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TRATADO DE DIREITO PRIVADO

PARTE ESPECIAL
TOMO LIX
Direito das Sucessões: Sucessão testamentária.

Testamentos. Codicilo. Revogação.

TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS

TÍTULO III

SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

(continuação)

CAPÍTULO XX

TESTAMENTO PÚBLICO

§ 5.864. Origem e pressupostos formais. 1. Dados históricos. 2. Requesitos


formais do testamento público. 3.

Testamentos brasileiros no estrangeiro. 4. Data nos testamentos públicos.


5.Feriados, domingos e horas da noite. 6.

Lugar em que se lavrou o testamento público. 7. Fatos excepcionais quanto


ao lugar. 8. Conhecimento do testador pelo oficial público e as testemunhas.
9. Unidade do ato e de tempo. 10. Unidade de lugar e testamento público.
11.

Identidade, capacidade, circunstâncias subjetivas do testador

§ 5.865. Particularidades quanto à expressão da manifestação de vontade.


1. Testamento público e ditado. 2.

Declaração e escrito. 3. Testamentos em respostas. 4. Solução concreta do


problema. 5. Testamento público por sinais. 6. Língua estrangeira e
testamento público

§ 5.866. Regras jurídicas quanto às testemunhas. 1. Testemunhas no


testamento público. 2. Língua nacional e testemunhas.

3.Requisitos das testemunhas instrumentárias no testamento público

§ 5.867. Leitura e assinatura do testamento público. 1.Leitura pelo oficial


público. 2. Assinatura do ato público pelo testador.3. Prova que faz o
testamento público. 4.Essencial do eurema

§ 5.868. Analfabeto e quem não pode assinar. 1. Quem não sabe ou não
pode assinar. 2. Analfabeto no direito romano e no direito comum. 3.
Analfabeto no direito alemão, no austríaco e no suíço. 4. Natureza do
testamento no Código Civil, art. 1.633. 5. Leitura do testamento ao
analfabeto. 6. Testador que não sabe ou não pode assinar. 7.

Testemunha no testamento previsto pelo Código Civil, art. 1.633. 8.


Declaração de assinar a rôgo do testador

§ 5.869. Formalidade e porte por fé. 1. Exigências formalísticas e menção


exigida. 2. Especificação das formalidades. 3. Responsabilidade do oficial.
4. Ações dos lesados pela nulidade do testamento

§ 5.870. Declarações de viva voz e exação da lavratura. 1. Aptidão pela


fala. 2. Incapacidade de falar, de ver e de ouvir. 3. Mudez, impossibilidade
de falar e testamento. 4. Revisão da doutrina

§ 5.871. Surdo que sabe ler e surdo que o não sabe. 1. Surdez e leitura do
testamento. 2. Surdo que lê e surdo que não lê. 3.Assinatura do surdo. 4.
Capacidade do ledor do testamento do surdo que não lê. 5. Se o ledor é
oitavo figurante.

6.Se o ledor, que sabia a linguagem dos surdos, leu para si, e não para o
surdo. 7. Surdo-cego e a forma de tes tamento
§ 5.872. Testamento público do cego. 1. Permissão especial da
testamenticação. 2. Assinatura do cego e dispensabilidade

§ 5.873. Considerações finais sâbre testamento público. 1. Precisões.


2.Direito canônico. 3.Essencialidade dos pressupostos.4.Direito
intertemporal.5. Direito internacional privado. 6.Ordem pública e
testamento público CAPITULO XXI

TESTAMENTO CERRADO

§ 5.874. Requisitos essenciais. 1. Regra jurídica especial. 2. Direito anterior.


3. Espécie de testamento notarial. 4.

Leis estaduais anteriores à unidade do processo. 5. Solenidades distintas

§ 5.875. Cédula testamentária para o testamento cerrado. 1. Forma da


cédula testamentária. 2. Capacidade para testar e outros requisitos. 3.
Testamento escrito a rôgo. 4. Escrita do testamento por outrem. 5.
Assinatura do testador. 6. Assinatura a rôgo. 7.. Fôlha em que se escreve. 8.
Oficial público e disposição testamentária. 9. Segrêdo e testamento cerrado

§ 5.876. Entrega ao oficial público e auto de aprovação. 1. Perfeição do


testamento cerrado. 2. Apresentação da cédula. 3. Testemunhas de
apresentação. 4. Declaração do testador..

§ 5.877. Aprovação do testamento cerrado. 1. Momento do auto de


aprovação. 2. Leitura do auto pelo oficial público. 3. Assinatura do auto de
aprovação. 4. Diferença de tempo, feitura e aprovação. 5. Declaração de
assinar a rôgo e expressões equivalentes. 6. Se a assinatura do testamento
cerrado pode ser feita por outra pessoa, que não seja “uma das
testemunhas”. 7. Se o oficial público, ao mencionar as testemunhas, erra o
nome de uma delas. 8.

Cautelas voluntárias do oficial público. 9. É requisito essencial que o oficial


público cerre e cosa, depois de concluído o instrumento de aprovação. 10.
Se é nulo o testamento cerrado em cujo auto de aprovação não apôs o
oficial público o seu sinal público. 11. “Unitas actus” da solenidade de
aprovação. 12. O que deve conter o auto de aprovação do testamento
cerrado. 13.Valor jurídico do auto de aprovação. 14. Cerrado e cosido, a
quem se entrega o testamento

§ 5.878. Testamento escrito pelo oficial público e aprovação. 1. Texto legal.


2. Fonte. 3. ~,A lei permite que o oficial público escreva e assine, a rôgo do
testador, ou sómente que escreva? 4.Responsabilidade civil e criminal do
oficial público que escreveu o testamento. 5. Cédula testamentária escrita
por um oficial público e aprovada por outro

§ 5.879. Língua nacional e língua estrangeira. 1. Texto legal. 2. Língua


estrangeira no direito romano. 3. Língua estrangeira e direito anterior. 4.
Língua estrangeira e língua secreta. 5.Necessidade de que o testador
entenda a língua de que usa. 6. Diferença entre o testamento cerrado e o
particular. 7. As declarações podem ser feitas em língua estrangeira, desde
que oficial público e testemunhas a compreendam

§5.880. Quem não sabe ou não pode ler. 1. Texto legal. 2. Fonte.
3.Fundamento. 4. Consequências da regra legal

§5.881. Surdo-mudo. 1. Testamentifação. 2. Direito anterior. 3.


Entendimento da regra legal

§5.882. Entrega ao testador e nota no livro. 1. Texto legal. 2. Fonte.


3.Fundamento da regra legal. 4.

Consequências

§5.883. Abertura do testamento, registo e arquivo. 1. Texto legal. 2.Velhos


abusos dos séculos XII a XIV. 3. Do Código Visigótico ao Código Civil
brasileiro. 4. Caso de testamento teratológico, porém não nulo. 5. Nulidade
do testamento cerrado. 6. Responsabilidade do oficial público

§5.884. Direito intertemporal e testamento cerrado. 1. Duas fases. 2.Direito


intertemporal e fase de imperfeição. 3.
Direito intertemporal e aprovação. 4. Direito intertemporal, abertura, registo
e arquivamento do testamento cerrado

§ 5.885. Direito internacional privado e testamento cerrado. 1. Princípios.


2. Subespécies de testamentos cerrados judiciais ou notariais. 3. O que
obedece à regra jurídica “locus regit actum”. 4. Qualificação de intrínseco.
5.

Alcance da proibição do testamento secreto ou cerrado. 6. Abertura, registo


e arquivamento do testamento cerrado nas relações de direito internacional
privado

CAPÍTULO XXII

TESTAMENTO PARTICULAR

§ 5.886. Dados históricos sobre o testamento particular e o texto legal. 1.


“Testamentum holographum”. 2. Texto legal. 3. Direito anterior

§5.887. Conceito de testamento particular. 1. Negócio jurídico do


testamento. 2. “Animus testamentum faciendi”

§5.888. Testamento particular no direito brasileiro. 1Holografiae


assinatura. 2. Defeitos de atividade legislativa3.

Direito estrangeiro

§ 5.889. Precaução de ordem metodológica. 1. Precisões. 2. Exigência da


lei brasileira

§ 5 890. Requisitos só eventualmente essenciais. 1. Técnica legislativa. 2.


Data. 3. Unidade do ato, no testamento particular

§ 5.891. Requisito intrínseco da aptidão para fazer testamento particular. 1.


