Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Hemming Os Indios e A Fronteira
Hemming Os Indios e A Fronteira
VOLUME [J
A M É R I C A LATINA C O L O N I A L
Tradução
|ed"sp
EDITORA DA UNIVERSIDADE UE SAO PAULO
O s Í N D I O S E A FRONTEIRA
N O BRASIL C O L O N I A L
i. Lope dc Aguirre ao Rei Fiüpc [V], e m C.R.MARKHAM (trad.), Expedüions into the vããéT°f*e 2. Para uma discussãu da população do Brasil por volta de 1500, ver IOHN HEMMING, Red Gold: The
Toda esta nação está m u i t o inclinada à religião, verdadeira o u falsa [...]. Eles c o n h e c e m t u d o so-
corpos m o r t o s que saem aterrorizando as pessoas e lhes fazendo mai. D e d i c a m o maior amor e a
maior obediência aos Padres [jesuítas] se estes lhes dão u m b o m e x e m p l o [...]. Essas tribos sao
(ed.), Cartas Jesuíticas, Rio de Janeiro, 1931, 3 vols. Ver vol. 1, p. 411. M. D e c l a r a d o de 10 de ¡unho de 1612, Sao Paulo, EM PKDXO JACQUES DE ALMEIDA PAES LEMF,
13. lOAO OAPisTKANO UE ABREU, Capítulos de História Colonial 5.ed„ Brasília, 1963, p. 126. "Noticia histórica da e x p u l s i o d o s Jesuítas do Collègio de S. Paulo", KIHCH. 12: 9, 1849.
padecemos" 15 . Durante a década de 1630, uma torrente de justificados protestos A estagnação das colônias ao longo da costa norte-sul entre o Paraíba e a
por parte dos jesuítas espanhóis levou à condenação papal dos paulistas escravo- Bahia de Todos os Sanlos decorria tanto do sucesso das tribos aimorés quanto
cratas. Os cidadãos de São Paulo foram afrontados. A questão chegou ao ápice da das limitações geográficas. Os aimorés eram uma tribo de fala jè, dotados das
habituais habilidades jês no arco e flecha, na corrida e no rastreamento na
expulsão dos jesuítas do Rio de Janeiro, e depois de São Paulo, em julho de 1640.
mata. Segundo Knivet - que se equivocou talvez nesse ponto - adotaram a prá-
As aldeias missionárias foram confiadas aos cuidados de administradores leigos,
tica tupi de comer seus inimigos; mas disse Knivet que o faziam mais por ne-
que asseguraram seu rápido declínio e expuseram seus habitantes remanescentes
cessidade de comida do que por vingança ritual nas disputas intertribais. Na
a constante abuso. Houve mais protestos contundentes por parte dos colonos e
batalha, os aimorés confundiram os portugueses com o uso de camuflagem,
dos missionários. Mas somente em 1653 os jesuítas retornaram a São Paulo, e
emboscadas, precisão mortal no arco e flecha, e rápida dispersão após um ata-
sob a condição de que compartilhassem a administração das aldeias com leigos.
que. Não aceitaram as batalhas convencionais que tornaram os tupis tão vulne-
Durante sua ausência, o governador Salvador de Sá atestou que as populações
ráveis aos cavalos, às espadas e às armas de fogo européias. Fisicamente fortes,
das quatro principais cidades - Barueri, São Miguel, Pinheiros e Guarulhos - de-
corajosos e implacáveis, os aimorés resistiram astutamente às tentativas de
clinaram quase 90 por cento, baixando de um total de 2 800 para 290.
