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DIAGNÓSTICO DE DEPRESSÃO MAIOR...

Grevet SIMPÓSIO SOBRE DEPRESSÃO

Simpósio sobre Depressão EUGENIO HORÁCIO GREVET – Psiquia-


tra do HCPA/UFRGS. Mestre em Bioquími-
ca pela UFRGS. Doutorando na Pós-Gradu-
ação em Psiquiatria do Dep. de Psiquiatria da
UFRGS.
Diagnóstico de depressão maior e distimia LAIS KNIJNIK – Psiquiatra pelo Curso de
Especialização em Psiquiatria da UFRGS.

Major depressive disorder and dysthymic Endereço para correspondência:


Eugênio Horácio Grevet
Av. Taquara 586/606, Petrópolis
disorder: diagnosis Porto Alegre, RS, Brasil
Fax (51) 3321-2349
 grevet@terra.com.br
Os transtornos do humor são uma Os transtornos depressivos são con-
categoria diagnóstica que engloba os siderados um grande problema de saú-
transtornos do humor bipolar (mania, de pública pela Organização Mundial
hipomania, depressão bipolar, estados da Saúde. São freqüentes: afetam, pelo
mistos e ciclotimia) e os transtornos menos, 20% das mulheres e 15% dos
unipolares (depressão maior e disti- homens ao longo de suas vidas. Cau- Um levantamento que investigou os
mia). Neste trabalho abordaremos ape- sam muito sofrimento e incapacidade: diagnósticos psiquiátricos na popula-
nas o diagnóstico das formas unipola- A depressão é responsável pela maior ção urbana de Porto Alegre publicado
res dos transtornos do humor: a depres- parte dos suicídios, sendo que 2/3 de em 1992 por Busnello e colaborado-
são maior e a distimia. todos os suicídios são cometidos por res apresentou os transtornos afetivos
O humor de um indivíduo é carac- portadores de depressão. É também a (do humor) como o terceiro grupo diag-
terizado pela expressão verbal de sen- doença crônica que provoca maior in- nóstico mais freqüente, vindo após os
timentos que refletem seu estado emo- capacidade para o trabalho, com exce- transtornos de uso de substâncias e de
cional interior. O afeto diz respeito à ção do infarto do miocárdio. ansiedade. Os levantamentos epide-
expressão não verbal destes estados Os aspectos da atividade normal miológicos demonstram risco aumen-
emocionais. Os estados de humor nor- que são afetados incluem as relações tado para depressão e sintomas depres-
mais são a alegria, a tristeza, a raiva e maritais e pessoais, o relacionamento sivos em indivíduos que relatam acon-
o medo. com os filhos, a saúde física, a capaci- tecimentos negativos de vida. As mu-
As patologias do humor são aque- dade de trabalhar, de manter amizades, lheres apresentam uma prevalência de
las que alteram de maneira constante entre outros. 2:1 em relação aos homens. A idade
estes estados emocionais. Quando um Além de apresentar alta comorbi- média encontra-se entre os 20 e os 40
indivíduo apresenta alteração de lon- dade com outros quadros psiquiátricos, anos. Os separados e divorciados es-
ga duração (mais de 2 semanas) numa os transtornos depressivos são freqüen- tão mais propensos a sintomas e qua-
destas dimensões, podemos defini-lo temente comórbidos, com doenças fí- dros depressivos do que os solteiros e
como um portador de doença do hu- sicas, como artrite, hipertensão arterial, casados. Há um achado considerável
mor (afetiva). De modo geral, podemos lombalgia, diabete e problemas cardía- de história familiar de transtornos de
classificar os estados patológicos como cos. Quando isso ocorre, geralmente há humor em indivíduos afetados, espe-
sendo os seguintes: um pior prognóstico para ambos pro- cialmente em parentes de 1o grau, as-
1) Alterações do humor que passem blemas. sim como história familiar de suicídio
da alegria normal para a euforia pato- Nem sempre é fácil reconhecer um e alcoolismo. No entanto, a transmis-
lógica ou da irritação normal para a quadro depressivo. A maioria dos sin- são genética de depressão não está de-
irritação patológica são classificadas tomas físicos dos pacientes que bus- terminada como a do transtorno bipo-
como episódios maníacos ou hipoma- cam atendimento ambulatorial, públi- lar tipo I.
níacos (não abordados neste trabalho). co ou privado, não está associada a A associação de experiências pre-
2) Alterações do humor que passem processo orgânico de doença. O diag- coces de vida e aparecimento posterior
do medo normal para o medo patológi- nóstico mais comum em cuidados pri- de um transtorno depressivo tem inte-
co caracterizam os episódios de ansie- mários é o de não-doença. ressado os estudiosos. A perda paren-
dade (não abordados neste trabalho). Quanto maior o número de sinto- tal antes da adolescência, assim como
3) Alterações do humor que passam mas físicos clinicamente inexplicáveis um ambiente familiar disfuncional e
da tristeza normal para a depressão apresentados por um paciente, maior com muitas privações são fatores de
patológica são classificadas como epi- a chance de ele ter um diagnóstico risco já estabelecidos, apesar das difi-
sódios de depressão maior (episódio atual de ansiedade ou depressão e uma culdades metodológicas para docu-
agudo) ou distimia (forma atenuada e incapacitação significativa no seu fun- mentar tais fatores, que variam subje-
crônica). cionamento social e profissional. tivamente.

