ·e faleceu no Rio de Janeiro, em 12 de agos­ '

to de 1941 . Depois de tentar a carreira militar, ingressou na


Faculdade de Direito do Cearâ, cujo curso iria concluir no Rio .
Conta-se que uma de suas provas foi redigida em versos; par­
ticipou do Centro Literário em sua última fase . Colaborou ati-

252


vamente na imprensa, chegando a manter uma secção no jor­
nal A República, intitulada " Zig-Zag" . Publicou: Poemetos
( 1 900) e Pingos d' Agua (1918), deixando inéditos vários ou­
tro livros de poesia, entre os quais os Pingos de chumbo, versos
satiricos. Era filho do poeta romântico José Facó .

ENGANOS

Eu disse: Eu morro! · Espero! Ela me disse


Quando a sorte cruel nos separou .
Parti . Voltei anos depois .. . Alice
Mostrou-me seu marido . . . Que tolice!
Nem eu morri, nem ela me esperou .
\

A TUA VOZ

Quando a tua garganta a meiga voz desata,


Cala-se extasiado o sabiá da mata .
I

RÉSTIAS DE SOL

Teresa, ingênua criança, haver supunha


Colhido a cobiçada
Réstia de sol e, abrindo as mãos, pasmada,
Da luz a negra ausência testemunha .

II

'
I

Homem refeito, Acácio quis, à viva


Força, prender Estela,
_ Sem saber que a mulher é como aquela,
1 como aquela réstia fugitiva .

253

-
!tt
_-
III

Das duas personagens, qual seria


Da inépcia mais escrava:
- Acácio, que a muther prender tentava?
- Teresa, que prender a luz queria?

IV

Talvez riam das rudes singelezas


Do ingénuo par, contudo,
- A humanidade toda (eu não me iludo)
É composta de Acácias e Teresas .

MIRAGENS

Por que razão dizemos do passado


O bem, que do presente não dizemos?
É que, à distância, sempre azul nós vemos
O monte descalvado .

AMOR ETERNO

Tarde de outono . À Lídia, a ebúrnea fronte


Beijando, Fábio: "O meu amor (dizia)
É eterno" . E ela sorria,
Vendo o sol, que baixava no horizonte .

II

Manhã de outono. A Fábio, num crescendo


De angústia, Lídia: "O teu amor (clamava)
!i!ão era eterno?" E ele sorria, a flava
Luz, que subia, no horizonte, vendo .

254
.

..i'
'

-
---- -

III

Os atares são novos; mas, no fundo,


t velho o quadro; e prístinas perfídias
Demonstram que anda em cena desque há Lidias
E Fábios neste mundo .

IV

Quadro etern o (eu concluo) , eterno açoite,


Há de ser da mesquinha humanidade:
- Que, no amor, a mais longa eternidade
Não dura, muitas vezes, uma noite .

(Dolor Barreira. Op. cit., t . 2, pp . 3 1 ; 32 ; Eurico


Facó . Pingos d' Água. Rio de Janeiro, Aguiar &
Morgado, 1918, pp . 1 1-14; 39 ; 121-4 . )

Eurico Facó deixou inúmeros sonetos, alguns de inspira­


ção ainda romântica (o "Ideal", que se tornou antológico, di­
zia : Quando tu passas leve e graciosa I Como no lago o cisne
alvinitente, I Como a flor que se embala docemente 1 No re­
gaço da brisa suspirosa . . . ) ou de recorte algo clássico. Mas
preferimos focalizar sua faceta mais característica e mais in- .

teressante, transcrevendo alguns de seus pequenos poemas,


com o que, também, estamos respeitando a vontade do poeta,
que deu à publicidade em livro estes, e não aqueles . Os dois
primeiros apresentados pertencem ao livro de estréia, Poeme­
tos ( 1900) : "Enganos", exemplo de seu fino humor (e que é
talvez seu mais conhecido poema) , pinta-nos um quadro anti­
-lírico por excelência, .baseado certamente nos equívocos da
vida real . Em "A Tua Voz", o a�tor quis naturalmente signi­
ficar que não necessita de um longo poema para exaltar a
voz da amada; dizendo que até o sabiá se cala ao ouví-la j á
disse tudo, com sua predileção pelo miniaturismo . As demais
produções, constantes dos Pingos d' Agua ( 1918), aproximam­
-se, pela forma, da arte clássica (mas não do Parnasianismo);

255

-
- . . --
...,j
..
��• .

note- se a tendência filosofante, presente aliás desde o primei­


ro poema transcrito, mas aqui desenvolvid'a : o poeta, em
"Réstias de Sol" e em. "Amor Eterno", conta um fato, tiran­
do uma conclusão de ordem geral. Em "Miragens", concilia­
-se admiravelmente a meditação filosófica ao miniaturismo
formal; compara a distância. no tempo com a distância no es­
paço : enquanto esta azula o vulto da montanha áspera, aque­
la nos faz esquecer as asperezas dos momentos passados . A
imagem talvez nem fosse nova mesm o ao tempo da composi­
ção do poema; entretanto, a disposição dos vocábulos em ape­
nas quatro versos, sendo o .úl tim o 11m quebrado de heróico"
coloca-nos diante de um poema simples, mas de inegável be­
leza e pura poesia .

SOARES BULCAO

José Pedro SOARES BULCAO Nasceu em São João de


Uruburetaina, em 13 de maio de 1873, e faleceu em Fortaleza,
em 17 de j ulho de 1942 . Exerceu o jornalismo, destacando-se
como polemista; foi por duas vezes deputado estadual e per­
tencia a várias agremiações literárias (v. g . o Centro Literá­
rio e a Academia C.earense de Letras) . Dedicou-se aos estu­
dos de História, particularmente no campo da Genealogia (era
membro do Instituto do Ceará) . Redigiu e..c;tudos sobre polí­
tica e história e compôs grande número de poemas . Entretan­
to, no campo da poesia deixou unicamente um livro, as Parê
mias, de "filosofia popular em versos", ficando inédito o He­
liantus, que dizem seria o ponto alto de sua produção lírica.
Era polemista vigoroso e usava às vezes o pseudônimo de Are s ­
bul. Publicou, além das já referidas Parêmias (1 910) , Cartas
Políticas de Solon Pinheiro ( 1912) , As Lutas do Ceará; A Fun-·
ção dos Partidos e o Dever Partidári·o ( 1925) , Anastácio Braga,
Sua Vida e Sua Obras ( 1928) , etc .

PAR2MIAS

Quem muito quer do futuro


Vê tudo através do verde;

256
Mais vale o ·pouco seguro:. •

- Quem muito quer, tudo perde .. ·


. . . '
' ' I •

·,

A desgraça no mais forte I

Mais robustece a esperança;


Nunca descreias da sorte; •

. , . . .- Quem espera sempre alcança • . •

'
' I
• •

Nunca motejes do · pobre


• •

Nem dos defeitos que vês; •

Por igual o céu nos cobre:


- · Cada ,quál · como Deus fez .


·

.• •

. o

. . � .
.
.

.

. .
..

Como a boca, a pena explica


Reservas do pensamento; . .

A letra da pena fica,


- Palavras, leva-as o vento ! . .

Quem o bem fez bem espere, • • o • •

E o mal também� se é dévido:


Porque Que·m com ferro fere ·
. .

Com o ferro · serd feri�o .


. . . . -.

Vai com jeito e paciência,


Se do melhor queres tu;
Bem nos mostra a experiência:
- Quem se vexa . come cru .

Muita coisa que vidrilha


Parece ser um tesouro
. . . .
Não te iludas com o que brilha:
- Nem tudo que brilha é ouro .. . .

VIUVEZ

- Só no céu me verás!"
" tu disseste na ·e xtrema
Hora em que de lá vinha o convite fatal . ·
Aureolava-te a fronte · um fúlgido .diadem.a · ·

De esperança e de · fé, na. . renúncia final .

25'1



Foi teu último adeus . Nessa angústia suprema ,

Vi a morte invadir o · teu corpo lirial,
E fiquei, mudo e só, no terrível dilema
De seguir-te ou fica·r : � fiquei, por meu mal .


Vai, minha filha, vai . Contigo seguirão
Os meus sonhoJ de moço . E todo o meu destino,
Que também era o teu, findou . No coração,

Eterna guardarei, entre dobres de sino, .


'
De teu corpo, que foi o meu cult.o pagão,
A tua alma, que é hoje o meu culto divino .

DOLENTES
.

(Fragmentos)


.

Quem há que tenha, na vida,


Sofrido tanto como eu?
Mas que importa a alma ferida�
Se o coração não morreu?

O que meu coração sofre


,

Jamais o tempo consome,


Porque dele eu fiz um cofre
Para guardar o teu nome .
.
-

A chave de jit� escura


Com que fechei .... teu.� atix.ão
É a mesma da fechadura
Que trancou meu coração .

Pediste a Deus· que nos desse


A morte no mesmo dia;
Foi ouvida a tua prece:
- Nem pior morte haveria! ·

258

- - _-;,--
Coração que acaso amou
Sinceramente, uma vez,

• • •

É campo que o sol crestou,


Deixando eterna aridez .

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

• • • • •

Não sei qual de nós, querida,


Sente maior desventura:
Se és tu já na sepultura
Ou se eu sepultado em vida .
• • • • • • • • • • • • • • •
• • • • • • • • • • • • • • • • •

Antes morrer eu quisera,


Morrer deixando saudade,
Que sofrer a iniqüidade
Desta dor que desespera .

Quando chega a noite escura,


Vou para o leito esperar-te;
Minha alma vive à procura
Da tua, por toda a parte .

( Soares Bulcão. Parêmias. Lisboa, Tip. uA Editora", 191 0,


pp. 24, 2 5, 26, 27, 29, 37, 38. Antologia Cearense. Fortaleza,
1957, p. 280. Dolor Barreira, Op. cit., t. 2, pp. 4 08-11.)

As Parêmias, adagiário popular em versos, trazem prefá­


cio de Afonso Celso, que vê nas trovas do poeta cearense "a
quintessência da filosofia e da experiência populares''. Esse li­
vro granjeou para o autor aplausos em vários pontos do País,
certamente pelo fato de ele fugir ao poetar da época (domi­
nado pelo Parnasianismo e pelo Simbolismo) : note-se como,
na maioria das quadras transcritas, o próprio adágio compõe
o verso final, isso indicando mais uma vez ser a redondilha
maior o metro predileto do povo . Todavia, o poeta não escre­
veu as trovas no esquema rimático popular, e no qual não
rimam os versos t.o e a. o ; preferiu o esquema erudito em
ABAB, de rimas cruzadas . Interessante o caráter puramente

259

--
--

-�� •
cearense da penúltima trova, onde vexar- se . tem o sentido não
de envergonhar-se, passar um veJmme, mas . de . , apressar-se
I I ·

(Que m se vexa come cru) · Os . versos que .se seguem revelam


. .

o lado mais belo e mais triste da .poesia de Soares Bulcão (que


também compõe sonetos descritivos) : o elegíaco . Perdendo a
esposa, escreveu ele alguns dos mais sentidos versos ditados
pela dor da viuvez . lt aliás '�Viuy ez'· ' ··o tít�lo com . que apare­
ce na Antologia Cearense ( 1957) , organizada pela j · Academia
Cearense de Letras (com prefácio· de Raimundo Girão) um
soneto que deveria figurar�·· no aludido livro Heliantus : vazado
em alexandrinos clássicos, tudo nesse poema é grave, solene
como a dor profunda que o motivou : perdendo a mulher ama ­
da, resta ao poeta, em sua irremediável .so�idão, transformar
aquilo que fora o amor carnal em p�r� adoração ·espiritual .
Do poema "Dolentes", composto ··d e . 23 estrofes, .es.colhemos

c
t

apenas oito, que julgamos dar �em uma idéia de. sua atmos-
fera elegíaca : Leonardo Mota, em seu Sertão Alegre ( 1928) ,
fala de uma variante da estrofe 3. a, que teria vi�t9 no livro
Cancioneiro de Trovas do B_rasil . Central, de Americano do
Brasil, publicado em 1925 ; e . conclui que a qu�dra deve ter-se
popularizado . Considera-a ele·· uma trova, e é, com efeito, como
todas as demais do poema, podendo ser tomada independen­
temente, como poema autônomo . A propósito, relata ainda o

nosso folclorista, no mesmo livro,- que entre outras quadras


.

de autores conhecidos· que ele teria ouvido "da boca do povo",


como autênticas trovas an�nimas, figura esta outra, . também
de Soares Bulcão, e que revela ainda outra faceta do poeta :
Marià da Soledade, I Tenha juízo, me deixe ! I Se aparecer no­
vidade, 1 Você de mim não se queixe . . .

JOSÉ ALBANO

JOSÉ d' Abreu ALBANO Nasceu em Fortaleza , no dia


12 de abril de 1882, vindo a falecer na Fran-ça, num hospital
em Montauban, em 11 de julho de 1923. Estudou no Seminá­
rio de Fortaleza, mas logo foi mandado para a Europa, tendo
estudado na Inglaterra, na Austria e na França . Voltou ao

260
C eará, para fazer os preparatórios no Lice�, 9�d� seria pro­ ·
.

fessor, por volta de 1904 . Mudou-se para o Rio de Janeiro, in­


gressando na carreira diplomática e seguindo novamente para
a Europa, fixando-se primeiro em Londres, para depois iniciar
uma peregrinação por vâr��s país�� : �sp�nh�, ���t�gal, Fran­
. . '
ça, Bélgica, Holanda, Alemanlj��· .. �u�g#i'a, StiíÇ�, I�ália, Ro­
mênia, Grécia, Turquia, Egito ·� Paiestina . Eni 1914 está ou-
. . ,.
. ..
. •
.

tra vez no Ceará, doente, séguind;<l', <;lois · anos· . depois, para o


· ·
I

' "

Rio, onde convive com os maiores nomes ·da literatura de en-


tão . Em 1918 viaja ainda mais uma vez, fixando-se em Paris .
José Albano conhecia profundamente diversos tdiomas, nota­
damente o Português, fino vernaculista que era . . Publicou
.• . .
. . ,
. .

seus primeiros poemas na imprensa Jortalezense · ·ri.o inicio do


século, época em que participou · d()' Centro Literâ.i:io . Poste­
'
riormente, porém, é que assurillu a" dicção camoriiana, que o . .

distingue de todos os poetas· de seu tempo . · Publico·u : Rimas


de José Albano Redondilhas ( 1912) , Rimas de José Albano
- Alegoria ( 1 9 1 2 ) , Rimas de José Albano . Cançam a Ca­
moens e Ode à Lingua Portuguesa ( 1912) , Comédia Angélica
de José Albano ( 1918) , Four Sonnets . With Portuguese Prose
Translation ( 1918) , assim · ·como a Antologia Poética de José
. .

Albano ( 19 18) . Suas Rimas, acrescidas. -· :dos ·sonetos ingleses e.


mais dez sonetos escolhidos pelo · · autor; tiveram. uma edição
organizada por Manuel Bandeira ( 1 948) e outra, por Braga
Montengro ( 1 966) ,. esta última com mais 15 outros sonetos .
51 .

ESPARSA I
.
. .

Há no meu peito uma porta


A bater continuamente;
Dentro a esperança jaz morta
E o coração jaz doente .
Em toda parte onde eu ando,
Ouço este ruído infindo:
São as tristezq,s. entrando •

E as alegrias saindo .. •

2�1

--
- - -----

..
CANTIGAS •

Já quis tentar formas nov·as,


Foi mais ou menos em vão
Hoje nestas velhas trovas
Falará meu coração •

II

Tudo o que sinto e padeço


Posso descrever assim:
O prazer não tem começo,
E a tristeza não tem fim .

X •

A pensar me às vezes ponho


E não posso compreender
Porque sempre acaba o sonho
Onde começa o prazer .

· XIII

Disto enfim já não duvido,


No mundo o maior cuidado
Vem do bem que foi perdido ·

Antes de ser alcançado .

XIV

6 coração, quando choras,


Bates com arquejos lentos,
Marca o tempo, não por hortu,
Mas sim pelos sofrimentos � ·

262
ODE A LINGUA PORTUGUESA


• •

• • •

Lingua minha, se agora a voz levanto •

Pedindo à Musa que me inspire e ajude,


Somente soe em teu louvor o canto '

Inda que a .lira seja fraca e rude;


E tudo qua�to sinto nà alma e digo,
·
Já que na alma não cab�, I

Contigo · viva e acabe só contigo .


Língua minha dulcíssona e canora . '

Em que mel com aroma se mistura, .


Agora leda, lastimosa agora,
Mas não isenta nunca de brandura;
. . . .

Ltngua em que o afeto santo influi. e ensina


,


.

E derrama e prepara
A música mais · tara e mais divina .
. . .. . . .
.

.. .
. . . . . .

Língua na qual eu . suspirei primeiro,


Confessando . que amava, às · auras �ansa�
. .

E agora choro, à sombra do · salgueiro,


Os meus passados sonhos e esperanças;
Na qual me fez ditoso em tempo breve
Aquela doce 'fala
Que outra nenhuma · iguala - nem descreve .

Língua em que o· me·u amor falou d' amores,


Em que d' amores sempre andei cantando,
Em· ·que modulo\ os mais enca11:tadores
E deleitosos sons de quando em quando
E espalho acentos inda nunca ouvidos
De mágoas e de gozos,
Queixumes amorosos e gemidos . ·

Sempre e sempre .- te eu veja . meiga e pura


Naquela singeleza primitiva, . .
Naquela verdadeira formosura . •

.
. .

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283
. \ · � .t
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1
I

Que farei que· · no· · vetso meu revzva


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·
.

E, se apenas um pouco se revela


Desse encanto . j.ocuncto, . . . ... .

Há de·'· mostrar· · ao �; mundo quanto és · bela .


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Outros andain o t'éu sublime aspeto · ·


.

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D' ornàmentos es'trdnhàs encobrindo


+

.
·

Sem saber o que -tefis de 1nais secreto:,


·
I

·

De mais .. ittar(i'vilhoso e · de ma!s · lindo�· ·. ·


Em ti já não se nota o m�smo agrado
·

E eu nãO te ·reconh�eço·,
·

t ·, •• . , • • •

Se o teu valor e preço é rejeit�do .


•. " •


• • •

.
• • • • o •

. . . . . . .
.
.
I


.
. .

. . • •

. Q'l!tanta e qu.amanha .dcw me surge e nasce . .


·
De nunca ouVir aquele . antigo estilo, - . .
. .
.

Mas e� fiz . que .. . ele �qui se . reno'l?asse,


. . . . .
. .
.

Para que o mundo enfim pudesse ouvi�lo .


E com todo . o ,poder d' engenho e d'arte .


Foi sempre ·. o meu desejo . . .. .
·

·,
: \ .

Ver-te,. . .qU4l. . te orti vejo .. e celebrar-:-te . .

.

.. . .
. . . .
. .
. '
. . .
.
.

.
.
.

Ah! como assim me enlevas e . me encantas,


Ora chorando e rindo, ora gemendo; .
·
· E, se te · outros ofendem.. · veze-s tantas,
Embora solitário, eu te defendo:
;Eu te defenderei sem te� .descanso . . .

E ern luta n4o ingl.óry� . .


Tu verás q'!J,e �.· vitória - e a palma .alcanço .
. . . . . . .
.. . .

E em · pago disto peço qUe me · imprimas ·


.

Maior ternura na alma' e : não ma agraves;


Dá-me versos d'ulcíssimos ê ·-rimas . . ·
.
'

Eternas, peregrinas e suaves:


·· Dâ•me uma ··voz.:: melodiosa -- e ,: amena, · � ·

Para que noute �e dia · · ·:. . .. · .·. . · � .. · . � .

.
· ·

Diga a minha aleg·riâ · e· · .ti,. · -minha ·. pen;a .. .. . ,


.

284

E não quero um som alto e retumbante


Para cantar d' amor ao mundo atento
'

Pois não há lfngua que d' amor não cante,


Mas nenhuma traduz o meu tormento · '

Nenhuma se conhece que traslade,


Afora tu somente,
Do coração doente a · saudade .

COMÉDIA ANGÉLICA

(fragmento)
(

RAFAEL
'

Anjos, no céu se escute a nossa prece,


Até que a formidável luta cesse
E o arcanjo Gabriel notícias traga,
Do triunfo que a mente vê, pressaga,
Porque, segundo creio em Deus, é certo
Que o momento esperado esteja perto .

Coro

A música murmure meiga e branda, '

Conforme o amor divino ordena e manda,


E agora já com o ânimo tranqüilo
Cantemos · num suave e santo estilo,
Até que enfim, passando o tempo breve,
O aleluia dulcíssimo se eleve .

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

. '
' '

GABRIEL .
I

·
Anjos, ouvi a narração da iu{a
Contra a maldade e astúcia baixa e bruta
E o sublime triunfo nunca visto
PO/fa g�ória e louvqr · de JESUS. Cristo .
·

E que também retumbe · no universo, . . .

265


Depois de derrotado o arcanjo adverso,
Das armas e das tubas o ruido,
Saudando o vencedor nunca vencido,
E em toda parte celebrado seja
Miguel, invulnerável na peleja .
Já no terreno próprio e bem dispos to
Estão os combatentes rosto a rosto,
Quando ao som da trombeta que se espera,
Lúcifer salta qual veloz pantera
E, andando em roda, com a fina ponta
A Miguel ameaça que traz pronta
A espada e juntamente pronto o escudo
E sem mover-se em pé, severo e mudo,
Somente os olhos do adversári o fita,
Buscando ocasião que lhe permita
Dar um seguro passo mais avante,
Na mão direita o gládio rutilante .
Em vão Lúcifer tenta desarmá-lo .
Miguel do medo não conhece o abalo,
Mas antes em coragem vai crescendo, �

Cada vez mais feroz e metuendo . r

Qual ájrico leão soberbo e forte


!rasamente espalha em torno a morte
E, erguendo aos céus o formidável uivo,

Erriça todo o pelo · crespo e ruivo


E logo se arremessa sem detença,
Até que rompa, fira, abata e vença:
Tal o arcanjo belígero e robusto
Co'ardente olh.ar infunde trio susto
No inimigo que, vendo força tanta,
Três vezes cai, três vezes se levanta
E por fim em letárgico repouso
Jaz aos pés de Miguel vitorioso .

Coro

Glória, glória a ADONAI, três vezes glória


Pela gloriosíssima vitória!
I
266
E hon�ra a Miguel arcanjo que sempre há de
Guardar ao Criador fidelidade!

SONETOS

Poeta fui e do áspero destino


Senti bem cedo a mão pesada e dura .
Conheci mais tristeza que ventura
E sempre andei errante e peregrino .

Vivi sujeito ao doce desatino


Que tanto engana mas tão pouco dura;


E inda choro o rigor da sorte escura,
Se nas dores passadas imagino .

Porém, como me agora vejo isento


\ Dos sonhos que sonhava noite e dia
I
E só com saüdades me atormento;

Entendo que não tive outra alegria


Nem nunca outro qualquer contentamento,
Senão de ter cantado o que sofria .

II

Ditoso quem foi sempre desamado


Nem nunca na alma viu pintar-se o gozo,
Que lhe promete estado venturoso
Para depois deixá-lo em triste estado .
'
I

'

Já me de todo agora persuado


De que não pode haver brando repouso,
E do afeto mais doce e deleitoso
Se gera às vezes o maior cuidado .

267

-
.
-


Não quero boa sorte nem sonhá-la,
Pois logo passa, apenas se revela,
Como uma dor que ·outra nenhuma iguala .

Mas quem desconheceu benigna estrela,


Se não teve a alegria d' alcançá-la, I

Nunca teve o desgosto de perdê-la .

IV

. t
Mata-me, puro Amor, mas docemente,
Para que eu sinta as dores que sentiste
Naquele dia tenebroso e triste
De suplício impl(lcável e inclemente .
'

'

Faze que a dura pena me atormente


E de todo .me vença e me conquiste,
Que o peito saüdoso não resiste
E o coração cansado já consente .

E como te amei sempre e sempre te amo,


Deixe-me agora padecer conti'go
E depois alcançar o eterno ramo .

E, abrindo as asas para o etéreo abrigo,


Divino Amor, escuta que eu te chamo ,
Divino Amor, espera que eu te sigo .

Se amar é procurar a cousa amada


.

E unir duas vontades num desejo,


Se é ressentir um mal tão benfazejo
Que quanto mais tortura, mais agrada;

Se amar é sofrer tudo por um nada


E a um tempo achar que é pouco e que é sobejo,

268'


Já claramente agora entendo e vejo
Que · não há quem de amor me dissuada .

ó doce inquietação e doce engano,


Doce padecimento e desatino
De que não me envergonho, antes me ufano!

Comigo, quantas vezes imagino :


Se é tão doce na terra o amor humano,
Que não será no Céu o amor divino? !

TRIUNFO

Era no tempo, quando a terra perde


O alvo manto de neve e a doce Flora

Adorna o bosque e esmalta o campo verde .

Nos ares se ouve a música sonora


De Progne que lá vai, lânguida e lenta,
Tornando aonde Filomela mora .
..

Eis sobre o manso e livre de tormenta


Assento das Nereidas saüdosas
Um triunfo aos meus olhos se apresenta .

Coberto só de lírios e de rosas,


Aurifulgente carro vem trazido
Por mil pombinhas meigas e amorosas .

Nele ·co' o ledo e trêfega Cupido


Está Vênus serena e sorridente
A cujo raro encanto andei' rendido .

E o seu olhar se alonga no ambiente


Como uma clara estrela matutina
Começa a cintilar suavemente .

.
'

--- --- --
'"7

••
i

E o seu sorriso voa na campina


Como um jasmim que docemente caia,
Quando Favônio a leve rama inclina .

E entre ondas de perfume que se espraia,


Vêm as Graças gentis em brando adejo:
• •

Eufrosina e Talia com Aglaia .

E as Horas imortais admiro e vejo:


Dicéia, Eunômia e Irene co'a formosa
Musa que ainda acende o meu desejo .

Esta � quem só d'amores vive e goza,


Esta é quem faz que eu só d'amores cante
Em melodia d.oce e dolorosa .

Cerúleo véu .lhe cobre o almo semblante,


Porém um não sei que me leva e obriga
A erguer a voz chorosa e suplicante: I

I
'

6 tu, minha dulcíssima inimiga


Que a toda a parte aonde me traslado
Manda que o amor eterno me persiga;
.

6 tu que vais causando o meu cuidado


E jazes tanto mal, sendo tão boa,
Escuta os ais dum peito magoado .

Pois quando ordenas que este amor me doa,


Como uma ave cansada torna ao ninho,
Ao teu regaço o meu desejo t10a .

Ah, não me deixes nunca andar sozinho


Mas dá-me sempre em aflição tamanha
Um pouco de consolo e de carinho .

2'10
ó meu sonho d'amor tu me acompanha
Por esta vida, às vezes tão escura,
Po·r esta vida, às vezes tão estranha .


.
• • • • • •

- - · . . . .. . .. . . . . . . . . ... . . .
.

Ela, movendo os olhos ternamente


Entre um suspiro e outro suspiro, disse
Como q·uem na alma só tristeza sente:

Caro amador, nunca houve quem te visse


Senão tratando só do afeto puro
Que o amor manda que sempre se cobice .

O mesmo bem procuras que procuro


E em pago do teu longo sofrimento
Aqui verás pintado o teu futuro .

Ouve-me, nunca viverás isento


D' arte ou d' engenho e sempre terás na alma
Da 1JOesia o brando sentimento .
-

Terás a doce avena que te acalma,


E a belicosa tuba que te anima,
Para que alcances sempiterna palma .

E voando no espaço, lá de cima


Espalharás em sonoroso canto
O que nunca se disse em verso ou rima .

Nunca te faltará do monte santo


A proteção benigna e benfazeja
Das nove Musas a quem amas tanto;

Que eu te prometo que o Parnaso seja


Em teu favor, e desta vida escura
Evites a vulgar e vil peleja .

27 1
I


Sentes comigo a mesma desventura


E o mesmo go�o, e cheia ·de gemidos,
Na mesma língua a tua voz murmura.

Ah, nunca de mim sejam esquecidos


Os acentos da música celeste
Que vencem e arrebatam os sentidos .
.

E como sempre assim cantar quiseste,


• •

Em sons ou d' amargura ou d' alegria,


Farei que o teu a'J'!lor se manifeste .

E erguerás nesta vida fugidia


Um monumento . como outrora os houve
Contra que o duro tempo
. em vão porfia .

E embora a gente humana te não louve,


Hás de viver contente, conhecendo
Que Polímnia te. inspira e Apolo te ouve .
\
. .

.
'

Assim falou e a flama. em que me acendo .

Dentro do coração ia aumentando


Enquanto � doce voz ia gemendo .

E ela, que .de Cupido segue. o mando


'

Colheu no bosque os ramos duradouros


I E co' um sorriso milagroso. e brando
Me coroou de mirtos .e de ·zouros
. . •

(José Albano. Rimas. Fortaleza, Imp. Universitária do


• Ceará, 1966, Pref. de Manuel Bandeira e Estudo de Braga
]4ontenegro, pp . 46; 6 3- 5; 86-8; 188-91 ; 211; 212; 214;
220; 2 03-7. )
..
. .. ... .
Embora incluído por Manuel Bandeira na sua Antologia
de Poetas Bra�ileiros da �ase . .S.im,bolista ( 19·65) , e,,. entre os
• •

neoparnasianos, n9t ç9�etâp.��� �oesi(.L �arna�iana (1967) , por


Péricles Eugênio da Silv�.. "��os ., _ na verdade José . Albano es-

272'
capa a qualquer classificação dentro dos quadros da poesia
brasileira de seu tempo . Nem O· misticismo de seus versos tem
relação com o Simbolismo, nem o acento clássico nos auto­
riza a ver nele alguma coisa de' parnasiano ; ele versejava à
maneira clássica no declínio do neopamasianismo e do
Simbolismo . Para Antônio Sales, sua evolução artística teve
três fases : "a primeira de lirismo passional, a segunda de eru­
dição clássica e a terceira de êxtase místico . " 52 A estas,
acrescenta Braga Montenegro uma quarta, "a de exaltação
pagã, na qual realizou o Triunfo, talve.z sua última composi­
ção" . 53 Da primeira, constam certamente alguns sonetos
que não incluiu nas Rlimas ou na Antologia Poética, sem fa­
larmos nos versos do tempo do Centro Literário . Da segunda,
de erudição clássica, reproduzimos a "Esparsa I" e algumas
"Cantigas" , bem como a Ode à Língua Portuguesa: naquelas ,
além da linguagem clássica, note-se a tristeza, que não é co­
mum, de origem amorosa ou livresca, mas existencial, filosó­
fica; é uma das constantes de sua poesia, não só na primeira
fase, mas em todas . Na Ode, est.adeia-se seu amor à língua pá­
tria, mas, advil"ta-se, "naquela singeleza primitiva", que inten�
ta reviver n·o verso. Veja-se a diérese em saudade, à maneira ca­
moniana, com 4 sílabas. Da fase de êxtase místico é Comédia

Angélica., da qual trans.crevemos apenas um fragmer1to ; tra-


ta-se de poema dramático, retratando cena passada no Pa­
raíso : apresentamos a descrição da luta do arcanjo· Miguel
com Lúcifer, o rebelado . Aqui, impregnando-se de puro mis­
ticismo, fugiu o poeta um pouco à influência camoniana ;
mesmo assim, no trecho transcrito, o· "áfrico leão", que surge
como elemento comparativo, lembra aquele "fortíssimo leão"
d' Os Lusíadas (Canto· IV, 34-5) Dos Sonetos, alguns se in­
.

cluem nessa fase de religiosidade ; Braga Montenegro, no ci­


tado estudo, assinala a fidelidade ao esquema clássico em
ABBA ABBA CDC DCD ; fidelidade, acrescentamos nós, qt1e
0 próprio· Camões não seguiu, pois variava o esquema dos ter­

cetos . o "Sone.to I", onde novamente se exprime a tristeza


do poeta, pareceu a Manuel Bandeira "um soneto póstumn
de Camões", o que é elogio, sem dúvida, mas não coincide

273


com a realidade, vJ sto Albano haver sabido transfigurar a in ­
fluência do Mestre . Mas, passando pelo " Soneto II'', belís­
simo pela forma e pela profundidade filosófica do tema, de­
paramos, no "Soneto IV", com o ápice talvez de seu êxtase
místico : o autor não somente revela acendrado amor ao Cristo,
mas procura identificar-se com Ele, a ponto de querer sof�"er
todas as agruras do Calvário . No "Soneto X", é exaltada a
vida eterna : se é tão doce o amor terreno, o que não ser á
a eternidade do amor de Deus? José Albano, com seus sonetos
místicos, não deixa de no·s lembrar alguns versos de Gre­
gório de Matos, em seus quatorze dirigidos a Jesus. O Triunfo,
que vai constituir a quarta fase aventada por Braga Mon­
tenegro, segue rigorosamente o esquema da terça rima, com­
pondo-se de uma série de tercetos, cujos versos 1 .0 e 3.0 rimam
entre si e com o 2.0 do terceto anterior ; a derradeira es­
trofe é um terceto a que se acrescentou mais um verso (que
rima com o 2.o) , formando assim um quarteto. Povoado de
11Qtas arcádicas, nesse poema desfila todo um enxame de fi­
guras mitológicas (exaltação pagã) : como que o poeta se
sente isolado dos homens, que o não compreendem, e conso­
la-se com as supostas palavras que lhe dirige Vênus, nas es­
trofes d errad.eiras. José Albano, de cuj a poesia damos apenas
uma amostra, é sem dúvida um dos maiores poetas não só
do Ceará, mas. do Brasil .

· RAIMUNDO VARÃO

I
Residiu em Fortaleza, de 1 9 1 1 a 1915, aproximadamente .
Trabalhou na Fotografia Olsen, bem como no Jornal do Ceará.
Teria nascido no Piauí, segundo alguém informou a Dolor
Barreira ; entretanto, Otacílio de Azevedo, que com ele traba­
lhou na citada fotografia, afirma haver o poeta nascido em
São Paulo . Escreveu porém no Ceará, chegando a marcar
época com a sua poesia de tons fortes . Além de versos es­
parsos pelos jornais e revistas, deixou dois poeme tos, A Morte
da Aguia (1914) e Glatigny ( 1915) .

27 4
A CANÇÃO DOS ROMANTICOS

A mortalhados na ilusão primeira,


Seduziu-nos o aroma da baunilha
- E sonhamos de amor a vida inteira •

Sob a sombra feliz da mancenilha.

Da nossa vida os ásperos cuidados •

- Nos cálices das rosas, das violetas,


Foram eternamente sepultados
Ou levados no vôo das borboletas.

Na treva espessa de doiradas tranças


Por entre beijos e eternais carinhos,
Os rouxinóis das nossas esperanças
Gorjeavam a música dos ninhos . . .

Se a voz do Mal nos vinha despertar,


As nossas 'blusões iam morrer
Ou num raio de prata do luar
Ou nuns lábios rosados de mulher . . .

Mas deixemos a sombra do Passado,


Sepultemos as pálidas visões
No silêncio tranqüilo e repousado
Da Pompéia de mortas ilusões!

E o que nos resta enfim? .. . . Nada nos resta


Desse Passado amargo ao recordar,
- Fogo-fátuo num combro de floresta,
- Sombra perdida, além, a soluçar.

Nada importa, porém. Lassas, cansados,


À luz crepuscular da lua-nova,
Coroemos os rostos macerados
Para a boda final no chão da cova! . . .

275

- ---- -- -

.....
. •

'-
-
··
'
UM SONETO D' AMOR

Anjo, m'lLlher, demônio a quem venero,


Sombra que amaldiçôo e que bendigo,
Luz dos meus olhos, infernal perigo,
Causa do meu eterno desespero,

Se procuro esquecer-te é que mais quero


Dar-te em minh'alma sacrossanto abrigo,
E concentrando as lágrimas comigo
As minhas próprias carnes dilacero . . .

Do meu profundo amor sempre a falar-te,


Encontrarás o espectro solitário
Disperso a soluçar por toda parte!

E se em teu peito a compaixão não medra


Eu irei pela senda do Calvário
Arrancando um soluço a cada pedra . . .

AL UCINADO

À VIOLANTE

Ardendo em chamas de infernal cratera,


Ao ver- te o corpo escultural, divino,
Sinto rugir-me n'alma uma pantera
Que ladra contra Deus e o meu destino . . .

Tu és a flor em plena primavera


Eu sou o mendigo, o verme pequenino . . .
Deixa rolar n o abismo da quimera
A paixão deste amor, que não domino .

Vive, mulher, e sê feliz! Um dia,


Quando houveres baixado à campa fria,
Na febre dos desejos indomados,

276

Irei, partindo o mármore das lousas '


Visitar o mistério em que repousas
Para beijar-�e . . . os ossos descarnados!

FORTALEZA

Lá, sob um claro céu de azul-turquesa,


Onde o sol seu tesouro em luz descerra '

Lá fulge a legendária Fortaleza,


Como um raro brilhante sobre a Terra.

Como um sacro penhor da Natureza,


Como um beijo auroral que a vida encerra,
Longínqua e bela, a lânguida princesa,
Arfando o peito, geme e os olhos cerra.

Porque nos batem temporais medon,hos


E tivemos no mundo a mesma sorte,
ó casta Fortaleza dos meus sonhos,

Meu derradeiro e desvelado anseio


É ter a paz na comunhão da Morte,
Dormindo em sete palmos do teu seio . . .

( Folha do Povo, Fortaleza, 26 . 06. 1913 ; Dolo r Barreira . Op.


cit., t. 3 , pp. 49-50; 51. R. Girão e Martins Filho. O Ceará,
Fortaleza, 2.a ed., 1945, p. 219.)

Em poema como A Morte da Águia, Raimundo Varão


mostra:..s e claramente influenciado pela musa retumbante de
Guerra Junqueiro : Era um penhasco enorme, abrupto, e for­
midável, 1 Onde o Mar ?tum soluço indômito, implacável, 1
Vinha arrojar os Ais, os lúgubres Lamentos, f O resíduo fatal
dos grandes Sofrimentos . . . Condoeirismo com maiúsculas
simbolistas. Preferimos reproduzir poemas menos longos e
mais tocados de sua dicção pessoal . Assim, no primeiro, que
fomos encontrar na Folha do Povo, de 1913� enquanto as pri­
meiras e s trofes se embebem em pura atmosfera romântica, as

277
derradeiras já se impregnam de notas simbolistas, notada ­
mente a última, onde o prestígio do novilúni o vai iluminar
uma boda na cóva (o que nos remete para o Decadentismo
que afinal revive o mtra-romantismo) ; nos sonetos seguintes,
patenteia-se, logo nos dois primeiros, a força de sua poesia
satânica : as antíteses dominam o início de " Um Soneto d'
Amor", em que, numa apóstrofe, vê o poeta sua amada si­
multaneamente apresentando uma face angelical e outra de­
moníaca : é um amor quase anormal, em que há desesperos
e carnes dilaceradas. Em "Alucinado", é evidente o Decaden­
tismo, de extração baudelairiana, desde a alusão à pantera
"que ladra contra Deus", até ao inesperado final, deliberada­
mente profano . Para o final deixamos um dos mais belos so ­
netos escritos em homenagem a Fortaleza : estampado pela
primeira vez, ao que saibamos, n' O Ceará, de Raimundo Girão
e Martins Filho (2.a edição, 1945) , teria sido composto quando
o poeta, ainda nas primeiras décadas do século, deixou o
Ceará, passando a residir no Rio de Janeiro ; note-se con1o
Raimundo Varão antropomorfiza a cidade onde produziu tal­
vez o melhor de sua obra poética. Figura enigmática, da
qual, como vimos, não se sabe ao certo a origen1 nem o des­
tino, era o poeta até mesmo fisicamente um homem estranho
(alto, pálido, com seis dedos em cada mão) , profundamente
original, consoante as reminiscências de Otacílio de Azevedo
no artigo "Raimund·o Varão", estampado na Revista da Aca -

demia Cearense de Letras, ano LXVIII, números 32 e 33, para.


1 964, PP . 88-9 .

Outros Nornes

Longa seria a lista daqueles que, por vários motivos, não


podem, rigorosamente ser encaixados dentro de determinadas
correntes literárias. Citemos entretanto os nomes de ALVARO
BOMlLCAR (Poemas Sentidos 1902) , JúLIO OLiMPIO
(Farfalha 1902, A Coruja 1903, etc. ) , BRUNO BARBOSA
( Utopias 1900 e Mocidade 1905) , TELES DE SOUSA
( Amarílis 1902) e FRANCISCO SILVÉRIO (Cromos

278
18 97 ) , todos já vistos no Centro Literário bem como SABINO
'

BATISTA (Flocos 18 94 e Vagas 18 96 ) visto na Padaria


Espiritual, sua esposa, ANA NOGUEIRA BATISTA, que não
deixou livro, VIRGíLIO BRANDAO (Líricas 1905/ 13 e Re-
dondilhas 19 24/ 33 ) , VASCO BENíCIO (Harpejos 19 07 e
No Outono 191 2) , RAMOS NETO, que escreveu inúmeros
sonetos, nunca reunidos. em volume, GIL AMORA, PAULA
AQUILES, LIBERATO NOGUEIRA, EUFRASIO DE ALMEIDA,
de quem Dolor Barreira reproduz vários poemas, ou ainda
ABIGAIL e MARIA SAMPAIO (autoras de Atamos e Centelnas
- 1928) , e, mais recentemente, SERRA AZUL, poeta de feição
algo cientificista, autor do Alfabeto das Musas 1924 e de
Natureza Ritmada 1938, sua obra principal . 54
'
'

Álvaro Bomílcar é autor de um soneto que obteve alguma


notoriedade, sendo reproduzido· por diversas antologias : t.ratap
-se de "A Bíblia Verde" :

• O campônio, o caipira, o sertanejo,


Que, a distância de um pobre lugarejo,
'

Habita, em paz, bucólico recanto.

Pois, quando .a noite estende o negro manto,


Dorme, sem ambição e sen� desejo . . .
E quando o sol envia o louro beijo,
De manhã se levanta sem quebranto .
'

Fe.riz, porque nasceu de pais obscuros,


E morrerá na rústica pureza,
Na boa-fé dos sentimentos puros!

Sem ciência, nem livros em que estude,


Só sabe ler, conforme a Natv.reza,
- A Bíblia Verde da existência rude!

279
É uma poesia que tem algo de romântico, mas que já se
distancia visivelmente da dicção da escola; entretanto, não
pode ser chamada de pamasiana, nem mesmo realista, embora
aspire a isso pelo tema . Aliás, Rodrigues de Carvalho, en1
artigo publicado em 1902, observa que o poeta conhece sua
arte, e que é dotado de inspiração e originalidade ; e conclui :
"Bomílcar é um romântico entre os decadistas . " Isso demons­
tra precisamente a dificuldade que experimenta qualquer crí­
t:co, ao tentar classificar a obra de alguns escritores desse
tempo .

As Farfalhas ( 1902) , de Júlio Olímpia, trazem tão evi­


dente mistura de tendências. estéticas, que alguém, assinando ­
-se C . S . (seria Carlos Sá?) , escreveu, no jornal A República�
de 16 de abril de 1902, uma página de crítica em que, a certa
altura, observa : "Inspiração e espontaneidade, as d11as con­
dições essenciais do lirismo puro, que se não deixa resvalar
para o pieguismo, são os dois tons que se destacam nas suas
melhores prod·uções .

"Às vezes, entretailto, o poeta se apaixona pela forma ,


mas tão raramente se nota em sua obra este zelo, que não
poderemos colocá-lo absolutamente' sob a influência da es­
cola parnasian·a , e nem mesmo entre os intermediários que
possuem os caracteres do parnasianismo, ao mesmo te.mpo
que os do lirismo .

" Não predominando também em nenhum dos seus versos


o simbolismo, das três a mais moderna escola literária, con·­
clui-se que o Sr . Júlio Olímpia é apenas um poeta lírico . "

Não fosse o lirismo uma característica, presente na poe­


sia de modo geral, e concordaríamos com as palavras do ar­
ticulista . Quanto ao Parnasianismo, como iremos ver, so­
mente um pouco mais tarde surgirá realmente no Ceará .

Do citado livro de Júlio Olímpio é o soneto " Caim", que


tem recebjdo a consagração das antologias :

280

Caim se ergueu em meio da espessura


Dos abismos da noite . . . Em longos anos,
Inter1·ogou o berço e a sepultura/
Falou dos céus aos justos e aos tiranos .

Blasfemou contra Deus em noite escv.ra .


Atravessou de�erto's desumano�s !
E, assim, de desventura em desventura'
Vagou nos mais tremendols desenganos .

De pé, sobre o rochedo, desgrenhado�


Triste, contempla o céu ilimitado
Sobre a aridez sombria do deserto!

Erguendo o braço às regiões do Eterno,


Nada encontrou senão, além do inferno,
Um vácuo horrível a seus pés aberto!

Mas são do mesmo livro os versos de um soneto inspirado


em uma composição célebre ; "O Lenço" começa assim :

Guardo o teu lenço, cofre estranho e caro


De esquisito perfume e de candura;
Manto aromal de imaculada alvura,
Nesga do firmamento em dia claro .

Bruno Barbosa era romântico ao estrear com 16 anos de


idade, em 19 00 ; ao pu bl ica r se u se gu nd o liv ro , M oc id ad e, em
190 5, já ap res en ta com po siç ões qu e se ap rox im am do Pa rn a­
sian ism o, nã o ob sta nt e a bo rb ulh an te e�m oç ão , qu as e co nd o­
reira, qu e en for ma seu s ver sos . É o qu e su ced e com o soneto
" An sia In fin ita ", po rven tu ra su a m ais co nh ec id a pr odu çã o :

281
Alma! sobe, desvenda, alcança outras planuras,
Quebra o grtlhão fatál, quebra a maldita algema
Que te prende no chão e voa nas alturas
Embora o sol desmaie, embora a nuvem trema .

Povoa a solidão das noites mais escuras . . .


Tira da luz a crença, esta verdade extremo.
Que t�- falta, e se um Deus é o que, ardente, procuras ,
Faze um Deus que contigo as dores sinta e gema .

Mas que vejo! Voaste, asas abertas, frio .


O ar., a nuvem que passa e foge, a imensidade
Viste e viste sem luz · o espaço, ermo e vazio .

Baldado é teu esforço, inútil é teu grito:


I És pequena demais, mesquinha humanid.ade,
E esmaga-te a cabeça o peso do Infinito!

Teles de Sousa explora descritivamente temas amazôni-­


cos, m�s. �:ua dicção é quase s�mpre romântica, como nesta�
redondilhas de "Pobre Flor" :

Meiga florinha singela,


Que· se devia esfolhar
No seio de uma donzela
Entre os círios de um altar;

ou incaracterí.stica, como nestes versos son·eto ''De Vi agem' ',


povoados de simplicidade :

Eis-me a bordo, saudoso contemplando


A vastidão da cérula campina . . .
·· · ·

·
Enquanto do navio a proa fina
,

As águas do Amazonas vai cortando .

282

Vasco Benício, ao estrear com Harpejos, em 190 7, traz poe­


mas onde se misturam notas clássicas e românticas como
'
"E m Genebra" :

Repara as águas, Nyssia, deste lago ..


Onde a lua se mira embevecida;
Contém a mesma cor e o mesmo afago,
Dos claros olhos teus que me dão vida .

Olha que cisne branco à flor do mago


Espelho de Genebra adormecida . . .

Tem este imenso alvor e o róseo vago,


Da meiga face tua enlanguecida!

E a tosca pedra amiga. em q1te sentados,


Estamos contemplando a noite e os prados .,
Tem dos cabelos teus a escura cor .

Ouves ao longe os doces murmúrios


Do Ródano, cortando os vales frios? . . .
É o riso . . . é o canto do teu lábio em flor! . . .

Ramos Neto enquadra-se perfeitamente nesse lirismo es­


pontâneo, com muito de reminiscência romântica, mas de­
monstrando, como os nossos chamados parnasianos, predile­
ção pelo soneto, que praticou abundantemente nos jornais for­
talezenses, notadamente no Correio do Ceará; inúmeros desses
sonetos estão reproduzidos na História, de Dolo�r Barreira .
um de seus mais divulgados poemas, "Arvore", dá bem uma
idéia dessa poesia de difícil classificação para quem siga ri­
gorosamente um critério estético :

283
A o sol pompeias, farfalhando os ramosj
Arvore-mãe, de pássaros cercada,
A sombra amiga às vezes a buscamos
Como um conforto em meio da jornada .

Sob os teus galhos para os céus olhamos


Misticamente, de alma sossegada;
Vibra o canto feliz dos gaturamos
Em teu louvor, nas pompas da alvorada!

Tu, que te ostentas viridente e bela,


Desafiando a fúria da procela,
�s, entretanto, pródiga de flores -

Toda meiguice para os passarinhos,


E ba!ouças os ramos protetores
Como acen.ando aos pássaros sem ninhos . . .

Gil Amora (José Gil Amora) , temperamento boêmio que


cedo se finou, espalhou talento pelos j ornais do início do sé­
culo, deixando um ou outro poe,ma banhado de romantismo .
Como o soneto "De Branco'' , digno� da pena de um bardo de
1860 :

Toda de branco, como a vi, parece.,


Na sua de jasmim celeste alvura,
Dos céu.s um anjo que, fugaz, viesse
Espairecer na terra a praça pura . . .

Como o sidéreo azul, quando anoitece.


De fulgores semeia a alta planura;
Assim, esta alma quando e·la aparece
É como astros luzindo em noite escura .

284


Oh! mulher di,vinal, meiga e formosa
Que me fazes lembrar a nívea rosa
Que as pétalas desata à luz do dia;

Canta em minh'alma como um passarinho!


Tua voz embriaga mais que o vinho .
Deixa que eu morra ao som de·ssa harmonza .

Andou bem Dolor Barreira ao recolher, na sua obra mo­


numental, poemas de muitos autores desconhecidos ou pouco
lembrados, páginas que ficariam certamente perdidas nas fo­
lhas dos periódicos; co.m o pouco amor que temos geralmente
às coisas do passado, breve esses jornais e revistas desapare­
cerão irremediavelmente . Entre os inúmeros poetas que o
historiador exumou, figura Eufrásio de Almeida, que surgiu
e desapareceu para as letras cearenses no início do século .

Te.ndo eomeçado .a versejar por volta de 1910, quando


então já o Parnasianismo dominava a poesia cearense, ou
pelo menos começava a se impor, Eufrásio de Almeida traba­
lhava o verso com certo apuro·, embora não se possa ligá-lo
por isso à corrente; exemplo de seu modo de poetar é um dos
sonetos transcritos por Dolor Barreira no necrológio do poeta
- ''Triunfal'' :

Passas! . . . E essa beleza estonteadora


Perturba, atrai, deslumbra, enleia, prende! . . .
E minha alma a teus -'Pés, um culto rende·
'

Ao teu encanto triunfal, senhora!

za e , é b r ia de a m or, a sc en d e
E sonha e go
a e fe li z , n a e m b ri a g a d o ra
Enlevad
m orn a , o n d e a n te , e n e rv a d o r a ,
Essência
co r p o já s p eo s e d e s pr en d e !
Que do teu •

285

--

�.,
--

.
i

E como sou feliz nesses momentos!


Esquecido das mágoas, dos tormentos,
De mim próprio esquecido, a contemplar-se!

E se acaso te afastas, eu te sigo!


Vives em mim; eu trago-te comigo,
. Nas vigílias, no sono, em toda parte .

O certo é que, dos fins do século passado para as primeiras


décadas deste, os poetas citados neste capítulo e inúmeros
outros, cujos nomes não mencionamos, povoaram as páginas
dos periódicos com seus ve.rsos, bons ou maus, reveladores de
uma fase de transição, em que a um resto de Romantismo se
juntavam as notas do Simbolismo e um vago anseio de P'ar-
nasian!smo que se Inicia .
• • • • •

286

PARNASIANISMO

O Parnasianismo, como se sabe, foi u1na reação ao sen­


timentalismo e ao que se j'ulgou serem desleixos formais dos
últimos românticos . Voltava-se para a antiguidade clássica,
buscando a perfeição gramatical e métrica, além do vocábulo
preciso, o mot juste dos franceses. Sabemos também que raras
'

'
vezes no Brasil houve Parnasianismo no puro sentido europeu
do termo. No Ceará, como já foi dito, houve prenúncios dessa
corrente no século XIX, mas quando o Simbolismo já era defi­
nitivo, pelo menos nos dois poetas que estudamos, pertencentes
ambos à Padaria Espiritual. Depois das tentativas de Antônio
' Sales, e de poucos mais, tivemos, em 1903, o surgimento da­
quele soneto "A Aranha", de Álvaro Martins, manifestação
verdadeiramente inaugural da arte marmórea entre nós e que,
por motivos já explicados, não figura aqui, mas noutro ca­
pítulo já estudado. Virão depois autores que mais se aproxi­
marão do Parnasianismo, como o mesmo Antônio Sales, já
neste século, não faltando mesmo notas do puro Parnasianis­
mo francês, com os sonetos de Alf . Castro. Outros nomes,
como Cru.z Filho·, Mário Linhares, Júlio Maciel, Carlos Gon­
dim, Otacílio de Azevedo e outros, enquadram-se apenas even­
tualmente na corrente original; escolhemos quase sempre o
que de mais próximo à escola aprese�ntavam os poetas, pro­
curando igualmente estudar as compos�ções na forma com
'
que apareceram ao tempo de pleno domínio da corrente .
ANTóNIO SALES

Poeta e prosador (cultivava o romance, o conto, o en­


saio e 0 memotialismo) , nascido em 1868 no Parazinho, e

287
fale:cido em 1940 em Fortaleza, já o encontramos entre os
romancistas de nosso Realismo, com o romance regionalista
Aves de A1·1-ibação (1914) , bem como na Padaria Espiritual,
em 1892, da qual foi o idealizador e uma das figuras de maior
relevo, para não aludirmos à sua estréia ao tempo do Cluhe
Literário, na década de 80 . Também o vimos como histor�a­
dor ·de nossa Literatura, com a História da Literatura Cea­
rense (1939) . Agora será estudado como poeta, gênero em
que publicou: Versos Diversos (1890) , Trovas do Norte (1895)
Poesias (1902) , esta reunindo versos dos livros anteriores,
modificados, além de poemas novos, Minha Terra (1919) e
Poesia (1902) , esta reunindo versos dos livros anteriores,
na I Grande Guerra. Postumamente foram publicados Aguas
Passadas e Fábulas BraSileiras ( 1 944) , bem como sua Obra
Poética (1968) , adiante referida .

DE TARDE

Na sombra, ao pé das árvores, rumina


O manso gado em p·lácidas manadas,
E o sol enrola as flâmulas douradas
Que desfraldara às brisas da campina .

Arroxeia-se a serra; nas ra.madas


Aglomeram-se os pássaros; termina
O labor dos roceiros, e a argentina
Voz da araponga estala nas quebradas .

Do rebanho a alva fila caprichosa,


Sem um rumor, pacífica, desliza
No trilho da vereda sinuosa;

E a juriti das matas a poetisa -


O pé metido em m.eia cor-de-rosa, -
A branca areia dos caminhos pisa .

288
PESCA DA PÉROLA

O coração é concha bipartida:


Nós guardamos no peito uma metade,
E a outra, quem, o sabe? anda perdida
Entre as vagas do mar da humanidade.

Do escafandro das ilusões vestida,


Rindo, mergulha a afoita mocidade,
Buscando um ser que lhe complete a vida,
Que lhe povoe do peito a soledade.
.. •

Encontra algum essa afeição sonhada


E à tona sobe erguendo a nacarada ·

Val?Ja que guarda a pérola do amor . . .

.. .. Outro, porém, debalde as águas sonda,


Desce, a rolar, aflito, de onda em onda . . .
E não mais torna o audaz mergulhador!

TERRA DE SOL

O áureo malho do sol bate na incude


Da rocha estriada de malacachetas,
E mil faíscas, nesse embate rude,
.
·· se . desprendem · das rútilas facetas.

Sem uma sombra amiga que as escude


Contra a soalheira, que abre o chão em gretas,
Buscam sedentas o longínquo açude
. .

Vacas ossudas de engelhadas tetas.

. de ouro fulvo a grama ressequida;


É
A. estrada poenta, em sinal de vida
Para os sertões .i ntérminos se alonga . . .

289

;..
.
. .:!..••
" •

E na mttdez da abóbada infinita


Ouvi: parece que é a luz que grita
No tinido estridente da araponga.

NEREIDA

É de origem marinha, certamente . . .


Algo de um gênio salsa se revela
Naquela boca de coral, naquela
Coma ondulada de âmbar transparente .
••
'

I
Pa1·ece que, ao marchar., nada no ambiente . . .
E sob a gaza diáfana, que a vela,
Tem rubores de concha a face dela,
E o seu colo é de espuma consistente.

Do pego austral, que um sol hiberno doura,


Deve ter vindo esta nereida loura,
Que as algas não mais vestem com seus folhas.

E não me surpreende que ainda traga,


Como lembrança da materna vaga,
Dois pingos de água cérula nos olhos.

OS BRACOS DE VÊNUS
.>

·r

Vi-te passar um dia pela rua,


Sem ter nos braços uma simples renda,

E é bem que deixes que essa carne esplenda
Ao sol, branca, marmórea, fria e nua.

Ora, uma Vênus há (que se insinua


Como um tipo de plástica estupenda)
A qual faltam os braços . . . E essa prenda
Não há um artista q?.Le lha restitua.

Quem sabe o gesto dos partidos braços?


Demais, quem braços tem que de modelos
Possam servir aos prójugos pedaços?

290
I
'

Tem-los tu (escultores, vinde vê-lo s!)


De tão perfeita correção de traços .
Que a própria Vênus quereria tê-los!

A TAÇA DE MENELAU

Páris, querendo um dia ante o templo de Apolo


Sacrificar, deixou tranpondo o Egeu, o solo
Da tlion sagrada, e tomou rumo a Esparta,
Terra brava e feliz, de ferro e vinhas farta.
A seus pés brando flui, marulhoso e fecundo,
O Eurotas, e, no azul luminoso e profundo
Do céu jônio, o Taigeto, impávido, se alteia
Vendo perto alvejar o crescente de areia
Da praia, sob o anil do golfo amplo e tranquilo,
E verdejarem longe Andros, Sifeno, Milo,
E as claras ilhas mais de que o Egeu se constela .
Terra estóica e viril, terra gloriosa e bela!
Entanto, ali reinava a torva dinastia
Dos Atridas fatais, cuja história sombria,
I
Feita de sangue e horror, de parricídio e incesto,
Espalhara na terra o prestígio funesto,
A grandiosa e sinistra inspiração do crime,
Porque assim se criasse, imortal e sublime,
A Musa da Tragédia. Era mister que Oreste,
Electra, Clitemnestra, Agamemnon e Tieste
Encarnassem do mal os fatídicos gênios
Para que se afirmasse em monumentos êneos
O espírito sem par da melpomênia musa,
Que tem o dttlçor de Hera e o furor de Medusa.
Sobre um povo de heróis, de alma impávida, ardente,
Reinava Menelau, mofino descendente

De Tântalo cruel, na rígida Lacônia .
Bela como a imortal que Eros da espuma jônia
Fez surgir, gotejante e de mil graças plena,
Partilhava o seu trono e o seu tálamo Helena,
Dos Dioscuros irmã, filha da astuta Leda

I
291

E do divino Zeus (que Hesíodo me conceda


Duvidar que um mortal, que Tindáreo a gerasse) 1
Como os gêmeos irmãos, ela tinha na face
Um cunho augusto e herie de uma sagrada origerrt.
Só o beijo de um deus, na fecunda vertigem,

A pudera formar tão grandemente bela


Que a escultura pagã teve o seu tipo nela,
Pois nela se encarnou a majestade e a graça
Com que sonhara o gênio estético da raça,
Quando no Olímpia honrou, com o emblema da rea­
[leza,
A paz da força Zeus, Afrodite a beleza.
Jamais cetro perfez de súditos o anelo
Como Helena a reinar nesse reino do belo.
Toda a Hélade era então um temp;lo de A frodite:
O ouro, a prata, o bronze, o electro, a diorite,
O mármore imortal do Pentélico e Paros,
Tudo se transformou em momentos preclaros
Em estátuas, broquéis, vasos, jóias, relevos,
Da excelsa perfeição áureos padrões longevos,
Ante cuja grandeza inda hoje nos curvamos.
Um artista existiu Recus, filho de Samos ,
Que a todos excedeu na perfeição suprema
Com que o metal lavrava e cinzelava a gema.
De que Alcandra privou seu opimo tesouro
Era de sua mão a grande roca de ouro
Para enviar a Helena o mimo esponsalício.
Foi Réia, a lenda diz, quem lhe ensinara o ofício.
E, pois, Recus criou profusas maravilhas,
E desde a escusa Ilíria às mais remotas ilhas,

Quer nas régias mansões quer nos templos dos deuses,


Em Delfos, no Peneu, na Táurida, em Elêusis
As suas criações de encantos soberanos
O sagraram rival de Hefesto entre os humanos.
Menelau o chamara a Esparta, e lhe ordenara
De uma taça lavrar qual nunca se lavrara ,
No metal que ilumina o leito de Pactolo,

292
Para ?tela jazer as libações a Apolo.
Recus jurou cumprir essa vontade régia,
E ao templo foi pedir a proteção egrégia
Da deusa que preside às artes. Quis Atena
Ser propícia e mostrou -lhe em seus sonhos Helena.
No outro dia, a vagar através do arvoredo
Da vivenda real, à sombra de um vinhedo
Encontra a dormitar de Menelau a esposa.
Recus, de puro assombro, um passo mais não ousa.
Junto dela se vê u,ma argêntea corbelha,
Contendo trocos de ouro e de seda vermelha.
Ela viera bordar. Que o diga o doce pletro
De Teócrito, a entoar em peregrino metro
O epitalâmio em honra às memoráveis bodas
De Helena e Menelau: digam-no as musas todas
Do arquipélago egino e do Peloponeso
Como essas belas mãos, tão frágeis para o peso
De um cetro, eram sutis em recobrir a trama
Do ostra e em marchetar de pérolas a lhama,
Quando não lhe aprazia a pentacórdia lira.
He lena adormecera; o manto lhe caíra
Aos pés; no alto do busto entreabrira-se a túnica,
E, através do rubor da mole seda púnica,
Claro, t1ímido, a arfar, com um ponto róseo ao meio,
Recus, trêmulo, viu o seu divino seio!
Viu turvou-se-lhe o olhar, e fugiu apressado . . .
A deusa ouvira a prece: o artista havia achado
O modelo feliz da prometida taça.
Consente Menelau que de Atena se faça
A graciosa vontade: Helena anui, corando.

E do seio o contorno harmonioso e brando


O artista reproduz num punhado de argila.

E eis que um dia afinal a jóia já cintila


Em faustoso festim que o rei hospitaleiro
Dá para receber um príncipe estrangeiro.
É Páris que, depois de aventurosa viagem,

293

�-
---

.,
•·'· •
Vem a Apolo render a piedosa homenagem
De seu justo fervor, pois o deus dadivoso
O colmara de dons cada qual mais precioso;
Do próprio Febo tinha a serena beleza,
A cabeleira /tlava, a mágica destreza
Em dedilhar a lira e disparar as setas.
Vênus lhe consagrara as ternuras secreta s
Da vaidade afagada em melindroso assomo,
Quando as rivais venceu, ganhando-lhes o pomo
Da beleza . Entretanto, outra fora a sentença
Caso Helena também pleiteasse a recompen sa . . .
Certo, naquele instante assim pensava Páris,
Vendo dessa mulher as graças singulares . . .
Bela como uma deusa, era mortal no entanto!
Um pensamento mau brotou naquele encanto . . .
E nisto o anfitrião encheu de vinho a taça
De Recus e ofertou-lha. É assim que se traça
A sentença fatal no .livro do destino!
Páris bebeu . . . bebeu . . . um êxtase divino,
Uma esquisita ebriez transtornou-lhe os sentidos . . �

Olhou . . . H elena olhou . . . sentiram-se perdidos . . .

Mais tarde, sobre a nau, a demandar seus lares,


Nos braços apertava o afortunado Páris
Da rainha de Esparta o corpo langoroso,
E na taça de carne, a ambrosia do gozo,
Bem mais grato que o Cós na aurilavrada jóia,
Sorvia . . .
E depois houve a guerra de Tróia .

(Antônio Sales. Versos Diversos. Fortaleza, Tip . de José


Lino, 1890, p. 10; Poesias. Rio de Janeiro, Garnier, 1902,.
p. 1 3 ; ; Obra Poética. Fortaleza, Imprensa Universitária,
Publicação da Sec. de Cultura do Ceará ( organizada
por Braga Montenegro, com Apresentação de Otacílio
Colares e Notas de Sânzio de Azevedo ) , 1968 , pp. 231-2�
289; 3 1 7 ; 348-51.)

294
..

Pelas produções apresentadas, podemos acompanhar a


trajetória artística de Antônio Sales, como poeta: no primei­
ro soneto, "de Tarde", observamos um descritivismo que lem­
bra as Miniaturas de Gonçalves Crespo, mas ainda com laivos
românticos e sobretudo notas arcádicas, segundo constatou,
neste e noutros poemas, Otacílio Colares (Introdução à Obra
Poética, citada); muito longe ainda estamos do verdadeiro
Parnasianismo (do qual se aproximará o poeta mais tarde),
apesar de havermos escolhido, dos Versos Diversos ( 1890) , o
poema que mais se identificasse com a corrente; reproduzi­
mo-lo em sua primeira lição, para dar 11ma amostra do que se
chamava pamasiano ao tempo da Padaria Espiritual (ou pou­
co antes, como é o caso): figurando no livro Poesias (que o au­
tor chamou de edição definitiva, uma vez que é a reunião dos
dois primeiros livros, refundidos, e mais alguns poemas iné­
ditos), de 1902, sofreu ligeiras alterações, sendo assim o 2 .0
verso d·o 1.0 terceto: Rosário de alvos flóculos, desliza . Lem­
bre-se que, no mencionado livro de estréia de Antônio Sales,
são inúmeros os versos deste teor: Já não tremente as mãos
quando, radiosa, 1 À luz festiva dos salões brilhantes.. . O so­
neto seguinte, "Pesca da Pérola", pertencente às Trovas do
Norte ( 1895) , e reproduzido com alterações nas citadas Poe­
sias, é um dos mais famosos sonetos de Antônio Sales, tendo
recebido elogios de José Veríssimo nos primeiros anos do sé­
culo, e figurado mais tarde entre os Sonetos Brasileiros de
Laudelino Freire . Por seu caráter um tanto filosofante, lem­
bra certos espécimes do nosso chamado Parnasianismo, como
"As Pombas", de Raimundo Correia. Reproduzimo-lo tal como
foi incluido nas Poesias; em sua primitiva edição, tinha sete
versos ligeiramente diferentes:
v. 1 No revoltoso mar da humanidade
v. 6 Neste oceano mergulha a mocidade
v. 7 Buscando uma afeição que desta vida
v. 8 Ilumine a profunda escuridade
v . 11 Concha que guarda a pérola do amor. ..
v . 13 Desce, desce, rolando de onda em onda.. .
v. 14 E não mais volta o audaz mergulhador!

295

--

- ----- .......
'
·
· A partir de Minha Terra (19 19) vai-se acentuando o Par­
.

nasianismo do poeta: o soneto "Terra de Sol", que ainda trai


leitura de ·aonçalves Crespo (cujos versos dariam a nota des­
critiva a inúmeros de nossos chamados parnasianos), já de­
monstra maior apuro formal, pelo menos pelas rimas dos
quartetos; no final, a confusão entre a luz e o grito da ave
(sin:estesia) é uma heranç a baudelairiana (portanto simbo-

. '

lista), a que não fugiram os po.etas da corrente, no Brasil.


"Nereida", que é do livro Aguas Passadas, tendo sido publica­
do n' A Poesia Cearense no Centenário, de Sales Campos, em
.

22, já nos traz certo exotismo e alguma frieza descritiva que


lhe conferem estatus parnasiano (as Nereidas, na Mitologia,
eram divindades marinhas, filhas de Nereu). O mesmo ocorre
com "Os Braços de Vênus" que, por sinal, prima pelos encadea­
mentos ou enjambements, não lhe faltando o requinte da rima.
composta nos tercetos · (modelos 1 vê-los I tê-los); como "Ne­
reida", figurou na antologia de 1922, tendo sofrido algumas
alterações. Além da forma, convém ressaltar o tema, onde
mais patente surge a alusão à Grécia antiga, cultuando o
poeta a beleza escultural, um dos ideais da corrente . Nenhum
desses sonetos, entretanto, pode enquadrar-se tão perfeita­
mente na escola de Heredia como "A Taça de Menelau", tam-
.
.

bém do livro póstumo, em que aparece abrindo uma parte in-


titulada "Ante o Templo de Apolo . . . " Aqui, em alexandrinos
sonoros, yazados classicamente, com fiel observância aos acen-
tos e às cesuras, Antônio Sales nos conta como Páris, filho de
Príamo e de Hécuba, chegou a apaixonar-se por Helena, rai-
.

nha de Esparta, com a qual fugiu, dando origem à famosa


Guerra de Tróia, narrada por Homero na Ilíada (ílion era o

nome poético de Tróia). O poeta, que não lograra atingir ao


pu!o Parnasianismo nos primeiros livros (embora ele mesmo·
se considerasse um fanático seguidor da corrente), chegou
nesse poema a alcançar a forma e a essência da escola, de-
. .

monstrap.do inclusive seguro conhecimento da Mitologia clás·


sica. 55 .