subjugá-los ou seduzi-los com produtos de comércio. Em 1587, Gabriel Soares
de Sousa se queixava de que "deu nesta terra uma praga de aimorés de feição
que não há aí já mais que seis engenhos, e estes não fazem açúcar, [...]. A capi-
O Centro
tania de Porto Seguro e a dos Ilhéus estão destruídas e quase despovoadas com
o temor destes bárbaros [...] dos quais têm mortos estes alarves [...] de vinte e
Os cidadãos do Rio de Janeiro e das pequenas vilas da longa linha costeira
cinco anos a esta parte que esta praga persegue estas duas capitaniais, mais de
entre aquela cidade e Salvador da Bahia estavam menos preocupados com a
trezentos homens portugueses e de três mil escravos"16. Pero de Magalhães
fronteira do que os rudes sertanejos de São Paulo. As razões eram geográficas e
Gandavo lamentou que os aimorés fossem "tão bravos e de condição tão esqui-
históricas. Em termos geográficos, Rio de Janeiro estava separada do interior
va [que] nunca o puderam amansar, nem submeter a nenhuma servidão como
pelos picos de granito da serra dos Órgãos e da serra da Mantiqueira. Monta-
os outros índios da terra que não recusam como estes a sujeição ao cativeiro"17.
nhas costeiras semelhantes e densas florestas prendiam as colônias de Espírito
No início do século XVII os aimorés foram parcialmente pacificados. O gover-
Santo, Porto Seguro e Ilhéus n u m estreito cinturão de praias. Estavam muito
nador do Brasil, Diogo Botelho, deslocou do Ceará e do Rio Grande do Norte
mais preocupados com o comércio marítimo do que com o desbravamento do
para o Sul centenas de guerreiros tabajaras e potiguares recém-pacificados, e fi-
interior. Rio de Janeiro foi fundado depois de São Vicente e de São Paulo, e seus
cou surpreso quando esses conseguiram algumas vitórias militares contra os
primeiros anos foram gastos em lutas contra os franceses e seus aliados tamoios.
aimorés. Os estragos das doenças e o engodo enganador da sociedade "civiliza-
Somente em 1537 é que Estácio de Sá derrotou os franceses na Guanabara; e em
da" também ajudaram a persuadir essa tribo feroz a interromper sua luta. No
1575 os tamoios de Cabo Frio foram subjugados e obrigados a fugir para o inte-
entanto, apesar desse sucesso, não houve durante todo o período colonial u m
rior. Na última parte do século a atividade escravista foi pequena - na década de
esforço para levar mais para o interior as fronteiras dessas capitanias.
1590 o náufrago inglês Anthony Knivet foi empregado pelo governador do Rio
de Janeiro nessas empresas temerárias no vale do Paraíba - mas nada que se O setor médio da fronteira brasileira era o interior da Bahia, a montante dos
comparasse à escala das bandeiras. Ainda na década de 1630, os letárgicos cida- rios Paraguaçu, Jacuípe e Itapicuru em direção ao grande arco do rio São Fran-
dãos do Rio de Janeiro estavam se mudando para as planícies férteis dos cisco. Tão logo Mem de Sá derrotou as tribos vizinhas do Recôncavo e as lavou-
goitacás, na foz do rio Paraíba, a apenas 200 quilômetros a nordeste da cidade.
16. G A B R I E L SOAKES D E S O U S A , Tratado Descriptiiv do Brasil em 1587, São Paulo, 1958, p. 57.
17.FEHO DE MAGALHÃES GANUAVO, História da Província Santa Cruz, Rio de Janeiro, 1924, pp.
15. Francisco d e Morais a Simão de Vasconcelos, cm SERAFIM LEITE, S.J., História da Companhia de
143-144.
Jesus no Brasil, I.isboa e Rio de Janeiro, 1938-1950, 10 vols. Ver vol. VI, p. 97.
ras de cana-de-açúcar ocuparam suas terras, tiveram início as expedições ao ser- se bem além da fronteira: esse mesmo jesuíta admitiu que "com tudo isso di-
tão em busca de mão-de-obra índia. A entrada para o interior da Bahia era rela- ziam os índios que não era nada em comparação da mortandade que ia pelo
tivamente fácil: a região estava muitas vezes franqueada ao deslocamento a cava- sertão adentro"' 1 fora do controle dos europeus.
