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Terapia Cognitivo-

Comportamental
no tratamento da
depressão

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A
depressão é um dos transtornos mentais mais comuns
-no mundo, já considerada uma epidemia global pela

Organização Mundial da Saúde (OMS). Estima-se que 300


milhões de pessoas sofram desse mal em todo o planeta
(OPAS / OMS, 2019), e boa parte delas está no Brasil. O
país é primeiro em número de depressivos da América
Latina, e segundo nas Américas, com 5,8% da população
atingida. No continente, fica atrás somente dos Estados
Unidos, com 5,9% (UOL, 2019).
Esses dados são alarmantes, já que o transtorno é a
principal causa de incapacitação para o trabalho, e, nos
casos mais graves, pode levar ao suicídio. A cada ano,
cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio, sendo essa
a segunda maior causa de óbito de jovens entre 15 e 29
anos (OPAS / OMS, 2019). No Brasil, já é a terceira causa
externa de morte, e atingiu 12,5 mil casos em 2017, de
acordo com o Ministério da Saúde (UOL, 2019).
Apesar de se tratar de um problema grave de saúde
pública, estima-se que menos da metade dos depressivos
do mundo recebam os tratamentos adequados. Uma das
causas para essa negligência é a falta de recursos, mas o
dinheiro não é o único fator decisivo. Em países de todos
os níveis de renda, pacientes deixam de ser tratados por
conta do estigma associado a transtornos mentais, pela
falta de profissionais treinados adequadamente e por
diagnósticos imprecisos (OPAS / OMS, 2019).
Na Psicologia, há diversas abordagens terapêuticas
eficazes contra a depressão, incluindo a Terapia Cognitivo-
Comportamental, que surgiu justamente através de
pesquisas focadas nesse transtorno. A ampliação do
acesso a essas técnicas é imprescindível para transformar
essas estatísticas de tratamentos.

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Definição e
sintomas
da depressão

D e acordo com a Classificação Internacional de Doenças


(CID) e com o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM), principais guias que permitem uma
linguagem comum para definição de doenças, o que chamamos
popularmente de depressão na verdade engloba um conjunto
de transtornos depressivos, com algumas características em
comum.
Esses transtornos são caracterizados por humor depressivo ou
perda de prazer, acompanhados de outros sintomas cognitivos,
comportamentais ou neurovegetativos que afetam a capacidade
de funcionamento do paciente. Para a CID, os transtornos
depressivos são classificados como: episódios depressivos,
transtorno depressivo recorrente, distimia, transtorno misto
de ansiedade e depressão, transtorno disfórico pré-menstrual,
transtorno depressivo especificado e transtorno depressivo
não especificado (ICD-11). Já o DSM também inclui transtorno
disruptivo da desregulação do humor, transtorno depressivo
induzido por substância/medicamento e transtorno depressivo
devido a outra condição médica (DSM-5).
No entanto, como os quadros depressivos são objeto de
pesquisa há mais de dois mil anos, sendo abordados por
estudiosos de diversas vertentes desde Hipócrates, o pai da
Medicina na Grécia Antiga (século IV a. C.), é natural que haja
pontos de discordância entre os teóricos para definir a depressão
e suas causas. Em relação aos sintomas, porém, os estudos estão

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mais próximos de um consenso.
Como afirma Aaron Beck, pioneiro da Terapia Cognitivo-
Comportamental, hoje o transtorno depressivo pode ser
definido a partir dos seguintes atributos: alteração específica no
humor (tristeza, solidão, apatia), autoconceito negativo, desejos
regressivos e autopunitivos, alterações vegetativas (de apetite,
sono, libido) e alterações no nível de atividade. com diminuição
ou aumento do ritmo (BECK; ALFORD, 2011).