296

ALF. CASTRO

ALFREDO de Miranda CASTRO Nasceu em Pernam-


buco, no dia 30 de novembro de 1873, vindo a falecer em For­
taleza , no d'ia 1.0 de abril de 1926 . Transferido para o Ceará
logo após sua formatura em Direito, por volta de 1895, foi juiz
no Aracati, vindo mais tarde a exercer o cargo de Procurador
da República . Aqui produziu o melhor de sua obra, e publicou
De Sonho em Sonho (1906), livro. que só muito vagamente dei­
xa entrever o artista impecável que seria mais tarde. Seus
poemas parnasianos compõem um livro que permanece inédi­
to, Ocaso em Fogo . É autor ainda da conferência O Poeta e a
Poesia (1913), e praticava também o estud·o crítico. Perten­
ceu à Academia Cearense de Letras .

A MORTE DE PÃ

Estendido no chão, no mais denso e profundo


Do bosque, dorme Pã . Dorme e fala . Delira .
Deixai-o descansar, que o deus é moribundo .
Vede-lhe a avena ali: por seu sopro suspira .

Mas encontram-no, acaso, as ninfas . Sobre o imundo


Fauno, que as perseguia, elas todas, em ira,
Com chujas e bastões lançam-se agora, a fundo,
Até que o deus, gemendo e soluçando, expira .

Então, uma, sem dó, os chavelhos lhe arranca;


Outra os olhos espeta; outra lhe rasga a boca;
Outra, com a própria avena, o pé de cabra espanca .

Depois, dando-se as mãos, ébrias do mesmo gozo,


o bosque inteiro atroando, em grita i1nensa e louca,
Dançam em derredor do sátiro asqueroso .

A ESTATUA DE SILENO

Longo tempo no parque, entre a alegre verdura,


As carícias do sol, na · luz fina e· fagueira,

297

'

. -- -

-


Sileno, o velho deus, guardara a compostura
••

Firme na sua estátua, enramado em videira .


.

Mas um dia se espalma a asa pesada e escura


Da borrasca . Do céu vela-se a face inteira .
E um raio que desceu busca o parque, procura
A estátua e lança em terra o deus da bebedeira .

Ao tombar destronada, a figura grotesca,


Num acaso feliz, ficou mesmo com a cara
Encostada na relva umedecida e fresca .

Quem depois transitou por aquele caminho


Certamente pensou que o deus melhor ficara
Estendido no chão para curtir seu vinho!

POMO DE ASFALTITE

Pobre de ti! Jamais o cobiçado fruto


Hás de, alegre, colher no galho, que balança:
Alta é a fronde que o tem, veludoso e impoluto,
E és pequeno demais . Tua mão não o alcança!

Não poderes crescer e avultar num minuto


Para tirá-lo! Em vão, que a viridente trança
Há de crescer também e oh! desespero e luto ! -
Há de o pomo fugir à tua mão, que avança .

Mas pudesses colhê-lo . . . Em breve, quando fosses


Mordê-lo, em tua boca ansiosa, que o reclama,
Prelibando o sabor dos seus gomos tão doces,

Esse fruto de pele em sangue e ouro embebida,


Desfazendo-se em fel, desfazendo-se em lama,
Havia de amargar por toda a tua vida!

298

-----
.•
.-,-

-.
,.
,

EM VILEGIATURA

De novo, em frente ao mar . De novo, agora. em


[frente
Deste mar, que na praia amoroso se lança,
Inda as jangadas vão em frota, ao sol nascente,
Para à tarde voltar n' uma garbosa dança .

Que vim jazer aqui? Rememorar somente


Um passado feliz, despertar a lembrança
De uma mulher que o coração me fez fremente
Do amor que há muito em mim sepultado descansa.

Recordações de amor! Pensai bem na mistura


Que pode para alguém um sonho insatisfeito
Ter de infinda delícia e ter de atroz tortura!

Corre o tempo sem que destas cismas eu saia,


Casando sem cessar os suspiros do peito .

Ao sussurro da vaga a se quebrar na praia .

CENA MARINHA

Nadando, acaso, sobre a emaranhada teia


Das algas, dos corais, dos pólipos gigantes,
Um tritão encontrou uma jovem sereia
Divagando, a cismar cismas de almas amantes .

Logo, o monstro marinho, inflamando-se, anseia


Por abraça-la e tê-la . Ela o sente . Mas, antes
Desejando morrer, foge do monstro� cheia
Do mais justo pavor dos seus olhos chispantes .

Sobe . Apressa-se mais . Chega, por fim, à tona


Das águas . O tritão chega também . Desata,
Após ela, a correr mais e mais a ambiciona .

299

- -
-:-�
•,.

.
E, na porfia, os dois, em disparada, às soltas,
Voam . Na flor do mar há fulgores de prata
E um continuo chofrar de águas e águas revoltas .

A DANÇA DOS SETE VÉUS

O tetrarca pediu, disfarçando, de leve,


Um desejo, com voz, de enternecida, rouca,
Que Salomé, movendo o corpo airoso e breve,
Dançasse . Estava triste, e era a graça bem pouca .

Envolta em sete véus alvíssimos, de neve,


Ela, a judia, põe-se a dançar, como louca,
E, a cada evolução que seu corpo descreve,
Como uma estranha flor, dos seus véus se desto1tca .

Em meneios gentis, a princesa, que gira,


Tira o primeiro véu, tira o segundo, tira
O terceiro, e outro mais, mais outro, e outro, ainda .

Quando o véu derradeiro ela, afinal, arranca,


Estaca . Aos olhos reais, Salomé, na mais tranca
1Vudez, mostra-se, então, provocadora e linda .

AS QUIMERAS

Numa arrancada heróica, as quimeras, em bando,


Subiram para o céu, cheias de ânsias secretas .
E, na luz da manhã, elas, de luz repletas,
Ébrias, cegas de luz, em pleno azul vão voando .

Subiram tanto no seu vôo jormidando,


Que varre todo céu o vigor das inquietas
Asas de ouro, onde o sol atira as áureas setas,
E mil faiscações passam de quando em quando .

300
• I


e a

No furor da investida, umas entram em choque


Com as que voam mais perto. Estala uma asa. Há um
[toque
De rubro pelo espaço . A revoada está feita .

Descendo, então, do azul, pousa a ronda no solo:


Encolhe-se cada asa, ofega cada colo,
Na atitude de cão, cada quimera espreita .

(Originais do livro inédito de Alf. Castro, Ocaso em


Fogo.)

A importância de Alf . Castro reside não somente na



qualidade de sua poesia, mas também e principalmente no
fato de situar-se no mais genuíno e puro Parnasianismo, no
sentido francês do termo, o que é raro na literatura nacional.
Por isso Cruz Filho afirmou que "ele e Francisca Júlia da Sil­
va foram, no Brasil, os maiores e mais legítimos corifeus" da
corrente. 56 Com efeito, logo nos dois primeiros sonetos (es­
critos em 1908), através de um descritivismo em que se anula
o autor no poema, temos a presença da Mitologia: Pã, figura
controvertida, geralmente aceito como um sátira nas lendas
gregas (e confundido com Fauna, dos romanos), vivia a per­
seguir as Ninfas, ardendo em desejos concupiscentes; o poeta
imagina a desforra destas, ao encontrá-lo moribundo. Em "A
Estátua de Sileno", é admirável o tratamento que dá a um
tema quase anedótico: Sileno era preceptor de Baco, simboli­
zando os dois a bebedeira. Mas o poeta não iria cantar sem-
pre no mesmo tom, e assim temos em seguida, mais ou me­
nos da mesma época, "Pomo de Asfaltite", onde a impassibili­
dade cede à emoção: é justamente pela emoção de que se re­
veste que se torna um dos pontos altos da poesia cearense:
servindo-se de uma alusão que vem do Romantismo (O Pomo
do Mar Morto, ou de Asfaltite), como que retrata a angústia
humana em busca da felicidade que foge, como no suplício
mitológico de Tântalo, felicidade essa que afinal não corres­
ponde aos sonhos que despertara . "Em Vilegiatura", de 1909·,

301
é ainda mais subjetivo, pois se trata da humanidade, mas do
próprio poeta, a remoer seus pensamentos e sentimentos, com
referência clara ao amor: note-se a nota regional na presen­
ça das jangadas e destaque-se o trímetro (v . 7.0) . "Cena Ma­
rinha", datado de 1910, retoma os temas mitológicos, mas de
certa forma transfigurando a supra-realidade mítica: uma
Sereia (geralmente tida como mulher-peixe, mas que nos au ­
tores antigos era uma mulher com corpo de pássaro, como as
'

que cantaram para atrair Ulisses) é perseguida tenazmente


por um Tritão (este, sim, 11m homem-peixe) ; o Tritão, às ve-
. .

zes multiplicado em vários, era arauto de Netuno, seu pai.


Aqui, faz ele as vezes de um sátira, sendo a sereia uma ninfa:
transfere-se para o mar uma cena dos bosques helênicos . Além
do apuro formal, presente na aliteração do verso 4.0, na mo­
vimentação onomatopaica da segunda estrofe, assim como
nos encadeamentos altamente expressivos, o Parnasianismo do
soneto patenteia-se no fato de constituir, todo o po.ema, uma ce-·
na rápida, um flash de grande efeito, chegando a lembrar-nos
perfeitamente a arte de Heredia : lembre-se, de Les Trophées,
o soneto "Le Récif de Corail", em que surge esta enumeração:
Mousse, algue chevelue, anémones, oursins. "A Dança dos Sete·
Véus", de 1915, por sua vez, evoca o povo hebreu, aliás tão de­
cantado por Heredia no citado livro : Salomé ou Herodíade,
filha de Herodias, dança a pedido de Herodes Antipas, tetrar­
ca da Galiléia: após essa dança, rezam as Escrituras, ped'e ela.
a cabeça de São João Batista, que efetivamente é degolado .
Conquanto seja este soneto um dos mais festejados de Alf .
Castro, não nos parece seja ele um dos mais felizes : o final
do primeiro quarteto, por exemplo, soa-nos forçado, como para
compor a rima (era a graça bem pouca), sendo que o enca­
deamento ou enjambement do penúltimo para o último ver­
so tira toda a força do soneto em seu final, que deixa assim de·

ser uma "chave de ouro" . Todavia, tornou-se antológico .


"As Quimeras", como a "Cena Marinha", é um flagrante cap-·
tado no mundo da Mitologia: verdade que, também como no
outro soneto, as Quimeras não se apresentam como na lenda
clássica, ou seja, monstro com cabeça de leão, cauda de dra-

302

gão e corpo de cabra, vencido por Belerofonte. 57 Note -se que


as do poeta são seres voadores, talvez mais aproximadas da
Harpias; na primeira estrofe, verificamos a enfatização da cla­
ridade, pela repetição da palavra luz, três vezes; essa claridade
persistirá nas setas despedidas pelo sol e nas faiscações das
asas de ouro das quimeras, na estrofe segunda; também nesse
soneto, como os demais vazado em alexandrinos clássicos, te ­
mos um trímetro, o verso 5.o: Subiram tanto no seu vôo tor­
midando. Alf . Castro, que em seu livro de estréia praticara
mais o decassílabo, ao passo que se ia mais e mais pamasiani­
zando abandonava o verso de dez sílabas em favor do alexan­
drino, que predomina em Ocaso em Fogo (livro que, equivoca­
damente, Cruz Filho anunciara como tendo o titulo Vesperá­
lia, engano repetido por Dolor Barreira em sua História da Li ­
teratura CearenseQ .

CRUZ FILHO

José da CRUZ FILHO Nasceu em Canindé, no dia 16


de outubro de 1884, e faleceu em Fortaleza, em 29 de agosto
de 1974, quase aos 90 anos de idade. Fez os primeiros estu­
dos num colégio religioso de sua cidade, colégio do qual foi
professor mais tarde. Contudo, não chegou a cursar nenhu­
ma escola superior, o que não o impediu de fortnar sólida cul­
ttira humanística, chegando a ser professor de Português e
de Literatura do Liceu do Ceará. Em 1903, com Augusto Ro­
cha e Tomás Barbosa, fundou o primeiro jornal de sua cida­
de, O Canindé; apesar de haver começado cedo a publicar po­
emas em periódicos, somente em 1924, após constantes refun­
dições, resolveu reuni-los em volume, os Poemas dos Belos
Dias. Isso não fez com que deixasse de refundir os poemas já
editados, que enfeixou, com inéditos, em Poesia ( 1949) , e, bem
mais tarde, em Toda a Musa ( 1965) . Foi em 1963 eleito o prín­
cipe dos Poetas Cearenses . Em prosa, deixou História do Cea­
rá ( 1931) , O Soneto ( 19·6 5) ensaio, e Histórias de Trancoso
( 1971), contos. Era membro da Academia Cearense de Letras.
Usou os pseudônimos de Climério Várzea, X, Caio Flávio., Cé-
s a r Tigre e outros .

303

SUGESTAO DE BEETHOVEN

Noite . Ermo . . . Um luar de abril quase morto na


[ bruma .
Silêncio. Ar medieval de algum convento em ruína . . .
Num piano, cujo som do jazigo te exuma,
Beethoven chora e geme, em lúgubre surdina . . .

Há um êxtase em redor . Dorme o arvoredo . Alguma


Cousa indizível paira entre o alvor da neblina,
E a alma da solidão, que um mistério perfuma,
Enche a terra em torpor de uma angústria divina . ...

E, à música de dor, que na bruma se espalha,


-

Surgem alvas visões . . . Há um rumor de mortalha . . �

Deslizam, sob o luar, Desdêmona e Cordélia . . .

E, na sombra, a espreitar a ampla noite, que o pasma ..


Passa do pobre Hanleto · o dorido fantasma,
A arrastar, pela cinta, o cadáver de Ofélia . . .

A ILUSAO DO .SAPO

Aos pinchas, pela sombra, indolente e moroso,


O batráquio estacou do fundo poço à borda,
E um momento quedou, como quem se recorda,
Surpreso ante a visão do poço silencioso . . .

Ao fundo, onde do céu, que de nuvens se borda,


Reflexa a imagem vê pelo céu luminoso
Vê da Lua pairar o áureo disco radioso:
E o disforme animal de júbilo transborda . . .

Um momento quedou, mudo e perplexo . Ao ce1ttro.


A tentá-lo, a ilusão do astro de ouro flutua,
E o monstro eis que se arroja, a súbitas, lá dentro . . .

304

E a água convulsionou- se, em círculos


ondeantes'
Num naufrágio de luz, em que perece a Lua,
Dissolvida em rubis, topázios e diamantes .

A CAN �ÇAO DA CIGARRA

E a velhice aí vem . Vem com os seus frios,


Com o seu tristonho, o seu brumoso inverno,
E os céus, que eram azuis, ficam sombrios,
Desfaz--se o tempo, que eu supunha eterno!

Flavos dias de sol, quentes estios, •

Brando enlevo romântico e superno,


Que eu cantando passei ei - los vazios,
Meus castelos de Sonho ao vir do inverno!

Consumi, na loucura mais bizarra,


Chamando embalde uma perpétua ausente,
Minha existência inútil de cigarra!

Paixão maldita! Desvairado anseio


Da cigarra, que invoca, inutilmente,
A doce companheira que não veio!

O PAVAO

Na suave e branda paz do amplo parque silente,


Entre árvores de luxo, em calma solidão,
Magnífico, taful, todo glória, imponente,
.
Da terna amante ao pe, V'tVe o reg'to pavao .
, . , -

Nesse reino, que é seu, ele é sempre presente,


Num lasC'tVO vagar, belo como um Sultão,
Abrindo à.clara luz, larga e orgulhosamente,
Flórea cauda sem par com seu fausto pagão.

305
Pára à borda do lago, onde estátuas douradas
Ao sol, entre frontões e colunas delgadas,
Olham sua nudez n' água que lhes sorri . . .

E, a um grasno de ódio e ciúme, o silêncio se alarma !


É o pavão que, ao mirar-se, o áureo leque desarma,
No susto de encontrar outro pavão ali . . .

O JAGUAR

Maravilhoso ,luar doura o sertão deserto,


Sob a abóbada azul do alto céu tropical,
·Onde o globo lunar do zênite vai perto
E ofuscou, com o clarão, todo o esplendor astral .

À roda, na extensão da planura infinita,


Reina o silêncio e a paz . O deus da Noite dorme . . .

E, na ampla solidão, em que uma alma crepita,


Sente-se a terra arfar, como um dragão enor'J'T?,e .

O hirsuto matagal espinhoso e cinzento,


Sem uma folha já, na acridez do verão,
Ouriça o imenso plaino, afrontando sedento
A canícula atroz do combusto sertão .

Quem fez calar ao mocho o alarma intempestivo,


Que do ermo sói turbar a placidez reinante?
- Dorme a brenha, em redor, sem sinal de um ser
[vivo •

Magnetizada à luz do plenilúnio errante .

Uma nuvem que passa, indolente e sem norte,


Por vezes do astro esconde o esplêndido fulgor,
Dando à terra, �om a sombra, uns desmaios de morte,
Para logo a espertar do equívoco torpor . ·

A esta hora, cava e apressa, em que a noite culminG .


No alto de um penhasca.Z, q ue de cactos se touca,

306

Tentado pelo luar, que o convida e fascina,


Surge grande jaguar de escura furna à boca .

Raciocina, um minuto . Os olhos coruscantes


Ardem, na meia-luz, quais fosfóreos rubins,
Entre esparsos montões de ossadas alvejantes,
- Destroços funerais de sangrentos festins .

Depois. em frente do antro, acocorado e quedo�


Abafando, talvez, um bramido queixoso,
Contempla o disco à lua, e a interroga, em segredo�
Com soluços no olhar colérico e saudoso . . .

Contempla o disco à lua . . . E, nesse olhar-anseio,


Nesse alhar-transvisão, que perquire e reluz,
Concentra a mágoa atroz que lhe exulcera o seio
E ao fuste preso o traz de subjetiva cruz .

Mas a sibila astral, suspensa sobre o abismo


Que ora vai a transpor, no seu percurso tardo,
Não sabe discernir o doloroso trismo
Que a bocarra contrai ao mísero leopardo . . .

Ah! à dor que lhe dói nenhum eco responde;


Se as feras deuses têm, o seu deus o olvidou,
A Cassandra do céu, se algo sabe, lho esconde,
E a muda invocação sem resposta ficou .

Aquela que ele amava, a bela taciturna,


Do idílio conjugal na rósea primavera,
Faz um mês que a matou, no limiar da cafurna,
o homem, covarde e mau, mais feroz do que a fera

No en ta nt o, d o ja gu ar vo lv e tudo à m em ór ia :
- Os di as qu e lá vã o, so b um cé u to do an il,
Trechos solt os , ta lv ez , da su a po br e hi st ór ia , •

te rnu ra s d e co vi l . . .
'

- Jogos flor ai' S d e am or ,

307
E, à confusa expansão da secreta miragem,
Que ante ele recompõe o passado florido,
De novo julga ouvir, no queixume da aragem,
Da perdida Leonor o erótico vagido .

Mas o arguto animal, que o sítio, em torno, espreita,


Desce, coleando o dorso entre os troncos anões,
A planície, em que o luar ressupino se deita,
Para à fera inspirar ciladas e traições .

Que busca e,le? Que busca, a horas mortas da noite,


Através do sertão, o jaguar diligente?
A ovelha tresmalhada? U m antro em que se acoite?
- Compele-() sede cruel à água que o dessedente .

De feito, pouco além, em longa várzea expansa,


Dentro do ermo da noite alcança o seu olhar
De solitário açude a superfície mansa,
Sob a névoa da luz do opalescente luar .

Cauto, com o passo astuto, a perquirir atento


Da i mota solidão os mais pequenos ruídos,
A barragem chegou o leopardo sedento .
- Mas súbita emoção conturba- ·lhe os sentidos!

Ao fundo d'água vê, no seu vulto reflexo,


De outra imponente fera a imagem senhoril !
- E eis que na alma lhe ruge o demônio do sexo
E a espinha lhe percorre um frêmito viril .

A noite é toda paz, a lua, calma e algente,


Nem um rumor sequer o amplo silêncio corta!
.

E ele se põe a uivar inconsolavelmente,


Invocando, num sonho, a companheira morta .

( Cruz Filho. Poemas dos Belos Dias. Fortaleza, Livr. e


Papelaria Ribeiro, 1924, pp. 26, 79, 51, 100 . Toda a Musa.
Fortaleza, lUC, 1965, p p. 239 -42.)

308
Reproduzimos os poemas de Cruz Filho tais como estã
o
n o livro de estréia, apesar de o autor os haver modificad é
o'
'

�ue uma edição atual não daria idéia da corrente em seu tem
po
de fastígio. Apenas do último reproduzimos a lição mais recen-
te , por se tratar de poema não muito antigo, e de ter sido pouco
alterado. Ao mesmo tempo em que Alf. Castro iniciava o Par­
nasianismo cearense, Cruz Filho assinava sonetos no Album
Imperial, de S. Paulo, como "O Sonho de Teseu", de 1907,
cujos tercetos dizem: Da Grécia os esquadrões vão invadindo
a Elê1tsis . . . I Ressoa um trovejar de homéricas refregas; 1
Depois, um turbilhão de ensanguentados Deuses 1 Transpõe,
aprisionado, o extenso campo limpo . . . 1 E sob o matagal das
altas lanças gregas 1 Vem ressoando o tropel dos Imortais do
Olimpo . . . Se aos 20 e poucos anos ostentava tal segurança
(o que lhe propiciava figurar em revistas do Sul), iria com
o tempo ainda mais aprimorar-se, ao passo que somava al­
gumas notas de Simbolismo ao seu estilo parnasiano. "Su­
gestão de Beethoven" é uma página descritiva em que se re­
vela o eruditismo da escola de Heredia, fazendo brotarem, em

solenes versos vazados no metro alexandrino, ao evocar da
arte do compositor germânico, figuras do teatro de Shakes­
peare; mas o mistério de que se reveste o poema, com visões,
luares e mortalhas, avizinha-se sem dúvida da fluidez simbo­
lista, ainda presentes nas reticências. Já "A Ilusão do Sapo",
tem mais visível intenção de flash, sem participação emocio­
nal do autor: pode alguém ver nesse sapo e nessa lua, res­
pectivamente, os sonhadores impenitentes e os ideais inatin-
gíveis; de nossa parte, preferimos ver simplesmente uma cena
captada de maneira realista, se bem que transfundida em
verdadeira poesia. No verso final, temos leve reminiscência
daquele já mencionado soneto de Heredia, "Le Récif de Corail",
através da enumeração: Courir un jrisson d'or, de nacre et
l d'émeraude. A última edição do soneto, deixada .pelo poeta
pouc o an te s de fa lec er , re pr od uz im o-la em pr im eira m ão em
"Cru z Fi lh o e Su a Po es ia" (R ev ist a da Ac ad em ia Ce ar en se de
Letras '
ano LX XVI , n. 36 , 19 75 , pp . ·83 -93
· .). "A Ca nç ão da
. -

Cigarra", em de ca ssí lab os , já pe rte nc e ao qu e po de re mo s

309
chamar de Parnasianismo brasileiro (em oposição ao pura­
mente francês), de Bilac e seus confrades : profundamente
sentido, com laivos de Romantismo, esse soneto guarda con­
tudo, na perfeição formal, como na escolha d·a s rimas e do vo ­
cabulário, certa solenidade clássica; atualmente, são assim
os tercetos, após várias alterações : Consumi, nesta estólida
algazarra, 1 Chamando embalde uma perpétua ausente, 1 A
minha vida ociosa de cigarra! 1 Mas quanto ingênuos são o
canto e o anseio 1 Da cigarra que invoca inutilmente 1 A doce
companheira que não veio! "O Pavão" retoma as notas par­
nasianas, para cantar uma c.ena de luxo, num requinte digno
de Francisca Júlia ; ne1m lhe falta a presença das estátuas,
que lhe conferem o tonus escultural. Afinal, "O Jaguar", que
transcrevemos de Toda a Musa ( 1965), compõe-se de vinte es ­
trofes cinzeladas em alexandrinos clássicos, com rimas em
ABAB (cruzadas ou alternadas), mas com o cuidado de alte­
nar, nos versos finais de cad·a estância, rima agudas e graves,
num apuro próprio do artesão exigente. N.esse poema, em
que a lua desempenha papel destacado, o felídeo assume pro­
porções humana� : aparecendo, a partir da sexta estrofe, sendo
as anteriores a preparação do ambiente onde ele vai atuar,
confere-lhe o poeta raciocínio, com o qual o animal interroga
a lua, que nada lhe diz. Só, desprezado dos deuses (se é qu.e
as feras os têm), rememora os momentos felizes e chega
mesmo a ouvir o rugido da companheira ausent.e, morta pelo
homem, " covarde e mau"; por fim, mirando na água, ao invés
de enfurecer-se, como fizera o pavão, do soneto transcrito, ele
vê, na sua imag.em, a figura da bem-amada, e põe-se a uivar
tristemente, sob o fascínio do luar. Esse poema de Cruz Filbo
é, a nosso ver, um dos mais belos e felizes instantes da poesia
cearense. É interessante comparar o poema "O Jaguar" com
o conto, também de Cruz Filho, " O Sertão, o Luar e a Fera",
constante de Histórias de Trancoso ( 197 1), pp . 98-102 .

JúLIO MACIEL

JúLIO Barbosa MACIEL Nasceu em Baturité, no dia


.

28 de abril de 1888, e faleceu em Fortaleza, em 8 de fevereiro

310
de 1967. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do
Rio de Janeiro, foi Promotor e Juiz no interior cearense, por
vários anos. Começou a versejar na primeira década do sé­
culo, colaborando em jornais e revistas . Sua feição definitiva
é a de poeta parnasiano, com notas simbolistas, mas compôs
versos à moda futurista, sob o pseudônimo de Lúcio Várzea.
Publicou Terra Mártir (1918) , com uma carta-prefácio de
Emílio de Menezes (2.a edição de 1937) ; Poemas da Solidão
(1943) . São ainda de sua autoria Os Versos de Ouro de Pitá­
goras (1925, com 2.a ed . em 1956) e o ABC do Padre Cícero
( 1944) . Era membro da Academia Cearense de Letras.

JUAZEIRO

É no Sertão do Norte. Às águas de janeiro


O verde o prado arreia e ao monte veste a espalda;
Entre as árvores mais, vitorioso, o juazeiro
No azul amplo dos céus a ramada desfalda . . .

Sem ponta de asa, agora a amplidão é um braseiro,


A terra, nem que fora uma fornalha, escalda:
- Só, na planície nua, o vegetal soalheiro
Levanta em pompa aos céu� a copa de esmeralda!
I

E assim faustoso e vivo, em meio à morte e o luto,


Acenando, de longe, é promessa e carinho
Aos olhos de quem foge acaso o Sertão bruto.

Perto, porém, se ostenta o juazeiro, escarninho:


No alto maciça e verde, a copa está sem fruto!
Em baixo a sombra fresca é em rude chão de espi-
[nho!
JACARECANGA

Rebelde e forte, aqui, outrora se implantava


A taba indiana aqui, onde a alma lua cheia,
Pródiga, a derramar em cachões a luz f�ava,
_ Agora a estes casais a fachada clareza.

31'1
Quanta vez trom de inúbia, entrechocar de clava
Não vibrou pelo azul que sobre mim se arqueia!
Praia! o tropel da tribo em correria brava
Quanta vez não sentiste a sacudir-te a areia!

E embora tu, Passado, a lenda antiga escondas,


Eu sei que o amor também floriu aqui: no treno
Da aragem, no marulho eloquente das ondas, -

Parece-me inda escuto, em meio à noi·te clara,


-----0 selvagem rumor dos beijos de Moreno
E as falas de paixão da meiga Tabajara!

AETERNUM VALE

Tal como acaba o fausto, o resplendor, a gala


Das manhãs de verão, ante as brumas do inverno�
Acabe a aspiração que as almas nos embala,
Morra este róseo ideal, morra este sonho terno!

Nem ponderes o horror mortal que me avassala


Ao formular, assim, o meu adeus eterno:
Inútil, na garganta, exaure -se-me a fala,
Sinto dentro de mim conflagrações de inferno .

Um para o outro, debalde Amor nos encaminha:


Mau grado ao teu querer, pesar de meus esforços,
Não te esperances mais, que nunca serás minha! ....

Certo, ouvindo-me, estás perplexa, estás confusa,


E a tua alma de escol, pesando os meus remorsos,
Clemente me perdoa . . . Impassível me acusa!

OS GROUS

Por �obre a serra e o vale, a tribo aventureira


Dos grous em fuga passa a pleno firmamento,

312
• Á

- Libérrima e veloz, em compacta fileira,


••
Alto, a pompear ao sol o plumacho opulento .

Súbito o vale e a serra atroa arma traiçoeira,


E, qual se a elas movera humano entendimento,
Eis as aves sustêm infeliz companheira,
Que no ar rodou, fechando o remígio sangrento!

E enquanto um caçador, a carabina em pouso,


Faiscantes, presos no ar, os olhos como brasas
A sua opima caça, abaixo, aguarda, ansioso:

Alto, a pompear ao sol, lá vão os grous em bando,


Irmanados, lá vão! nas protetoras asas,
Espaço acima o grou moribundo levando!

VILANCETE

Pusestes meus olhos doudos.


Entanto, não vos agrada
Serdes por mim contemplada.

VOLTAS

Eu sinto, só pelos modos


E os olhos com que me olhais,
Que vos não pertenceis mais.

Se os vossos encantos todos


Já são de outro, infeliz hora
Essa em que vos vil . .Senhora,
.

Puseste meus olhos doudos!

Não quero ver desmanchada


A trama de ouro e de luz
Que o coração vos seduz:
De vós não espero nada . • .

Mas tendes tão lindo rosto!


ou. de gosto, ou contragosto,
- Sereis por mim contemplada.

313

--
--

-- .
- ·- ..

. �
VERDE

Há urrLa ressurreição no Sertão rudo.


Uma ressurreição! Verde e risonho
É o vale, verde a serra, é verde tudo
Em que os meus olhos, deslumbrado, ponho .

Bruto alcantil de aspecto mau, desnudo


Esvão de terra, ríspido e tristonho,
Agora têm branduras de veludo,
Verdes agora os vejo, como em sonho!

Em cisma, a sós, contemplo verde liana,


Verde, tão verde, com carícia humana
As ruínas afagando a uma tapera.

E na contemplação que me não cansa,


Sinto quão doce és tu, cor da Esperança,
- Até nos olhos de quem nada espera . . .

A VOZ DO CORA·CÃO


...>

Bateu-me o coração, e repentino


Baixei os olhos, quando vi alguém . . .
Reservou-me o Destino ·

Essa hora má.


Oh! foi como se eu visse todo o Bem
Que devia ser meu e não será!

Bateu-me o coração, endolorido,


Como se eu visse o meu Ideal perdido . . .
Felicidade,
Vão-se os dias em número infinito,
Horas de oiro da minh a mocidade, l

Noites e noites uma eternidade;


E, nesta ansiedade,
Por ti clamo e grito:
- Surge, aparece, vem, felicidade !

I
314 i.

Tocado de 1nortal desesperança.


Grito e clamo na minha solidão:
Quem te espera, ó ventura, em vão se cansa,
Felicidade, não existes, não .

E o Coração responde amargurado,


Meu Coração amargamente triste:
- Nunca serás feliz, ó desgraçado,
Mas a felicidade bem que existe!

(Júlio Maciel. Terra Mártir. Rio de Janeiro, Tip. Rev.


dos Tribunais, 1918, pp. 23, 26, 74. Sales Campos. Op. cit.,
p. 166. Terra Mártir, p. 68, 24. Poemas da Solidão. Rio
de Janeiro, Ed. Henrique Velho Emp. A Noite, 1943,
pp. 161-2.)
I

Menos ortodoxo ainda que Cruz Filho, o Parnasianismo


de Júlio Maciel revela matizes românticos e simbolistas (as
maiúsculas personificadoras são uma constante) . Acima de
tudo, porém, está sua dicção pessoal, inconfundível. Em "Jua­
I
zeiro", além do descritivismo em que ressalta o regional, vibra
a emoção do poeta : em meio à seca, permanece verde a ár­
vore ; entretanto, não encara o autor o aspecto positivo de
tal fato, mas o lado pessimista, visto a fronde não ter frutos,
e a sombra estar eivada de espinhos. O v . 6. o é típico da
dicção do poeta : A terra, nem que fora uma fornalha, escalda.
Mário Linhares, em Gente Nova ( 1920) , condena-lhe o uso
constante de expressões como que nem e nem que, assim como
a omissão do que à maneira clássica; mas isso faz parte do
modo de ser do poeta, a nosso ver. "Jacarecanga", escrito por
volta de 1907 ou 1908, tendo por essa época aparecido na re­
vista Fortaleza (juntamente com "Os Grous" e outros poemas
seus, como informa Dolor Barreira) , é dos melhores poemas
feitos à nossa terra (inspira-se no bairro da zona oeste forta­
Iezense) : note-se que a primeira estrofe, ond'e o poeta fala
de existência da tribo indígena e evoca o luar sobre as casas,
se compõe de versos lentos, retratando uma cena quase es­
tática ; na segunda estrofe, anima-se a paisagem, acelerando-

)
I
315
-se a marcha dos alexandrinos pelas aliterações para efeito
onomatopaico (grupos consonantais em tr, tr, br, br, pr, tr,
tr, br, pela ordem de aparição) ; nos tercetos, volta a calma
anterior, como o lirismo do romance de Iracema. No verso
12, omissão do que (Parece-me inda escuto . . . ) . Emílio de
Menezes fez publicar, na revista Fon-Fon, do Rio de Janeiro,
um soneto de Júlio Maciel; trata-se de "Aeternum Vale", que
foi estampado com destaque, em página inteira, acompanhado
de um bilhete elogioso do consagrado parnasiano, que afirma­
va, a respeito do jovem poeta cearense : "Júlio Maciel, dos
poetas novos, é, sem contestação, um dos melhores pela emo­
ção, pelo contorno do verso e pela justa, sóbria e precisa feição
de sua vernaculidade." 58 Apadrinhado pelo famoso poeta, o
soneto é, não obstante sua emoção, um robusto exemplar da
escola, pela solenidade clássica e pela perfeição dos versos
trabalhados. "Os Grous", antes de incluído no livro de 1943 ,
sofreu inúmeras alterações : a lição que reproduzimos é d' A
Poesia Cearense no Centenário (1922) , organizada por Sales
Campos. Para os Poemas da Solidão, foram modificados os
seguintes versos, assim : I

v. 6 - E, como se as movera humano entendi­


[mento
v. 8 - Que rodopiou, fechando o remígio san­
[grento
v. 9 - E enquanto o caçador, a carabina em pouso
v. 10 Faiscantes, presos no ar os olhos que nem
[brasas
v . 11 - A sua opima caça, em baixo, aguarda, an­
[sioso

para não falarmos da forma anterior, de 1908. Este soneto


destaca-se pelo exotismo do tema; ademais, é admirável o
efeito produzido pela repetição, no verso 1 2 , do sintagma Alto,
a pompear ao sol; no verso 1.o do segundo quarteto, note-se a
expressividade advinda da aliteração (atroa arm,a traiçoeira) .
O "Vilancete", de sabor clâssico, revela a tendência, obser-
'

316

'

vada nos nossos parnasianos, de reviver inúmeros tipos de poe­


mas de forma fixa . Também chamado vilancico, não segue só
um esquema rimâtico. O soneto "Verde", um dos mais belos
de toda a poesia cearense, trai um apuro formal que não
logra nem de longe empanar a emoção transbordante : pela
musicalidade, cheia de discretas aliterações (em r em s e em
v, no 1.0 quarteto; em t, em r e em v, no segundo; em s, nos
tercetos) , como pelo lirismo do melhor quilate poderá ser lido
hoje como daqui a vinte anos ou mais, com o mesmo prazer
·estético, sem o ranço que costumam criar as ortodoxias. Por
fim, reproduzimos um poema que nada ou quase nada revela
da escola de Heredia : extraído da citada coletânea de 1922 ,
apresenta o polimetrismo de certas composições simbolistas
de Mário Pederneiras ou de Hermes Fontes : o pessimismo do
poeta resolve-se em realismo amargo, ao sentir que nem ao
menos lhe pode restar o consolo da não existência da felicidade.
Ela existe ; ele, porém não a alcançará jamais. Polimétrico
nas duas primeiras estâncias, encerra-se o poema com duas
quadras em verso decassílabo, com rimas em ABAB,

MÁRIO LINHARES

MÁRIO Rômulo LINHARES Nasceu em Fortaleza, no


dia 19 de agosto de 1889, vindo a falecer no Rio de Janeiro, em
15 de dezembro de 1965 . Ocupou diversos cargos no funciona­
lismo público, em Fortaleza, Belém, Recife, Salvador e no R io.
Foi um dos fundadores da revista Fortaleza, em 1906; entre
outros periódicos que aj udou a criar, figura a revista Heliópó­
lis, que marcou época no Recife . Membro das Academias Cea­
rense e Carioca de Letras . Usou incontáveis pseudônimos, en­
tre os quais Max Linder, Gil Vaz, Jacques Amiot, Ponciano
Ribas, Laura Viterbo, Ivone Pimentel e Carmem Floresta .
J sua bibliografia abrange a poesia, a crítica (de arte ou lite­
'

rária) , a genealogia e a biografia, além de conferências . De


poesia, publicou : Florões ( 1912) , Evangelh� Pagão ( 1917) ,
Culto Cívico ( 1917) , Poesias ( 1937) , Ascensao ( 1953) , e Con­
tas Sem Fio ( 196 1) . No ensaio, deixou Gente Nova ( 1920) e

'
317
Poetas Esquecidos ( 1938) , entre outros ; é ainda autor de uma
História Literária do Ceará ( 1 948) .

ANTtFONA

Musa, chega-te a mim! Despe o manto inconsútil


E, com a nudez pagã de uma Vénus de Milo,
Modela a frase heril no mármore do Estilo,
Na Harmonia orquestral da estrofe egrégia e dútil .

Traze a tua energia ao meu esforço inútil


Dando a cada hemistíquio a sonância de um trilo,
E faze imune passe o Verso que burilo
À baba do Invejoso e à crítica do Fútil .

Toma do bloco informe .e empunha, em feb re , o

[escopro,
Talha, esculpe, lapida o busto da Poesia
E anima-o triunfalmente ao teu divino sopro .

Se, como Pigmalião, dados todos os traços -


Não lhe puderes dar Alma, Vida e Energia,
Parte a escultura vã desfeita em mil pedaços!

A SECA

(Paisagem cearense )

Ceará . Pleno sertão . Agosto . Um sol de brasa


Queima impiedosamente o ventre da floresta .
O ar, · pesado, asfixia . O espaço nem uma asa
De ave corta . A adustão flores e frutos cresta .

Fuzila o dia . Em fúria, o vento, den�re a fresta


De abertas rochas, silva . À sede que o abrasa,
O touro escarva o chão e ao mormaço da sesta,
A dor da planta à dor dos pássaros se casa .

318

Nenhum riacho a colear o amplo seio do bosque .


1: ardente o sala, é murcho o arbusto, é triste o prado;
E nenltuma hera ao tronco anoso há que se enrosque .

Calma . Pela esplanada apenas se ouve o pio


Dos anuns e o mugir convulsivo do gado,
Sob a cáustica luz desses dias de estio .

FESTIM ROMANO

Festim romano . Nero assiste, repoltreado


Lassamente no toro ebúrneo em que se inclina,
Ao deboche brutal das heteras e., a um lado,
Canta uma escrava ao som de uma gusla em surdina.

Aos acentos febris de uma ária fescenina,


Requebrando os quadris em lúbrico bailado,
As cortesãs, em coro, a taça cristalina
Erguem, em brinde à Carne e apoteose ao Pecado .

Referve a orgia . E Nero, às vibrações da lira,


. .

Canta obscena canção e, no esto em que delira,


O vinho, em fogo, inflama o seu rosto sangüíneo .

E Popéia, saudando o imperador de Roma,


Entre as aclamações dos convivas, assoma,
Ébria e nua, a tombar de triclínio em triclínio .

CULTO SELVAGEM

Galgando os alcantis destes cerras e o inculto


Bosque transpondo, vim, na ânsia a que tenho presa
A minha alma panteísta; e eis-me aqui, Natureza
Como um crente, a adorar-te em fervoroso culto .

A floresta é o meu templo e eu, de joelhos, me curvo


Ao rulo da ave, à voz do vento e à luz do sol .

319

A alma das cousas vibra: o lírio fala ao turvo
Riacho e a luz do astro fala à voz do rouxinol . . .

O colibri, ruflando as asas de oiro, oscula,


Sensualmente, a corola a uma rosa vermelha
E, por volta de um lis que entreabre o caule, a abelha
Zumbe e, no galho, a rol'a as penas riça e arrula .

Sobre as castas, o peso enorme de uma folha


A formiga sustém arrastando-se ao chão .
Plange, entre o seixo, o arroio e lembra cada bolha
Uma flor despencada ao sopro do tufão .

A aroeira, umbrosa, se ergue e abre o pálio dos ramos


No alto e, qual uma serpe, o musgo enlaça o tronco.
Soa o tropel do bando apressado dos gamos
Que, aos saltos, vence o vaZ, sobe ao rochedo bronco .

Sai do ninho ·e fende o ar a juriti, afoita,


Enquanto o vento agita a ramaria em flor .
Baila o inseto de galho em galho e, moita a moita,
Andam pipilos de ave em colóquios de amor .

E a alma da Natureza abstratamente estudo


E procuro sondar a harmonia secreta
Que vem da flor, que vem da rocha e vem de tudo
E, ignotamen·te, sobe à minha alma de · poeta .

Ah! que impulso regula o equilíbrio da Vida


E estranho sopro anima o espíiito imortal?
Se essa energia é a mesma energia incontida
Que dá calor ao sol, nutre o instinto animal . . .

Como, enfim, per$crutar o mistério das cousas?


- Desço ao seio do mar e ao seio do infinito
Subo e ningué.m responde à angústia do meu grito . . .

Quem cQmpreende o que diz o rilêncio das lousas?! . . .

'

,,
320
I

· E escuto a Natureza a dizer,


· ·
pelo aroma
Da flor e arrulho da ave e pela voz dos seus
Riachos e azul do céu, que esse poder que assoma
E anda em tudo, é o imanente espírito de Deus . . .

A JANGADA

(Paisagem cearense)

Mal o clarão da aurora rompe a br�tma.


E densa escuridão da madrugada,
Aos repuxos das ondas, a jangada,
Serena e afoita, a branca vela enfuna .

O dorso encrespe o oceano e o vento zuna,


- Segue aos vaivéns d água convulsionada,
'

E sobe e desce aos ímpetos de cada


Vaga e à mercê dos ventos se afortuna .

Parte e se some . . À tarde, é de ver que ela


.

Volta afrontando a fúria da procela


Antes que a ,luz do dia se dissipe .

Volta encurvando a asa da vela; suste-a


Aira do mar, volta ao poder de angústia
Da saudade sem fim do Mucuripe .

( Dolor Barreira. Op. cit., 1. 3, pp. 73-4; Mário Linhares.


Evangelho Pagão. Rio de Janeiro, Of. Tip. Apolo, 1917.
pp. 25; 17-8 ; Sales Campos. Op. cit., p. 193.)

Vários autores se referiram ao caráter parnasiano da poe­


sia de Mário Linhares, ao tempo de sua estréia . Antônio Sa­
les, certamente falando apenas dos trabalhos enfeixados em
livro, escreveu, em 1922 : "É com Mârio Linhares que a nos­
sa poesia começou, nestes últimos anos, a subir de nível, até
chegar ao presente momento em que os seus representantes
se apresentam com predicados notâveis de cultura intelectual

321

· E escuto a Natureza a dizer,


· ·
pelo aroma
Da flor e arrulho da ave e pela voz dos seus
Riachos e azul do céu, que esse poder que assoma
E anda em tudo, é o imanente espírito de Deus . . .

A JANGADA

(Paisagem cearense)

Mal o clarão da aurora rompe a br�tma.


E densa escuridão da madrugada,
Aos repuxos das ondas, a jangada,
Serena e afoita, a branca vela enfuna .

O dorso encrespe o oceano e o vento zuna,


- Segue aos vaivéns d água convulsionada,
'

E sobe e desce aos ímpetos de cada


Vaga e à mercê dos ventos se afortuna .

Parte e se some . . À tarde, é de ver que ela


.

Volta afrontando a fúria da procela


Antes que a ,luz do dia se dissipe .

Volta encurvando a asa da vela; suste-a


Aira do mar, volta ao poder de angústia
Da saudade sem fim do Mucuripe .

( Dolor Barreira. Op. cit., 1. 3, pp. 73-4; Mário Linhares.


Evangelho Pagão. Rio de Janeiro, Of. Tip. Apolo, 1917.
pp. 25; 17-8 ; Sales Campos. Op. cit., p. 193.)

Vários autores se referiram ao caráter parnasiano da poe­


sia de Mário Linhares, ao tempo de sua estréia . Antônio Sa­
les, certamente falando apenas dos trabalhos enfeixados em
livro, escreveu, em 1922 : "É com Mârio Linhares que a nos­
sa poesia começou, nestes últimos anos, a subir de nível, até
chegar ao presente momento em que os seus representantes
se apresentam com predicados notâveis de cultura intelectual

321
e observância da boa técnica e da boa linguagem'' . sg Dos
Florões, cujo título já é típico da escola, são os dois primeiros
poemas reproduzidos : a "Antífona" é como que uma profis­
são de fé, através da invocação· da Musa, a quem o poeta roga
lhe modele o verso com toda a arte escultural exigida pelos
mestres parnasianos ; entretanto, não deseja a completa im­
passibilidade, pois prefere ver quebrada a estátua, caso lhe fal­
te o sopro de emoção . Pigmalião, aqui referido, segundo a
Mitologia, era um escultor que, apaixonando-se por uma está­
tua feita por ele mesmo, conseguiu que Vênus lhe insuflasse
vida, chegando a desposá-la. O soneto seguinte, "A Seca", por­
ventura o melhor poema de Mário Linhares, a nosso ver, con­
cilia o rigor formal à atmosfera telúrica : as frases curtas da
1 . a estrofe nos sugerem o ambiente quase irrespirável da ca­
nícula sertaneja, seguindo os versos, expressivamente, a dtl­
reza da cena captada . Na 2. a estrofe, há presença de alitera­
ção para efeito onomatopáico. Veja-se ainda como corre o 1.o
verso do 1.0 terceto, com sua sonoridade líquida : é que, em­
bora falando da ausência da água, o poeta evoca a existência
do riacho que, pelo menos, deveria estar coleando pelo seio
amplo do bosque. As vogais das rimas são todas claras, com ex­
ceção da rima em o, no 1.0 terceto. Do Evangelho Pagão trans­
crevemos os três poemas que se seguem : o primeiro, "Festim
Romano", pelo descritivismo puro, como pelo apuro formal e,
ainda mais pelo tema, evocando uma cena da Antiguidade, é
talvez o mais parnasiano de todos os poemas de Mário Linha­
res, chegando a lembrar "A Sesta de Nero", um dos pot1cos
poemas realmente parnasianos (no sentido francês) de Olavo
Bilac. Os mais exigentes talvez condenem essa rima sa1tgüineo
I triclínio . Lembre-se, porém, que mesmo em nosso Parna­
sianismo, há inúmeras rimas ainda mai s irregulares, notada­
mente em Luís Delfina . "Culto Selvagem", que a princípio
parece um hino pagão, na verdade é uma exaltação de Deus,
para quem o poeta cada cez mais se voltaria em seus poemas,
católico fervoroso que na verdade era. Note-se que, à maneira
de Cruz Filho n' "O Jaguar", alternou, no final das estrofes,
·

as rimas graves e agudas . O soneto " A Jangada" , que cons-

322

r
titui outra de suas paisagens cearenses, reproduzimo-lo d' A
Poesia .Cearense no Centenário, de Sales Campos : vazado em
versos decassílabos, esse poema não ostenta o timbre parna­
siano dos anteriores, todos em alexandrinos; antes, chega a
lembrar alguns passos da poesia simples do Padre Antônio
'
Tomás . Em todo o caso, afastam-no do Romantismo o descri­
tivismo e o requinte das rimas preciosas (há mesmo uma com­
posta, suste-a 1 angústia) .

CARLOS GONDIM

Nasceu em Coité, hoje Aratuba, no dia 6 de dezembro de


1886, e faleceu em Fortaleza num arrabalde próximo a Poran­
gaba, no dia 11 de março de 1930, assassinad·o . Apesar de
jamais haver podido freqüentar escolas, conseguiu apreciável
cultura, através da convivência com os grandes autores da li­
teratura brasileira e universal . Boêmio incorrigível, tornou­
-se criminoso, vindo a cumprir vários anos de prisão, onde
mais se apurou sua autêntica vocação de poeta . Sua morte
jamais foi esclarecida . Pubicou : A Tortura do Artista ( 19 15) ,
Poemas do Cárcere ( 1923) e Ansia Revel ( 1 929) .

CANTO DO PARIA

É uma insânia o que sinto! É o desespero 1nudo,


Que o peito despedaça e oblitera a razão!
Abandonou-me a crença o mais precioso escudo,
Desamparou-me a fé meu único bordão!

Ululam-me no encalço os tormentos de Orestes . . .


Como que em derredor de mim tudo se escombra!
- Rio-me, como Lear, louco, rasgando as vestes,
- Duvido, como Hamleto, interrogando a Sombra.

Barco errante, a singrar entre parcéis e fráguas, 60

Ando a léu, à feição de um destino traidor . . .


_ Em que Letes irei esquecer minhas mágoas?
- Que Cocito . infernal tragará minha dor?

\ 323
E, assim, obedecendo ao fadário, caminho . . .
E hei de, como um fantasma, entre os homen s errar!
- Triste e dorido Jó, sem pão e sem carinho,

- Orfeu o e insano, a carpir e a cantar!


·

E, irremível precito, uma voz que me aterra,


Tenebrosa e augural, meu futuro prediz:
- "Para sempre serás um réprobo na terra,
Eterno forasteiro em teu próprio país!"

E é esta voz, que em meu peito o desespero lança,


Como o dístico cruel que encima os penetrais
Do Orca, onda Dante viu toda a humana esperança
Perdida, a soluçar o eterno N UNCA MAIS!

Rei Tântalo, que, em vão, ao céu exora e pede,


- Condenado a sofrer uma iníqua expiação,
II
Tendo a linfa a meus pés ardo abrasado em sede,
E morro a fome tendo o fruto à minha mão!

I
Que convulso pincel de um Goya alucinado,
Este suplício atroz, mais fero que o da cruz,
Criara, ao que sucumbe às trevas sepultado.,
Ansiando a liberdade e o ascenso para a Luz?

Tudo exulta lá fora e canta ao sol da vida,


Que aos felizes sorri, como um rio de mel,
Enquanto, presa à dor, esta alma desvalida
Esgota, até ao fim, seu cálice de fel .

E ninguém saberá deste · tormento insano!


E ninguém ouvirá ao insonte Prometeu!
Ninguém! pois que é de rocha o coração humano,
E meu grito jamais há de ch.egar ao céu!

ORFE U

Nem a morte apagou (descreve a teogonia


Fabulosa) este amor, mais do que tudo, forte .

324

E, entre as sombras, seguindo à sombra fugidia,


Louco, penetra Orfeu nos arcanos da morte!

Mas, sem que uma esperança a sua alma conforte,


A terra onde aprendeu a harpa a vibrar, um dia,
Volve o triste, evocando a inditosa consorte '

Na harpa, que só gemer e suspirar sabia .

Não mais encanta Orfeu, presa de dor secreta,


Às Trácias, que, em despeito, atiram na corrente,
Decepada e a sangrar, a cabeça do poeta!

- "Debalde que, ainda assim, Eurídice celebro! . . . "


E, ainda hoje, à luz do luar, desoladoramente,
Anda essa voz dorida a soluçar pelo Hebro .

BAFFLESIA ARNOLD!

Nobre, P,lorindo ao sol, inodora e gigante,


Cinco pétalas só, imperiosa, alardeia . . .
Numa traga nasceu, remota, do Levante,
Onde, rainha-flor, solitária pompeia!

A corola de creme e violeta é uma idéia,


Explodindo, a irradiar, do caule exuberante .
Ama a luz, e se fecha à sombra, que receia,
Mas não teme o aquilão, raivoso e rouquejante .

Goza, se em seu hastil vêm pousar borboletas . . .


E, serena, a sonhar, num píncaro insulada,
Ouve às vagas, em baixo, o embate das maretas .

E, impassível, em si, ioda a nobreza encerra,


Soberana, vivendo em seu trono isolada,
No orgulho de ser só, reinando sobre a terra .

325

---=-- -
- --
AS ONDAS

Rolando as algas e embendo as fragas,


Passam as ondas, céleres e frias,
- Formas nervosas de Nereidas vagas,
Esculturas de espumas fugidias .

Ora em coréias, como estranhas magas,


Recamadas de argênteas pedrarias,
Entoando ritos e cuspindo pragas,
Chegam para o sabá das ardentias .

E, cheias de ânsias cheias de desejos,


Ora, como serpentes enlaçadas,
Gemem suspiros e soluçam . beijos . . . .

E, loucas, retorcendo-se na areia,


Como outras tantas Heros desgrenhadas,
Morrem, na praia, que o luar prateia .

NOT URNO

Noite . A jronde estremece . O luar gelado


Desmaia nas corolas amorosas:
Escuto, ao longe, um piano enamorado . . .
Geme Chopin nas sombras misteriosas .

Espall7�a a brisa em torno um delicado


Vago perfume de jasmins e rosas,
E como que anda no ar, sutilizado,
·Todo um cortejo de visões radiosas .

. Passa um triste sussurro de lamentos,


Um salmo, um De Profundis, um saltério,
Na harpa chorosa de Israel dos ventos .

326

E, como monjas brancas, que soluçam,


Pelas ogivas do convento etéreo
'

As magoadas estrelas se debruçam . . .

AS CIMB úLIAS -

Irrequietas, à flor das ondas' em cardumes '

Ora róseas, abrindo as asas' ora azúleas '

Vogam na espuma argêntea, em seus radiosos lumes,


Como efêmeros sóis, errantes, as Cimbúlias .

Centenares, ao léu das vagas, em cerúleas


Conchas, de burgalhões e remotos negrumes
Surgem, bailando ao som de misteriosas dúlias '

Haurindo à equórea planta os estranhos perfumes .


Loucas, no amplo lençol das águas espumantes.


Brincam: e é todo o mar refúlgida Golconda
De topázios, rubis, safiras e diamantes . . .

E vorúveis, ruflando as asas sobre as vagas, •

Em jarândola ideal, elas vão de onda em onda:


- Borboletas do oceano, adormecer nas fraga s .

( Carlos Gondim. Poemas do Cárcere. Fortaleza , Tip.


Central, 1923, pp. 47-9 ; 67-8; 93- 4 ; 83 -4; 101-2 ; Ansia
Revel. Fortaleza, T ip . Central, 1929, pp. 41-2.)
.

Os poemas acima atestam, além da vocação artística de


Carlos Gondim, a erudição que adquiriu e que espalhava em
seus versos : "0 Canto do Pária", mais do que outro qualquer,
é exemplo disso, com alusões a Orestes (perseguido pelas Fú­
rias, por ter assassinado a mãe, para vingar o próprio pai, se­
gundo a Mitologia) ; o Rei Lear e Hanleto, ou melhor, Hamlet,
personagens da tragédia shakespeariana ; os rios mitológicos
Letes ( rio do esquecimento) e Cocito (rio dos gemidos, forma­
do das lágrimas dos condenados ao Inferno) ; Jó, o famoso pa-

327
triarca j udeu submetido às mais duras provações ; Orfeu . o in­
ditoso poeta que será assunto de um soneto adiante ; o Infer­
no de Dante, da Divina Comédia; Tântalo, condenado a fome
e sede eternas; afinal , Prometeu, o titã condenado por Júpiter
a ter o fígado devorado por um abutre, durante 30 . 000 anos .
Apesar do aparato cultural , o poema é profundamente sen­
tido, e revela a angústia do poeta ante seu infortúnio (já en­
tão devia estar no cárcere) . O soneto que se segue é de re­
c.orte puramente parnasiano, como aliás a maioria dos aqui
transcritos : Orfeu, segundo a Mitologia, não conseguindo ti­
rar sua Eurídice do Inferno, passou o resto dos dias a lamen­
tar a grande perda, o que terminou por enfurecer as rivais de
sua bela amad·a , as quais o mataram e lançaram no rio He­
bro ; Orfeu encantava as próprias feras com sua lira . ''Baffle­
sia Arnoldi" revela um vezo muito em voga na corrente : a
descrição versificada de uma flor ou de um fruto (Emílio de.
Menezes celebrou "A Romã" em alexandrinos) . Em decassíla­
bos, nem por :fsso é menos parnasiano o soneto "As Ondas",
onde se notam discretas aliterações . Imbuído de espírito clás­
sico, vê o poeta nas ondas as filhas de Nereu, que vêm para
um sabá (assembléia demoníaca) ; veja-se , n o verso 4. o , a alu­

.são à arte escultural ; no final, alude O· poeta à lenda de Hero


e Leandri : vivendo um na Asia e outro na Europa, Leandro
atravessava a nado o Helesponto, a fim de ver sua amada,
Hera ; numa tempestade, Leandro apareceu morto na praia,
e Hero, desesperada, lançou-se ao mar . "Noturno" que, em
1917, foi publicado no jornal Folha do Povo, com os quartetos
inteiramente diferentes, surge nos Poemas do Cárcere, de 1923 ,.
na lição acima reproduzida, na qual há menos acentos par­
nasianos do que simbolistas (além da atmosfera de mistério ,
temos todo um cortejo de visões despertado pela música, nos
quartetos e, nos tercetos, as referências litúrgicas através dos
vocábulos salmo, De Projundis, saltério, harpa de Israel, mon­
jas, ogivas de convento) . "As Cimbúlias", soneto igualn1en­
te estampado na imprensa em 1917 e reprod11Zido com peque­
nas alterações em Ansia Revel, retoma o puro descritivismo
parnasiano, sendo digno de nota o verso final do 1 .0 terceto.

328
onde a e�u1neração de pedras preciosas lembra o já tão citado
poema herediano "Le Récif de Corail" e, por extensão, o ver­
so de Cruz Filh� no soneto "O Sapo" . Carlos Gondim, que
figura entre os Poetas Esquecidos de Mário Linhares (Rio,
1938) , merece ser conhecido e estudado pelas novas gerações,
pela alta qualidade de sua poesia, da qual demos apenas 11ma
idéia . •

BENI CARVAI.HO

Benedito Augusto Carvalho dos Santos Nasceu no Ara-


cati, em 3 de janeiro de 1886, e faleceu no Rio de Janeiro, em
22 de janeiro de 1959 . Bacharel em direito pela Faculdade de
Direito <l:o Recife, distinguiu-se como criminalista, chegando
a catedrático da Faculdade de Direito do Ceará . Também foi
professor dos Colégios Militares do Ceará e do Rio . Exerceu
mandato de deputado federal e de vice-presidente do Estado;
foi Interventor federal no C�ará,. em 1945-6 . Era membro da
Academia Cearense de Letras . Publicou inúmeras obras jurí­
dicas, sendo ainda de sua autoria a tese Morfologia e Sintaxe
do Substantivo Port�gu�s ( 1920) , De Florete e Luvas ( 1935) ,
crônicas, e Chama Extinta ( 1947) , em que reuniu seus poemas.

MAGDA

(Um quadro de Tiziano)

Colo desnudo em flor, lábio entreaberto em prece,


. .

Olhos, no alto, exorando o perdão de seu crime,


I Magdalena, a ofegar, toda em febre aparece . . .
E o alma encanto da Vida e do Pecado exprime .

m o r, v ora �, op rim e;
Perscruta o �o ra ção , que o A

Sente-lhe a luta, e a. dor. q?J,e , � ntr o tf (J],ma, c;res ce . . .

ls çá() que
E, a cada p1.1la lh e o p e it o
.
c om p rim e,
tos ,

s sensuais , em pr a n a m o r te ce .
I

'
. ' ,. os ãelfro
329•


Em fogo o olhar, tremendo a voz, a mente em brasas,
Desnastrado o cabelo em ondas de veludos,
Demanda o Azul, assim, nessas formosas asas . . .


Enqu,anto, aos céus, contrita, a suplicar, exangue,

Mostra os duros punhais dos seios pontiagudos,


Ainda quentes de amor, ainda rubros de sangue !

O FLAMBOYANT

Forte, esgalhado, heril, o flamboyant, de flores


Rubras, na antiga fronde, ostentava a vitória
Da púrpura triunfal, na opulência da glória
Do sol, no alto do Azul, todo em chama e fulgores .

Lutou . Venceu heróico! A conquista, na história


Vegetal, alcançou no meio de esplendores:
- Ora, altivo, pompeando à luz as rubras cores;
- Ora, verde, a cantar a Esperança ilusória!

I
Hoje, porém, descansa o flamboyant por terra,
Sangrenta a floração, circundando-o, morrendo,
À agonia mortal, que o seu martírio encerra:

- Egrégio lutador que, na refrega, exangue,


Fulminado, semelha, a cair, combatendo,
Um cadáver de herói, salpintado de sangue !

DESCENDO O JAGUARIBE

Canta, no galho agreste, o passaredo . . . Canta . . .

Em flor o cajueiral farfalha; o vento açoita . . .

E vai, de fronde em /ronde, e vai, de moita em moita ,


Aurea, a ,luz da manhã que, a sombra, abate e
[espanta .

330

I

Alto, c6ncavo, azul, escampo, o céu! Levanta


O vôo uma ave, além, que o bamburral acoita:
Não mais a verde mata a treva espessa enoita,
E tudo brilha, e esplende, e exulta, e harpeja, e

[encanta!

Claro, ao sol refulgindo, o Jaguaribe, lento,


Coleia, estuante, a arfar, os mangues alagando,
E, à praia, o coqueiral move e fustiga o vento . . .

Ao longe passa a voar, de marrecas um bando . . .


O rio, ansiando mais, lança-se ao Mar violento:
E o hino triunfal da Luz, ei-lo que vai cantado! . . .

II

Outubro! . . o· sol se esvai no ocaso poento,


.

À Tarde entoando os salmos da agonia . . .


E pela encosta, e pelo Azul nevoento,
Passa, esmorzando, ao longe, a ventania . . .

Por toda a Natureza um vão lamento


Ouve-se à ,luz crepuscular, sombria:
E o mangue, a ramalhar, a litania
Da Saudade traduz na voz do vento . . .

Guaiam maretas brancas, uma a uma,


Como se um pranto, em fios, lhe brotasse
D' entre os flocos alvissimos da espuma . . .

Exsurge o luar no firmamento em fora:


- Quanta tristeza, deste rio, nasce! . . .
- Quanta saudade, nessas praias, chora! . . .

(Sa les Campos. Op. cit., pp. 67 ; 65 ; 59; 66.)

Baseando-se no famoso quadro de Tiziano Veccellio ( 1 488


_ 1576) , como era costume, o poeta faz a descrição física de

331
'

Madalena, procurando penetrar em seu pensamento ; a exem­


plo de outros autores aqUi apresentados, Beni Carvalho guarda
traços do Simbolismo, v. g. as maiúsculas personificadoras
(Vida, Pecado, Amor, Azul) ; talvez para quebrar o andamen-
to algo monótono dos alexandrinos regulares, surge um trí­
metro no primeiro terceto (Em fogo o olhar, tremendo a voz,

a mente em brasas) , logicamente indivisível em dois hemis­
tíquios hexassílabos . O segundo poeina focaliza uma das ár­
vores mais conhecidas entre nós : o flamboyant, cujo nome
estrangeiro, estando já hoje em nosso léxico, não necessita

mais de ser grafado em tipo diferente ; cremos que nenhuma
outra planta foi tantas vezes cantada em versos parnasianos
de poetas maiores e menores : aqui, a árvore assume a figura
de um lutador, cujo sangue são as flores vertnelhas que lhe
revestem a fronde. Mas a nota mais forte d'e telurismo vamos \
encontrã-la nos sonetos "Descendo o Jaguaribe", posterior­
mente acrescidos de mais um, para inclusão no livro Chama
Extinta (1937) : os dois sonetos aqui transcritos são dos me­
lhores que o poeta compôs; neles nota-se o descritivismo que
. .

tudo observa e registra realisticamente, mas, à maneira de


Bilac e de outros chamados parnasianos brasileiros, vibra a
emoção em cada verso, tratando, assim, de uma descrição rea-
lista, mas não impassível, como chegam a ser alguns poemas
de Alf . Castro . O polissíndeto, no verso s.o, trai a influên­
cia bilaquiana . No soneto II, composto em decassílados, há
leves acentos românticos e simbolistas (quanto aos últimos,
vejam-se os salmos de agonia) ; no verso 4.o, para dizer que
a ventania se vai enfraquecendo ao longe, usa o poeta um
neologismo, oriundo do italiano, onde smorzando é termo mu­
sical, como crescendo, seu oposto .

ANTONIO FURTADO

ANTONIO FURTADO Bezerra de Menezes Nasceu em


Quixeramobim, no dia 14 de j unho de 1893, vindo a falecer
em Fortaleza, em 20 de agosto de 1939 . Bacharel em Direito
pela Faculdade de Direito do Ceará, foi professor de Direito

332
'. . •

.
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-- -

Judiciário Civil na mestna Faculdade . Exerceu · ainda os car­


gos de juiz e de promotor de justiça em diversas localidades .
Além de obras jurídicas, publicou História Azul ( 1921) , poe­
meto ; Idéia Fixa (1931) , contos, e Antônio Be·zerra e a Aboli­
ção ( 1937) , entre outros . Foi membro da Academia Cearense
de Letras . Deixou inédito o livro Poemas da Tarde do Meu Dia.

A CABE,ÇA DE SAO JOAO

No silêncio aromal dos gregos a.posentos,


Contempla Salomé, sobre um éreo escudo,
A cabeça do Asceta, entre laivos sangrentos,
Envolvida, por Ela, em onda.� de veludo .
.
I

Jaz fria aquela boca onde, em estos violentos,


A procela rugia. O olhar jaz frio e mudo,
Seu olhar onde ardia a torva ira dos ventos
E a cujo brilho astral se iluminava tudo!

Contempla-a, mudamente . E, mudamente, lembra


Seu desprezado amor . O lascivo ressábio
Dum beijo que lhe dera, a súbitas, relembra .

E, bêbeda de gozo, em anseios de louca,


Ampara o lábio ardente àquele frio lábio,
E une a boca sensual àquela fria boca .

MARMORE PAGAO

Às mãos o escopro, Artista . A pedra rasga . Corta


Nobre estátua pagã, no mármore sagrado .
Trabalha! Mais! E o rosto em flor e o aprimorado
Colo lhe esboça e talha, e os contornos recorta .

E, isso feito, depois, infunde-lhe na morta,


Fria pedra, o calor do sangue . O nacarado
Esplendor do seu corpo arome e, cel8o, alado,
Lembre um Sonho Pagão que à Hélade reporta" .
.

333

I
��um golpe mais, Artista! Outro mais! Um ainda!"
E ei-la, Deusa e Mulher, em mármore mostrando
I

A rara perfeição da imagem viva e linda .

Por fi·m! . . . E ao vê-la, branca, esplêndida, na sala,


Estremece julgando (oh deliro! ) , julgando
Escutar-lhe, na boca, os rouxinóis da fala .

LOIROS . . .

Loiros, da cor do sol, da cor flava do milho,


Creio do oiro do sol são jeitos teus cabelos .
Mas relembram, também, um ermo fjord de gelos,
Sobre o qual jorra o luar em fulvescente brilho . '

Erra um sutil aroma, um perfume a tomilho,


Alado, leve, ondeando . . . E os teus cachos . . . ao
[vê-los,.
A boca se me crispa, em ânsia de mordê-los,
Beijando, de um a um, cada aloirado atilho .

Têm um tom paunasial de arrebol e crepúsculo,


E, perdido de amor, ébrio de amor, eu sinto
A balo em cada nervo e febre em cada músculo .

E, com toda a Alma presa à tua Imagem Zangue,


Eu quero comungar, conforme um Rito Extinto,
·

A hóstia do teu Corpo e o vinho do teu Sangue .

A COLMEIA

'

Sob a umbela e o frescor de ermo bosque olvidado�


Num recanto de selva, entre lírios e glastos,
Havia um tronco ancião, desnudo, abandonado
Gigante, erguendo no ar os fortes membros vastos ..