lo. O principal obstáculo às expedições ao sertão ora a falta de água ou de caça. A conseqüência imediata desse desastre demográfico foi uma fome provo-
Na década de 1550, a primeira onda de jesuítas assentou milhares de índios cada pela incapacidade dos índios de cultivar SLia comida. Desesperados, al-
em aldeias missionárias perto de Salvador da Bahia. Manoel da Nóbrega, Luís guns índios venderam a si mesmos ou suas famílias em escravidão em troca de
de Grã, José de Anchieta e outros chefes jesuítas estavam jubilosos com o nú- provisões emergenciais de alimento; em Lisboa, a Mesa da Consciência editou
mero de nativos que aceitavam o batismo. Duas coisas destruíram esses êxitos regulamentos sobre a questão da aceitabilidade moral e legal dessa atitude. Ou-
iniciais. Uma delas foi a morte do primeiro bispo, Pero Fernandes Sardinha, tros índios acompanharam os pajés tribais nas súplicas messiânicas por uma
que em 1556 naufragou no norte da Bahia e foi comido pelos caetés aliados "terra sem males"; desenvolveram curiosas misturas das crenças cristãs e tupis
dos franceses. Numa reação emocional a essa atrocidade, Mem de Sá autorizou e fugiram para o interior, para além da fronteira, à procura de santuários ilusó-
uma guerra aberta aos caetés e a escravização de quaisquer cativos. Os colonos, rios conhecidos pelo nome de "santidades". Durante as décadas que se segui-
desesperados por mão-de-obra, fizeram uso desse edito para escravizar quais- ram às grandes epidemias, muitas campanhas foram feitas para conquistar ou
quer índios que conseguissem apresar. O outro desastre foi uma onda de epi- subjugar essas santidades, e isso ajudou a empurrar a fronteira, subindo os rios
demias no início da década de 1560 que aniquilou as missões. A doença mais que desaguavam na baía de Todos os Santos.
letal parece ter sido uma forma de disenteria hemorrágica. Disse um jesuíta que
O outro fator responsável pela extensão da fronteira ao interior da Bahia
"começou a doença por graves dores do interior das entranhas, que lhes fazia apo-
foi a escassez permanente de mão-de-obra. Como ocorreu em São Paulo, essa
drecer os fígados, e bofes: e logo veio a dar em bexigas, tão podres, e peçonhentas,
escassez se acentuou com as mortes de índios subjugados, com a chegada de
que lhes caíam as carnes a pedaços cheias de bichos malcheirosos"18. Outro autor
colonos europeus ávidos de enriquecimento e pouco dispostos a fazer trabalho
descreveu-a como
braçal e com a explosão dos preços do açúcar. O tráfico de escravos africanos
estava em seus primórdios. Os africanos eram muito mais valorizados que os
era u m a s viruelas o u bexigas 13o asquerosas e h e d i o n d a s que n 5 o havia q u e m as p u d e s s e sofrer índios: quando escreveu seu testamento em 1569, o governador Mem de Sá
c o m a grande h e d i o n d e z q u e delas safa; e por essa causa m o r r i a m m u i t o s ao d e s a m p a r o c o m i d o s avaliou seus escravos africanos entre 13 e 40 escudos cada, enquanto os índios
d o s g u s a n o s q u e das chagas das bexigas n a s c i a m e se e n g e n d r a v a m c m seus c o r p o s e m tanta sem especialidades foram valorizados em apenas um escudo; mas a demanda
