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Benedetto Varchi
A Filosofia, a qual é a cognição de todas as coisas que existem, humanas ou divinas, tem
por argumento e matéria o ente, ou seja, tudo aquilo que existe; e em suma [conhece] tanto
todas as coisas terrenas e mortais como [as coisas] celestes e eternas. E porque o ente se
divide primeiramente em duas partes, em real e racional, assim a Filosofia tem duas partes:
a primeira e mais nobre, porque trata das coisas, se chama real; a segunda e imperfeita,
porque trata das palavras, se chama racional, isto é, verbal, por assim dizer, ou ainda arte do
discurso, e em suma intencional. Alguns querem que esta não seja verdadeiramente parte da
Filosofia, mas órgão, isto é, instrumento que serve à Filosofia.
DA FILOSOFIA REAL
A Filosofia real se divide principalmente em duas partes: a primeira e mais nobre se chama
especulativa ou contemplativa, porque seu fim não é outro que especular ou contemplar,
isto é, conhecer e saber a verdade das coisas. A segunda e menos perfeita parte se chama
prática, porque o seu fim último não é entender e saber, mas operar.
A Filosofia real prática se divide principalmente em duas partes. A primeira e mais digna
chama-se agível, a qual trata não de coisas necessárias e, consequentemente, incorruptíveis
e eternas, como faz a Filosofia real contemplativa, mas trata de coisas contingentes e feitas
pelos homens que, consequentemente, podem ser ou não ser. E esta se divide em três
partes: em Ética ou Moral, a qual considera principalmente os costumes de um homem
sozinho; em Economia ou Familiar, a qual ensina como deve governar a casa um pai de
família; e a terceira e última se chama Política, ou seja, Civil, a qual declara como se deve
reger e governar os estados, assim como as repúblicas e reinos. Esta é mais nobre do que as
outras duas, e se chama comumente de ciência civil e, em uma palavra, prudência. A
segunda e última parte se chama factível, e sob esta estão todas as artes chamadas
vulgarmente Mecânicas. Toda esta parte se chama Arte, e é diferente da prudência porque,
além do fato que quase todas as artes deixam, além da operação, uma obra, como se vê ao
fabricar-se um navio, além da operação, ou seja, além da fabricação permanece uma obra,
isto é, esse navio, os fins das coisas agíveis que recaem sob a prudência são sempre as
próprias operações, ao passo que nas factíveis recaem sobre a arte os fins não são essas
operações nem ainda esse operar, mas o uso; [e isso] porque ninguém faz um navio para
fazer um navio, mas para navegar com ele e, semelhantemente, todas as outras artes; acima
de tudo a prudência não faz coisa alguma se não por fazê-la, mas ao contrário se fizesse a
outro fim, não seria mais prudência; porque quem fosse, por exemplo, liberal, não para ser
liberal mas para ganhar ou para enganar ou a qualquer outro fim, viria a ser não liberal, mas
avaro ou enganador, e assim de todas as outras. Onde se vê manifestamente que os hábitos
do intelecto são realmente cinco, como os declarou Aristóteles no princípio do sexto livro
da Ética, três dos quais e mais nobres estão no intelecto especulativo ou razão superior, isto
é, intelecto, sabedoria e ciência; e os outros menos perfeitos estão no intelecto ativo,
chamado pelos teólogos razão inferior, e estes são a prudência e a arte. E porque destes
cinco hábitos falamos em outro lugar, não trataremos deles mais.
E quem perguntasse sob qual hábito está a Medicina, responde-se indubitavelmente
sob o último ou [hábito] factível, isto é, sob a arte: e sob essa Medicina estão a Anatomia e
o conhecimento das ervas, e outras coisas semelhantes que servem à Medicina. E porque se
duvida qual sejam mais nobres, ou as Leis ou as Armas, devemos saber que ambas estas
coisas recaem sob o hábito agível, isto é, sob a prudência, sendo parte da ciência civil. Não
há dúvida que as Leis são mais nobres, isto é, parte mais digna, porque as Armas foram
encontradas para que as Leis fossem mantidas; e se os homens fossem bons, não fariam
como ofício as Armas, mas sim as Leis que ensinassem aquilo que se deveria fazer e aquilo
que não se [deveria] fazer. Entretanto, é de se advertir que, se bem que as Leis e as Armas
estão sob a prudência, não obstante os doutores (não falo dos legisladores) e os capitães
estão sob a arte, com isso seja que esses não têm por fim a operação; porque os doutores
não aconselham apenas para aconselhar, nem os soldados combatem apenas por combater,
ou pela vitória simplesmente; e com tal caso temos que os capitães são mais dignos e de
utilidade maior, salvando esses as cidades, onde estão a vida, a honra e o útil, e os doutores
[salvando] os particulares, onde está a coisa só. Embora nestes tempos, assim uma como a
outra destas duas artes estão tão corrompidas e diversas entre si, ainda sim pode-se dizer
qual merece maior crítica, qual se deve julgar mais digna.