Vedações. 2. Holografia

§ 5.892. Requisitos formais (essenciais) do testamento particular.


1.Direito cogente e interpretação. 2. Primeiro requisito formal. 3.
Holografia das disposições testamentárias. 4.

Questões que surgem. 5. Testamento estrito com caracteres secretos. 6.


Holografia da assinatura. 7. Requisito essencial da leitura às cinco
testemunhas. 8. Assinaturas das testemunhas

§ 5.893. Cuidados ocasionais. 1. Expedientes úteis. 2. Reconhecimento da


letra e das assinaturas. 3. Invólucro e testamento particular. 4. Têm-se de
afastar os inconvenientes das regras jurídicas. 5. Depósito do testamento
particular. 6. Questão de ordem, estranha ao direito brasileiro. 7. Pluralidade
de exemplares

§ 5.894. Formalidades da publicação. 1. Exigência formal. 2. Texto legal.


3. Origens peninsulares da publicação. 4.

Citação dos herdeiros legítimos. 5. Conseqúências substantivas da citação


dos herdeiros legítimos. 6. Impugnações do testamento particular
confirmado pelas testemunhas

§ 5.895. Cumpra-se do testamento hológrafo. 1. Texto legal. 2. Verificação


judicial do testamento hológrafo. 3.

Interpretação do texto legal

§ 5.896. Falta de testemunhas. 1. Texto legal. 2. Direito anterior.

3.Dados gerais para a solução das questões. 4. Natureza da,s duas regras
jurídicas. 5. Solução das questões .... 177

§ 5.897. Testamento particular e lingua. 1. Texto legal. 2. Língua


estrangeira e língua secreta

§ 5.898. Direito intertemporal e testamento particular. 1. Tempo e forma. 2.


Forma e testador morto ou não na vigência da lei nova. 3. Pressupostos
subjetivos e objetivos para o uso da forma hológrafa
§ 5.899. Direito internacional privado e testamento particular. 1. Forma
extrínseca. 2. Aplicação da regra jurídica

“locus regit actum” aos testamentos particulares. 3. Apátrídes. 4.


Nacionalidade múltipla, se a lei pessoal é a “lex patriae”. 5. Mudança de
nacionalidade. 6. Vedação de ato do testamento particular. 7. Caso especial
do menor brasileiro alhures. 8.Testamento particular do estrangeiro no
Brasil. 9. Requisito da holografia e natureza jurídica da exigência. 10.
Exigência formal da data. 11. Questão relativa à dispensa de testemunhas.
12. Exigência de autenticidade e vigência da forma sómente partícular em
Estado da “lex loci” CAPÍTULO XXIII

TESTEMUNHAS TESTAMENTÁRIAS

§ 5.900. Regras jurídicas sôbre testemunhas testamentárias. 1. Texto legal.


2. Formas testamentárias e testemunhas no direito dos séculos passados. 3.
DIreito anterior e capacidade testemunhal. 4. Número das testemunhas e
unidade do ato, no direito anterior

§ 5.901. Função e requisitos das testemunhas. 1. Funções ínstrumentárias.


2. Conhecimento do testador pelas testemunhas instrumentárias. 3.
Precaução metodológica para a interpretação do texto legal. 4. Incapacidade
absoluta das testemunhas.

5.Instrumentariedade das testemunhas e testemunho probatório. 6. Surdos e


mudos, e surdos-mudos. 7. Analfabeto e incapacidade euremátíca. 8.
Escreventes e empregados dos cartórios

§ 5.902. Incapacidade relativa às ligações de herdeiros e legatários e


pessoas a áles ligadas. 1. Ligações. 2.

Parentes em linha reta, irmãos e cônjuge do herdeiro. 3. Herdeiros


legítimos, herdeiros instituidos e legatários, testemunhas noutra cédula.
4.Herdeiro instituído, ainda que “ex certa re”. 5. Legatário não pode ser
testemunha em testamento. 6. Desquitado, herdeiro instituído ou legatário e
cônjuge. 7. Testemunhas testamentárías: tutôres e testamenteiros. 8.
Noivados, amizade íntima, inimizade capital. 9. Testamento do pai da
testemunha. 10. Pai, testemunha no testamento do filho.

§ 5.903. Nulidade do testamento por incapacidade da testemunha e outros


figurantes. 1. Sanção de nulidade. 2.

Nulidade por incapacidade de testemunha e “favor testamenti”

§ 5.904. E rro de fato e árro de direito. 1. Convocação e êrro. 2. Êrro de


direito e capacidade. 3. De como se aprecia a incapacidade das
testemunhas. 4. Capacidade putativa das testemunhas. 5. Êrro de direito
quanto à capacidade das testemunhas. 6. Êrro de fato quanto à capacidade
das testemunhas

§ 5.905. Direito estrangeiro. 1. Testemunhas testamentárias no direito


francês. 2. Testemunhas testamentárias no direito austríaco. 3. Testemunhas
testamentárias no direito italiano. 4.Testemunhas testamentárias no direito
alemão. 5. Testemunhas testamentárías no direito suíço. 6. Códigos Civis
americanos

§ 5.906. Direito intertemporal e testemunhas testamentárias. 1. Testemunho


e testamento. 2. Indistinção quanto a testemunha‟~ dos atos públicos e dos
atos particulares. 3. Fronteiras a máxima “tempus regit actum” e do
pretenso principio da retroatividade das leis processuais. 4. Testemunhas ou
outros figurantes. 5. Natureza da regra jurídica de capacidade das
testemunhas. 6. Sanções quanto às disposições testamentárias

§ 5.907. Direito internacional privado e testemunhas testamentárias.

1.Capacidade e lei pessoal. 2. Fundamento da aplicação da máxima “locus


regít actum”. 3. Natureza da regra jurídica sôbre capacidade das
testemunhas. 4. Aplicação do principio “locus regit actum”. 5. Ato perfeito
e

“abundans cautela”. 6. Sanção da lei da sucessão mais forte ou só em


relação à lei do lugar. 7. Sanção da lei local mais forte que a da lei de
sucessão
CAPITULO XXIV
CODICILO
§ 5.908. Conceito e origem do codicilo. 1. Conceito inicial de codicilo.
2.Codícílo no direito romano. 3. Definição de codicílo. 4.Distinção entre
codicilos e epístola. 5. Codícílos no velho direito peninsular. 6. Direito
contemporâneo a respeito de codícílos. 7. Visão panorâmica das três
soluções contemporâneas. 8. Possibilidade da cláusula codicilar no direito
brasileiro

§ 5. 909. Codicilo e pressupostos formais e contenutísticos. 1. Texto legal


sôbre codicilo. 2. Fonte da regra jurídica.

3. Direito anterior. 4. Requisitos formais dos codicílos. 5. Codícilo por


forma pública. 6. Requisites subjetivos e contenutistícos dos codicilos. 7.
Disposição em codicilos. 8. Apreciação quantitativa das deixas codícilares.
9.

Direitos de terceiros e codicilo. 10. Direito romano

§ 5.910. Espécies de codicilos. 1. Distinções. 2. Codicilos testamentários e


codicilos abintestados. 3. Dependência e independência do codicilo
testamentário. 4. Ficção codicilar e Código Civil. 5. Direito de terceiro. 6.
Nomeação e substituição de testamenteiro

§ 5.911. Revogação de codicilo. 1. Texto legal. 2. Distinções. 3. Ruptura


dos codicilos

§ 5.912. Codicilo fechado. 1. Texto legal. 2. Alcance da regra jurídica. 3.


Codicilos noutros sistemas jurídicos

§ 5.913. Cláusula codicilar. 1. Conteúdo da cláusula. 2. Cláusula codicilar e


conversão. 3. Cláusula codicilar e conservaçao.4.Cláusula codicilar no
direito romano. 5. Direito anterior e cláusula codicilar. 6. Natureza de
cláusula codicilar (cláusula ou pressuposto). 7. Onde e como opera a
cláusula codicilar. 8. Casos particulares relevantes
§ 5.914. Direito intertemporal e codicilos. 1. Questões que surgem.2.Lei
anterior proibitiva e lei posterior permissiva. 3. Leia nterior permissiva e lei
posterior proibitiva. 4. Cláusula codicilar e direito intertemporal

§ 5.915. Direito internacional privado e codicilos. 1. Posição do problema.