a b u n d â n c i a , e tão grandes, que c a u s a v a m grande horror e e s p a n t o a q u e m o s via". da mão-de-obra indígena ainda era grande, fossem eles tecnicamente "livres"
ou escravos. Isso inspirou tentativas de conquistar tribos hostis do interior ou
Quaisquer que possam ter sido as doenças, não há dúvida quanto ao des- seduzir com falsas promessas as localizadas costa abaixo. O governador que su-
povoamento que causaram. Os jesuítas têm registros de trinta mil mortos em cedeu Mem de Sá na Bahia, Luís de Brito de Almeida, não tinha escrúpulos em
suas missões próximas à Bahia. Leonardo do Vale falou de "ao longo da costa lutar com os índios ou em apresar escravos por quaisquer meios-possíveis. Du-
[...] vira tanta destruição que se não podiam enterrar uns aos outros e onde rante seu governo, houve expedições escravistas como a de Antônio Dias Ador-
havia 500 homens de peleja não havia agora 20'"°. Tais epidemias espalharam- no, que foi enviado ao interior nominalmente para procurar minerais, mas
trouxe sete mil tupiguéns, ou a de Luís Álvares Espinha, que marchou de Ilhéus
i R- siMÃo DF VASCONCELOS, Chronica da Companhia de lesus, livro 3, I.isboa, 1663, p. 2 8 5 . para o interior com a finalidade de punir algumas aldeias e "não se contentou
W . A n t ó n i o Blasques a D i e g o M i r ó n , Bahia, 3 i de m a i o d e L564, e m SEKATIM LEITE. Monumento com lha [a guerra a essas aldeias] fazer e cativar todos aqueles aldeãos, senão
Brasiliae (Monumento Histórica Societatis lesu, 7 9 - 8 1 , 8 7 ) , Roma, 1 9 5 6 - 1 9 6 0 , vol. IV, p. 55.
20. Leonardo d o Vale, carta, e m IOÀO FERNANDO DE ALMFMM PRADO, Bahia e as Capitanias do 21-Leonardo d o Vale a G o n ç a l o Vaz d e M e l l o , Bahia, 12 d e m a i o d e 1563, e m LEI TE, Monumenta
Centro do Brasil (1530-1626), São Paulo, 1 9 4 5 - 1 9 5 0 , 3 vols. Ver vol. 1, p. 219. Brasiliae, voi. IV, p. 12.
que passou adiante e desceu infinito gentio"12. Outros escravizadores usaram logo escrevia que "vão os portugueses 250 e 300 léguas buscar este gentio por
métodos mais astutos: impressionavam as tribos com jactâncias de seus pode- estar já mui longe, e como a terra está já despovoada, o mais dele lhes morre
res militares, seduziam-nas com armas e mercadorias de comércio e engana- pelo caminho à fome"". Outro jesuíta espantou-se diante da "coragem e da
vam-nas com histórias da vida maravilhosa que as aguardava sob o domínio impertinência com que [os escravistas] se permitiam entrar na grande selva, na
português. O historiador franciscano Vicente do Salvador descreveu de que modo grande costa, durante dois, três, quatro ou mais anos"2*'. Foi a mesma história
dos bandeirantes, salvo que os homens da Bahia eram desbravadores menos
cum estes e n g a n o s e c o m algumas dádivas de roupas e ferramentas que davam aos principais [...] determinados e tinham em seu interior menos índios para molestar. Também
abalavam aldeias inteiras e em chegando à vista d o mar, apartavam os filhos dos pais, os irmãos não tinham a sedução das reduções jesuíticas, cheias de conversos cristãos par-
dos irmãos e ainda às vezes a mulher d o marido, 1—] e todos sc serviam deles e m suas fazendas e cialmente aculturados.