334

Nele negro espinheiro, anoso, esburacado,


GaZil, veio poisar, entre os vermes nefastos,
Um enxame de abelha . E, no cerne esvurmado,
Um cortiço se ergueu sobre os tecidos gastos .

Um rude lenhador, que ali passou, um dia,


O tronco derribou, vi·brando a acha que fulge,


E o claro mel colheu, dentre a cera sombria .

E, em troca, a áurea colmeia, em bando inquieto e


[loiro,
Cercando .o lenhador, brilha,. zumbe, refulge,
E envolve-lhe a cabeça em uma auréola de oiro .

(S ales C amp os. Op. cit., pp. 67 ; 65 ; 59 ; 66. )

Apesar do uso constante das maiúsculas personificado­


ras, tão do gosto simbolista, e da emoção que transborda de
·seus versos, quase sempre eloqüentes, é o Parnasianismo o

,J
traço dominante da poesia de Antônio Furtado, onde sobres­
sai o lavor escultural trabalhado com o vocabulário clássico,
muitas vezes bizarro . Com efeito, a presença da escola j á se
estadeia nos dois primeiros sonetos transcritos : ''A Cabeça de
São João", cujo tema, entre histórico e mitológico, foi várias
vezes explorado, e "Mármore Pagão", em que se j untam arte es.­
cultórica, paganismo, e alusões à Grécia antiga, lembrando o
mito de Pigmalião . "Loiros . . . ", que Dolor Barreira reproduz
noutra versão, anterior (Op . cit, 3.0 vol. , p . 3 16) , tinha assim
o verso 3. o : Quem m' os dera a beber! Quem me dera sorvê-los.
Na edição transcrita aqui fjord, vocábulo nórdico, deve ser lido
como se tivesse uma sílaba apenas, razão por que não o gra­
famos segundo o vocabulário oficial, ou seja, fiorde . O soneto
ostenta matizes decadentistas, notadamente nos versos fi­
nais . "A Colmeia" figura nos Sonetos Cearenses, de Hugo Ví­
tor ( 1938) , sob o título de "Poema das Abelhas", com a data
de 1912, tendo assim a primeira estrofe (assinalamos os vo-

c á b u lo s q u e so fr er a m a lt er a çã o ) :

, 335
Sob. a umbela e· o frescor de amplo bosque, olvidado
Num recanto de fraga, entre . lfquens e glastos, Mor­
. •
ria um tronco ancião desnudo , abandonado Briareu,.
� no ar os tortos membros vastos .· •

O verso 7.o dizia : De abelhas um enxame . . . E, no cerne


esvurmado . Nem. falta a esse poema a alusão à Mitologia :

Briareu, do . verso 4.0 na variante reproduzida em Hugo Vitor,


é às vezes citado como um gigante de 100 braços . Assim, o
Gigante, da outra versão, deve referir-se a um dos monstros
que se revoltaram contra Júpiter . No ano de sua morte, An­
tônio Furtado. escreveu alguns poemas polimétricos, que pr&

nunciavam uma . possiyel adesão ao verso livre .

IRINEU FILHO

Francisco IRINEU de Araújo FILHO Nasceu em For-


taleza,. em �8 de novembro de 1887,. vindo a falecer, na mes­
ma cidade, no dia 31 de julho de 1970. Bacharel pela Faculda­
de de Direito do Ceará, abraçou o funcionalismo público, ocu­
1
pando os mais altos cargos na Fazenda Federal. Começou a '

. 903) , sob o pseudônimo de Car­


versejar no início do século ( 1
los ·weimar . Apesar de poeta lírico, não enfeixou em livro
senão suas produções satíricas : Maricas & Maricões (1912 -

2.a ed . , 1915) , sob o criptônimo


Gilberto Flores, e a Camelía­
da (1916) , poemeto que traz assinatura de Thé, Milô de Me­
deiro . Compôs versos htlmorísticos com outros pseudônimos,.
entre os quais Dr . Rábula . Colaborou ativamente na impren­
sa, sobretuqo .nos periódicos A Tesoura, O Camartelo e outros,
de feição satírica . ·

CARAVANA

••

No alto do céu o sol fuzila . . .



• Embaixo se abre amplo deserto:


• Desolação funda e tranqüila·
Ao longe paira, paira perto

. •. • · •
.

336 � .

Embaixo se abre amplo deserto . . .


E nem, sequer, um rufdo lento
Ao longe paira, paira perto,
Nem mesmo sopra um débil vento .

E nem, sequer, um ruído lento


Quebra, por fim, tal solidão,
Nem mesmo sopra um débil vento,
Fazendo erguer o pó do chão . . •

'

Quebra, por fim, tal solidão


Grande tropel que, em marcha insana,
Fazendo .erguer o pó do chão,
Vem caminhando é a caravana!

Grande tropel que, em marcha insana,


Pela planície zombadora
Vem caminhando é a Caravana
Morta de sede abrasadora! . . .

Pela planície zombadora


Ei- la que passa e segue adiante,
Morta de sede abrasadora,
Penosamente, vacilante . . .

Ei-la que passa e segue adiante . . •

E, sombra, agora, além se esjaz,


Penosamente, vacilante . . .
Tristeza cruel volve tenaz .

E, sombra, agora, além se esfaz . . .


Torna o deserto a ficQr mudo;
Tristeza cruel volve tenaz,
Cai, outra vez, por sobre tudo.

' Torna o . deserto a ficar mudo . . .


Desolação funda e tranqüila

337
)
- No alto do céu o sol fuzila! . . .
'

I
Desolação funda e tranqüila .

O SAARA

Na africana região ocídua se escancara,


Sinistramente grande, o Deserto do Saara :
- Vasto o oceano de areia, intérmina planície
Estéril e combusta, em cuja superfície
Há pobres vegetais e recantos de alfombra
Que não dão, a fartar, nem frescura, nem sombra.
Tudo o mais é desnudo e sáfaro e candente!
Bate-lhe em cheio o sol desapiedadamente.
O seu solo desprende um fulgor de centelha;
Sua ardente atmosfera é asfixiante e vermelha . . .
Quando, ao findar da tarde, o crepúsculo desce,
O Deserto parece estorcer-se . . . parece
Que, do seio arrancando um abafado grito,
E, implorando piedade, interroga o Infinito:

- "Ai! por que é que assim sou? Ai! por que, Natu- •

[reza,

Ai! por que me não dás, como a todas as terras,


A sensação ideal de travar essas guerras
Renhidas e febris contra o Rude que explora
(Desde o chegar do dia até o dia ir-se embora)
Os sítios em que a Terra é ubérrima e fecunda,
Onde o SoJ; melhor do que o Sol que me imunda:
- Sol que aquece, mas não como o Sol que nle
[abrasa? ! . . .
Olha como isso é triste e limpo . . . Nem uma asa
De um pássaro veloz estende sobre mim
Sua sombra gentil . . . Que solidão sem fim! . . .
O Simum infernal pelos ares galopa
A bufar e rugir, quais mi·l feras em tropa! . . .
Nem o canto de uma ave escuto em meu degredo,
Nem, de linfas a voz, nem a voz de arvoredo!

338 I
I
Nem a copa, sequer, de uma árvore frondosa
Rumoreja em toda esta amplidão arenosa! . . .
Nunca poder gozar o minaz desvario
Tonitruante e brutal de um caudaloso rio
A percorrer-me todo, arrastando à passagem
O que encontra em caminho a lhe estorvar a viagem!
Nunca experimentar esse gozo superno
Que aos outros campos dão as carícias do Inverno!
Não conter dentro em mim muita seiva e raiz/
(Como sou infeliz! Como sou infeliz! . . . )
E não ter muito fruto e não ter muita flor!
(Mulher, que não sois mãe, compreendo a vossa dor!)
E jamais vi a Flora, a Primavera, e a Ceres,
Não conheço essas três tão faladas mulheres! . . ..

Os oásis que possuo, aqui, são tão mesquinhos,


Que nem suavizam, quase, o agror destes caminhos!
E, além disso, eles são tão raros e distantes
Que alcançá-los é um sonlto aos míseros viandantes! . . .
I De muito em muito tempo, a ousada caravana
De a!guns beduínos passa em sua marcha insana!

Ai! quantos enganado eu tenho com essa imagem


A que o poeta chamou fugitiva miragem!
Quantos, quantos não vejo extenuados caírem
E minados de sede aos poucos se extinguirem!
E desgraçado assisto a essas cenas horríveis
Com a impassível mudez das coisas impassíveis! . . .

O próprio luar, também, me é pressago e funéreo,


Dá-me a desolação de infindo cemitério!
Contudo, é menos mau, de noite, o meu suplício;
Porém de dia o Sol prossegue em seu ofício
Rude, perverso, atroz, de morder-me, morder-me! . . .

- E não posso fugir-lhe! e não posso esconder-m e!


Quanto mais me escapar ao seu olhar desejo,
Mais terrível, no céu, fatídico o entrevejo

339


Como aéreo vulcão que, explodindo na Esfera,
Voltasse para mim a incendida cratera! . . .
E, por mais que declame e brade enfurecido,
Nem um som repercute o som do meu gemido!
E eu ardo ao Sol e clamo ao Céu, pedindo orvalho ! . . .

Mas, debalde chorar! mas, perdido trabalho! . . .


'


- Eu terra amaldiçoada! eu verdadeiro in -

[ferno! -
Hei de, eterno, existir sob esse fogo eterno?!
Hei de a muitos matar?! e nunca hei de mo"er?!
Hei de sempre me arder?! Hei de sempre me arckr?! "

- ó velho Saara nu, o teu clamor acalma,


Que outro deserto, assim, alguém traz dentro d'al1na . . .
..

I
O MANEZINHO

Raquítico, bisonho, enfermiço e amarelo


Débil corpo atrofiado ao divino cilicio .
Amarfanhado rosto .imitando um chinelo
.
t

Imprestável, caído em já findo exercício . . .

Alma simples, cristã; coração largo e belo ;


Vida pura de santo afeito ao sacrifício
Dos sagrados jejuns . . . Filósofo singelo;
I
Porteiro é a sua missão; pensar o seu ofício ! . . .

Literato de escol, pensador incansável :


Biografou sua mãe, editou "Pensamentos" . . .
E honra a terra natal com as produções mais ricas . . .

- É um devoto da Idéia, um gênio inquebrantável


O melhor escritor dos hodiernos momentos
E o maior Maricão de todos os Maricas! . . .

340

I

I . F.

É das melhores raças dos nanicas


Este bacharelando pequenino,
Autor de versos próprios de meninos
I
E melosas estrofes impudicas . . .

Dão-lhe a odi·osa autoria do "Maricas"


Que causou tanto alarme e desatino'


Lançando humor sarcástico, ferino,
Contra as gentes mais nobres e mais ricas.

Da vida apenas. aprecia o cômico . . .


;
Não leva nada a sério neste mundo '

Nem nada lhe parece encantador . . .

No estudo sempre foi muito econômico . . .


Mas, para não ficar um vagabundo,
Sem ter o que fazer, se fez doutor!

( S ales Campos. Op. cit., pp. 136-7; 131-4 ; Gilberto Flo­


res. Maricas & Caricões. Lisboa, Tip . Lisboa, 2 .a ed. (Pá­
ginas não numeradas ) , 1915; Antologia Cearense, Forta­
leza , 1957, p. 141 .)

Dentre os muitos poemas de for111a fixa que o nosso clla­


mado Parnasianismo explorou, destaca-se o pantum, originá­
rio da Malásia e vindo até nós através da poesia francesa :
compõe-se de estrofe·s de quatro versos, sendo que o 20 e o
4. o de uma estância vão repetir-se, como 1.0 e 3.0 respectiva­
mente da seguinte ; tertnina o poema com o mesmo verso com
que se iniciou. Alberto de Oliveira, Goulart de Andrade e ou­
tros fizeram pantuns; o mais conhecido, entretanto, é o de
Bilac, iniciado e conclufdo com o verso quando passaste ao
declinar do dia. Irineu Filho preferiu trabalhar com versos
octossílabos, e compôs um pantum ainda mais pamasiano do
que o de Bilac, pela impessoalidade e pelo exotismo, pois fo-

f 341
caliza uma cena que se passa no deserto africano ; temos nar­
ração, mas não se pode dizer haja aqui enredo : apenas,
sob o sol causticante, ·vem uma caravana, aproxima-se, e
passa, voltando a paisagem à mesma calma de antes, enquanto
continua a brilhar o sol do deserto. A planície africana está
aliás presente noutras composições do poeta, como "O Saara",
de emoção algo romântica, mas de forma parnasiana, mal ­
grado a eloqüência junqueiriana e as maiúsculas alegoriza ­
doras (Deserto, Infinito, Sol, Simum, etc.) , oriundas talvez
da poesia simbolista; vazado em sonoros alexandrinos clás­
sicos, inicia-se com uma descrição realista para, logo em se­
• guida, como o Continente Negro nas "Vozes d'Africa", de
Castro Alves, falar o próprio Deserto, através da prosopopéia
(razão das maiúsculas mencionadas) ; no dístico final, entra
em cena o próprio poeta, a fim de consolar o Saara, com a de­
solação de sua própria alma. Os dois sonetos que se seguem
são uma pequena amostra da faceta mais interessante da arte
de Irineu Filho, sua veia satírica : o primeiro, constante do
livro MariGas & Maricões, publicado com o criptônimo de Gil­
berto Flores, retrata figura bastante conhecida na Fortaleza
de seu tempo, M . C . Rocha, alcunhado "Manezinho do Bispo" ,
por ser porteiro do Palácio do Arcebispado; não é de admirar
a maneira cruel com que o poeta o zurziu, uma vez que, no
n1esmo livro, satirizou impiedosamente figuras do maior mé­
rito, como Rod.olfo Teófilo, o Barão de Studart, Alf. Castro
e outros. No soneto "1 . F", que não é desse livro, para des­
pistar, assinando-se Dr. Rábula, retrata-se a si próprio, como
já se retratara nos Maricas & Maricões, como "O Pigmeu".

OTACfLIO DE AZEVEDO

OTACfLIO Ferreira DE AZEVEDO Nasceu em Reden-·


ção, no dia 11 de fevereiro de 1896 . Não tendo cursado es­
colas, chegou a obter relativa cultura literária, que foi am­
pliando cada vez mais. Lutando contra a pobreza, trabalhou
· desde criança, tendo sido funileiro, porteiro e operador de
cinema, letreirista, fotógrafo (trabalhou na Fotografia Olsen,

342


com Raimundo Varão e Herman Lima)


e desenhista. Desta­
co u-se mais tarde como pintor (retratist
a paisagist a) , ha­
ve nd o quadros seus espalhados por todo o Pais e no exterior.
Como poeta, estreou cedo, antes mesmo de alguns mestres
de se u tempo. Publicou : Dentro do Passado ( 19 16 ) , Alma An­
I siosa ( 19 18 2. a ed . 19 55 ) ,
Musa Risonha ( 19 20 com
outras edições) , Sugestão do Luar ( 192 1 ) , Réstia de Sol ( 1942
- 2 .a ed . 1967) , Redenção ( 1944) , Desolação ( 1 947 ) , últimos
Poemas ( 1958) , A Origem da Lua ( 1960) , e Adágios, Meizi­
nhas e Superstições ( 1 966 ) , Dentro do P.assado, edição fac-si­
milada ( 1976 ) . Membro da Academia Cearense de Letras.

BEIJO NA TREVA

Noite. Plange, convulsa, a harpa do vento. A terra


dorme. O espaço 1lá fora é tempestuoso e escuro.
Nem sequer uma estrela as pálpebras descerra,
se as pálpebras descerro e uma estrela procuro . . .
,
É nesta hora de amor que de joelhos murmuro
'
doce nome de alguém que entre saudades erra . . .
Surge, irradiando ao sol de seu sorriso puro,
todo o seu vulto idea.l que a minha vida encerra!

Abro-lhe os braços! . . . Vem . . . E o seu cabelo loiro


deixa ver através de uma neblina de oiro
todo o seu corpo em flor que de almo 'luar se neva . . .

Mas se tento oscular-lhe o alvo colo macio,


súbito, foge . . . E eu sinto, abandonado e frio,
o meu beijo rolar na solidão da treva . . .

O SAPO

Seja ao claro romper do sol radioso, seja


noite' e de luz não fulja o mínimo farrapo,
como um sábio que pensa ou filosofa, arqueja
em surdina, em seu sonho, o solitário sapo . . .

343

Na água que oscila e treme e ora se enruga e alveja


e em caricias sensuais morde-lhe o úmido papo,
se acaso lhe ap(Jrece imprevista peleja
ei-lo, após um mergulho, à superffcie escapo.

E sonha, e sofre, e sente e, silencioso, cisma . . .


E como que avaliando o amplo azul da distância
preso à vida através de um misterioso prisma

cintila, à beira -da água, a fronte hedionda e chata


ao convulso clarão da excelsa rutildncia
do ermo reflexo ideal de seus olhos de prata!

CARRO DE BOIS . .

Rodam, tardas, gemendo, as rodas arrastando


os pesados pranchões de pau-d'arco. Angustiado,
ora alti·vo e rôufenho, ora moroso e brando,
todo o carro de bois é um soluço abafado . . .
.

À hora viúva e glacial do crepúsculo, quando


o sol desce, o seu canto é tão doce e magoado,
que ora nos prende à terra, ora nos vai levando
na asa de oiro de um sonho a um longínquo passado . . ..

Choram, lentos, à frente, os bois mortos de sono . . .


Há uma vaga tristeza, uma ansiedade em tudo:
A paisagem dir-se-ia um por-de-sol, no outono . . .

Oh! Natureza-Mãe! sei quanto sofres, pois


vejo, ansioso, rolar todo o teu pranto mundo
pelos bons olhos melancólicos dos bois . . .

RESSURREIÇAO

Tudo ressurgirá da vil matéria inerte


sob o impulso imortal do ilimitado amor!

344 '

Tudo o que em lama, em cinza, em poeira se converte


será perfume ou flor!

Vezes di z-me o pensar que, alegremente, um dia,


na apoteose triunfal de uma ressurreição
serei árvore em flor, sob a doce harmonia
das aves, na amplidão!

Poisarão sobre mim, ao flava sol radioso,


como estrelas nos céus, borboletas azuis . . .
Pulsarão de prazer na volúpia do gozo
os meus nervos de luz!

E eu, que, se o mal não fiz, vejo que ora me assombra


não ter a sensação de haver já feito o bem,
como serei feliz se à minha humilde sombra
adormecer alguém . . .

Que perfume errará pelas flores vermelhas!


Que conjunto harmonioso, adorável painel!
Sentir, tontas de aroma, as sequiosas abelhas
à procura de mel . . .

Ouvirei docemente o trêmulo gorjeio


da alma de oiro a cantar na voz do rouxinol,
quando saúda cantando, em doloroso anseio,
a agonia do sol . . .

Que volúpia a de ouvir amorosos amantes,


por essas noites melancólicas de luar,
coisas que só quem ama em propícios instantes
é capaz de escutar . . .

Serei árvore em flor, num panorama enorme,


embalado ao queixume ingênuo e musical
do serpentear sonoro e limpido e uniforme
de um riacho de cristal . . .


345

E desse úm ido espe lh o as ág uas tr an sp ar en te s,


r se z,
� .

t,m,ag,na
.

ea l qu e
.

de um a pure m id nao

serão, minha querida, as lágrimas silentes


que por ti derramei . . .

E mais feliz serei, oh! criatura adorada,


mais fremirá de amor meu peito ansioso e nu,
quando outra árvore eu vir à minha frente alçada
e, ao certo, fores tu!

O CATA-VENTO .

Alto, de frente ao revoltoso oceano


· e exposto à eterna rigidez do vento,
levanta-se ao prestígio soberano
dos músculos de ferro, o cata-vento .

Pulsa- lhe a vida a cada movimento


e parece oxidar-lhe o desengano,
quando se lhe transforma num lamento •

..

todo o seu vão clamor, vezes huma.no.

Pregado ao solo, numa infinda mágoa,


de mil sonhos, talvez, sobre os escombros,
chora, enchendo de pranto a caixa-d'água . .. .

É que ele, preso à angústia de existir,


sente a revolta de suster, aos ombros,
asas de . ferro, e não poder subir!

(Sales Campos. Op. cit., p . 207 ; Otacílio de Azevedo. Alma


Ansiosa. Fortaleza, Atelier Royal, 1918, p . 70 ; Réstia de
Sol. Fortaleza, Tlp. Iracema, 1942, p . 42 ; Sales Campos,
cit., pp. 209-11 ; Réstia de Sol, p . 28.. )

Como outros poetas da corrente, Otacílio de Azevedo cos­


tuma, ainda hoje, submeter suas produções a constantes mu­
danças. Fiéis porém ao principio que vimos seguindo , trans-
'

346

crevemos os versos tais como surgiram na época do domínio


da estética ora estudada : claro que, entre uma lição de 19 18
e outra de 1922, do mesmo poema, optamos pela últim por
a,
ainda estar dentro do período focalizado (que vai dos primei­
ros anos do século à década de 30 ) ; é o que ocorre com "Beijo
na Treva" , de Alma Ansiosa, que reproduzimos da antologia
de Sales Campos, de 22 : vazado em alexandrinos clássicos,
mas com a variação rítmica dos encadeamentos ou enjam­
bements, ostenta o soneto, na t.a estrofe, um jogo de palavras
que se aproxima da anadiplose, nos versos 3 e 4 : Nem sequer
uma estrela as pálpebras descerra, j Se as pálpebras descerro
e uma estrela procuro; apesar da fluidez, que pode evocar
notas de Simbolismo, bem como certa idealização da mulher
amada, o último terceto trai um erotismo quase bilaquiano.
'

"O Sapo", que reproduzimos de Alma Ansiosa · (1918) , segue


o esquema parnasiano do soneto descritivo : apenas, aqui não
se observa um flash, a captação de um momento, mas a apre­
sentação do anfíbio, e seu comportamento ao longo da exis­
tência ; no verso 9.0, a aliteração revela ilustração sonora,
para traduzir o silêncio. O soneto seguinte, "Carro de Bois",
r
é talvez a mais famosa produção do poeta : escrito por volta
de 1920 e incluído pela primeira vez em antologia na cole­
tânea A Poesia Cearense no Centenário ( 1922) , citada, foi
premiado com o 3. o lugar num concurso promovido, em 1951,
pela revista Ilustração Brasileira, do Rio de Janeiro; quase
todo o soneto é colorido de aliterações (na 1.a estrofe temos
repetições de rr, tt, dd, pp e bb) : essas aliterações, o tom cre­
puscular e as reticências conferem-lJte aspectos simbolistas ;
isso, entretanto, acontece com inúmeros poemas do Parna ­
sianismo brasileiro; o verso final é um trímetro perfeito , in­
divisível, mesmo teoricamente, em dois hemistíquios hexas­
sílabos : Pelos bons olhos melancólicos dos bois: seu ritmo tem
força de onomatopéia, pois sugere a marcha pausada dos ani­
( mais morosos, descrevendo ao mesmo tempo a tristeza de
seus olhos, ressaltada p.ela monotonia advinda de repetição
da vogal o, ora nasalada, ora aberta, ora fe�hada. "Ressur­
r�ição", transcrito por Mário Linhares nos seus Poetas Es-

347

--
- ---
--
-- -

'
quecidos ( 1938) , lembra no final o mito de Báucis e Filémon,
o casal que teve seu amor perpetuado aléin da morte, ao serem
os dois transformados por Júpiter em duas árvores que se
entrelaçavam; é desse poema onde se encontram simulta-
neamente a nota parnasiana, através da carpintaria do verso,
e a presença romântica, através da emoção transbordante,
traduzida às vezes pelas exclamações. "O Cata-vento", que só
apareceria em livro com Réstia de Sol ( 1942) , fê-lo o autor,
a princípio, em alexandrinos; destaca-se sobretudo pela ori­
ginalidade do tema : assim como Alberto de Oliveira havia
personificado uma vidraça partida no soneto "Ironia" ,
o poeta cearense dá vida e sentimento a um cata-vento, com­
pondo um de seus mais felizes poemas; vazado em versos de­
aassílabos, não perde com isso, porém, nada de seu caráter
pamasiano. Otacílio de Azevedo, pela importância da obra li­
terária que tem produzido, conseguiu ombrear-se com os gran­
des poetas de sua geração, merecendo, por isso, um estudo
de mais de 70 páginas no volume quarto da monumental
História da Literatura Cearense, de Dolor Barreira ( 1962) .

CARLYLE MARTINS •

CARLYLE de Figueiredo MARTINS Nasceu em Forta-


leza, no dia 16 de junho de 1899; seu pai era irmão dos poetas
Antônio e Álvaro Martins . Bacharel em Direito pela Facul­
dade de Direito do Ceará, Carlyle Martins foi Promotor, Juiz
Municipal e Juiz de Direito em várias cidades cearenses . Tem
cultivado a poesia, a biografia, o ensaio e a ficção. De poesia,
publicou : Evangelho do Sonho ( 193 1 ) , Caminho Deserto
(1934) , Templo em Ruínas (1937) , Colheita de Rosas ( 1938) ,
Anfora de Estrelas (1940) , Canto do Peregrino (1942) , José
Maria (Versos a meu filho) ( 1952) , Na Serra ( 1956) , A Lagoa
de Messejana ( 1956) , Paisagens do Meu Destino ( 1957) , Visão
do Saara ( 1 958) , Meu Senhor do Bonfim ( 1958) , Dentro da
Noite ( 1960) , Sinfonia do Entardecer ( 1966) , C oração de Pai
( 1967) , Jornada Lírica (1967) , Pássaro Erradio ( 1968) , Rimas
de Outrora (1968) , Em Louvor de Nossa Senhora (1971) , Men-

348 •

sagem das Horas Tardias ( 1972) ; dentre seus trabalhos em


prosa destacam-se, além de Alma Rude ( 1960) , de contos, os
estudos que escreveu sobre Irineu Pinheiro, Antônio Martins,
João Lopes e Pápi Júnior . É membro da Academia Cearense
de Letras.

AS LÁGRIMAS DO ANGICO

Faz anos que nasceu, em terrenos adustos,


Aquele pé de angico, esbelto e senhoril,
No amplo seio da mata, entre frágeis arbustos,
Tendo em cima o esplendor do vasto céu de anil.

A hora do entardecer, de temores e sustos,


Na tristeza de agosto ou na glória de abril,
Chora o tronco do angico, entre os troncos vetustos,
Alongando no espaço o alto e estranho perfil.

Espalham-se em redor as sombras vespertinas!


O angico, derramando o pranto das resinas,
Fica esperando a luz magnífica do ,luar.

- Como tu, vive alguém, no deserto da vida,


Procurando do amor a miragem perdida,
ó velho angico ansioso e exausto de chorar.

A NINFA

No bosque silencioso em que se inflama


O alto sol e onde as árvores em torno
Se condensam, formando implexa rama,
Passa um corpo de Ninfa, esbelto e morno.

É noite. Um luar de opala se derrama . . .


Nas clareiras, a Ninfa, excelso adorno -,
Teme um Sátira audaz, de olhar em chama,
Que a persegue dos lagos no contorno.

349

----
Corre a Ninfa sutil no ermo do bosque
Através da intrincada ramaria,
Embora o mato às pernas se lhe enrosque,

Fugindo ao capro, célere recua:


- Do olhar mostrando a fulva pedraria
E o sereno esplendor da carne nua.

BOIADA

Verde e largo é o sertão! No claro firmamento


De um azul de safira, alto, esplêndido e lindo,
O sol é um dardo de oiro. E, num tropel violento,
Passa ao longe a boiada, entre poeira, mugindo.

Tudo quieto ao redor. Em passo t·ardo e lento,


No áspero desdobrar do caminho ermo e infindo,
À canção do vaqueiro, os bois, em movimento,
Vão vencendo a distância e, em tumulto, seguindo . . ..

Ficou longe a fazenda! E os bois, de olhos doridos,


Irmanando-se à paz da imensa natureza,
Têm saudades, talvez: . soltam fundos mugidos . . ..

Vendo-os, quanta amargura o espírito me invade!


- Sinto que esse mugir, de profunda tristeza,
Quer dizer, mas não pode, o que seja a Saudade!

TAPERA

É quase ruína em meio à selva espessa e bruta,


Dentro da solidão, sem amparo e sem dono,
A tapera que, no ermo, unicamente escuta
O vento a perpassar, na indolência do outono

Noite morta. Em redor, o matagal se enluta.


Há um sombrio torpor de tristeza e abandono,

350
Como se a alma da terra, após continua luta'
No siltncio dormisse um prolongado sono.

Pa&sam, no alto, a cantar, aves de mau agouro . . .


Tudo quieto . Há um mistério, uma angústia infinita,
No véu da escuridão, que no espaço se eleva.

Não brilham no céu plúmbeo e triste os astros de


[ouro!
E ela, na solitude em que a saudade habita,
t um espetro que assombra o próprio horror da treva.

(Ca rlyle Martins. Evangelho do Sonho. Fortaleza, Tlp.


Gadelha, 193 1, pp . 23- 4; 29� 30; Ca•ninho Deserto. Forta­
leza , Tip. Carneiro, 1934, pp. 21-2 ; Colheita de For­
taleza , Tlp. Minerva, 1938 , pp. 79-80.)

Embora haja estreado em livro quando mesmo no Ceará


j á se havia iniciado o movimento modernista, Carlyle Mar­
tins deve figurar entre os nossos chamados parnasianos, prin­
cipalmente pelo fato de muitos de se·us versos serem bem
anteriores à época do citado movimento (o Evangelho do
Sonho) , de 1931, é composto de poemas escritos entre 1918
e 1926) . Continua o poeta em plena atividade literária, e seus
versos de hoje não se . afastam dos princípios formais que di­
taram os primeiros trabalhos ; mas, a exemplo do que temos
feito com relação a outros autores, apresentamos produções
que retratem o domínio da escola entre nós, não ultrapas­
sando, por isso, a década de trinta : "As Lágrimas do Angico",
um de seus mais divulgados poemas, presentes em várias an­
tologias, segue o molde de inúmeras composições consagradas
( como "0 Vinho de Hebe", de Raimundo Correia, por exem­
plo) : primeiramente é apresentada uma cena, para, em se­
guida, surgir a comparaç:ão ; até ao final do primeiro terceto,
temos a descrição da árvore, ressaltando-se-lhe a singulari­
dade de derramar a resina como se fosse um pranto ; na es­
trofe derradeira, volta-se o poeta em apóstrofe para o próprio
angico, com o qttal se compara ; observe-se que, havendo rima

'
351
aguda (ou masculina, como· querem alguns tratadistas ) nos
quartetos, terminou o soneto igualmente com vocábulo oxí ­
tono, segundo as regras da versificação clássica. "A Ninfa'' ,
ainda do livro primeiro, retrata, erp versos decass ílabos , uma
cena d·a Mitologia greco-romana, bastante explorada por clás­
sicos e parnasianos : a fuga da ninfa, perseguida pela sensua­
1

lidade do monstro caprípede ; é puramente descritivo o so­ I


I
neto, constituindo o que temos chamado de flash : de narra­
ção temos um átimo, apenas, uma vez que o importante, para
o poeta, é flagrar o momento em que a ninfa recua, suspe i­
tando a aproximação do sátira. "Boiada", pertencente ao se­
gundo livro do autor, é um dos mais belos sonetos que pro­
duziu, sendo digno de nota o contraste entre a objetividade
dos quartetos com a descrição do exterior e a subjeti­
vidade dos tercetos, onde entra a alusão à saudade, sentida I
provavelmente pelos animais, e sugerida ao poeta pela nos­
talgia advinda do triste mugir do gado. Por fim, o soneto "Ta­
pera", j á de seu quarto livro, vem confirmar a fidelidade do
poeta à sua maneira de ser artística, revelada integralmente
a partir de seu volume de estréia : vazado em versos alexan­ '

d.rinos (seu metro predileto) , ostenta vários casos de siné ­


rese (como em ruína, geralmente trissílabo, mesmo em poetas
como Bilac ou Alberto) ou de sinalefa (entre outros, o v . 10) ,
em que há seguidos grupos de vogais elididas ; quanto ao
tema, tratando-se de ruínas, dir-se-ia ser mais próprio de um
romântico; o velho casebre, porém, serve unicamente de mo­
tivo à construção de um soneto descritivo, no melhor molde
parnasiano, em que se tem destacado o poeta d' "As Lágrimas
do Angico".

EDUARDO GIRÃO

EDUARDO Henrique GIRAO Nasceu em Morada Novat


no dia 12 de abril de 1882, e faleceu em Fortaleza , em 24
de dezembro de 196 1 . Formado pela Faculdade de Direito
do Recife, exerceu a advocacia no Ceará, onde também foi
professor, chegando a lecionar, durante quase 40 anos , Di-

352

••
reito Civil na Faculdade de Direito do Ceará, como professor
catedrático. Como homem público, exerceu o mandato de depu­
tado estadual de 1923 a 28, ano em que, na qualidade de
Presidente da Assembléia Legislativa, assumiu a presidência
do Estado, em virtud·e da renúncia do Presidente Moreira da.
Rocha . Obteve renome como jurista e também como pensa ­
dor, autor de máximas que enfeixou em livros e figuram em.
várias antologias. Publicou : Ao Léu dos Di·as ( 1950 2.a
ed., 1952) , Outras Frases Outros Pensamentos ( 1955) e!
Vida e Pensamento ( 1957) .

BANABUiú

Banabuiú - torrente das linfas do céu, no propício e·

dadivoso inverno.
Banabuiú r11moroso e barrento das primeiras cheias,.
em cujo dorso flutuam e se vão balouçando ao léu das águas
o.s balseiros enxurrados.
Banabuiú das enchentes transbordantes que os carões
anunciam das frondes marginais, repisando a mesma toada.
dolente, no encanto das noites;
Banabuiú bucólico, de branda correnteza, em cujo mur­
murinho se misturam balidos de ovelhas e mugidos de bois;·
Banabuiú de águas remansadas, em que o dia espelha a.
alegria da claridade e as luzes da noite diluem a tristeza das.
sombras;
Banabuiú de aguadas criadores, viveiros fervilhant�s de·
·
peixes excelentes, alguns da cor nacarada das auroras, e re-·
cobertos outros de um primor de escamas, argentinas como�
os límpidos luares;
Banabuiú de coroas humosas, com os mofumbais sempre·
.
floridos e as grandes árvores sempre enfolhadas, avaras de
sol e pródigas de sombras;
Banabuiú de ribeiras populosas, onde há ricos e pobres,.
mas onde toda gente é humilde e fraterita, nivelada pelo�
convfvio e labor comum do pastoreio e das lavouras;

353�

...,.
'.. '
-

. .
'.
"

Banabuiú, sertanejo e cearense, dos rebanhos mansos e


dos pastores vigilantes, nunca desatentos ou rendidos à al­
ternativa da abun dância e da miséria :

Banabuiú das alvoradas alegres, com mil pássa�os a can­


tar, e dos poentes tristes, com eles em revoadas, retornando
emudecidos ao regaço maternal das moitas perfumosas ;

Banabuiú de várzeas planas, berço argiloso da carnau­


beira esbelta, d� alta copa, aberta em leques simétricos e
·
verdes� liras suspensas a tanger na sinfoni� eólica dos ares ;
Banabuiú dos inesperados remoinhos irrompidos ao en­
contro dos ventos pelas várzeas, súbito embate de invisíveis
gigantes loucos iracundos que se acometem e enfurecidos
pelejam, revolvendo pó e areia, folhas e ramos, e indômitos
(
se contorcem e se enovelam e voluteiam, zuando e estrugindo, •

em ruidosas e turvas espirai �, sopradas c�ntra os céus ;


Banabuiú de alvas .areias, aqui e ali entrecortadas de sea ­
ras fecundas, abundantes de frutos e ·- sementes, regalo de
homens e pássaros; ·
Bana:buiú, velho · deus pàgão� ·-alongado entre alas sacer­
dotais de jaramataias e ingazeiras, de ·oiticicas e umarizeiras,
a receber do turíbulo dos ramos o perfume das flores e o
incenso das resinas; . �
.

Banabuiú, deus . magnífico, prote.tor - das . plantas e dos


animais� bendito pelas estrelas, · nas alturas, ·e aquém na im­ ,

ponente nave da terra, os ventos entoam exaltações, vibrando


festiv.os � farfalhantes, n�s bastos carna�bai� ; '

Banabuiú . sulco descoberto ·· e prateado das águas que


secam, · nas féryidas canículas dos- ·estios calcinantes ;


Banabuiú rio e potestade, as tuas· âguas · e as tuas
areias, as tuas enchentes e .os· te.ús· balseiros, as tuas auroras
·
e os teus pássaros, - as tuas :· :auras e· os teus· - remoinhos , e · as
tuas árvores e as tuas searas, os teus :poÇos e os teus :peixes, os·
teus r�banhos e. _ o teu . ·.pov(), ...tudo .. te .· .louva e : exalta ,- tudo te
benc;liz ·e . glorifica, ·porque és, :reai�mente,. magnif1c o, divino e
criador como ·a .:Na-tureza ; · ;··: :· . :· :._:· · : · / ! - . : ; : � ' : ·- · , .· . : · ,.
.. • -
. : - .
. . ..
. ., . . . .

'

3.54 ·
• •
(
Banabuiú da minha terra, rio da minha infân cia , nunca
te es qu ec i, e não te esquecerei nu nc a; dent
ro de mim, porém;
estás e continuarás sempre a correr e a marulha
r, perene­
mente cheio das lágrimas inexauríveis da minha saudade .

'
(Antologia Cearense, cit., pp. 121-2 .)

Verdadeiro poema em prosa, essa prosa de "Banabuiú"


se confunde às vezes com os versos livres que marcaram os
primeiros poemas do Modernismo nascente . Entretanto, sua
linguagem é a pura linguagem . da prosa parnasiana, quer pelo

vocabulário, com algo de origem romântica mas típico da poe­
sia da época (balouçando ao léu das águas, sinfonia eólica,
turíbulo dos ramos, incenso das resinas, etc . ) , quer ainda pela
adj etivação opulenta (propício e dadivoso, inverno ; Banabuiú,

rumoroso e barrento ; árvores sempre enfolhadas, avaras de sol


e pródigas de . sombras; gente humilde e fraterna; ventos . . . fes­
tivos e farfalhantes, e tc. ) . Podemos ainda vislumbrar, por entre
o escachoar de frases longas, alguns versos; medidos, que vêm
emprestar maior musicalidade ao período, como estes decassí­
labos :e se vão balouçando ao léu das águas 1 Banabuiú, de
águas remansadas 1 Banabuiú de aguadas criadoras I ao en­
contro dos ventos pelas várzeas 1 abundantes de frutos e se­
mentes, e outros mais, que podem surgir conforme a leitura,
com sinéreses ou hiatos
.
. Note-se .
que, não obstante aparecer
.

nada menos de dezoito vezes o vocábulo Banabuiú (sem con-


tar com o título) , não chega essa repetição a gerar monoto ­
nia, pela força poética do voc�bulo, que nos soa quase onoma­
topeicamente traduzindo, por si só, a imensa caudal sertane­
j a ; por outro lado a própria construção do ·poema (chame­
mo-lo assim) exige · esse processo anafórico . "Banabuiú" é
uma composição das mais belas de seu tempo, e acreditamos
que é suficiente para tornar obrigatório a presença de Eduar-
do Girão em qualquer antologia . ·
l • •

OTAVIO LóBO .

João OTAVIO LóBO Nasceu em Santa· . Quitéria, em


4 de novembro de 1892, vindo a falecer em ·Fortaleza., em 1962.

355
Médico, pela Faculdade de Medici11a do Rio de Janeiro, foi ca­
tedrático de Medicina Pública na Faculdade de Direito do Cea­
rá, da qual foi também Diretor . Exerceu os cargos de Diretor
da Saúde Pública e de Secretário do Interior e da Justiça, ten­
do sido ainda deputado estadual e federal . Era professor da
Faculdade de Farmácia e Odontologia do Ceará bem como
fundador e Diretor do Sanatório de Messejana . Era membro
da Academia Cearense de Letras e Presidente do Instituto do
Nordeste . Sua bibliografia consta principalmente de obras
sobre Medicina e Educação. Sua obra estritamente literária
não foi reunida em livro, figurando porém em antologias e
·almanaques .

A OITICICA

Na coroa dos rios, esgalhada em ramos pesados, a oiticica


é uma tenda suspensa, no azul .
Uma fartura de sombras .
Entre suas folhas o vento cicia cochichos de reza .
As lianas, os cipós se lhe enroscam ao tronco, à fronde e
desfiam como lágrimas de vela .
Parece uma nódoa verde na inundação da luz .
Debaixo de sua copa, malham bois dormentes, cabritos
de orelhas acesas, cordeiros enjeitados . As vezes rasga a mo­
notonia da penumbra a clareira luminosa de uma rede . É a
sesta de algum arrieiro fatigado do caminho . . .
Em tomo, a caatinga se desenha tão sem vida , de gar­
ranchos ressequidos, como uma flora esquisita de raízes para
cima!
O sol tine . O ar treme . Os mandacarus, de pé, reagem
ao sol na seiva de seus frutos vennelhos .
E a cigarra garganta metálica estridula tão alto .
como aviso de válvula no mormaço do sertão .
Cor de tijolo, um gavião espia de cima de um galho seco
de aroeira, trágico e só .

356


l
*

* *

Depois, vem o crepúsculo enfeitado de cores e a noite, de


crepe .

i Se alguém rompendo o escuro passa debaixo de alguma


oiticica, sente arrepios de medo, pavor de visagens e assom­
brações do outro mundo .

URUBUS
I

Não sei se todos, em criança, tivemos esta casta volúpia .


--- Olhar urubus voando . . . Naqueles tempos, quando a som­
bra da velha casa do " Canto Alegre" crescia na calçada da
frente, eu me estirava num couro de ovelha, e pascia a vis­
..
ta no côncavo do azul .

Mais longe, bem no alto, onde a distância vai matando


o agudo dos contornos, passa sereno um camiranga . Fisgo-lhe
os olhos, dando linha no infinito, qual fora um encantado pa­
pagaio de papel .

E a nódoa míngua num ponto, enterrando-se no céu,


como alfinete em almofada de veludo . Outros surgem penei­
rando no ar, gizando curvas morosas, virguladas de reentrân­
cias e pontuadas de indecisões, até que rumam o horizonte
sem fim .

Vezes há, tolda o levante um entrecruzar de asas delgadas


como lâminas sarjando o espaço .

Por vezes, no equilíbrio do vôo, retraem de momento os


encontros, num espreguiçar de cansaço . De raro, da altura,
num arremesso de frecha, asas fechadas, dispara um tinga
zunindo .

São urubus em raid .


I Monótonos, negros, na maj estade do vôo, pairam acima
da contingência da terra .
es pe lh am a im ag em da vi da . Altos e in ac es sív eis ,
H oj e,
m o as il u sõ es intan gíve is e fugid ias.
perpassam co

357
Quem, desgraçado mortal, ousa alcançá-las, objetivando·
11m sonho, sente o fastio do real � a decepção talvez de ver um
urubu . em marcha . . .

(Almanaque do Estado do Ceará para o ano de 1936 -


Direção e propriedade de Silveira Marinho , Imprensa
Ofici�l, 1935, p. -50; Idem, para 1934, Tip. Minerva, 1933 t
p . 201 . )

As duas composições de Otávio Lôbo que aqui transcre­


vemos, "A Oiticica" e "Urubus", bem poderiam, vazadas em
versos, ter sido dois poemas parnasianos : a primeira apre­
senta mesmo as características principais de um poema des­
critivo, que daria talvez um soneto : é portanto uma página
puramente parnasiana, em prosa . Lembrando-se da imagem
de uma oiticica, vai o autor enumerando, com riqueza de por­
menores, tudo quanto lhe ocorre haver visto associado à ár­
vore : a fartura de sombras projetada pela sua fronde, o mur­
murar dos ventos, rezando através de seus galhos, os cipós
que a empolgam, ou ainda os animais que buscam sua pro­
teção; mesmo o homem, em sua rede branca de sertanej o an­
darilho ; em derredor, tudo é seco : é que a oiticica é uma das.
poucas árvores que, mesmo nas maiores estiagens, permanece
verde, juntamente com o j uazeiro, a canafístula e os cactos;
por fim, para completar as referências em tomo da frondosa
árvore, e como fecho à composição, o medo que os viajantes
sentem, ao passar sob seus galhos, à noite; é realmente cren-.
ça popular que as oiticicas são árvores mal-assombradas, cor­
rendo os sertõ�s in.umeráveis histórias a esse respeito . A se­
gund·a. página, "Urubus", bem .mais difundida, é também das.
melhores do . autor : aí . vemos o escritor mergulhar na infân-

cia para de lá trazer as imagens do céu onde voavam ·urubus ;
é digna de nota a maneira como é descrita a corrida dos rapi­
nas, sobretudo a subida . do camiranga, que desaparece no�
.

céu, o que se afigura ao · autor· que ele se enterrara no azul,


"como alfinete em almofada de veludo"; há · curvas sinuosas,
entrecruzar de asas, arremessos · e pausas; no final, como num.
soneto neoparnasi�no, vem a . comparação : ., os urubus são a·

358 •


l
\

imagem da vida; voam alto, como as ilusões . Mas quem se


aventurar a alcançar essas ilusões terá a mesma decepção
que sentimos ao ver os urubus andando na terra : eles, tão
majestosos no espaço, são ridículos ao marchar no chão, como
aquele famoso Albatroz de que nos fala Baudelaire, lembran­

do que , longe de seu elemento, o espaço, ses ailes de géant


l' empêchent de marcher . . .
.

CARLOS CAVALCANTI

Nasceu em Pacatuba, no dia 22 de fevereiro de 1904 e fa­


leceu em Fortaleza, em 21 de agosto de 1972 . Mais conhecido
pelo pseudônimo com que subscreveu durante muitos anos
uma crônica diária na imprensa fortalezense : Caio Cid . Pra­
ticou o poema, em seu livro de estréia, mas seu renome vem .
principalmente de suas crônicas, que enfeixou e� vários li­
vros juntamente com alguns contos . Publicou : Aleuda (1934) ,
Aguapés ( 1935) , Gitirana ( 1938) , Canapum ( 1950) e Con­
ta-Gotas ( 1958)

O PAU-D' ARCO

Era o orgulho .de meu pai aquela árvore gigante .- Fron­


deava, imponente, por sobre o cafezal, sacudindo ao vento a
copa esmeraldina . Ninguém passava no caminho sem pres­
tar-lhe a homenagem . de .um olhar -respeitoso, �dmir��do-lhe
0 caule magnífico, aberta, em .cima, a espessa. ramagem,
quase tocando as nuvens .

Pelo inverno, atingi·a o máximo da sua opulência vegetal :


era um desaforo ·de clorofila .atirado para o céu . . Emoutubro,
coroando a mata virgem, e numa osten·tação de realeza, dei­
xava cair toda a folhagem, para se cobrir de flores an1arelas :
f era um imenso candelabro . d�.. oiro!
. . .
. . ..
um rancho- ·de caçadores, certa noite, acampou :jUnto ao
pa u-d 'at co, ' àg ua rdan do . qu e os cac ho rro s lad raS !rein · com al-
· ·
gum tá m an du á pe rd ido no s soc avõe s -da serra . · · ·

359

- -- ..,._
�----�----��- ·---

Da fogueira que fizeram uma fagulha se comunicou à


raiz do colosso, principiando a queimá-lo num lugar atacado
pela broca . Três dias depois·, descobriu-se o atentado, mas
era tarde : o fogo subia já pelo tronco, ganhando alento des­
truidor, e não foi mais possível apagá-lo .
E eu vi a agonia lenta do pau-d'arco, e todos viram, cons­
ternados, o sacrifício inevitável . A notícia correu entre os mo­
radores . Muita gente o visitou, mas ninguém encontrava um
meio de o salvar . Dias e dias, semanas inteiras a combustão
a lhe queimar secretamente as entranhas, minando - lhe cruel­
mente o organismo .
E ele permanecia impassível, abrindo no espaç o os ga­
lhos sobranceiros, agitando no ar a basta cabeleira . Quem
sabe , entretanto, se aquele rumorejo das folhas não era de
dor e desespero! Quem sabe se naquele farfalhar não havia
uma mentira, se aquilo não era sofrimento!
Por vezes estremecia, como se o fogo lhe atingira o co­
ração, e soltava longos gemidos, a acordar o mundo vegetal
de redor, a assustar a serra com o desusado clamor.
Muitas outras têm caído a golpes de machado . Nunca,
porém, ouvi dizer que árvore alguma tivesse aquela sorte, a I
sorte de morrer de pé, lentamente, inexoravelmente, à manei­ I
I
ra dos bois sangrados que deitam a última gota d'e sangue,
antes de caírem mortos . I

E uma tarde o pau-d'arco agonizou . Pelo tempo, já as


labaredas alcançavam a ombreira, onde se abrem as galhadas
imensas para o céu, pedindo mais amplidão e mais vida .
E todos velavam ao lado do gigante ferido de morte . Bem
cedo, lá estávamos nós, mudos e compungidos, tal se acompa ­
nhássemos os estertores de um moribundo querido . Mas ele
resistia . . ..
Cremado por dentro, a casca, não obstante, nada denun­
ciava : inteira, roliça, cheia de seiva . Só o âmago sofria, só o
íntimo do infeliz estava sendo devorado avidamente pelas cha­ I
mas . Só o interior . E eu via naquilo um simbolo profundo .

360
Quantos homens andam por aí como essa árvore inditosa r
Quantos homens, que se mostram sadios e venturosos, levam
a tuberculose no pulmão ou o inferno moral no peito, morren­
do aos poucos, no estoicismo sobre-humano de esconder às mul­
tidões a sua infelicidade !

Não era mais possível . Altas horas, quando o setestreloí


chegou ao meio do céu, ouviu-se o estrondear fantástico, tal se
uma floresta inteira se rasgara, despertando os ermos, os ho­
mens e os animais . . .

E o pau-d'arco amanheceu caído . Amanheceu num leito


de verdura banhado de orvalho, como se a noite o houvera.
pranteado até a madrugada .

Arrastou, na queda, um mundo de cipós, de touceiras de


imbé, croarás e mil arbustos, decepando as ârvores vizinhas e
esmagando o cafezal rasteiro .

Mas de todas as vítimas uma fez mais pena : a laranjeira"


a linda laranjeira, engrinaldada de flores, sacrificada em ple­
na glória da vida, igual à noiva que morreu no altar .

Caindo em homenagem ao rei morto, coube-lhe a obriga­


ção suprema de ungir o cadáver do soberano com o seu per-·
fume e cobri-lo, depois, com mil corolas opalinas !
I
( Carlos Cavalcânti. Gitirana. Fortaleza, Imprensa Ofi­
cial, 1938, pp. 143-5.)

Prefaciando Gitirana ( 1938) , escreveu Antônio Sales, fa­


lando precisamente da página que reproduzimos : " 'O Pau­
d' Arco' só falta ter metro e rima para ser um poema campa-·
rável à 'Arvore' de Alberto de Oliveira . " Basta esse elo­
gio do mestre de Minha Terra, aludindo ao grande poeta flu­
minense, para atestar a identidade entre a prosa de Carlos.
Cavalcânti e a poesia chamada pamasiana . É admirável
(conquanto não se trate de idéia· original) a maneira como O·
autor empresta sentimentos httmanos à árvore, conduzindo·
a narrativa com tal emoção que o leitor é levado a sofrer jun-­
tamente com o pau-d'arco, esse "desaforo de clorofila atiradQ;

361
I

para o céu", segundo suas palavras; esse portento que no in­


verno perdia as folhas para se cobrir de flores amarelas, o que
inspira uma metáfora singular : "Era um candelabro de oiro ".
o momento em que mais se patenteia a humanização da ár­
vore (prosopopéia) é quando, no sexto parágrafo, fala- nos o
escritor da impassibilidade do pau-d'arco diante do sofrimen­
to : mesmo queimado por dentro, abria o colosso os galhos no
espaço e apenas agitava a cabeceira basta; mas é o próprio
autor quem aventura : "Quem sabe, entretanto, se aquele ru­
morejo das folhas não era de dor e desespero! Quem sabe se
naquele farfalhar não havia uma mentira, se aquilo não era
sofrimento ! '' Em meio à descrição do sofrimento da frondosa
árvore, ardendo por dentro, ocorre ao autor tlma comparação
que nos leva inevitavelmente para um dos mais conhecidos
sonetos de Raimundo Correia, o "Mal Secreto" : quantos ho­
mens, roídos de doenças ou de angústias morais aparenta­
vam felicidade, assim como aquele pau-d'arco, em cuja casca
e em cuja fronde não se vislumbravam traços da imensa an­
gústia que lhe ia pela alma! O final da composição é de uma
beleza romântica : havendo arrastado inúmeras plantas em
sua queda formidável, o gigantesco vegetal termina ungido '

pelo perfume da laranjeira que derrubara, e cujas flores co­


brem seu cadáver .

OUTROS NOMES •

Bastante rica foi a fase parnasiana da poesia cearense .


Assim é que, além dos poetas estudados, ·a inda podemos cita r,
entre os precursores, ULISSES SARMENTO, do Centro Lite­
rário, cujas Clâmides (1894) pretendiam conter poesia clara­
mente bilaquiana, mas sem a virtuosidade formal do mes­
tre; ANTôNIO DE CASTRO, da Padaria Espiritual, que iria
com o tempo aperfelçoando a técnica de seus sonetos descri­
tivos, para não aludinnos · ao j á mencionado ANíBAL TEó­
FILO, o poeta d' "A Cegonha" . Já em plena vigência da cor­
rente, podemos · registrar a ·presença de .Al.\U:RICO FACó; cedo
transferido para o Sul, onde iria ressurgir como poeta moder-

362
..

no ; FiúZA DE PONTE S, LUíS DE CASTRO (autor , entre ou­


tros, do livro Caos 1911) , GENUíNO DE CASTRO, RODRI­
GUES DE ANDRADE (Asas de Inseto 1925) , SALES CAM­
POS (Alameda do Sonho 1919 ) , e eventualmente EPIFA­
NIO LEITE 61 (Escada de Jacó 1924 ) ou CLóVIS MONTEI­
RO, sendo ainda dignos de lembrança os nomes de CARLOS
TEIXEIRA MENDES, bem como os mais recentes GOMES MO­
REIRA, PAULO ARAGAO e JOSÉ VALDIVINO . Cabe citar
aqui o nome de CARI.os CA , que escreveu versos, mas
que deve seu renome principalmente ao teatro, sendo autor
das peças "A Bailarina", "Zé Fidélis" e muitas outras, ainda
hoje encenad·as com êxito . No terreno do verso humorístico,
vale mencionar EMíDIO BARBOSA, o Chammarion dos epi­
gramas .

'

363
'
-

PRé-MODERNISMO

Criado por Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima), o


termo Pr é- M o dernismo deve ser entendido, consoante a de
fi­
nição de Alfredo Bosi, em �ois sentidos, que nem sempre coin­
cidem : "1.0) dando ao prefixo 'pré' uma conotação mera­
t
·mente temporal de anterioridade; 2.o) dando ao mesmo ele­
mento um sentido forte de precedência temática e formal em
relação à literatura modernista". 62 Tendo em vista simul-
. . .

taneamente esses dois aspectos, escolhemos ·para o presen-


te capítulo poemas de dois autores que, a nosso ver, represen­
tam perfeitamente a fase pré-modernista no Ceará: Mário
)

da Silveira e Leão de Vasconcelos .

MáRIO DA SILVEIRA

Nasceu em.Fortaleza, no dia 17 de setembro de 1899, vin­


do a falecer em 22 de julho de 1921, assassinado na Praça do
Ferreira . Trabalhou algum tempo na imprensa carioca (in­
clusive n' A Pátria, de João do Rio) mas, voltando ao Ceará,
mergulhou de tal forma nas letras que chegou a negligenciar
o lado prático da vida. Conseguiu porém invejável cultura,
demonstrada pelas poucas conferências que proferiu. Publicou
No Silêncio da Noite (1916); postumamente os amigos reu­
niram poemas e prosa em. Coroa de Rosas e de Espinhos
(1922), prefaciado por Antônio Sales.

OLH O S

Olhos ana diomênicos e puros


- Funda . eclosão de dores e de crenças -

365

Surgin do claros, ressurgin do escuros,


Como as estrelas da ampli dão suspensas.

Neles, 6 Gnose, to da te con densas,


E con densas passa dos e futuros
Sonhos, na luz de l·âmpa das intensas,
Longe dos feios atascais impuros.

Na da de fortes erupções, de anseios,


De lampejas coléricos, me donhos,
Nem de sirtes, de pegos, nem de abrolhos.

·Olhos ·r epletos, olhos sempre cheios


Do votivo esplen dor dos gran des sonhos!
Tu tens, decerto, o coração nos olhos!

C OR OA DE R O SA S E DE E S PINH O S

10.0

Se denta de ó dio, cega de despeito,


Nesta penosa e transitória li da,
A alma dos homens, pérfi da e atrevi da,
Perde às cousas mais nobres o respeito.

Dizem: "Tu do o que sentes no teu peito


Há de um dia passar, por que na vi da
Tu do é incenso sutil, poeira diluí da,
O que é terreno é efêmero e imperfeito .

Um gran de amor é como o resto ... A gente


Quan do menos espera, logo sente
Apagar-se o clarão da ignota chama .. "

Eu sei que tu do é como o fumo leve:


Foge: mas, porque a vi da seja breve.,
Há sempre . um dia mais p.ara q 1te1n ama.

366

LAU S PURI S SI MAE

Ao Mediterrâneo, o grande mar sempre


novo, como uma oferta à Beleza justa e insupe­
rável, o meu canto novo .

Para louvar-te,
Para dizer da tua Forma, eu deixo
Minhas antigas bárbaras roupagens
De grego jônico, e venho
Como um dórico,
Num metro novo,
Numa nova expressão de arte quase intangível,
Pla tonicamente serena
(Que é o sonho louco dos me diterr âneos)
Venho, repito,
Para e terno ciúme dos Deuses,
Anunciar a to dos os estetas
Que nem tudo se foi da Beleza- Perfeita;
Que tu chegaste, ó minha Palas-Atenas,
6 Suma-Revela dora,
6 Quase- Flui da! ó Leve! ó Subjetiva!

II

Que seja o mono-ritmo do Teu canto,


Na sinfonia do meu plectro, o epinício
Da essência espiritual das cousas,
Impon derável e impenetrável,
Impenetrável como harpa etérea
Tangi da pelas mãos de arcanjos bíblicos,
- Harpa estranha em que se alam,
Num desmaio de véus harmoniosos e claros,
Numa oblata ·elegíaca,
Numa canção misteriosa e lenta,
'ro dos. os desejos purifica dos,
To das as dores desconheci das,

367·

..

To das as fortes alegrias,


A Eucaristia do Fogo,
A Bênção da Agua,
o Dever do Homem Novo
E a sagração Augusta da Montanha!

III

ó Milagrosa, ó Trimagista,

ó To da Feita de Asas Ttnues


( Peplos abertos no ar, longos braços abertos
Para o recolhimento dos que sofrem!)
Magnífica e excelsa,
Sem cor, sem forma e sem nome,
Tal se do Incorpóreo, um dia,
( Um dia, não! que o temp o efémero não sabe!}
- On da sonora viesses,
Misericor diosamente viesses
Derramar sobre a minha cabeça
Uma coroa de notas célicas!
ó Hermética!
Tu só realizas
O delicioso milagre de ser bela
Na volúpia divina de ser justa!

IV

ó Incorruptível e única,
Faze que a terra enferma do meu corpo
To da se apague:
Faze que o ritmo estranho do meu verso
Seja a gran de Harmonia,
Em que, de esfera a esfera,
O Universo semelha uma nota per di da,
E o homem, o Imperativo eterno do Universo;
Faze que assim cheio de tua graça,
Cheio do teu respeito,

O joelho em te"a, a face aberta, o ombro pen di do,..
Olhos cerra dos, 6 Perfeita,

368 •

Para que sejas sempre inviolável,


Eu te rea c enda dentro dos meus olhos •

E alçan do as mãos votivas


'

Desfolhan do rosas anêmicas aa


,

Divinamente humano '

A boca trémula, murmure:

LAUS PURISSIMAE!

(Mário da Silveira. Coroa de Rosas e de Espinhos. For­


taleza, Est. Gráfico A. C. Mendes, 1922, pp. 25; 18; 32-5.)

Mesmo nos sonetos, nada ou quase nada podemos vislum­


brar de Parnasianismo: a dicção e o vocabulário do poeta
já são bem diferentes do que é comum encontrar na poesia
de seu tempo. Na verdade, talvez a classificação mais justa.
para Mário da Silveira fosse a de simbolista. Como, porém,
inaugurara atitudes que marcarão a primeira fase do Mo­
dernismo no Ceará, preferimos chamá-lo de pré-modernista,
mesmo porque não se pode esquecer, no plano nacional, o
quanto deveram os primeiros modernistas aos derradeiros sim­
bolistas. Mas o poeta aqui apresentado é acima de tudo um
clássico, se isso não vai constituir paradoxo: como a poesia
de Raul de Leoni, a sua é ao mesmo tempo clássica e renova­
dora. Os dois sonetos aqui transcritos tornaram-se antoló-·
gicos: "Olhos", onde se verifica a cunhagem do vocábulo ana-·
diomênico, oriundo de Anadiomene, um dos nomes da deusa
Vênus, já revela a tendência racionalista do poeta, pela alusão
à Gnose, ou seja, o saber por excelência, a ciência superior.
No soneto 10. o da "Coroa de Rosas e de Espinhos", encontra-·
mos talvez seu melhor momento em poesia: é um daqueles
sonetos que podemos chamar de perfeitos, pela harmoniosa
distribuição do tema ao longo dos 14 versos; sente-se que,.
nele, nada sobra ou nada falta; note-se que, mesmo tratando
de amor, o que ressalta é a serena elevação moral do poeta.
Seu poema capital, todavia, é o "Laus Purissimae", pelo que
veio trazer de inovação à poesia no Ceará: trata-se de poema .

..

369:�
polimétrico, mas convém lembrar que alguns versos não se ­
guem esquemas rfgidos, sendo, portanto livres: Numa expre s­
são de arte quase intangível, por exemplo, tem 10 sílabas, mas
falta-lhe a acentuação · dos decassil�bos regulares, sáficos ou
heróicos; a não ser que o consideremos um verso . provençal,
com ictos nas sílabas 4.a e 7.a; também não é regular o octassí­
labo Platonicamente serena nem o verso Para o eterno ciúme
dos Deuses, que pode comportar várias medidas, dependendo
dos hiatos; tampouco este outro, de 11 sílabas: Que tu chegas­
te, ó minha Palas-A�enas. Na 2.a estrofe há o�tro de 11 sílabas,
mas com acentuação diversa: Na sinfonia do meu plectro, o
epinício. Este, de 10 sílabas: Todos os desejos purificados. E
não citamos todos os versos irregulares do poema. Tudo isso
demonstra que o poeta já começava a libertar-se não somente
do metro regular, mas também do poema polimétrico, por mui­ •

tos erroneamente chamado de poema em verso livre. "Laus


Puriss!mae", com sua profusão de maiúscuas e sua espiritua­
lidade platônica, em seu prenúncio de Modernismo, pende .

muito raais para o Simbolismo do que para outra qualquer


estética. Quanto aos pontos de contacto entre o poeta cea­
rense e o citado Raul de Leoni (e que assinalamos no ensaio
I

.
·"Mário da Silveira e o Movimento Renovador da Poesia no
Ceará", O Povo, 18.11.72, p . 17), podem ser melhor com­
.

preendidos com base nesta preciosa informação de Mário Li­


nhares: "Conheci Mário da Silveira em 1919, quando regres­
sava ele de um passeio ao Rio de Janeiro, onde se unira a
Ronald de Carvalho, Raul de Leoni e outros, na campanha
pelo renovame.nto das letras brasileiras." 64 O que de maneira
nenhuma diminuirá o valor do nosso poeta, legítimo reno­
vador da poesia no Ceará e um dos seus maiores cultores.

LEÃO DE· VASCONCELOS


l

César Carneiro LEAO DE VASCONCELOS Nasceu em


.
Fortaleza; .no dia 17 de março de 1898, e faleceu no Rio de
.Janeiro; ·para onde logo se transferira, e onde se destacou·
na advoc.acia, ·.chegando a Consultor Jut;ídico. do Ministério

370. }
• I

..

da Fazenda. Publicou: Poemas Para Es


quecer (1919), Ritmo
Bárbaro (1920) ,.canto Novo do Meu Amor (1921), Tatuagens
Sentimentais (1925), ·N ossa Senhora da Ausência (1930), e
Caminho Sem Fim (1957). Alguns livros tiveram várias edi­
ções, sendo traduzido o 4. o para o espanhol.

lN SOLITUDINE

Quando o jardim se ensombra e a noite desce,


Deste jogo, que em vão julguei sepulto,
Sinto que a extinta chama reaparece .. .
E o incenso em espirais sobe a teu culto . ..

Desde que vi o teu sereno vulto


Vivo assim, de mãos postas, numa prece!
Mas en quanto por ti anseio e exulto,
- Teu corpo imenso lírio alto, floresce ...

Passaste em tua glória e não me viste.


E hoje até mesmo� do meu ser prescindo
Para rever-te o olhar sereno e triste.

E por te desej.ar numa ânsia louca,


À noite sonho que tu vens sorrindo
Povoar de beijos minha fria boca .. .

SOBRE UM PRELúDIO DE CHOPIN

Com teus dedos levíssimos e brancos,


Dentro da tarde cismarenta e triste,
O alvo teclado de marfim feriste!
.E um prelúdio velado, num queixume,
Voou, leve e sutil, como o perfume •

Do s te us de do s le ví ss im os e brancos . ..
Di.
r- se -i a a ta rd e '
em tuas m ão s, morrendo!

'

t 371

.
.
-

'"
Ou que uma voz serena, em notas quérulasf
Subia da alma azul das tuas pérolas,
A contar, na doçura vespertina,
A sau da de da concha nacarina ...
Dir-se-ia a tar de em tu as m ão s, m or re n do . . .
. '

Nunca mais me es queci desse prelú dio


Que os teus páli dos de dos, levemente,
Tiraram do tecla do, amplo e silente,
Numa ânsia comovi da, num queixume . ..


Levíssimo, dir-se-ia o teu perfume,
Ou a tar de a morrer em tuas maos . . .
,..

CAN TO DO PEREGRINO

"Para louvar- te
'

Em versos de arte •

A estreme beleza, .

Vim de longe ó Princesa!

Chegou no meu tugúrio a fama de teu nome!


E eu parti, lira às mãos, ar den do em se de e fome,
Para ver-te e contar a to dos os mortais
A beleza sem par de teus olhos fatais,
Do teu perfil sereno de me dalha,
Do teu sorriso trêmulo e divino . . .
Acolhe a prece, pois, do peregrino . . .

Vim de longe e parei ante a forte muralha


Do teu castelo, o rosto exangue ...
Em sangue da jorna da os pés, as mãos em sangue .. .
E exposto ao vento e à ehuva espero que apareça
O sol para esfolhar sobre a tua cabeça
As rosas que colhi no meu triste caminho,
Deixan do algo de mim em ca da espinh o

372
Por onde., só, passei, deslumbra do a can.tar

Atrás de uma quimera ...

E, ó Princesa! já choram, a tua espera,


Os meus olhos cansa dos de sonhar ... ''

(Sales Camp os. A Poesia Cearense no Centenário, clt.,


pp. 182, 185, 186-7.)

Transferindo-se muito cedo para o Rio de Janeiro, so­


mente na então Capital da República, iria Leão de Vascon­
celos produzir poemas onde apresentaria maior identidade
com o movimento modernista. Ainda assim, seria citado por
Agrippino Grieco entre aqueles que "põem emoções român­
ticas em estrofes polirrítmicas, mostrando a mesma alma ca­
tiva de 1830 no versos livres de 1930." as Nos poemas que es.
colhemos para esta crestomatia, todos extraídos da antologia
organizada por Sales Campos em 1922, cremos fundamentar
nossa opinião segundo a qual é o poeta, no Ceará, represen­
tante dessa fase de transição que seria chamada de Pré-Mo­
dernismo: é que mesmo através do soneto já vamos presen­
ciar uma dicção bem distante do rigor pamasiano, aproxi­
mando-se muito mais do clima simbolista, em muita coisa
precursor do Modernismo (pelo menos de uma ala, como se I

sabe). É o caso d'e "ln Solitudine", com seu jardim ensom­


brado, incenso em espirais, prece, e mais esse corpo-lírio flo­
rescendo. "Sobre um Prelúdio de Chopin", vazado igualmente
em versos decassílabos, mais se distancia da escola dominan­
te então, o Neopamasianismo, e lembra, ao contrário, aquele
penumbrismo que enforma inúmeros poemas de Ribeiro Couto
e de Olegário Mariano, no que eles têm de mais crepuscular;
note-se a liberdade no emprego da rima, notadamente na
derradeira estrofe. O "Canto do Peregrino", que a princípio
promete certo polimetrismo, abriga versos alexandrinos e de­
cassílabos em sua maioria, não desdenhando a rima; às vezes
lembra versos de Mário da Silveira, que entretanto foi mais
renovador em seu tempo.