2. Formas extrínsecas do codicilo. 3.

Formas intrínsecas e efeitos dos codícilos. 4. Cláusula codicilar e direito


internacional privado

CAPÍTULO XXV

TESTAMENTOS ESPECIAIS

§ 5.916. Generalidades históricas. 1. Dados históricos. 2. Direito romano e


testamento procintual. 3. Direito romano e “testamentum militare”
(preponderância do fator político). 4. Tempo de feitura. 5. Fundamentação
do testamento militar. 6. Testamentos extraordinários no direito visigótico.
7. Testamento militar desde o século XV.

8. Testamento militar nas Ordenações Fílípinas. 9. Testamento marítimo no


direito português. 10. Critério contemporâneo

§ 5.917. Outros testamentos especiais. 1. Considerações “de iure


condendo”. 2. Testamento “inter liberos”. 3.

Testamento rural. 4. “Testamentum ad pias causas”. 5. Testamento em


tempo de peste. 6. Vista panorâmica dos testamentos especiais

§ 5.918. Testamentos especiais no Código Civil. 1. Limitação. 2 Dispensas e


exigências

SEÇÃO 1

TESTAMENTO MARÍTIMO

§ 5.919. Texto legal e conteúdo. 1. Texto legal. 2. Legitimação subjetiva. 3.


Escolha das testemunhas para o testamento maritima. 4. Responsabilidade
do oficial público extraordinário. 5.Navios de guerra ou mercantes. 6.

Testamento em viagem aérea

§ 5.920. Feitura e entrega do testamento. 1. Texto legal. 2.Holografia e


alografia

§ 5.921. Cadutividade do testamento marítimo. 1. Texto legal. 2. Eficácia


temporária dos testamentos especiais.

3.Efeitos da caducidade

§ 5.922. Porto de possível embarque. 1. Texto legal. 2. Entendimento da


regra jurídica SEÇÃO II

TESTAMENTO MILITAR

§ 5.923. Texto legal e conteúdo. 1. Texto legal. 2. Critério subjetivo e


objetivo do texto legal. 3. Interpretação da lei.

4. Mulher do soldado que se acha nas tropas. 5. Caso especial

das manobras militares. 6. Aviador militar e testamento.7.Oficial do


testamento público militar

§ 5.924. Exigência da holografia. 1. Texto legal. 2. Exigência de nota. 3.


Explicação da natureza da regra jurídica

§ 5.925. Caducidade do testamento militar. 1. Texto legal. 2.Entendimento


da regra jurídica

§ 5.926. Testamento militar nuncupativo. 1. Texto legal. 2. Pressupostos


para a testamentifação nuncupativa. 3.

Gases asfixiantes e outros meios de guerra. 4. Nuncupatividade ~ Marinha.


5. Caducidade do testamento nuncupativo .
§ 5.927. Direito estrangeiro. 1. Testamento dos militares e marinheiros no
direito inglês. 2. Testamentos especiais no direito argentino. 3. Testamento
do militar no direito suíço. 4. Testamento militar no direito alemão. 5.

Testamento marítimo no direito alemão

Direito intertemporal. 1. Precisões. 2. Conservação e conversão em casos


de testamentos “inter liberos” Direito internacional privado. 1. Testamentos
extraordinários. 2. Testamento nuncupativo. 3. Prazos suspensivos e
resolutivos. 4. Estrangeiro em navio de guerra ou mercante do Brasil

§ 5.930. Testamentos “in fraudem legis”. 1. Regra jurídica local e regra


jurídica do momento. 2. Formas testamentárías e fraude à lei em direito
intertemporal. 3. Fraude à lei em direito internacional privado CAPÍTULO
XXVI

“UNITAS ACTUS” NO TESTAMENTO PÚBLICO, NO CERRADO E


NO PARTICULAR

§ 5.931. Questões que surgiram. 1. Testamentos e “unitas actus”. 2.Dados


históricos

§ 5.932. Testamento aberto. 1. Testamento público. 2.Código Civil


brasileiro. 3. Fatos e “unítas actus”. 4.

Conclusão.5. Voz.do testador. 6. Assistência das testemunhas atodoo ato.7.


“Unitas loci”. 8. Leitura co-presenciada. 9.Assinaturas.10. Menção ou
especificação. 11. Porte por fé

§ 5.933. Testamento cerrado e “unitas actus”. 1. Conceito. 2.Partes


temporais. 3. Direito romano. 4. “Unitas actus”.5. Ordenações Afonsinas. 6.
Ordenações Filipinas.7.Espéciesde testamentos. 8. Perfeição e entrega349

§ 5.934. Testamento particular e “unitas actus”. 1. Particularidade do


testamento. 2. “Unitas actus”
§ 5.935. Testamentos especiais, codicilos e “unitas actus”. 1.Testa-mentos
especiais do direito brasileiro. 2.

Testamentomilitar.3.Codicilo361

§ 5.936. Ausência e “unitas actus”. 1. Precisões. 2. Razões dasaída.3.Casos


em exame TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS

CAPITULO XXVII

REVOGAÇÃO DOS TESTAMENTOS

§ 5.937. Precisões iniciais. 1. Matérias em exame. 2. Vida dos testamentos.


3. Espécie de invalidação e ineficácia dos testamentos. 4. Distinções de
grande importância técnica....

§ 5.938. Regras jurídicas sôbre revogação dos testamentos. 1. Texto legal.


2. Fonte. 3. Aplicação moderna do princípio. 4. Ato jurídico do testamento.
5. Perda de eficácia do testamento

§ 5.939. Forma e revogação. 1. Forma de revogação dos testamentos. 2.


Revogação nos Códigos Civis de hoje. 3.

Formado testamento anterior e forma da revogação. 4. Origem das


revogações por escritura em notas. 5.

Revogação por escritura pública, se é possível. 6. Escritura pública. 7.


Escritura pública com o formalismo do testamento. 8. Escritura particular.
9. Revogação nua. 10. Revogação condicionada. 11. Codicilos e revogações
dos testamentos. 12. Revogabilidade da revogação. 13. Dificuldade

§ 5.940. Revogação total e revogação parcial. 1. Texto legal. 2. Critério


metodológico. 3. Revogação parcial. 4.

Revogação parcial nos Códigos Civis de hoje. 5. Revogação pode só se


referir a pormenores. 6. Velhas questões de intuito revogatório. 7. Reexame
global das questões de atos impedidos ou frustrados. 8. Aplicação dos
princípios anteriormente invocados. 9. Extensão do ato ou cláusula
revogatória. 10. Casos de destruição parcial do ato revogatório

§ 5.941. Infirmação ou subsistência. 1. Texto legal. 2. Infirmação dos


testamentos. 3. Três sistemas. 4. Contradição material e contradição
intencional. 5. Caracterização da incompatibi-lidade das disposições. 6.
Alcance da regra jurídica. 7. Testamento posteriorsem objeto. 8.
Testamentos da mesma data..942.9. Atos “inter vivos” e testamentos
anteriores 395

§ 5.942 Sucessivos testamentos. 1. Sucessividade e revogação. 2. Posição


do principio

§ 5.943. Caducidade e nulidade. 1. Dois conceitos. 2. Texto legal. 3.Fonte.


4. Campo de aplicação da regra jurídica. 5. Revogação e infirmação. 6. Se a
nulidade é formal, não se pode cogitar de conversão. 7. Nulidade do
testamento e nulidade das disposições

§ 5.944. Atacabilidade material (destrução, dilaceração, queima,


cancelamento material). 1. Ocorrências. 2. Texto legal. 3. Fonte. 4. Direito
romano: civil e pretório. 5. Doutrina anterior ao Código Civil. 6. Códigos
Civis do século XIX. 7. Infirmação e revogação, diversidade dos conceitos.
8. Atos que são disposições de última vontade. 9.

Atacabilidade material do ato testamentário. 10. Representação e


instrumentalidade na espécie da regra jurídica. 11.

Espécies de ataque ao instrumento testamentário. 12. Palavras cancelatórias


e “animus revocandi”. 13. Atos

destrutivos já depois da morte do testador. 14. Testamento público e regra


jurídica sôbre abertura de testamento cerrado. 15. Testamento cerrado e a
regra jurídica especial. 16. Testamento particular e regra jurídica sôbre
abertura de testamento cerrado. 17. Cancelações, riscos e borraduras
capitais. 18. Em que consiste a presunção da lei quanto à abertura de
testamento cerrado. 19. Ato destrutivo que não vale revogação. 20.
Multiplicidade de exemplares do testamento. 21. Ônus da prova. 22. As
altera-

ções e as destruições parciais. 23. Rasuras, alterações e destruições parciais


no testamento público. 24. Rasuras, alterações e destruIções parciais no
testamento cerrado. 25. Rasuras, alterações e destruições parciais no
testamento particular

§ 5.945. Nulidades das revogações “ipso facto”. 1. Capacidade, vontade


livre e sem defeitos. 2. Anulabilidade por defeito de vontade

§ 5.946. Ruptura dos testamentos. 1. “Ruptio”. 2. Texto legal.