alguns os vendiam, [...] e quem os comprava, pela primeira culpa o u fugida q u e faziam, os ferrava Descobriu-se que o sertão, que fora muito despojado de seus habitantes na-
na face, dizendo q u e lhe custavam seu dinheiro e eram seus cativos-'-1. tivos, era um bom lugar para o gado. Um mapa do final do século XVI mostra-
va um curral de gado na foz do rio Paraguaçu, e durante as décadas seguintes
Quando o Santo Ofício da Inquisição visitou o Brasil em 1591, investigou as fazendas de gado espalharam-se ao longo desse rio e dos paralelos, cruzando
uma série de escravocratas profissionais e seus registros contêm interessantes de- o sertão de Jacobina em direção ao alto São Francisco, e ao longo das duas
talhes de suas atividades. Para ganhar a confiança das tribos que planejavam se- margens desse grande rio. Algumas famílias transformaram-se em poderosos
duzir, esses escravistas faziam coisas que incomodavam a Inquisição - comiam barões do gado, os poderosos do sertão, com suas terras que se estendiam por
carne durante a Quaresma, tinham muitas mulheres nativas, comerciavam armas muitas centenas de quilômetros de campo de vegetação enfezada. Os descen-
com os índios ou fumavam "capim santo" com os pajés. O mais famoso desses dentes de Garcia Dias d'Ávila desenvolveram uma fazenda de gado chamado
escravocratas profissionais foi Domingos Fernandes Nobre, a quem os índios Casa da Torre, e tinham freqüentes rixas com outro poderoso, Antônio Guedes
chamavam de Tomacauna. O governador do Brasil empregou Tomacauna como de Brito, e seus herdeiros. É certo que alguns índios aculturados e mestiços tra-
escravista, e o Santo Ofício da Inquisição foi informado de que, no curso de seu balhavam muito bem com o gado, mas a maioria dos índios não se davam bem
execrável comércio, com essa atividade. Não conseguiam resistir à tentação de caçar essa grande e
fácil presa. Os fazendeiros não toleravam essa matança e estavam determinados
bailava e tangia, e cantava c o m eles [os índios], ao seu m o d o gentílico e andava nu c o m o eles e a expulsar todos os nativos das terras que desejavam para pasto. O resultado
chorava e lamentava propriamente c o m o eles ao seu uso gentílico [...] e se e m p e n o u pelo rosto dessa necessidade de terra para o gado foi uma série de campanhas contra as
c o m almécega e se tingiu com a tinta vermelha de urucu, ao m o d o gentílico e teve sete mulheres tribos índias durante o século XVII. Foi uma guerra semelhante às batalhas do
gentias que lhe deram os gentios e as teve ao m o d o gentílico 21 . oeste norte-americano dois séculos mais tarde. Os oponentes eram índios das
planícies, que em geral falavam a língua jê e eram tão espertos quanto os temi-
As guerras oficiais contra os caetés e outras tribos do baixo São Francisco, dos aimorés. Na década de 1620, os índios aniquilaram todos os colonos da
as epidemias e as atividades dos escravocratas, todos esses fatores se associaram planície de Aporá; moveram-se para expulsar os habitantes da chapada de Ita-
para desnudar o sertão esparsamente povoado do oeste da Bahia. Um jesuíta pororocas e atacar as fazendas de gado do baixo Paraguaçu. Somente depois
das guerras contra os holandeses é que as autoridades da Bahia puderam reto-
22. VICENTE DO SALVADOR. História do Brasil, livro 3, cap. 20, em Anais da Biblioteca Nacional do
Rio de ¡aneira [ABNW], 13: 85, 1885-1886. 25. J E S U Í T A ANÔNIMO, "Informação dos primeiros aldeamentos da Bahia", em iost DF. ANCHIFIA,
23. SALVADOR, História do Brasil, São Paulo/Rio dc Janeiro, 1931, p. 218. Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões, ed. A n t ó n i o de Alcântara Machado, Rio
24. H E I T O R FURTADO DE MENDONÇA, Primeira Visitação do Santo Officio ás Partes do Brasil• de Janeiro, 1933, p. 378.
Confissões de Bahta, 1591-1592, Rio de Janeiro, 1935, p. 169. 2(>.|ESUfTA A N Ô N I M O , " S u m á r i o das Armadas", pp. 13-14.
mar a ofensiva. Na década de 1650, foram organizadas expedições militares de Nantes, escreveu um relato de suas experiências entre os cariris entre 1672 e
para destruir as aldeias a montante do rio Maraú e contra a tribo grens dos 1683. Fez o máximo que pôde para proteger seu grupo de nativos contra a
aimorés. Um forte solitário foi instalado nas montanhas de Orobo, a 250 qui- opressão dos poderosos do sertão.