373

-
-

�·��'
.

S ALAO·J UVENAL ·GALENO



depois, CASA DE JUVENAL GALENO

Falar da Casa de Juvenal Galeno é falar de HENRIQUETA


GALENO.

Filha de Juvenal Galeno, bacharelou-se pela Faculdade


de Direito do Ceará, em 1918, sendo logo em seguida nomeada�
pelo Presidente do Estado, para a Promotori� da Capital,
cargo que, a pedido
· de seu pai, renunciou, sendo então no­
meada Inspetor do Ensino Estadual. Exerceu o magistério ·
em diversos colégios de Fortaleza e pertenceu à Academia

Cearense de Letras, qnde. ocupava a Cadeira n.0 23, cujo Pa-


.

trono é seu pai. Entre inúmeros ensaios que deixou, disper-


sos em jornais e revistas do Ceará.� d'e outros Estados, des-


taca-se a coleção. de estudos que, após seu falecimento, ocor-·
rido em 1964, a Casa de Juvenal Galeno fez imprimir, sob
o título Mulheres Admi.ráveis (1965), trabalho em que estão
focalizadas as personalidades de Júlia Lopes de Almeida, Nar­
cisa Amália, úrsula Garcia, Carmen Cinira, Maria Quitéria,.
Isabel, .a Redentora, Francisca Júlia da Silva e tantas outras.
Henriqueta Galeno cultivou a poesia, figurando através de·
poemas em vârias antologias da literatura cearense.
.
.

Foi ela quem, em 1919, fundou, no dia 27 de setembro,


o Salão Juvenal Galeno, na casa em que vivia o consagrado
poeta das Lendas e Canções Populares.

Destinado � manter aceso o gosto pelas letras, através-


.

de sessões regulares; a receber, �m solenidades que marcaram


época, os escritores que aqui apartassem, vindo de outros Es-
.

tados; ou ainda a estimular os jovens que mal se iniciavam ,.


em tímidas reuniões de grêmios estudantis, cedo se espalhou
a fama da entidade.
I

Com a morte d'o poeta, em· 1931, outra- m iss ão juntou a


·

tantas que jâ norteavam seus· objetivos: a de cultuar a m e-


mória do velho bardo. - · .

374
Em 1936, ano de centenário de nascimento de Juvenal
?
Gale o, inaugurou-se o Salão Nobre da instituição que, a
partir de então, passou a designar-se Casa de Juvenal Galeno ,
e que funciona na mesma casa onde viveu o poeta, aqui em
Fortaleza, na Rua G·eneral Sampaio, número 1128.

Incontáveis sã o os serviços prestados pela Casa de Ju­


vellal Galeno à cultura de nossa terra. Chamada por alguém
de Sala de Visitas da Intelectualidade Cearense, é fácil ima-
gn1ar-se o numero de palestras literárias ali reali zadas, ao
.
,

longo de sua existência. Basta porém que citemos, entre tan­


tas, estas poucas, de autores já falecidos, para termos uma
idéia da importância dessas ·reuniões: "A Eterna Emotividade
Helênica", de Mário da Silveira, "José Albano", de José Som­
bra, "Elogio do Sonho", de Mário Linhares, "Um Aspecto da
Arte: a Simplicidade", de Alf. Castro, "Juvenal Galeno", de
José Carvalho, "Juvenal Galeno," de Dolor Barreira, "O Rap­
sodo do Sertão e das Jangadas", de Gustavo Barroso, "A Nova
Poesia de Martins d' Alvarez", de Filgueiras Lima, "Poesia e
Mocidade" de Júlio Maciel, etc.

Ainda no ano de 1936, foi criada, na Casa de Juvenal


Galeno, a Ala Feminina, objetivando congregar a cul.tura da
mulher cearense, e tendo, como órgão da imprensa, a revista
Jangada, que circulou de dezembro de 1949 a setembro de
1954, consoante pesquisa inédita de Maria da Conceição Souza,
que ainda esclarece haverem saído 16 números desse perió-
dico, em 10 unidades bibliográficas, sendo que, do número 1.0
ao 6. o, sob a direção de Cândida Galeno e Maria de Lourdes
Vasconcelos Pinto, ficando, daí em diante, unicamente sob a
àireção da primeira.
'

Entre outras, fazem parte da Ala. Feminina da Casa de .

Juvena l G al en o: CA ND ID A M AR IA SA NTIA GO O AL ENO, Di -

da Ca sa , e a qu em já no s referimos ao fa la r da Ac ad e­
retora
re n se de L et ra s, da qu al fa z pa rt e; com A DE
mia Cea
V A SC O N C E LO S PI NT O , EV A N G E LIN A A C ió LI e
LOURDES
ST U·D A R T (esta au to ra de A P ri m ei ra P edra·-
HELONEIDA
N om e! ·1956 )', p ub lico u N ai p es . 19 53 ;
1955 e Dize-me Teu ·. .

375

- -
- --- -- --.
'

'
e, com OTíLIA F IN, NíVEA LEITE e ELIZABETH
BARB OSA MO NT EIRO, Tre vo de Qua tro Fol has 1955; Jú­

LIA GALENO, irmã de Henriqueta Galeno, e diretora, no Rio


de Janeiro, da "Academia Juvenal Galeno" (Crepúsculo Ilu­
minado 1969), OTíLIA FRANKLIN, NtVEA LEITE e ELI­
ZABETH BARBOSA MONTEIRO (autoras, com Cândida Ga-
leno, de Trevo de Quatro Folhas 1955); JANDIRA CARVA­
LHO, FERNANDA BRITO e STEFANIA ROCHA BEZERRA
(autoras, com Maria de Lourdes V . Pinto, de Tetracorde -
1948); DOLORES FURTADO, jâ falecida (Cantos e Prece s-
1954, Pétalas ao Vento 1958, etc), CARMELITA SETúBAL
(Trovas e Poemas 1965, Flor de Mandacaru 1973), TE­
REZINHA BEDÊ SILVA AGUIAR (Divina Inspiração 1967).
RITA DE LARA, pseudônimo de Umbelina Nogueira Braun
(Lantejoulas 1963), RISETE CABRAL FERNANDES (A
Escola Declama 1968), ARACY MARTINS (Eterna Flama
- 1963), ANNA FROTA MENDES (Poesia, Lendas e Canti­
gas 1968), JUFACHA, pseudônimo de Julieta Faheina Cha­
ves (Rosas do Meu Sonhar 1971), ADíSIA SA (Metafísica,
Para Quê? 1973), AUGUSTA CAMPOS (Zabumba 1962) �

ILMA DE OLIVEIRA (Serrinha 1971), DORACY SOBREI­


RA DE MENDONÇA (Na Serra da Ibiapaba 1960, Minhas
Estórias 1965 etc.), HILDENÊ DE SOUSA CAMPOS, LíGIA
BULCÃO DE VASCONCELOS, SUSANA BARREIRA -A MARAL�
OLGA DE LACERDA PINHEIRO MONTEIRO, GERALDINA
�·..&..L AL, RUTH DE ALENCAR, NAZARETH SERRA, MARIA
STELLA BARBOSA DE ARAúJO, MARIA DE LOURDES GON­
DIM, MARIA LUíSA PINTO DE MENDONÇA, MARIA PA­
REN TE CORREIA, OLGA MONTE BARROSO, MARIA DU-
.

TRA NUNES PAPALEO, ADALGISA SILVEIRA, ANAHID AN-


D RADE, ETE LEITE, MARIA IVONE DE ALENCAR.
RIBEIRO, além de outras.

Gustavo Barroso, em artigo publicado no jornal A Manhã,


do Rio de Janeiro, em 1.0 de outubro de 1946, disse, entre
outras coisas: "No auditório da Casa de Juvenal Galeno ' mui-
tas das grandes vozes do Ceará e do Brasil se têm feito ouvir

I
376
em memoráveis sessões. Além de consagrar escritores, poetas,
e artistas, aquele cenáculo os lança e anima. 1: o grande salão
literário do Ceará, onde dignamente se apresentam à gente
culta do Estado os valores antigos e os valores novos do Brasil.
O nome da Casa de Juvenal Galeno já transpôs as fronteiras
locais e, graças ao seu Serviço de Intercâmbio Cultural, em
pleno funcionamento, se irradiou pelos meios intelectuais de
todo o Nordeste."

É que a Casa de Juvenal Galeno tem animado a quantos


abracem a carreira literária, velhos ou novos, conservadores
ou vanguardistas ...

\' 377
verso de circunstância, cite-se
também o contista LAURO RUIZ
DE ANDRADE (Dunas e Penedos
1934) , que mais tarde se
d'edicaria à ficção científica, e o romancist CORDEI
a RO DE
ANDRADE, que publicaria no Rio suas obras (Cassacos -
193 4, Brejo 1937, Tônio Borja 1940 . )

O GRUPO CLA

Surgindo na década de 40, o Grupo Clã veio trazer, como


contribuição mais importante às nossas letras, a definitiva
implantação do Modernismo ·no Ceará, precisa e felizmente
numa época em que essa corrente já não necessitava dos ar-
. .

i
reganhas iconoclastas nem das piadas demolidoras dos pri-
' meiros momentos. Diga-se ass�m, de passagem, que o Moder­
nismo, em nosso Est�do, já surgiu algo amadurecido, mesmo
em suas mais remotas manifestações.
Mas se falamos em implantação definitiva é porque, de­
pois dos tempos heróicos de Maracajá e de Cipó de Fogo, atra­
vessaram as nossas atividades literárias uma fase incaracte­
l
rística: cessado o impacto dos primeiros instantes, continua­
ram uns versejando à nova maneira, mas outros vindos de
correntes anteriores. voltavam aos seus alexandrinos.

E assim passaram-se alguns anos.

Até que rebentou a Segunda Guerra mundial colhendo


numa malha de espantos a ingenuidade dos que esperavam
não mais repetir-se a tragédia de 1914.
Segundo o depoimento de Braga Montenegro, "tudo pa­
recia afogado num hiato de pensamento e poesia", quando
surgiu, de uma conversa de café,. "a idéia de um congresso,
o mais original dos congressos. " 69

Trat ava - se do I Co ng resso de Po esia do Ceará, or ga ni ­


f
zado em 19 42 po r M ário de An drad e (d o No rte), An tôni o Gi rã o

Barroso, Aluí zi o M ed eiros, Ot ac ilio Co lare s, Br ag a M on te ne gr o,


Cam po s e ou tros, e ao qu al ad er iu um es cr it or já
Eduardo
maduro, de outra geração, Joaquim Alves.

\
427
,

-
-
-
-
..
.
.'
-.
...
.
-

Nesse congresso, que não chegaria a ser encerrado nor­


malmente, em virtude de um quebra-quebra resultante da
guerra, aparecem os nomes de vários escritores que partici­
parão mais tarde do Grupo Clã. É interessante lembrar que,
em protesto por se fazer um congresso de poes!a em dias tão
,

conturbados, organizou-se na cidade do Crato um Congresso I

Sem Poesia. Um de seus promotores, Stênio Lopes, será fi­


gura destacada no Grupo Clã� anos mais tarde. . .

Dessa mesma época é a criação da Cooperativa de Letras


e Artes, "donde talvez a primeira idéia da sigla Clã" infor-
ma-nos ainda Braga Montenegro. 70

Aliás, quanto ao designativo de Clã, nada podemos afir­


mar com absoluta segurança. Antônio Girão Barroso (com­
ponente do Grupo, como Braga Montenegro), falou-nos da (

existência, em São Paulo, de um Clube dos Artistas Modernos2


cuja sigla CLAM teria inspirado a do grupo cearense .

O certo é que em1943 iniciaram-se as Edições Clã, de


onde haveriam de sair inúmeros livros, a começar pelos Três I

Discursos, de Eduardo Campos, Mário Sobreira de Andrade e I


'

Antônio Girão Barroso; o livro de contos Aguas Mortas, de


Eduardo Campos, e Escola Rural, de Mário Sobreira de An­
drade (o já mencionado Mário de Andrade do Norte), todos
daquele ano.

A nosso ver, o Grupo vai adquirir maior coesão por volta


de 1946. Além de nesse ano serem editados nada menos de
quatro importantes livros de seus componentes (Noite Feliz,
Fran Martins� Face Iluminada , Eduardo Campos, Roteiro de
Eça de Queirós, Stênio Lopes, Os Hóspedes, Aluízio Medeiros,
Antônio Girão Barroso, Artur Eduardo Benevides e Otacílio
Colares), ocorre o lançamento, em dezembro, do número zero
da revista Cl ã, sob a direção de Antônio Girão Barroso, Aluí­
zio Medeiros e João Climaco Bezerra. Esse número o de Clã,
hoje raridade bibliográfica, foi lançado a título experimental.
O número 1, sob a direção de Fran Martins, sairia somente
dois anos depois, em 1948.

428
Convém acrescentar que o Clube de Literatura e Arte, que
nesse numero O da revis ta é mencionado não como Clã mas
,

'

como C . L.A., organ�zara sua primeira sessão pública em fe-


vereiro de 19·46. O Clube de L!teratura e Arte, fundado por
Antônio Girão Barroso, não é porém, a rigor, o que viria a ser
conhecido como o Grupo Clã, embora seus componentes dele
fizessem parte .
Na "Explicação deste Número", que abre a revista CLA
n. 0 O, depois de se explicar que aquele número se antecipava
à publicação do órgão, tendo portanto "o caráter de mostra",
é transcrito trecho do artigo de abertura da revista, natural­
mente escrito para o número 1:
CLA não é, apenas, uma revista de literatura .
É, antes, uma revista de todo o Ceará mental. Aqui,
na medida do possível, recolheremos o trabalho dos
nossos homens de letras e de pensamento, pois a pre­
tensão que nos anima é sermos porta de saída da me­
lhor produção intelectual da gente cearense, de tal
modo que ela possa aparecer lá fora, nítida 11a sua

pureza, numa demonstração convincente de que a


gloriosa Província de Alencar continua a viver, a se
agitar, na procura sempre insatisfeita de rumos no­
vos para a cultura brasileira .
Ainda nesse ano de 1946 tem lugar igualmente o Primeiro
Congresso Cearense de Escritores, no qual o Grupo tem par­
ticipação das mais ativas, através da palavras dos escritores
Fran Martins, Braga Montenegro, Antônio Girão Barroso,
Eduardo Campos, Aluízio Medeiros, Artur Eduardo Benevides ,
Antônio Martins Filho, João Clímaco Bezerra, Stênio Lopes e
Joaquim Alves .
Entretanto, na notícia que sobre o evento dá a revista
CLA aludida (número experimental) não se fala em Grupo
Clã ou Grupo de Clã . Talvez pelo fato de ainda não existir o
periódico.
Mas cumpre declinar os nomes dos componentes do Gru-
_po Clã.
·

429

-- -- --



-

.De · acordo com o Artigo o. o de seus Estatutos, do dia 24


de março de 1964, foram considerados fundadores :
ALUtZIO MEDEIROS, ANTONIO GIRAO BARRO­
SO, ANTONIO MARTINS FILHO, ARTUR EDUARDO
BENEVIDES, BRAGA MONTENEGRO, EDUARDO
CAMPOS, FRAN MARTINS, JOAO CLtMACO BE­
ZERRA, JOSÉ ST:a:NIO LOPES, LúCIA FERNANDES
MARTINS, MíLTON DIAS, MOREIRA CAMPOS , MO­
ZART SORIANO ADERALDO · e OTACtLIO COLA­
RES .
Esses nomes, observe-se, não figuram na ordem de prece­
dência cronológica, mas alfabética .
Nem todos aí são da primeira hora . Por outro lado, omi­
tiu-se inexplicavelmente. o nome de JOAQUIM ALVES, faleci­
do em 1952 . Evidentemente não poderiam figurar os nomes de
CLAUDIO MARTINS-, DURVAL AIRES e PEDRO PAULO
MONTENEGRO,. que ingressaram no grêmio recentemente .
Fica assim completa a lista de todos os participantes, des­
de o início das atividades do Grupo até hoje .
E tanto é verdade que, segundo afirmamos, a caracterís­
tica de grupo só foi surgir definitivamente por volta de 1946�
firmando-se com a publicação da revista-, que em anos ante­
riores as alusões aos componentes d·a agremiação são mais ou
menos vagas . Joaquim· Alves, num artigo provavelmente de
1944 pois trata de livro saído nesse ano , fala de um novo
grupo ao qual "pertencem Fran Martins, Aluízio Medeiros,
Otacílio Colares, Girão Barroso, ·Albano Amora e, os mais re­
centes, Eduardo Campos· e Artur Eduardo Benevides" . 71
Não fala da designação do grupo e inclui entre seus mem­
bros o nome do hoje eminente historiador Manoel Albano
Amora, talv·ez trafdo pelo fato de ele haver estreado com um
livro de poemas no mesmo· ano, na mesma editora e com o
mesmo formato do livro·também de estréia de Antônio Girão
Barroso . . . 72
Podemos dizer, talvez com algum exagero, que o grupo
existia, mas tão espontaneamente que seus próprios compo-

430


nentes não haviam ainda tomado· conhecimento disso . Pelo
menos é o que depreendemos da leitura do livro Falam os Inte­
lectuais do Ceará, no qual Abd.ias Lima entrevistou, de março
de 1944 a fevereiro de 1945, vârios escritores cearenses, entre
os quais quatro de Clã, e onde não se encontra a menor refe­
rência ao grupo, muito menos à sigla .

O Grupo Clã surgiu portanto quando já havia passado a


fase prim.itivista do Modernismo e entravam os poetas naque­
la outra fase, chamada por alguns de construtivista . Despon­
tava por conseguinte a Geração d·e 45 quando a agremiação
cearense, já com alguns livros publicados, começou a projetar­
-se .
Há quem prefira a designação de Grupo de Clã (ou seja,
grupo da revista Clã); inútil , porém, nestas alturas mudar
uma designação jâ consagrada .
Claro que o Grupo não poderia (nem deveria) manter-se
a vida toda como um movimento; passada a fase mais ou me­
nos heróica de implantação da nova arte, trataram seus co�-
. ponentes não mais da descoberta, mas da preservação de seu
esprit nouveau, mas perdendo naturalmente a ânsia de. novi­
dade que caracteriza os agrupamentos de jovens . Cada um
teve de seguir suas tendências, dispersando-se dentro ou fora
do Estado, mas todos continuaram produzindo, contando hoje
esse Clã com novos elementos, de reconhecidos méritos.
É tempo de falarmos de cada um, isoladamente . A ordem
que escolhemos é talvez exageradamente arbitrâria . De certa
forma procuramos seguir a cronologia, sempre que possível .

JOAQUIM ALVES

Nasceu em Jardim, no dia 10 de fevereiro de 1894, vindo


a falecer em Fortaleza, em 8 de junho de 1952 . Tendo percor­
rido quase todo o interior nordestino, quer como dentista, quer
como Inspetor Regional do Ensino, ocorreu-lhe a idéia de es­
tudar em profundidade o homem e a região, resultando, daí,
algumas das mais importantes obras que nos deixou . Passou
a residir mais tard·e em Fortaleza, onde foi professor de diver-

43 1
J
sos colégios, bem como da Faculdade de ·Ciências Econômicas
do Ceará . Pertenceu à Academia Cearense de Letras e ao Ins­
tituto do Ceará . Sua bibliografia reúne obras sobre Pedago­
gia, Sociologia, História e Geografia, além da critica literária,

que praticou com segurança e isenção. Publicou : Nas Fron ­


teiras do Nordeste ( 1 929) , Estudos de Pedagogia Regional
(1939) , O Vale do Cariri ( 1946) , Juazeiro, Cidade Mística
( 1 949) e Autores Cearenses 1 . a série ( 1949) . Sua História
das Secas, escrita em 1935, foi editada pelo Instituto do Cea­
rá após sua morte . Aderindo a um movimento de jovens, ele
já nome consagrado nos · meios intelectuais cearenses, Joaquim
Alves bem poderia ser chamado tivesse um pouco mais de
renome o "Graça Aranha do Grupo Clã."

FRAN MARTINS

.
'

FRANcisco MARTINS nasceu em Iguatu, no dia 13 de ju-


nho de 1913 . Desde muito cedo revelou vocação para o jorna-
- .

lismo e a literatura : colaborou em inúmeros jornais do Cea-


rá e de outros Estados, tomando-se mais tarde uma das figu-
.

ras principais do grupo e da revista Clã, cujo n.o 1 j á surgiu


sob sua direção . Professor da Faculd�de de Direito do Ceará,
consagrou-se como autor de obras jurídicas, · conhecidas na­
cionalmente, dentre as quais se destaca o Curso de Dire ito Co­
mercial ( 1957) . Sua obra literária se realiza no campo da fic­
ção ; contos : Manipueira ( 1934) , Noite Feliz ( 1 946) , Mar
Oceano (1948) e O Amigo de In jâ1�cia ( 1960) ; romances: Pon­
ta de Rua ( 1937) , Poço dos· Paus (1938) , Mundo Perdido
( 1940) , Estrela do Pastor ( 1942) , O Cruzeiro Tem Cinco Estre­
las ( 1950) e A Rua e o Mundo ( 1962) ; novela : Dois de Ouros
( 1 966) . Desta última, considerada sua obra-prima, destaca­
mos um trecho .

DOIS DE OUROS

O enredo se passa no interior cearense, ao tempo do can­


gaceirismo : Juvêncio, sabendo que sua namorada · Arminda

432
se amasiara com Celestino, mata o rival e entra no bando de
Bom-Deveras, adotando a partir de então o nome de Dois de
Ouros . Após vários crimes (e mesmo depois de extinto o ban­
do) , assassina um soldado no Crato e o cabo Firmino (com
quem se inimizara, mas a quem havia salvo quando menino)
persegue-o nas matas, ferindo-o a bala; mas recua, talvez para
deixá-lo escapar . O sargento Anacleto, que soubera, por Ar­
minda, de um pacto entre os dois, desconfia do cabo e coman­
da novo ataque ao cangaceiro . Não o encontram, mas as atro­
cidades praticadas por Firmino no intuito de desmascarar os
supostos "coiteiros" (sabidamente inocentes) fazem-no crer
na honestidade do cabo . Por fim, desmoralizado por não ha­
ver capturado o bandido, o sargento Anacleto bebe demasia­
damente e assassina Arminda, em pleno cabaré . O corpo de
Dois de Ouros jaz na mata, longe do local onde o haviam pro­
curado, levados pelo cabo Firmino . . .
E encetou a fuga pela mata . Não podendo ficar de pé,
pois nessa posição o ferimento sangrava muito, andava cur­
vado, uma mão no peito, a sustentar o tampão com que pro­
curava vedar a ferida . Mas não podia estugar o passo pois,
com a perda do sangue, já estava sem forças . Assi-m marcha­
va curvado, lento, ofegante, mas de qualquer modo dispos­
to a alcançar um abrigo onde pudesse repousar com seguran-
ça .
Não sentia os espinhos nos pés nem as unhas-de-gato ras­
gando-lhe as carnes . Tinha o corpo habituado a esses sofri­
mentos : três anos no meio das brenhas fizeram dele uma es­
pécie de bicho. Um bicho que não dava atenção às picadas
dos insetos, aos arranhões pelos braços, aos espinhos nos pés .
Um bicho que agora só tinha um destino encontrar um I

abrigo onde não pudesse ser localizado pela polícia .


Só agora tinha esse destino? Não, desde que entrara no
cangaço sua vida consistia em esconder-se da polícia . O gru­
po de Bom-Deveras atacava os viajantes nas estradas, visita­
va os sítios, incendiava fazendas mas acima de tudo se es-·
condia da polícia . Quand·o lhe avisavam que uma volante an-·

433
su a pr ocur a o ba n do at ra ve ss av a a se rr a do A rari p e,
dava à
P erna m bu co , esc on di a- se nas pr ox im id ad e s de B o­
entrava em
de N ov o E xu . N un ca se di sp us er a a fa ze r fren t e à
docó ou
policia não po r m ed o m as po rq ue sa bi a qu e di ss o não re..

sultariam vant ag en s pa ra os ho m en s, cu jo ob je ti vo er a be m

outro que o de lutar com os soldados .


o grupo er a pe qu en o m as po r iss o m esm o de gran de mo­
'bilidad e . Com po sto ap en as de sete ho m en s, m ai s ta rd e fora

· re du zid o a se is, com a m or te de Ca tin gu eir a. Ca tin gu eira era


· um mulato piauiense que não gostava de amizade com nin­
.guém . Fie al Bo m- De ve ra s, tom ar a-s e um a esp éci e de gu ar da ­
--costas do Chefe, andando sempre a seu lado , defendendo-o
como um cão de fila.
Mas essa aproximação era apenas com o Chefe, não com J
outros . Dizia-se, no bando, que a aquilo vinha de muitos
I
·OS
anos atrás . Um dia, numa briga na feira de Pio Nono, Bom­
Deveras salvara a vida de Catingueira . Seis homens, armados
de faca, lutavam com o cabra e sem dúvida o liquidariam se
Bom-Deveras, que ia passando na cidade desapercebido, não
tivesse dado uns tiros nos atacantes. Dois ficaram estirados, •

feridos ; os outros debandaram imediatamente . Catingueira


·acercou-se de Bom-Deveras, para agradecer-lhe . E , reconhe­
·cendo-o, se ofereceu para acompanhar o Chefe, no cangaço .
Desse momento em diante os dois se tornaram amigos, se
bem que, com os demais, Catingueira não quisesse intimida­
. des . E quando foi num fogo em Jardim, Catingueira pagou
.sua dívida para com o Chefe . Na luta Bom-Deveras fora feri-
do na perna e com certeza seria morto se o amigo não o arras­
tasse até onde estavam os cavalos . Aí o cabra ajudou o Chefe
.a montar enquanto os tiros choviam sobre eles . Quand o
to cavalo disparou com Bom-Deveras, oito balas vararam o
corpo de Catingueira. Morreu com o dedo no gatilho a
�morte mais digna para um cangaceiro .
* * *

Enquanto o pensamento teimava em se desviar para um


Joutro fato do passado, Doi.s de Ouros procurava concentrar-se

434


naquele objetivo que devia ser o único a firmar-se em sua


mente: fugir . Sabia que, se nãô reagisse, as pernas fraqueja­
riam e findaria estirado debaixo de uma árvore, onde seria
encontrado pelos soldados . Tinha que andar ainda mesmo
que o sangue j orrasse da ferida, ainda mesmo que as tontei­
ras fizessem o seu ouvido zunir, como estava acontecendo ago­
ra . O céu se povoara de estrelas mas, no meio da mata, fazia
um escuro de breu . O corpo curvado, a mão sobre a ferida,
Dois de Ouros ia varando as unhas-de- gato, insensível aos
rasgões que os espinhos faziam no seu corpo .

Tinha o rosto intumescido, borrado de sangue, e o suor


frio continuava a cair de sua testa . A mão apertando o feri­
mento, andava o mais depressa possível por baixo das árvo­
res . Mas aquele depressa era muito lento : quanto já se dis­
tanciara, mata adentro, nestas três horas em que ansiava
por se afastar do campo da luta? Dois quilômetros, talvez
três . Apenas meia légua para quem, normalmente, tinha o
passo rápido, acostumado que estava a fazer léguas seguidas
sem se cansar.
I

I
O ferimento doía e o sangue coalhava em seus dedos cris­
pados sobre o peito . Mas debaixo daquele chumaço de pano
sentia que continuava a sair sangue fresco, quente, viscoso .
Quanto sangue já perdera? Não podia calcular . Sabia apenas
que, para sobreviver, teria que continuar a andar, a varar as
matas, a rasgar-se nas unhas-de-gato, a prender a respiração,
a rilhar os dentes, a manter as pernas firmes na direção em
que Ia .

Se atingisse ao menos as grotas que j á não estavam dis­


tantes e onde poderia esconder-se . . . Mas ainda teria muito
que percorrer: ainda faltavam bem dois quilômetros para al­
cançá-las . As gratas eram inascessíveis a quem não as conhe­
cesse bem . Uma verdadeira floresta de unha.s-de-gato as cer­
cava . Mas Dois de Ouros sabia que, arrastando-se pelo chão,
poderia chegar até lá .
Precisava atingir as gratas, precisava fugir para salvar­
-se . Com pouco mais a volante estaria voltando do Crato e de

435


ar ia po r al i. N as gr at as se se n ti ri a se gu ro
madrugadinha cheg
el es so ld ad os te ria co ra ge m de va ra r as uh a s-
• ---nenhum daqu
- . A qu il o er a lu ga r pa ra bi ch o s para
-de-gato para atacá lo
bichos e para os ca br as do gr up o de Bo m -D ev er as .

Mas o passo não poderia deixar de ser lento porque o fe­


rimento cada vez doía mais. E o sangue continuava a j orrar,
ensopando os panos da camisa. Felizmente aqueles pano s im­
pediam de deixar pingos de sangue pelo chão. Se os soldad os
encontrassem marcas de sangue segui-lo-iam até às grat as.

A respiração estava presa, não podia abrir a caixa do


peito para sorver o ar, com medo de espirrar mais sangue pela
ferida. E a mão crispada sobre o tórax apertava o ferimento,
como a querer esmagá-lo. Precisava andar, tinha que andar.
Uma baba sanguínea saía de sua boca mas Dois de Ouros nem
notou aquele gosto adocicado de sangue.

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

O sargento caminhava lentamente, rompendo as brenhas,


à procura de um sinal da passagem de Dois de Ouros. Logo
atrás vinha o cabo Finnino, vez por outra dando uma suges­
tão: sem dúvida o bandido fora para o Jardim, onde o grupo
do Bom-Deveras sempre contara com bons coiteiros. E a es­
trada que levava ao Jardim era quase diametralmente opos­
ta ao local onde o homem, na noite anterior, enfrentara os sol­
dados que o perseguiam desde o Crato. Mas isso o cabo Firmi­
no não dizia.

O sargento, entretanto, se mantinha silencioso . Firmino


sabia o que aquele silêncio significava: novo na cidade, o su­
perior com certeza andara ouvindo conversas a seu re speito.
E Firmino tinha ódio ao povo do Crato por causa dessas con­
versas. As suas costas, que não tinham coragem de dizer na
cara, todos o acusavam fortemente de ser amigo de Dois de
Ouros, talvez mesmo apaniguado com ele .

Nada mais injusto era isso o que o revoltava . Cabo do


destacamento há anos, nada existia que justificasse aquela

436
maledicência do povo da cidade. Não podia negar que fora ami­
go de infância de Dois de Ouros de Dois de Ouros não, de
Juvêncio de seu Zeferino, que era pessoa bem diferente do
bandido que tanta miséria praticava na serra do Araripe.
Mas é crime ter-se por companheiro de infância uma pessoa
que depois derrapa, vira cangaceiro, mostra crueldade em to­
dos os seus atos, perversidade para com os próprios filhos de
sua terra? Quando menino Juvêncio era até muito calmo, não
tinha coragem de enfrentar os outros, sentia medo de tomar
parte n11ma briga.
-Lesma! não sei onde estou que ainda te aturo no nos ­
so batalhão, covarde!
Era assim que Creso, o chefe, o tratava, e nunca Juvên­
cio sequer se revoltou com aquelas palavras. Firtnino foi
quem, vendo a marcação de Creso, findou tomando o partido
do mais fraco, defendendo-o das perseguições do chefe. Por
isso talvez andassem dizendo hoje que ele protegia o bandido,
ligados por 11m pacto qualquer, desses que são feitos na in­
fância e perduram por toda a vida. Mas na verdade não havia
.

pacto algum. A não ser aquele juramento quando Firmino ia


morrendo afogado e Juvêncio, com coragem, o salvou.
- Pela honra de sua mãe?
-Juro!
Jamais, em tempo algum, Juvêncio quebrou a sua jura de
honra, nem mesmo quando os dois se tornaram inimigos. E
Finnino era grato por isso pois, descoberto o fato, ficaria em
posição de inferioridade na rua. Dever a vida a outro era uma

situação constrangedora. Nunca Firmino teria voz altiva en-


tre os seus companheiros com alguém, entre eles, a quem de­
via a própria vida.
Talvez por isso hoje se murmurasse essa história absur­
da de estar ajudando ao bandido. O sargento, novato na ci­
dade, com certeza ouvira alguma coisa a respeito. E por tal
razão andava desconfiado com o cabo Firmino. Vez por outra
fazia uma pergunta dúbia, a ver se colhia o subordinado nu­
ma atitude favorável ao cangaceiro.

437'
---- --�----

-Como é mesmo que se chamava o pai desse bandido,


cabo Firmino?

- Seu Zeferino. Era um sapateiro que morava na rua


da Vala. Morreu.

(Fran Martins. Dois de Ouros·. São Paulo, Livraria Mar­


tins Editora, 1966, pp. 40-3 ; 72-3.)
'

Na "orelha" do livro, reproduz-se um artigo de Caio Por­


fírio Carneiro, escrito por ocasião do lançamento de A Rua e
o Mundo ( 1962) , onde este escritor se refere, entre outras
coisas, ao que se chama de "cacoete'' na obra de Fran Mar­
tins, qual seja "o remoer e repisar descrições, dando a impres-
são com isto que o leitor deve não apenas lê-lo, mas decorá­
-lo". Aguda observação; apenas, levando-se em conta a evi­
dente voluntariedade do processo, preferimos chamar a isso
de característica do autor, presente também na novela em
foco, ao longo da qual se repete, traduzindo o pensamento de
Juvêncio, a raiva que o acometeu quando soube das ligações
de Arminda com Celestino. Tratando justamente desse fato,
Moreira Campos, em estudo sobre Dois de Ouros, identifica o
processo com o refrão: ''o repisar dos mesmos sentimentos, das
mesmas memórias, das mesmas emoções, naquilo que possam
ter de mais impressionista, fixador, para cada personagem:
um como que carimbo na alma, o ferro-a-fogo de muitas do­
res ou decepções". 73 Pelo texto transcrito, o processo itera­
tivo se revela por meio de certos pormenores aparentemente
irrelevantes, como a observação de que o cangaceiro era obriga­
do a andar curvado, presente duas vezes no primeiro parágra­
fo, e uma vez no fim do segundo, igualmente as alusões às
unhas-de-gato (planta típica das caatingas nordestinas) apa­
recem nada menos de cinco vezes. Com isso torna o escritor
mais intensa a cena descrita: todo o trecho que reproduzimos
em primeiro lugar narra a fuga de Dois de Ouros através das
matas, baleado
· , perdendo sangue, preocupado unicamente
com não ser encontrado pelos soldados da polícia. A monoto­
nia que se derrama pela narrativa traduz exatamente a an-

438

--
..
.. .-.
.-

gústia do bandido, para o qual não parece ter fim a caminha­


da extenuante. Ainda assim quebra-se o fio da narração
quando recua o autor no tempo para falar do grupo do Bom­
-Deveras ou, mais precisamente, do cangaceiro Catingueira;
por esse trecho, percebemos algumas notas que retratam bem
o homem do cangaço: a fidelidade, advinda da gratidão, cul ­
mina com o sacrifício de Catingueira, para quem a morte só
seria digna se no campo da luta, à maneira dos bárbaros ger­
mânicos, que criam só ganhar o Valhala se morrendo em com­
bate. Na segunda parte transcrita, temos claro exemplo da
ClJmplicidade do cabo Firmino com Dois de Ouros, e a causa
disso, por meio de suas próprias recordações, quando, rememo­
rando a rua da Vala, no Crato, revive os companheiros de in­
fância, e o juramento f.eito por ele e por Juvêncio. Dois de
Ouros é um cangaceiro real, nada romântico: não era homem
para grandes lances de valentia, haja vista sua infância, en-
tre os moleques da rua da Vala; é assim, sob certos aspectos,
um anti-herói, visto dele contarem quase que somente atos de
perversidade e nunca histórias de gestos nobres como os que,
verídicos ou não, pontilham as aventuras de 11m Antônio Sil­
vino ou de um Virgulino Ferreira, o Lampião.

ANTôNIO GIRÃO BARROSO

Nasceu em Ararip.e, no dia 6 de junho de 1914. Transfe­


riu-se em 1929 para Fortaleza, onde se diplomou como Perito
Contador e, depois, em Direito. Fundou vários periódicos, in­
clusive o joinal José, que obteve alguma repercussão (1947).
Professor de História Econômica Geral e do Brasil na Facul­

dad e de Ciências Econômicas e de Economia Política na Fa­


culdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Residiu
em Brasília, onde trabalhou no Conselho Federal de Educação
e na TV Rádio Nacional de Brasília. Jornalista. Membro
da Aca denua Cearense de Letras. Pu bli cou : Alg un s Po em as
(1938), Os Hóspedes (1946), de parceria com Aluízio Medei­
ros, Artur Eduardo Benevides e Otacílio Colares, Novos Poe-.

439
mas (1950) e 30 Poemas Para Ajudar (1968), de parceria com
Cláudio Martins e Otacilio Colares.

VIDA

Proezas 11ão tenho


na vida tão pau
nem lances terríveis
tragédias enfim
com choros pesados
e mortes no meio
senao que uma vez
-

morrendo afogado
gritei pros passantes
me acudam me acudam .
Mas isso é tão simples
.

ac ho isso tão besta


tão sem novidade
a vida todinha
eu passo dizendo
me acudam me acudam .

POEMA DA DA

Vida liquefeita
num jarro de flor .
O botãozinho aguça a pele .
Um pirilampo salta!
Como o pirilampo é lindo
no jarro de flor .

O POETA

Como as árvores, que já andam carregadas de frutos,


os meus bolsos estão .carregados de poemas .
E já pesam os meus bolsos como fardos
eles, que eram vazios e felizes,

440
>
.
.--
.
•• ---

stm, os meus bolsos eram felizes . . .


Podia tirar deles os minguados din heiros


e recibos de contas atrasadas .
Agora eles quase me doem, carregam coisas intradu-
[zíveis
pedaços de mim leves esperanças
alguma aurora que já vem pelo camin ho .
Os terríveis papéis que não puderam ficar em branco!
Como poderei carregar tudo isso
será que terei de levá-los para longe?
Ou eles terão sempre de voltar para mim?
Como as árvores, que já andam carregadas de frutos,
os meus bolsos estão carregados de poemas .
Uma árvo re, eu �ei , pode se libertar do fruto
mas, como poderei eu me libertar do poema?

PO EMA

Malmeque res suavizam a paisagem


e, lá fo ra, para além das montan h.as cheias de es carpas e de
. [medos
o mar T�lge e, em mim, tudo é co mo se fosse um dia de tem-
[pes tade.
O corpo melancóli co do céu se esvai e de repe r�te as som bras
que ainda há pouco apenas se anunciavam
se lançam para baixo e enchem a terra da sua co r arroxeada .,

ó melancolia, ó indizível tristeza de estar aqui


e não sentir, como outrora, o perpassar do fino ar tão saudá­
[vel destas montanhas!

boca louca
fala falha

(Antônio Girão Barroso. Alguns Poemas. Fortaleza, Edé­


sio Editor, 1938, pp. 9; 22; "Novos Poemas de Antônio
Girão Barroso" Clã n.0 10, julho, 1950, p. 45; Antologia
de Poetas Cearenses Contemporâneos, Fortaleza, 1965,
pp. 40 45.)

441
Podemos concluir, pelos poemas apresentados, que o poe­
ta não se fixou numa determinada dicção, ao longo de sua
trajetória literária: o primeiro, "Vida", de fins da década de
trinta, trai evidente influência da chamada "fase heróica" do
Modernismo, a de 22, quando predominavam os poemas-piada;
no fundo, reflete uma grande tristeza, mas a forma como que
caricatura essa tristeza, por meio principalmente de termo s
bem populares, v . g . "pau", no sentido de maçante, tediosa,
referindo-se à vida, ou versos como acho isso tão besta. "Poe­
ma Dadá", também do livro de estréia, segue o rtodoxamente a
estética de 22, lembrando certos micropoemas de Oswald de
Andrade; o toque descritivo é típico da mencionada fase. Em
"O Poeta", Antônio Girão Barroso abandona os metros cur­
tos e pratica o puro verso livre, refletindo certa angústia em
face de sua própria condição de poeta: ao invés de sentir-se
realizado, lamenta o fato de os papéis não terem podido ficar
em branco; note-se que os dois versos iniciais repetem-se,
como um refrão, no final do poema. Simplesmente "Poema"
intitula-se o seguinte, onde, mais do que no anterior temos
um lírico a derramar-se em versos que, formalmente moder­
nistas, revelam tJma cosmovisão mais ou menos romântica: o
poeta não consegue conter a onda lírica que a natureza faz
brotar de sua mente, se ê que não sucede o inverso, a sua tris­
teza a encher de nuvens a paisagem. E, para demonstrar que
o poeta não pretende cristalizar-se, temos uma amostra de
seu Concretismo num minipoema composto de quatro vocá­
bulos. Repetimos, a esta altura, que o poeta não se fixou nu­
ma só dicção. Mas não é demais lembrar que em versos re­
centes (que constituem sua participação nos 30 Poemas Para
Ajudar, e que não apresentamos aqui por ser todo um longo
poema fragmentado) novamente apela o autor para a poética
22, Versos com um vaga-lume 1
t

de como em versos deste teor:


vagamundo I vaga-lume I tem dois olhinhos faiscantes 1 -

é ver uma menininha de olhos claros 1 pretinha como a noite .


Ou estes outros, de um retardado sabor polêmico: No tempo de
eu I no tempo de tu I no tempo de ele 1 no tempo de nós 1

442
no tempo de voz I no tempo de eles 1 seu mano, a poes ia era
um fato I TINHA BILAC!

ANTONIO MARTINS FILHO

Nasceu no Crato, em 22 de dezembro de 1904 . Depois de


militar no comércio maranhense, mudou-se para o Piauí, onde
se fortnou em Direito. No Ceará, fez o Doutorado em Direito,
tendo sido por vários anos professor catedrático de Direito
Comercial da Faculdade de Direito e da Faculdade de Ciências
Econômicas, além de advogado . Fundou e dirigiu a revista
Valor (1933 a 47) . Detentor de inúmeras comendas nacionais
e estrangeiras, realizou na Europa estudos sobre Economia e
Direito Aeronáutico . Idealizou e fundou a Universidade Fede­
ral do Ceará, da qual foi Reitor durante 12 anos (1955 a 67) .
Presidente de Honra da Academia Cearense de Letras e mem­
bro do Instituto do Ceará, pertence a várias associações cul­
turais do Brasil e do Exterior, sendo ainda membro do Conse­
lho Federal de Educação . Publicou : E·xortação aos Moços
(1938) , O Ceará em colaboração com Raimundo Girão
(1939, 2.a ed . , 1945, 3.a, 1966) , O Car iri Subsídio Para a His­
tória da Região Sul Cearense · (1940) , Noções de Economia Po­
l ítica (1942) , As Lutas da Independência (1943) , além de ou­
tras obras de caráter jurídico ou tratando do problema uni­
versitário (v . g . O Un iversal Pelo Regional 1965) , bem
como inumeráveis artigos versando temas ligados à História.

O LADO ALEGRE DA VIDA


(excerto)

Apesar do meu temperamento irrequieto e complicado ou,


talvez, por isso mesmo, sempre me pareceu necessário divertir
o espírito nos folguedos e diversões usuais ao tempo de minha
infância e adolescência .
Não havia, por parte dos nossos maiores, a preocupação.
de proporcionar à meninada prazeres compatíveis com a sua
idade, à maneira do ocorre nos dias d'e hoje.

443


Por isso eu e os de minha classe teríamos de tomar ini­
l

ciativas próprias, muitas delas prejudiciais e, conseqüente ­


mente, passíveis de punição por parte da família.

Da família, sim, porque até mesmo os tios se julgavam


na obrigação de acompanhar os nossos passos, numa fiscali­
·zação permanente. Raras vezes se lembravam de nos levar a
um folguedo. No entanto, o cipó cantava impavid amente se a
nossa conduta se desviasse da bitola estreita do código de mo­
ral para nós sancionado .
Quando esporadicamente aparecia um circo, tínhamos o
direito de comparecer a uma ou duas funções. As demais a
que quiséssemos assistir bem caro nos custariam.

Se corrêssemos o risco de pular o arame e "furar" o pano I

clandestinamente, ficaríamos sujeitos a ser sujigados pela


:gola e postos para fora a troco de assovios . Esse método não
me tentava muito, pois que sempre procurei fugir de camisas
de onze varas.

D�rante as funções a assistência se dividia en1 dois par-


'tidos o "azul" e o "encarnado" . cada qual representado


por u'a moça boa do elenco.
Quando as artistas apareciam na arena, os te11tando em
seus trajes as vistosas cores que simbolizavam os dois parti­
dos, as palmas· reboavam estrepitosamente.
As rivalidades se acentuavam cada vez mais
transfor- '

mando de modo sensível a fisiono�a pacata e monótona da


cidade.

Nas últimas representações, dedicadas a cada um dos gru­


!pos, as moças re�ebiam dos seus parti�ários medalhas alegó­
ricas de ouro de lei. Era a maneira distinta de a c1dade exte­
Tiorizar a sua gratidão, pelo quinhão de prazer que o circo lhe
proporcionara .
. • •• • I I
'
.
• .
.
.


. ,/ .

Quanto a mi�, em partic�lar, dava . preferência ao palha-


.

·ço de rua, via de. �egra um tipo loquaz, grotesco


e pessima­
mente indumentado.

�444 \
Conduzido por um jumento e de costas dadas para o tra­
jeto a percorrer, esse palhaço se dirigia à molecada que lhe
·
formava o coro, apregoando a função daquele dia .

Hoje tem ispetaco


- Tem sim sin-ô
Sete e meia da noite
- Tem sim sin-ô
Hoje tem goiabada
- Tem sim sin-ô
Hoje tem marmelada
- Tem sim sin-ô
Hoie tem arrelia
.

- Tem sim sin-6



Qué de noite qué de dia
- Tem sim sin-ô
O trabaio da bola
- Tem sim sin-ô
Assubindo na rampa
- Tem sim sin-ô
Hoje tem malacuchia
- Tem sim sin-ô
Na casa da tua tia
- Tem sim sin-ô
, . . . . .. . . . .. . .. .... . ... ..
. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . '

Vezes várias me confundi entre os do grupo, gritando e


.
. '

cantando a pano solto . Quando, porem, chegava o momento


,

de marcar os meninos do palhaço, que pelo seu trabalho fa-­


ziam jus a um ingresso, procurava deles me afastar sorratei­
ramente. Se aquela marca fosse no braço ou mesmo em algu­
ma costela, decerto que me arriscaria. Mas, na testa não . Se­
ria forçosamente identificado em casa e a palmatória teria de
vibrar ao contacto da resistência oposta pelas minhas mãos.
(Antônio Martins Filho. 11 0 Lado Alegre da Vida". in Clã
n. o 4, agosto de 1948, pp. 40-3.)
.

Embora .seja o ensaio, jurídico ou de História, o seu cam-



.

)p o predileto e onde melhor se realiza, o memorialismo é tam-

445
bém um dos fortes do autor, como podemos constatar pela
transcrição deste breve trecho de um livro que não chegotl
ainda a ser ed'itado, e que deverá intitular-se Menoridade ,
obra em que o escritor narra suas reminiscências da infância
e da adolescência. Geralmente grave em seus estudos, Mar­
tins Filho consegue aqui, já que se trata de lembranças ale­
:gres (mesmo porque as notas desagradáveis vão-se colorindo
já com os tons suaves da saudade... ) , empregar uma lingua­
gem leve, entremeada de expressões jocosas, como no caso de
ele lembrar que "o cipó cantava impavidamente " . Numa No­
ta de redação, anteposta à transcrição do texto na revista
�Clã, observa-se que "ao lado da parte biográfica, este livro é
também um sério doct1mentário das condições de vida em nos-
.so hinterland, no primeiro quartel deste século". Com efei­
to, somente no trecho reproduzido podemos ter uma perfeita
idéia de como se processava a educação das crianças nessa
época, no interior cearense, sobretudo com a interferência de
parentes de todos os graus, numa incômoda escala hierárqui­
:ca. Por outro lado, o circo (não naturalmente o circo rico,
·mas o circo pobre, cujo palhaço andava pelas ruas poentas
·acompanhado da meninada, a fazer a propaganda do espetá­
culo da noite) aqui está perfeitamente retratado, bem como
as clássicas disputas entre os partidos azul e encarnado, sob
·o riso simpático de suas respectivas rainhas ... Note-se ainda
·como o autor, a fim de não destorcer as que lhe fica ­
ram na memória, faz questão de reproduzir a linguagem do
palhaço e dos meninos tal como de fato as ouvha : assim, te
mos a grafia ispetaco, traduzindo exatamente a pronúncia
popular, bem como sin-ô, sugnificando não haver o fonema
palatal n h . Essa força de evocação, que faz com que quase
.cheguemos a "ver" o Crato daqueles tempos, é que vai confe
rir ao escritor as qualidades de um poderoso memorialista.
cuja linguagem excele pelo desatavio e pela concisão.

ALUtZIO MEDEIROS

ALUlZIO Caldas MEDEIROS Nasceu em Fortaleza, no


dia 16 de janeiro de 1918, vindo a falecer no Rio de Janeiro,

446


em 3 de setembro de 1971 . Bacharel em Direito pela Faculda­
de de Direito do Ceará, transferiu-se para o Rio de Janeiro,
onde exerceu o j ornalismo . Os problemas sociais e políticos
preocuparam-no sempre, com fundos reflexos em sua obra
poética . Publicou : Trág ico Amanhecer (1941) , Mundo Eva­
nescente (1944) , Os Hóspedes, de parceria com Antônio Girão
Barroso, Artur Eduardo Benevides e Otacílio Colares (1946) ,
Os Objetos (1948) , Latifúndio Devorante (1949) , Lírica
(1954) , Poema é Comício (1956) e Setenta e Três Poemas
(1963) , além de dois volumes de Crítica (1954-56) .

CANTO DO SÉCULO

Nunca ma is ouvire i violinos em surdina


nem pianos em surdina
nem cantos litúrgicos suavíssimos
nem músicas de s inos e de órgãos nunca mais .
O espírito mecân ico do século esmagou as doces 111e-
[lodiag
Nunca mais risc os de fogo de esferas vermelhas
nem a cabele ira azul de Olga flutuando no espaç o
nem alvas ga ivotas revoando nunca mais .
O céu está plúmbe o o céu está plúmbeo.
Nunca mais veleiros s ingrando serenamente os mares
nem canções de águas claras nunca mais .
O navio de aço levou a namorada para a distância
para a bruma s ilenciosa da distância .
Os mares estão revoltos os mares estão revoltos .
O barulho do mundo sólido desabou com estrondo.
Un iverso que desfalece que desfalece .
A i de mim! Estou esmagado estou cego. A i de mim!
Um anjo metálic o com asas de hélices
me arrebatará para cima das 1�uvens.

RONDó SEM FIM

me arrebatará para cima das nuvens .


e um amargo desespero inconfessado

447
(ó melancolia da juventude !)
quando tu ch eg a st e,. m in h a a m ig a .
• •

Havia o livr o

e a lu a . T el ef on a va m !
Havia a súbita rebelião (ah os homen s !)
e o vento gelado de agosto

quando tu chegaste, min ha amiga .


Havia a rua deserta


o noivo na varanda
deserta a praça
o fim do mundo
cznema

quando tu cfl,eg�ste, min ha amiga .


VIAGENS

A cavalo de galope
vejo ruínas de casas
sinto o lodo do passado
piso fo lhas amarelas
en veredo pelo tempo
me perco no .latifúndio
devorante do sofrer·
úmidos brejos visito
no labirinto das matas
odorantes como dantes
me embren ho e escâlante
percorro terras incultas
de léguas, léguas e léguas
mas sou demiúrgo então
crio um mundo que não esse
uma vida diferente
a cavalo de galope
nostalgia nostalgia •

de não habitadas ver


estas terras e$tas casas

448

em ruínas a cavalo
de galope devorante
latifúndio de sofrer
devorante de mil vidas
que não te chegaram a conhecer
volto atônito e aflito
os crimes os sofrimentos
destas extensões enormes
que são minhas são s ó min has
a cavalo de galope
dla e noite vou revendo
o passado deste sítio
e dos meus antepassados
latifúndio devorante
me perco nos teus caminhos
de crimes e opressões
volto atônito · e aflito
a cavalo de galope
com tristeza sofrime�to .

FORTALEZA RE VISITADA NO VAMENTE

Eis-me aqui onde outrora vivi


vem o vento de sempre vagante
vem o mar este mar
espraiado em líquida flora
calçadas estas pedras pisadas
pelos passos passados
estas ruas de luas e nuas
sombras e nuvens paradas
este barco de borco me viu ofegante
c hocalhantes cangalhas este burro
navegante entre lerdo e pensante

esta praça que primo me viu


entre pun hos e bocas andando
Pirambu a miséria encravada
estes muros de branco lavados

449

-
-

� -·- ..

esta rua Assunção da infdncia


cirandantes estrelas cantantes
este val raso val Pajeú
este mar este céu claridades
crepitares de ares este dardo
Aldeota morada maloca
este Forte mirante de Praia
Formosa e canos idosos
larvados de lodo martírio
doutrora este tempo de agora
esta vida de agora é doutrora
este val desta �da de agora
vem o vento de sempre vagante
eis-me aqui onde outrora vivi .

(Aluízlo Medeiros. Setenta e Três Poemas. Rio de Janei­


ro, Livraria S. José, 1963, p. 7 ; Carlos Burlamaqui Kopke.
Antologia da Poesia Brasileira Moderna. S. Paulo , Clube
de Poesia, 1953, p. 221; Aluízio Medeiros. Op. cit., pp . 76-7:
Antologia de Poetas Cearerises Contemporâneos. Forta­
leza, IUC, 1965, pp. 2 1-2.)

O "Canto do Século" figura no Trágico Amanhecer ( 1941) ;


falando precisamente dessa estréia, assinalou Joaquim Al­
ves: "O traço predominante na poesia de Aluísio Medeiros
é a inquietação, em que a procura de um ideal que sintetiza
a alma coletiva se faz sentir em seus versos . " 74 O que de
certa forma se aplica a toda a sua obra . No poema aludido,
vemos a angústia do poeta que, mesmo sendo modernista ,
lamenta o desaparecimento de um mundo, ante a força es-
magadora do progresso desumanizador; note-se a intensi­
dade das repetições, como em O Céu está púmbeo o céu est á
plúmbeo ou Os mares estão revoltos, os mares estão revoltos;
presenciamos algumas notas surrealistas, como na alusão à
"cabeleira azul de Olga" . O "Rondó Sem Fim", pertencente ·

ao segundo livro, de 1 944, traz-nos a face lírico-amorosa do


poeta : mas apesar de a chegad·a da amiga ser o leitmotiv do
poema, várias outras coisas interferem na atmosfera lírica>

450

inclusive a nota político-social no verso Havia a súbita rebe­


lião ( ah os homens!) . Nota que vai chegar ao ápice em
"Viagens", um dos poemas que compõe o Latifúndio Devo-
1·ante (1949) : vazado em redondilha maior, como que com
isso quis o autor usar um ritmo popular e consentâneo com
o galopar do cavalo; note-se que o poema não tem uma vír­
gula sequer, característica do poeta em suas derradeiras com­
posições. Em "Fortaleza Revisitada Novamente'·' , a maioria •

dos versos segue o ritmo do eneassílabo romântico; e, além


da ausência das vírgulas, ressalta outra característica da
última fase da poesia medeiriana : o uso ds rimas internas,
como em estas ruas de luas e nuas 1 cirandantes estrelas
cantantes I esta vida de agora é doutrora, sem esquecermos
o homoteleuto : este barco de borco . . . E, mesmo numa pá­
gina de saudade (pois o presente, no caso, mistura-se ao
passado) , a preocupação social ressalta, ainda que seja ape-
11as para mencionar a miséria do Pirambu . O que faz com que
a observação de Joaquim Alves se estenda, como dissemos, a
toda a sua poesia .

MOZART SORIANO ADERALDO

Nasceu em Brejo, Maranhão, no dia 22 de abril de 1917.,


descendente de família cearense, e ainda criança transferiu­
-se para o Ceará . Historiador, genealogista, sociólogo e pro­
fessor, praticou também o poema, pelo que está incluído na
Antologia de Poetas Bissextos do Ceará, de Artur Eduardo Be­
nevides ; destaca-se porém acima de tudo através do ensaio .
Tem exercido altos cargos na administração publica, sendo
ainda membro do Instituto do Ceará e da Academia Cearense
de Letras . Publicou : A Confusão Ortográfica em Face da Lei
( 1937) , A Posição do Escritor na Reconstrução do Mundo
( 1 947) , Esboço de História da Literatura Brasileira ( 1948) ,
Colonização das Terras Devolutas do Ceará ( 1949) , Apoemas
de parceria com José Stênio Lopes ( 1949) , Minha Arvore Ge­
nealógica ( 1950) , Discursos de parceria com J . W . Ri­
beiro Ramos ( 1952) , Livros e Idéias (1954) , Padre Francisco

451
Longino G ui lher me de M elo o Ver deixa Mo çoroen se (19 55) ,
o Fun ·ri» Público e o Estado (19 57 ) , Discursos de parce-
ria com Ed ua rd o Cam pos (1 95 7) , Na Ca sa de To m ás Po m peu

- de pa rceir a co m Jo ão Cl fm ac o Be ze rr a (1 95 9) , Ro lins, Ca r­

taxo s e Af in s (1 96 1) , Ve lh as Re ce ita s da Co zin ha No rde s tina


(196 3) , Três Es tu do s (1 96 5) , Na Ca sa do Ba rã o de St ud ar t-

de parceria com José Parsifal Barroso (19 69 ) e História Abre­


viada de Fo rta leza (19 74 ) . en tre ou tro s . Es cre ve nd o em 1966 ,
dis se Br ag a Mo nt en egr o qu e o esc rit or "n ão tev e ain da um
livro publicado à altura .de sua personalidade de crítico, his­
toriador e ensaísta ; não implicando isto em desapreço à sua
produção vigente, mas em uma homenagem à sua inteligên­
cia e aptidão literária, de que se tem muito a esperar" . 75
EDUARDO CAMPOS

Manuel EDUARDO Pinheiro CAMPOS •


Nasceu em
Guaiúba, no dia 11 de janeiro de 1923 .. Jornalista, contista,
romancista, teatrólogo e folclorista, é bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito do Ceará . Vimo-lo entre os membros da
Academia Cearense de Letras, da qual foi presidente, mais de \
uma vez reeleito . É membro do Conselho Estadual de Cul­
tura . Publicou. contos Águas Mortas (1943) . Face Ilumi­
nada (1946) , A Viagem Definitiva (1949) , Os Grande Espan-
tos (1965) . As Danações (1967) , O Abutre e Outras Estórias
(1968) e Tropel das Coisas ( 1970) ; romances O Ch ão dos
Mortos (1965) , A Véspera do Dilúvio (1966) ; várias peças tea­
trais, como O Demônio e a Rosa (1948) , A Máscara e a Face
(1956) , O Morro do Ouro (1964) , Rosa do Lagamar ( 1964) e
outras mais, encenadas com êxito no Ceará e no Sul do País .
Além de estudos folclóricos, como a Medicina Popular, com 3
edições (1951, 55 e 67) , Folclore do Nordeste (1959) , Estudos
de Folclore Cearense (1959) e Cantador, Musa e Viola (1974) .
Veremos o autor através de um conto :

�U LIMPO


Oh! mil vezes morrer a se ausentar de sua terra, daquele
pedaço de capoeira, regalo dos seus olhos! Como ia deixar o

452
terreiro de barro socado, ciscado pelos pintos, a sua casinha
de taipa levantada à custa de tanto sacrifício? Como era mes­
mo? Arrumava tudo numa trouxa, velhas e fuxicadas roupas,
o chapéu da missa do� domingos, os sapatos de couro de be ­
zerro, meio comidos no arrastado dos sambas, não esquecer
nada, botar tudo, arrochar, arrochar, até não mais poder. Não,
não podia ser. A saudade que lhe ia no coração não cabia den­
tro de uma trouxa de panos velhos. Não ia escondê-Ia ali, e,
num gesto derradeiro, passar a corda. apertando o matulão.
E então partir para muito longe, esquecido daquele chão todo
seu, da casinha de taipa, dos dias felizes que vivera na Pa ­
vuna . . . Era lá besta ! Não ia fazer isso . Não era destituído
de coração ; o dele era largo, vivedor, bom .
Tolice ! Mil vezes morrer, mil vezes sumir-se mesmo na
terra ingrata, a deixar para trás a capoeira, o roçado, o seu
lar de homem pobre. Mil vezes morrer . . . murmura baixo.
Puxou a fumaça do cachimbo sertanejo . Deu mais pas­
sadas pelo interior da casa . Viu Francisca sentada em cima
da mala de couro ; a folhinha que marcava os dias. brinde do
boticário de Pacatuba, e como se atrasara o calendário !
Pregara-se no último Natal, dia esperado por ele e a família .
e. que transcorrera cheio de festas, dança na casa do compa­
dre Luís, aluá, pé-de-moleque, cachaça para os mais velhos.
_servida recatadamente no oitão . . . Parece até que agora a
mulher e ele perderam as mãos e estão inanidos . Aquele vinte
e cinco tinha sid·o dia tão grande para eles, que lá ficara
ante o olhar da efígie da santa como lembrança perpetuada .
- Chica, nós vamo mêmo?
A mulher deixou escoar por entre os lábios um riso es­
talado. Riso que dizia muitas coisas, uma por exemplo, que
preferia também morrer, acabar-se de fome, a deixar a sua
.casinha de taipa coberta de palhas de carnaúba .
Estirou os passos para o interior da casa. Feitiço, o cão
que dormitava na cozinha, levantou as orelhas sobre o corpo
tdescarnado como se aguardasse nova ordem :

453
- Vamo ficá, Feitiço . Num vamos mais não.
Mas aua.l ! Leôncio não sabia o que dizer. Sumira-lhe a
voz . A lfn2ua embrulhada, aquela coisa estranha embolando
dentro dele . Ntlm desafogo, para não chorar ou blasfem.ar.
curvou-se ráDido sobre o cão e lhe fez uma carícia .

Homem e cachorro estavam comovidos .


* * *

Sobre a mata seca, estorricada, desceu a noite .


A nuvem que parecia trazer chuva àquele sítio desfez-se
em ventos, em rajadas que levaram as últimas esperanças do
dono da casa, para muito longe, e agitaram as palhas de
carnaúba em tremeliques nervosos como se por cima delas
andassem os demônios soltos, zangados com Leôncio, com o
cão Feitiço e Francisca .
- Vento do diabo! esconjurou o homem .
Francisca, em cima da mala, não se mexeu. Não adiantava
desfazer a trouxa. para recompô,.la a seguir . Dormia ali se
preciso fosse . Pobre arranja-se de qualquer jeito, inda mais
quando é de coração forte .

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
• •

Afinal, soa o momento em que nada mais há que buscar


no interior da casa . É sair quanto antes, enquantos os olhos
não ficam cheios de lágrimas, enquanto a saudade não vem
com a força da enchente de um rio .
Leôncio apanha a trouxa. Feitiço olha para a sala da
casa, e não late uiva .
Quem chamaria aquilo de latido?
- O cachorro tá gemendo de sodade, Lanço.
- Tá . . .
Está mesmo . Agora, imitando os donos, num último
olhar, principiou a andar indiferente a tudo . E os três, um
atrâs do outro, tomam o c o pedregoso que atravessa a

454
capoeira assassinada . Vão perder a casinha , 0 pedacinh de
o
terra, a existência feliz que viveram juntos . Não irão mais
aos pés de samba, não rezarão mais na igrejinha de Pacatuba,
não ouvirão também, nunca mais, os violões passando pela
estrada, gemendo dores e saudades . . .
- Lanço!
- Que é?
- Tá sentindo?
.

- Sim, tá pingando. Caiu um pingo no meu rosto . Olha


pro ceu, repara.
,

O homem deu mais dois passos. Não pôde mais andar .


- Bobage, num chove não . O céu 'stá tão limpo .
Num sei, mas pingou.
O homem deu mais dois passos . Não pôde mais andar .
·
Ficou parado , vigiando os olhos vacilantes da mulher, o

ar saudoso do cão, o chão cheio de seixos, a capoeira com­


burida que pisava. Agora, estão se consultando os três, se In­
dagando.
"Como é, a gente vai ou não vai? Convém ficar? Vale a
pena aguentar mais uns dias?" Podia ser que ainda chovesse,
que o inverno, mesmo atrasado, chegasse a tempo de salvar
a terra e reflorar tudo amolecia o homem .
Acoraram-se, apalpando a areia com carinho, a terra
que, regando-a a chuva, poderá florescer em breve e apontar
outra vez o caminho da fartura .
- Lanço, a gente fica?
Puseram-se de pé . Ficavam sim .
Correram então para a casinha de taipa . O cachorro na
frente, Chica no meio e o Leôncio da Chica no fim .
Em cima deles o céu continuava limpo, sem nenhum
fiapo de nuvem .

l Eduardo Campos. o Abutre e Outras Estórias. Fortaleza,


Imprensa Universitária do Ceará, Apresentação de Bra­
ga Montenegro, 1968, pp. 43-4; 46-7.)

455
Eduardo Campos a observação é de Braga Montenegro
---, conquanto haja experimentado notável amadurecimento
artesanal, desde sua estréia como contista, em 1943, "se tem
conservado o homem de suas aptidões telúricas e de sua ge ­
ração espiritual . 76 No conto aqui apresentado, estadeia-se
"

o regionalismo do autor, porventura sua característica mais

marcante . Trata-se de um flagrante, onde mais se constata


um fato do que se percebe um enredo, razão por que o trecho
omitido não chega a prejudicar-lhe a mensagem, que se re­
solve no profundo amor do sertanejo a sua terra natal . É
um retrato perfeito do ambiente do sertão, com sua paisagem,

suas coisas, sua gente, seus bichos : a capoeira, o roçado, o


casal de caboclos e mais o cão, figura indispensável em tais
quadros. O linguajar do povo cearense está presente nos diá-
logos : "Chica, nós vamo mêmo?" Vamo ficá, Feitiço .
Num vamo mais não." "O cachorro tá gemendo de sodadet
Lanço." "Tá . . . " Isso, tanto pela supressão de fonemas,
como pelo laconismo ( "Lanço ! " "Que é?" "Tá sentin­
do?" "Sentindo?") . Ou, de maneira indireta, através da
narração do próprio autor : "E.ra lá besta! Não ia fazer isso."
Mas acima de tudo o que é mais digno de destaque, e que, em
última análise, constitui a razão de ser do conto, é a maneira
como o contista nos apresentar as personagens buscando sofre­
gamente alguma razão (real ou imaginária) para não abando­
nar a terra, árida e seca, mas amada : embora vendo o céu
exageradamente azul, limpo, sem uma nesga sequer de nuvem,.
a Chica não hesita em dizer ao marido que sentira um pingo

de chuva no rosto. Na verdade, talvez nem lhe passe pela


mente a idéia de poder iludir o esposo com tal observação ;
o que ela diz é o que sente intimamente, o que ela queria
realmente haver sentido. Daí sua obstinação : "Num sei,
mas pingou." Referindo-se exatamente ao conto Céu L imp o,
escreveu alhures Hertnan Lima, teórico e mestre no gênero :
"Em cinco páginas, não mais, Eduardo Campos condensou
maravilhosamente o destino da raça, a difusa ternura, a do­
rida singeleza d'alma, o resplandecente e irracional amor à
terra, que não é maior em canto nenhum do mundo . 77

456


ARTUR EDUARDO BENEVIDES •

Nasceu em Pacatuba, no dia· 25 de julho de 1923 . Trans­


ferindo-se para Fortaleza, milita no jornalismo e se forma em
Direito . Ocupa inúmeros cargos ad-ministrativos e ingressa
no magistério superior, como professor de Literatura Luso­
-Brasileira da Faculdade · Católica de Filosofia do Ceará, da
qual seria Diretor . Professor igualmente da Faculdade de
Letras da UFC, da qual foi- também Diretor. Até inicio de 1976,
dirigiu o Centro de Humanidades da Universidade Federal do
Ceará . Detentor de vários prêmios literários, membro da
Academia Cearense de Letras, poeta, contista, ensaísta e ora­
dor, publicou : Navio da Noite (19·44) , Os Hóspedes (1946) ,
de parceria com Antônio Girão Barroso, Aluízio Medeiros e
Otacílio Colares, A Valsa e a Fonte ( 1950) , O Habitante da
Tarde (1958) , O Tempo, o Caçador e as Cousas Longamente
Procuradas ( 1965) , Canção da Rosa dos Ventos ( 1966) , O
Viajante da Solidão ( 1969) , Elegias do Outono e Canções de
Muito Amar e de Adeus (1974) e Viola de Andarilho ( 19·7 4) ,
todos de poesia, além de A Lâmpada e os Apóstolos (1952) ,
Universidade e Humanismo ( 1971) e Idéias e Caminho-s (1974) ,
de ensaios e discursos; Cancioneiro da Cidade de Fortaleza
( 1953, 2.a ed. , 1973) , antologia; Caminho Sem Horizonte
For ( 1958) , de c ontos, Evolução da Poesia e do Conto Cearenses,
Fortaleza, Ceará, 1976, sem aludirmos a outras obras, versan­
do temas ligados à educação e ao h11manismo do mundo atual.
Focalizamos o que julgamos ser a parte principal de sua obra,
a poesia .