É ainda de notar que como todas as ciências podem não por si mesmas, mas apenas
por culpa daqueles que as exercitam, tornar-se vis e mecânicas, assim as artes podem não
por si, mas por virtude de quem as opera, tornar-se não só louváveis mas ainda mais
honradíssimas, não obstante por sua natureza sejam baixas e desonradas. E quem não sabe
que se um filósofo, como que pela ganância do ganho, ou se servisse a alguma outra razão
errônea, que ele junto com ela torna-se muito vil e desonrado? E de outra parte, de alguém
que a serviço de sua república ou para defender a pátria e seu príncipe, carregasse a maca,
quem não o louvaria e honraria sumamente? E porque alguém poderia duvidar, dizendo:
um gramático, por razão de exemplo, vem a ser pelas coisas ditas menos digno e menos
perfeito do que um fabricante, por exemplo, e de qualquer outro mais vil artífice, porque o
fabricante está sob o hábito factível, o qual se encontra na Filosofia real, e o gramático,
sendo sob a [Filosofia] racional, não cai sob algum hábito; a este, que prudentemente
duvida, responde-se que o gramático, quanto a esta parte, sem dúvida alguma é inferior ao
fabricante e a qualquer outro artista, mas não por isto segue que o gramático não seja mais
nobre simplesmente, isto é, enquanto gramático; porque o seu fim é mais nobre e mais útil
do que aquele do fabricante. E quem duvida que o homem, quanto às forças, não seja
inferior aos leões, e em muitas outras coisas a muitos outros animais? E entretanto,
simplesmente e como homem, é mais nobre e mais perfeito que todos os outros animais.
Tudo que alguém faz ou diz, faz e diz somente para conseguir a sua perfeição última e,
consequentemente, a felicidade; a qual consiste, segundo os filósofos, em entender e fruir o
mais nobre e perfeito ente que se conhece, isto é, Deus, chamado por eles o primeiro
Motor, a primeira causa, princípio e fim de todas as coisas. E isto não se pode entender
sem as ciências reais, as quais consistem nos primeiros três hábitos intelectivos; e estes não
se podem obter sem as virtudes morais, as quais estão sob o hábito agível, isto é, sob a
prudência; e tanto estas, isto é, as virtudes morais, quanto aquelas outras, isto é, as virtudes
e conhecimentos intelectuais, não se pode obter sem as faculdades ou disciplinas racionais,
isto é, que tratam de palavras; porque encontrando-se as coisas, as quais não se pode
carregar de um lugar a outro, faz-se necessário encontrar palavras que as significam; e
porque a Filosofia compreende todas as coisas, mas foi dividida na sua primeira divisão, em
real e racional.
Mas deixando agora a [Filosofia] real e tratando somente da [Filosofia] racional em
geral, a qual é mais instrumento do que parte da Filosofia, dizemos que sob ela estão cinco
ciências, ou artes, ou faculdades, ou disciplinas, ou profissões que devemos aqui elencar,
não sendo verdadeiramente ciências, porque não tratam de coisas, e menos de coisas
necessárias; não são verdadeiramente artes porque, além de tratar de palavras, o princípio
de fazer não está verdadeiramente em nós, como ocorre em todas as artes, que não são
outra coisa que hábitos factivos com certa razão, são todas infalíveis. Chama-se largamente
ora ciência e ora arte, porque estão sob preceitos e ensinamentos, e têm o seu fim útil à
vida humana, e estas são cinco: Geometria [Gramática?], Retórica, Lógica, História e
Poética. E que não sejam nem mais nem menos destas cinco, prova-se deste modo. Todas
as coisas compostas são compostas de matéria e de forma, ou de coisas à matéria e à forma
equivalentes; onde ainda as palavras são compostas destas duas coisas, de matéria, e estas
são letras e sílabas, e de forma, e esta são os significados das palavras. Ora considerando o
falar quanto à matéria, ele deve ser, como dizem os filósofos modernos, congruente ou
incongruente, o que Cícero chamou consequente, isto é, em suma concordante ou
discordante, e disto trata e considera sozinha a Gramática. Pode-se ainda em um outro
modo considerar, o qual pressupõe isto, sito é, se ele é gracioso e ornado, e disto considera
a Retórica. Quanto à forma, pode-se considerar o falar em três modos; porque por
necessidade ele será verdadeiro ou verossímil, que se chama provável ou aparente, isto é,
que parecerá bom ou provável ou verossímil, mas não será: e de todos estes três fala e trata
a Lógica; e por isso se divide em três partes: na Demonstrativa, a qual considera o
verdadeiro; na Tópica ou inventiva, a qual considera o verossímil; e na Sofística, a qual
considera o aparente e sob essa entendo a Tentativa. Pode-se ainda considerar como falso e
fabuloso, e isto é próprio do Poeta. Resta-nos a História, a qual está entre a Retórica e a
Poética, a forma da qual é a verdade, mas nas coisas civis no mais das vezes feitas pelo
homem, e por consequência contingentes, e a sua matéria ou verdadeiro instrumento são as
palavras, como todas as artes racionais.