lômetros a oeste da Bahia, e foi celebrada uma aliança incômoda com os No início do século XVII, os colonos evitaram a caatinga, que crescia per-
paiaiás do sertão de Jacobina ao norte dessas montanhas. Os homens da Bahia to do rio São Francisco. Mais tarde, porém, aprenderam a derrubá-la e
tinham pouco estômago para essa luta violenta, perigosa e gratuita. Por isso, os queimá-la e descobriram que continha grandes trechos de bons pastos. O re-
sucessivos governadores apelaram aos paulistas, cujos bandeirantes gozavam sultado foi a criação de enormes fazendas de criação de gado ao longo das
da reputação de ser os melhores combatentes de índios do Brasil. Navios carre- duas margens do rio e de seus afluentes Vaza Barris, Real, Itapicuru e Jacuípe.
gados de paulistas rumaram para o norte e foram enviados ao sertão com or- Por volta de J705, afirmava um autor que várias fazendas de gado se esten-
dens sanguinárias de combater os índios, "derrotando e trucidando-os por to- diam sem interrupção ao longo de 3200 quilômetros do rio. E um governa-
dos os meios e esforços conhecidos da estratégia militar [...] poupando apenas dor-geral escreveu em 1699 que os paulistas tinham, "em alguns anos,
as mulheres e crianças tapuias [não-tupisj, a quem os senhores devem oferecer deixado esta capitania livre de todas as tribos de bárbaros que a oprimiam,
a vida e o cativeiro"27. Pouca coisa se conseguiu durante a década de 1660, pois extinguindo-as com tanta eficiência que de lá até o presente não se saberia da
os paulistas eram freqüentemente enganados pelas tribos "tapuias" e sofreram existência de nenhum pagão que vivesse nas terras que eles conquistaram" 2 ''.
no sertão árido da Bahia. No entanto, o governador-geral Afonso Furtado de Tudo o que restou das tribos jês e tupis originais foram alguns grupos nas
Castro (1670-1675) importou mais paulistas para comandar bandeiras ao Es- aldeias missionárias: pancararus na ilha de Pambu n o São Francisco (alguns
de seus descendentes sobrevivem em Brejo dos Padres, Tacaratu, Pernambu-
pírito Santo (Minas Gerais atual), e especialmente ao sertão do sul da Bahia.
co); ocréns e tupinas e amoipiras de língua tupi acima deles no rio principal,
Segundo declarou, os índios hostis devem "sofrer rigorosa disciplina [...]. So-
e uma mistura de tribos nas aldeias jesuítas de Pilar, Sorobabé, Aracapá, Pon-
mente depois que forem totalmente destruídos, eles se aquietarão [...]. Toda
tal e Pajeú na direção da sua foz; tribos cariris em Caimbé e Massacará (onde
experiência tem demonstrado que esse incômodo público só pode ser detido
mais tarde Garcia d'Ávila manteve parte de seu exército nativo particular),
em suas origens: pela destruição e extinção completa das aldeias dos bárba-
jeremoabos em Vaza Barris e Canabrava (hoje Pombal), e Sahy (atual Jacobi-
ros!"28 Os índios lutaram com denodo. Uma campanha de 1672-1673 trouxe
na) no Itapicuru.
apenas 750 cativos vivos (outros 700 morreram na marcha para o litoral), mas
o chefe da bandeira, o paulista Estêvão Ribeiro Baião Parente, foi autorizado a Perto do final do século XVII, foram encontrados salitre ou nitrato no rio
fundar uma vila com o nome pretensioso de Santo Antônio da Conquista, a hoje chamado Salitre, e os índios das missões, como os paiaiás e sacuriús - e
260 quilômetros da Bahia. logo os recém-pacificados araquéns e tamanquins — foram forçados a trabalhar
Algumas tribos evitaram a extinção mediante a submissão à conquista dos nas perigosas pedreiras de salitre. No início do século XVIII, os selvagens e nô-
brancos. Ingressaram no serviço dos exércitos privados dos barões do gado, ou mades oris das montanhas Cassuca florestadas, perto das cabeceiras do Vaza
aceitaram os missionários cristãos e se instalaram em suas missões. Os francis- Barris, foram pacificados com a ajuda de índios caimbés cristianizados. As
canos mantiveram alguma atividade, e os jesuítas instalaram algumas aldeias autoridades civis indicaram um chefe cariri da aldeia de Pontal para ser gover-
no médio São Francisco; mas os missionários mais famosos do interior da nador dos índios do São Francisco, e ele liderou devidamente seus homens na
Bahia e de Pernambuco foram os capuchinhos franceses. Um deles, frei Martin batalha em defesa dos portugueses contra os outros índios.