3.Direito romano. 4. Direito das Ordenações. 5. Códigos Civis próximos. 6.


Códigos Civis de outros povos (Codígo Civil austríaco, Código Civil
alemão, Código Civil suíço)

7.Posição sistemática dos textos legais. 8. Se as regras jurídicas são de


presunção absoluta, ou se às vêzes não incidem. 9. Distinção a respeito dos
póstumos. 10. Cláusula do testamento prevenindo a ruptura. 11. Questão
preliminar: o que ocorre com a premorte do superveniente ou aparecido
constituí convalescença? 12. Persistência do testamento. 13.Pressupostos da
regra jurídica. 14. Casos de legitimação, adoção e reconhecimento de filhos

§ 5.947. Ignorância de existirem outros herdeiros necessários. 1. Texto


legal. 2. Fonte. 3. Ambiguidade perigosa. 4.

Se há persistência pela premorte, no caso das regras jurídicas. 5.


Conseqúêncías das regras jurídicas. 6. Efeitos das disposições
testamentárias que prevêem a superveniência ou a aparíção

§ 5.948. Superveniência e aparição sem aplicabilidade das regras


jurídicas. 1. Herdeiros necessários. 2. Sucessão legítima e sucessão
testamentária no testamento prevalecente. 3~ Rôto o testamento em que o
testador deserdou o único ou todos os herdeiros necessários, em têrmos
válidos, ~a supervenência ou aparição de outrem faz caducar?
4. Disposição da metade e não-contemplação de herdeiros necessários ou
deserdação sem menção de causa legal. 5.

Elaboração. 6. Significação da regra jurídica.

§ 5.949. Direito anglo-americano. 1. Direito inglês. 2. Direito dos Estados


Unidos da América

§ 5.950. Direito intertemporal e direito internacional privado. 1. Figuras


jurídicas. 2. Revogabilidade inderrogável do ato.

3.Revogação tem de ser por testamento. 4. Revogação e direito


intertemporal. 5. Revogação parcial e total. 6.

Incompatibilidade entre testamentos. 7. Direito intertemporal sôbre eficácia


da revogação. 8. Qual a lei que deve reger as rasuras, emendas e entrelinhas
dos testamentos. 9. Presunção de haver revogado. 10. Direito intertemporal
e ruptura dos testamentos. 11. Direito internacional privado ....

Título III

SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

(continuação)

CAPITULO XX

TESTAMENTO PÚBLICO

§ 5.864. Origem e pressupostos formais

1.DADOS HISTORICOS. No Código visigótico não havia indicios do


testamento apud acta. E no Breviário, IV, 1, cita-se a Nov. XXI de
Valentiniano III, const. 1, sem que a despeito da frase “licet municipalibus
gestis ludicia supreina componere”, que ali se lê qualquer alusão se faça ao
testamento apud acta. Daí não parecer que venha do testamentum apud acta
conditum (L. 19, C., de testamentis: quem admodum testamenta ordinantur,
6, 23) o testamento aberto, por tabelião, de que falaram a Lei de 21 de maio
de 1349 e as Ordenações Afonsinas, Livro IV, Titulo 103. (A conclusão de
HENRIQUE DA GAMA BARROS, História da Administração Públicai
em Portur pai, III, nota 1, choca-se com a de outro lugar, 274, nota 1.) O
testamento hológrafo, que está no direito brasileiro, não provém
diretamente, mas entronca-se em 446

(Constituição de Valentiniano III, incluída no Breviário) e já se dispensava,


em virtude da holografia, a intervenção de testemunhas. A razão disso está
no texto: “multis enim casibus saepe continget, ut morientibus testium
numerus et copia denegetur”. Tais faltas de testemunhas não só ocorriam
em se tratando de itinerwni necessitas, mas devido a outras causas óbvias:
sojitudo viliarum, navigaitio.

No período da Reconquista, testamento, em Portugal, era mais para o bem


da alma do que para outro fim: o índice religloso invadia a ordem juridico-
econômica. Morrer sem deixar bens à Igreja, ou para fins piedosos, causava
terror aos moribundos. Tinham de despojar-se: iam os homens e as
mulheres depor nos altares as escrituras das suas deixas. A Igreja
considerava válido tudo que aparecia e as formas mais frágeis abrigaram
pretensas vontades últimas.

Pela Lei de 21 de maio de 1849 sabe-se que eram três as formas de


testamento: a) por escrito particular, com testemunhas, mas sem
interferência do tabelião; b) verbais, quer dizer que só constavam da
dec1aração das testemunhas; e) feitos perante tabe1ião. Mas os juizes
eclesiásticos, no seu propósito de favorecer as deixas, entendiam e
mandavam que valessem escritos particulares, sem testemunhas, ou quando
já fossem todas mortas.

Foi a própria Lei de 1849 que verberou o abuso: “e o que pior he disseram
me que esses vigairos pobricam essas cedulas sem testemunhas seendo já
essas testemunhas todas mortas que som escriptas nas cedulas que lhis
mostram, e que algúas vezes nom som escriptas algúas testemunhas em
algúas cedulas... e mandam sem outro conhecimento que x‟alham come
testamentos” (Livro das Leis e Posturas, Tôrre do Tombo, foi. 156) Nas
Ordenaçôes Afonsinas, Livro IV, Título 103, havia:
a)o testamento aberto, feito por tabelião, isto é, o testamento público do
Código Civil: seis testemunhas, incluído o oficial (portanto, cinco) ; b) o
testamento escrito ou só assinado pelo testador, ou escrito e assinado por
outrem, que ou teria, nas costas, o instrumento público do tabelião, como os
abertos (cinco testemunhas), ou‟ teria de, após a morte, ser publicado, com
audiência dos interessados (publicações que a Lei de 21 de maio de 1349 já
exigira) ; cY

o testamento oral, feito ao tempo da morte, com seis testemunhas.

Nos lugares de diminuta população, bastavam três testemunhas.

2.REQUISITOS FORMAIS 1>0 TESTAMENTO PÚBLICO. Diz o Código


Civil, art. 1.632: “São requisitos essenciais do testamento público: 1. Que
seja escrito por oficial público em seu livro de notas, de acêrdo com o
ditado ou as declarações do testador, em presença de cinco testemunhas. II.
Que as testemunhas assistam a todo o ato. III. Que, depois de escrito, seja
lido pelo oficial, na presença do testador e das testemunhas, ou pelo
testador, se o quiser, na presença destas e do oficial IV.Que, em seguida à
leitura, seja o ato assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo oficial”.
Acrescenta: “As declarações do testador serão feitas na língua nacional”.

a) Competência territorial do oficial público. O primeiro requisito do


testamento público é o da competência territorial do oficial público. Dai
dever-se indicar o l ugar em que o testamento foi feito: “na casa da rua A”,
“na fazenda “Santa Rosa”, para que se saiba se o fêz, competentemente, o
tabelião. No interior do Brasil, é de grande importância, porque, não raro, a
mesma fazenda pertence a dois municípios. Feito por oficial público
ineonvpetente pelo lugar, é nulo. Se não se trata de oficial público de
testamentos, é inexistente. ,Se não consta o lugar? De si só, a falta não faz
nulo o ato. Não se há de presumir ter sido feito fora da jurisdição. Mas os
juristas franceses, com os arts. 12 e 68 da Lei de 25 de outubro do ano XI,
não raciocinaram assim: a menção do lugar é essencial. Duro formalismo,
êsse, que torna essencial a menção, quando a essencialidade é da
competência, e não da aparéncia dela.
“Oficial público”, diz a lei. O que é preciso é que se haja atribuído à pessoa
função de fé pública. A lei pode considerar oficia] público o tabelião ou o
escrivão, ou substituto, que em lugar dele fique sem limitações. Tem de
haver a atribuição, por lei válida, e o exercício no momento (cf.