A MORTE

Lentamente a morte dança


sobre as pérgula·s. Deita-se
no esquecimento e em ânforas
partidas. E cresce
para se dar madura

e em solidão.
De repente chega.

457


E já esta 'Da
há muito tempo em nós .
Mas surge caminhando
no mar que começa
sob o olhar de Deus.
Então nos erguemos. E colhemos
seu áspero fruto. E ela exige
o terrível tributo de viver.
Em silêncio a olharmos. Suá face
I
esplende mas é fria . E ela apanha
I

a flor, o cão, a casa, a ave, o homem ,


I
o dia, o sonho, a nave o riso o amor.
Tudo morre. Incessantemente.
Tudo segue seus passos pela névoa.
\
Todos ouvem sua voz no que se vai .
. Lentamente dança no tempo

e em nós . Somos

a canção que ela canta


o barco

em que desce sozinha pelo rio .


. -

Ninguém
. a ama: só os santos
e os que em versos a confortam
de sua dor de ser tão fria e só .

..
-

.
Ela é triste . · · Um dià a encontrei
no rosto de meu irmão, quando menino.
Depois em minha mãe. Estava lívida.
E eu tinha cousas para dizer . E não podia .
Estava quieto, olhando silencioso.
E via
a morte em sua pálida ·

j·mobilidade. ·

Ai, sua funda sede só se desaltera


quando ela nos leva
para o esquecimento.

Quantas vezes morremos antes


da morte definitiva?
Quantas vezes seu pólen cai

·458


em nossa espera?
E a grande rosa cresce
e cobre •

o púcaro da vida.

S úBITA ELEGIA

Marinheiro não fui.


Nasei para as viagens.
Nasci para habitar os portos e os mares. •

Em vão sonhei navios. •

Meu olhar . reflete embarcações.


Nunca tive uma ilha para amar.
E me perdi nas vãs infantari·as.

Marinheiro não fui.


Minha âncora es tu, poema.

(No sono nascem · ·


gaivotas impossíveis.)

O MORTO NA PRAIA

Um homem na praia estava imóvel.


Um homem na praia estava morto.
Um homem na areia enrijecido.
Vinham ondas do mar sobre o seu corpo.
Vinham ventos e entravam em seus ouvidos.
Vinham silvos longínquos e ele morto . . .
Adiante mulheres se entregavam
aos desejos de jovens vagabundos.
Adiante bêbados gritavam,
marinheiros no bar contavam l�istórias. •

Holofotes cruzava1n a superfície


sobre a noite rasgando o bom caminl�o.
Os uivos das águas vinham fortes.
Mas um ho� em na praia est�va morto.

Ninguém o encontrava, ·n em um cao



' ·-

459.•
vinha lamber o sangue coagulado.
Ao fundo, estava o mar; no alto, a lua
que outrora brilhara sobre as naus
de valentes marujos todos mortos.
Bem próximo do corpo estava o porto
como sigla nos olhos mareantes. I
I

Noctívagos passavam assoviando


canções desesperadas pelo cais.
Sob os gestos alguns estavam mortos
·t
Contudo caminhavam e eram ristes.
Mas na praia um homem se encontrava
como um barco fendido. E estava morto.
..

.
.:
.

. '·
.
.

ELEGIA PARA ALBA. FROTA

IV

Lívida estavas no caixão� enquanto


Nós outros, teus jograis, te rodeávamos
E em difíceis silêncios sufo'cávamos
O pranto sob o· qual nascem vigílias.

Teu velório foi longo. A madrugada


Encontrou-te parad� so�re a essa
E tudo pro.cessava-se sem pressa
Com a lentidão das tristes despedidas.

Afinal veio a hora: fui daqueles


Que puseram teu esquife sobre o carro
Em que te conduziram sem regresso.

Mas nas brumas do adeus, na fria ausência


Que pesa mais que a morte, não morreste:
Continuas nascendo no meu verso.
J

(Artur Eduardo Benevides. O Viajante da Solidão. For­


taleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1969, pp. 14-5 ;
Antologia de Poetas Cearenses Contemporâneos. Fortale­
za, IUC, 1965, pp. 53 ; 49-50; O Viajante da Solidão, clt.,
p. 68.)

\
460 ,


\
Lírico por excelência, bem pode Artur Eduar Ben
do evides
ser c�amado de poeta .elegíaco; infenso a
os apelos da poesia
experimental, prefere ficar no terreno em q
ue adquiriu reno­
me de mestre, da estirpe de um Augusto Freder
ico Schm\dt.
'
Podemos apontar duas constantes em sua poesia : a morte e
\
o mar (não raro grafado este com maiúscula) . E de tal ma­
neira essas duas presenças povoam toda a sua obra, que não
nos preocupamos em reproduzir os poemas na ordem crono­
lógica . A "indesejada das gentes" surge logo como tema único
e como título do primeiro poema : a morte, que leva a todos,
sem distinção, sejam homens, animais, coisas ou mesmo abs­
trações; quando diz : SQmos 1 a canção que ela canta 1 o barco
I em que desce sozinha pelo ·. rio, talyez haja velada alusão
ao Aqueronte da Mitologia grega, o qual ia desembocar no
reino dos mortos ; ao lembrar a presença da morte no rosto de
sua mãe, vemos desencadear-se o máximo da carga lírica cJo
poema (E eu tinha cousas para dizer. E não podia) Em ''Sú­
bita Elegia", temos o poeta a lamentar o não ter sido mari­
nheiro, causa talvez de tanto aludir ao Oceano em toda a sua
I
·obra : em O Tempo, o Caçador, e as Cousas Longamente Pro­
curadas ( 1965) , diz ele, numa página de prosa poemática : O
Mar nos chama. Não apenas o Mar líquido, o Mar das águas
escuras, búfalo imenso, ondas revoltas, navios apitando, ôôôô!
Mas o Mar interior, a fuga que eternamente nos resguarda o
imprevisto Mar, sem vento e sem esquadras.) Por sua vez "O
Morto na Praia'' traz-nos simultaneamente as duas constantes
referidas : a morte, com seu mistério inevitável tem como pano
de fundo a paisagem marinha : note-se o enriq.uecimento da
densidade emocional com a revelação da ignorância ou indi­
ferença dos circunstantes; e como se não bastasse a presença
avassaladora do mar, através das ondas dos ventos dos uivos
das águas, ainda é uma imagem náutica o que ocorre ao
poeta, ao ver o morto "como um barco fendido" ; a predomi-
nância de decassílabos confere atmosfera clássica ao poema,
um dos mais bem realizados de toda a sua obra, a nosso ver.
Afinal, para não ficarmos só nos poemas livres, um soneto :
destituído quase de rimas (apenas duas consoantes nos quar-

461
tetos e uma toante nos te rc eto s) , e tendo co m o tem a a m orte
de uma amiga, é o fecho de uma elegia composta de quatro
s. i
soneto Fo Edig ar de Al en car qu em ob$ervou a re sp eit o do
poeta : "Mesmo quando parece hermético, é lfmpido nas suas
intenções e concepções." 7& Com efeito se podemos vislumbrar
em sua arte algumas notas daquele mistério que o Modernis-·
mo herdou do Simbolismo (e que, afinal está na poesia de
todos os tempos ) , o certo é que raramente podemos qualifi­
car de herméticos os seus versos. Isso nos faz lembrar Manuel
Bandeira, que chegou a confessar : " . . . jamais fiz um poema
ou verso ininteligível para me fingir de profundo sob a es­
peciosa capa de hermetismo". 79 Benevides é sem sombra de
dúvida uma das mais altas vozes da poesia cearense contem­
porânea.
BRAGA MOTENEGRO

Joaquim BRAGA MONTENEGRO Nasceu em Maran-


guape, no dia 28 de fevereiro de 1907 . Antes de ingressar no
Banco do Brasil, onde atingiu aos mais altos postos residiu
no Amazonas, tema de seus primeiros trabalhos, que assinava
sob o pseudônimo· de Léo Silva. Não chegando a concluir um
curso superior, t�rnou-se entretanto um autodidata de só­
lida cultura literária, destacando-se tanto no terreno da cria­
ção, como contista e novelista, como através da crítica lite­
rária, da qual é um dos expoentes no Ceará; recebeu por isso,
o título de Professor Honoris Causa pela Faculdade de Letras
da Universidade Federal do Ceará. Publicou : Uma Chama Ao
Vento ( 1946) , de contos; Araripe Júrtior (1948) , Evolução e
Natureza do Conto Cearense ( 1951 ) , ensaios, As Viagens
( 1960) , novelas, Correio Retardado ( 1966) e Correio Retardado
.

II ( 1 975) , estudos de crítica literária . Preparou o volume 3 0


da coleção Nossos Clássicos, José Albano (antologia e estudo
crítico) em 1958. Em Setembro de 1976, a Secretaria de Cul­
tura, Desporto e Promoção Social do Ceará publicou em vo­
lume As Viagens (reedição, e o que o autor denominou "outras
ficções". Apresentação de Francisco Carvalho. Editora Henri­
queta Galeno, Fortaleza. E autor de inúmeros ensaios esparsos,

462
'
constantes na maior parte de prefácios, bem como de artigos
em j ornais de diversos Estados . Membro da Academia Cea­
rense de Letras, do Instituto do Ceará e do Conselho Estadual
de Cultura .

AGONIA

É a estória de um homem que, tendo�·se mudado volun­


tariamente para uma cidade interiorana, vive a remoer um
drama íntimo, não conseguindo inspirar simpatia a ninguém
(exceto, segundo ele mesmo imagina, a uma jovem, que, da
j anela de um internato, parece contemplá-lo todas as tardes) ;
quando se decide a abrir as cartas que havia recebido, fican1os
nós sabendo de sua tragédia; trata-se de cartas apaixonadas,
escritas por duas pessoas diferentes : sua esposa, que faz alu-
. sões ao filhinho, e sua cunhada, que lembra o pecado em que
incorreram ambos . Angustiado assim por um problema sem
solução, começa ele a sofrer toda sorte de alucinações; com
a razão abalada, corre pelas ruas e morre sob as rodas de
um automóvel .
Estava há cerca de um mês na cidadezinha do interior,
para onde fora transferido em comissão mas esses poucos
dias se lhe afiguravam tempos infinitos ; apenas algumas
horas de avião o separavam da cidade onde ficara a sua casa ,
as pessoas a quem era devotado, o seu conforto, o mundo que
criara durante anos e a sensação que experimentava era
a de distâncias incontroláveis . .
Até então não fizera nenhuma relação de amizade e vivia
quase inteiramente despercebido . No emprego, era o senhor
Gerente ; no hotel, o hóspede do quarto número 17 . No mais,
um moço de fora, de aspecto distinto, a quem as mulheres
atiravam olhares gulosos, mas muito esql1isito, distante, alua­
do . Percebia insustentável a situação em que se colocara; con­
tudo não tinha ânimo para lutar. Fechava-se numa tacitur­
nidade que impedia toda a aproximação, toda a convivência
amistosa . Isto lhe era prejudicial, notadamente quanto à sua
profissão . Já pressentira uma atmosfera de reserva entre os

463

I

seus colegas de trabalho, com relação à sua pessoa, e isto o


'
afligia sobremodo : inda mais · porque adivinhava que essa
reserva nã o de cor ria de· ne D.httm mo vim en to de ho sti lid ade ;
mas originava·-se, sem dúvida, desse natural receio que as
pessoas honestas sentem se afligir, com a sua aproximação ,
aos que são retraidos por índole ou circunstância . Animava-se
de propósitos de urbanidade, mas as palavras lhe eram cada
vez mais frias e escassas, as linhas do rosto cada vez mais
rígidas . Debalde as ordens de serviço lhe saíam mansas -
essa mansidão soava como uma ironia . Os lãbios mal se lhe
arregaçavam num sorriso a expressão dos olhos não ex­
primia afabilidade .
O erro partira de começo . Logo à sua chegada, recusara
vários convites para reuniões e passeios, apresentando mo­
tivos que traíam um inequívoco desinteresse pelas atenções
que lhe dispensavam . Nessa ocasi�o, todavia, estava depri­
mido, estonteado por aguda nostalgia do mundo que fora com­
pelido a renunciar . Por que agora? . . .
Urgia, portanto, uma modificação nas suas atitudes ; era
preciso infundir confiança aos companheiros e subordinados
- 1nostrar-se tal como acreditava ser : de maneiras afáveis,
de coração largo e generoso.

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
• • • • • • •

• • •
• • • •

Tomou-o �m desespero incontrolável . Apagou a luz e dei­


tou-se, gemendo , vencido . Assim ficou por muito tempo. A
noite já ia avançada e do silêncio partiam ecos perturbado res :
a buzina de um automóvel ; o canto esganiçado de um ébrio,
cada vez mais intervalado e mais distante . Fechou os olhos
e 'isto lhe aumentou a acuidade dos sentidos . Tinha uma
imensa dor de cabeça . Levantou-se às apalpadelas e deu volta
ao comutador : uma luz viva inundou o quarto, percutindo
violentamente na sua retina . Procurou o vidro de aspirina,
tirou · água da moringa e engoliu dois comprimidos . Nova­
mente deu volta ao botão da luz e a escuridão foi quase com­
pleta : apenas uma claridade · muito vaga · penetrava pelas vi-

464
draças, mal revelando o contorno dos móveis dentro da peça.
Agora o aposento se povoava de ruídos : trilhos chiados asso­
bios, rangidos, pipilos, roncos e sopros . As ba;atas caí�m do
telhado, esvoaçantes, pegajosas, sobre o seu corpo; os grilos
saltavam, aos guinchos, arranhando-lhe a epiderme com os
esporões; as aranhas estendiam sobre a cama uma teia es­
cura, embaraçando-lhe os movimentos : milhares de vaga-lu­
mes piscavam em roda de sua cabeça; e os ratos roíam os ob­
j etos, incansavelmente. Sentou-se na cama, atordoado. Abriu
os olhos e viu um rato enorme a espiá-lo de cima da 1nesa .
Apanhou uma das sandálias e atirou-a raivosamente sobre
o animal . Houve um rolar de garrafas, um tilintar de vidros
que se quebravam sobre o tijolo, soltando chispas, esparzindo
cacos ; mas, mal cessara o ruído e o rato lá estava no mesmo
lugar, a fitá-lo escarninho, os olhos brilhando como brasas
crepitantes . Num impulso, pôs-se de pé e, descalço, marchou
para o animal, rugindo de raiva, as mãos para a frente, os
dedos crispados como para estrangular . Mas o bicho fugia, •

sempre à mesma distância, recuando aos pinchas, os olhos


cada vez mais rubros, sem desfitá-lo, fatais e agressivos . Con­
tudo ele avançava obstinadamente, derribando os objetos, pi­
sando os vidros espalhados no chão, ferindo os pés, ensan­
güentando os lençóis da cama, já derreados na poeira, dila­
cerados na luta alucinada, na agonia em que se prostrava
vencido de cansaço, transido de dor .
Minai, o rato deu um salto maior e desapareceu através
da parede que dava para a rua . Correu à janela, abriu-a e
saltou para o lado de fora; nada mais viu . . . A cidade estava
mergulhada em leve bruma, que mais se rarefazia à propor­
ção que se distanciava do solo . O céu estava nublado e a hora
indecisa se observava pelo tempo. Olhou em redor de si e deu
uma gargalhada vitoriosa; porém, súbito, um desvairado pen­
samento penetrou-lhe a mente : o rato não fugira, estava,
sim, em ca ·
o do internato! Não podendo vencê-lo, ia pro­
cu rar desforra na mo cinha sua com pa nh eira de soledade . . .
A pobrezinha desprevenida, certamente dormindo àquela hora,
ia ser assaltada pelo monstro . Todo o esforço, agora, resul-

465

tarla in út il . An tes de le a� in.g ir a pr aç a j á. o bi ch o, s e qu ioso


de sa ng ue e de ving an ça , lh e te ri a ro íd o o co ra çã o . Pô s- se ,
então, a co rrer de sa ba la da m en te , so lu ça nd o de im po tê nc ia e
de fu ro r . Tr ans pu ser a o pe rím etr o cen tra l e ia co rre nd o ao
longo da ru a qu e ma rg in av a o ria ch o, qu an do pressentiu
um rugido que vinha em sentido contrário e log o divisou
dentro da bruma, aqui mais espessa, os olhos terríveis do
rato . O monstro vinha fazendo curvas, resfolegando estre­
pitosamente . Uma onda de ódio subiu-lhe ao coração . Es­
perou, disposto a nova luta, essa de vida ou de mo rte . Os
olhos do rato, sempre cada vez maiores, projetavam-se em
lâminas de fogo, dentro da neblina . Agachou-se à beira do
passeio, preparado para o bote fatal . O momento era deci­
sivo . . . agora, agora ! . . A fera parecia fugir à luta . Agora ,
.

agora! . . . Precipitou-se com fúria . . .


O carro tentou desviar : era demasiado tarde !

(Braga Montenegro. Uma Chama ao Vento. Fortaleza.


Edições Aequitas, 1946, pp. 53-5; 67-9 . )

Conquanto se tratasse de uma estréia, Uma ClLama Ao


Vento ( 1946) revelava para a literatura cearense um escritor
;seguro de sua técnica e com verdadeira vocação para o conto,
razão de o livro haver conqtlistado dois prêmios (um deles da
Academia Brasileira de Letras) :· do conto escolhido, "Agonia",
transcrevemos um trecho das primeiras páginas e o epílogo .
Pelo primeiro, constatamos a angústia da personagem, um ho ­
mem desambientado não ·devido à hostilidade do meio que
-essa não existia , mas pelo círculo de ferro criado por sua
·própria casmurrice : ele porém não é esquisito por índole , senão
por causa de um drama íntimo que lhe amarga a alma . Tal
·drama se desvenda ao leitor somente quando, ao abrir as car­
tas que recebera, o homem encontra palavras apaixonadas de
·d·uas mulheres, que identificamos como sendo respec tivamen­
�e sua esposa e sua cunhada . No trecho final, surpreendemos
.a personagem após haver lido três cartas (sendo a última da
esposa, com expressões de desespero ) , e de havê-las rasgado .
.sobrevem-lhe a dor de cabeça à qual se segue o início do deli -

466
r1� : acompanhando a narração,

cremos a princípio que de fato


existem ruídos de insetos no qU&,rto
do hotel ; todavia o número
exagerado de insetos povoando a noite (milh
ares de p!rilam­
ps , grilos, baratas pegajosaS e até aranha qu "e
s, e stendiam so­
bre a cama sua teia escura") , leva-nos de pronto à conc
lusão
de que eles na verdade povoam a mente , o mundo psíquico do
homem desesperado, · que agorà tenta investir contra um fato
.
�maginario, que tei ma �m zomb�r de sua dor; note-se que em
. . .
, . .

'
. .
.

dado momento o que lhe vem · à me�te não é a imagem da es­


.
posa desprezada, nem do filho, tampouco da cunhada, de quem
se tornara talvez amante; seu pensamento se volta para: a jo-
• •

vem que o contemplava da janela do internato : representa ela


a idealização, tudo o que deveria ter sido e que não foi; sentin­
do-se ele prisioneiro de · sua angústia, identifica-se com a jo­
·
vem, que lhe :parece ·prisioneira do internato, e "sua compa­
nheira de soledade't ; amb.os, '.imagina, buscam a liberdade .
Calculando estar o rato ,à ·caminho do· internato, a fim de ata­
cá-la, perde-se o homem pela noite, até confundir os faróis de
um automóvel com · o8 olhos zombeteiros do · terrível roedor

produzido pOr· sua insâriia . · Este conto, de forte densidade


I
I
t
emocional, · ;é ·bem representativo . .da arte de Braga Montene--

..
gro, em cuja obra de ficcionista assumem relevo especial os

problemas da �lma e da . psique, a pais�gem interior das per-


' '

. ,

. . . .
' ' 1 '

sonagens .
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. " . .

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. · · · ·:. OTACfLIO COLARES·


. . .

OTACfLIO dos ·Santos COLARES. Nasceu em Fortaleza,


no dia 1 . o de setembro de 1918.· Cedo .abraçou o jornalismo,
chegando a dirigir noutros Estados órgãos .dos .Diários Asso­
ciad·os. É professor de História da Literatura no Curso de Bi­
blioteconomia da Universidade Federal .do Ceará, e de Litera­
tura Brasileira no curso de Letras do Centro de Humanidades
da mesma Universidade, sendo ainda Chefe do Departamento
de Letras Vernáculas e membro da Academia Cearense de Le­
tras. Foi Diretor do Departamento ·de Difusão da Cultura, da
sec. de Cultura do Ceará. Membro do · Conselho Estadual de
Cultura. Publicou : Os Hóspedes ( 1946) , de parceria com Antô-

467'

de Cultura do Ceará. Membro do Conselho Estadual de Cul­


tura. Publicou : Os Hóspedes ( 1946) , de parceria com Antô­

nio Girão Barroso, Aluizio Medeiros e Artur Eduardo Benevi­


des, Poesias ( 1947) , O Jogral Impenitente ( 1965) , Os Saltado­
res de Abismos ( 1967) , 30 Poemas Para Ajudar ( 1968) , com
Antônio Girão Barroso e Clâudia Martins, Três Tempos de Poe ­ '
I

sia (1973) e Lembrados e Esquecidos ( 1975) , este de ensaios .


Em 1976, publicou, de prosa : Dois Estudos Portugueses, sepa-
rata do n.o 9 da revista A spectos, e o 2.o volume de Lembrados
e Esquecidos, sob os aupícios da Secretaria de Cultura do
Ceará .

O JOGRAL

Eu faço versos como quem procura, •

certo de achar, sem dor nem sofri-mento,


na Musa amiga, indevassada e pura,


o desejado e justo valimento .

Nada me dói da mágoa que enclausura


a outros mais tristes o áureo pensamento,
que esse me vem, de manso e sem tortura,
ao tempo azado e em cada bom momento .

Tédio em mim não se dá de ausente havê-la


por tempo prolongado a caprichosa
Poesia, que me serve ao seu agrado .

E a rir me vou, fe.liz de. assim qu,erê-la.,


furtiva às vezes, outras, dadivosa
com o ar feliz do que se sabe amado .

BARCAROLA

Velas pandas, vento forter


barco leve sobre o mar . . .


Portos novos, mil surpresas,
mil língua3 a decifrar . . .

468

Meus desejos de criança,


nunca os pude realizar . •

Aguas mansas, calmarias


'

canções para me berçar . . .

Leves mãos nos cais de porto,


lenços brancos a acenar '

partidas precipitadas
COTJn prantos a provocar

e os retornos sem aviso


para as ânsias consolar . . .

Foi destino que não tive,


foi fado mau, foi azar
que TAne deu, desde os primeiros
momentos de desejar .
Tudo é morto desse encanto
que não pude desfrutar:
velas pandas, vento forte,
barco leve sobre o mar . . .

Meus desejos de criança,


nunca os pude realizar . . .

SONETO EM TONS MENORES

Possam outros gozar tranqüilidade


mais do que nós e mesmo da riqueza
fruir delícias, na insinceridade
dos bens terrenos, com maior largueza .

Possam alguns, em triste fatuidade,


julgar-se donos de .imortal grandeza
tomando o quanto pela q1wlidade
ou o que é simples disfarce por beleza .

Aqui por onde estamos ficaremos:


nem de todo enganatips nem sofridos
�.,.i.., s, antes com o quanto met·ecemos .
,

469
Para que em nós os dias ;á vividos.
não sendo interno a que nos condenemosJ
também não sejam cé'US imerecido3 . '
� .

• •

ESTUDO EM ROSA


• •
\ ·• '·

Tens hálito de rosas, quando ama3.


· •

e caprichos pagãos, qUando desejas;


cicios de jardim, se amor harpeja:J
ao meu ouvido, ou q1J,ando amor reclamas .
. •

De rosas são teus seios .· . . Quantas damas,


daquele alto padrão . que tanto almejas, .

queriam tê-los como tu, que en$ejas


toda a emoç�o;,. �om o gozo que derramas .

Róseo teu dors�, . rósea � face e tudo


que tu perfumas; o ar que se respira,
que embriaga, que deslumbra e deixa mudo .
.
És rosa. incenso inapagável pira -

'

ardendo na emoção .e� · que me iluQ,o •

E_, mais me tosse um mal, mais .me iludira I •


'
# '
. . �

( Otacilio Colares . O Jorgral Impenitente. Fortaleza , Edi­


.

tora Instituto do Ceará, 1965, pp. 1 7 ; 2 1 ; Os Saltadores


de Abismos.· Fortaleza, Edições Clã, 1967, pp. 37 ; 52.)
.. . ..

Havendo composto sonetos desde a década de 30, é neste


.

.
:

poema de fortpa. ..fix.� q�e acre�tamos estar o melhor da pro-


dução poética · de ·otacílio Colares . "0. Jogral", que abre o li-
vro O Jogral Impeni.tente ( 1965) ; soa-nos como uma profis­
são de fé que é válida com . relação a toda a sua poesia : vaza­
do num soneto que �só não é .:totalmente . clássico por causa do
esquema rimático·· dos · quartetos (em ABAB ABAB) , o tema
é a própria maneira de o po.eta compor seus versos, com a
confissão explíci�� ·� e :não buscar forçá-los; se a poesia toge
.
por momentos�· ele· · espé�a qri·e · ·ela· . se d�cida: . a voltar . . . A
"Barcarola"� r�pr6duZl&o�là _. .lpteêl�amente parà ci·emonstrar
r. · ··

470


que o poeta sabe exprimir-se, como


mestre, noutras formas e
noutros metros : fincando raízes profu
ndas na lírica lusita­
na , lamenta ele suas frustrações
de sonhos de viagens. em
redondilhas com rimas apenas nos versos ímpares ; a presen
­
ça das âguas confere ao poenta o acento essencial das barca­
rola s de origem ital iana . Mas on
de o p�eta se sente mesmo à
vontade é no soneto ; e este à vontade se reflete na maneira •

como compõe o catorzeto : escreve-o sem exageradas preocu­


pações com a modernidad·e , havendo mesmo leve dicção camo­
niana a marcar a maioria de seus poemas de quatro estrof es:
por out ro lado, isso põe o poeta ao lado daqueles que, moder­
namente, não d·f.\..sdenham o sopro clássico, como Vinícius de
Moraes e outros . No "Soneto Em Tons Menores", o recorte
clássico se coaduna perfeitamente com o tema, que se resolve
numa filosofia de vida se não estóica, pelo menos desambi­
ciosa das coisas supérfluas. Convém advertir que, levando-se
em conta a perenidade da dicção clássica, nada invalida a
a t u ali dade da poética de Otacílio Colares . Entretanto, levan­
do talvez ao máximo sua falta de prevenção em se tratando
de arte (no que se aproxima bastante . de mestre Guilherme
de Almeida) , houve instantes em que atingiu não propria­
mente ao Classicismo, mas ao Neopamasianismo, como ao
compor os alexandrinos do soneto "Faunesca", incluído n' O
Jogral Impenitente e ainda na Antologia de Poetas Cearenses
Contemporâneos ( 1965 ) , e cujo primeiro terceto diz :

Ha veria o silêncio apenas harpeiado·


pelo arfar do teu seio em timidez na oferta
do almo filtro a enrijar o alvi-rosado seio .

o poema que talvez melhor caracterize a po esia do autor


em estudo reproduzi1no-lo no final : Em "Estudo em Rosa" ,
derrama-se o poeta num erotismo algo bilaquiano, mas a lin­
guagem é depuradamente clássica, como também o esquema
rimático. em ABBA ABBA CDC DCD, para não aludirmos à
construção bem camoniana do verso final (E, :n ai� me fo�se
um mal, mais me iludira. . ) , com sua enâlage (1,lud1,ra por .,lu-
.

diria) . otacílio Colares é um mestre moderno de soneto .

47 1

- --- �


-
JOSÉ ST�NIO LOPES

JOSÉ STtNIO de Lucena LOPES Nasceu em Guara-


miranga, no Sitio dos Pilões . Estudou as primeiras letras em
casa e no Pacoti, indo depois para o famoso Caraça, de Minas
Gerais, de onde regressou em 1938, abraçando o jornalismo e
conquistando por concurso o · cargo de Inspetor do Ensino Pri­
• mário . Após uma temporada no Crato, como professor, re­
tornou a Fortaleza, licenciando-se em Filosofia, pela Facul­
dade Católica de Filosofia do Ceará . Ingressando no SENAI,
passou mais de um ano na França, fazendo estágio de aperfei-·
çoamento pedagógico . Atualmente é Delegado do mesmo
SENAI, em Campina Grande, na Paraíba . Jornalista.. ensaís­
ta, crítico literário e cronista, tem praticado a novela e, mais
raramente, o poema . Publicou : Roteiro de Eça de Queirós I

( 1946) , Diretrizes do Ensino ( 1949) , Apoemas (1949) , de par­


ceria com Mozart Sariano Aderaldo, Duas Novelas ( 195 1 ) , de
parceria com João Clímaco Bezerra, Rio do Esquecimen to
I

( 1956) , notas de viagem à Amazônia, e Velha Fazenda, Velhos •

Costumes (1961) , no dizer de Braga Montenegro, "um livro ad­


mirável, de gênero ambíguo entre memória e ficção" . so

JOAO CLíMACO BEZERRA

Nasceu em Lavras da Mangabeira, no dia 30 de março de


1913 . Bacharel pela Faculdade de Direito do Ceará, fez o cur­
so de Contador na Escola de Comércio Padre Champagnat. na
qual se iniciou como professor . Exerceu as funções de Chefe
de Relações Públicas do Banco do Nordeste e de Técnico de l
Educação da Universidad·e Federal do Ceará, onde é professor
das Faculdades de Filosofia e de Ciências Econômicas . Ro­
mancista e novelista, tem praticado a critica literária através
de artigos em jornais e revistas fortalezenses . É atualmente I

Secretário Geral da Assessoria Técnica da Confederação Na­ I


cional da Indústria, residindo no Estado da Guanabara . Pu­
blicou : Não Há Estrelas No Céu ( 1948) , Sol Posto ( 1952 . 2 .a
ed . , 1968) , Duas Novelas (195 1 ) , de parceria com José Stênio

472

L?pes, e O H e Seu Cachorro ( 1959) , de crônicas. É


amda autor das antologias e estudos crfti
cos de Juvenal Gale­
no e Humberto de Campos, da coleção Nossos Clássicos (n.os
34 e 79, de 1959 e 65, respectivamente ) . É membro da Acade-
mia Cearense de Letras· � O texto que transcrevemos é da no­
vela Longa é a Noite, constante de Duas Novelas, citado, e es­
tampado também na revista Clã .

LONGA É A NOITE

Doente dos pulmões, . ltm literato fortalezense muda-se


.

para um vilarejo serrano, em }?usca de melhoras; ali, quando


os acessos da enfer1nidade permitem, procura reencontrar
inutilmente Margarida, jovem :que conhecera ainda no trem .
.
.

Escrita em forma de diário, a n�vela tem .como protagonistas,


além do literato, o Dr . Linm (médico que se torna seu ami­
go e em dado momento lhe comunica o noivado) , o padre Fé­
lix, a empregada Joana, e Margarida, onipresente ainda que
em alusões . Acrescentem-se o carteiro Lionel e o cão Velu­

do . Pela interrupção dos capítulos do diário, sabemos da


morte do literato . Na última visita do médico, acompanhou-o
a noiva. que não quis entrar no quarto do doente .

5 DE JANEIRO

Cinco dias de cama . Sinto-me cansado . Mas vencia as­


tenia . E pela manhã dei uma volta pelo campo . Surpreendi­
-me com pieguices de adolescente, colhendo flores pelos cami­
nhos . Mas eram belas e eu não tinha com o que me entreter .
Trouxe muitas flores para casa . A minha velha emprega­
da, a preta Joana, encheu-se de assombro ao me ver aproximar
carregando tantas rosas .
-lh ! como o senhor está bonito ! exclamou .
Improvisei um jarro e flori a minha sala e janelas solitá­
rias . Não tenho retratos nem gravuras pelas paredes . Tudo
nu, desoladamente nu .

473

--�=-
---
=---�
-

Dormi a sesta e vún para janela . Espichei-me na �spre­


a

guiçad eira pa ra ler . N a real id ad e, es p er o M ar ga ri da . A ssal ta ­


-me o presen tim en to de qu e ela pa ss ar á po r aq ui . É um a ta r­

di rei pa la vr as am áv ei s . C on ta r - lh e -e i h istó­
de linda e eu lhe
rias simples , pa ssag en s da m in ha vi da , pe qu en in as co is as se m

importância e sem graça .

8 DE JANEIRO

Joguei fora as rosas que murcharam . Comoveu-me o ges­


to banal . E invadiu-me · uma tristeza maior : a certeza de que
breve morrerei, fenecerei como as pobres flores . E j ogar-me-
.
.

-ão debaixo da terra, com a indiferença que sempre acompa -


nha o sepultamento dos desconhecidos e solitãrios . I

. '

Infantilidades, bem sei . Mas dolorosas e pungentes ver-


dades .

13 DE JANEIRO · ·

O médico veio examip.ar-me hoje . É a primeira vez que o


vejo e simpatizei cpm. o seu jeito . Conversou comigo . Contou­
-me a sua vida na vila, os sonhos de mocidade que se desfize­
ram . Não podia abandonar a velha mãe, quase cega . De res ­
to, convidou-me para visitá-lo . Jogaríamos xadrez .
Afiançou-me que- a febre --fora por culpa do esforço da ex­
cessiva caminhada do último passeio . Coisa de somenos que
passará logo, com repouso e paciência .
Convenci-me de que devo precaver- me, prender-me ao leito
com mais insistência e resignação . Não vou sentir muito,
aliás. O tempo piorou e chove copiosamente .
Passo horas esquecidas na espreguiçadeira, vendo a chu­
va tamborilar sobre a calçada ou acompanhando as nuvens
na sua marcha lenta pelo céu . Recordo os amigos que deixei
longe . E idealizo longas cartas para cada um deles . Escreve­
rei, não hã dúvida .

474


Eles devem freqüentar o· mesm
o café . Talvez falem de
mim, da minha partida quase-
fuga, sem despedidas . Arribei
pela madrugada e não vi ning
uém .
.
Meus pés ressoavam . pelas calça�as vazias . A zoada do
mar zum�ia nos rneus ouvidos . Na minha malota, a chapa de
radiografia . · E 11m abatimento de morte invadia o meu futu­
ro . No corpo, nada . Nem dores nem cansaço . Apenas o medo
e uma inexplicável e revoltante vergonha de estar doente .

23 DE JANEIRO
. .

o
.. •

A solidão e o isolamento da beira deste regato me tor-


nam feliz . Imagino coisas gr�dioSaS . Crio um mundo para


mim . É tranqüila a existêncià no meu niun<io' iinaginârio ,
onde não há dor nem sofrimento : Coloco-me mais além do
bem e do mal� co·mo sonhara Nietzsche . O evangelho fala de

u1n mundo onde há choros e ranger de· dentes, pois é o con­


trário deste mundo terrível o que encontro à margem do re­
gato .
Pássaros cantam . Não lhes sei os nomes, pois jamais es­
tive no campo . Mas os distingo p.elos gorjeios . Uns negros,
outros
'
. coloridos., todos belos .
·
Os livros que conduzo jazem à espera de leiura. Atiro-os
para longe, deito-me · na relva, adormeço ·.
Acordei, sobressaltado . Alonguei a vista para a estrada e
estremeci . Margarida passava em direção à vila . Gritei p�r
ela, ergui- me n11m ímpeto e corri .
·

·
Meu esforço para alcançá-la foi inútil . As forças �ugi-
ram-me e, exaurido de cansaço� caí à sombra de uma velha
mangueira, junto à minha ca�a .

3 1 DE JANEIRO •

' .
• •

Dá-me vergonha o que vou escrevei' ... Detesto o sentimen­


talismo piegas, o patetismo barato . Mas n·ão me consigo fur­
tar ao sortilégio desta tarde realmente bela . O sol morre no

475

,.--
--
.
..--.
horizo nt e . N ão é so m en te a ima ge m ba na l . El e ba ix a va ga­
roso, envo lto no se u ric o m an to de co re s . Se m pr e go st ei da s
auroras, mas aqui na se rr a os cr ep ús cu lo s sã o m ai s bo ni to s.
a,
E agor se nt ad o na ca lç ad a, ex ta sio- m e co m o o po r do so l : o
primeiro que vejo e o pr im eir o qu e ten to de sc re ve r . A le m ­
brança de Al en ca r estr ag a o sent im en to de be le za qu e m e do-
mina .

7 DE FEVEREIRO

Dei o nome de Veludo ao cãozinho, que j á me acompanha


nos passeios matinais . I! lJm nome desmoralizante para o
lugar . Aqui os cães se apelidam : Treme-Terra, Tempestade,
Furacão, Rompe-Tudo. Nomes que traduzem força e vigor .
Também os homens constituem uma perene luta com a na­
tureza, afeitos ao trabalho fatigante e contínuo .
Eu e meu cão formaremos o contraste . A fraqueza den­
tro da força, a tristeza na festa permanente da terra farta .
A febre desapareceu . Andei novamente pelos recantos
conhecidos . Bebi a água do regato e deitei-me à sua margem •

verdejante.
.

Acompanhei por muito tempo uma nuvem que passeava


no céu . Escrevi versos . Talvez os mostre ao carteiro . Ele, de­
certo, os gabará e agradecerá o meu gesto .

22 DE FEVEREIRO

• • • • • • • • • • • • •
• • • • • • • • • • • • •
• • • •
e e e e e e e e e e e e 8 e e e e I e e e e e e e e

Dr . Lima tentou falar-me da noiva hoje pela manhã. Não


recordo a que propósito ele me interrogou :
- Nunca pensou em casar?
A minha resposta negativa, expandiu-se :
- É um erro . A gente precisa de mulher nesta vida .
Tenho a minha velhinha, mas sou noivo . Um médico casado
inspira mais confiança.
-· Certamente .
. . . ' . . . . ... .... . .. ..
. . . . . . . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
• • • • • • • •

476
13 DE MARÇO

O carteiro, o bondoso Lionel, entregou-me um pequeno


.
bilh�te, com ares conspiradores . Abri-o . Era de Margarida .
Letr1nha e linguagem singelas, mas quanta doçura!
" Meu caro amigo :

Lamento muito a sua piora . Espero poder visi­


tâ-lo dentro de noucos dias . Estou rezando pela
sua saúde.
M. A."
As iniciais ao invés do nome por extenso deixam-me a im­
pressão de medo, de mistério .
Pobre Margarida! Como pensei em amá-la! Pobre dela ou
..

de mim? De ambos, talvez .

( João · Clímaco Bezerra. "Longa é a Noite", in Clã n.o 11,


dezembro de 1951, pp. 6-7 ; 7; 9-10; 12; 15; 18; 24-5.)

I
Aproveitando o fato de a novela ser escrita em forma de
dlário, reproduzimos trechos salteados, buscando surpreender
o que nos pareceu mais interessante dentro do seu enredo . Aí
ten1os a ternura, que o protagonista chama de pieguice, nele
infundida pela paisagem dos campos; e, acima de tudo, a lem­
brança, ou melhor, a espera de Margarida (5 de jan . ) . Depois�
entra em cena o médico, homem maduro, cuja cordialidade, já
amizade, no primeiro encontro, retrata sua ânsia de, como mé­
dico do interior, travar relações com alguém de seu nível cul­
tural . De grande densidade e força dramática é a afirmação
que flui da memória do enfermo, ao lembrar o dia da partida,
quando o angustiava não só o medo, mas "uma inexplicável
vergonha de estar doente" (13 de jan . ) . Margarida surge por
um momento, mas nem escuta os gritos do enfertno, no único

instante em que pôde revê-la (23 de jan . ) . Mais uma vez o li­
terato revela medo de ser tachado de piegas, ao sentir o fas.cí-
nio do poente; anti-romântico, chega a dizer que "a lembran­
ça de Alencar estraga o sentimento de beleza" que o domina;

477

esta afirmação (que acreditamos não seja projeç.ão do pensa.:.


mento do autor) retrata bem a atitude do literato provinciano,
. ainda na fase "heróica" das demolições de valores estabelecidos
(31 de j'an . ') . Note�se · adiante a· constatação de· que os nomes
dos cães sertanejos espelham a rudeza dos homens e da vida
que levam e o carinho com que alude o. literato ao cãozinho
Veludo . (7 de fev . ) . Nos trechos finais, temos a referência do
. . .

Dr . Li�a à noiva (22 de fev . ) . e o lacônico recado de Marga-


"

rida, trazido ··peio· · càrteiro Lionel ( 13 de mar . ) . Agudamente


nota o protagonista que a presença das iniciais, em vez da as-


sinatura da moça, revela um mistério; nada nos esclarece o
autor, mas, ao .sabermos, no. finai · da novela, que a noiva do
. .
Dr . Lima a qual so apareceu por alusoes· . . nao quisera en-
, . ,., ,.., .

tr��. no qQ�rt,o . ;do .. .


'

ÀQ�nt. . (c�p.for:t;ne
. .. disse.mos n9. resumo) , as-
.

salta-nos a suposição de que ela, a noiva do médico, é a própri�


Margarida, a fugidia amada do literato enfermo . E j ustamen­
te . nesse. . enig�, algo machadiano, . r.eside uma das forças que
co11stituem a grand�za dessa novela de João Clímaco Bezerra .

MOREIRA CAMPOS
r

· · José Maria MOREIRA · CAMPOS


. .

Nasceu· em Senador
Pompeu, no dia 6 de janeiro de 1914 . Passou a infância e par­
te da adolescência em Lavras da Mangabeira, de onde se trans­
feriu para Fortaleza, bacharelando-se em Direito pela Facul­
dade de Direito do Ceará e licenciando-se em Letras pela Fa­
culdade Católica de ·Filosofia do Ceará . Professor de Literatu­
ra Portuguesa do Departamento de Letras Vernáculas do Cen­
tro de Humanidades da· UFC, foi Decano do mesmo Centro e
exerce atualmente as funções de Pró-Reitor de Ensino e Gra­
du8.,ção da UniverSidade Federal do Ceará . É membro da Aca­
demia Cearense ·de Letras. Tem praticado ô ensaio e o poema,
destacando-se porém, acime de tudo, como contista, dos maio­
res de nossa literatura . Publicou : Vidas Marginais ( 1949) ,

Portas Fechadas ( 1957) , As Vozes do Morto (1963) , O Puxador


de Terço ( 1 969) , e Contos· Escolhidos ( 1971, 2.a ad . 1974) .
De poesia, MlJmPl,tos, · Imp;rensa Universitária do Ceará, 1976.
Transcrevemos na íntegra, o conto "As Corujas" .


478 \
AS CORUJAS

Ele conversa muito consigo mesmo, repet


e-se, os olhos no
_

chao e metido no dólmã de brim listrado,


os pés redondos nas
alpercatas . Resmunga, insistente . Fech
a as janelas do velho
necrotério . Apanha os pedaços de lona e, co
m eles, cobre os
m ortos sobre as lousas . Deixa-lhes . apenas os
pés de fora . A
mulher sem chinelas, com o sangue coagulado entre os
dedos
abertos ; as grandes botas gastas e de cadarços do al
emão an­
darilho, que amanheceu morto no oitão do armazém da prai
a, •

onde se alojara : o enorme saco e o livro de impressões, folhea­ •

do po r muitos dedos, foram recolhidos à ·delegacia . É preciso


cob rir os mortos, proteger-lhes as cabeças . As corujas descem
pela clarabóia . Têm vôo brando, impressentido, num cair de
asas leves, como num sopro de morte . De repente, dá-se conta
de sua presença, das asas de pluma sem ruído. Alteiam-se e
pousam sobre o peito dos mortos, arranhando-lhes os olhos pa­
rados, que fulgem na noite, divididos ao meio .
- Xo,
" praga '.
Os pedaços de lona ficam dobrados a um canto da sala
escura, e ele os puxa sempre, curtos, deixando à mostra os
pés inertes. Indispensável fazê-lo; depois fechar a luz triste
da lâmpada, que desce pelo fio longo com teias de aranha .
O facho da lâmpada de pilhas ainda percorre o teta de trave­
jamento antj go . Crescem e oscilam as sombras : as botas de
cadarço do alemão contra a parede umas botas de muitas
viagens . As corujas rasgam mortalha a noite toda na copa
das altas árvores do terreno . O facho de luz tenta a densidade
das folhas, corre cinzentos telhados, passa pela torre da ca­
pela, detém-se, ao longe, na janela de vidro do nosocômio .
Em qualquer parte, na noite, estarão as corujas . Elas rasgam
mortalha, agourentas, cortam o silêncio, sacudindo a vigília
do s doentes. R ec ol h em -s e, de di a, ao só tão da ca pela , o �� e
to s, qu e gu in ch am na s su as ga rras . N eces sa r1o
pegam os ra
fa ze r-lh es os n in h os . F ala�á co m Ir m ã J a ­
subir ao sótão, des .
do n os oc ôm io , qu an do el � vier pa ra a al a da s
cinta, diretora

479

indigentes, ativa, tilintando as chaves no bolso do hábito. Ela
mandará que Antero, o jardineiro, trepe ao sótão. Ele é moço
e divertido . Torcerá o pescoço das corujas, com os cabelos
cheios de teia de aranha, e as atirará ao pátio do alto da torre,
pilheriando com as enfermeiras. É preciso exterminar as mal­
ditas, que rasgam mortalha na noite, enquanto o facho de
luz as procura na sombra densa das árvores :
- XAo, praga.I •

Resmunga, conversa sozinho, repete-se. Torna a experi­


mentar as trancas das janelas, teima em aj eitar os pedaços
de lona, que modelam saliências rígidas O pedaço de lona
.

do alemão ficou curto como uma camisa : têm presença ape­


nas as botas. Resmunga. Se pudesse ele próprio poria
f
uma tela de arame na clarabóia . Já falou a Dr . Joca, que
ele trata por você, porque foram criados juntos, e tlm xinga
o outro . O bisturi do Joca corta sem pressa, profissionalmente .
Luvas ensangüentadas, bigode branco amarelecido pelo fumo,
ele apanha o cigarro com a boca no cinzeiro sobre o peitoril
da janela. Secciona pedaços :
- Leva balde
.o .
. O velho o recolhe, e conversa consigo mesmo, o corpo
atarracado mal contido no dólmã de mescla .
Quando o homem que chegou do interior e se hospedou
no quarto d·a pensão veio fazer velório ao corpo descarnado
do filho, ele deu a lâmpada de pilhas e o advertiu para as
corujas . Elas desciam pela clarabóia, mesmo com a luz da
lâmpada . Era preciso manter as velas acesas nos castiçais .
Só assim as desgraçadas não vinham : temiam queimar as
asas nas chamas . Ficavam rasgando mortalha no alto das
velhas árvores ou na · torre da capela . Sem a presença das
velas, elas surgem sempre, impressentidas, como n11m sopro
de morte : alteiam-se leves, pousam sobre o peito dos mortos
e com o bico arranham-lhes os olhos, que fulgem parados e

indefesos na noite .

(Moreira Campos . Contos Escolhidos. Fortaleza, Imprensa


Un1vers1tár1a da UFC, 1971, pp. 134-6.)

480
Ao reunir num só volume contos de seus 4 livros, quis
Moreira Campos não só dar uma idéia de sua evolução no
genero, como definir o que entende por conto, modernamente ;
"

antes esboço de romance , atingindo mais de uma dezena de


páginas, é atualmente o conto, segundo o escritor cearense,
" um momento, um flash 11ma fatia de vida, u�a impressão ,
uma mancha, como querem alguns ." s1 Com efeito, autor de
contos longos, como "L ama e Folhas", "Vigíli a" , ou "O Preso" ,
chegou a tal ponto de contenção que n'O Puxador de Terço

( 1969) os mais extensos não passam de 4 páginas, havendo-os


de duas apenas . Não assinalamos isso em detrimento dos
contos citados (todos de valor indiscutível, incluídos em an­
tologias nacionais e estrangeiras) , senão para constatar uma
tomada de posição do autor, em busca da essencialidade. E
desta é exemplo perfeito o conto "As Corujas" do citado
O Puxador de Terço . De início, observa-se uma particulari­
dade interessante : contrariando a etimologia, esse conto não
pode, a rigor, ser contado, pois é destituído de enredo, com
princípio, meio e fim; trata-se, portanto, de um corte, de
I
I um flagrante, em suma, daquilo que o autor disse ao definir
o conto atual . A ausência de enredo aproxima-o, a nosso ver,
do poema ; ainda mais pelo fato d·e só a alusão aos pássaros
noturnos bastar para conferir ao texto uma atmosfera encan­
tatória, densa de mistério e poesia . As aves, fatalmente li­
gadas à idéia de morte pela crendice de que seu canto rasga
mortalhas, surgem-nos aqui ainda mais lúgubres, em con­
tacto real com os mortos. Não que nós as vejamos descer sobre
os defuntos, mas através dos pensamentos ou palavras do
velho : por duas vezes, de dentro das considerações em torno
do ambiente e da aproximação das rapinas, sai a exclama­
ção : " Xô, praga ! " É o velho espantando as corujas, mas
não podemos precisar se estamos voltando aos instantes em
que as aves pousavam sobre os mortos ou se o velho, ao reme­
mo rá- las , solta as pa lavras com o as est ive sse ven do de fat o. Te­
mo s idé ia de com o são ca çada s as av es ag ou rei ras : o fac ho
de luz pr ocu ra nd o-a s pe las árv ore s, · ou o jardin eir o tor cen ­
do- lhes os pe sc oç os no só tão; ta m bé m to m am os co nh ecim en -

48 1

.
- ,..
..
.

to da morte do andarilho alemão, com suas " botas de muita3


viagens''; sabemos quem é Irmã Jacinta, bem como o Dr .
Joca, ou o jardineiro Antero. Tudo isso porém emerge do
meio das manchas que constituem o conto. Inimigo do de­
talhismo, o contista valoriza todavia o detalhe imprescin·d í­
vel : o dólmã de mescla, o travejamento antigo do teto, as
botas do andarinho, etc. Note-se ainda com que crueza neo­
nat.uralista aparecem os olhos dos mortos, na noite, divididos
ao meio, semicerrados. Mas, acima de tudo, ressalte-se a força
do refrão : por duas vezes, no fim do primeiro parágrafo e no
final do conto, descreve-se a descida branda e impressentida
,das corujas, que se alteiam e pousam sobre o peito dos mor­
tos, a fim de arranhar-lhes os olhos ; há pequenas variações
vocabulares mas a cena é a mesma, repetida para efeito es­
tilístico. Pelo sortilégio das palavras, pelas evocaçõ es que con­
segue despertar, atinge Moreira Campos , com "As Coruj as" ,
a altitude de um poema denso de simbolismo. Escusado lem­
brar que o autor tem lugar destacado no panorama literá­
rio nacional como verdadeiro mestre do conto.

MíLTON DIAS

José MíLTON de Vasconcelos DIAS Na sc eu no Ipu, em


29 de abril de 19l9. Bacharel em Direito pela Faculdade de
Direito do Ceará, foi professor no Ceará e em S . Paulo Exer­
ceu as funções de Secretário da Universidade Federal do Cear:
e de Técnico de Educ�ção. É professor de Literatura Fran­
cesa no Departamento de Línguas Estrangeiras do Centro de
Humanidades da mesma Universidade . Fez estágio no Ins­
tituto Nacional Pedagógico de Paris e cursou Literatura Fran ­
cesa também na França. Membro da Academia Cearense de
Letras. Foi condecorado pelo Governo da França com a Ordem
das Palmas Acadêmicas. Cronista e contista , publicou Sete­
Estrelo ( l960) , As Cunhãs ( 1966) , A Ilha do Homem Só
( 1966) ,Entre a Boca da Noite e a Madrugada (197 1 ) , Cartas
Sem Respontas ( 1974) e Viagem no Arco-lris ( 1974) , em co­
laboração com Cláudio Martins . Segue na íntegra uma das
suas " estórias" :

�i82
-
----
-

TR t:S IRMAS

Presume- se que Hermínia, a mãe, não tenha tido con­


duta irrepreensível na juventude, mesm na vigência do fi­
o
nado n1arido, que era um homem bem constituído para os
trabalhos do campo, feito também de corpo e alma para as
alegrias da pinga, da dança e da conquista à mulher alheia . •

I-Ierm íni a, já velhota, ainda punha no andar uma certa graça


que não deixava dúvida quanto à intenção de atrair a cobiça
masculina . O certo é que agora, aposentada de todos os amo­
res, come o p·ão difícil cumprindo a sentença bíblica com
o suor do seu rosto derramado pelas cozinhas dos brancos.

Morava e mora no sertão e foi lá mesmo que se perdeu a


primei ra filha, por nome Mar:a, e tão depressa se tornou esta
dita menina conhecida como mulher de vida airada, bonita ,
malcomportada, afrontando a sociedade local com os veS­
tidos curtos, decotados, de cores violentas e as farras acinto­
sas, que passou a ser tratada por Maria Perdida, versão mu­

nicipal da concubina dos grandes do Império e da República,
pois falavam claramente. das suas aventuras e dos seus amores
com o senhor prefeito.

E tanto sucesso alcançou, tanto subiu na carreira rá­


pida, tanto "charme" pôs no olhar de brasa, tanta sinceridade
no seu propósito de luxar, de ganhar dinheiro e correr o
1nundo, tanto sonhou com navio e cidade grande, que vindo
para Fortaleza e botando banca, ou melhor, botando cama
.
no Mucuripe, la mesmo conseguiu que um comissario se m-
. . , .
,

teressasse por ela e a carregasse para terras do sul.

Esta é o orgulho da m,ãe, que continua no sertão, na


mesma cidade que sempre viveu. Qua11do aparece, Hermínia
faz po r su a con ta a pr om oç ão da me nin a, inv enta ca rta s, im ­
provisa no tí ci as , in form a co m se gu ra n ça : Está no Rio, a
Ma ria. É a qu e est á me lho r de tod as , mo ra nu m "de par ta­
mento" , · ca sou co m um gr ing o, tem au tom óv el e tod o con -

torto. ·

483
Uma vez lhe perguntaram se Maria está gorda, ela res - I

pondeu com alegria d'alma : Nem gorda, nem magra, está


assim medieval . . .
Uma outra Maria, a que vinha encostada à primeira � na
ordem de idade, foi a segunda pomba despertada. Não se pode
dizer que era bonita como a Perdida, ah, isto nunca mas ;

era sacudida, tão alvorllçada, tão doida, dançareira, bebedeira


de cerveja, abrideira de barulho, tão inquieta, que ganhou o
apelido de Maria Pinote. Tantas fez, tanto trabalho deu ao
padre, ao delegado, tanto escandalizou, que se cotizaram, pa-

garam-lhe a passagem de caminhão e a mandaram exercer


seu ânimo amorento aqui na capital. Salvou-se assim muita
paz doméstica.
Hermínia desculpava a filha, dizia que a pobrezinha ti­
vera uma doença em pequena, ficara com o juízo "destroçado". •

E completava : mas aquilo tem um coração de ouro . Apesar


d·e todo ouro no coração, sabia-se, por porta de travessa , que
Hermínia apanhara da própria filha, ao ensej o duma carras­
pana inesquecível .
Tão avoada, não havia quem dissesse que se apaixonaria
um dia. Mas diz que o impossível aconteceu a pobre se en­
graçou dum embarcadiço, caiu-lhe nas malhas. Quando foi
abandonada, sofreu, chqrou,
. . bebeu, perdeu o gosto de usar
óculos "rayban", de pintar o cabelo
.. de louro, de usar o colar
.

de miçang�, o vestido vermelho brilhoso, e foi entristecendo ,


alternando a embriaguez freqüente com estados de desgra­
çada depressão. Um .dia destes queimou-se toda, virou fo­
gueira, morreu ardendo, morreu apaixonada pelo embarca­
diço infiel .
Hermínia veio cá, os olhos constantemente molhados de
choro copioso, mas compreendendo o gesto da filha como fra­
queza do coração generoso e perdoando tudo da pobrezinha ,
debitando tudo por conta daquela doença que ela tivera em
cr1ança.

Foi buscar os pe��nces da meni�a, 1� mesmo na pensão


onde morava e voltou magoada, a madame não quis dar nem

484
os oculos, nem o colar de conta de vi
, •

. dr o ' nem os b rin co s , n em


a Pulse1ra . Hermínia lamentava :
As outras disseram que
o homem deu muita coisa a ela, mas a madame estava in­
tolerável . Alegou as despesas do enterro, encerrou o assunto.
Tanto que ela queria os óculos escuros da menina
!
Quando veio, Hermínia trouxe outra filha, por nome Ma­
.
ria das Graças, que tratam por Graciosa. Bem se vê que é de
menor, mas tão enfeitada, o baton carregado na boca polpuda,
o esmalte fei to sangue nas unhas compridas, as sobrancelhas

arqueadas, o olhar vivo, o cabelo curto . O vestido barato, as


alpercatas ordinárias denunciam pobreza de verdade.
- Esta não ·volta pro sertão, esclareceu Hermínia. Vai
se empregar por aqui os ganhos lá andam poucos, em
casa de branco só tem mesmo a vantagem da comida, mas pa­
gam barato e ainda são desaforentos que só vendo . Está é
que nem a mais velha, quer ser gente . . .
Foi assim, por morte de Maria Pinote, que apartou recen­
temen te em Fortaleza, a terceira Maria mulata como as ir­
tnãs, menina de muito futuro.

(Milton Dias. As Cunhãs. Fortaleza, Editora Comédia


Cearense, 1966 , pp. 63-7 .)

Andou muito bem Mílton Dias ao subintitular alguns de


seus livros de "estórias e crônicas" , entre eles As Cunhãs, do
qu al ex tra ím os o co nt o ac im a rep ro du zid o ; e ch am am o-l o de
con to para enquadrá-lo num gênero definido ; guardando
muito daquela leveza própria da crônic a, "Três Irmãs" apro­
xima-se co m efeito muito mais do conto do que de qualquer
ou tr o gê ne ro lit er ár io ; e ap es ar de lh e fa lta re m a sín te se e a
monocronia do co nt o at ua l, é ex tr em am en te m od er no pe la
linguagem . Aqu i, de sf ila m , ca da um a a se u tu rn o, as tr ês
a H er m ín ia , cu ja co n di çã o de ex - pr os ti -
irmãs , filhas da velh . .
ar 1a s : a pr im ei ra ,
.

tuta parece refletir-se � o de st in o de ss as M


g ri n g o, d ep oi s d e uma te m p or a d a n o su b ­
arribando com um
a se g u n d a , p o n d o . fo g o às v e st e s (n u m
mundo d o Mucuripe ;
m u lh e r e s e m s u a s it u a ç ã o ) • e de ix a n d o v a g o
su ic íd io tí p ic o d e

485


-- �
- ..-...
.- .
--

u1n quarto num cabaré ; a terceira, ainda impoluta, mas se­


gura candidata ao ofício das outras, visto que para isso a
trouxe do sertão a velha Hermínia. Toda essa fauna mise­
rável com a velhota ainda tentando atrair amores pelo·
�.ndar faceiro, as ligações da primeira Maria com o Prefeito,.
Maria Pinote batendo na mãe e caindo no meretrício, a mesma
llermínia parecendo lamentar mais a perda dos óculos rayba1n
do que a morte da filha ; a mais nova, já ensaiando os primei­
ros passos na "vida alegre" toda essa humanidade in·feliz
daria páginas de colorido trágico ; Mílton Dias, porém, con ­
segue, de maneira quase alegre, mal disfarçando a piedade
e mesmo a simpatia que lhe inspira essa sub-human-idad·e ,
pintar-nos quadros leves : à maneira de Charles Chaplin que,.
no cinema, alternava o melodrama com o humorismo , entre
o escritor com a nota de fino humor, mal começamos a es­
boçar alguma comoção; assim ocorre quando Hermína in­
·
forma uma amiga da situação física de sua filha mais velha :
" Nem gorda, nem magra, está assim medieval . . . " ou.
ainda quando, ao referir-se à mais nova, sentencia, como que
or gulhosamente : "Esta é que nem a mais velha, quer ser
gente . . . " O exercício da crônica nos jornais, onde são ab­
solutamente necessários o tom coloquial, bem como a graça
e elegância da frase, fizeram de Mílton Dias um dos mais
originais . escritores cearenses da atualidade, seja no campo
n1esmo da crônica, em que é mestre, seja na ficção, compondo
o que ele chama de "estória", e que está bem representada.
pelas "três irmãs". ·

LúCIA FERNANDES MARTINS

Maria LúCIA FERNANDES MARTINS Nasceu no Rio


de Janeiro, em 24 de março de 1926, mas transferiu-se para.
o Ceará no início da década de 40. Iniciando-se ainda muito
j ovem na literatura, conquistou, em 1945, com menos de de- ·
zenove anos de idad·e , menção honrosa num concorrido cer-·
tame, promovido para comemorar o centeário de Eça de Quei­
rós� Data dessa época a sua colaboração na imprensa do Ceará

486

T
->•

�'
,_
e _ de outros Estados . A autora, po
rém, assinava suas produ­
ço�s s o b o �se u dônimo de Sa
ndra Lacerda, e assim é que pu­
b li c o u Destmos Cruzados, rom
ance, no j ornal O Povo, em 19 5 3 ,
e A Face Marcada, novel
a, no jo rnal O Estado, em 19 55 . En­
tretanto, são dessa época alguns · co
ntos na revista Clã, assi­
n ad os co m o nome real. Publicou ai
nda Nada de Novo Sob
o Sol ( 19 67 ) , sob pseudônimo,
e Janelas Entreabertas ( 1971 ) .
É a única mulher pertencente ao Grupo Clã .

A MAQUINA DE RETRATO

Entediada (5 anos de casada, trabalhando para ajudar


o 111a ri do pobre) , Marta conclui não s�r essa a felicidade que
_
so.n l1ara usufruir com César ; � quando conhece, na loja onde
trabalha, um j ovem, Armando, que tenta cortejá-la; relu ta,
mas por brincadeira dá-lhe um nome falso e finge ser sol­
teira ; afinal, ei-los namorando, ao final dos expedientes. Um
dia mesmo sabendo não ter condições para tal, compra para
Armando, a prazo, uma máquina fotográfica que o atraira
numa vitrina. Mas no domingo Marta e César vão ao mesmo
cinema onde está Armando com uma morena ; tudo termina ...
lVIenos as prest�ções da máquina.Leremos o final do conto.
O n1a rido se levantara e se aproximara da porta, onde
o rapaz se achava encostado, um papel na mão, silencioso,
-

aguardando o desenrolar da cena. E viu-o encarar o estranl1o


com uma fisionomia de · quem não compreendia coisa ne­
nhuma, e ler o papel, para exclamar, numa espécie de es­
tttpor .
Trinta contos . . . Trinta contos? ! ! ! Não, não é aqui,
deve haver engano ! Eu não comprei nenhuma máquina fo­
tográfica ! Deve ser aí no apartamento vizinho ! No trezentos
e seis . . . aqui é trezentos e cinco . . É engano, posso lhe ga-
.

rantir . . .

Mas o rapaz fincou pé, disse que não. Fora sua senhora
quem comprara a máquina, �li estava o no� e dei� escrito,
pela sua própria mão. A assinatura dela, nao está vendo?
E dizendo isso estirara um papelzinho com seu nome es­
crito, bem legível, a tinta. O marido olhou, olhou, sem co1n-

487


preender nada � Chegou bem perto do nariz para ter certeza,
e depois, perguntou :
Essa letra é sua . . . Você comprou mesmo essa máquina?
Não podia mentir . . . Era impossível . . . Abaixou a cabeça,
afirmativamente, e estremeceu ao ouvi-lo exclamar indig­
nado :
- Marta, como pôde fazer uma loucúra dessas? Aonde
vamos arranjar dinheiro para comparar uma máquina desse
preço? Como poderemos pagar semelhante absurdo por uma
máquina? Quem j á viu uma coisa assim?
O homem, parado à porta, procurou intervir :
- Eu já disse à madame que era muito fácil. É só devol­
ver a máquina e pronto, tudo fica resolvido.
..

Novamente o mesmo horror. Devolver a máquina . Aonde l


estaria Armando agora? E a máquina?
Então o marido a olhara com aquele ar atarantado e dis­
sera :
- É o jeito, Marta, é o jeito devolver. Não podemos pagar
tal preço por essa máquina . . . s

Devolver, devolver, devolver. Sim, iam exigir dela que de­


volvesse a máquina. Mas, como? E sem saber o que fazer, rom­ I

peu num choro convulso, enquanto o marido, penalizado, pro­


curava reconfortá-la. Não, não chorasse. Comprariam outra
mais barata, mais adiante, quando fossem ricos. Não sabia I
I

que ela tinha vontade de ter uma máquina fotográfica, senão


já teria providenciado sobre isso . . . Pobrezinha ! não sabia
decerto que tinha tanta vontade. Era .horrível ser pobre. Se
fosse rico lhe compraria mil máquinas iguais àquela. Mas não
era possível, o jeito que tinham era devolver.
Então ela inventara aquela mentira sem saber como., A
máquina não era para ela : comprara- a para d·ar a ele no seu
aniversário. Por isso não lhe dissera nada . Era segredo, era
surpresa .
O marido ficara sensibilizado, falara na bondade dela, la­
mentou mais uma vez não terem dinheiro para pagarem aque-

488

'


la� �restações. E acrescentara sem piedade : sentia muito, mas
o J eito era . <tevolver .
� .
. . : •
. .

Então o terror, o verdadeiro terror de que tudo fosse des­


coberto se . apoderou .dela, . . Devolye
·. r a máquina. Que diria?
Devolver como? E chorava, cllorava, se
. m · poder deter as lá-
grtmas .

. . .

I .
.

Aonde está a máquina? perguntou · César, vendo que


ela não se mexia, ,não tinha intençã de parar o pranto , e
o
o homem Co:ffi�çava a se iinpacientar com a delonga .
o • •
• • • •
• •

- Na gaveta da cômoda, respondeu, sem saber como pu-


dera dizer aquilo. . .
. .. . ... . . .
.
.

..
.

I o • '
o •' .. '

. .

• • • • - • • • •
# • • • • •
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 1ft • ..

.

.

• •


, t •

• t
. . •

A voz d.ele veio lá de dentro, irritada, aborrecida. A má-


quina não estava na cômoda. Ela que fosse procurar. Revirara�
mexera em tudo e não a encontrara. Certamente guardara
noutro lugar e pensara que. deixara na .cômoda . Não era sem­
( pre assim que fazia? Esquecia onde guardava as coisas . . .
Fosse procurar. Ele estava cansado, já fizera o que pudera. E
cordial, voltando-se para o ho�em · que esperava . de pé, na
porta, dissera :

- O senhor tenha a bondade de sentar e esperar um pou­


quinho, que ela encontra logo . Marta é assim : guarda as
coisas e se esquece do lugar onde as coloca. Para achá-las
depois é um sacrifício, uma luta.
- Eu sei, disse o homem com uma cara engraçada. Minha.
mulher também é assim.
Ah, o senhor é casado? Então compreende essas.
coisas . . . As mulheres todas são iguais . . . Por favor, sente-se.

aí nessa cadeira. Espere com paciência que ela encontra. Co­
nheço bem minha mulher. Para falar a verdade, conheço-a.
como a palma da minha mão .: desde que nos casamos que·
tem o hábito de guardar as coisas e não saber onde as co- ·
locou : . .

O homem pigarreou, amável :


- É isso mesmo. Elas são todas assim . . . A minha é a
mesma coisa .

Houve um silêncio em que o visitante puxou um cigarro ,


acendeu-o e olhou para a janela aberta.
Um besouro passou voando, indo cair na vidraça da sala.
Lá fora chovia um pouco.
E lá dentro dentro do quarto chegaram até aos dois
homens os ruídos de gavetas desarrumadas, móveis remexidos,
objetos que caíam no chão�
Marta procurava a máquina de retrato : na primeira, na
segunda, na terceira gaveta da cômoda.

(Lúcia Fernandes Martins. Janelas Entreabertas. Forta­


leza, Edições Clã, 1971, pp. 108- 11.)