2".Francisco Barreto, instruções dadas a Bernardo Bartolomeu Aires, Bahia, t" de fevereiro de 1658,
28. Relatório d e Alexandre de Sousa Freire, 4 de março de 1669, e m i M B m v o l . V . p p . 213-214. 1699, e m m a v / y . XXXIX: 8 8 - 8 9 , 1938.
O Nordeste
sarampo, que acabaram devastando a colônia. Em conseqüência, quando teve RlHGb, 58 (1): 307, 1895.
35. D o m i n g o s da Veiga, descrição d o Rio Grande, 1627, em BARÃO DE STUDART (ed.). Documentos
33. Johan Maurits van Nassau, relatório aos Estados Gerais, 27 d e setembro de 1644, em IOSÊ para a História do Brasil e Especialmente a do Ceará, Fortaleza, 1908-1921, 4 vols. Ver vol. IV,
que pôs fim às guerras dos tarairiús (janduís), seguiu-se um período de re- Manuscritos do Arquivo dn Casa de Cadaval Respeitantes no Brasil, Coimbra, 1956-1960, 2 vols.
voltante violência, à medida que os criadores de gado avançavam para o inte- Ver vol. 11, p. 386.
rior das províncias do Nordeste. Os documentos oficiais contêm relatos de 4'). Fe. D o m i n g o s Perreira Chaves ao Rei, Ceará, 23 de novembro de 1719, em R A U È, G O M E S D A SILVA
muitas atrocidades contra os índios nessa fronteira pretensamente pacífica. (eds.), Manuscritos, vol. II, pp. 248-249.
Na Amazônia do noroeste, o rio Solimões ("venenos", porque suas tribos sob a direção de um cacique importante, Ajuricaba. Os manaus viviam no
usavam curare), a principal corrente formadora do Amazonas, entre as embo- médio Negro, centenas de milhas acima do local onde se situa hoje a cidade
caduras do Negro e do Javari, na atual fronteira com o Peru e a Colômbia, ra- que traz seu nome. Durante a guerra que travaram contra os portugueses,
ramente foi reclamado ou pela Espanha ou por Portugal. Em 1689, um jesuíta mantiveram contato com os holandeses da Guiana, que lhes forneceram ar-
espanhol, Samuel Fritz, atuava entre os iurimáguas, que viviam então perto da mas de fogo, e durante algum tempo Ajuricaba portou em sua canoa uma
foz do Purus. Os portugueses fizeram expedições ocasionais a este rio em bus- bandeira holandesa. Uma grande expedição punitiva, baseada na nova mis-
ca de salsaparrilha, cacau ou escravos. Em 1689 Fritz foi levado a Belém, onde são de Mariuá (Barcelos), derrotou finalmente os manaus e capturou
se deteve por algum tempo, mas retornou a sua missão três anos depois. Em Ajuricaba em 1728. O grande cacique foi trazido em correntes para a escravi-
1697, os carmelitas portugueses apareceram com uma escolta militar para re- dão em Belém, mas, quando se aproximavam da cidade, ele e alguns manaus
clamar essa faixa do rio e expulsar Fritz. Durante a década seguinte, os reinos dominaram seus captores e pularam no rio, ainda acorrentados, preferindo a
peninsulares disputaram esse longo trecho do Amazonas, com incursões por- morte ao cativeiro.