2 a Câmara Civel do Tribunal de Justiça do

Distrito Federal, 30 de janeiro de 1952, A. J., 109, 327; 4.~ Câmara Civil do
Tribunal de Apelação de São Paulo, 3

de abril de 1941, 1?. dos 2‟., 131, 235).

i» Ato pessoalissimo do tabelião. Os tabeliães e os escreventes


juramentados dos tabeliães podem lavrar, dentro do cartório, os atos,
contratos e instrumentos quando por acúmulo de serviço, ou por outra
causa, não possam ser lavrados pelos tabeliães. Os testamentos e codicilos,
esses, bem como es instrumentos de aprovação dos testamentos cerrados,
somente pelo tabelião o poderiam ser. Antes, o escrevente juramentado
podia escrever o testamento sob as vistas do tabelião, que o assinaria. Mas
cessou isso com o Decreto 4.824, de 22 de novembro de 1811, art. 78.
Aliás, constituía isso regra geral do direito processual brasileiro, que o
Código Civil de certo modo subentendeu. Se a lei de organização judiciária
admite que os escreventes juramentados escrevam testamentos ou os
aprovem, oficial público, no sentido da lei civil, são também esses
escreventes, e não sé os tabeliães. Oficial público: qual seja, di-lo a lei do
Estado-membro, em que se tiver de fazer o testamento. Nem é preciso que
seja tabelião ou escrevente dele. Se a competência cabe, por exemplo, ao
escrivão de urna das varas. oficial público, é esse. Mais: atendendo a
grandes distâncias, pode a legislação estadual dar a atribuição de oficial
público dos testamentos a funcionários do Estado-membro na comarca, ou
oficial do Município, que assim passa a ter função cartorária estadual, O
que é necessário e suficiente é que seja, pela lei estadual, o oficial dos
testamentos, e tenha, pelo direito publico do Estado-membro, fé pública.
Porque se trata de instrumento público ou auto público de aprovação, a que
é necessário o poder de certificar. Outrossim, para as declarações do art.
1.684, pois que as teria de portar por fé.
(No passado, o escrevente juramentado podia escrever o testamento sob as
vistas do tabelião, que o assinaria. Essa permissílo cessou, com o Decreto n.
4.824, de 22 de novembro de 1811, art. 78.) Em alguns Estados-membros,
os escrivães de paz, nos distritos fora da sede das comarcas, exercem
funções de tabelião: são, pois, tabeliães, e como tais lavram e aprovam
testamentos.

3.TESTAMENTOS BRASILEIROS NO ESTRANGEIRO. Para a


celebração de testamento de Brasileiro no estrangeiro, s~o oficiais públicos
os agentes consulares (já assim, o Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de
1942, art. 18).

O art. 18 do Decreto-lei n. 4.~57 tem hoje a seguinte redação (Lei ri. 3.238,
de 1.0 de agosto de 1957). “Tratando-se de Brasileiros, são competentes as
autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais
atos de registro civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e
de óbito dos filhos de Brasileiro ou Brasileira nascidos no pais da sede do
consulado”.

A respeito de tais testamentos consulares, há questão, que o próprio art. 18


e o art. 10 fizeram surgir. Nesse, foi dito que a lei do domicílio rege a
sucessão por morte ou por ausência, portanto a sucessão legítima ou
testamentária, a ordem da vocação, os direitos dos herdeiros e a validade
intrínseca das .disposições. Pergunta-se: o estrangeiro, em tal caso, pode
procurar o consulado brasileiro para testar por testamento público ou levar à
aprovação do cônsul o testamento cerrado?

A regra jurídica baus regit uetum é facultativa: pode-se optar pela lei
pessoal, ou por outra que deva reger o intrínseco. Ora, na espécie, ou esse
estrangeiro domiciliado no Brasil se acha na pátria dele, ou se acha noutro
Estado, que não seja a ~ua pátria, nem o Brasil. No último caso, a solução é
fácil: a estrangeiro domiciliado no Brasil procura o consulado do Brasil,
optando, de acôrdo com o direito internacional privado do Brasil, pela lei
que rege, sem conflito internacional com o Estado terceiro, a sua sucessão.
Seria absurdo que o cônsul brasileiro, invocando o art. 18, que sé se refere a
“Brasileiros”, se recusasse a lavrar o testamento público, ou a aprovar o
testamento cerrado que se lhe apresentou. Assume feição mais delicada o
caso de se achar o testador no Estado a que pertence. Dá-se, evidentemente,
o conflito quanto à lei pessoal.: o Estado da pátria é que determina,
provavelmente, que a lei nacional.) lhe reja a sucessão; e no entanto estatui
a lei brasileira que a sucessão desse estrangeiro obedeça, integralmente, à
lei do Brasil. Se a regra jurídica do art. 18 fosse obrigatória, e não
facultativa, ainda assim seria permitido o ato: o testador estava no
consulado, cuja lei invocava para reger o seu ato. Facultativa como é, desde
que o Brasil impôs aos estrangeiros (art. 10)

a lei do domicílio por estatuto da sucessão, seria incoerente se lhes não


permitisse a opção pela forma extrínseca correspondente à lei que lhe
impôs. Há conflito, mas diante do estrangeiro que cede à lei brasileira
contra a lex patriae, não deve vacilar o cônsul.

Tudo que foi dito profundamente se comprova pela consideração de


precisar talvez da lei brasileira o testador, para que as suas últimas vontades
se adaptem ao estatuto de sucessão legítima e testamentária a que o direito
internacional privada do Brasil imperativamente o sujeitou, principalmente
no tocante a bens sitos no Brasil (Constituição de 1967, art. 150, § 33)
Demos por exemplo: o testador é nacional de Estado cuja legislação lhe não
permite impor a cláusula de inalienabilidade às legítimas, ou desconhece
qualquer substituição, ou veda fideicomissos; o testamento feito perante o
oficial pública perderia qualquer valor, poderia, até, não poder ser feito,
unia vez que a lex patriae não reconhece a excepcionalidade da regra
jurídica brasileira. Portanto, o art. 18 deve ser interpretado em conjunção
com o art. 10 do Decreto-lei n. 4.657 e com o art. 150, § 33, da Constituição
de 1967.

4.DATA NOS TESTAMENTOS PÚBLICOS. A exigência de datar provém


da lei dos oficiais públicos, e não do Código Civil. Por isso mesmo, a falta
ou inexatidão pode motivar penas, e não nulidades. Mais: a data falsa,
aliada à coação, dolo, ou erro, que a contamina; de si mesma, nem a falta,
nem a existência de uma data por outra, nem a própria inserção contra os
fatos, pode, de si só, tornar nulo ou anulável o ato testamentário. Anulável
por violência, dolo, ou erro, sim.
O testamento público é ato notarial, que faz fé pública a partir da sua dato.
Por isso, como todos os outros atos notariais, deve datar-se, com o dia,
quiçá a hora, o mês e o ano. Mas daí dizer-se que são nulos, de pleno
direito, os testamentos públicos, perfeitos, sem a data, ou com a data
incompleta (JOAQUIM AUGUSTO FERREIRA ALVES, IDa Sucessão
Testamentária, Manual do Código Civil brasileiro, 19, 104), importaria
criação de nulidades onde a lei não as aponta.

As nulidades do ato testamentário são as do Código Civil, e não outras. Em


terfipos mais próximos da dureza romana, lá estão, em Portugal,
testamentos sem data. Na Reconquista, por exemplo. O testamento por
tabelião que se acha na coleção especial, caixa 84, da Torre do Tombo, e do
século XIII, não tem data. Demais, o sistema do Código Civil não permite
dúvidas.

5.FERIADOS, DOMINGOS E HORAS DA NOITE. O Aviso n. 206, de 30


de agosto de 1852, estabeleceu que os atos de tabelião, sem dependência de
juiz, não ficariam sujeitos às férias e a dias feriados. Apenas, nesses dias,
não se abririam os respectivos cartórios (Resolução de 19 de agosto de
1848) . Podem ser praticados, portanto, em qualquer dia e a qualquer hora,
ainda de noite (M. B. PIRES FntgÀo, Guia Prático e Formula-rio do
Tabelião de Notas, 84).

Assim, os testamentos públicos podem ser feitos: a) em dias úteis, nas horas
de expediente, o que constitui o caso normal, dispensando a justificação da
letra b), aplicável nos casos das letras c) e á) b) em domingos, chamado o
oficial à casa do testador, ou no cartório (caso em que é de conveniência
declarar o motivo de fazer-se em domingo, dentro ou fora do cartório) c) em
dia feriado, nas circunstâncias da letra b) ;. á) em domingos, feriados, ou
dias úteis à noite, nas circunstâncias da letra b).