Infelizmente é-nos impossível transcrever por inteiro este


conto (de quase 19 páginas) , dotado de tão intenso enredo,
seja pelo fluir dos acontecimentos exteriores, seja pelos dra­
mas que povoam a alma da personagem central. Neste "A
Máquina de Retrato", que surgiu pela primeira vez em 1 964 ,
11a revista Clã n.o 20 e depois em Uma Antologia d o Conto
Cearense ( 1965) , para afinal figurar em Janelas Entreabertas
( 1971) , é interessante destacar, de um trecho �ão reproduzido
aqui o conflito de Marta entre o desejo de. ceder aos galan­
teios do rapaz e o remorso antecipado ao pensar na possibi­
lidade de ser infiel ao marido : "Viu-o afastar-se e imediata­
mente se arrependeu por ter sido tão estúpida. Afinal que mal
havia em se encontrar com ele à tardinha, à saída do traba­
lho? " " E a lembrança do marido, sempre tão bom para ela,
tão fiel, tão preocupado com a vida que levavam, a impediu de
I�aciocinar. ( . . . ) E à simples idéia de que pensara por um
momento em sair com o estudante agora a atormentava."
Predominou porém o que se lhe afigurava mais agradável,
ou seja, a aventura, sem grandes consequências, não fosse
a idéia bizarra de ela comprar a máquina fotográfica , pivô

490
de toda a angústia que · vai co
nstituir o ápice do enredo. Para
pagar a primeira prestação m
. ' ente ao marido , dizendo haver
SI do assaltada; mas nã
o poderia mentir indefinidamente : o
que inventar quando das próximas presta
ções? o resultado é
o que acabamos de '· ler : Ma·rta, ·dian
te. do esposo, nervosa,
quase apavorada, :· angustiando-se com suas perguntas e, mais
do que isso, com as intervençõ'es do cobrador; que inocente­
mente procurava resolver o problema : "1: só devolver a má­
quina e pronto , tudo fica.· resolvido. Note�se a presença do
discurso indireto livre, como no parâgrafo 4.o do · trecho apre­
sentado : . "Mas o·- · rapaz .·: fincou pé, · · disse que não .. · ·. Fora sua
senhora quem comprara a máqúina;· ·.. ali estava o · nome dela
. . .
esc rito; 'pela · sua· · própria mão . A - ássinaturã dela, · :não estava
vendo ?", noutros trechos mais . Com isso, logra a autora dar
maior leveza à narração, evitando longos torneios· ou hiper­
trofia de diálogos ;.. ::·Apesar ..· da · - extens-ão e - da rique'za do en­
redo, o conto assume aspecto moderno de flash por não ex­
o_
plicitar o fim da história : o · principal já foi dito, e o conto
termina no ápice do drama, com a personagem central re­
volvendo gavetas inutilmente, : nt:l'in fecho admirável .

CLAUDIO MARTINS
. -
'

.. .

Nasceu em Barbalha, no dia 10 de- maio de 1910 . For­


mado pela Faculdade de Direito 4o : Ceará, é doutor em ciên­
cia s Eco nôm ica s, além de not ári o .. públic� , profes sor de Fi ­
nanças Públicas da Faculdade de Ciências Econômicas e de
Direito No tarial da Faculdade� . . de Dir eito - da �C � . Exerceu
os car gos de Sec ret ári o de Est ado dos . Ne góc ios . do: Go ver no e
Admi ni straç ão , de E .duc ação· e · -.Saúde e · .da Fa zen da . Preside o
Conselho Es tad ua l de Ed ucaç·ã o. É au tor de · con sa·g rad as obras

sobre Direito Tributário e Finanças. ·F.az .parte da Internatio­


nal Fiscal Asso cia tio n e é at ua lm en te Pr es id en te da Ac ad em ia

cearen se de Le tr as . D e po es ia , pu blic ou : · Po em as . (.1 96 2) , 30 .

Para Aj ud ar ( 19 69 ) , em co la bo ra çã o · :co m An tô ni o
Poemas
Girão Barro so e O ta cí lio Co la re s , ·e · . V iage m · . no· Ar co -t ri s ( 19 74 ) ,
. . , - . · . -

. · ·
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POEMETO D A M A LD A D E D IV �NA I
.
: . •


• • ; I •

• •


• •

É inegável , · ·� . ·

.
· · .: · · ·
· •

que Deus criou o mundo em seis dias.


E como lhe parecesse . conveniente
. ter alguém para apreciar-lhe a grande obra
tomou de um po.uco de argila
e fez o homem .
à sua imagem e semelhança.
É inegável também
·

que ;amais esteve em s1Uls altfssi1nas cogitações


criar um mundo feliz · . .
·

onde pudessem reinar a paz e · a tranquilidade


pois que
oniscientemente
deu ao primeiro homem . uma companheira . . . .

Depois veio a bomba atômica.

POEMA· DO DESENCANTO ·

ve;o dois enamorados


que se amam
de mãos dadas
falando a doce linguagem
de mãos que se apertam
ternas.
Tivesse o tempo parado
eternizando os momentos
em que também me aperrtavas
as mãos que eram só ternura
e eu não lamentaria
esses dois enamorados
que se iludem
de mãos dadas.

Oh! atas que embruteceram


nossas maos que se estreitavam
-

492
- .'
·
�..�,.;- '-
• "i-- -

o h ! palavras impensadas : . · • •
••

que em garras as transtor1naram


oh! gestos que lhes roubaram . •

aquela doce ternura


oh! dura realidade
que me faz tão desgraçado. .
vendo dois enamorados • . •

(JLTIMA VONTADE I
'



'•

Quando eu morrer .· . . .
·
ninguém · me dê . santo : · . . .. .


.

catxao nao preet,s� : · .. ·


• ,., lf/flll •
. .•
. .•
• •

.
.
.

.
nem choro nem veta. ·
·

-

(Em santo não creio


.
o resto pra quê?) . .

· Uma rede basta


. · ·· . . .
. . . '
.
• •

. •
.

em ombros cansados
de gente bem simples
sem ter que fingir .
- Irmãos das almas!
- Irmãos das almas!
(Prece em voz alta é proibida :
e também contrição
mas a pinga é necessária)
- Amigos pra quê?
- Pra quê choro e vela?
só gente bem simples
sem ter que fingir.
Tesouros não tenho
não tenho virtudes
mas lego pecunta
, .

pra que me detestem.


"

Os vícios não lego


que os vícios são meus
só eles me restam . . . •

493
.... _. �:
-
- -

Assim foi a vida


assim foi meu mundo
não levo saudade.·· ,,

Uma rede basta '

em ombros cansados. ·

• •

• •


• •

ASPIRAÇAO
• •

• o • ' • •

Não chores o que parte


, ·

mas o que fica


partir é sempre uma solução . .

e nada é pior que uma .\ perda irre.mediáp.el.


Seja eu o primeiro a despedir-me
e minha vida terá sido um �xito.
'

I
.
.
. •
.

(Cláudio Martins, A. G. Barroso e. . Otacillo Colares. 30


Poemas Para Ajudar. Fortaleza, lUC, �968, pp. 31 ; 33 .
Cláudio Martins e Milton Dias. Viagem no · Arco-tris. For-
taleza, 1974, pp. 13; 25.) · , · · · : · ·
. . .
. .

.. . \

Embora o próprio autor se conside-re um "poeta bissexto "


(na classificação de Manuel Bandeira) ; o certo é que o hoje
'
consagrado mestre das finanças· j á versejava na década de 30,
assinando versos futuristas · com o pseudônimo de Ênio das
Mercês. Dessa fase ficou-lhe a nota· algo ·humorística, pre­
sente no "Poemeto da Maldade · Divina" , onde todo o desas­
sossego da humanidade tem comó causa primordial a criação
da mãe Eva . . . Já em "Poema· do Desencanto", flagramos uma
das características principais de .· sua .p oesia , ou seja, o pró­
prio desencanto : em fac.e de dois enamorados, parece sentir
simultaneamente invej a de sua r. felicidade e pena por essa
mesma felicidade ser efêmera, tanto assim que acha estarem
eles se iludindo ; o poema adquire - maior força a partir dos
versos que se iniciam com a interj-eição· : ( oh ! ) .; note--se que o
autor escamoteia a metrific açã o, dando a idéia de verso livre�
mas só graficamente : na verdade;. ·. Ieild�se , o poe ma em voz
alta, parece-nos todo ele vazado etfi. · heptassílagos (redondi-

494
lha maior) , visto que, por três vezes, foi partido o verso : que
se am�� I de mãos dadas 1I de mã�s que se apertam 1 ter­
nas I última Vontade" e "Aspiraçao" traduzem ainda mo­
mentos amargos no primeiro, surge de repente a idéia da
morte (como se o poeta a desejasse) , mas ele nada quer do
mundo, a não ser a simplicidade rústica dos homens do ser­
tão ; quebrando um pouco a gravidade da cena, está presente
a lembrança do conhecido samb a de Noel Rosa (Nem choro

nem vela) , bem como a alusão à pinga, para compor o quadro


simples do hontem do povo. O último trai uma concepção
schopenhaueriana de vida, com um mundo cheio de dores, do •

qual não é grande perda partir. Aliás, essa amargura diante


da existência não é de agora na poesia de Cláudio Martins :
num poema jâ antigo, em que parodiava Casimiro, disse ele :
De Q'Ue me valem tesouros, 1 de que me valem honrarias, de que
me vale o que tenho, 1 se tudo, tudo eu daria 1 por aquilo
que não tive, j por minha infância querida I que nunca mais
há de vir! Para nós é esta a face mais válida porque mais
autêntica de Cláudio Martins.

PEDRO PAULO MONTENEGRO

PEDRO PAULO de Sousa MONTENEGRO Nasceu em


I
Quixadá, em 9 de janeiro de 1928 . Licenciado em Letras Neo­
latinas pela Faculdade de Filosofia, Ciência.,s e Letras da
PUC do Rio de Janeiro e Bacharel pela Faculdade de Direito
do Ce ar á, tem div er so s cu rso s de pó s-:g ra du aç ão , . en tre os
s
quai o M es tr ad o em Le tr as , fe ito em M ad ri , Es pa nh a. Ex er ­
I
ceu 0 ca o rg de Co ns ul to r Ju rídi co na D el eg ac ia do Tr ib unal
da U ni ão . M as su as pr in cipa is at iv id ad es gira m
de Contas
m ag isté ri o : fo i ca te dr át ico de P or tu gu ês �a P o­
em tomo do
ta r do Ce ar á e ad ju nt o de ca te dr át ic o de Es pa nh ol
lícia Mili
Pr ep ar at ór ia de Ca de te s de Fo r.t al ez a; é ti tu la r de
na Escola
te ra tu ra no De pa rt am en to de Le tr as Es tr an ge i­
Teoria da Li
en tr o de H 11 m an id ad es da U n iv er si da de F ed er al do
ras do C
si da de de F or ta le za . T em pu bl ic ad o in ú ­

ceará' e na Univer
b re li tera tu ra s es p an h ol a , h is p a n o-a m er ic a na
meros ensaios so

495
e brasileira ; é membro · do Instituto ·Brasileiro de Filosofia e
o

e da Academia Cearense de Letras. Publicou : Convivências


( 1966) . e A Teoria Literária na Obra Crítica de Araripe Júnior
( 197 5) . O primeiro é prefaciado por Braga Montenegro, que
o

lhe assinala não somente o domínio dos métodos de aborda-


bem critica, mas, acima de tudo, a intuição do fenômeno li­
terário, com o que se tem destacado como um dos grandes no­
mes de nossa crítica literária.

DURVAL AIRES
'

DURVAL AIRES de Menezes . Na.sceu em Juazeiro do


Norte, no dia 13 de fevereiro
. de . 1922 . Estreou no jornal li-
terário José, de Antônio Girão Barroso, passando daí em
.
. .
.

. -

diante a aparecer em inúmeros suplementos. literários de jor-


nais daqui e de. outros Estados, assinando poemas,. contos ou
crônicas. Jornalista profissional cç:>m larga experiência, exer-
ceu a chefia da redação de vá,rios periódicos,
. . tendo sido ainda
dire.tor do Ensino. Publicou : Os Amigos . do Governador ( 1967)
e Barra da Solidão ( 1 9·6 8) , a que chamou de novelas-reporta.­
gem. Não reuniu ainda seus poemas em livro . É . membro da.
Academia Cearense de Letras .

CANTO

Sei que nessa hora


nesse · instante
coisas intocáveis e transcendentats
estão acontecendo.
Homens que modificam · os caminhos
do mar,
da terra, .
do tempo
e do vento
E teimam em tecundar o ventre das estrelas
. .
.

Qui.sera t� contar toda a .b eleza,


de um mundo nopo que. se plasma

496
Mas sou um simples camponês
nascido nas terras imensamente
alegres e verdes do Vale do Cariri
e nada aprendi além de amar a terra
e nem sei quantas .cores possui o arco-íris.

No entanto
se pousasses tua cabeça no meu ombro
e me deixasse beber todo o lirismo
que há na quietude dos teus gestos
eu te contaria como é belo
um açude que eu conheço
e um rio que nasceu na minha infância.

Tu te banharias
nos poços mais profundos·
olhando minúsculos· peixes
.

rondando o teu corpo despido.


Eu ficaria distante
ouvindo o ruído
das mangas maduras caindo dentro d'água.

ANALOGIA

Juazeiro cidade minha


Timbaúba, Salgadinho, ·

Malvas, Boca das Cobras.


Infância de sonhos nunca possuídos
O que não fui, caudalosos rios,
ntenina salva, balsa en.calhada nos mofumbos.

o u p as sa ra
,

s s
-

E porque sem as a nao

en te B o a V is ta ch e g ou
Inevitavelm
, o t re m , a s c a sin h as
Tinha o rio
de t e l h a d o s v e r m e lh o s
e a faz e n d a lá lo n g e .

497

O mar é a lembrança de um brinquedo


E o Morro do Pecém u'a mulher de branco
esperando o jangadeiro morto.

E porque sem asas não sou pássaro


Boa Vista também voou na tarde ausente.
S6 eu fiquei
- um menino triste espantando graúnas . . .

CANTO DO SUAVE DESENCANTO

Olhar pousado
em ti jamais houvesse.
Impossível
mulher e desejada tanto.
E morto
é como se estivesse
teu beijo
agora ausente do meu canto.
E morto I
eu nunca mais pudesse
esquecer, sor1·ir, viver.
No entanto
eu tenho em mim o canto
que enternece
e não me prendem olhos,
promessa, pranto.
Paz e sono sobre as pétalas.
A despedida?
-· Façamo-la sem lua
e aliança prometida.
O que não era .
esvaiu-se na tarde azul-maçã .
Assassinaram ..
a bailarina da valsa proibida
Há vagalumes mortos estrela

498 •
polufda
Mas nascem
rosas no frio da manhã.
. . '

<Antologia de Poetas Cearenses C�ntemporâneos, cit., pp.


73-4; 75 ; 82 - 3. )

Admitindo-se que a disposição dos poemas, na antologia,


segue a ordem cronológica de composição, podemos afirmar
que a poesia de Durval Aires se vai modificando no sentido de
cada vez mais colorir-se de hermetismo . Assim, "Canto", a
nosso ver sua melhor produção poética, revela-nos, através de
sua simplicidade formal e de sua falta de mistério, a própria
simplicidade do poeta, que s� confessa mesmo "u:ffi simples
campones, que nem sabe as cores do arco-íris ; em meio às
A

grandes transformações por que passa o mundo moderno, onde


os homens j á busc�m a viagem a outros mundos, o autor foge
do bulício da civilização e mergulha na placidez bucólica de
seu sertão, aonde não chegaram os ecos dessas transforma ­
ções ; note-se que o poeta reconhece haver beleza no "m·uildo
novo que se plasma", mas prefere levar a amada para o doçu­
ra do Vale do Cariri . Em "Analogia" vamos observar uma
técnica diferente, menos linear, podemos dizer : os aconteci- .

mventos vão surgindo como bolhas que de repente viessem à .

tona da memória : a balsa encalhada, a menina salva de mor-


rer no tur bil hã o do ri o cau da los o, ou a faz en da , lá lo11ge ; um
brinqu ed o ev oc a o m ar , enqu an to o Mo rro do Pe cé m é a mu ­

lher de um percador esperando se u cadáver; a lembrança de


Bo a Vista vem e desaparece, deixando apenas a image� do
men i110 tri ste , en xo ta nd o gr aú na s no pa ssa do . "C an to do
suave De se nc an to " re trat a a an gú sti a de um ro m pi m en to ,
u1n drama am or os o ; ta lv ez pa ra fig ur ar o de sc on ce rt o qu e va i
o po et a j og a no ta s su rr ea lis ta s a pa rtir da al u­
em su a alma,
er so 18 ) : ta rd e az ul -m aç ã, va ga lu m es nl or ­
são à despedida (v
at o da ba ila rin a da va lsa pr oi bi da , es tr el a po -
tos, o assassin
luída .

499


• • •

o Grupo Clã esclareçamoa foi um dia tomada de


po sição , m ovim ento lite rário de m oderniz aç ão de no ss as le­
tras, qu ando j á havia esfriad o o Mod ernism o aq ui in au gu ra­
do com os poetas de Maracajá e Cipó de Fogo. Com o tempo, foi
perdendo esse sentido de movimento revolucionário (como
aliás seria de se esperar) , até transformar-se numa agremia­
ção aberta, na qual vão ingressando outros nomes de nossa li­
teratura, como foi o caso dos últimos nomes apresentados .
Ressalte-se, em conclusão, um fato curioso : conseguind·o
o grêmio sobreviver por tantos an�s, nenhum de seus compo­

nentes, ao que saibamos, j amais se desviou dos objetivos lite­


rários que uniram a todos, na hoje distante década de 40 .

OUTRAS FIGURAS
'

Fora do Grupo Clã (antes, paralelamente ou depois) sur­


giram e se projetaram vários nomes que, pela sua importân­
cia, e também pela época em que se iniciaram literariamen­
te, devem figurar neste capítulo . Escolhemos apenas os que
.

nos pareceram mais significativos, dentro dttma faixa que


reconhecemos abranger período relativamente longo, pois
·engloba autores que poderiam ter figurado no primeiro mo­
mento modernista e outros que quase poderiam ser conside­
rados representantes dos "novos" .

RAIMUNDO GIRAO

Nasceu em Morada Nova, em· 3 de outubro de 1900. For­


mado pela Faculdade de Direito do Ceará, doutorou-se pela
mesma Faculdade . Tem exercido a advocacia, e ocupou os
cargos de Prefeito Municipal de Fortaleza ( 1933-34) , e de Mi­
nistro do Tribunal de Contas do Ceará, bem como o de Secre­
tário de Cultura do Ceará; membro d'a Academia Cearense de
Letras, da qual foi Presidente, e do Instit11to do Ceará . His­
toriador, genealogísta e economista, pratica também o ensaio

500
•••

o Grupo Clã esclareçamoa foi um dia tomada de


po sição, m ovim ento lite rário de m oderniz aç ão de no ss as le­
tras, qu ando já havia esfr iado o Mod ernism o aq ui inau gu ra ­
do com os poetas de Maracajá e Cipó de Fogo. Com o tempo, foi
perdendo esse sentido de movimento revolucionário (como
aliás seria de se esperar) , até transformar-se numa agremia­
ção aberta, na qual vão ingressando outros nomes de nossa li­
teratura, como foi o caso dos últimos nomes apresentados .
Ressalte-se, em conclusão, um fato curioso : conseguind·o
o grêmio sobreviver por tantos an�s, nenhum de seus compo­

nentes, ao que saibamos, jamais se desviou dos objetivos lite­


rários que uniram a todos, na hoje distante década de 40.

OUTRAS FIGURAS
'

Fora do Grupo Clã (antes, paralelamente ou depois) sur­


giram e se projetaram vários nomes que, pela sua importân­
cia, e também pela época em que se iniciaram literariamen­
te, devem figurar neste capítulo . Escolhemos apenas os que
.

nos pareceram mais significativos, dentro dttma faixa que


reconhecemos abranger período relativamente longo, pois
·engloba autores que poderiam ter figurado no primeiro mo­
mento modernista e outros que quase poderiam ser conside­
rados representantes dos "novos" .

RAIMUNDO GIRAO

Nasceu em Morada Nova, em· 3 de outubro de 1900. For­


mado pela Faculdade de Direito do Ceará, doutorou-se pela
mesma Faculdade . Tem exercido a advocacia, e ocupou os
cargos de Prefeito Municipal de Fortaleza (1933-34) , e de Mi­
nistro do Tribunal de Contas do Ceará, bem como o de Secre­
tário de Cultura do Ceará; membro d'a Academia Cearense de
Letras, da qual foi Presidente, e do Instit11to do Ceará . His­
toriador, genealogísta e economista, pratica também o ensaio

500
literário De sua b.1 b- lIo
· grafi· a, vasta e importante destacare-
·
de Uma Genealogia (1937) , o
mos as seguintes obras: Esboço
Ceará, em colaboração com Antôn
io Martins Filho (1939 2 .a
ed. , 1945 , 3.a, 1966) , O Comendado
r Machado e Sua Des�en­
d�cia (1942) , Cidade da Fortaleza (194
5) , História Econó­
mtca do Ceará, (1947), Bandeirismo Baian
o e Povoamento do
Ceará (1949) Pequena História do Ceará (1953, 2 .a ed . , 1962,
3.a, 1971) A Abolição no Ceará (1956, 2.a ed . , 1969) , Geogra­
.fia Estética de Fortaleza (1959) e História da Facu de
Direito do Ceará (1960 ) , e Palestina, uma Agulha e as Sauda­
des (1972) , e�te de memórias; Famílias de Fortaleza (1975) e
A Academia de 1894 (1975 ) . Botdnica Cearense na Obra de
A lencar e Caminhos de Iracema (1976) .

OS BRAÇOS DE MEU PAI

Vi-os sobre o seu corpo no caixão funéreo. Nunca os vira


assim imóveis, inertes, impotentes. Faz dez anos, hoje.
Os braços que ali estavam não eram mais os braços de
meu pai, antes nem 11m só momento repousantes, quedas, em
'

descanso . Sempre os vira em movimento, como que esgrimin­


do e na verdade lutando, construindo na ânsia de trabalhar,
no insofrido, impaciente, incontida desejo de não parar .
Nas madrugadas aurorais do sertão já estavam a mover­
-se empenhados nas labutas suarentas do campo, que ele era
do sertão, fundamente campônio, integrando-se no amanho
difícil da terra e no pastoreio perigoso dos gados nas caatin­
gas. E os dias todos, as horas todas, os minutos todos, aqueles
braços másculos não cessavam de agitar-se como braços de
guerreiros lendários em duelos renhidos .
Mas as maldades da politicagem forçaram-no a emigrar
de lá, de su a faz en da , do seu ch ão na tivo do seu rio de ca nt a­
do o Ba na bu iú de Mo rad a No va , "D eu s ma gn ífico, prote tor
das plan tas e do s anima is, be nd ito pe las es tr el as na s al tu ras,
na im po ne nt e na ve da terr a, os ve nto s en to am
e a quem,
exaltações, vi br an do , fest ivos e farfa lhan te s, no s vas to s car -

5 01
naubais" e o troux er am pa ra ou tr o ce ná ri o to do di ve r so,


o da serr , em Ma ra ng ua pe , o ce ná ri o al to de um si tio al i, no

mais alto da m on tanh a, ad qui rid o qu as e em a ba nd on o, o m at o

tom ando conta de tud·o . E ei-lo co m se us br aç os , ei s os br a­

ços de meu pai a por as coisas em· febril apresto para a trans-
formação produtiva as laranjeiras carcomidas mudadas em
laranjais, pomosos, os velhos cafeeiros, agora, feitos cafezais
em flor, os roçados sáfaros estuando em bananais abundan­
tes.

E os braços não tinham sossego, de manhã até noite, fa­


zendo, desfazendo, refazendo e plantando e regando e po­
dando e colhendo, ajudados pelos meus doze anos e os dez
do Raul, anos de recordações já distantes, ajustados nós am·
bos 110r força do exemplo e da necessidade ao ritmo de tra­
balho daqueles braços. Do·bravam os nossos ombros de me ­
nino ao peso dos fardos de frutas e ao da gravidade, puxando
I para baixo, ·nas ladeiras íngremes, desde que o sol se anun­
ciava, rasgando o nevoeiro ·denso e aliviando um tanto o frio
da serra, dilacerantemente frio, e até que resolvia esconder-se,
tarde triste, nas qu.ebradas do poente, onde reboavam os re-
tinidos �etálic.os das minúsculas arapongas como que saídos
da bigorna de ferreiros coléricos e invisíveis.

E os braços de meu pai refizeram o desgosto da saudade


do sertão, da pobreza com que o exílio o feriu. Recuperaram
o sítio, refizeram o pão de cada dla, refizeram a roupa da
família, amenizaram os sacrifícios de minha mãe na solici­
tude de cada instante maternalmente santa no auxílio que
nos dava, resignada e forrada de ânimo, fabricando doces
e· bolinhos que vendia vintém a vintém, para jogar no mea­
lheiro das despesas a sua admirável, sagrada contribuição.
Depois, veio o Sousa para a Capital, atraído por m ão
amiga, para os misteres de um a escrivania do foro, que en­
controu em desmantelo e desordenado atraso, tal co
mo o sítio
da serra. E os braços de meu pai transplantaram-se para
nova lida, diferente, toda outra, e consertaram o cartório e
.

deram marcha. aos . processos, garantiram a confianç


a das

502


partes, conquistaram a est


ima dos magistrados - os sacer­
dotes daquele buliçoso templo
da Justiça .
Nã o estancaram de um segu
ndo sequer aqueles bracos
� �
e corag m e de fé, escrevendo com �
letra firme e cheia de
tmta e dignidade, as peças process
uais, as certidões os man­
dados, os depoimentos e

o que ele fazia com mai r conten­
� �
m nto os alvarás de soltura de culpados que a igno­
rancia e a crueldade da sorte haviam empurrad às de
o sgraças
e agruras das prisões.

E o Sousa Girão fez-se o serviçal do templo, multipli­


cando favores e dando azos à sua bondade desafeta, à stJa
obsequiosidade que não pretendia volta, nem lima vez ne­
gando ou se escusando, antes sempre compreensiva, indul­
gente, tolerante para quantos a solicitavam advogados
juízes, litigantes e réus, misturados no afã das defesas e das
acusações, dos despachos e das sentenças.

Durante mais de trinta anos praticou o bem e foi útil,


servindo com desinteresse, dando de si cordial e satisfeito,
espontâneo e simples, na sua função pública e nos deveres
do seu CONSULADO de mil providências em benefício de
parentes e estranhos, sempre com os seus braços que os meus
olhos fitavam agora sobre o corpo, sobre o peito com um
coração sem sangue e sem calor, não mais a pulsar, como tanto
pulsara dantes, pelos bons intentos, pelas probas atitudes
sem qualquer mácula de ódio ou malquerença.

A morte prostara os braços vigorosos de meu pai naquele


silencioso adormecimento, que a dor dos filhos e da segunda
'
esposa haviam enfeitado de flores, e nunca mais havia de ver
fortes, diligentes, lestos, operantes, paternais, acolhedores,
nunca mais havia eu de os ver fazendo, desfazendo, refazendo.
Os braços de meu pai não eram mais os braços de meu pai.

!Raimundo Girão. Palestina, uma Agulha e as Saudades.


Fortále�a, 1972, pp. 114-6.)
.

Historiador de grande envergadura, Raimundo Girão apa­


rece-nos aqui, entretanto, através do.memorialism,p: ao longo

503
de seu livro Palestina, uma Agulha e as Saudades (1972 ) , al­
gumas vezes abre parênteses para ·transpaginar trechos de
sua própria autoria, redigidos noutra época, mas que julga
oportuno reproduzir. É o caso da página presente, que, es­
crita em 1955, figurou na Antologia Cearense ( 1957) , orga­
nizada pela Academia Cearense de Letras. Trata-se de uma
comovida crônica, em que o escritor, ao ver diante de si o,
esquife de seu pai, sente de imediato o contraste chocante:
estão imóveis os braços de seu pai, aqueles braços que ele,.
filho, desde criança, se acostumara a ver constantemente em
incansável labuta. Essa lembrança vai desencadeando uma
série de reminiscências, onde surge o pai a trabalhar nos ser­
tões natais, amanhando a terra, tratando das árvores na
serra ou afinal, em Fortaleza, a redigir os despach�s do cartó­
rio . O "consulado" a que se refere o parágrafo antepenúl­
timo é a casa do velho Girão, como ficamos sabendo a partir
deste trecho de outro capítulo do mesmo livro de Raimundo
Girão: "A nossa residência parecia um consulado de aflitos
e asilo de doentes, vindos de Morada Nova, de Maranguape,.
de muitas partes . " A rigor, o texto acima não se enquadra
no terreno da ficção; todavia, não obstante tratar de fatos
reais, em torno da vida e da morte do pai do escritor (Luís,
Carneiro de Sousa Girão, por muitos anos Escrivão do Crime,
Júri e Execuções Criminai s · de Fortaleza) , impregna-se de
uma linguagem puramente literária, dando-nos 11ma página
de forte densidade dramática, tendo como leitmotiv a afinna­
ção: ''Os braços de meu pai não eram mais os braços de meu
pai.'' Estamos portanto diante da transfiguração de 11ma rea-

lidade, trabalhada com força poética através de uma lingua-


gem artística.

JOAO JACQUES

JOAO JACQUES Ferreira Lop.e s Nasceu em Fortaleza ..


no dia 2 7 de janeiro de 1910. Jornalista, cronista e poeta, foi
um dos criadores do jornal modernista Cipó de Fogo, em 1929 ..

tendo sido, por muito �nos, redator d'O Povo. Exerceu as fun-

504
-

çoes d e Secretário de Educ


ação da Prefeitura Municipal de
Fortaleza. Alto funcionário
do Banco do Nordeste, dirige atual­
m e n te a Empresa Ceare:QSe
de Turismo, EMCETUR. Publi­

c u: Aspectos Econômicos d
o Ceará ( 1954) , Alma em Corpo
Otto 0964) , A Grande Viagem ( 1966) , Os Ca
rdeiros Sangram
( 1968), Uma Fantasia e Nove Histórias Reais (1 969) A P
e rece
d o Menino Aflito ( 197 1) , este último de poemas. É mem
bro
d a Academia Cearense de Letras.
. .
-.
. .


. . .

O DERRETIDO
. .

Em casa de minha madrinha Maria Guimarães há um


livro que dat a de 1929 e em que· registram seus nomes. como
romeiros de uma nova Meca, todos os que sobem a encosta
da Aratanha, entre Pacatuba e Guaiuba, e vão visitar o in­
vejável sítio Cachoeira, onde se fabrica o melhor doce de
goiaba que conheço. . -

Nas suas páginas amarelecidas pelo tempo, lêem..se


firmas de bom cursivo e advinham-se garatujas tanto de
gente representativa na política, na sociedade e nas letras..
como de simples hóspedes da minha marca, que se prevale­
cem da tolerância alheia para desfrutar. alguma cousa de bom
na vida.
I
o rol dos inscritos sobe a mais de mil. Bem poucos, porém..
pa ra nã o diz er ne nh um , for am olh ar de pe rto , na qu ela s re­
dondez as de lei to sa s, a ne sg a de ter ra em de cli ve qu e se rv iu

de palco a um a da s m ai s tr ágicas hi stória s de in ve rn o ri go ­


lu ga r de no m in a- se D erre tido e ne le ai nd a
roso no Ceará. O
ve st íg io s claros e telúricos da erosão pr ov o-
se encontram os
cada p e la agua.
,

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
• • • • • • • • • • • • • •
• • • • • • • • • • • • •
• • • • • •
.

n a ·m et a d· e d a la d ei ra , a ca si n h a d e
E n tr e as bananeiras,
a n ti g ô m o ra d or d o sí ti o , ·e r a o a lv o p r e ­
palh a d e S e b a st iã o ,
d a s b á te g a s ru g id o ra s. Z ef in h a , su a m u lh er , u e es p e ­ �
d il e to
úl tim o s di as , a cor d o u o m a r id o , c o m o
rava d e s c a ns a r , j á n o s
.

t u m e. ·
d e cos

505
- Levanta, homem .
Gotej ava po r to dos· os re cá nt os . N as re di n h as de M an uel,
Maria e José os pi ngos ca ia m si ste m át ic os , se m re s peit o al­
gum à po breza e à in oc ên ci a em pl en o so n o .

- Isto é uma peneira . . .


-Que diga.
Lá em baixo , o rio avol11mava, ro nc an do no lei to co m o um
bêbado empanturrado. A folhagem em redor, aberta em toldos,
carpia sinistramente ao relho liquido que a fustigava im-
piedoso.
Relâmpagos clareavam as arquibancadas vegetais das ert­
costas que ali formam um grande· ·bolso natural . Coriscos es­
grimavam em duelos de morte . E reboavam no ambiente ele­
trizado os aplausos dos trovões a cada golpe de fogo dos céus.
'

De repente, um estalo maior abala os cimos da serra. Um


olho d'água, bem no cocuruto, havia começado há dias um
trabalho de lenta infiltração. O solo estremecido naquele ins­
tante perde a força coesiva de velhos ligamentos. Dá-se a rup­
tura calcária de antigas soldas. ·M rouxa-se o barro enchar­
cado. Satura-se a areia em muitos pontos . E escorrem as
primeiras camadas, descamando os nervos das raízes e os
.

ossos das pedras . Verdadeiro vulcão de lavas frias . . _

Zefinha olha os filhos já de pé, a seu lado, encolhidos e


amparados sob a asa protetora de seu braço como pintainh os
arrepiados de espanto. Todos tinham as mesmas pupilas cres­
cidas de pavor e incompreensão. E o sentido oculto que as
mães possuem à hora do perigo a adverte em tempo.
-Vamos pro lado· de fora, Sebastião. se não isso acaba
caindo em cima da gente.
Assim que puseram o pé no terreiro, enrolados em panos,
uma pedra se desprendeu. da sua base secular e levou na pre­
cipitação a casinhola do humilde morador . .

Outras· moles imitaram a primeira, numa carneirada li­


tológica.: O mundo ·parecia· ruir; desmoronado por gigantes
malfazejos. Massarandubas inteiras desciam do alto num

506

- - -

______.
aprumo de rainhas d
iante da morte. Paus-d'arcos anosos que
,
sempre floriam no esti
o, retiravam-se de campo, serra abaixo,
.
co mpelidos pela estratégi
a dos elementos em fúria. Laranji­
nhas. camuzés, ingazeiras,
jatobás e abacateiros despenha­
vam-se em pânico .

Sebastião, isso é .castigo. Meu .Deus, vale


i-me
Zefinha, o esposo e os meninos já esta
vam no chiqueiro
dos porcos, agarrados··· aos -troncos de ca
maúba .que serviam
de cerca aos bichos que criavam. Ora quer
ia ela atirar-se ao
rio, entrando para a imensa enxurrada, ora vo
lvia a valer-se
do s santos e dos seus protetores .na terra. Para esses últimos
gritava a plenos pulmões:

-Acuda-me, comadre Maria! Socorro, compadre Coelho!


Em vão. Os gritos perdiam-se na vociferação da natureza
rebelada.


• • . . . . . . ... . . . . .. . .. . . .. . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .
. . . . . . . ..
- .

Este ano já fui à casa de minha madrinha Maria Guima­


rães . Estive no Derretido, onde me encontrei com um velhinho·
roçando capim. Curioso, indaguei:
-O Senhor não sabe o que é feito de Sebastião?
- Casou-se de novo. Mora no Guarani.
-E os órfãos?
-Nem sei por onde vivem, se espalhados ou com a ma-
drasta. Outro dia, um deles, já rapaz, andou por aqui.
- Quer dizer que por estas redondezas não resta mais
nada da Zefinha?
_Isso não, isso não! A casa dela deve estar lá, no mesmo
cantinho, embora não se veja. Ninguém se atreve a mexer no
lugar em que ela outrora se erguia� com as janelas azuis dan o �
pro nascente. Todo mundo respeita esse pedaço de terra. Nao
há quem tenha coragem de levantar uma barraca, de plantar
.
uma roça no mesmo sítio, n�m profaná-lo quando p1sa nele.
_ Com medo natura�me�te de outro derretido .. . •

_ Não. Com medo· dela... ·

5()7
- Deixe de abusão, velhinho, aconselhei, sorrindo da sua
ingenuidade.
- Quer ver? Escute. O capinzal gemia às virações, uivava
aos ventos.

- É ela chorando. 1t ela se ·valendo . É ela querendo salvar


os meninos. Mãe não descansa. seu moço . . .

'

<João Jacques. Uma Fantasia e Nove Histórias Reais.


Fortaleza, IUC, 1969, pp. 15-8; 20.>

Na "orelha" do livro, após relatar que o próprio autor


lhe dissera escrever seus contos à sua .maneira, observa Mo­
reira Campos: "Contos. a seu. . �odo,. repito: c9m começo, meio
. .

e fim; verdade intrínseca da �arrativa, c9;ntada à maneira



' ' ' I ' • •
I

tradicional, que nos envolve.. nos e:ri.reda. nos chama e nos sa-
tisfaz, embora fiquemos, comumenteJ imersos na dor." As his­
tórias de João Jacques são, com efeito, contadas à velha moda.
seguindo uma cronologia, � com enredo . claro;
.
mas o impor- . . .. .

tante é que nos atraem· e nos· satisfazem. Podemos até dizer


' • •' o • • "'' • • Io

que o fato de sereni narrad.as·à... aritiga máis


. as aproxima dos .
. �

casos verídicos que ouvimos. em criança, na calada da noite;


é o que se· dá com o cont·o que · es· colhemos, "O Derretido": a

.

abertura e o encerramento, aliás dão-lhe o cunho de vera­


cidade: não pudemos transcrevê-lo por inteiro, mas o leitor
evidentemente sentiu, pelos trech�s reproduzidos, que na des­
graça que se desencadeou sobre a região, naquela noite (foi
em 1927, diz o autor num parágrafo não transcrito aqui), pe­
receu a Zefinha, mulher do Sebastião. Temos aqui três excer­
tos do conto: o primeiro situa o palco onde se teriam passado
os acontecimentos; o segundo, pinta a própria tragédia; o
terceiro, por fim, revela-nos o destino das personagens, anos
'

após o acontecido . Na segunda parte, temos uma amostra


da perícia do escritor em nos descrever com vivacidade os
lances da tempestade: logo após um curto diálogo, em que
.se destacam o laconismo e o linguajar d'o cearense (" Isto
:é uma peneira ... " "-Que diga."), entra em cen a o ronco
.soturno do rio avolu1nando suas águas, assim como os co-

508
riscos que riscam os céus e os trovões que estrondam . O pa..
rágrafo que fala dos deslizamentos da terra é de uma nitidez
e de um movimento cinematográficos. Assim ocorre igual­
mente com a avalancha que leva de roldão árvores inteiras
e pequenos arbustos; aos roncos dos elementos naturais unem­
-se palidamente os gritos de Zefinha . No final. destaca-se,
através do velho lavrador, uma nota regional, de profunda
força poética: a presença do sobrenatural.

MANOEL ALBANO AMORA


.

' I·
'

Nasceu em Fortaleza, em 19.de outubro · de 1915 . Histo­


riador, ensaísta, professor e poeta, foi Procurador da Repú­
blica e Subprocurador Geral do Estado; exerceu as funções
de Curador das Massas Falidas e Acidentes ·do Trabalho, sendo
ainda professor da ' Faculdade·· de Direito do Ceará, membro do
Conselho Penitenciário e do Conselho Estadual de Cultura.
Fundou, com Antônio Girão Barroso; a revista Letras. Publi­
cou: Manhã de A mor (1938), J ustiça do Tra balho (1941), Fe­
lino Barros o (1947), Elogi o de Tomás Lope s (19·56), A Acade­
mia Cearen se de Letra s (1957), Máximas e Pala vra s La tinas
n o Di rei to In terna ciona l Pri vado (1965), .A s Conserva tó ria s
B ri tâni cas (1966), Li te ra tura Cearense do Direito In ternacio·
7La l Privado (1968), .Pa ca tu ba : . g eografia sentimen ta l (1972)
e Céu Azul, Verde Mar (1973), além de inúmeros ensaios his­

tóricos e jurídicos em revistas· e jornais.. Membro da Academia


Cearense de Letras e do Instituto do Ceará.

VI TROLA

o sí tio tão· falado é terno como um a braç o.


Trinam can ários e arrulham juri tis .
O ven to sop ra.
o sol se oculta·.
A s árvore s farfalha m docemen te.
A vida gi ra n o sei o do meio-dia langoroso .
Dentro da casa de campo há uma roda festiva.

509
As moças cercam o rapaz acadêmico de Medicina.
Chegado de' surpresa.

(Aquele que saiu garoto· e voltou com presença de


.

I
- [encantar.·

· Conversam em delfrto.
.

Todas.
Até a que perdeu o direito · à feli'cidade .

Olhos, lábios, mãos e alm.as falam do · passado.


..

Haverá passado quando há desejo de ser e·stável?


De repente; uma lembrança.
Uma vitrola em cima da mesa.
Uma ·vitrola do tempo em que n.ão havta rádio no
[Ceará. Canta . . .

Nenhuma hesitação em recordar.


Há marulho de lágrimas dentro dos seres que se ca-
[laram .
·

. . . . . . .

Voa uma sombra misteriosa.


·

Todos amam e sofrem quando a vitrola canta can­


tigas do tempo bom.

SONO E SONHO

Na noite morna pousa o silêncio como uma ave soturna .


A lua divaga na abóbada de apagado azul.
Os frutos silvestres e as flores cultivadas crescem nos
[campos além.
De raro em raro ouvem-se pios distantes .
Nenhum murmúrio estranho, senão sombras.
enquanto os seres h umanos e os irracionais repousam.
Mas, outros, homens� mulheres e crianças acendem sor-
. [riws
ou derramam lágrimas no mistério silente .
Deuses. duendes e pessoas jamais compreenderão
todos os gestos líricos e palavras de carinho.
Dois olhares· · permutam anseios
como estrelas incendidas :

510

>
---

.
..
.

��------�--��-- ------�--�·

es c on di da s na ·meia clari
dade.
Dei tar o me u r os to n os te us
ombr os perf uma dos '
e dor mir.
Te mp os se m c on ta s on harei contig
o,
doce a mor .

(Manoel Albano Amora. Manhã de A•nor. Fortaleza, Edé­


sio Editor, 1938, pp. 31-2; Céu Azul, .V erde Mar. Fortaleza.
Editora Henriqueta Galeno, 1973,' p. 4.)
. .

Embora se realize melhor nos estudos de História ' ma­


!"
té ia e �que é um dos mestres em nossa terra (e que aqui
nao tenam cabida, dado o caráter estritamente literário desta
coletânea), Manoel Albano Amora tem seu nome estreitamente
ligado à poesia cearense da fase moderna : já em 1938, es­
treava ele com 11m livro de poesia, vazado em versos livres!
Man hã de A mor. Precisamente desse livro transcrevemos "Vi­
trola", que também figura na An tologia Cearense, organizada
. .

pel a Academia Cearense de Letras em 1957: pode-se apontar-


-lhe certas notas de romantismo', sobretudo através do voca­
bulário, mas disso j amais pretendeu fugir ·o autor : começa
ele descrevendo o sítio com seus pássaros cantores e árvores
farfalhantes, ao langoroso mormaço do meio-dia; segue-se en­
tão a entrada em cena das personagens, que darão um tom
. !
algo prosaico ao poema, com seu à-vontade coloquial: são
rapazes e ·moças que ali foram gozar a doçura do campo e de
onde se destaca a figura do acadêmico de Medicina ; alguém
lembra a vitrola (do te mp o e m que n ão havia r ádio n o
Cear á ...). Mas · é justamente aqui, pelo som do gramofone,
que se desencadeia toda a · carga emocional do poema : todos, I
ao ouvir a música, amam e sofrem, recordando outros tempos
(geralmente são · melhores, para nós, os tempos passados, en­
trevistos por meio da saudade) : destaque-se o verso H á maru­
lho de lágri mas den tr o dos seres que se calaram. Em " Sono e
sonho", bem mais recente, a dicção modifica-se um pouco pela

presença de maior contenção e maior cópi de elementos co­
.
notativos : o poema é povoado de notas orur1cas, com tons de
mistério, traduzindo o sonho, fruto do perfume da mulher

511

-
. '

. ..
-··:'"�..
..�
1
amada, infiltrad a na composiÇão· ·por: ·toda uma coleção de I
termos simbólicos. . ' .
• •

·
MARGARIDA . SABóiA DE CARVALHO
I
.
' •.

Nasceu em Fortaleza, no dia 23 de setembro de 1905 vindo


.
· .
' '

a f�e.ce� ila,' m� sma cidade,' em 9 de ju:hho: d� ·1975 Diplomada


' '
.

pe la Escola Normal, não chegou · porém a exerc'er .o magisté·


rio público, mas manteve durante anos um curso de prepa­
ração ao exame de ad'missão ao ginásio. Jornalista, militou
principalmente · no extinto Diário do Povo, de se� esposo, o
escritor e poeta Jáder de Carvalho. Era filba de. Eduardo Sa­
bóia, o Brás Tubia da Padaria Espiritual . Cronista e con­
tista, publicou A Vida em Contos (1964).

DES ESPERO I
I

Este conto nos mostra Julita, bela e sensual, casada, I

com o velho Laurentino, rico mas avarento, morando numa


choça miserável. Acometido por um ataque, o velho jaz numa J
l
\

rede, chamando desesperado a mulher, que lhe foge aos ape­


los. Freqüenta a casa o dr . Paulo, de olhos azuis. Um dia, •

Julita se descuida e o velho. agarra-a, quase matando-a; dr.


Paulo, como amigo, resolve interná-lo . Mas novo ataque ful­
mina o velho, que não suporta os olhos azuis. do filho mais
novo.

Nove horas da manhã, Julita move-se na miserável co­


zinha, entre panelas de barro, e canta. De tão alegre, parece
mulher enamorada e não pobre criatura presa a uma vida
sem graça. Será que vive mais de possíveis sonhos e fanta ­
sias, que a embalam, e menos da crua realidade?
Neste momento, lá de dentro vem um grito de homem.
Grito ou urro . Na voz meio rouca, saída da garganta com di­
ficuldade, vibra . uma· nota quase inumana. Brado de animal
ferido e desesperado . As silabas. saem estropeadas e são sem­
pre estas:
- Anda... Vem... Anda...
.
.

512
� r �mata, num supremo esforço,
,,
sem conseguir articular
a primeira consoante: ''adela . . .
. A vizinha, que vem pedir um "pauzinho de fosf
o" ' diz à
Julita:

Vai, o pobre de "seu" Laurentino tá te chamano . . .


E ela, numa confidência meio reticente:
Num posso não. Ele qué é me "agarrá" . . . Sabe? desde
que teve a congestão é assim nesse despropósito . . . num pode
an dá nem falá .. . mas prá outra cousa . . . Num posso tê fio
dum homem doente, arrisca até a saí um aleijão . . .
Foi quando a vizinha lembrou:
- Mas o Toinho, que nasceu adispois da doença dele, é
o mais bonito dos seu fio. Tem até olho azul . . .
-Sorte, meu bem. Mas é arriscá muito . . .
A vizinha foi saindo. E lá dentro continuavam, em nota
crescente, os gritos de animal acossado:
-Anda . . . Vem . .. Adela...

* * *

Bateu meia-noite há pouco. Na casa de "seu" Laurentino,


rumor de passos. Alguém deve ter rodeado o quintal, depois
de pular a cerca. Os passos estacam.

Dentro, alguém se levanta e, apesar da cautela, não pôde


impedir o rangido da desconjuntada porta da cozinha. Com
a cumplicidade do
' silêncio e das trevas, mur1núrio de vozes,
sussurro de beijos ...

Lá no qu ar to minús cu lo , "s eu " La ur en tin o, co m o de s­


ag ui lh ão , põ e- se a gr it ar . Co m so br e- hu m an o
pertado por um
n ta r- se da re de e ca i no ch ão , m is er áv el
desespero tenta leva
ac od e, livr an d o- o do s tijo lo s su jo s .
e vacilante. Ninguém o
ac al en ta o ch or o d e
' T oi n h o, ac or da d o p el os
Tampouco alguém
te a c as a é iso la d a , o s g ri to s d o h om em
gritos do p a i. Felizmen
n ã o fo r a m o u v id o s p o r v iz in h o s .
c o m o os gritos da criança
re to m a o cu rso n o rmal . " S eu " L a u -
Pela manhã .a vida
d o d e ar r as ta r -s e p elo s t ij o lo s el}-
rentino, todo sujo e arr
__

513
cardidos, foi posto na rede. Toinho dorme ainda meio rouco
de tanto chorar e Julita canta na cozinha, canta doces can­
ções d·e amor.

. . . - . . � . . .. . . . . . . . .. .. . . .. . . .. .....
. . . . . . . .. . . . . . . . . . .. .

Uma noite reuniram-se diversas pessoas, amigas de Lau-


rentino, e lembraram a necessidade de mandar o doente para
o Hospital da cidade mais próxima. Ele tinha muito dinheiro
guardado em casa. Era dever de caridade empregá-lo no
custeio do tratamento necessário. O farmacêutico , dr. Paulo,
foi o mais convincente na decisão a se r tomada. E disse
ele falava como compadre do paralítico e seu maior amigo :

- Esta pobre senhora tem a vida em perigo, se o doente


continua aqui. Qualquer descuido e ei-la novamente às mãos
dele . E pode até ser morta, tal o grau de excitação a que
chegou o pobre doente .
·

Foram depois ao quarto do paralítico e o dr . Paulo deu­


-lhe conta do decidido, em palavras onde punha o acento da
velha amizade . Era melhor para ele, Laurentino, que pas­
sava a ser tratado convenientemente e podia até quem
sabe? recuperar a saúde .
.

O doente soltava grunhidos incompreensíveis e estava evi-


_
dentemente agi tad o. E o pior eram seus olhos cravados nos
olhos azuis do farmacêutico estes inexplicavelmente tão
parecidos com os olhos azuis de Toinho E que guardavam,
numa concentração lancinante, a expressão inconfundível do
ódio impotente.

* * *

Laurentino não foi para o Hospital. Novo ataque levou-o


ao túmulo poucos dias antes· da data marcada para a remoção.

Com a morte do fàzendeiro, foi-se a miséria. Julita vendeu


terras e criações e · mudou-se para a cidade. Hoje é casada
com outro, conserva a mesnta ânsia de vida e costt1ma dizer

514
'
o dr. Paulo, que fo
i sempre tão bom para ela . . .

<Margarida Sabóla de Carvalho. A Vida em Contos. For­


taleza, Editora ''Inst�tuto do Ceará", 1964, pp. 38-41.)

N a abertura de seu livro,


adverte a autora não ser ele

c mposto de histórias
bonitas, com aquele happy en d dos
filmes de Hollywood. Isso, po
r haver contado casos vividos
realmente "por criaturas em corpo al
e ma, debatendo-se entre
agruras, azares e problemas do quotidiano
". E afirma: "Não
lhes inventei o destino, apenas o narrei." Em se tratando de
ficção, dizem alguns �estres da Teoria Literária, po·uco im­
porta seja ou não verídico o fato narrado, desde que atinja
(' à literariedade. Entretanto, não se pode negar o fascínio que
envolve as narrativas fundamentadas em casos reais . Nota­
damente quando focalizam cenas algo escabrosas, como as
desse conto, "Desespero", de cores neonaturalistas a que não
falta o problema patológico, agravado pelo problema social:
a doença do velho avarento propicia o adultério de sua bela
mulher. Para que mais dolorosa se nos apresente essa estória,
nem ao menos podemos pensar num amor real nascido entre
Julita e o dr. Paulo, 11ma vez que ela termina casando-se com
outro, tudo não tendo passado de uma aventura da carne,
sem nenhuma grandeza. Os contos de Margarida Sabóia de
Carvalho, bem como muitas de suas crônicas, tingem-se fre­
qüentemente de cores pessimistas. Daí aludirmos a um neo-
naturalismo.

CÂNDIDA GALENO

CÂNDIDA Maria Santiago GALENO Nasceu em Russas,

no dia 18 de m ar ço de 1918 . Fo i pr ofes so ra , te nd o feit o de ­

pois curs o de T éc ni ca de Ed u �
aç ão no IN E P
:
no R io de J a­
nal de Ju st iç a do C ea ra, , e
neiro. Ass is te nt e So cial do T ribu
ir et or a d a C as a d e Ju ve n al G al en o . F az p a rt e
atualmente D
re n se d e L et ra s e é n et a d e Ju ve n al G al en o.
d Academia Cea

515

-
-- -- -- �
•• •
..

Heloneida Studart e Maria de Lourdes Vasconcelos Pinto,


Trevo de Quatro Folhas ( 1955) , com Elizabeth Barbosa Mon­
teiro, Nívea Leite e Otília Franklin, Quinteto em Ritmo de
Crônica ( 1975) , com Carmelita Setúbal, Maria de Lourdes
de Araújo, Olga Monte Barroso e Risette Cabral Fernandes, e
Trovadores Cearenses ( 1976) .

RO MANCE SEM P ALAVRAS

Na manhã translúcida de junho, passam os primeiros


vultos humanos para dar início à faina cotidiana: padeiros
com suas cestas às costas fazem a distribuição do pão nosso
de cada dia, leiteiros e verdureiros caminham tilintando va­
silhas ou puxando burricos.

Mulheres também passam, na manhã translúcida de


junho, em que o fresco hálito de serrana aragem nos bafeja
o rosto vão à missa na igrejinha próxima.

Dentro em pouco a doce tranqüilidade, a completa soli­


dão (só quebrada de longe em longe pelos passos tardas da
ronda noturna) em que a noite amortalhou a cidade estarão •
I

dissipadas e ela ressurgirá para a vida, voltando ao ritmo diu-


turno do movimento e do trabalho .

Entretanto, em meio dessa sinfonia matinal, há alguem


que ignora que o dia amanheceu, que o sol despontou . Esse
alguém é Ricardo, aquele limpador de trilhos que todos os
dias amanhece na minha rua .

Indiferente à beleza da manhã, ele não se deu conta de


que o sol já vai alto. É que o sol de sua vida não surge, como
o outro, do levante, não tem hora certa para despontar . O

radioso sol de sua existência surge todos os dias do ocidente ,


de uma das esquinas da rua onde Ricardo trabalha . Por isso
é que, enquanto de cabeça baixa vai limpando os trilhos do
'

bonde do Benfica, levanta uma vez por outra os olhos na di­


reção daquela esquina donde ela surge todas as manhãs .

Quando o vulto esquivo daquela esquiva mulher assoma


Iâ no começo do quarteirão, o rosto ansioso do limpador de

516
t r i l h o s transforma . . . .
se d.1stende-o alegria
-

tao JUverul que RI-


- .

cardo remoça, sacode


·contém as maos no Impu
-
-o entusiasmo tão vibrante qu ele não
·
' �
lso ligeiro do seu labor.
É de Silvia, loira e fina,
no seu costume azul-rei, sobra­
�do a pasta de trabalh
o, enquanto ajusta a corrente d o re­
loglo ao pulso delicado, a vi
são radiosa que os olhos de R icar­
do vêem, vindo ao seu encontro
. A onda doirada da sua ca­
beleira, envolvendo-lhe numa carí
cia a fragilidade dos om­
bros, aloira-se mais ainda, espraiando-se po so
r bre a tonalida­
de intensa do seu vestido azul. E, no seu andar saltitant de
e
ave, ela inconscientemente se aproxima do ponto em que ele
se encontra a contemplá-la embevecido!

Já está habituada a encontrar todos os dias, quando vai


a caminho do seu emprego, aquele homem de trajes humil­
des e de traços rudes que está invariavelmente como que à es­
pera de alguém. A princípio passava abstraída, indiferente,
depois, aquela persistência lhe foi chamando a atenção, a pon ­
to de já olhar para ele, no trabalho, quando passava ela no
seu caminho .

Até que um dia... descobriu uma chama de adoração no


olhar fervoroso em que ele a envolvia, um indício de amor
naquele rosto que a presença dela iluminava.

Hoje, a mulher esquiva já sabe, sem que para tanto se


pronunciasse uma palavra, que é por ela que o limpador de
t.rilhos espera todas as manhãs, quer brilhe o sol, quer caia
a chuva naquele trecho de rua.

Ao ap ro xi m ar em -se nã o pa ra m , nã o se fa la m , ol ha m -se
qu e Sílvi a nã o de sd en ha da qu el a ad or a­
apenas. E é po r is so
e su rp re en de no s ol ho s de le , é po r is so qu e nã o
çã o m ud a qu
fog e d a q u e le a m o r impossível!

ho m em lh e pe de tão po uc o, qu e ne ga r- lh e
É que aquele
·seria desumano. Aq u el e só o lh a r q u e el a lh e m a n �
d to d a s �
st an te p ar a al im en ta r a ch am a qu e m ce n de 1a
m an h ã s é 0 ba
su fi ci en te pa ra co lo ri r o so n h o qu e lh e embe-
.a al m a dele, é o
·a E a q u el a te m. u ra q u e a b ro lh a d os ol h os d a
Jeza a ex1·s tê n c1
·

517


moça, feliz por torná-lo di to so , aque le so rr iso qu e lh e af lo ra


,
aos lábios ench em to do o di a de Ri ca rdo de tão m ág ico en ­

cantamento que ele não sente a rudeza do trabalho que exe­


que en co nt ra en se j o de vê -la .
cuta. Como maldizê-lo, se é nele
cada manhã?!
O que Sílvia provavelmente não supõe e talvez nunca o
saiba é que é ela o único ra io de sol daquela vid a e que pa ra .
Ricardo o dia só alvorece quando a figura dela surge lá na es­
quina, a iluminar com a claridade de sua presença aquele tre­
cho de rua. . .

(Antologia Cearense (l.a série) . Org. pela Academia Cea­


rense de Letras. Fortaleza, Imprensa Oficial, 1957, PP
77-8.)

O texto aqui transcrito é uma crônica do livro Naip es


(1953). Já inumeráveis vezes foi dito que a crônica não chega
a ser um gênero perfeitamente autônomo, pelo fato de estar
quase sempre oscilando entre o poema e o conto; na verdade ,
as crônicas que mais puras s.e apresentam dentro de seus câ­
nones e de conformidade com sua etimologia são também as
que mais depressa se desatualizam, não devendo assim sair
dos jornais. No caso de "Romance Sem Palavras", de Cândi­
da Galeno, temos o enredo de um conto, com o operário Ri­
cardo a amar platonicamente a bela Sílvia, de quem talvez
nem saiba o nome; mas, com o enfoque da autora, tecendo
considerações em tomo do drama nos parágrafos finais, con­
figura-se a crônica, pelo menos numa das maneiras co.mo tem
sido praticada entre nós . Indiferente à economia verbal pre­
conizada a partir do advento do Modernismo, a escritora pre­
fere empregar uma linguagem ricamente colorida, a que nã o.
faltam alguns toques de romantismo . Esse romantismo, po­
rém, está a nosso ver menos nesse amor, que tão pouco pede,.
do que na maneira de o drama nos ser apresentado, através
da emoção da própria autora . Na verdade, ela não consegue
pintar as cenas obj etivamente, ou sej a, de fora, como o autor
realista desejava : a descrição da mulher, que desponta, radi­

ante de beleza, é menos a impressão da escritora do que a do

518


•I
' ·t'
e.
,

P�óprio operário, empolgado nas


malhas de sua grande pai�
xao A autora é, assim,
·
a intérprete onisciente do drama des­
sas duas criaturas .

JOS� ALCIDES PINTO

Nasceu em Santana do Acaraú, em 23 de outubro de 1923.


.Jornalista, tem cultivado
diversos gêneros literários, notada­
mente a poesia, o romance e o conto. Foi um dos inaugurado­
res do movimento concretista no Ceará, em 1957. Residiu
algum tempo no Rio de Janeiro, onde se formou pela Faculda­
de Nacional d.e Filosofia, sendo hoje professor do Departa­
mento de Comunicacão Social do Centro de Humanidades da
.;»

UFC . Tem incursionado pelo teatro e pelo ensaio . P-ublicou, de


poesia : Noções de Poesia & Arte (1952), Pequeno Caderno de
Palavras (1953), Cantos de Lúcifer (1954), As Pontes (1955),
Ilha dos Patrupachas (1960), Ciclo único (1964), Concreto
- Estrutura Visual- Gráfica (1965), Os Catadores de Siris
(1966), Cantos de Lúcifer coletânea (1966), e As Aguas
· ·

Novas (1975); romance : O Dragão (1964, 2.a ed., 1968), En­


tre o Sexo, a Loucura, a Morte (1968), Os Verdes Abutres da
Colina e João Pinto de Maria (1974), O Sonho (1974) e O
Enigma (1974); novela: O Criador de Demônios (1967), Esta ..

ção da Morte (1968); conto : Editor de Insônia . (1965); t-eatro :


tquinócio (1973). É sua mais recente publicação : Comunica­
ção (Ingrediente� e RepercttSsão), Imprensa Universitária do
Ceará, Fort., 1976.

ANTE O TúMULO DE MINHA I;RMA GERCI

Evito-te tristonho de amarguras


para pensar em ti eu me reservo
m esm o as sim rese rv ad o in da m e fi ro .
Eu so m en te , e so m en te , em ti , p a deç o
ag oo
A

em tr iste za s e lem br a n ça s m e m
de sal m eu c or p o se r e v es te . L írio s
desp eta lo em lág rim a s n o te u tú m u lo .
.
saudade-fel. D or d e m im m es m o e d e tt .

519

Perdi-te eternamente isto asseguro


librações de asas de anjo não escuto
em teu silêncio-retiro . Túmulo .
Enchendo de pesares meus redutos
carregado de mármores e ciprestes
evado-me do teu antro funerário
e nunca existo nele tão presente .

EU

Eu sou eu. O fantasma de preto escanchado no arame do quin­


tal sob a sombra das árvores e sob a sombra da lua misterio­
samente colhendo o silêncio com as mãos invisíveis e tecen­
do uma mortalha com o nó dos dedos para vestir o próprta
corpo.
Eu sou eu. Integro e inviolável dentro de mim mesmo.
O que não se descobre. Anónimo sob minha própria espinha .
Atual em minha sombra incorpórea, sem faltar um só dos
meus gestos físi·cos .
Eu sou eu . O retrato destituído de vida. O gesto estático .
O que está no limiar e afogado no abismo
o que anda vestido e nu, sendo louco e poeta .
Eu sou eu e sozinho . Diverso sobre mim e sob eu mesmo.
Oculto e visível como a lua caída no poço.
Proclamado como o homem dentro da praça, no meeting,
sacudindo com os gestos da boca palavras secas nos olhos da
multidão.
Intocável e impossível como o que não se conhece e não morre._

O BEATO

Se há seca, se não há
mané-magro adivinhão
pousa aqui na minha mão:
balança a cabeça e espia
o céu de negro azulão

520
Mané-magro· disse - não · ·
·
• •
• •

Deixa bater na cabeça :


· deixa cantar nos ouvidos

deixa escorrer nos cabelos


e entrar pelos sentidos
esta chuvinha do ·céu ·
. .

Vossos pecados se acabam .

vossos· tormentos também' •


• •

Rezai pe�os qu� morreram •


.
• •

de tome, reza.i, . AMtM!


.
.
VISITAÇÃO AO. 'Í'úM
. .ULO DE :PAULO CORD.EIRO . . . '


.
·

Ali, entre muitas campas


estava o amigo secreto do 11iortÓ,
parecia um anjo (apesar de �eus cabelos branc'os)
c certo aborrecimento da vida. contraindo-lhe a boca

. . .

Vestia um fraque· preto e sempre de cerimônias


como se acaso tomasse chá à presença de moças,
o triste amigo de Paulo Cordeiro
. ·

o poeta Antônio Santos

Ante o túmulo do amigo e a tarde


ele tentou fazer uma poesia erótica


que lhe lembrasse momentos de vida do amigo morto:
mas a caneta não escrevia, o papel
não aceitava suas idéias lúgubres

Então, ele agora, trágico e lúcido


rebelou-se co n tra o a m igo m or to e a ta rde,
seus ute n sí li o s in ú te is de p oeta : bla sf emo u
p a rec

contra as bo n in as q ue en tre as ca m s

(José A lc id es Pinto. ·Can tos . de L ú cif er Poemas Com­ .

de Ja ne iro , �d içõ es GR D, 19 66 , pp. 17; 12 5;


pletos. Rio
.
131; 146:.)

521
Prefaciando os poemas completos do autor Cantos de
Lúcifer , observou Cassiano Ricardo que essa coletânea re­
velava "a inquietação do poeta mÚltiplo e uno que é José Al­
cides Pinto", o que o levou a afirmar adiante: "Discordando de
si mesmo em cada livro, e às vezes no mesmo livro, o poeta
reúne assim as suas discordâncias num só acordo . " É que na
verdade é o poeta um inconformado (talvez devêssemos dizer
um possesso, dada sua predileção pelo Demônio e seus mis­
térios) . Mas uma nota parece dominar todas as facetas de sua

arte : a presença da morte, que por sinal surge no título de


dois de seus livros. No primeiro poema reproduzido, ela, a
morte, toca o poeta de perto, pois é diante do túmulo de sua
irmã que ele despetala os lírios em lágrimas; poeta cerebral,
.

deixa ele no entanto rastros de sua profunda emoção nesse


poema, em que lamenta uma
perda irreparável ; e, mesmo
abandonando o túmulo e o cemitério, há de ficar seu pensa­
mento j unto à morta . Mas, se usou versos curtos (com predo-
.
mínio · do decassílabo em ''Ante o Túmulo de Minha Irznã
Gerei", o mesmo não veremos na composição seguinte, "Eu":
em que o autor, como que parodiando Augusto dos Anj os,
tenta definir-se em face dos mistérios da existência : os versos

.

aqui são livres e longos, traduzindo um desabafo : as coisas


são transfiguradas por densa atmosfera surrealista, mas n ão
é difícil depreendermos estar o poeta reconhecendo precisa­
mente aquela aparente incoerência de que falava Cassiano
Ricardo; nem é outra coisa o que faz o escritor confessar-se
o que anda vestido e. nu, sendo louco e poeta, ou ainda o que
está Oculto e visível como a lua caída no poço . "O Beato"
mostra-nos uma face nova do poeta, com a nota de regiona­
lismo, que transparece de princípio no metro de caráter po­
pular empregado, a redondilha maior ; primeira parte de "A
Pastoral dos Aflitos"� · mostra-nos as crendices sertanejas li­
gadas à preocupação secular do nosso homem do ca1npo: a
seca; mas, mesmo ante a perspectiva de bom inverno, surge a
desg.raça por antítese à lembrança dos que morreram de fome
. . .

Na ''Visitação ao Tú�ulo de Paulo �ordeiro'', adensa-se ainda


. .

mais a presença da morte, em face da paisagem e da ausên-

522
cia d� �migo do poeta Antônio Santos (pseudônim.o de Antô­
.
mo G1rao Barroso, a quem aliás é dedicado o poema) .

FRANCISCO CARVALHO

FRANCISCO de Oliveira CARVALHO Nasceu na cida-


de de Russas , em 11 de junho de 1927 . Fez os primeir es
os ­
tudos em sua cidade natal, · mudando-se mais · tarde para For­
taleza, onde trabalhou no .. comércio durante alguns anos, en­
quanto colaborava nos principais periódicos . É atualmente al­
to funcionário da Reitoria. da ·Universidade Federal do Ceará .
Detentor de vários prêmios, publicou : Cristal da Memória
(1955) , Canção Atrás da. . Esfinge (19�6) , Do Girassol e da Nu-
vem (1960) , Cântaro de P�dra
. . (1964) , O .Tempo . e os Amantes
( 1966) , Dimensão da$ . . .co.�s�s . ( 1967) ., . M��orial � Orfeu .

(1969) e Os Mortos Azuis (1971 ) .



SONETO À RENDEIRA . . .. .. .

. . .
.
. . .
I
o t
. ..

o linho é uma oração remota, nesse


fluir fabril do fio para.. a flor .. .
Move-se o coração da moça, e esquece
o tempo prisioneiro, .. em de.rre.dor . .

da sombra esguia que . . à a��ofada tece .


Move-se, em seu afã modelador ·.
de paz, o mito imemorial da prece
que do limbo da morte inventa o amo� .
_
.
. . .. .

Movem-se dentro de�a- o sol e o vento . · .


Move-se o mar, e os p_órt�cos se movem
das águas em perpétuo movimento . . .
. . .

u c or po · jo� e m . .
Move-se a gênese em se ·
0 olha r m e d ita ; o s -ded os tec e m
E enquanto
g;stos de amor qu e . o s Zá b ie s n ã o c on he c em .

523
XXXIX I ' •
I
I
I

' '

I t 1
' • o

Meu pai semeador de cicatrizes


na terra emancipada do .dilúvio . • • •

Quantas vezes a seiva das raízes


cantou em mim os versos do futuro . . . . I

• •

Teus sapatos de ·l ama eram tão doces


aos meus ouvidos, cheios de palavras .
Teu coração boiava . nos ti;olos: . . I ' o I • •

antigamente o Cristo . sobre as águas .


·

Teu cenho, anexo ao verde da lavoura,


crescia, ao fim das tardes amarelas, :
.

sobre os · confins da terra· e dos espaços. ,

.
• •
I

Teu olhar de profeta, em cada coisa,


ia apontando o rumo das estrelas·

aos gestos que nasciam dos meus braços .