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Quanto às características de perso- to tempo. Não é incomum que em de- mentais. O manual para diagnóstico de
nalidade associadas ao aparecimento pressões severas e psicóticas os pacien- doenças mentais da Associação Ame-
de um transtorno depressivo, estão o tes tenham que ser contidos para sua ricana de Psiquiatria (APA), o DSM-
desânimo, a introversão, a preocupa- segurança. IV e o capitulo V de transtornos men-
ção, a dependência e a sensibilidade As alterações cognitivas mais co- tais e de comportamento da décima
excessiva. muns são as alterações subjetivas da Classificação Internacional de Doen-
O desencadeamento de um trans- memória, atenção e velocidade do pen- ças (CID-10) da Organização Mundial
torno depressivo é, muitas vezes, con- samento e do raciocínio. É comum que da Saúde (OMS).
seqüente a um fator estressante, que depressões que se iniciam na terceira Com a utilização destes manuais a
denominamos estressores sociais. idade sejam confundidas com demên- psiquiatria e as áreas afins podem ter
Eles são os acontecimentos vitais, cias orgânicas (pseudodemências). uma linguagem psiquiátrica em comum
os estresses crônicos e os problemas Outro tipo menos freqüente de altera- indiferentemente de onde estes ma-
cotidianos. ções cognitivas são os delírios e as alu- nuais estejam sendo usados. Uma das
Os acontecimentos vitais são mu- cinações (estas percepções sensoriais características fundamentais destes
danças claras nos padrões de vida que irreais). manuais classificatórios é a utilização
alteram o comportamento habitual e São as alterações neurovegetativas de critérios diagnósticos descritivos,
ameaçam o bem-estar do indivíduo. O que conferem aspectos físicos aos qua- hierarquizados, ateoréticos e de fácil
luto é um exemplo típico de aconteci- dros depressivos. Por isso, muitos des- observação.
mento vital, assim como a aposenta- tes pacientes procurarem ajuda médi- Inicialmente, é necessário diferen-
doria. ca para seus sintomas físicos, não per- ciar entre episódio e transtorno. Um
Os estresses crônicos compreen- cebendo o aspecto emocional envolvi- indivíduo que apresenta sintomas de-
dem aquelas situações de longa dura- do no distúrbio. Os sintomas mais co- pressivos em número suficiente para
ção que desafiam o indivíduo, tais muns são a anorexia, a perda de peso, realizar o diagnóstico de depressão por
como dificuldade financeira, conflito a hiperfagia, o aumento de peso, as al- primeira vez é caracterizado como so-
interpessoal constante (por ex., dificul- terações do sono (insônia ou hipersô- frendo de um episódio de depressão
dades matrimoniais) e ameaça persis- nia), as alterações no interesse sexual maior. A ocorrência de sucessivos epi-
tente à integridade (por ex., viver num (diminuição da libido) e sintomas so- sódios se caracteriza com transtorno
ambiente perigoso). máticos, como fraqueza muscular, peso depressivo maior. Quando o episódio
Os problemas cotidianos são acon- na região das costas, plenitude gástri- é de longa duração – mais de dois anos
tecimentos comuns, porém estressan- ca e cefaléia. – diagnostica-se depressão maior crô-
tes, que fazem parte da vida moderna Outro aspecto importante, nos nica. E quando estes sintomas de de-
(por ex., lidar com vizinhos desagra- transtornos do humor, são as alterações pressão são crônicos (mais de 2 anos)
dáveis). dos ciclos circadianos. Alterações nos e de baixa intensidade faz-se o diag-
A percepção que o indivíduo tem ritmos de sono-vigília, liberação de nóstico de distimia.
de um acontecimento é provavelmen- cortisol e regulação da temperatura são Os critérios diagnósticos para epi-
te muito mais importante que o pró- comuns em pacientes com depressão. sódio depressivo são os seguintes:
prio acontecimento. Finalmente, episódios com padrões
Clinicamente, a depressão apresen- sazonais determinados podem ocorrer
ta sintomas que vão além das altera- em alguns casos. Estes se caracterizam Episódio Depressivo – F32 –
ções do humor. São freqüentes altera- por aumento dos episódios em deter- (CID-10)
ções psicomotoras, cognitivas, neuro- minadas épocas do ano. Classicamen-
vegetativas, nos ritmos circadianos e a te, as depressões soem ocorrer nos A) Critérios gerais para episódio de-
sazonalidade. meses de outono e inverno. pressivo
As alterações psicomotoras mais Devido à diversidade de apresen- G1 – O episódio deve durar pelo
freqüentes são a agitação ou o retardo. tações clínicas existentes, é difícil des- menos duas semanas.
Normalmente pensamos que o pacien- crever um tipo clássico de depressão G2 – Não haver sintomas manía-
te classicamente deprimido é aquele (talvez tenhamos que falar em vários cos ou hipomaníacos em qual-
que não quer sair da cama, se move tipos de depressões). Em decorrência quer época da vida.
lentamente e inicia qualquer atividade dessa diversidade de apresentações, G3 – O episódio não é atribuível
física com extrema dificuldade. Temos são propostas classificações genéricas ao uso de substâncias psicoati-
que ter em mente que muitos pacien- para os quadros e transtornos do hu- vas.
tes deprimidos podem apresentar-se mor. B) Critérios principais para episódio
com extrema inquietude, dificuldade Atualmente existem basicamente depressivo (dois ou mais destes sin-
em permanecerem sentados ou fecha- dois manuais mundialmente utilizados tomas devem estar presentes sem-
dos em um mesmo ambiente por mui- para o diagnóstico dos transtornos pre):