Não há dúvida quanto à possibilidade de se fazer testamento ao anoitecer e


pelas horas mortas da noite. Nem a isso obstava o formalístico direito
romano: na L. 22, § 6, D., qwt testamenta. facere possunt et queinadmodum
testamenta fiant, 28, 1, pois ULPIANO dizia: “Posse et nocte signari
testamentum nuíla dubitatio est”. O que é preciso, e não se dispensa, é a
identificabilidade do testador, questão de que trataremos.

6.LUGAR EM QUE SE LAVROU O TESTAMENTO PÚBLICO. Os


instrumentos públicos devem declarar o lugar (cidade, vila, distrito,
freguesia, circunscrição, cartório, casa, sitio, local) Pode ser no campo, em
circunstâncias extraordinárias. Mas questão surge quanto a ser, ou não,
causa de nulidade dos testamentos a falta da menção do lugar em que se
fêz. Os arts. 1.634 e 1.632 do Código Civil não cogitam disso, nem de se
datar o ato. Subentende-se. Está certo. Mas nem tudo que se subentende
pode, faltando, elvar de invalidade pleno inre a cédula. As nulidades
formais são as do art. 1.684, e somente elas.

Nada há que mais se deva subentender que a identidade do testador:


tabelião e testemunhas devem conhecê-lo. Mas

£ seria acertado considerar nulo o testamento pelo só fato de lhe faltar a


fórmula tabelioa: “de mim conhecido e das testemunhas”? Provado que não
era o mesmo, nenhum é o ato, porque é de outrem, e não de quem se diz
que o fêz.

O defeito é intriseco, e não extrínseco: a nulidade não provém da forma, e


sim do fundo.

Provado que o testamento foi lavrado fora da circunscrição do tabelião,


contra a lei, não houve testamento público, porque não havia, no ato, oficial
com fé pública. Se consta um lugar, e foi feito noutro, a questão é quaestio
facti: o juiz, que se vai pronunciar sôbre a nulidade, examina êsse ponto,
que é de grande valor indiciário, e talvez o satisfaça na contenda das provas.
Nulo, responde o oficial público, civil e criminalmente 7.FATOS
EXCEPCIONAIS QUANTO AO LUGAR. Pode ocorrer que o testador se
ache em viagem, dentro da circunscrição do oficial público.
Preliminarmente, afaste-se a discussão relativa a navios de alto-mar, de
guerra ou mercantes, e a aeronaves mercantes ou de guerra, assunto de que
se há de tratar .a propósito do Código Civil, arts.
1.656-1.663. Quanto ao assunto de agora, duas são as espécies principais: a)
Dentro da circunscrição do oficial público, em viagem com o testador ou
chamado em meio do caminho, por aquele querer fazer, com urgência, o
testamento, vale o que se fizer, no trem, na aeronave, ou em barco ou vapor,
escrito no livro de notas e com todas as formalidades do Código Civil, art.
1.632. No ato dir-se-á a razão de tal feitura, muitas vêzes aconselhável se o
declarante, doente, piorou, ou se, na própria viagem, foi vítima de desastre.

Para se exemplificar o que acima dissemos, pense-se no que foi preso e tem
de ser apresentado imediatamente dentro do lugar da competência do
tabelião e êsse vai no avião com o livro de notas e as testemunhas.

b) Em caso de calamidade, ou de desastre, que obrigue toda a população a


deslocar-se, inclusive as autoridades, vale o testamento feito pelo oficial
público se as circunstâncias justificarem o êxodo.

8.CONHECIMENTO DO TESTADOR PELO OFICIAL PÚBLICO E


TESTEMUNHAS. O oficial público, as testemunhas e o leitor, na espécie
do Código Civil, art. 1.636, devem conhecer o testador: é requisito
intrínseco. Se, depois, se prova que qualquer deles não no conhecia, podes
ser nulo o testamento.

A nulidade não é de ordem formal. Quer dizer: se o oficial deixou de


declarar que o conhecia, ou que o conheciam as demais pessoas, só por isso
não se decreta a nulidade (contra, JOAQUIM AUGUSTO PEREIRA
AlVES, Da Sucessão testamentária, Manual do Código Civil brasileiro‟,
19, 105) . Mas, provado, declara-se a nulidade, por se não ter em verdade
número suficiente de testemunhas. Há responsabilidade do oficial público,
porque êle, por sua lei, não cercou de todo o cuidado o testamento público.

A diferença entre as nulidades de ordem formal e as da ordem intrínseca


não é sem interesse: aquelas autorizam o juiz

a pronunciá-las por ocasião do “cumpra-se”, e essas, não. Porém o


problema é mais árduo do que parece. Que é que se entende por “a
testemunha conheceu o testador”? Ter-lhe sido apresentado na ocasião?
Velha contenda, que merece re-estudo.
A própria exigência de conhecer, E. CHR. WESTPHAL (Theorie des
rõmischen Rechts vou Testamenteu, § 153) não a tinha por essencial. J. C.
PiS‟rOa (Tractatus inris civilis dc testatore testibus testamentarjis
incognito, 2 s.) distinguia: se o testador veio de fora para testar, ou se,
viajante, aproveita o lugar em que se acha para pedir que lhe escrevam ou
para escrever o testamento. Aqui, n‟do é de mister que as testemunhas o
conheçam. Pode ser que ninguém o conheça. No primeiro caso, não vale; no
segundo, vale. LUDF. GFE. MADIHN (Principia. inris rornani de
successionibus seu de inre‟ heredita rio, § 70) queria que o conhecimento
fôsse exigido a zuna, pelo menos, das testemunhas. A. E. Ii. VON
HARTITZSCH (Das Erbrecht naeh rihnisehen uná keutigen Redil eu, §

58), só aos testamentos escritos pelo testador dispensava que as


testemunhas

-conhecessem o testador. Tudo isso, de inre coudendo, seria razoável; mas


falta a lei. Se houvesse possibilidade de se induzir regra jurídica que a todos
os casos ou a quase todos acudisse, estaríamos diante de recomendável
elaboração dci lei pelo intérprete. Mas os fatos possíveis são tantos e tão
variáveis, as circunstâncias que os modificam tão sutis e tantas, que aqui
seria acertado o alvitre de J. C. PISTOR, ali, o de LUDF.

GR. MADIHN, acolá, o de A. E. H. VON HARTITZSCH, e, talvez, outros


critérios de discrime.

O testador que saiu do lugar em que mora da comarca, -digamos e vai a


outro testar por testamento público, valeu-

-do-se de testemunhas que o não conhecem e de oficial público que só então


o vê, êle mesmo por culpa sua se expôs a ser-lhe julgado nulo o testamento.
Mas, daí a considerá-lo, a prioi, nulo, grande diferença intervém.

Para vermos como são muitas e múltiplas as circunstâncias, que podem


atuar, lembra-nos o caso do testador que tem motivos para desconfiar do
oficial público do lugar e de quem lhe vai ser testemunha, e procura outro,
fora do seu domicílio. pedindo talvez que lhe escreva tal explícita
declaração, perfeitamente justificadora.
TRATADO DE DIREITO PRIVADO

As próprias testemunhas, se aceitaram ser, devem (e é de presumir-se) ter


tido elementos para a identificação do testador: apresentação por pessoa não
figurante, digna de confiança, apresentação de carteira de identidade,
reconhecimento por informes de ordem familiar mais ou menos secretos, e
tudo mais que na realidade serve, na vida, a identificar os recém-vindos.

Tudo aconselha a deixar-se ao juiz a apreciação das circunstâncias, dos


indícios, em vez de prendê-lo em malhas de injusto formalismo. A forma,
essa, foi satisfeita. O que se discute é o requisito intrínseco do
conhecimento do testador pelas partes figurantes, oficial público,
testemunhas e o leitor, de que fala o Código Civil, no art. 1.636.

Como tal requisito depende, no seu fundamento, da questão de identidade,


fôra absurdo desprezar-se in limine a consideração de se achar
evidentemente provada a identidade do testador, ainda quando tenha havido
facilidade, por parte dos figurantes, no se persuadirem dela. Entender o
contrário seria levar muito longe-a indagação de fato puramente subjetivo,
como é o de se convencer de que a pessoa com quem trata é a que está em
seu pensamento.