La Filosofia, la quale è la cognizione di tutte le cose che sono, così umane come divine, ha
per soggetto e materia sua l’ente, ciò è tutto quello che è; ed in somma tutte le cose così
terrene e mortali, come celesti e sempiterne; e perchè l’ente si divide primieramente in due
parti, in reale ed in razionale, quinci è che la Filosofia ha due parti: la prima e più nobile,
perchè tratta delle cose, si chiama reale; la seconda e manco perfetta, perchè tratta delle
parole, si chiama razionale, ciò è verbale, per così dire, o vero sermocinale, ed in somma
intenzionale; onde vogliono molti che questa non sia veramente parte di Filosofia, ma
organo, ciò è strumento che serva alla Filosofia.
La Filosofia reale si divide principalmente in due parti: la prima e più nobile si chiama
specolativa o vero contemplativa, perchè il suo fine non è altro che specolare e
contemplare, ciò è conoscere e sapere la verità delle cose; la seconda parte e meno perfetta
si chiama pratica, perchè il fine suo ultimo non è intendere e sapere, ma operare.
La Filosofia reale specolativa si divide in tre parti: nella Metafisica, ciò è scienza
sopranaturale o vero divina; e questa, perchè tratta di tutte quelle cose le quali sono astratte
o vero separate da ogni materia, ciò è di Dio e dell’altre Intelligenze, è nobilissima di tutte
l’altre scienze. La seconda si chiama Fisica, ciò è scienza naturale, la quale tratta di tutte
quelle cose le quali sono in tutto e per tutto sommerse nella materia, ed in somma di tutte
le cose naturali, ciò è fatte dalla Natura. La terza ed ultima parte si chiama da un verbo
greco, che vuol dire imparare, Matematica; e questa tratta di tutte quelle cose le quali sono
parte astratte e libere da ogni materia, e parte sommerse e tuffate nella materia, ciò è in
verità non si truovano se non in cose materiali, e così in quanto all’essenza e natura loro
sono materiali, ma si considerano e diffiniscono come se non fussero in materia nessuna; e
però quanto alla diffinizione si chiamano immateriali. E queste, ciò è le Matematiche, sono
principalmente quattro: Aritmetica, Musica, Geometria, Astrologia o più veramente
Astronomia; sotto la quale si contengono molte altre, come Cosmografia, Prospettiva ed
altre cotali. Dove è da notare che secondo l’ordine della Natura, la più degna è la
Metafisica, poi la Fisica, e nell’ultimo luogo le Matematiche: ma secondo l’ordine della
dottrina, ciò è quanto all’impararle, si comincia all’opposito, ciò è prima dalle Matematiche,
dipoi dalla Fisica, ed ultimamente dalla scienza divina; le quali però presuppongono le
scienze o vero arti razionali come loro strumenti.
La Filosofia reale pratica si divide principalmente in due parti. La prima e più degna si
chiama agibile, la quale tratta non di cose necessarie, e conseguentemente incorrottibili e
sempiterne, come fa la Filosofia reale contemplativa, ma tratta di cose contingenti e fatte
dagli uomini, e conseguentemente che possono essere e non essere; e questa si ridivide in
tre parti: in Etica o vero Morale, la quale considera principalmente i costumi d’un uomo
solo; in Economia o vero Familiare, la quale insegna come debba governare la casa sua un
padre di famiglia; la terza e ultima si chiama politica ciò Civile, la quale dichiara come si
debbano reggere e governare gli stati, così le repubbliche come i regni; e questa più nobile
dell’altre due, e chiama comunemente scienza civile, e, con una parola, prudenza. La
seconda ed ultima parte si chiama fattibile, e sotto questa si comprendono tutte le arti
chiamate volgarmente Meccaniche; onde tutta questa parte si chiama Arte, ed è differente
dalla prudenza, perchè, oltra che quasi tutte l’arti lasciano, oltra l’operazione, alcuna opera,
come si vede nel fabbricare una nave, dove oltra l’operazione, ciò è oltra la fabbricazione,
rimane ancora l’opera, ciò è essa nave, il fine delle cose agibili che caggiono sotto la
prudenza, sono sempre l’operazioni stesse, dove nelle fattibili che caggiono sotto l’arte, il
fine non sono esse operazioni nè ancora esse operare, ma l’uso; perchè niuno fa una nave
per fare una nave, ma per navigare con ella: e similmente di tutte l’altre arti; dove la
prudenza non fa cosa alcuna se non per farla, anzi se la facesse ad altro fine, non sarebbe
più prudenza; perchè chi fusse, esempigrazia, liberale, non per esser liberale ma o per
guadagnare o per ingannare o a qualche altro fine, verrebbe ad essere non liberale, ma
avaro o ingannevole: e così di tutti gli altri. Onde si vede manifestamente che gli abiti
dell’intelletto sono appunto cinque, come gli dichiarò Aristotile nel principio del sesto libro
dell’Etica, tre de’ quali e più nobili sono nell’intelletto specolativo o vero ragione superiore,
ciò è intelletto, sapienza e scienza; e gli altri due meno perfetti sono nell’inteletto attivo,
chiamato da’ teologi ragione inferiore, e queste sono la prudenza e l’arte. E perchè di questi
cinque abiti s’è favellato altrove, non ne tratteremo più.