tuguesas rio acima até o Napo e a prisão, em 1709, de um jesuíta espanhol per- Em sua monumental história dos jesuítas no Brasil, Serafim Leite relaciona,
to do local onde hoje se localiza Iquitos. O resultado de tudo isso foi a instala- durante os cem anos que se seguiram a 1650, nada menos que 160 expedições
ção pelos portugueses de uma missão em Tabatinga, a fronteira atual; mas o organizadas pelos padres, a maioria delas aos rios da bacia amazônica. Houve
Amazonas foi despovoado pelas disputas. Os omáguas e os iurimáguas, outro- também uma contínua sucessão de expedições anuais escravistas, oficiais e priva-
ra as tribos mais populosas e adiantadas do Amazonas, foram dispersadas e di- das. Mediante essas atividades, os portugueses penetraram rio acima todos os
zimadas. Quando o cientista francês Charles de la Condamine desceu o rio em principais afluentes do Amazonas, ainda que tendessem mais a despovoar que a
1743, relatou que as terras dos omáguas estavam vazias, sem nenhum índio vi- povoar as terras que visitavam. Contam-se também algumas explorações mais
vendo nos mais de 700 quilômetros entre Pebas e São Paulo de Olivença. longas: em 1723, Francisco de Mello Palheta chefiou uma flotilha de canoas que
O início do século XVIII também assistiu à subida pelos portugueses dos princi- subiu o Madeira até Santa Cruz de la Sierra e depois retornou; em 1746, João de
pais afluentes do médio Amazonas. Para os jesuítas, as suas atividades missionárias Souza Azevedo realizou a primeira descida dos rios Arinos e Tapajós; outros su-
no Madeira eram impedidas pela grande tribo dos belicosos toras; mas, em 1719, biram o Negro até o canal de Casiquiare, descoberto em 1744 pelo jesuíta espa-
uma poderosa expedição punitiva "os extinguiu"50. Outras tribos do baixo Madeira nhol Manuel Román. Essas atividades proporcionaram a Portugal uma presença
concordaram em descer para as missões jesuítas localizadas perto da sua foz. O vá- física na bacia amazônica, mas a um custo altíssimo para os índios. Houve fre-
cuo resultante foi preenchido pelos temíveis muras, uma tribo que se tornou inimi- qüentes epidemias de varíola, gripe e sarampo, que destruíram as missões tão ra-
ga implacável dos brancos depois que 400 membros do seu povo foram escraviza- pidamente quanto os missionários podiam reabastecê-las com recém-conversos.
dos enquanto se dirigiam pacificamente para uma missão. Os muras aprenderam a No cálculo do padre João Daniel, os portugueses haviam retirado ou morto três
respeitar e evitar o combate aberto contra as armas de fogo portuguesas; mas eram milhões de índios apenas da bacia do rio Negro. Ele escreveu que esses rios, ou-
brilhantes nas emboscadas e nos ataques de surpresa nos igarapés do baixo Madeira. trora "povoados por [...] índios tão numerosos quanto enxames de mosquitos,
Por muitos anos na metade do século XVIII, os muras evitaram a instalação de po- povoados sem número, e uma diversidade de tribos e línguas sem conta"51, fo-
voados portugueses ou seu movimento nos rios próximos a seu território. ram reduzidos por volta de 1750 a um milésimo da sua população original. Os
viajantes relataram que centenas de quilômetros das margens do Amazonas esta-
Nessa época, os missionários carmelitas iniciavam sua penetração no rio
vam "despojados de habitantes de ambos os sexos ou de qualquer idade"52 e al-
Negro. Seu avanço foi bloqueado em 1723 por uma "rebelião" dos manaus,
deias inteiras de missão foram abandonadas.
55- Diretório regimento, 3 d e m a i o de 1757, em PERDIGÀO MALHEIRO, Escravidão, vol. II, p. 110.
57. Para um tratamento adicional da expulsão d o s jesuítas, ver ALDEN, neste v o l u m e , cap. 12.