Muitas vêzes, simples dado basta a convencer-nos; outras, provas,


ordinariamente bastantes, no caso não nos bastam. Compreende-se que,
sabendo existir sósia do capitalista A, -o oficial exija maiores provas de
identidade que a simples confrontação com o retrato. Por outro lado, pode
satisfazer-se, indo à casa de quem não conhece, a chamado, diante de filhos,
parentes e amigos do morto, com a simples apresentação.

O que acima de tudo importa é a identidade; o não conhecimento, ou o


conhecimento fácil só deve ter importância se deixa dúvidas quanto à
identidade. Essa é a única regra jurídica geral, regra de julgar, que devemos
induzir.

Com ela, e no sentido dela, coexistem as aparentemente díspares opiniões


que acima apontamos. Digamos mais: nela se subsumem. O conhecimento,
apurado abstratamente, deixa de ser essencial, e também o deixa de ser
como forma. Assim. entendida, salva-se a opinião de E. CHR.
WESTPHAL. Se o testador, sem justificativa, veio de fora para testar, e isto
constituir indício contra a sua identidade, cria-se situação que justifica a
solução de J. C. PIsToR: mas, está claro, probatoriamente, e não com o
caráter de invalidação, absoluto, que se lhe quis dar. No caso do viajante,
tanto seria fácil dispensar qualquer conhecimento por parte das testemunhas
(J. C. PISTOR, Tractatus innis -civ. de testat ore testibus testamentarjis
incognito, nU simul diflerentia inter testamentunt peregrínantis, et jilius,
quando quis iu specie testandi cansa, 2 s., incide nisto>, como exigi-lo de
modo absoluto, como opinavam nos séculos passados SAMUEL STRYIC
(Dissertatio de testamento in itinere confecto, t. 33), GEOG. tlp. ThYME

(Dissertatio de testamentia peregrinantium, § 3> e CHR. FRrnD. VON


GLÚCE (Ausfiihrliche FrUiu-. teruug der Pandecteu, 34, 806).

Em toda essa matéria, não há como deixar de invocar, se faltam provas pró
e contra, ou se umas não destroem as outras, o elemento decididor do favor
testamenti.

O oficial público pode exigir provas de identidade do testador e das


testemunhas, talvez determinado número de abonadores, segundo o seu
estatuto. Se não pode ser feita imediatamente a prova, negar a feitura do
testamento, talvez urgente, seria mais grave do que fazê-lo, ressalvando o
oficial público, quanto a isso, a sua responsabilidade.

Há de declarar as circunstâncias, os sinais característicos do testador, ou das


testemunhas, e a validade do testamento não pode deixar de depender da
posterior justificação plena da identidade.

9.UNIDADE DO ATO E DE TEMPO. O testamento público deve ser feito


com as testemunhas, até o fim, sempre presentes, simultaneamente, todas
elas, o testador e o oficial. Ato seguido, sem interrupção; lidas, depois,
tôdas as disposições constantes da escritura.

Mas surgem problemas.


Se as testemunhas assinaram o testamento e não viram o testador redigi-lo,
nem, tão-pouco, ouviram as declarações de vontade do testador, houve
violação da lei. Mas a prova disso, diante do texto do testamento público e a
fé pública que se atribui ao oficial público, é difícil a prova mesmo
testemunhal, feita por alguma ou algumas testemunhas contra o ato público
(cf. 2~a Turma do Supremo Tribunal Federal, 22 de setembro de 1950, A.
J., 96, 818). “A leitura como dilucida PONTES DE MIRANDA (Tratados
dos Testamentos, II, 53) deve zn conspectu testatoris e perante as
testemunhas, simultânea-mente” (2.a Turma, 10 de janeiro de 1950, O D.,
73, 145). Se se prova que tal não aconteceu, há falta de elemento essencial,
a despeito da dificuldade da prova.

Se o testador entregou minuta preparada por outrem, mas declarou que ai


estava a sua vontade, surge o problema que a 1.a Turma do Supremo
Tribunal Federal, a 27 de julho de 1942, teve de enfrentar. Se alguns
Códigos Civis, como o francês, exigem que seja ditado pelo testador, o
Código Civil brasileiro, no art. 1.632, 1, diz que o testamento público há de
ser escrito por oficial público, em seu livro de notas, “de acordo com o
ditado ou as declarações do testador”. Daí estar na decisão unânime da 1.a
Turma do Supremo Tribunal Federal, a 27 de julho de 1942 (1?. E‟., 92,
393) “Não é nulo o testamento feito mediante entrega pelo testador de
minuta preparada por terceiro, mas, com a declaração, por êle feita, perante
o notário e as testemunhas de que aquele é o seu testamento”.

O fundamento principal para tal conclusão está em que as testemunhas têm


de assistir a todo o ato (art. 1.632, II) e, depois de escrito pelo oficial
público, há de ser lido por êsse, na presença do testador e das testemunhas,
ou pelo testador, se o quiser, na presença- destas e do oficial” (art. 1.632,
III).

Ainda concluiu aja Turma, a 11 de junho de 1942 (1?. dos T., 143, 330), que
“as nulidades das declarações de última vontade só devem ser decretadas
em face de evidentes provas de postergação da lei; simples defeitos de
forma não podem valer para invalidar a vontade clara e expressa do
testador”.
Havemos de entender, em se tratando de minuta, que basta a entrega ao
oficial público, O testador tem de dizer que a minuta contém a sua
declaração de vontade, o que se afirma quando o oficial público escreve o
que consta da minuta e lê o que escreveu, na presença do testador e das
testemunhas, ou o lê o próprio testador, se o prefere, na presença das
testemunhas e do oficial público. Depois é que todos têm de assinar.
Unanimemente, decidiu a Turma Julgadora do Supremo Tribunal Federal,
aS de junho de 1938 (A. J., 67, 345), que a lei exige, como requisito
essencial, que o testador dite ou declare a sua última vontade; não basta a
entrega, por êle, de simples minuta, nem o assentimento final, ao ouvir a
leitura feita pelo notário. PONTES DE MIRANDA (Tratado dos
Testamentos, II, n. 210) é explícito: “O notário não pode limitar-se a copiar
a minuta ou projeto, salvo se o próprio testador o lê”.

Ou o lê, ou declara que todo o conteúdo é a sua declaração de vontade (cf.


4,a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 7 de setembro e 19
de setembro de 1938, 118, 214). Se, por parte de alguma ou de algumas das
testemunhas houve rápidas ausências, enquanto se elaborava o instrumento
público, e não se deixou de ouvir e ver o que se devia ouvir e ver, não há
nulidade (cf. 1.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, a 9 de
agosto de 1951, 1?. dos T., 202, 589).

O fato de não constar do testamento que as testemunhas. assistiram a todo o


ato e de oficial público não declarar que tenha feito a leitura do
instrumento, permite a qualquer interessado propor a ação de nulidade (cf.
2~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 3 de outubro de
1949, R.F., 135, 190).

Se, em vez de cinco testemunhas, houve a presença e a assinatura de seis ou


mais, não há causa de nulidade (2,~

Câmara Cível da Côrte de Apelação do Rio Grande do Sul, 15-de julho de


1936, 1?. dos T., 134, 611: “Tratar-se-ia de uma formalidade a mais, de
abundância de cautela, e o princípio assente é o de não invalidar o que
satisfaz mais do que a lei exigia, no dizer de PONTES DE MIRANDA”; 1,a
Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 9 de dezembro de
1940, 130, 666).

Se foi feita prova testemunhal contra a observância das formalidades legais


(e. g., assistência das testemunhas) e não houve contraprova suficiente, tem
de ser decretada a nulidade (cf. 1~a Turma do Supremo Tribunal Federal,
14

de janeiro de 1946, OD., 41, 417).

Ainda a respeito da presença das testemunhas, a

3 a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 13 de

outubro de 1943 (1?. dos T., 149, 174), acentuou: “. . . a ausência


temporária de testemunhas, durante a escrita do testamento, não interrompe
o ato, porque a presença das testemunhas só é exigida, pela lei, para que
elas vejam, ouçam e compreendam o testador, certificando-se de que a
escritura encerra a vontade dêle, objetivo que se atinge perfeitamente com a
presença das testemunhas nos momentos da declaração da vontade, da
leitura, aprovação e assinatura da escritura”.