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(1) Humor deprimido que definiti- (6) Marcante perda do apetite. cujo(s) episódio(s) individual(is) não
vamente seja anormal para (7) Perda de peso (5% ou mais do é (são) suficientemente prolongado(s)
aquele indivíduo, presente pela peso corporal no último mês). para justificar um diagnóstico de trans-
maior parte do dia e quase to- (8) Marcante perda de libido. torno depressivo recorrente leve, mo-
dos os dias, largamente não in- derado ou grave. Em muitos casos de
fluenciado pelas circunstâncias Como devemos utilizar estes crité- distimia, o paciente se encontra depri-
e mantido por pelo menos 2 se- rios para realizar o diagnóstico? Pri- mido há tanto tempo (anos), que pode
manas. meiramente, o médico deve estar cien- pensar que sua tristeza e desânimo fa-
(2) Perda de interesse ou prazer por te dos sintomas e perguntá-los ao pa- zem parte de seu “temperamento”. Não
atividades que normalmente são ciente. Devemos nos lembrar que o é incomum que os sintomas tenham se
agradáveis. paciente pode estar se sentindo muito iniciado na infância ou adolescência
(3) Energia diminuída ou fadigabi- desanimado, porém preferir falar dos (início precoce) e o paciente procure
lidade aumentada. seus sintomas físicos. O diagnóstico de ajuda somente na idade adulta.
C) Sintomas adicionais para episódio depressão é uma tarefa de anamnese.
depressivo: Em segundo lugar, existem critérios
(1) Perda de confiança ou auto-es-
tima.
bem definidos para se fazer o diagnós-
tico formal de depressão e distimia,
R EFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
(2) Sentimentos irracionais de auto- incluindo-se sua gravidade. Como re-
reprovação ou culpa excessiva gra geral o CID-10 propõe o seguinte: 1. AKISKAL HS. Mood Disorders: Clini-
cal Features. In: Kaplan & Sadock’s
e inapropriada. Nos episódios depressivos leves Comprehensive Textbook of Psychiatry.
(3) Pensamento recorrente de mor- devemos encontrar 2 ou 3 sintomas Sadock BJ. and Sadock VA. Lippincott
te ou suicídio ou qualquer com- mencionados acima causando angús- Williams and Wilkins, Philadelphia, PA,
portamento suicida. tia ao paciente, porém este poderá se- PP.1339-1385. 2000.
(4) Queixas ou evidências de dimi- guir com sua rotina diária. 2. AKISKAL HS. Mood Disorders: Intro-
duction and Overview. In: Kaplan &
nuição da capacidade de pensar No episódio depressivo moderado Sadock’s Comprehensive Textbook of
ou concentrar-se, tais como in- devemos encontrar 4 ou mais sintomas Psychiatry. Sadock BJ. and Sadock VA.
decisão ou vacilação. mencionados acima e estes causam Lippincott Williams and Wilkins, Phila-
(5) Alteração na atividade psicomo- sofrimento e dificuldades nas ativida- delphia, PA:1284-1298. 2000.