. .

CADEIRA DE BALAN·ÇO
.

· .

. .•
. . ,

Cadeira de eterno vime,


feita de pluma e cipó.
Antes foi de meu avô,

foi depois de minha avó .

Cadeira de eterno ·vime,


silente na antiga sala .
Outrora embalou meninos,
hoje só mortos embala .
f
i

Cadeira de eterno vime,


feita de pluma e cipó .
Antes foi de meu avô,

foi depois de minha avó .

524
Cadeira na madrugada, . .
ao redor fantasmas muitos . •

Outrora embalou destinos


, •

hoje só embala defuntos .

Cadeira de eterno vime, ·


feita de pluma e cipó . . . .
Primeiro foi meu avô,
depois morreu minha avó .

Cadeira fora do tempo,


boiando nas horas calmas .
Outrora embalou . desejos,
hoje só embala fantasmas . . · ·

Cadeira que em movimento ·


restaura o enigma na sala .. . · ·
Outrora embalou·. . ·cansaços, . •

hoje suspiros embala � ••

.. . . .

Cadeira de eterno vime, • . ...


' .



feita de pluma e cipó . · ..


(Hoje só embala a sa·U\.Kjr,g •


11a ronda da noite só. )


. . . .
· ·- · ·
. .
. .
• • , . •
. . .; •

• •
j

.
.

· ·· HOMENAGEM
:


Na face amarrotada
.
.

vincada pelos dias


o perfil mais se apura . . .


do teu nariz de lágrimas·.


Mais cresce o amor de Mãe
para agarrar o filho
com seu visgo e ternura
solidão .plenitude .
Amor ao desamparo •

de tudo q ue fenec e •
. . .

525

aos olhos deste mundo


que só de desconsolas

o homem se abastece .
Amor que de tão . calmo

floresce até na ausência


para que o ser amado •

não sofra da presença .


.
Amor qtte nos trespassa ·
.

durante o temvo inteiro


• •

eterno enquanto chama


no olhar arde em segredo

Do longe em que te busco · ·


. .

.
com os olhos da memória . .

bendigo-te essa face .


..

vincada de suspiros
e esse rosto em desU3o
voltado para os · filhos .

que ao tempo foram ·d· ados


. .
.


.

pela luz dos teus dedos .


. .
.

Na noite que se alastra


por cima dos meus .sonhos
basta que se debruce
o teu perfil de lágrimas . :
.
.

. . .

(Francisco Carvalho. Di•nensão das Coisas. Fortaleza,


Ed. Instituto do Ceará, 1967, p! 96 . Memorial de Orfeu. .

Fortaleza, 1969, pp. 102-74 ; Os Mortos Azuis. Fortaleza,


Imprensa Universitâria, 1971, pp. 15-6.)
.
.

..
. . .
.

Conquanto muitas vezes descambe para ·mais cerrado ·o

hermetismo, a poesia de Francisco: .Carvalho é das maiores de


nosso momento literário; pensamos. haver selecionado alguns
de seus poemas em que menos :ostensivas se mostram as man­
chas surrealistas, isso não querendo dizer, todavia, que não
tragam aquele mistério vocabular; plen9 . de conotações, que
faz da poesia moderna um campo aberto· a várias interpreta­
ções . Do ponto d·e vista artesanal, .o� . versos transcritos exem­
plificam muito bem, a nosso ver, o resultaqo da. ·reYolução es-

526
t é t ic a desencadeada pe
la chamada Geração de 4 5 no sentid
o
'
verso l i v re s2 ( o que, pa
ra a nuop1a· de alguns ' pareceu um
retrocesso ' como se a mod · .
, . em 1dade de um poema residisse na .

m et n ca ) Embora pratique o versilibrismo, é pre


cisamente
·
·

nos metros chamados tradicio


nais que melhor se realiza o
poeta . O " Soneto à Rendeira", compo
sto em decassílados, não
desd enha a rima, disposta no esquema ABAB AB
AB CDC
DEE ; através de algum hermetismo sentimos o desabr
ochar
da mulher na jovem tecelã : embalado pelo fluir fa bril do fi o
pa ra a flor onde a aliteração figura como ilustração sonora
, o coração da moça vai-se resolvendo em· amor, amor que
lhe desperta a sensualidade . Já o soneto n o XXXIX (do Can­ .

to 3. 0 de Memoria l de · Orfeu), segue o metro decassilábico,


mas as rimas n� são regulares : umas consoantes (cicatrizes;
I
raízes, a ma rela s/estrelas, espaçosjbraços) , outras toantes (di-
lúvio/futuro, palavras/águas, lavoura/coisa) , ou ainda ate­
nuadas (doces/tijolos), sendo que as duas que grifamos podem
ser classificadas como peneconsoantes ; é · carinhosamente evo­
cada a figura do pai, sempre ligada à te�ra ; há saudade
nessa lembrança (Teus sapa tos de lama eram tão doces/
a os meus ouvi dos, cheios de palavras) , sendo digna de .

destaque a beleza fônica e conceituai do último terceto .


Ainda do mesmo livro, "Cadeira de Balanço", nos parece um de
seus mais felizes momentos, notadamente pelo caráter de can­
tig a popular, construída em versos de 7 sílabas (redondilha
maior ) : a sim pl es co nte m pl aç ão de um a ca de ira fa z em er gi r

toda a su a pa leo nt ol og ia : o av ô, a av ó, os m en in os , ou ai nd a os
de se jo s qu e em ba lo u ; ag or a, el a em ba la os de ­
destinos ou os
sm as , as re co rd aç õe s qu e de sp er ta , ou m el h or ,
funtos, os fanta
ou tr os te m p os ; à m an eira d as tr ov as d o p ov o,
a s saudades de
em A B C B , � ão se ve ri ca n d o p or ta n to ri m a
a s estrofes rimam .
n d o q u e em d u a s es tâ n ci as sã o to a n te s
d o verso 1. o com o a .o , se
(m u it o s / d e fu n to s e c a lm a sj fa n ta sm a s) . N o � e m a " H o m e na ­ •

A zu is ( 19 7 1) , os ve rs os sa o h ex a ss il a b os ,
gem" ' d e o s M or to s .
f ig u r a e v o c a d a
,
e a d a m
-
a e , C U J
.
O a m o r su rg e � rta n d o
''
VI S-
e a
a ta n d o -se d e u m a m o r q u e de ta o ca lm o I flo -
go e t e rn u r a , , tr · ·

527
resce até na ausênci'a 1 para que o · ser amado . I não sofra da
presença, com· o que traduz· o poeta a quintessência do amor
materno, feito até de renúncias . O pouco que apresentamos
e dissemos ·da poesia de Francisco Carvalho é todavia sufici­
ente para mostrar sua grandeza .

IRANILDO SAMPAIO

I RANILOO Fernandes SAMPAIO Nasceu em Assaré,


�o dia 20 de novembro de 1�30 . Após os primeiros estudos em
.

sua cidade natal, mudou-se . para o Crato, onde cursou o giná-


.
sio no hoje _Colégio Diocesano . Transferindo-se por fim para
Fortaleza, aqui concluip. o curso colegial . Publicou : A Lâm­
pada de Deus ( 1956) , O Outro Lado da Tarde ( 1959) , O Anjo
e o Fi'fT!, ( 1965) , A . 'reoria . das Coisas ( 197 1 ) , este anteriormen­
te. publicado na revista Olã n.0 24, de dezembro de 19�8, e O s
Deuses Maduros ( 1975) .. .

.•

ELEGIA DA BUSCA
. I

Não pousarei meus olhos onde os pássaros


.

com se.u amplo cantar . de tanta aurora na garganta


Sangraram meus ouvidos .
.

Não pousarei meus olhos nos teus dedos pesados,


porque a manhã que surge atrás de teus cabelos
não é a alternativa nem a busca
daquilo que sonhamos e não fomos .
Sim . Não pousarei meus olhos no teu mundo insula1· ..

Carregarei nos ombros o peso desses dias que virão


sem rosas e sem horas,
·

.
até que a tua face liquefeita se espedace em manhãs ..
I

ELEGIA

Mastigarei meu medo · no espanto dessas rosas que o

. 'vento sacode sobre os meus pés .

528
Mastigarei meu pasmo .
Mastigarei esses becos anónim
os onde nunca abracei
amadas inibidas,
e essas árvores cujos frutos apodrece
m em minhas
·

costas .
· Mastigarei a dura realidade do que sou ao despertar
do último clarim nos ouvidos do deus que me
absorve .
Mastigarei o abismo onde o luar e a hora me
amedrontam .

(Não serei esse tipo de homem que esconde a


persona!iàade atrás da porta, e sai para o trabalho
.

com um sorriso oculto sob a barba ou sob os


movimentos que o patrão controla com um simples
acionar de dedos . )

Mastigarei, enfim, o que nunca serei além deste


punhado de esperanças,
que um dia atirarei pela ;anela .

TEORIA DO TÉDIO

O tédio de estar so .
,

o tédio de receber a solidão no tato do


intocável .
Ah ! a dor das hora s que ficaram vazias
no tédio de estar so
,

m ãos irreve re n te s q u e ap alpam o


O azul das
us em no s sos g e sto s .
• •

mistério de De
d o nao há c a m m h o s
.

a n
_

Angústia e medo de p ar tir qu


nem sapatos .

r · so .
.. ,

de esta
.

o tédio
amplo pesade!o _.
Frio abismo de um

529


POEMA DO REFOGIO •

• •

O momento é de eclipse .
o mundo entre duas soluções : o enorme espaço
e o seu vazio luminosa .
No entanto o �éu é tP,o pequeno e as estrelas •

aparentemen.te próximas . .
o olho limitado por todas as distâncias . ·

Já não tenho manias


. .
. .

Pago ao tempo o tributo dos meus. cabelos .


Pouco a pouco acumulo-me e amadureço corrw um

.. , . . ·

.. [fruto

que depois. cairá . . . .
. ·.
O .sol, os . sóis, a mesma
.
. angústia a vida inteira .
.


. Procuro colher. uma . rosa . e furo
.
.
o dedo nos espinhos
. .
. . . .
.

Procuro pensar em tanta coisa .. . mas . . ador�eço. . . .

O cérebro é um esquema .
O. . w,eu, .no
. entanto, é um anelo entre o que
.. sou
. .

e a pàciência de De'!J,S
..

. •
.

. . .

. . •
.

Os costumes me intimidam· .
Penetram na minha cabeça e se sacodem como se
estivessem molhados . · ·

Por isto tanta coisa acontece dentro de mim .


Sou estranho. a mim
. mesmo . ; .

Desconh·eço-me . ·
. . "
...

· ·
.

O pt;>uco q�e fui _dentro do que . sou, cotidianamente .


• • • •

. ·
• o • •

.

o Deus dà ida é o ; da volta .


· .
.

Continuo inalterado .

Por · isto quero . sab


. er · onde os pássaros acordam .
Quero gritar;. quero pensar, quero qualquer .inc-ident e .
· ·
. A dor de ser o q'IJ,e sou não basta . · . : , · ·
:
·.
O sono pesa . . .
Vou fechar os olhos e acordar ingênuo .
Então a vida calará, e as lág�mas, . frias, fugirão
. para o funt4J ao olho . . •

• •
. ·
(Antologia de Poet.a� · cea
renses Contemporaneos, clt., p .. · · "

.
.

1 07 ' Iranlldo · Sampa


.
io . A· Teoria das Coisas. Fortaleza
<s e m indicação de edit
or) 1971, .pp . 20; 25; 59-60.)

A arte de Iranildo Sampaio se


realiza em versos livres ' ge-
ralmente Iongos, Inespera
damente cortados às vezes e ban
·

ha-
dos de 1ntenso hermetismo :
'

em todos os poemas vamos encon-


·

trar a �
esma dor profunda, a mesma angúst
a que é mais �
existencial do que eventual , sendo a presença de Deu um de
s a
suas constantes . O primeiro poema apresentado, anterior a
1 965 , mostra-nos o lírico amoroso ; mas o hermetismo apenas
esconde a causa de uma gránde dor . Esta já se vai manifes­
tar em toda a sua plenitude através dos· poemas que se seguem,
todos do livro mais recente : "Ele·gia" surde-nos como o desa­
bafo de um homem diante da "dura realidade" que o esmaga,
exprimindo ele sua revolta contra os que se acomodam den­
tro da engrenàgem social e burocrática ; ele não será o que
espera ser, mas ainda assim não deixará de revoltar-se . Na
.

"Teoria do Tédio" sente o · poeta a solidão através do tato do


.
I
í intocável : o tédio é o nada, mas um nada que dói terrivelmen-
te, não havendo definição mais precisa desse estado d'alma do
que o verso firial do · poema, um decassílabo, talvez involunta­
riamente : Fri o a bismo de um amp lo p esa delo . Por fim, o "Poe­
ma do Refúgio" vem-nos revelar como q.ue o cansaço do autor
diante do absurdo da vida; ele mesmo sabe ser um fruto ma ­
du ro 1 qu e dep oi s cai rá; seu cérebro é nada ma is que um de ­

se jo en tre o qu e ele é e a pa ciê nc ia de De us ; qu er ele gr ita r, lu ­


r qu al qu er co isa , m as te rm in ar á fe ch an do os ol l1o s,
tar, faze
ra nç a de vo lta r a nã o pe ns ar , a nã o an gu st ia r- se :
com a espe
ja ria n ão · p en sa r em m ai s n ad a, já · · qu e n ad a
em s uma dese
.
'

F ra n ci sc o · C ar va lh o, pr ef ac ia n do · A T eo ri a da s
tem sentido .
"T od a a su a p oe si a co m o qu e se ex te rior iz a
Coi sa s, escreveu :
o · co n fl it u a l, d e fu st ig a m en to d o h o m em
e m termos de colocaçã
se lh e · a p re � :n ta co m o u m d es a fi o " .
fa ce d a re a li d a d e, q u e �
em .
p lex id a de n u m a ' fo rm a d e sc o n c e r ta n te , o
Tr � d u z in d o su a p er
c o r ta o v e r s o in e s p er a d a m e n te : r o sa s
poeta c o n sta n te m e n te
v e n to sa c o d e ; o lua r e a h o ra m e 1 a m e d r O n ta m e s c o n -
que 0 1
1 persona�tidade , etc . V emos niss o pe rf ei ta ad eq ua çã o en ­
de a
tre fundo e fo rma '.
conc iliando -se esta co m uma po es ia qu e
podemos chamar de apocalíptica .

CARI,QS .D'ALGE

CARLOS Neves D'ALGE Brasileiro por opção , nasceu


em Chaves, Portugal, no dia 24 de j ulho de 1930 . Formado em
Direito, Pedagogia e Letras, fez vários cursos de aperfeiçoa­
mento e especialização no Brasil e no Exterior . Exerceu o car­
go de Pró-Reitor de Extensão da Universidade Federal do Cea­
rá, sendo atualmente professor de Literatura Portuguesa do
Centro de Humanidades da UFC, e de Língua Portuguesa e Li-
teratura Portuguesa do Cent�o de Ciências Humanas da Uni-
• 1

versidade de Fortaleza, do qual já foi Diretor ; em 1973



ministrou cursos de Literaturas Brasileira e Portuguesa na
Universidade de Colônia, Alemanha . Publicou : A Solidão
Maior ( 1960) , poemas, Aspectos da Nova Literatura Portugue­
sa ( 1965) , Língua e Composição (em colaboração com Luiz
Tavares Júnior e José Alves Fernandes 1968) , Terra do Mar •

Grande ( 1970) e Universidade e Política Educacional ( 1971) ,


além de várias plaquetas e ensaios estampados em revistas
especializadas .
• •

HECA TOMBE

O homem sorri-u
amargamente
apontava uma nuvem de ju,mo,
(ninguém sabia se era manhã ou noite)
atmosfera carregada de ódio
o rio transfor em pó
agua que desaparece no abismo
,

em fuga para o infinito .


O resto é lágrin&a
sofrimento
derrota

532
• • o • .. • •
-· . . . . . . . . .


'

desespero .
Longe muito lo.nge .
um gigantesco cogumelo
rompeu os ares
e foi beijar o sol .
(um beijo carregado de urdnio)
A ilha foi lançada ao espaço
emudeceu a floresta
nenhum corvo agitou a negra asa
não amanhecera

nem anoitecera .

Homens-máquina
de binóculos
e fardas coloridas •

marcham,
estações de radar
a postos .

Não eram homens


apenas ponteiros
relógios
detonadores
contadores Geiger .

No dia apocalíptico
a violência clamou aos ceus
,

a terra gemeu
convulsamente
Noite impassível
dia espuno .
, .

Algum tempo depois


0 cogumelo desceu das trevas

ca"eando a 'ITiorte
destruindo milhares de óvulos •

nos ventres � mulheres .

533
Os homens-relógio
continuavam a marchar •

em vez de olhos
ponteiros

em lugar de coração
detonadores .

Na hecatombe
que se ap-roxima
o sangue se confundirá
com a lágrima,
os homens não perceberão
o passara na arvore
, ,

o trigo no campo .

A semente da vida
se extinguirá
em lugar de olhos
regatos secos .

Os homens-detonadores
continuarão,
ante a loucura final .
.

quem os pode deter? . .

'

(Antologia de Poetas · Cearenses ··contemporâneos, cit., p p.


67-9.)
.

Retratando a angústia do homem moderno em face do


o
• • •

progresso da velha arte de matar, notadamente após a amar-


. .

ga experiência de duas grandes guerras mundiais e outras


tantas de menor âmbito mas de poder destrutivo cada vez
maior, o poeta coloca-se bem no meio do conflito, falando-nos
da nuvem de f11mo que enoitece o dia (ninguém sabia se era
manhã ou noite) , o que, simbolicamente , talvez possamos tra- .

duzia pelo crepúsculo da humanidade e o despertar de uma .


. .

nova era sem horizontes . Pondo-se nC? centro· da ·c onflagração,


. . .

como aventamos, o autot ora narra fatos no pretérito (Longe


. . .

muito longe 1 um gigantesco· cogumelo 1 rompeu os ares 1 e


foi beijar o sol ) , ora tes temunha. ac ontecimentos presentes


(H om en s máquina 1 de binóculos 1 e fardas coloridas I
marcham ) , ora prevê a matança final, continuação e coroa­
mento trágico das desgraças a que vem assistindo : Na heca­
tom be I que se aproxima 1 o sangue se confundirá com a lá-

grima . E esses homens-máquina (adiante homens-relógios ou


homens detonadores) , justamente por não serem homens, mas

relógios, ou contadores Geiger, figuram a i-mpessoalidade das


guerras atuais, onde, ao contrário das antigas batalhas, se
anula o homem como indivíduo, como herói, passando a com­
por toda uma armação de engrenagens cibernéticas . o· clí­
max do poema reside nas três estro'fes · derradeiras, quando,
após a detonação da bomba desintegrada de átomos , milhares
de óvulos vão sendo destruídos no ventre
. da�
. . mplheres, amea-
çando dizimar a espécie : os homens -máquina continuam
avançando impassivelmente, fazendo desaparecer a poesi a da
face do planeta . Por Jirii , pergunta ·· o poeta�: falando dos ro­
bôs : quem os pode deter? Interrogação que evidentemente fi­
cará sem resposta . . . Vazado em versos curtos- em sua maio­
ria, o poema como que traduz, com isso, ftases · entrecortadas
pelo medo que se apodera · da hu·manidade, diante de seu irre -
mediável fim .
·

..

EUSÉLIO OLIVEI�A
- . . . \

.. . •
. .. ..'
. \


Nasceu em Fortaleza, no dia 3 de janeiro . de 1933 . Bacha-


rei em Direito pela Faculdade de Direito· da · uFC, . . . exerce a ad-
vocacia e milita na crítica teatral e cinematográfica . Parti-
cip ou , em 195 7, do movimento concr��i-�t.a d�. Ceará, ao lado
de An tôn io Gi rã o Ba rro so, Al cid es Pii;ltà. e . Ol.!
. . �ro s ; ne sse an o,
.
.,
lan ço u, co m seu irmão Eudes Oliveira� . .o ,�à�ifesto Recen-
tista ", da va ng ua rd a . Di rig i� _ o su p le� �n to lit er :ár io "L ite ra r­
· _
te GN" , da Ga ze ta de N ot ící as , e fig Ur à em vá ria s an to lo gi as

de vang ua rd a, na ci on ai s e . in te !,I?- �C i<? �� i� . . . P� bl ico u : Tr ês


Dedos de Or fe u ( 19 �5 ) , . �o m Gi .Iney � o� rã9 . ��-��x eira e Es th er

e . Po eg ra �a� (19 5 � ) , · co m �q. �es O llv eir a .


Barroso •
·
_

535

'
voo·
,

COR •
••

SOL voo

SOLVO
NO
voo

CURVO
DO

CORVO

ave
ávida de vida
e distânci.a

na
ânsia do azul

ELEGIA À MULHER ·DESCONHECIDA

tua sombra
. germina tardes imaturas
nas florestas carboníferas
salpicadas
de musgos e violinos

lembrança elétrica
de momentos que passaram

indecifrável
esfinge

flor enferma
samambaia solitária
de gestos
e mãos cheios de oca&o

delírio dos cata-ven�os


· · acenas com o lenço do arco-íris
na corola azul de uma rosa crucificada

536
sarça de ausência e saudade •

corpo sol/cremado
de pedras

quero teus seios


amputados
cobertos de cartolina •

virgem morta
no mês de agosto
o vento leva teus cabelos de vidro
e louca corres ·

tocando a flauta da desventura.

(Originais datilografados pelo autor.)

Esclarece Maria Luíza Ramos : "Reagindo contra o verso


discursivo, e até mesmo eloqüente ( . . . ) , os poetas contem­
porâneos começaram por explorar as uriidades mais signifi­
cativas do discurso, chegando a desprezar as palavras fun­
cionais que estabelecem o elo sintático e culminando na ex­
ploração de vocábulos combinados por uma sintaxe plástica,
ou na utilização da palavra-frase distribuída na superfície
.
da página de diversas maneiras.'' 83 É o que verificamos em
Eusélio Oliveira, através do primeiro poema transcrito : o
poeta serve da combinação dos vocábulos COR + VOO e
se

SOE + VôO por se assemelharem, do ponto de vista grafico,


· assim seguidos, aos vocábulos CORVO e SOLVO, respectiva- ·

mente. Deslumbrado pela cor (do céu e da ave talvez) e


pela luz solar, na amplidão onde voa o corvo, o poeta resolve
tudo isso no próprio vôo da ave, que é CURVO (outro vocá­
bulo que funciona como variante, com a alteração de um
.
só fonema) . Quanto ao ·asp.ecto plástico da composição como
um todo, a distância considerável entre as palavras das duas
primeiras linhas sugere-nos a amplidão do céu e a distância
a que se encontra a ave ; e o E no centro do poema não pode-
ria ser a inicial do nome do autor, integrado na paisagem�

537

ou apenas um eixo geqmétrico? 0Qserve-s� por outro lado


que ó poema está pontilhado · de allterações expressivas ; é
que, segundo ainda observação da autora citada, "é curioso
lembrar que, apesar de os poetas concretos se voltarem fran­
camente contra o culto do valor musical do verso, muitas de

suas composições exploram (talvez inadver�idamente) o es-


trato fônico na constituição do objeto poemático ". 84 No caso
de Eusélio Oliveira, é evidente que a onomatopéia foi inten­
cional . No segundo poema, explorando ainda as combina ções
de sílabas, numa seqüência qu�se de rima� coroadas, o autor
fala-nos, como se vê, da .ave que, ávida d� az�l, de espaço,
só encontrará vida em seu elemen�, a amplidão; mas, note­
-se, ao invés de os . vocábulos irem surgindo em escala as-
. .

cendente, para figurar a subida da ave, temo-los em ordem


decendente ; seria o caso de admitirmos (como nos sugeriu o
poeta Linhares Filho) que a ave, por ser da terra, tem de
a ela descer, não obstante sua avidez de distância que, aliás ,
vai aumentar ainda mais quando ela estiver na terra, o que
afinal vai fazê-la . voar novamente.
.
. Na "elegia à . mulher des-
conhecida", já não mais de caráter concretista, constatamos
forte sopro de surrealismo hermetizando a mensagem : vê-se
. que o poeta mistura lugares-�omuns (indecifrável 1 esfinge) ,
notas decadentistas (flor enferma) ou simbolistas (gestos e
mãos cheios de ocasos) , uma alusão à virgem morta (que
tanto assume conotações românticas . como nos faz lembrar
inevitavelmente o famoso soneto de Bilac) , a figuras que só
podem ter lugar no mundo onírico : (florestas carboníferas
I salpicadas I de musgos e violinos, seios 1 amputados 1 co­
bertos de cartolina, cabelos de vidro, etc .

OUTROS NOMES

Dentre tantos outros, vêm-nos ainda à memória os no­


mes de YACO FERNANDES , poeta inédito em livro ; o já ci­
tado NERTAN MACEDO, com suas incursões pelo poema ;
F . ALVES DE ANDRADE (cuj o "Farol do Mucuripe " , poema
de 193 6, figura na Antologia de Poetas Bissextos do Ceará, de

538


Artur Eduardo Benevides) , DEUSDEDITH. DE SOUSA, poeta,
autor de Rosa Transcendente 1956 , JAIRO MARTINS BAS-
TOS (autor de Orph eo · 196 1) , JOSÉ MAIA, contista ainda
inédito em livro, SINVAL . SA, paraibano de nascimento, que . .
residiu vários anos no Ceatá, contista e romancista (Fuga -
19 60 e O Vinagre e a Sede 1965.) ; ABDIAS LIMA, com vá­
rios livros de crítica literária · e gramática� · autor do romance
Cais Caos 1970, CIRO COLARES, cronista, autor de vários

livros no gênero ; ainda· CAIO · PORFíRIO CARNEIRO (Trapiá


-1961) , JUAREZ BARROSO · e · YOLANDA GADELHA TEó­
FILO, que escreveram ficção fora de nosso· Estado, contistas
os dois primeiros, romancista a última, sendo dignos de nota,
como divergentes, os poetas · NERY CAMEL·o, AÍ>AUTO GON­
DIM (consagrado cultor da trova, de r�nome nacional) , FRAN-
.

CISCO CAPIBARIBE, FERREIRA . NOBRE, .BATISTA SOA- ·


. . .

RES, JOSÉ MAVIGNIER,. e ainda LUCAS .ANDRADE , AL-


. .

TEVIR ALENCAR, ANTóNIQ DE OLIVEIRA RAMOS, VAS-


.
QUES FILHO, CORNÉLIO PI��·�'E�, REBOUÇAS MA­
CAMBIRA (que se destaca também como excelente tradutor) ,
ANG·ÉLICA COELHO e outros .
. .
. . ' •. •


OS NOVOS
.

.
. .

Designação algo imprecisa, não indica aqui os que nas­


ceram realmente de certa data para cá, mas os que têm sur­
gido literariamente em tempos mais recentes. com uma arte
que reflete a contemporaneidade, em que coexistem (mesmo
no plano nacional) tantas e tão diversas tendências, todas
válidas .

.
NONATO D·E BRITO

Raimundo NONATO DE BRITO Revisor da Imprensa


Universtária do Ceará. Poeta e contista, não publicou ainda
livro, mas figura em várias antologias · não só do Ceará, mas
do Sul do País . . : . .

539
Artur Eduardo Benevides) , DEUSDEDITH. DE SOUSA, poeta,
autor de Rosa Transcendente 1956, JAIRO MARTINS BAS-
TOS (autor de Orpheo· 1961), JOSÉ MAIA, contista ainda
inédito em livro, SINVAL. SA, paraibano de nascimento, que . .
residiu vários anos no Ceatá, contista e romancista (Fuga-
1960 e O Vinagre e a Sede 1965.); ABDIAS LIMA, com vá­
rios livros de crítica literária ·e gramática�· autor do romance
Cais Caos 1970, CIRO COLARES, cronista, autor de vários

livros no gênero; ainda· CAIO ·PORFíRIO CARNEIRO (Trapiá


-1961), JUAREZ BARROSO ·e ·YOLANDA GADELHA TEó­
FILO, que escreveram ficção fora de nosso· Estado, contistas
os dois primeiros, romancista a última, sendo dignos de nota,
como divergentes, os poetas ·NERY CAMEL·o, AÍ>AUTO GON­
DIM (consagrado cultor da trova, de r�nome nacional) , FRAN-
.

CISCO CAPIBARIBE, FERREIRA. NOBRE, BATISTA SOA-


. ·. . .

RES, JOSÉ MAVIGNIER,. e ainda LUCAS AND RADE, AL-


. .

.
TEVIR ALENCAR, ANTóNIQ DE OLIVEIRA RAMOS, VAS-
.
QUES FILHO, CORNÉLIO PI��·�'E�, REBOUÇAS MA­
CAMBIRA (que se destaca também como excelente tradutor) ,
ANG·ÉLICA COELHO e outros .
. .
. . ' •. •


OS NOVOS
.

.
. .

Designação algo imprecisa, não indica aqui os que nas­


ceram realmente de certa data para cá, mas os que têm sur­
gido literariamente em tempos mais recentes. com uma arte
que reflete a contemporaneidade, em que coexistem (mesmo
no plano nacional) tantas e tão diversas tendências, todas
válidas.

.
NONATO D·E BRITO

Raimundo NONATO DE BRITO Revisor da Imprensa


Universtária do Ceará. Poeta e contista, não publicou ainda
livro, mas figura em várias antologias · não só do Ceará, mas
do Sul do País. . . . :

539
CANÇAO DO HOMEM QUE VAI

Filho, as mãozinhas que agitas



· cheias de querer, ao vento,
vão ficar polpas de. a.urora-
fincadas no fim da tarde I

Eu que tiraram de mim . • .

Que as ldminas do sol não as ceifem


como ceifam os malmequeres ·

antes que as hastes


se alonguem
em teto do meu caminho

Os arco-íris de teus olhos •

desferem úmidas setas


para pregar os meus passos
à curva de um nunca mais.
""-. . .

. Pudessem parar o sol . . .


'

Mas um dia se há um dia



j

.
.

em que os dese;os florescem - .


.
.
. .

..

os cobrirei de domingos
na mão do tempo colhidos.

Tua voz, p,rame d'água


descendo mo"os de vento,
.
vem desembocar em risos.
.

nos búzios dos meus ouvidos .

Se uma esperança é pr:Jsrivel,


que a gargalhada das bruxas


não a trague
antes que eu grave
I

na cera de minha pele.


-

Meu filho, o caminho é grande.


Onda de lacraus de pedra

540 '
-

com as suas facas de brasa


repartem meus calcanhares,
• • •

roem-me os ossos da coragem.


Quero entender, não consigo.
E, se me viro e inten-ogo,
enormes velhas de sombra
atiram bolas de medo
. .. . .

nos meus nervos congelados...

Tudo é vazio de céu,


irremediavelmente vazio . ..
A tarde de mão no queixo,
as nuvens, lençóis de enfermos,
as pedras, duras e surdas
como um coração humano,
as flores� tuas mãozinhas
. -

cheias de querer, mais longe,


a me espremerem por dentro
um fruto de sal e gelo.

E o suco salta das ·órbitas


e entra quais uvas suicidas
pela garganta da terra...

Mas, se neste mar de garras


sobrevive uma esperança,
te espero em mil amanhãs...

(Poesia Cearense de Hoje, Compilação de Carneiro Por­


tela. Fortaleza, Ed. Henriqueta Galeno, 1973, pp. 92-3.)

Cultor de sonetos de ·sabor parnasiano-simbolista, Nona to



de Brito tem praticado ultimamente poemas de dicção mais
moderna, povoados de notas herméticas com um clima en­
cantatório. Na composição acima, o poeta, sendo obrigado a
separar-se do filho, é possuído de angústia ante o futuro de
quem chama Eu que tiraram de mim, sentindo por isso tudo

541
vazio, e vendo nas nuvens c'clençóis de enfel'mos", adiante in­
vertendo o lugar-comum do coração duro como· a pedra : aqui,
as pedras é que são duras e surdas 1 como um coração humano.
Entretanto, o final acena com a possibilidade de haver•
esp e -

ranças, o que equivale a elas· exlstirem de fato. Note-se que


predominam os versos de 7 sílabas (redondilhas matar), de
sabor popular; todavia, não quis o poeta apegar-se· rigoro sa-
• •

mente a um esquema métrico; razão por que espalhou versos


de vária medida ao longo de toda a composição.

CARVALHO.:. NOGUEIRA

Jáder de CARVALHO NOGUEIRA· Jornalista e Asses-


sor de Relações Públicas da,. Prefeitura Municipal de Forta­
leza. Poeta, freqüentando. há- vários· anos as ·páginas de nosso s
periódicos, somente agora resolveu publicar um livro, de so­
netos: Madrugada Pura. (-1974)�·.
. . .
'

SEMELHANÇA

O violão do bar não me fez bem:


· ue.. contou de amor
depois de histórias ..q
durante quase toda a madrugada,
partiu para a seresta e eu fiquei.
o

Silêncio amargo e .rrtuita s�lidão ..


Copos vazios, mesas sem ninguém
e os cães da vizinhança aproveitando
restos de. tira-gosto pelo chão.

Onde aquela alegria de htf bem pouco?


Ninguém ficou· para beber comigo?
Os companheiros voltarão mais tarde?
'

Como parece o bar com a alma da gente • o


com que facilidade jazem festa'!


. . -
, -. .


o
o ..
·

E como·· se esvaziàm de repen-te! .

542
�-=-r-- -_ -
�- -

CHORO D E FLAUTA
. .

• •


Ouvi contar que meu avô paterno,


atormentado pelo gênio forte
da velha minha avó, tocava flauta
e não dizia nada em represália. ••

Tinha no peito um coração de santo


e, por não ser feliz dentro de casa,
se apaixonava na primeira, esquina
por um simples sorriso de mulher.

À procura do amor, morreu distantes ...


Quem me contou a história recordou,
Com tristeza na voz todo o episódio.·
.

Eu não cheguei a conhecer o velho.


Mas toda vida que me falam .nele,
Ouço um choro de flauta no meu peito.

(Carvalho Nogueira. Madrugada Pura. Fortaleza, Tip.


Progresso, 1974, pp. 49, 34.)

Embora o soneto sem rimas haja sido inaugurado pelo


Modernismo, não é o fato de serem vazados em versos brancos

que vai dar atualidade aos sonetos de Carvalho Nogueira, e
sim o à-vontade com que são escritos, quase em tom de con­
versa. Essa espontaneidade se resolve em pura poesia extraí­
da das coisas mais triviais, como em "Semelhança" onde, de­
pois de alusões a ocorrências do cotidiano, surpreende-nos o
poeta com a comparação dos últimos versos, que assumem
IJtaior força pela rima involuntária. Em "Choro de Fla1.1ta" ,.
um de seus mais felizes momentos, o autor, após contar, com
su a maneira desataviada, como era seu velho avô, infunde "los
dois versos finais toda a carga lírica que irá inundar, con1
efeito retroativo, os outros doze versos do soneto. Vemos assim
que, não obstante certo pros�ismo deliberado, ·OS poemas

5·43.
tra. nscritos revelam-nos um poeta dotado de aguda sensibi­
lidade e dono de estilo muito pessoal. I

CID CARVALHO

CID Sabóia de CARVALHO - Professor da Faculdade de


Direito da UFC e da Faculdade de Ciências Sociais e Filoso­
fia, além de radialista. Publicou Gritos e Murmúrios (1956)
e Pássaro de Fogo (1972) , ambos de poemas. É filho do poeta
Jâder de Carvalho e da contista Margarida Sabóia de Car- I
valho.
·

'
.

Porque tenho nos olhos mal dormidos I,

lição das emboscadas dos caminhos,


que.ro que tu ensines a nós todos
toda a fertilidade de teu íntimo. I
.

. '


-

De uma simples semente qtte te damos,


tu nos devolves todo um mundo em flor;
dos rios que se vão seguindo ao mar '

ensinas a grandeza desta união .


.

Por tua semelhança com os sábios,


ouvirei dos caminhos bifurcados
a lição que será dada ao viajor·.

Seguir pela direi·ta, pela esquerda, .


voltar? Quero o mistério das distâncias,
quero a lição das margens qtte não passam.
!

··.OUVINDO A SERENATA DE SCHUBERT

Neste instante, sentindo assim, ouvindo assim,


dir-te-ei o que não dizem os nossos mudos lábios
depois que tudo passa e vem a fé dos sábios
bater à alma fria, ávida de calma, enfim··...

• •

544
·-
Por que tanta ternura e tanto amor ·em ·mim
.

desgasta na alma forte a rigidez humana


e me devolve a ti, ai tanto nos irmana
que é preciso morrer sentido, ouvindo· assim. ·:..
.

Baixa a cabeça, a.mor, ouve frases antigas


que os amantes repetem meigos sem· saber · ·

que são versos das velhas e mesmas cantigas.


I


A alma transborda enquanto·:o· cérebro nãii· pensa:


'

sentindo assim, ouvindo assim;· quero·· morrer


com mil rasgos de luz na alma já quase imensa!
. . • • ! •

. .

(Poesia Cearense de Hoje - cit., pp. 28-9.)


·
Em sua estréia, Cid ·carvalho, muito joveni àinda, pra­
ticava o poema social em versos livres· ·unicamente. Pelas
suas mais recentes produções talvez de seu último livro,
. · .

que não nos che


. gou às mãos ' vemos que· . ele já se volta
par a o verso medido, como no pri�eiro soneto reproduzido,
que se compõe de decassílabos brancos, com uma ou outra asso- •
••
o

nância (caminhos 1 inti�o, . sábiqs 1 .bifurcadós� ele) , e no



.
.
. .
.

qual o autor como que prega um· integração do homem ao


meio-ambiente, tirando da natureza os e��inamentos para a
! •
• ., •

vida. Outros sonetos, porém, como o segundo transcrito, os-


tentam rimas (embora não siga� . os qu�rtetos o esquema
. .
clássico) , mas não foram observadas
. . . as ..regras
. · . d� composição .

do verso alexandrino, send o .ir;r.�g1;1I�res os versi s 2.0·, 4 o, 1o.o


.


• • •
• \ o • • • .
e 11.o. Retrata o soneto, em seu clima onírico, de remate
quase condoreiro, o êxtase produzido pela .�
· .. úsica . . .
. . .

.
BARROS ..
.O GOMES .

• •
. . o '

.
I •'


.


.

Francisco BARROSO GOM.ES- Atualmente Juiz de Di-


reito na cidade de Independência. Permanece inédito em livro,
apesar de esc;reyer. poemas �esde a década de 50,. quando par-
ticipou. . do
. ·movimento· concretista
. no Ceará . . ·

. . .

545
IMITA·ÇAO

O céu invej�o .
Nos campos os pirilampos.
O chão estrelado.

FACEIRICE

A treva pesada
se deita. A noite se. enfeita
de coifa dourada.

ARREBATAMENTO
-

O cão uiva ou canta?


Eu penso que morre: o imenso
luar na garganta.

AMANHECER

Do dia, lá fora,
A nuança: é o galo que lança
borrifos de aurora.

PRIMAVERA

Lua. Flor. Desmaio.


No vale da noite a pálida
lua, flor de maio.

ESPERANÇA

Verde hora. Verdura.


Na hora da primavera,
a espera, ânsia pura.

O haicai, poema de origem japonesa, era para Guilherme


de Almeida (que o introduziu no Brasil com a inovação da

546

O BANCO DO JARDIM

ela foi e�nbora


miJS as palavras que ela disse ficaram
e conversaram muito tempo ainda
f
A SOLrJÇAO

daqui a cem anos


todos os nossos problemas

nos terão resolvido

O PROFESSOR •

o que mais impressionava


era a· ·e xtrema magreza

o olhar profundo

a arquitetura bizarra

a falta de tato
- .
o coraçao vazzo
e o riso exagerado

do esqueleto suspenso na parede


.

TALVEZ NUNCA PUDESSE TER SIDO


DIFERENTE

o quase-herói
vive contando a história
da sua quase façanha

<Horácio Díd�mo. Tempo de Chuva. Fortaleza, Imprensa


Universitária do Ceará, 1967, pp. 5, 34. Tijolo de Barro
Fortaleza, ln Edições, 1968, pp. 29, 89, 105.)

Consoante a observação de Braga Montenegro, Horácio


Dídimo é um poeta que "nos veio do Concretismo e que ainda
hoje, é fácil a constatação, se mostra sensível aos aspectos vi­
sualfsticos e externos do verso e da estrofe". 86 lt justamen-
,

548
te o que se patenteia no primeiro poema transcrito, "fumaça",
que praticamente não pode ser lido em voz alta, e cuja dispo­
sição dos vocábUlos (encurtando-se gradativamente) revela
claramente a mensagem, dispensa portanto maiores comentá ­
rios. Em "o banco do jardim" temos, a nosso ver, o mais alto
momento de poesia atingido pelo autor: note-se que a quase
extrema economia vocabular não chega, nem de longe, a pre­
judicar a onda de lirismo que transborda do poema. N' "a
solução", de recorte aparentemente humorístico, temos na
verdade uma dolorosa (e para alguns talvez consoladora) ver­
dade: a transitoriedade de nossos contratempos, grandes ou
pequenos, em face do evolver inevitável dos anos; isso dito da
maneira mais original e inusitada. Te . mos visto que o poeta
se realiza no micropoema; todavia, algumas vezes se estende
em composições menos concisas, como ocorre com "o profes­
sor", cuja força reside na surpresa do derradeiro verso, reve-

lador do determinado por tantos determinantes nos versos


anteriores. Por fim, no último poema, o drama de quem não
conseguiu atingir o ideal, ficando a meio. ca o, �onforma­
·

do porém com sua quase a vitória, esquecido de que ela é tam­


bém um quase-fracasso . . .

LINHARES FILHO

José LINHARES FILHO Professor do Departamento


de Letras Vernáculas do Centro de Humanidades da UFC.
.

Poeta e ensaísta, publicou Sumos do Tempo (1968) e, na revis-


ta Clã n.o 25, Voz das Coisas (1970), de poesia . Seu ensaio
"Linguagem e Filosofia de Machado de Assis" teve menção
honrosa do Prêmio Esso Jornal de Letras para Universitá­
rios Brasileiros em 66 .

ELEGIA DO CAVALO DA INFÂNCIA •

Meu cabelo em desalinlto


a toda a terra acenava:

e'lt ao céu ia subindo


no galope em que montava. . .

549
As ore!has do cavalo

piam fantasma na .estrada ,


enquanto que o seu galope,


todo fundido com o vento,
meu ser volatilizava . . .

As léguas por que passei


montado no seu galope,
nas suas patas ficaram . . .

Quantos donos terá tido,


quando meu pai o vendeu?
Por que caminhos não seus
Desandou· até morrer
com um trotar modorrento
e os derradeiros relinchos
de animal velho, doente? •

De ventos sob os açoites,


preto· que era, para sempre
ter-se�á fundido na noite . .. •

A MINHA MÃE, HABITANTE DA MORTE

Tua branca rede já não se arma


. .

para a sesta . Todavia guardo,


com o ranger longínquo dos armadores,
a placidez do teu sono
a entreter o meu sonho . .
.

No teu aposento, mansa e invisível, dorme uma ave ..


.
.
. .

À mesa posta, entre o apetite e a lembrança,


ltá uma cadeira sem dono.
·

Falta ao alimento o tempero •

que de tuas mãos ninguém pôde aprender .


Mas junto a mim está um cântaro
que se encheu de lágrimas que libertam .
As dálias do jardim continuam a florescer,
cada ano, tão brancas,. tão viçosas! Contudo

550
parecem reclamar a sutileza
de um cannho que o meu sono não esquece. . .
Teus pincéis dormem
com a resignação de pincéis .
Minha alma imperfeita, a despeito de teres sido
artista perfeita, pedé, todo dia,
os últimos retoques .
Santa e elmo,
no navio em que eu encontrar borrasca,
os teus olhos serão santelmo. . .
No silêncio noturno não se ouvem mais
: os passos cautelosos com que fechavas
a janela que dá para a rua,
no entanto percebo,
na l. ã escura da noite,
o abrigo do teu xale .

SONETO SUPLICANTE

Dai-me o caminho certo do Absoluto


que com o meu sangue busco e com o meu grito .
Dai-me essências, odores de infinito,
aquilo que me falta e por que luto .

Dai o Absoluto às sombras do meu mito,


aos estertores do meu dia em luto,
ao desespero do meu olho enxuto -
.

entre os desvãos da lógica em conflito.

Às minhas construções dai prumo e sorte,


do salitre interior livrando-as. Dai-me


escapar ao negror da eterna morte,

elevar-me do pó do contingente
e aos cimos ir do subterr4neo andaime, •

tal como girassol que a luz pressente .


(Linhares Filho. Sumos do Tempo. Fortaleza, Sln Edi­


ções, 1968, pp. 59-60, 63-4, e manuscrito do autor.)


551
Conquanto a apresentação de três poemas não baste para
que se conheça c�m se_gurança ·a mundividência e as virtuali­
dades formais de um poeta, as presentes produções de Linha­
res Filho nos dão pelo menos a certeza de estarmos diante de
um poeta· de ric_a. s�n�lbiliq�de e apurada técnica artesanal.
Na "elegia do cavalo da infância", vazada em redondilha
_
maior (o que nos evoca simultaneamen�e a regularidade do
galope do animal e um clima de cordel), temos uma idéia de
.

como trabalha o verso medido, infundindo-lhe -vida nova atra-


.

vés das imagens que habitam· . o poema, enchendo-o de cono-


tações (p . ex . , As . o.r�lh.as- do cavalo I viam fantasma na es­
trada); na última estrofe-, .as remembranças assumem uma at­
mosfera sobrenatural de rara bel.eza . . . "A minha mã�, habi­
tante ·d a morte" traz-nos o cultor do verso livre: um dos ins­
tantes mais felizes de sua obra poética, .e.sse poema é denso
de lirismo e de amor, revelando, em c�da peq. ueno índice, a
presença doce e constante da insubstituível; note-se, a certa
altura, como o poeta se serve ·de ·d ais vocábulos· diversos para,
adiante, evocá-los dentro . de um terceiro (santa e elmo 1 san-
telmo) .. Por fim�· tranàct.évenids (r "Soneto suplicante", em
. .
que o· · autór pede ·· uma explicaÇão dos ffiistérios ·ex-istenciais,
. .

á ó ·
um roteiro segur · à' sua· ·trajet ria, uma iluriiinação, enfim ,
• •

que lhe garanta uin· sentido à 'Vida·.' É o poeta áriSiàndo pela


imortalidade.. a�rav�s de uma yi<;la e de uma obra inspiradas
) _
no Absoluté e por isso aciffia,do terra-à-terr�_que se, aniquila-

rá um dia; o soneto .seg:ue. o. esquema .rimáti_cg ·;A��A


o

,• •
• •

. BAAB . .
.

CDC EDE, não l�e .faltando o requinte 4a ri�a . composta


. . . . .
.

(Dai-me 1 andaime) .
.
. •

.. . . .
o.
'
.
. .
�•
• • • I

.
. .

. .
'

.., ••

.
• • ... o
• . . •
. .

BARROS PINHO
. . ' -

. . . '
·o � • •

José Maria BARROS PINHO Professor, exerce o lna-


gistério do 2.0· Grau;: sendo ainda Diretor do ·colégio Oliveira
Paiva, em Fortaleza. Poeta e contista, publicou · Planisfério
(1969), Natal de Barros Lunar e 4 Figuras no Céu (1970), e
· ·
.
·

r . aii a
Ci co . Enc t ão (1�75) .
· ·

.. . . .
.

..
.

552


A BOMBA

vamos escovar
os dentes
enquanto a bomba
nao vem
,_

vamos
ao piquenique
da espécie
enquanto a bomba •

nao vem
-

vamos brincar
com bambolê
enquanto a bomba
nao vem
-

vamos so (r) rir


e jazer tudo
o que a bomba '

não jaz

A CIDADE

o arco azul
sobre variantes
da beleza

o corvo sem voar


dentro da noite

o ventre do tédio
prenhe de suicídio

o beija-flor que passa


. .
e perpassa no círculo
volátil do perfume

55:�

o transeunte sob
o ritmo dos ponteiros

estrelas burocratizadas
sábado inserido na ilusão
domingo contido na rotina
circo com palhaço em greve

homens sozinhos •

nos fios eletrônicos


esqueceram deus .
na primeira esquina

(Barros Pinho. Planisfério. Fortaleza, Imprensa Univer­


sitária do Ceará, 1969, pp. 41, 44-5.)

Barros Pinho tem predileção pelo micropoema, como ou­


tros autores aqui focalizados, mas escolhemos duas de suas
�composições que, se não são as mais longas, também não com­
portam aquele qualificativo . Preocupado (melhor �iria tal­
·vez angustiado) com o progresso acelerado da tecnologia, está
· . ·o poeta vez por outra celebrando os feitos da Astronáutica,
. mas
·não sem deplorar os males advindos desse mesmo progresso, re -
tratando a perplexidade do homem moderno, inerme diante
. da possibilidade de uma guerra atômica . Este o motivo da
exortação contida em "a bomba", onde inclusive se vislumbra
·O temor do desaparecimento da própria .espécie humana,

quando a bomba vier; veja-se a nota de sabor concretista em


. só (r) rir. "a cidade" nos mostra o poeta diante do desumano
e do trivial da cidade grande e moderna, onde do tédio arrasta
ao suicídio aqueles que vegetam sob uma rotina implacável,
-esquecidos de Deus .

ROBERTO PONTES

Francisco ROBERTO Silveira de PONTES Medeiros


Tem exercido a advocacia, .em Brasília e em Fortaleza, sendo
atualmente professor do Centro.de Ciênciàs Humanas da Uni-

554

versidade de Fortaleza. Publicou Contracanto (i968) e Lições


de Espaço (1971) . Pratica o poema e o ensaio, tendo vencido o
Prêmio Essa Jornal de Letras para Universitârios Brasilei­
ros de 1971, com o ensaio "Vanguarda, Apresentação e Tese" .

CONTRACANTO

Estou em meu poema


como os amantes se ·estão.
Moro nas vogais · e consoa1'ttes
ós e xizes cantantes .
. .

Estou nos casebres tristes


da imaginação.
Sou nas quase
vírgulas de · ouro
que faço sem porquês.

O alfabeto habito

como me moram
muitas vezes muitas
meu . coraçao .
-

DO BEIJO DO MUITO AMAR

Teu beijo
o longo poe1na não escrito
o longo sono
sem espaço e sem medida
a pluma pura e doce
entre os meus dentes.

a sílaba que nasce sufocada


o madrigal dispondo em ordem
milhões de madrugadas ·

. o ' perfume sobre .. os lábios. ·


555
teu beijo
o sal de purificar o sonho
a chuva em temp o de verão
a rosa língua rosa
por minha língua rosa
'spetalada .

TEÇO DE PALAVRAS . . .

teço de palavras
a rubra nostalgia
terço na aurora
corações ressabiados
teço do silêncio
a contextura
terço na aurora
a intenção da vida
teço no desejo
as linhas sobre cores
terço contra a noite
para que venha
o dia

(Roberto Pontes. Contracanto. Fortaleza, Sin Edições,


1968, pp. 19, 21; Sinantologia, Fortaleza, idem, 1968, p.
94.)

"Contracanto", poema de abertura do livro de estréia de


Roberto Pontes, vale como uma profissão de fé artística, na
.qual o autor se diz integrado no poema, estando todo inteiro
em quantos fonemas apareçam Moro nas vogais e consoan­
tes 1 ós e xi'zes cantantes ; e os casebres tristes· (2.a estro­
fe), embora sejam "da imaginação", refletem uma nota cara
ao poeta, o tema social; contudo, o poema quer refletir fnn­
damentalmente a consciência artesanal do autor . O segun­
do, lírico-amoroso, vem confirmar essa consciência, pela ex­
ploração dos sons, notadamente as bilabiais que pontilham
todo o poema, encerrado por um vocábulo mutilado: "a afé­
rese do último verso parece mostrar-nos o despetalar que as

556

-·- I
·palavras apresentam", notou Pedro Lyra, prefaciador do li­
vro. O último, sem título, trata do tema social a que nos re­
ferimos, mas é patente a preocupação formal . Em Lições de
Espaço, em que os poemas se integram num todo difícil de fra­
gmentar, quer o autor cantar "a miséria, o sonho e o triunfo
do homem": o homem 1 se enluva 1 em sua farda I recolhe
mostruário lá na lua 1 e volta 1 imantado de amplidão.

ROGÉRIO BESSA

José ROGÉRIO Fontenele BESSA Professor do Depar-


tamento de Letras Vernáculas do Centro de Humanidades da
UFC e da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, de Li­
moeiro do Norte. Poeta e ensaísta, publicou Poesi.a em 2 tempos
(1968) e Praxiscópio (s/d).

ELEGIA DO COENTRO

o cant�iro não o faz mais verde


namoram-lhe as sementes os pássaros
cuidado de mulher o ajeita
do vento que o entortou

vegetal de vida útil e breve


que nasce verde e verde morre
não lhe será longa a vida
as folhas amarelecendo

coentro, tempero de alguns


destempero de si próprio
utilidade verde da vida
brevidade verde de si mesmo.

PRAXISCóPIO

o impacto
do
cacto
intacto

557
ESSA COITA

essa coita que me invade


gran coyta que d'amor ei

'

foi a que, vivendo El-Rei,


experimentou Guilhade ·

os olhos verdes d' amiga


me fazem ora pensar
se azuis não eram, cantiga
só, quem dela saberá
.

sei que cantiga d' amigo


decanta os olhos d' a!guém I

do hoje outrora que consigo


lembrar por mal e por bem.

(Rogério Bessa. Poesia em 2 Tempos. Fortaleza, Sin Edi­


ções, 1968, pp. 83-4; praxiscópio. Fortaleza, Foto Flash,
s/d., sem numeração de páginas; manuscrito do autor.)

Na "elegia do Centro", do livro de estréia, o autor vai


.

descobrir poesia em algo aparentemente prosaico, ou anti-


poético, o vegetal de vida útil e breve, derramando-se a carga
lírica prillCipalmente no verso derradeiro; composto em ver­
SOS de medida vária (mas nunca chegando a 10 sílabas), é
a nosso ver o mais feliz instante de sua arte. O segundo livro,
cujo título demos ao poema aqui reproduzido, segue o chamado
poema-práxis, apenas prenunciado no de estréia; no texto
transcrito, se não vemos exatamente um produto dinâmico,
passível de transformação pela interferência ou manipulação
.do leitor", como prega Mário Chamie para o poema-pr áxis, s7

nota-se a perfeita adequação fundojforma, com a reiteração


do grupo oclusivo ct dificultando a própria leitura do poema. t

O último, sem título, em redondilha maior e com rimas sempre


regulares, inspira-se na poesia trovadoresca (à maneira do
Pequeno Romanceiro, de Guilherme -de Almeida), chegando
o autor a citar nominalmente Joan Garcia de Guilhade, tro-

558
vador galego do século XIII. Embora buscando a vanguarda,
sua poesia não foge de nossas raizes poéticas e lingüfsticas.

PEDRO LYRA •/

. . \

PEDRO Wladimir do Vale LYRA Professor do Depar-


tamento de Letras Vernáculas do Centro de Humanidades da •

UFC e de Ciências Humanas da Universidade de Fortaleza,


de cujo curso de Letras foi Coordenador. Redige uma coluna
no Jornal de Letras, do Rio. Poeta e ensaísta, publicou:
Sombras (1967), Doramor (1969), Poesia Cearense e Realidade
Atual (1975) e Utiludismo (1976). Seu ensaio "Quem Tem
Medo de Augusto dos Anjos?" obteve o prêmio Esso-Jomal
de Letras para Universitários Brasileiros, em 1968 . •

POÉTICA

na lavra
qtte lavra·

a linguagem
a palavra .

na linguagem
. •

tmagem

o tema
a mensagem

no tema
problema
o poeta

o poema

SOMBRAS

amor
luz '


mundo .'


mundo

' •

· ilusamor · ·

'

559
DORAMOR
(A Busca)

Que seu corpo fosse macio como um pedaço de nuvem


transformado em carne pela simples idéia da minha
[existência
e sua alma, leve como um resto de sombra transfor--·
[mado em vida ao saber da minha espera;
que seus olhos tivessem aquele encanto que deram
ao mundo os primeiros clarões da minha primeira.
[noite
e seu olhar, o mistério do mundo quando o vi des­
[pertar da minha primeira noite,..
que seus lábios fossem feitos da espera do meu beijo;
sua voz, da transformação dos meus pensamentos em
[palavras
e seu sorriso, da alegria que o criasse em nosso en­
contro; que suas mãos tivessem a medida exata do
[meu carinho·
e seu carinho, a ternura com que as flores saudassem

a madrugada em que eu despertasse para a vida ..

(Sinantologia, cit., pp. 75 e 78; Pedro Lyra. Doramor


Fortaleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1969, p. 30.}

Já liberto do decadentismo filosofante do livro de es­


tréia, Sombras ( 1967), vemos o autor seguir, em "poética".
um dos postulados do poema-práxis, ou seja, a noção de tema
como pro�lema, ainda segundo o autor de Lavra Lavra 8�·
note-se que o terceiro vocábulo de uma estrofe será na se­
guinte o primeiro, com o qual rimam o segundo e o quarto;
trata-se de uma profissão de fé do poeta de hoje. E.m " Som­
bras", serve-se o autor de um jogo de fonemas (a 2.a estrofe
é quase a inversão fônica da 1.a) para retratar uma concepção
pessimista do mundo, chegando afinal a cunhar 11m vocábulo,
ilusamor. Do longo poema Doramor (1969) escolhemos um
trecho apenas: vazado em versos livres e longos, nele con­
gue o autor fugir a qualquer nota de pieguice, não obstante

560
o lirismo amoroso derramar-se por vezes num clima de elo-
quencia romântica. Com os poucos poemas aqui reproduzi-
• •
A

dos acreditamos haver d'ado uma amostra da arte poética de


Pedro Lyra, que entretanto julgamos realizar-se melhor atra­
vés do ensaio ag .

CAETANO XIMENES ARAGAO

Pertencendo cronologicamente a uma geração anterior,


seu lugar, como o de outros aqui incluídos, justifica-se entre
os "novos" pelo fato de somente agora haver aparecido, lite­
rariamente, com o livro O Pastoreio da Nuvem e da. Morte
(1975). Médico, exerce suas a�ividades particularmente e no
.

Instituto Nacional de Previdência


. Social .

O HOMEM O COMPUTADOR
E O NOVO ÉDIPO

A máquina não pensa


apenas reprodu? _

o que os ruminantes de chicletes


julgam que pensam

O homem pensa
incomoda o enlatador
de salsichas .

Enquanto os computadores
se multiplicam
há o limite da natalidade
O homem é negado
ha;a mais máquinas
e menos homens

Na auto1'1UlÇ_ão se oculta
o fabricante da mot·te
o �stounro esface�
o cérebro do Homem que pensa
. ..


561

'
.'
.
.
.,

Para a nova Esf'inge


um novo 'tdipo
não me decifres
porque serás devorado

Os alquimistas da bomba
destruíram Hiroxima e Nagasáqui
para criarem

o mito do medo
.
quem tem medo da maquina?
,

quem tem medo do homem?

amanhã não haverá escolha


nem profissão para o homem
apenas legiões robotianas

o novo Édipo
o novo Homem
não teme a Esfinge

BALADA VENTO CANÇAO

O vento da minha terra


era músico e bailarino
vinha na boca da noite
voltava nos pés da manhã

De mansinho ele. voltava


. .

menino solto nas matas '

brincando de. esconde-esconde


.

nas verdes copas das árvores · . .


'
'

Falava à noite comigo ·

coisas que não se entendia • .


'

balançando a minha rede


onde a inftinCia se sabia
. '


• •

I '
. .. • •

As vezes vento lu·nar · ·. · . ·


: . '


.

I :

feito ·de luz e de· · escuma '

'

562
nuvens brancas carregando •

nos seus braços relembráveis

As vezes vento noturno


no bojo da escuridão I

singrando negros cavalos


nas noites de tempestade

Encolerizado às vezes
era louco redemoinho
de repente vento sereno
a brincar pelos caminhos
Súbito às vezes parava

feito animal assustado


que de repente estancasse
nas pistas da ventania

Mas nem sempre florescia.


dentro do si·lêncio enorme
que escorria da minha alma
e na noite se perdia

Descia às vezes dos morros


entoando a sinfonia
na copa verde-amarelo
do canavial que dormia

Gostava de ouví-lo forte


na frincha das telhas -vãs
vindo acordar as auroras

e o sol das verdes manhãs

ó vento da minha terra


ó vento doce balada
vento canção de ninar
jamais escrita ou cantada


Distanciado no tempo
tentei ouví-lo de· novo

563
mas a canção se perdera
nos longes da minha infância


não nascido
de cesariana

parturejado
sem técnica
nasci sem artifícios

humanizado
no insólito
me fiz homem '

.
nao nasct
-

para ser
devorado pela esfinge

permanecerei íntegro
sofrido e doído
I
-

consciente do meu destino

de ser humano
que não aceita
,

ser um numero

(Caetano Ximenes Aragão. O Pastoreio da Nuvem e da


Morte. Fortaleza, Gráfica Editorial Cearense Ltda., 1975,
pp. 23-4, 25-6, 45.)

Prefaciando o livro de estréia de Caetano Ximenes


Aragão, observa Francisco Carvalho que às vezes o
poeta "é triste e amargo", vendo tudo "sob uma luz
cruel''. Mas em meio à dor que lhe causa agonia do
homem, não deixa de lhe notar a presença da espe­
rança, ressaltando também as incursões que ele faz à
sua infância, o que (de nossa parte o notamos) vem amenizar

564


a amargura da maioria de suas produções. Logo no primeiro


poema transcrito podemos constatar a revolta do poeta contra
a massificação do homem, cada vez mais dominado pela má­
quina que ele mesmo criou: o resultado será não haver mais
escolha no futuro, mas apenas legiões robotianas; mas é no
mesmo poema que encontramos a esperança, expressa nos
versos finais pela crença num homem novo. Na "Balada vento
canção'', mergulha o autor no mundo da infância, razão
talvez dos versos setissílabos feitos sem rigor métrico (há
deles de oito sílabas), apesar de a linguagem não ser a do
.

cordel; termina o poema com o topos do reencontro frustrado,


presente numa lira de Gonzaga, em versos de Cláudio Manuel
da Costa e no famoso soneto d·e natal de Machado. Em
"Poema" vemos novamente o protesto do poeta contra o mundo
.

do robô e da bomba; não obstante ser um homem de ciência,


ele lembra que, a partir do nascimento, tudo lhe foi natural,
não abdicando portanto à sua condição de homem. O livro de
Caetano Ximenes Aragão é dos mais fortes que nos têm sur­
gido ultimamente .

FRANCICO SOBREIRA BEZERRA

FRANCISCO de Paula SOBREIRA BEZERRA Funcio-


nário do Banco do Brasil; tendo-se iniciado na agência de So­
bral, transferiu-se para Natal (R. G . do Norte), onde residiu
cerca de sete anos. Regressando ao Ceará, publicou seu livro
de estréia, A Morte Trágica de Alain Delon (1972), reunindo
11 contos, alguns dos quais já estampados em jom.ais de For-
taleza . Exerceu por algum tempo a crítica cinematográfica.

OPERA·ÇÃO COROADA DE ÊXITO

Empoleirado nesta cama, desde ontem ou anteontem?


Vão me levar daqui a pouco, finalmente. O anestesista anes­
tesiado e penduleando me examinou e confirmou a hora da
operação. Foi embora com o bigode pretíssimo encostando no
cigarro, deixando o quarto com hálito de � ebi�a
penetrante
.
nas minhas narinas, sufocando-me a resptraçao. Tudo Isso

acontece pra me aporrinhar. Um cachorro ganiu a noite toda, o


doente do quarto vizinho gritou tirando· meu sono. A noite toda
o chuveiro pingou, já manhã os pingos avolumaram-se, inva­
diram o quarto, treparam na cama e me cobriram. Despertei
ouvindo meus berros de socorro, a enfermeira me estendendo
um copo d'água. Ela permaneceu junto de mim conversando) I

até me acalmar. Não ouvi mais o cão e o doente gritarem, vi­


rara defunto o doente . Pensei em seus gemidos, tive remorso
por o haver amaldiçoado, mas logo me convenci que a morte
tinha sido um bem para ele. A moça pensava assim, fiquei
em paz, não era responsável pela morte do infeliz.
Alguém bate à porta, mando entrar. É a enfermeira que
saiu há pouco, equilibrando entre o fura-bolo e o cata-piolho
a seringa a·barrotada do líquido que vai me narcotizar. Me .
veste para a operação, fura meu braço, dói muito, mas com
pouco não vou sofrer mais nada, a sádica me tranqüiliza. Está
cada vez mais perto da hora de me levarem. Ela se retira e
me deseja uma feliz operação. Os olhos vão ficando peque­
ninos, o corpo amolecendo, os 1núsculos relaxando. Uma mú­
sica sofrida sussurra nos meus ouvidos, fugida de uma radiola
.

longínqua, nas asas do vento . Seus versos devem 'falar de in-


.

felicidade, não consigo entendê-los, sinto apenas o gemido da


melodia . Outros estão ouvindo ela? Não, não, tenho certeza
que somente eu . Entre milhões de padecentes fui o escolhido
para escutar o seu lamento. Já vão chegando os homens, a
música despede-se de mim . São quatro homens de preto, com
eles está a enfermeira que me fez beber água açucarada, e 1ne
furou e me narcotizou, cabelos soltos pra cobrir o corpo nu .
me ajuda a passar pra cama de rodas, depois senta a meu lado.
Dois homens seguram de cada extremidade da cama e a sus­
pendem, como ignorando as rodas . Atravessamos a estreita
sala de visitas, alcançamos o corredor comprido, há uma mul­
tidão estacionada nas portas dos quartos esperando minha pas­
sagem. Um velho aparece como cabeça de uma fila. O radinl1o
pregado no ouvido toca a Marcha Nupcial. Um dos homens
tem o rosto do meu tio, só que meu tio não era carrancudo .
Na véspera de me internar encontrei quinhentas vezes com o

566
Buick que o matou . Parecia de propósito . Fiquei pensando
besteiras, não posso ver o Buick preto e carcomido que não
sinta medo de morrer como ele. Fiquei com ele até o último
gemido, a Última palavra ininteligível. (Quem escutará meu
gemido final, além do médico indiferente?). O homem agora
ri pra mim do jeito que conheço bem. Aterrisam a cama, como
se tivessem descoberto as suas rodas. Deviam estar combina­
dos, logologo o sósia do meu tio, usando o mesmo risozinho
moleque, e o outro homem empurraram a cama que arrancava
na maior velocidade .
• • • • • • • • • • • • • • ... .. . . . . . . . . ..
. ' . . . ..... .
. . . . .. .. .
. . . . . .. '

A conversa martelava minha paciência, retardava a ope­


ração. O marchante ignorava minha presença, envolvido pelo
assunto. Mais de uma vez me deu vontade de fugir, pra pro­
testar contra a indiferença dele . Será que a operação era
desnecessária, como a do meu vizinho? Ia ser isso, o mar­
chante não tinh� que me ligar, conversava animado e suas
palavras amaciavam os ouvidos das enfermeiras. Alguém co­
meça a esmurrrar a porta, a enfermeira corre pra atender,
escuto uma voz cochichada e logo depois a .porta fechar com ..

violência. E a voz da mulher desembestar: .

"A diretora manda comunicar que o anestesista faleceu


há meia hora se o senhor quer que me mande atrás de outro."
"Hoje não. A operação fica adiada pra outro dia" (a voz
do marchante, ditatorial) . .

Entreabro os olhos, pesados de· sono os meus olhos dis- .

tinguem dentes enormes de algodão querendo saltar da boca.


· .ada lo�ga:
escuto uma voz esfalfada pela ca
"A operação do senhor foi coroada de êxito. O caixão, q�al
a cor que o senhor prefere?" ...
Verde. E voltei a do�mir . :
I
'

.
. .
. .

(Francisco Sobreira Bezerra. A �o�e Tr�gica de Alain


Delon. Fortaleza, Editora Henriqueta Galeno, 1972, PP··

Escrevendo a "orelha" do · ·livro · de:. estréia · do autor, diz


Eusélio Oliveira: "0 que importa na realidade não é o "contar

56.'7
por contar", mas como nas fábulas de La Fontaine ou de
Esopo, extrair "lições" sardônicas do comportamento "moral"
de cada personagem. " Efetivamente, o espirita critico do con­
tista está prese�nte em diversas estórias, como na que dá tí­
tulo ao livro, onde toda uma sociedade sofisticada condena
impiedosamente o motorista que, sem querer, matara A lain
Delon, cãozinho de estimação de um casal do high society.
No conto presente, "Operação coroada de êxito", do qual re­
produzimos o início e trecho do final, as notas de quase surrea­
lismo sugerem a cosmovisão do doente, fruto da própria en­
fermidade ou do anestésico: os parágrafos quilométricos são
expressivos, ao retratar a enxurrada de pensamentos que lhe
assaltam o cérebro. Em tudo vemos notas de fantástico, ou •

de absurdo: o anestesista anestesiado, com hálito de bebida.


a música só ouvida pelo doente, os homens de preto carre-
.

o a cama como se esta não tivesse rodas, o rádio tocando


a Marcha Nupcial, o sósia do tio morto, por fim o falecimento
do anestesista,. · os dentes enormes, de algodão, e os pará­ ·

grafos. finaJi.s. Note-se o à- vontade com que o autor joga


.
.

com as palavras: "Tudo isso acontece pra me aporrinhar", .