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Causas da
Depressão

S e a sintomatologia da depressão é praticamente um consenso


nas diversas abordagens, o mesmo não ocorre em relação às
causas. O transtorno é associado a origens biológicas, genéticas
e psicossociais, inspirando inúmeras pesquisas que podem ter
resultados conflitantes, já que esses aspectos interagem entre
si. Afinal, fatores externos podem afetar a expressão dos genes,
enquanto genética e biologia também influenciam a resposta
do indivíduo a fatores psicossociais (LAFER, 1996). E, embora
os fatores genéticos sejam importantes no desencadeamento
do transtorno e na resposta aos tratamentos medicamentosos,
ainda não há evidências conclusivas que dimensionem essa
influência.
Outro fator, que justifica o tratamento com medicação,
é a alteração química cerebral em transtornos depressivos.
Durante quadros de depressão, há desequilíbrio na produção
de neurotransmissores – mas essa pode ser tanto uma causa
biológica quanto uma consequência de fatores externos
psicossociais que desencadearam a doença, e a reposição
artificial não garante sucesso em todos os casos. Estudos
apontam que pacientes tratados apenas com medicamentos
podem ter uma taxa de recaída de cerca de 69%, contra 30%
dos que passam por intervenções psicológicas (BECK; ALFORD,
2011).
A Terapia Cognitivo-Comportamental não descarta as origens
biológicas e psicossociais da depressão, mas o problema é

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visto principalmente como resultado de crenças e pensamentos
disfuncionais, já que os pacientes com o transtorno têm uma
visão negativa deles mesmos e acreditam estar num contexto
pior do que se apresenta na realidade. Essa negatividade não
seria apenas um sintoma, e sim um fator determinante para que
a doença se instaure e se mantenha (POWELL et al, 2008).

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Aaron Beck e
a depressão

A s pesquisas realizadas por Aaron Beck sobre o tratamento da


depressão, iniciadas nos anos 50, foram o ponto de partida
para o surgimento da Terapia Cognitivo Comportamental. O
psiquiatra norte-americano questionou o modelo freudiano, em
que pacientes depressivos teriam uma necessidade inconsciente
de sofrimento, já que, a partir de suas observações clínicas e
estudos experimentais, percebeu justamente o contrário: uma
inclinação a evitarem situações em que poderiam ser rejeitados
e desaprovados. Mais do que isso, compreendeu o transtorno
como resultado de pensamentos e crenças distorcidas, já que
esses pacientes enxergavam o contexto exterior e a eles mesmos
de maneira pior que a apresentada na realidade (BECK, 1982).
Dessa forma, Beck passou a classificar a doença como um
transtorno de pensamento cognitivo), e não mais como um
transtorno emocional. Com base nessas observações, ele propôs
a Teoria Cognitiva da Depressão, aprofundada em obras como
Depressão: Causas e Tratamento (1967) e Terapia Cognitiva da
Depressão (1979).
Para o tratamento da depressão, ele estruturou uma
psicoterapia ativa, direta, com prazo rápido e resultados de
longa duração, em que sensações e comportamento de um
paciente são determinados pelo modo que ele estrutura sua
visão de mundo (BECK, 1982). O modelo ganhou força nos anos
70 e passou a ser utilizado com sucesso nas décadas seguintes
também para tratar outros transtornos, como ansiedade e fobias.

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Como funciona a
TCC no tratamento
da depressão

N a Terapia Cognitivo-Comportamental, a depressão se relaciona


com dois elementos principais: as distorções cognitivas
( pensamentos e crenças disfuncionais) e a tríade cognitiva
(visão negativa do paciente sobre si mesmo, sobre o mundo e
sobre seu futuro) (BECK, 1997). O profissional deve identificar
essas distorções, através de técnicas como descoberta guiada e
questionamento socrático, desenvolvendo a contextualização de
cada caso (WRIGHT et al., 2018).
A partir dessa observação, o terapeuta desenvolve
estratégias conjuntas com o cliente para resolução de problemas,
estimulando a auto-observação, o autoconhecimento e o
questionamento dos pensamentos distorcidos que devem ser
transformados. A TCC promove a autonomia do paciente, que
além de participar dessa elaboração de metas deve realizar
tarefas fora do consultório, definidas de acordo com seu caso e
sua evolução, o que proporciona maior rapidez de resultados e
previne recaídas (BECK, 1997).
Nos quadros de depressão leve ou moderada, essa
modalidade de terapia pode ser aplicada de maneira eficaz
mesmo sem a combinação com o tratamento medicamentoso. O
consórcio com psicofármacos, porém, torna-se indispensável em
depressão acompanhada de sintomas psicóticos. As técnicas
terapêuticas são as mesmas para os dois casos, apresentando
bons resultados na redução de pensamentos negativos,
melancolia, desesperança e intenções suicidas (PALOSKI;
CHRIST, 2014).