E chi dimandasse sotto quale abito si contiene la Medicina, si risponde
indubitatamente sotto l’ultimo o vero fattibile, ciò è sotto l’arte: e sotto essa Medicina si
contiene la Notomia e la cognizione dell’erbe, e se [le?] altre cose cotali servono alla
Medicina. E perchè si dubita quali siano più nobili o le Leggi o l’Armi, dovemo sapere che
amendue queste cose caggiono sotto l’abito agibile, ciò è sotto la prudenza, essendo parti
della scienza civile; nè è dubbio che le Leggi sono più nobili, ciò è parte più degna, perchè
l’Armi furono trovate perchè le Leggi si mantenessero; e se gli uomini fussero buoni, non
farebbono di mestiero l’Armi, ma si le Leggi che insegnassero quello che fare si dovesse e
quello che non fare. È però da avvertire che se bene le Leggi e l’Armi sono sotto la
prudenza, i dottori nondimeno (non intendo dei legislatori) e i capitani si comprendono
sotto l’arte, conciosia che essi non hanno per fine l’operazione; perchè i dottori non
consigliano solo per consigliare, nè i soldati combattono solo per combattere, o per la
vittoria semplicemente; e in cotal caso teniamo che i capitani siano più degni e l’utilità
maggiore, salvando essi le città, dove consiste la vita e l’onore e l’utile, e i dottori i
particolari, dove consiste la roba sola. Benchè a questi tempi così l’una come l’altra di
queste due arti sono tanto corrotte e diverse da sè medesime, che si può dire più tosto qual
meriti maggior biasimo, che quale si debba giudicare più degna.
È ancora da notare che come tutte le scienze possono, non già per loro stesse, ma
solo per colpa di coloro che l’esercitano, diventare vili e meccaniche, così l’arti possono,
non per sè ma per virtù di chi l’opera, divenire non solo laudevoli ma eziandio
onoratissime, quantunque di sua natura fussero basse e disonorate. E chi non sa che se un
filosofo, come per ingordigia del guadagno, o se ne servisse ad alcuna sceleraggine, che egli
insieme con esso lei ne diviene vilissimo e disonorato? E dall’altra parte de alcuno in
servigio della sua repubblica o per difendere la patria e principe suo, portasse la barella, chi
è colui il quale non lo lodasse ed onorasse sommissimamente? E perchè alcuno potrebbe
dubitare, dicendo: un grammatico, per cagione d’esempio, viene ad essere per le cose dette
men degno e men perfetto d’un fabbro, verbigrazia, e di qualunque più vile artefice, perchè
il fabbro è sotto l’abito fattivo, il quale si truova nella Filosofia reale, ed il grammatico
essendo sotto la razionale non cade sotto alcuno abito; a costui, che prudentemente dubita,
si risponde che il grammatico, quanto a questa parte, senza dubbio alcuno è inferiore al
fabbro ed a ciascuno altro artista, ma non per questo seguita che il grammatico non sia più
nobile semplicemente, ciò è in quanto grammatico; perchè il fine suo è più nobile e più
utile di quello del fabbro. E chi dubita che l’uomo, quanto alle forze, non sia inferiore ai
lioni, ed in molte altre cose a molti altri animali? E nientedimeno, semplicemente e come
uomo, è più nobile e più perfetto di tutti gli altri animali.
VARCHI, B. “Divisione della filosofia.” In: RACHELI, A. (Ed.), Opere di Benedetto Varchi.
Trieste: Sezione Letterario-Artistica del Lloyd Austriaco, 1859, vol. 2, p. 794-796.