tora com agitação ou lentificação des cotidianas. 3. BLAZER II DG. Mood Disorders: Epi-
demiology. In: Kaplan & Sadock’s Com-
(tanto subjetiva como objetiva). Nos episódios depressivos graves prehensive Textbook of Psychiatry.
(6) Qualquer tipo de perturbação do sem sintomas psicóticos devemos en- Sadock BJ. and Sadock VA. Lippincott
sono. contrar vários sintomas mencionados Williams and Wilkins, Philadelphia, PA:
(7) Alteração do apetite (diminui- acima e estes são marcantes e causam 1298-1308. 2000.
ção ou aumento), com corres- muito sofrimento. O paciente geral- 4. BUSNELLO ED, PEREIRA MO,
KNAPP WP et al. Morbidade psiquiátri-
pondente alteração do peso. mente não consegue prosseguir com ca na população urbana de Porto Alegre.
Pode haver a presença ou ausência sua vida cotidiana. J Bras Psiq,41(10):507-512,1992.
de síndrome somática (características Nos episódios depressivos graves 5. Classificação de transtornos mentais e de
melancólicas, neurovegetativas ou fí- com sintomas psicóticos aparecem vá- comportamento da CID-10 – referência
sicas): rios dos sintomas anteriores (mais de rápida. World Health Organization, Ge-
neva. Ed. Artes Médicas, 1999.
(1) Marcante perda de interesse e quatro) e estes são acompanhados de 6. Critérios diagnósticos do DSM-IV – Re-
prazer em atividades que são sintomas psicóticos, como delírios e ferência Rápida. American Psychiatric
normalmente prazerosas. alucinações ou mesmo estupor depres- Association, Ed. Artes Médicas, 1995.
(2) Falta de reações emocionais a sivo (catatonia). 7. KENDELL RE. Mood (affective) Disor-
eventos ou atividades que nor- Quando os episódios se repetem, te- ders. In: Companion to Psychiatric Stu-
dy. Kendell RE and Zealley AK. Fifth
malmente produzem uma rea- mos caracterizado o transtorno depres- edition. Churchill Livingstone. London.
ção emocional. sivo e este pode ser um transtorno de- PP. 427-459. 1993.
(3) Levantar-se de manhã 2 ou mais pressivo recorrente episódio atual leve, 8. SARTORIUS N. The economic and so-
horas antes do habitual. moderado, grave sem sintomas psicóti- cial burden of depression. J Clin Psychia-
(4) Depressão pior pela manhã. cos ou grave com sintomas psicóticos. try 2001;62 (suppl 15): 8-11.
9. KATON W, WALKER E. Medically
(5) Evidência objetiva de retardo ou A distimia (F 34.1) é uma depres- unexplained symptoms in primary care
agitação psicomotora marcante são crônica de humor, com duração de settings. J Clin Psychiatry 1998;59 (suppl
(observado ou relatado por ou- pelo menos alguns anos (2 ou mais), 20): 15-21.
tra pessoa). que não é suficientemente grave ou

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