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Eficácia da TCC
no tratamento da
depressão

C om a repercussão das pesquisas de Aaron Beck sobre


Terapia Cognitivo-Comportamental no tratamento da
depressão, muitos autores atestaram a eficácia da modalidade
em relação a esse transtorno.
A partir de uma análise de 28 estudos diferentes nos anos 80,
observou-se que a TCC pode apresentar resultados superiores
a medicações e outras modalidades de tratamento psicológico
(DOBSON, 1989). Constatações semelhantes foram obtidas nos
anos seguintes, tendo como única exceção o projeto de pesquisa
colaborativo sobre depressão (Collaborative Depression
Research Project, TCDRP) do National Institute of Mental
Health (NIMH), que relatou resultados semelhantes entre TCC,
terapia interpessoal e administração de imipramina nos casos
de depressão leve ou moderada, mas um desempenho inferior
da TCC nos quadros de depressões mais graves. Após revisão
desses dados, porém, revelou-se que a TCC foi tão eficaz quanto
os outros tratamentos quando houve fidelidade do terapeuta à
modalidade desde o início da abordagem (POWELL et al., 2008).
Em um estudo mais completo de 2005, que comparou a TCC
com medicamentos e incluiu pacientes com quadros severos e
comorbidades, a técnica apresentou desempenho semelhante à
farmacoterapia (DERUBEIS et al., 2005).
Outra vantagem da Terapia Cognitivo-Comportamental é a
duração dos resultados, que é maior em relação aos tratamentos
medicamentosos. Estudos recentes apontam que, nos

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pacientes que adotam somente a farmacoterapia, há retorno de
sintomas em 26% do tempo, mesmo se continuam a utilizar os
antidepressivos (POWELL et al., 2008). Graças a técnicas que
promovem a autonomia do paciente e a prevenção de recaídas,
a TCC é uma das modalidades terapêuticas mais eficazes para a
depressão, com ou sem a interação com fármacos.

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Referências
bibliográficas

BECK, Aaron. Terapia cognitiva da DOBSON, KS. A meta-analysis of


depressão. Zahar, 1982. the efficacy of cognitive therapy for
depression. J Consult Clin Psychol. 57 (3),
BECK, Aaron; ALFORD, Brad A.
1989.
Depressão: Causas e Tratamento.
Artmed, 2011. DSM-5. Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais. Artmed, 2014.
BECK, Judith S. Terapia cognitiva: teoria e
prática. Porto Alegre: Artmed, 1997. ICD-11 for Mortality and Morbidity
Statistics. Versão 2020. Disponível em:
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Acesso em 24 de janeiro de 2021.
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2019. Disponível em: < https://www. LAFER, B. Transtornos do humor. In:
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DERUBEIS, RJ et al. Cognitive therapy PALOSKI, Luis Henrique; CHRIST,
vs medications in the treatment of Helena Diefenthaeler. Terapia cognitivo-
moderate to severe depression. Arch Gen comportamental para depressão com
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Contextos Clínicos, 7(2), 2014.
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Disponível em: < https://www.uol.com. Revista Brasileira de Psiquiatria, vol.30,
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ansiedade.htm >. Acesso em 24 de
Guia Ilustrado. 2. ed. Artmed, 2018.
janeiro de 2021.

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