"Outros estão ouvindo ela?", �em contar a criação de vocá-


bulos a partir de outros ou por simples repetição, como "pen­
dtileando" ou "logologo". Estamos realmente diante de um
ficcionista, cujos contos, ·no dizer de José Alcides Pinto pre­
faciador do livro, "nada ficam a dever ao que de melhor se
faz no moderno conto brasileiro. "

MARLY VASCONCELOS
.

MARLY Sales VASCONCELOS Fez o curso de Direito


na Faculdade de Direito do Ceará, tnas não exerce a advoca­
cia. Presentemente faz o Curso de Letras da Universidade Fe­
d'eral do Ceará. Publicou Agua Insone (1973).
. . . . .
.

BALADA

.
..
. . '

A moça acena com·· um lenço




.. da mais fina cambrai:a .

568
Aí, realejo antigo,
voz doce de serenata
'

jasmim, rosas, sempre-vivas,


trepadeira no sobrado •

A moça acena com um lenço


da mais fina cambraia.

Seios cobertos de seda


palidez no rosto clássico,
camélias presas nos dedos
fiam tecidos de prata.

A moça acena com um lenço


da mai s fina cambraia .

Va.lsas de quinhentos dias


vão no pó se escondendo,
na casa-grande sozinha
vai a moça envelhe. cendo .

A moça acena com um lenço


e cambraia do passado .. •

A casa-grande assombrada .

A VELHA VARANDA

A velha varanda antiga e enferrujada


tem várias faces e âmagos .
Ninguém penetra em seu aroma sem flores
mas dela se recebe mansa sombra.

Já houve noite de silêncio nesta va.randa sem nome


Já houve tempo de poetas nesta varanda de sonhos.

Descem bêbadas sombras frias e um dia se acabam


mas não se apaga nunca a velha varanda.

Feito passado e mancha.


Feito passado.

569
ALAZÃO

Na noite o cava!o se banha


com a cor do luar.

O tempo é puro.
A rosa enfeite de santo.

O cava!o baba insônia


na paisagem noturna.

As margens das coisas se perguntam


e a bris.a risca o orvalho .

Inesperado I

contra a noite

o cavalo tomba.

FRAGIL ECO
t
I

Quando formos os futuros mortos


e deixarmos um pouco de dor e lágrimas,
quando no·sso ·s gestos tornarem-se desconhecidos e parados,

teremos a impressão de que


somos os que foram à praia
os que leram jornais
os que telegrafaram e enviaram postais.
Ficaremos apagados
menos no cartório onde deixaremos alguns dados biográficos.

E na lousa onde teremos os nomes gravados .


Seremos bons, alegreB, simpáticos
puros como o marmore,
,

para os que nos pisarão cqm seus sapatos .

(Marly Vasconcelos. Agua Insone. Fortaleza, Gráfica Edi­


torial Cearense Ltda., 1973, pp. 18, 23, 24, 106.)

570
A partir do título de seu liv
ro, Marly Vasconcelos se
revela verdad'eira poetisa, saben
do aproveitar-se do sortilégio
das palavras. ''Balada'' (em redo
. ndilhas e hexassilabos ' com
rimas toantes), mostra-nos todo um belo passad presente
o,
no realejo, na serenata, no rosto clássic na própria casa­
o,
-grande onde vive a moça, e reiterado pelo dístico;
a moça,
porem, envelhece, e o dístico se transmuda, tenninando o
,

poema com um verso isolado, em que a heroína se transforma


em legenda. "A Velha Varanda" também nos fala do pa�
sado que, quando presente, povoava de vida o sítio que hoje
é mancha, passado em suma; atente-se para a beleza de ima­
gem do verso Descem bêbadas sombras frias e um dia se
acabam. Alazão, que no livro traz epígrafe de Cecília Mei­
reles ("Tão pesado, o peito do cavalo morto!"), cuja influên­
cia é clara nos versos da nossa autora, reveste-se de um clima
encantatório que se instaura logo nos primeiros versos: a
noite, a cor do luar, a rosa, a insônia (O cavalo boba insônia),
as margens das coisas, o orvalho, tudo contribui para a magia
desta página de grand'e beleza que atinge seu clímax com o
imprevisto final. "Frágil Eco" fala do futuro, explicitamente;
mas, implicitamente, fala do passado, uma vez que, tratando
de um tempo em que seremos defuntos, sob velhas lousas,
automaticamente a autora nos põe no passado. A presença
das coisas pretéritas marca inúmeras composições desse livro,
um dos melhores da nova geração.

OUTROS NOMES

Falar, do ponto de vista crítico, sobre a contemporanei­


dade literária, principalmente no que tange à última geração,
é como desejar colher frutos antes da safra. Sabemos, por
.

conseguinte, que este capítulo vai desatualizar- se breve e fa-


talmente (quantos abandonarão as letras, ou encontrarão
outros rumos, sem falar nos que ainda surgirão?), mesmo
porque, alguns anos passados, esses novos já não serão tão
novos . . .

571
Quisemos, todavia, documentar, tanto quanto possível,
o momento atual, o agora de nossa literatura.
Assim é que, aos nomes já apresentados, juntamos os de
SANZIO DE AZEVEDO (Cantos da Longa Ausência 1966) ,.
CÉSAR COELHO, cultor da trova e autor de um livro de crô-
nicas bastante originais (Strip Tease da Cidade 1968),
YEDA ESTERGILDA (Mais Um livro de Poemas 1970),
ODALIO CARDOSO DE ALENTCAR, romancista premiado
(Recordações da Comarca 1971), FARIA GUILHRME, ro­
mancista inédito, os poetas JOSÉ HÉLDER DE SOUSA, HA­
ROLDO FRANCO. ROGÉRIO FRANKLIN, IN:ms FIGUEIREDO
e LEDA MARIA; ainda LEAO JúNIOR, teatrólogo, e GILMAR
DE CARVALHO (autor de p,zuralia Tantum 1973), bem
como os contistas MARCONDES ROSA e TEOBERTO
LANDIM.
Nomes aos quais ainda acrescentamos os de JONAS LUZ,
RENATO SALDANHA, CARLOS ALBERTO BESSA, REM­
BRANDT ESMERALDO ou CARNEIRO PORTELA, alguns dos
quais apenas se iniciam nas letras, para não falarmos, re­
petimos, daqueles que surgirão mais tarde para reivindicar
seus lugares, não podendo ser ausências os nomes de JOSÉ
JACKSON COELHO SAMPAIO, CARLOS EMILIO CORREIA
LIMA. NILTON MACIEL e AIRTON MONTE, contistas, e MA­
NUEL COELHO RAPOSO e JOSÉ MARIA MAPURUNGA FI­
LHO, poetas, bem como LIVA RDO ARAúJO BARB OSA. AN­
TóNIA CÉLIA FRANÇA MESQUITA, FRANCISCA DE FÁTI­
MA SOUSA. ADRIANO ESPfNDOLA e MARCIA GURGEL,
poetas e ficcionistas.
Conta-se que, surpreendido ·pela enortne quantidade de
livros que, quase semanalmente, recebia do Ceará, o escritor
Valentim Magalhães, nome hoje esquecido, mas vulto expo­
nencial da vida literária nacional nos fins do século passado,
chegou a dizer, na coluna que mantinha na Notícia, do Rio de

Janeiro, aí por volta de 1895: "O Ceará não pára, o Ceará


não cansa:'' 90

572
Olhando para trás, no cabo desta jornada empreendida
'
'

desde os tempos remotos dos Oiteiros, e acompanhando o
'
\


evolver de nossas atividades Iiterãrias até nossos dias, pode­
mos bem, confiando no futuro da Literatura Cearense, repetir,

,
I

depois de tantos anos, as palavras do esquecido escritor


l
I
I
I
'

carioca.

5'13

r

NOTAS

1) Dolor Barreira. História da Literatur·a Cearense. Forta­


leza, Editora Instituto do Ceará Ltda., t I, 1948, p . 45 .
2) Abelardo Jurema. "O Regionalismo na Ficção" (ciclo
nordestino) , in A Literatura no Brasil, dir. de Afrânio Cou­
tinho, Rio de Jan·eiro, Editorial Sul-Americana, 2.a ed.,
vol. III, 1968, p . 235 .
3) Guilherme St.udart. Dici�onário Biobiblio·gráfico Cearense .
Fortaleza, Tipolitografia a Vapor, 1.o vol., 1910, p . 181
4) Sílvio Júlio. Terra e Povo do Ceará. Rio de Janeiro, Livra­
ria Carvalho Editora, 1936, pp . 99-100. (Sílvio Júlio fala
em José Pacheco Lima, traído talvez pelo fato de a relação
dos poemas de Espinosa, seu pai, figurar, no dicionário
do Barão de Studart, no verbete a ele dedicado; é evi­
dente que quis referir-se a P'acheco Espinosa . )
5) Carlos Studart. Filho. Artigos de Podestá Ribeiro. Forta­ •

leza, Gráfica Henriqueta G·aleno, 1967, p . 63 .


6) Apud José Aurélio Saraiva Câmara. Capistrano de Abreu
(tentativa biobibliográfica) . Rio de Janeiro, Livraria José
Olympio Editora, 1969, p . 31 .
7) Apud Guilherme Studart, op. cit., p . 421 .
8) Afrânio Coutinho. "A Crítica Naturalista e Positivista",
in A Literatura no Brasil, cit., p . 21.
9) Araripe Júnior. Obra Crítica de . . (org. de Afrânio Cou­
.

tinho) . Rio de Janeiro, MEC, Casa de Rui Barbosa, vol.


III, 1963, p . 309 .
10) Tomás Pompeu . "Discurso", in Revista do Instituto do
Ceará. Fortaleza, 1929, p . 51 .

575
11) São doze contos ao todo, dos quais merecem destaque
"Corda Sensível", "O Ar do Vento, Ave-Maria", "A Me­
lhor Cartada" e "ódio" .
12) Péricles Eugênio da Silva Ramos. "A Renovação Parna­
siana n·a p·oesia", in A Literatura no Brasil, cit. , p. 90.
13) Apud Dolor Barreira . Op. cit. , p . 308 .
.

14) Falando deste romance disse Antônio Sales: "Depois de


descrever a grande seca de 1877-1879, como historiador,
na sua notável e hoje clássica Históri�a da Seca no Ceará,
R,'odolfo Teófilo quis descrevê-la também como roman­
cista, e deu-nos o seu primeiro romance A Fome1, que
não é senão a fabulação vigorosa daquela tremenda ca­
lamidade. Apesar de seus defeitos de composição devido
à sua inexperiência do ofício, Rodolfo Teófilo traçou n'A
Fome um quadro forte e fiel do nosso flagelo familiar, e
criava sem premeditação a literatura regionalista que
I
tem tido depois tantos e tão excelentes cultores. " (in
Raimund·o Girão e Martins Filho. O Ceará . Fortaleza,
Editora Fortaleza, 1939, p. 100.) '

I
15) Ismael Pordeus. "A Margem de D. Guidinha do Poço",
in Revista da Academia Cearense de Letras, ano LXV,
30, Fortaleza, 1961, pp. 13 a 156· .
16) Braga Montenegro. Correio Retardado. Fortaleza, Impren­
sa Universitária do Ceará, 1966, p . 56 .

17) Lúcia Miguel Pereira . "Manoel de Oliveira Paiva", Apre­


sentação de Dona Guidinha do Poço. São Paulo, Edição
Saraiva, 1952, p. 13 .
18) Este era o seu nome literário, tal como figura em todos
os escritos da época, e não Manoel de Oliveira Paiva, seu
nome civil, posto apenas no poema Vinte e Cinco de Março
(1884). Em Zabe,�inha ou a Tacha Maldita, de 1883, assi-
n·ara M. Oliveira Paiva . Posteriormente, grafaria sempre
Oliveira Paiva.
19) Adolfo Caminha. Cartas Literárias. Rio de Janei
ro ' TipO-
grafia Aldina, 1895, p. 86.

576
·-- --

20) Raimundo Girão. "Um Livro que Declamei na Montanha'',


in Aspectos, Secretaria de Cultura do Ceará, ano II, n9
2 , jan. jun. 1968, pp. 70- 1. ,
21) Pedro de Queirós. "O Simlt;S de Pápi Júnior", in Re-
vista da Academia Cearense, t. III, 1898, p. 239.
22) Nestor Vítor. "Três Romancistas do Norte", in Obra Crí­
tica de Nestor Vítor. Rio de Janeiro, MEC, Casa de Rui
Barbosa, vol., I, 1969, p. 184.
23) Massaud Moisés. A Literatura Brasileira Através dos Tex­
tcJs. São Paulo, Editora Cultrix Ltda., 1971, p. 242.
24) Informa Abelardo Montenegro: "Augusto Franco, tra­
çando o perfil bio-literário de Antônio Sales, afirma que
ele trabalha, em 1903, num. romance de costumes cea­
renses intitulado Praciano, que se eompõe de quinze ca­
pítulos, estando já dez concluídos (Unitário, 24 de outu­
bro de 1903). Somos levados a acreditar que Praciano e
Aves de Arribação são o mesmo romance." (O Romance
Cearense. Fortaleza, A. Batista Fontenele, 1953, p. 118.)
25) Revelação de Cruz Filho, que também esclarece ser Ipu­
çaba a vila de Soure, atualmente Caucaia (Cruz Filho.
"Antônio Sales algumas notas e recordações", in Re�
vista da Academia Cearense de Letras, vol. III tomo I,
1941, pp. 67ss) .
26) Alfredo Bosi, O Pré-Modernismo. São Paulo, Editora Cul­
trix Ltda., 2a ed., 1967, p. 89. (Também não enfoca o tema
da imigração, como o mesmo autor diz, em História Con­
cisa da Literatura Brasileira. São Paulo, Cultrix, 1974,
p. 218. )
27) Transcrito de Leonardo Mota. A Padaria Espiritual. For­
taleza, Edésio Editor, 1938, pp. 25 a 31.
28) Moacir Jurema. Retrospecto dos jeitos da Padaria Espiri­
tual, a contar de 30 de maio de 1892 (dia de sua fundação)
a 28 de setembro de 1894. Fortaleza, Tipografia d' A Repú­

blica, 1894, p. 11.


29) Segundo informa Leonardo Mota, na obra citada, José
Carvalho foi o encarregado da tarefa, mas não foram pu-

577
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blicadas mais que 35 q uadras. Entretanto, observa o es­


tudioso, "era inédita a quase totalidade da contribuição
da Padaria Espiritual aos estudos folclóricos do Brasil".
(Op. cit., p. 83.)
30) Guilherme Studart. Op. cfit., p. 23.
31) Leonardo Mota. Op. cit., p. 33.
32) Antônio Sales. Retratos e Lembranças. Fortaleza, Castro
e Silva Editor, 1938, p. 127.
33) ln Francisco Júlia da Silva. Mármores. São Paulo, Horá-
cio Belfort Sabino Editor, 1895, p. XXV.
34) Moacir Jurema. Retrospecto, c!t., p. 7 .
.35) Adolfo Caminha. Op. c,it., p. 161.
36) Antônio Sales. "O Ceará Literário", in Almanaque do
Ceará, 1922, p. 437, e "História da Literatura Cearense",
in Raimundo Girão e Martins Filho. O Ceará, cit., p. 99.
37) Rodrigues de Carvalho. "O Ceará Literário (nestes últi­
mos dez anos)". in Revista da Academia Cearense, t. IV.
1899, p. 197.
:38) Rodrigues de Carvalho, idem, p. 195.
39) Antonio Sales. "História da Literatura Cearense'', in O
Ceará, cit., p. 262.
40) Apud Leonardo Mota. Op. sit., p. 53.
41) Leonardo Mota, idem, p . 54 .
42) É este o soneto "A Cegonha", de Aníbal Teófilo, composto
provavelmente no Ceará, ao tempo do Centro Literário:

Em solitária, plácida cegonha,


In�ersa num cismar ignoto e vago,
Nurr:, fim de ocaso, à beira azul de um lago,
Sem tristeza, quem há que os olhos ponha?

Vendo-a, Senhora, vossa mente sonha


. Talvez, que o conde de um palácio mago
Loura fada perversa, em tredo afago,
Mudou nessa pernalta erma e tristonha.

578
Mas eu, que em .prol da luz, do pétreo, denso
Véu do Ser ou Não-Ser tento a escalada,
Qual morosa, tenaz, paciente lesma,

Ao vê-la a8sim .m irar-se· n�ág'f.Ul,, pens�


Ver a Dúvida Humana debruçada
, Sobre a angústia infinita de si mesma.

I • '

(ln Cruz Filho.' O ·Soneto. Rio de Janeiro, Elos, 1981, p.


206) • I

·
I

43) Dolor Barreira. Op. cit., t. I, p. 260 �


44) Dolor Barreira. Op. cit., t. II, pp. 48-9.


45) José-Maria de Heredia na�ceu em Cuba em 1842 e fale- •

ceu em Par�s no ano de 1.905 . Publicou Les Tr ophées em


· • •

1893. É talvez o mais impassível de todos os parnasianos


franceses, atingindo, com· Leconte de Lisle, à perfeição
exigida pela corrente.
.

46) Além da· gravação de 1925 (Odeon, Ii9 122.936) , registre-


se ainda o disco RCA Victor n9 80-0505-B de 1947, onde
surge a modinha cantada por Carlos Galhardo e tendo I

Paraguassu como autor; uma segunda gravação, de data


ineerta, foi copiada em dois LPs do mesmo cantor. (Da­
dos extraídos do artigo . ·'.'A Peqll:ena Cruz. qo Teu Ro- .

sário", de M. A. Azevedo (Nirez) , in O Povo, Fortaleza,


12 de maio de 1973.)
47) Edigar de Alencar.· A Modinha Cearense. Fortaleza, Im­
prensa Universitária do Ceará, 1967, p. 99.
48) Renato Sóldon. Verve Cearense. Rio de Janeiro, 1969,
pp. 37-8. . .

49) Sales Campos. "Antônio Tomás'', artigo publicado no


Diário do E�tq,dq, . em.�4. q.e
, li
. agc;>s�o de 1918.
,
'
,
I \ , • I
tt
'

50) D ino rá To má s Ramo s. Pa dre An tôn io .To


. má s Príncipe
dos poetas ceare71:ses. Fortaleza, Tipografia Aragão, 2a.

ed., 1958, p. 58.


I

51) José Alb ano gra fou , nos livr os de 191 2, Ca nça m, Ca mo ens ,
coraçam, tam, sam, etc. Isto, porém, tanto pode ser tlm
significante característico · da dicção do poeta, como um

57.{)
recurso tipográfico, já que foram as obras editadas na
Espanha. Tendemos para a última hipótese pelo fato de,
na Antologia Poética de José Albano, publicada sob as
vistas do poeta, em 1918, já não figurar tal grafia. Lem­
bre-se ainda, a propósito, que a forma Camoens é cas­
telhana.
52) Antônio Sales. Prefácio não utilizado para as Rimas de
José Albano (ln Aspectos, Secretaria de Cultura do Ceará,
ano I, n9 1,1967, p. 150) .
53) Braga Montenegro. José Albano. Rio de Janeiro, Livra­
ria Agir Editora, Coleção "Nossos Clássicos", n9 30,1958,
p. 12.
54) Exemplo da poesia de caráter científico, praticada pelo
poeta, é o soneto "As Dimensões do Espaço":

- "A quarta dimensão do espaço, brada


O filósofo é o tempo. " E a gente fica
Na mesma, sem saber como se explica
A forma do Incorpóreo, igual a nada!

A lei da avaliação, corporifica


Do espaço, uma porção determinada
.

Com relação a um corpo. O resto implicd


Só a extensão vazia e ilimitada .

Se a sua altura é igual à profundeza


E se a largura é igual ao comprimento,
Há um� dimensão única, a extensão.

Se esta é a primeira e o tempo é a quarta, acesa


Fica a questão sem desenvolvimento . . .
E as outras duas dimensões quais são?

• (Serra Azul. Natureza Ritmada. Fortaleza, Ramos & Pou­


chain, 1938, p. 87.)

55) São dignas de nota as trovas de Antônio Sales, como


estas:

Achei-te tal diferença


Quando de novo te vi,

580
Que, estando em tua presença
'

Tive saudades de ti. '


Uma paixão bem ardente


É como o· vento do mar:. •

Sopra, e vai queimando a gente,


Sem que se sinta queimar.

Isso, para não falar do epigramista:

Frase Errada

"É muito cheio de si!"


Dizem de ti. Frase errada!
Eu coisa alguma já vi
Que esteja cheia . . . de nada ...

A Duas Amarras

Vi um médico tardado;
Que completo matador!
Quem escapar do soldado
Não escapa do doutor.

56) Cruz .Filho. "Alf. Castro." ln Revista da Academia Cea­


rense de Letras, Fortaleza, ano LVIII, nQ 26, 1954, pp.
161 a 182.
57) P. Commelin. Nova Mitologia Grega e Romana. Rio de
Janeiro, Livraria Garnier, tradução brasileira de Tomás
Lopes. 5a ed., 1921.
58) Apud Raimundo de Menezes. Emílio de Menezes, o último
Boémio. São Paulo, Livraria Martins Editora, !�Q ed., 1960,
p. 202 (Infelizmente o ensaísta cearense não precisa a
data da publicação do referido soneto de Júlio Maciel).
59) Antônio Sales. "O Ceará ·Literário", in Al1nanaque do
ceará. Fortaleza, 1922, p. 449.

60) o poe ta dev eri a ter esc rito fra gas (es colhos, roc hed os),
e não fráguas (fornalhas). Lívio Barreto diversas vezes
fez o mesmo, o que nos levou a fazer um .comentário que
se ap lic a pe rfe ita me nt e a Carlos Go nd im : "Errou o Poe-

581

ta, seduzido pela rima. Ocorre, entretanto que, como ele,


figuras de prestígio nacional fizeram· o mesmo. Olavo
Bilac·, em 'O Caçador «;le Esmeraldas', depois de falar nas
águas das lagoas, referiu-se aos rio�, que iam, 'em quedas
e bramidos', moràendo os alcantis, roncando pelas frá­
guas. O mesmo fizeram Alberto de Oliveira ('A Torrente').
Francisca Júlia ('A Um Poeta'), Fontoúra Xavier ('Um
Prólogo') , e vários outros." ("Lívio Barreto e o Simbo­
lismo no Ceará", Apresentação de Dolentes, 2a ed., cit..
.
p. 21.)
61) "Teia de Aranha" é, a nosso ver, o mais belo e mais par­
nasiano soneto de Epifânio Leite:
'

.

Leve, flutuando ao, so.l,. num de�uxo de .renda,


Fulge a teia de granha em reflexos de prata;
E a fiandeira, a correr de ponta -a pontà, emenda
Cada fio de luz que o meio hostil desata.
. .
.. .

Chega um dia, no entanto, em· que a esquisita senda


Sofre um revés maior, que a desfibra e arrebata;
E a aranha, sem que um fio a mai-s desdobre e estenda,
A.ssiste, muda e .aflita, àquela cena ingrata.

I •

Sonho! Teia de· ··aranha ao sol da mocidade!


Alma! Aranha a tecer a frágil urdidura
Que o sopro da descrença a pouco e pouco invade!

Um dia, o sopro mau por terra os fios deita;


e alma, pencida, chora, e nunca mais procura
...

Erguer um fio só da trama az.ul desfeita .. .



.

(Escada de Jacó. Fortaleza, Livraria e Papelaria Ribeiro,


1924, pp. 33-4.)

62) Alfredo Bosi. O Pré-Modernismo. São Paulo, Editora


Cultrix Ltda., 2a ed., 1967, p. 11.
63) · Assim está rio livro póstumo de Mário da Silveira; entre­
tanto, Jáder de · Carvalho, confrade e contemporâneo do
· poeta, sustenta que este havia escrito, na verdade, rosas
anímicas, ou seja, espirituais. .
·

582
64) Mário Linhares . Poetas Esquecidos. Rio de Janeiro, Pon­
getti, 1938 , p. 263.
65) Agrippino Grieco. Evolução da Poesia Brasileira. Rio de
Janeiro, Ariel Editora Ltda., 1932, p. 259.
66) Artur Eduardo Benevides. "Apresentação de Filgueiras
Li ma." Poesias. Fortaleza, Editora Instituto do Ceará,
1966, p. 13. .

67) Num livro sobre Demócrito Rocha, no capítulo intitula­


do "Poema Telúrico em 60 Minutos: 'O Rio Jaguaribe' e
Sua História", Paulo Sarasate narra como foi escrito o
poema: faltando matéria para c-ompletar a quarta·página
da edição de aniversário d' O Povo, apelou Sarasate para
Demócrito (Sarasate era redator-secretário e Demócrito
Diretor), que ao cabo de uma hora lhe leu o poema, di-
zendo-lhe: "Veja se isso presta!" Conclui o jornalista e
político cearense: "Foi assim que se escreveu, em 60
minutos, um poema telúric·o de excepcional vigor, sobre
um tema afinado com os anseios de uma região angus­
tiada, num ritmo de prodigiosos efeitos cênicos e numa
linguagem em que as palavras mais simples se encadeiam
com as apóstrofes rebeldes, como algo de envolvente na
arquitetura geral da originalíssima concepção poética."
(Paulo Sarasate. O Rio Jaguaribe é uma Artéria Aberta.
Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos S.A., 1968, p. 114.)
68) Rolando Morei Pinto. Estudos de Romance. São Paulo
Conselho Estadual de Cultura, Comissão de Literatura,
1965, pp . 11-2 .
69) Braga Montenegro. "Resumo Histórico da Literatura Cea­
rense", in Clã n9 16, setembro de 1957, p . 55.
70) Braga Montenegro. "A Atualidade Literária do Ceará",
in Antônio Martins Filho e Raimundo Girão. O Ceará.
Fortaleza, Editora Instituto do Ceará, ga ed., 1966, p. 274.
71) Joa qu im Alv es. Au tor es Ceare nse s. Fo rta lez a, Ed içõ es Cl� ,
1949, p. 3 1. .
.

72) Re fer im o-n os a Al gu ns Po em as (E de sio Ed ito r, 19 38) , de


Antônio Gir ão Ba rro so, e Ma nh .
ã de Amor (Edésio Editor.
1.938 ), de Manoel Albano Amora.

583
73) Moreira Ca,mpos. "Uma Excelente Novela", in Clã nQ 23�
janeiro de 1967, p. 134 (Otacílio Colares tratou do Doi3
de Ouros, em "Um Momento na Fic·ção do Ceará", in Clã
nQ 24, dezembro de 1968, pp. 92 a 98, em que estuda tam­
bém o romance Nada · de Novo Sob o Sol, de Lúcia Fer­
nandes Martins.)

74) Joaquim Alves. Op. cit., p . 32 .


75) Braga Montenegro. "A Atualidade Literária do Ceará",
Op. cit., p. 276 .
76) Braga Montenegro. "Eduardo Campos, Contista", Intro­
dução a Eduardo Campos. O Abutre e Outras Esfórias.
Fortaleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1968, pp. 16-7.

77) Apud Braga Montenegro, Introdução citada, p. 19.


78) ln Artur Eduardo Benevides. O Viaj-ante da Solidão. For­
taleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1969 ..

79) Manuel Bandeira. Itinerário de Pasárgada. Rio de Janei-


.

ro, Livraria São José, 1957, p. 91.

80) Braga Montenegro. "A Atualidade Literária do Ceará",


op. e Zoe. cit.
81) Moreira Campos . ''Por Que Estes Contos''. Introdução
aos Contos Escolhidos. Fortaleza, Imprensa Universítária
do Ceará, 1971, p. 12.

82) "A forma livre consagrada pelo modernismo ortodoxo


virara fôrma" disse Lêdo Ivo ("45: Uma Nova Liberdade
I no Rigor da Disciplina", in Diário de S. Paulo, 22 de agos­
to de. 1965) .

83) Maria Luíza Ramos. Fenomenologia da Obra Literária.


Rio de Janeiro, Forense, 2� ed., 1972, p. 66 .

84) Maria Luíza Ramos. Op. cit., p. 70.


85) Guilherme de Almeida. "Os Meus Haikai". ln Anuário

Brasileiro de Literatura. Rio de Janeiro, 1939, p . 21 .
86) Braga Montenegro. "A Maneira de Apresentação", in Ho­
rácio Dídimo. Tempo de Chuva. Fortaleza, IUC, p. 6.

584

87) Apud Péricles Eugênio da Silva Ramos . Poesia Moderna.


São Paulo, Edições Melhoramentos, 1967, p . 470.
88) Idem, ibidem.
89) Pedro Lyra é o criador do poema-postal, tentativa de fu­
são de poesia e artes visuais .
90) Apud Guilherme Studart. Dicionário Biobibliográfico
Cearense. Fortaleza, Tipolitografia a Vapor, vol. I, 1910!'
p . 38.

'

585


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595
INDICE ALFABe:TICO E ANALITICO

COnYençõea (e.· t. >ler: conto transcrito


· {p.t·.) ler: poesia ou poema transcrito:.
(q.t. ) ler:· quadra transcrita.
<s t·. ) ler:·
·
.
soneto transcrito.

·** * (soneto transe.) .. . .. . .. . . . . . . . . . . . . . . . . 63


� . luz
. de uma estearina (p.t.) . . .. . . .
'

. . . . . . 55-6
A minha 1rma - (p.t. ) . . . . . . . . . . . . � . . . . . . . . . 58-9
A minha Mãe habitante da morte (p.t. ) ... . 550-1
ABELARDO MONTENEGRO .. . ... . . . . . . . . . . 190
.A Academia Cearense ..................... 180-4
A Academia Cearense de Letras ............ 184-208
A Academia Francesa . .. . .. . . .
.
.
. . .. .. . . . . . . . 70-89
ADAUTO FERNANDES . . . · . . . . . . . . .. . . . . . . . . . 203
ADERBAL SALES . . . . .. . �· . . . . . . . . .
. . . . . . . . 190
Adeus ao Ceará (p.t.) ... . ... . . . . . . . . . . . . . 61-3
ADOLFO CAMINHA . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . . . . . 113-9, 161'.
. ADONIAS LIMA .. . . ·. . . ...... .... . . . ...
. . . . . . .
200
Aeternum vale (s.t.) . . . .. . .. . . . . . . . . . . . . . . 312
Agonia (conto-trecho transe:) ............... 463
Aguaceiro (s.t. ) . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . .. . .
95-6
.AI.F'REDO CASTRO . . ..
. . . . . . . .. . . . . . .. .. .• . ·. . . . 29 7-303
AIucinado (s.t. ) . . .
. . . . .. .
. . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . 276
ALUIZIO MEDEIROS . . ·. . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . 446-9
ÃLVARO BOMILCAR ..................... . 1 77-8
.ALVARO GURGEL DE ALENCAR" .. . ..
. . . .... . 181
ALVARO DIAS MARTINS ................. . 160, 174, 228-35�
. LVARO TEIXEffiA MENDES ..............
A 182
Amanhecer (haicai transe. ) • . . . .... . . . � . . . . . . 546
Amor eterno (p.t. ) . .. .. . . . .. . .. . . . . . . .. . . . . 254-5
AMORA MACI� . . .. .. . .
. .· . . . . . . . . . . . .. . . • . . 206
ANíBAL TEóF'ILO . . .. . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176
Ante o túmulo de minha irmã Gerei (p.t. ) .. 519-20
Antífona (s. t.) . .. . .. . .. . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . 318
.ANTONIO AUGUSTO DE VASCONCELOS ... 181
ANTONIO BEZERRA ..................... . 76-80, 1 62-3, 182'
.ANTONIO BRUNO BARBOSA .............. 178
.ANTONIO DRUMOND

..................... 200
ANTONIO DA CUNHA FON1'ENELE ........ 183
ANTONIO DE CASTRO VIDAL ............. 161
ANTONIO FIUZA DE PONTES .............. 177
ANTONIO F'URTADO .
. · . ·. . . ·. . . . . . . . . . . . . . . . 332-6
ANTONIO LUíS DR UMOND·DA'COSTA .... 181
ANTONIO MARTINS . . . . . . . . .
·. . ·. . . . . . . . . . . 83-9
ANTONIO SALES . . . .... . .
. . . . ·. . . . . . . . . . . . 133-40, 159, 287-96:
ANTONIO DE SAI.Eg CAMPOS . � . . . . . . . . . . . 205
.ANTONIO TABOSA BRAGA ............... . 202
ANTONIO TEDORICO DA· COSTA .. .... .. . . 183, 206
ANTONIO TOMAZ, (padre} ............... . 246-52
Ao aumenta da Vila de ·Fortale·za- (s.t. ) ... . 21-2
Ao 1uar (s.t. ) . . . . . . .. . .
. . . . .. . . . . . . . . . . . . . 218'
Aos heróis Lus'Anglos (fragmento) (ode
transe.) . .. ... .
. . . . ·. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24-5
.A Aranha (s.t. ) .. .. .. . . ..
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 232-3

·- .
..
..
.
ARARIPE JúNIOR ... . · . . . . . . . . . . . . . . . . . . ·. · .
70-4
Arrebatamento (halcai transe.) ........... . 546
Artista (s,t,) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . · · · · · · · · · 399 -400

· ARTUR EDUARDO BENEVIDES . . . . . . . . • • • 198, 457-62


ARTUR TE OFILO . . . . . . • . . . . • . . . . . . . • . • • • • · 1 63
Aspiração (p. t. ) · . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 494
Aves de arribação (trecho transe.) ......... . 133-40
Ba flesia Arnoldi (s.t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . • • 325 •
I

I'
Balada (p. t. ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . • 868-9
Balada do cearense (p. t. ) ·• • • • . . . . . . . . . . . . . • 412-3
Balada do vento canção (p.t.) .............. . 562-4
Banabuiú (prosa transe .) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353-5
o banco do jardim (p. t. > . • • . • • . • • • . • • . • • • • 548
Barbarola (p.t.) ......................... . 468-70 •

BARR,OS PINHO . . . . . . . . . . . . . . . •- .. .
.
. . . . . . . . . 552-4
BARROSO GOMES ....................... . 545-7
O beato (p . t.) . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . ." . . . . . �20-1
Beijo na treva (s. t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . 343
BENED I'DO FAÇANHA SIDOU . . . . . . . . . . . . . . 181
BE� �A���]E[O . . . . . . . . . . • . . • . . . . •

• • . • • • • 329-32
Bibliografia sumária • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 587-95
A Bomba (p. t.) · . . ... . ...... . . . . . . . . . . . . . . . 553
ROMFIM SOBRINliO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . • 175, 235-8
Borrasca (s.t. ) .. . . . . . . . . . . . . . .· . . . . . . . . . . . . 222
Os braços de meu Pai (prosa transe.) 501-3
,.

. . . . . .

�4
ns braços de Venus (s. t.) . . . . . . . . . . . . . . . • • . 290-1 ·-

.
.
.

BRAGA MONTENEGRO 192 , 462-7


·
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Bravos (p. t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . _. � . . 81-2


Cadeira de balanço (p. t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 524-5
CAETANO XIMEN14:S ARAGAO • . . . . • • . . • • • 561-5
Cajueiro pequenino (p.t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34-6, 41
. .

Campesina (s. t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • •


248-9
A Canção (s. t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • • • 383
...

A Canção da cigarra (s.t.) . . . . . . . . . . . . . . . . 305


A Cancão do homem que vai (p.t.) . . . . . .- . .. . 540-1
A Canção dos românticos (p. t.) . . . . . . . . . . . . . . 276
CANDIDA GALENO ....................... 515-9
.
�.
.
.
"
. . .

Cantigas (q.t.) . . . . . � . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . • • :-'ô2


Canto (p.t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . • • • . . • .
. 496-7 -
J

Canto do pária (s.t. ) .. . . . . . . . . . .. . . . . . .. . . . . 323-4


Canto do peregrino (p. t.) . . . . . . . . .. . . . . . . . ·. .. 372-3
Canto do suave desencanto (p.t.) . . . . . . . . . . 498-9
Caravana (p.t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • • . . • . •
336-8
CARLOS C AMARA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • • . • • • ·
200
C ARI..OS D'ALG E . . . . . • • • . ..• • . • • • • • • • • • • •.• •••
532-5.
CARLOS CA �ALCANTE • • •

• • • • • • • • • • • • • • •
359-62
CAEUL� GC>�� . . . . . • . . . . . � . • . . . . . . . . • • • .
�?3-9
CARLOS STUDART F'JI.HO . . . . . . . . ... . . . . . .
195
CARL YLE MARTINS . . . . . . . . . . . . . . . . : • • ·. . •
· 194, 348-62
Carro de bois (s. t.) · . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . 344
CARVALHO LIMA . . . . . .. . . . . . . . .
·
. . . . • . . • • • • • 202
Casa de Juvenal Galeno . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .
374-7
Casa mal assombrada (s.t. > �. . . . . . . . . . . . . . . 230-2 •

I

O Cata-vento (s. t.) . . . . � . . . . . . . . , . . . ·. . . . . · 346


Cearâ ( p. t.) . . . . . . . . .. .
. . . . . . . . . . . . .
·
. ·.. . . . • .
236
Cena marinha (s. t. )

. . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . ·. . 299�300
- I �� Ja..

Cenalogla < p .t > . � . • . . .. . • • • • • • • .


• . • . . • . • • . • . 491-8
Centro Literário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . 167-8
Céu limpo (canto transe.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 452
Choro de fiauta (s t. ) ... . .. . . . . . . . . . . . . . . . 543 .
Chove (p.t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 392
CID C ARVAI·HO ... ........................ 544-5
A Cidade (p .t.) . . � .. .. . . . . . . . . . . . . ·. .
·
. . . . . . 553
Cidade-sol (p.t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
412
As clmbúllas (s.t.) .... . . . . . . . .. . . . . . . . .·. . . 327
Clã (revista) ......................... . ... .
429
CLAUDIO MARTINS .................... .. . 491-5
CLODOAI.D O PINTO ................ .... .. 193
Clube Literário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • 90
A Colmeia (s.t.) . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 334-5
Comédia Angélica (transe.) .. ... . . . .. . . . . . . 265-7
Comunhão da serra (p.t.) . .. . .... . . . . . . . . . . 241-3
Confidência ( s.t.) . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 250
Consolá tio mlseris (s t.)
· . .. .. . .
. . . . . . . . . . . . . 224
Contracanto (p.t.) ................... . ; . . . 555
Contraste (s. t . ) .. . ........................ . 247
Contratados (s.t.) ........................ 96
Cor voo (p t. > • • • • • • •. • • . • • • • . • • • • • • • • • • • • 536
Corina (p.t.) . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 •

Coroa de Rosas e de espinhos (s.t.) ...... . . . 366


Cos� 1Eiarros . ... .. .. . .. . .. . .
. . . . . . . . . . . . . . 24 •

As coruj as (conto transe.) .................. 479-82


Os cravos brancos (p. t.) . � . . . . . . . . � . . . . . . . . . 217
Credencial (p. t. ) ... ... ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214 •

Crepúsculo cearense (p.t. ) .. .. .. .. . . . . . . . , 400


CRUZ F'ILHO ............. . ............... . 303-10 •

Culto selvagem (p.t. ) ... .. . . ... . . . . . . . . . . . . 319-21


CURSINO BEI.QM . . .... . . . .. . .
. . . . . . . . . . . �
201
A Dança dos sete véus (s.t.) . .. . . . . . . . . . . . . 300
De tarde (s.t.) . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . � . . . . .
288
DEMóCRITO ROCH A . � ... . . . : . . . . . . . . . . . . .
402-7
O derretido (conto transe.) . · . . . . . . . . . . . . . . . 505
Descendo o Jaguarlbe (son. I e II transe.) .. 330-1
-

Desespero (c.t. ) .. ... .. . ....... . .. . . . . . . . . . 512-4


Desespero (p. t. ) .. .. . . . . . . ..... . . ... . . . . . . . '398-9
Desfalecimento (p.t.) . . . . . . ... .. .. . . . . . . . . . 63-5
Distraída (s. t.) .. .. .. . ...... . . . . . . . . . . . . . . . ·94
Do beij o do multo amar (p.t.) . . . . . . ... . . . 555
Dois cegos (p.t.) ................ . .. .. ... . . 226
Dois de ouros (com trecho transe.) . .. . .... 432-8
Do lentes ( q. t. ) .. .. .. .. ... . .. . . . . . . . . . . . . . . 258-9
DOLOR BARREIR A . . . . . . .. . .. . . . . . . . . . . . . . 204
DOMINGOS OI.fMPIO . . . . � . . . . . . . . . . . . . . . . .
126-33
D. Guldlnha do Poço (transcrição) ... .. . . . . . 106-13
Doramo r (p.t.) . .· . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . 560
Durval Aires . . . . ..
. . .. .
. . . . . . . .

.

.

. . . . . . . . . 194, 496-99
EDIGAR DE ALENCAR ..................... . 401-4
EDUARDO CAMPOS .................. ...... •
194, 452-6
EDUARDO DA ROCHA SALGADO .. . . . .. . . • •
182
EDUARDO GIRAO ........................ 352-5
EDUARDO TOMll: DE SABOiA .. . ... ... .. . 164-7
. ..:Elegia (p.t.)· . . .. •. ,
. .. • ••.•.• •.• , .... . . • • · ··· ·�· ··· · ..
528-9
. Elegia à. mulher desconhecida < p. t. J • • • • • o
536 -7
Elegia da busca (p. t. > • • • • • • • • • • • • • • . • • • • • • •
·
528
Elegia do cavalo da 1ntlncla (p. t. > . . . .. • • . ·
549-50
Elegia do coentro (p � t. > • • O· • • • • • • • • , • ; • • • • •
557
�. Elegia para Alba Frota (s. t.) . , . . . . . . o o • • •
460
Em louvor da princesa do verde mar (p.t. i .. 385-7
Em Porangaba (s. t.) . . .. .. . . . . . . . . . . . . . . . .
95
·Em vileglatura (s. t.) .... . . . � . " . . . . . . . . . . · ·
299
EMíDIO BARBOSA ........................ .
202
· Emigrante (p.t.) • • • • • • • • • • • • • • •
. . . . . . . . . . o
408
Enganos (p.t.> • • • • • •• • • • • • • • • • • •
• • o • • • • • • • f
253
·

Entre ·nuvens (s .t· ; ) . . . . . .. . .. . .. . . . . .. . .. ... . ·· ··�·· . 243


EPIFANIO LEITE . • • • • • • • • • . • •. .• •. . . . o • • • •
202
· E&M' tNIO ARA�JO ........................ . 203
Esparsa (p.t.) . . . .. .
. . . . .. . . � . . .. . . . . . . . . . . . . .
261
Espectro (conto transe.) .. . . . . . . . . . . . . , . . . 141-4
Esperança (haical transe.) . . . . . , . . . . . . . . . .
546
Essa coita (p.t. ) . . . ... . . ..
. . . . .. . . . . .. . . . . . .
558
A estátua de Slleno (s. t.) . .. ... . . . . . .. . . . � . .
297-8
·Estudo em rosa (s.t.) . . . . . . ... . . . . . . .· � . . . . . . 470
Eu (p.t.)
· . . . .. . . ... . . . ... .. . . .. . . . , . .. . .. . . ..... . . . .. . . . . . . . 520
EURO DE QUEIR OZ FACO . .. . . . � . . . . . . . . . . . .
177, 252-\l
·
·
Eusélio de Oliveira ........ . ..... ............. 535-8
·Eva (s.t.) . . . . . ... . . . . . .. .. ..
. . . . . . . . . . . . . . . 248
F. S. N�C O ....... . ............... 197�8
Faceirice (haicai transe.) � ....... ............... . . . . . 546
FARIAS BRITO . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . � . . 174, 180
.FERNANDES TAVORA .................... 206
F'ERNANDO DA COSTA WEYNE ........... .
176, 238-40
FERJREIRA DOS SANTOS .................. 201
·Festim romano (s.t.) .. . . . . . ...... . .. . .. . . . .
319
FILGUEIRAS LIM A . . . . .. ... .. . . . . . . . . . . . . . 397-402
O Flamboyant (s.t.) . .. . . . . � . . . . . . .. . . . ... . . . .. 330
FLORIV'� S ................. ., . . . . . . . . . . .
194
:A fome (enred-o do rom. '> .. . .... . . . . . . . . . . 99-104
· ·Fortaleza (s t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 277
· , Fortaleza revisita da ( p.t . ) . . . . . . . . . . . . . . . . 449
· Frágil eco (p.t.) .. . . ..
. . .. . . . � . . . . . . . . . . . . 570
FRANCISCO ALVES LIMA . . . . . . . . . . . . . . . . . 181
FRA NCISCO ALVES DE ANDRADE .. ..... . 176. 188-9
. FRANCISCO CARVALHO ............... . .... . . 523-8
·· FRA NCISCO SOBREffiA BEZERRA ......... 565-8
FRANCISCO VALDEV'INO NOGURIR A ... ... 183
FRA NASCIMENT O ................. 385-8
FRANCO RAB�O . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . � 181
A fumaça ( p.t .) .. . .. . . .
. . . .. . .
. . . . . . . . . . . . . .. . . "541
� Fun eral { p.t.) . . . . . ... . . - . . . . . . . . . . . . . ..
.

. . . . 416-'8
Gaatão Justa . .. . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . . . .. .. . . .
204
GIRA. O BARROSO . . . • . • • • • • • • •
.
• •• • • •
. . o •
• • • • • 193, '439-�
� grous (s. t.) , . . . . . .. . .
..
. . ..
.. . . . .. . . . � .. ,. . . . . . . 312-3
O Grupo Clã . . . . • • • • • • • •• • • • •• • • • • •
. . . . . .. . . o
427-500
' •·

, GTJILHERME S'l'UD ART . . . .. . . . . . . . . . . . . • . . 175 -6, 1�o


GUSTAVO BARROSO
!

. . ·
. . . .. . · · · · ·� · • . . .. . . . . . . . 140-5
. HEITOR MARÇAL . . . . . . . ...··. .. . • ... .. •. . • • .
. . . . . . . . . . .
407-10


Hecatombe (p . t. ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 532-4
HENRIQUE JORGE .... 8" •• • .• • ,
,
160 • • • • • • • • • • • • • •

HENRIQUE THEBERGE .......... · : . ·. ... 183 . .


· . . .

HERMAN LIMA . ..... .. . ... .. ... .. .. . .. .. .


.
145-50
O l1omem, o computador e o novo edipo (p.t.) 561-2
Homenagem (p. t. ) . . . .... . .. , . . .......... ... 525-6 .· .

A hora do retirante (p. t.) . .


·
. . 405-6
. . . . . . . · ·. · . ·. . . . . ·
·

HORACIO DIDIMO . . . . . . . . . . . . . . . ·. . . . . .
·

. 547-9
. .

.
HUGO CATUNDA . � � . . . � � .. . . .
. . . . .. . .. . . 197 . � � .

I .F. (s.t.) . . . . . . . .
. . .. . . . . . . ..
. . . . . 341
. . . . ·. · . .

Igrejinha (p.t.) . ........ .. .......... ..... 210


A ilusão do sapo (s. t. ) . .
. . 304
. . . . . . . . . . . . . . ·. .

Imitação (haica transe.) .. . . . . . . . . . . . . . . . . 546


In solitudine (s.t. ) .................. � ·. . . . 371 .
·

O índio Ciará (p.t. ) ................... � . . . 408-9 .

Invictus (s. t. } . . . .. .. . . . . . . . .
. . . .. . 246-7 . . . . . ·. .

Iracema (Roman�ce-·cap. I, II, XXXII, XXXIIIJ 43-511..


IRANILDO SAMPAIO . . . . . . . . . . . � . . . . . . . . .
. 528-32
IRINEU F�HO . . . . . . � . �
.· . �� .. : .....
. . 336-42 . . . •. .

Ironia das flores (s.t.) . . . . . . . . . . . . . . 223-4 . . . . .· -


.
-

Jacarecanga ( s t ) . . . . . . . . 311-2
. . . . . . . . . . . . . . .
·
. . .

Jáder de Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192-379-85


O Jaguar (p.t.) . .. . . . . . . . . 306-8
. . . . . • •
.
. . . . . . . . . . .

A Jangada (s.t. ) . . . . . . . . .
. 321
. � . . . . � . . . . . . . . . . .

A Jangada (p.t. ) . . . . . . . . . . ... 36-7


. . . . . . . . . . . . .

A Jangada (q . t. ) . . . . . . .
40-1
. ·. . . . . . . . . . . . . . . . . .

JOÃO AUGUSTO DA FROTA· .. : : � . � . . . . . . 200-7 . � .

JOÃO CLíMACO BEZERRA � : . ; � 190, 472-8


' . � � • • • • •
.
• • •

JOAO JA·CQUES F. LOPES . . . .. . � .


195, 504 ·9 . . . . . . . .

JOÃO JORGE DE PONTES VIEIRA . . � .... .


. 202 .
·
JOÃO LOPES FILHO . . . • .
74, 160, 209-12
. • • • • • • • • • • • • • • • •.
.

JOAQUIM ALVES ......................... 431 .


182
.

JOAQUIM LOPES DE ALCANTARA BILHAR


.

JOAQUIM DE SOUSA . .
'54-70
. . . . . . . . . . . . . .... ·• . . .

JOAQUIM VITORIANO DE AlMEIDA ..... . 161


JOEL LINHARES . . . . . . . � .
� . . .
192 . . . . . • . . . . . . .

O jogral (s . t. ) . . . . .. . . .. . . . .
468 . . . . . . . . . . . . . .

JORGE DE. SOUSA .........•.....••••••. 200


JOSAPHA T LINHARES . . . . . . . . . • . . . . . . . . .�
195-6
JOSÉ ALCIDES PINTO ................... 519-23 .

JOSÉ ALBANO ........................... . 178, 260-74


JOSÉ C. DE ALENCAR ARARIPE ......... 191 .

JOSÉ CABRAL DE ALENCAR 183 . . . . . . . • . . . . . .

JOSÉ CARLOS DE MATOS PEIXOTO ..... . 201


JOSÉ CARLOS RIBEIRO JúNIOR .. . � . . . . 161-2, 182 . .

JOSÉ CARVALHO . . . . . . .
163
. . . . . . . . . • • • . • . . • •

.JOSÉ DE ALENCAR . . . . . .
43-54
. . . • . • . • • • • • • • • • • •

'"TOSÉ DE BARCELOS ..................... 182 . .

JOSÉ DE FIGUEIREDO F'If.HO ........... 207 .


. .

196-7
,.

JOSÉ DENIZARD MA·CEDO DE ALCANTARA


JOS� DOMIN GUif:S FO NTENELE .......... 181
JOSÉ GETúLIO DA F'ROTA PESSOA ...... . 175

JOSÉ LEI1'E MARANH.A.O ?.01


. • . . . . • . . . . . . . • • . •

JOSÉ LINO DA JUSTA . .


177
. . . • . • . • • . . . • • • • • •

JOSt RODRIGUF:S DE CARVAI.HO . .176 . . . . . . .


JOS1: SOMBRA 201
472
I

JOSS: ST�NIO LOPES � . • . . • • • • • • • . . • • • • • • • ·

JOS� VAI.DIVlNO DE CARVAI4HQ 191 . . . . . . . .


·

JOS� WALDO RIBEIRO RAMOS 203 . . . . · · · · · ·

JOVINO GUEDES .
15 9
. . . . . . . . . . . . . . • · · · · · · · · ·

Juazelro (s. t.) . . . .


311
. . . . . . . . . . .. . . . . . · · • · • · · ·

.Jr11:lr�O IBJI:��I�� . .
201
. . . . . . . • . . � . . . . . . . • . . • . .

Jllr�O ��<::I� ............................ 310-7 .

.Jr11:lrLIO OLW' �IO . .


178
. . . . . . . . . . . . . . • • • • · • · · · ·

JUSTINIANO DE SERPA 80-3, 180 . . . . . . . . . . . . . · . · • . ·

JUVENAL GAI.ENO . . . 28-42, 174


. . . . . . . . . . . . . . . . . . . ·
·

o lado alegre da vida (prosa transe. ) 443-5 . . . . . .

Lágrimas (s.t.) . . . . .
215 . . .. . . . . . . . . . . . . . . · · · · · ·

As lágrimas do anglco (a. t. ) . . . 348 . . . . . . . . . . . .

Laus puríssima (p.t.) 367-9 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

LúC:I : A FERNANDES MAR'tiNS ........... 486-91 .

L UIZ F'S:I·IX SA ... ......................... 161 .

LUIZ SUC::UPIRA . . .188 • . . . . . • . . . • • • • • • • • • . • • •

LUZIA HOMEM 9 Trechos . . 127-32 . . . . . . . . . . . ·

I.EAO DE VASC:: ONC::ELOS ....... . .... ... .. 370-3 .

LEffiiA DE ANDRADE ..................... 201 .

Lenda (p.t.) . . . . . . .411 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . o

Lições da terra (s.t. ) ... . . 544 . . . . . . . . . . . . . . . . . .

LINirARES F'II.HO . .
549-52 . . . . . . . . . . . . . . . . . • • . . . .

LIVINO DE CARVALHO . . ....... . ... .. . . . 203 .

LíVIO BARRETO . . .160, 213-21


. . . . . . . . . . . . . • • � . . . . . . .

Loiros (s.t.) . ..
. . . . .334 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Longa é a noite (trechos da novela) ..... . 473-8 , .

Loucura (p.t.) ...................... . .. .. 238 .

M. A. de �NDRADE F'ORTADO ........... 200 .


.

Magda (s.t.) .. . . . :· ............


. . .329-330. . . . . . . . .

O Manezinho (s.t.) . .340 . . . . . . . . . . . . . . . o • • • • • •

MANOEL ALBANO AMORA ............... 197, 509-12 .

A Máquina de retrato (conto transe.) ...... 487-90


MARG�RID� SABOIA DE CARVALHO .. . . 512-5
MARIO DA SIL ..................... 365-70 .

MARIO DE ANDRADE (do Norte) . . 393-7 . . . . . . . .

MARIO LINHARES .....: 317-23 . , . . . . . . . . . . . . . • . . •

MARLY VASCONCELOS . . . 568-71 � . . . . . . . . . . . . . . .

Mármore pagão (s.t.) . . .. . 333 . . . . . . . . . . . . . . . . .

MARTINS D' ALVARE Z ................... . 414-9


MARTINS F'ILHO . . .188, 443-5
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • .

MARTINS DE AGU1IAR ............. . ...... 202


Martírio de Santa Júlia (s.t;) ............. 211 .

Meireles (p.t.) ......... .. . 411-2 , . . . . . . . . . . . . . . .

MENEZES �IME:NTEL � . 203 . . . . . • . . . . . . . . . . . .

MILTON DIAS . .· . . .188 , 482-6


. . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . .

Miragens (q.t.) . . .. . . .254 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

MISAEL GOMES . . .
191-2
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . .

Mistério do mar (p.t.) . 39-40 � . . . . . . . . . . . . . . . . . .

O Monj e de granito (p.t. I, n, UI) ....... 83-9 .

MODERNISMO . . • .
379-427
• . • • • • • . . • • • . . . • • • • . • • •

Modernismo (p.t. ) . . . .
380 . . . . . . . . . . . . . . . . . . .' .

MON1'E ARRAIS . . .
206• . • . • . . . . . . . . . . . . . . . . . .

MOREIRA CAM�OS .. . 196, 478-82 . . . . . . . . . . . . . . . . . � . .


MOREIRA DE AZEVEDO .. . . . . . . . . . . . . .. . . 207


. A morte (p. t.) .. ... . ... . . . . , . . . . . . . . . . . . . . . .. 457
A morte do jangadeiro (s. t.) .. ... . .. ..... . 250
. A Morte do Pan (s.t.> ................... •
. 297
'0 l!orto na prata (p .t.) .................. . 459
MOZART FIRMEZA . ... . . . ....... . . ..... .. . . . . . 391-3
MOZART PINTO ........... ...... ...... . . . . 203
MOZART SORIANO ADERALDO . . . . . . . .. . 193, 451-2
NAT ANAEL CORTEZ . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . 205
NEOCLASSICISMO .................... . ...... 19-26
Neretda <s. t.) .. .. . . . . . . ..
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 290
NF:RTAN MACEDO .. . . . . . . . . . . . . . · . . . - . , . . . . 189
A ninf a (s. t . ) . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . , . . . . 349 -50
N o alto da serra ('s. t.) .. .. . .... . .... .. ... . . . " 230
No enterro de um anjinho (s. t. ) . .. . . . . . .
247-8
Noivado fúnebre (s.t.) ................... . 236-7
NONATO DE BRITO . . .. . . . . . . . . . . . . . . . .. . 539-42
A Normalista (rom . , trechos) . .. ... .. ..... . 113-8
Notas indicadas no texto dos Capítulos . . . 575-85
I

'Notumo (s . t. ) . . . .
. . . . .
. . . . . . . . . .. . . . . .. . . . . . . 326-7
Os novos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. . . . 539-73
Nublado (s . t . ) . . . . . .
. . ... . . .. . . . . . . . . . .. .. . .. . H . .. . 243-44
Ode à 11ngua portuguesa (p. t.) .. . . . . . . . . . 263-5
Os Oiteiros . . .. . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19-26
A Oit1cica (prosa transe.) . . . .. . . . . . . . . . . . . . 356
Olhos (s t.) . .. . . . . . .
. . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . 365
OLIVEIRA PAIVA . . .. . . . . .. . . . . . . . .. . . . ... . 106-13
As ondas (s.t . ) .. . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 326
Operação coroada de êxito (conto transe.) .. 565-7
Orfeu ( s t. ) . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 324-5
OTACtLIO DE AZEV!E!D O ..... . . . . . . . ... . .. . 194, 342-8
OTACfLIO COLARES . . . . .. . . . . . . . . . .... . . . . . 196, 467-71
ai'AVI. O LOBO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... ... . . �55-9
Outros nomes . . . . . . . .. . . . . . . . ... . . . . ... . . . . 538-9
Outros nomes (Academia C. de Letras) ..... . 208
Outros nomes (Academia Francesa) ....... .
89
Outros nomes (Modernismo) ............... .

Outros nomes (Neoctasslsmo) . . .. .. . . .. .. . . . .. . 26


Outros nomes (Os novos) ................. . 571-3
Outros nomes (Pamas·ianismo) ........... . 362-3
Outros nomes ( Sitnbolismo) . . . . . . . . . . . . .. .
221
Outros nomes (várias tendências) ......... . 278-9
Ouvindo a serenata de Schubert (s. t. ) . . . . . .
544-5
Padaria Espiritual . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . � . . . 151-8
O Palhaço (s t . ) . . . . .. . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . 249-50
PAPI JúNIOR ......... . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . 119-26,174:
Para o chafariz da velha Fortaleza (s . t. • . . . . 20
Parêmias ( q t. ) . .. . .. . .. . . . .. . . . . . . , . . . . . . . . 256-7
PARNASIANISMO .................... . . . . .
287-363
O pau-d'arco (prosa tra nse ) . . . • . . . . . . . . . . . 359-61
Paulo Bonavldes . . ... . .. .. . .. . . . . . . . . . . . . . . . 192-3
O pavão (s. t. ) . . . .. ... .. . , ..... . . . . . . .. . . . . .
305-6
Pecadora ( s t.) . . . . .
. . . . .. . . . . .. . .. . .. .. . . . .. � . . . . 235-6
....., ...'L-1 DE QUEIROZ . .. .... . . . . . . . . . . . . . � 181
PEDRO � . . . . .. .
. . . . . . . . . . �· .. . .. . .. . · .. · · .. · · .
559-61
PEDRO MONIZ ........................... . 174
PEDRO PAULO MONTENEGRO ... ........ . 194, 495-6
PERBOYRE E SILVA . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . 20 4
Os pescadores da Talba (p. t. ) . .. . . . . . . . . .
229-230
Phantos (s. t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . • • . . 209
PLACIIYO CAS�Frr.o . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . 198
Poema (p.t .) . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . 441
Poema Dada (p. t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . ·. . . · · · 440
Poema do desencanto <transe.) ........... . 492-3
Poema do refúgio (p.t. ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 530
Poemas noturnos (trans.) . . . . . . . . . . . . . . • . . . 215-6
Poemeto da maldade divina (p.t.) . . . . . . . . . 492
O poeta (p.t.) . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . · · • · · 440-1
Poetas da Abolição . . .... . .. . . . . . . . . . . . . . . . .
77-89
Poética (p.t.) ..... .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 559
Polêmica (p. t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 380
Pomo de Asfaltite (s. t.) ................... . 298-9
Praxiscópio (p.t.) . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 557
PREMODERNISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . 365-73
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . · · · · · · · · .. · 13
Primavera (haical- reansc.) . .. . . . . . . . . . . . . . 546
O professor (p.t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 547
Quando as folhas da linda árvore renascera1n 394
Quimeras (s.t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 300-1
QUINTINO CUNHA ............ . ...... . .. . . 175, 240-6
O Quinze (trechos transe.) . . . . . . . . • . . . . . . . . . 420-5
RACHEL DE QUEIROZ . . . � .... . . . . . . . . . . . . 419-26
RAIMUNDO LEOPOLDO C . DE ARRUDA ... . 182
RAIMUNDO GIRAO ....................... . 193, 500-504
RAIMUNDO RIBEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . � . . . 201-7
RAIMUNDO VARAO ....................... . 274-8
O Rapaz da guia (p.t.) . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . 32-4, 41
REA.LISMO . . . . . . . .
. . . .. . . ..
. . . . . . . . . . . . . . 90-167
Realista (s.t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . 92-3
RENATO BRAGA ........................... . 205
Resignada ( s. t.) . . .. .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Resposta (s.t.) . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Ressureição (p.t.) . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . · . � . . . 344-6
.

Réstias de sol. I, II- III, IV (q.t.) . . . . . . . . . . . . 253-4


O Rio Jaguaribe (p.t.) .. ... .. . ... . . . . . . . � . . . 403-r.
R·epuxo verde (p.t.) . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 392
Roberto Pontes ............................. . 554-7
ROCHA LIMA .............................. . 72
RODOLFO TEóFILO ....................... .
98-105. !62
.

RODRIGUES DE CARVALHO ... . ... ... . .. . 225-8


ROGÉRIO BESSA . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 557-9
Romance sem palavras (trechos de crônica) 516-9
ROMANTISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . 27-70
O Saara (p.t.) . . .. . .. . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . 338-40
SABINO BATISTA . . . . . . . . . . . . . . .
.
. . . . • . . . . . . 160
o sapo (s. t.) . . . .... . . .
. .
.
• . . . . . . . . . . . . . . ·--· . . . 344
A Seca (s.t.) . . .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 318
Os seios (s.t.) .. . .. . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . 225-6
Semelhança (s. t. ) • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
542
SIDNEY NETO . . ... . . . ..
. . .. . . . . . . . . . . . . . . . .
.
388-91
í

O Stmas (enredo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
. . . .
120-5
SIMBOLISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . 208
Só < p .. t. ). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57-8
SOARES BULCAO .. . . !' . . . • • • • • • • • • • • • • • • • •
177, 256-60
Sobre um prelúdio (p.t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 371-2
O solar dos heróis (p.t.) .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . 390
A solução (p.t. ) . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 548
Sombras (p.t.) . . . . .. .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 559
Soneto (transe. "Alegrai-vos.. . " ) .. . . . . . . . . . . 20
Soneto a realidade (trans.) . . . . . . . . . . . . . . . . 523
Soneto em tons menores <transe.) . . . . . . . . . . 469
Soneto póstumo ( S1 t.) . . .... . . • . . . . . . � . . ,. . . . . 400-1
Soneto suplicante (transe.) ! • • • • • • • • • • • • • • • 551
Soneto 1 : Poeta fui... (transe.) . . . . . . . . . . . . 267
Soneto 2: ·�Para o Chafariz.. . " (transe.) .. . . 20
Soneto II: Ditoso quem... (transe.) ... .. .. . 267-8
Soneto 8: Ao simento da vila de Fortaleza
(transe.) ............................. . 21
Soneto IV: Ma · ta-me puro... (transe.) ..... .

268
Soneto X: Se amar é... (transv.) ... . ... . . 268-9
O sono do coração (p.t.') . . .. . . . . . . . . . . . . . . 218-9
Sono e sonho (p.t.) . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . .
510-1
Spes única (p.t.) : . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . .
244
Suave encantamento (p.t.) ............. ... . . 389
Súbita elegia (p.t.) . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
459
Sugestão Beethoven . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
304
A Taça de Meneleu (p.t.) : . . " . . . . . . . . . . . . . . .
291-1
Talvez nunca pudesse ter sido (p.t.) . .. . . . . . . 548 •

'
.

O tambor (p.t. ) . . . ... . . .. .


. . . . . . . . . . . . . . . . .
415-6
Tapera (s. t.) . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
350-1
Teço de palavras (s.t.) .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
556
TE:Mt STOCLES MACHAD O ................. .
174, 222
Teoria do tédio (p.t.) . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . .
529
Terra bárbara (p.t. ) . . . .. . .. . . . . . . . . . . . . . . .
381-2.
Terra de sol (s.t.) .. . . .. . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . .
289-90
THOMAZ POMPEU DE S. BRASU. (setlador) 197
THOMAZ POMPEU DE S. BRASTI., (Filho 1°) 72
THOMAZ POMPEU DE S. BRASIL (Filho 2°) 182, 197, 201
THOMA Z P OMPEU DE S. BRAS IL (Sobrinho) 203, 205
Três irmãs (conto transe.) .. . . . . . . . . . . . . .
483-6
XXXIX (s.t. ) . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 524
Triunfo (p.t .) . . . . .
� . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
269-72
ULISSES BEZERRA . ... . .. . . . . . . . . . . . . . . . .
160
ULISSES SARMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
175
última vontade (p.t. ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
493-4
Os últimos guerreiros (p.t.) . .. . . . . . . . . . . . . .
397-8
Um poema para Sidney Neto (p.t.) . . . . . . . . . . 394-5
· Um soneto d'amor (s.t.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27�
Tribus (prosa transe.) ... .. . . . . . . . . . . . . . . . 257
VALDEMIRO CAVALC ANTE ...... ......... . 181
V ALTER POMPEU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • · · · 202
O vaqueiro (p. t.) .. . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29-32
Várias tendências, alguns poetas de ......... . 221-79
569-70
'

A velha varanda (p.t.) . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . ·

OP vencidos da vida (s. t., ) . .. . . . . . . .. . . . . . . . .


211
'

alheia (conto transe.J •


• • • • • • • • • • •
1·5-9
Verde <s. t.) ......................... ..... " . . 314
Versos (p. t.) .. . .. .. .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78-80
As viagens <p.t . ) . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . , . . . 448-9
Vida (p t . ) . . . . . . .. . . .. . .. .. . . .. .. .. .. . . . .. .. . . .. . . . .. . . .. .. 440'
Vllancete (p.t.) . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313
VIRGíLIO AUGUSTO DE MORAIS ......... . 182
1
Visão d.e enfer1no (s. t.) ................... . 236:
Visitação ao túmulo de Paulo Cordeiro íp. t.' 521
Vitrola (p.t.) . . . . . . . . .. . . .. . . .. . . . . . .. . . .. .. . .. . . . 509-10
Vl úva (s.t.) . . . . . . . . . . . .. .. .. . . . . . .. . . . . . . . .. . . · · ·· 226-7
VIuvez (s.t. ) .. .. .. .. .. ..
. . . . . .. .. .. .. . . .. . . .. .. . . . 257-8
A voz do coração (p.t.)\ .. · . . . . . .. . . .. . . . . . . . . .
314'- 5,
XAVIER DE CASTRO .. ... . . .... . . . . . . . � .
93-8, 1 6�
XII,DERICO DE FARIAs·. . . . .... . . . . . , . . . . . . .
74-6

• • •

�- -
.·····--
... 3.
.
:::.
_- - �,.

SUMÁRIO

Prefácio/13

NEOCI.ASSICISM0/19-26

Os Oiteiros/19-26

ROMANTISM0/27-89

A Academia Francesa de Letras/7,0-7

R.EALISM0/90-208

O Clube Literário/90-3

A Padaria Espiritual/151-67

O Centro Literário/167-80

A Academia Cearense/180-4

A Academia Cearense de Letras/184-207

SlMBOLISM0/208-21

VARIAS TEND�NCIAS/221-86

PARNASIANISM0/287-363

PRÉ-MODERNISM.0/365-73

Salão depois Casa de Juvenal Galeno/374-7

MODERNISM0/379-427

O Grupo Clã/427-500

Outras Figuras/500-38

Os Novos/539-73

Notas/575-85

Bibliografia Sumária/587-95

tndice/597

597

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