Hoje, só o testamento público requere unitas actus. O testamento cerrado


pode ser escrito, aos poucos, pelo testador, ou por outrem, o momento
decisivo é o da entrega pelo testador, em presença das testemunhas, ao
oficial público, que o vai

-aprovar, quando começa toda uma série de formalidades mendíveis


(Código Civil, art. 1.638, IV-XI). O

testamento particular, escrito pelo testador, aos poucos, pode ser guardado
por êle, ou escrito de uma só vez, e só depois lido às cinco testemunhas, que
o assinam após o testador (art. 1.645, III).

Discute-se se é absoluto -o conceito da unidade do ato no testamento


público. Desde o testamento calatis comitiis que se exige a unidade do ato.
No testamento per aes et libram a regra jurídica tinha de ser enunciada. Ali,
pertencia à própria forma: tratava-se de comício. Aqui, se não fosse uno
aetu, duas operações, separadas, haveria: a alienação entre vivos
irrevogável e, depois, a disposição a causa de morte, Sem força civil.

No direito nôvo, foi expressa a exigência. Uno contexiu

-actus testaá op-ortet, dizia ULPIANO <L. 21, § 3, D., de testa menta
facere possunt et quemadmodum testamenta fiant, 28, 1), para caracterizar a
continuidade do ato.

Uno contextu. Quer dizer: a) reUnião simultânea das testemunhas em


presença do testador, in. canspectu teatatorts; b) necessária a feitura e
necessário o acabamento uno eo-dentque did et tempo-re; c) continuidade
de ato prôpriamente dita, isto

-é, operações seguidas, sem interrupção, sem outros atos de permeio.

Só se excluiam da imperatividade da unitas as breves interrupções devidas a


necessidades corporais das testemunhas.

Resta saber-se se, no direito brasileiro, vale o testamento:

a-> se escreveu aos poucos, com intervalos, talvez de horas, por estado
ansiante do testador em perfeito juízo, ou dores fortes que lhe proibam
continuar; b) se escreveu por mais de um dia, por serem minuciosas as
disposições e tomarem mais do tempo permitido ao testador, ou por se tratar
de texto longo; c) se foi assistido até um ponto por uma testemunha e daí
em diante por outra, por morte daquela, ou por acidente.

Se o oficial público não se ausentou e ficaram presentes todos, não há


discutir-se: vale, qualquer que seja o intervalo de espera. Cumpre saber-se
se o mesmo se dá tendo dormido o testador, todos presentes. Em tese, é
válido. O juiz há de apreciar as circunstâncias. fl preciso atender-se a que
êsse ato

-ainda vai ser lido, inteiro, ao testador e às testemunhas, talvez pelo próprio
testador, se o quiser, ao oficial público e às testemunhas.
No caso b), tem-se de mencionar a causa por que cessa e se encerra o
testamento, como se estivesse pronto, dizendo o oficial público continuá-lo
no dia seguinte: assinam testador,

-testemunhas e oficial público. No outro dia, recomeça-se como se fosse


outro testamento, ainda que se digam em continuação as disposições de
última vontade. Tal providência conciliatória não ofende a unidade do ato:
há mais de um testamento, se bem que ligados pela continuidade da
voluntas testatoris. Quem podia revogar em parte, pode encerrar um e
continuar outro, em outro dia.

Mas há questão de certo melindre: morrendo o testador, ou não


prosseguindo no testar, ~ vale o testamento iniciado ou perfeito? Qualquer
solução in abstracto seria má. Devem-se examinar, concretamente, as
espécies. Pode bem ser que o testador tenha começado, e o disposto no
primeiro testamento deva depender, claramente, do que disporia no
segundo: o termo

-daquele pode dá-lo a entender, dizê-lo expressamente, ou resultar das


disposições feitas. Pode ser que se trate de disposições completas,
perfeitamente separáveis, porque autônomas e independentes do nôvo jacto
de vontade.

Exemplo: é válida declaração perfeitamente fundamentada, ou a


clausulação de inalienabilidade a bens das legítimas (ou atódes os bens), se
o testador, que deixou à outra cédula as disposições positivas,-morrer antes
de fazer o outro testamento.

No caso o), se houve tempo de encerrar, a questão é igual à do caso b). Se


não houve, o ato está prejudicado pelo acidente: se ainda não foram
mencionadas, mencionam-se as testemunhas; se foram, o oficial público
tornará sem efeito o que vinha escrevendo, ou, narrando o ocorrido,
presente outra, que a substitua, volta ao começo do ato, reproduzindo tudo o
que antes se escreveu se o testador, de viva voz, o repete. (Porque a
reprodução do que já se escrevera, sem que o testador o repita para a nova e
as mais testemunhas e o oficial público, de nada vale: faltou a reíiniao tn
conspeciu testatoris, a feitura una codem que die et temp ore, a
continuydade do ato.) Da expressão uno eodem que die ei tempore tirou
GUST. LUnov. TI-IEoD. MAREZOLL (tber die bei der
Testamentserrichtung zu beobachtende Einheit des Ortes, des Tages, der
Zeit und des Rechtsactes, Zeitschrif 1 fiir Civilrecht und .Prozess, IV, 54 s.),
que, além de ser preciso o seguimento ininterrupto ou continuidade
temporal (uno eo-demque tempore), se havia de exigir o mesmo dia do
calendário (eo;dem die) : nele haveria de começar e nêle acabar. Quer dizer:
todos os testamentos teriam de terminar antes da meia-noite. Com êle, pela
unidade do dia, A. F. J. THIBAUT (System des Pandelctenrechís, fl, 83 ed.,
§ 829), RARL AD. VON VANGEROW (Leitiadeu fi-Ir
Pandekten-.Vnrlesungen, II, § 444, 166), e JoH. JAC. LANa (Lehrbuelz.
des .Justinianisck Rêhnischen Reehts,

§ 412, 408). Expressamente, contra GUST. Lunov. ThEOD. MAREZOLL:


W. SELL (Ist zu Errichtung des testamentum privatum solenne ausser der
Einheit der Handlung und der Zeit auch noch Einheit des Ralendertags
enforderlich?, Jahrbúcher fiji- h,istoneche und dogmatische Bearbdtung des
rõmischen Redita, III, 1-30), O. F. PUCHTA tPandekten, § 464), 5. 5.
BACHOFEN (Ausgewàhlte Lekren des rõmischen Civilrechis, 310), E.
FEIN. em CHR. FRIED. VON GLtYCK, 45, 13) e C. F. F. SINriNIs (Das
praktische gemeine Civilr~cht, III, § 169, 378).

Na lei notarial de Maximiliano 1, de 1512, também se falava em dia e


tempo (§ 7, como na L. 21, C., de testamentis: quemadmodu testamenta
ordinantur, 6, 23). Mas EDUARn EEIN (45, 13) fêz a análise devida,
censurando a literalice da GUST. LUDov. TI-IEOD. MAREZOLL.

O que se queria era que se não diferisse para outro dia o acabamento da
cédula: niflilque cius in. diem alterum diff eratur. Não era imposição de não
passar da meia-noite, nem tautologia. A expressão uno codem que die podia
e devia explicar-se pela proibição de diferir-se: suspender-se a feitura e.
deixar-se para outro dia. Ora, quem pela noite entrou e prosseguiu no ditar,
até a madrugada, não descontinuou, não cessou, não diferiu. Diferi e supõe
salto de tempo. O imperador Teodósio tinha de dizer, como disse, die ac
tempore, porque se difere se a outro dia, ou a outra hora do mesmo dia.
Num e noutro caso, queria ele que se partisse o ato e, pois, fosse nulo.
Salvo a exigua mora, isto é, lapso que não chega a quebrar a unidade de
tempo.

Para bem nos convencermos de que a unitas actue não pode ter a mesma
essencialidade apriorística do uno contextu, basta ler-se o art. 1.632, que a
isso se não refere. Donde a consequência necessária: concreta, e não
abstratamente, é que se aprecia o requisito da unidade do ato. Aliás, êsse era
o critério das Ordenações Filipínas, Livro IV, Titulo 80. O Assento de 10 de
junho de 1817 somente exigiu que as testemunhas fossem presenciais de
todo o ato, desde o princípio até o fim. Não houve, portanto, nenhuma
inovação, ou qualquer recuo a velhos formalismos.

Mas, conforme dissemos antes e está na jurisprudência de hoje, as


testemunhas podem ter necessidade de ausência rápida, bem como o próprio
oficial público e o próprio testador. Esse, doente, pode ter de parar por
minutos ou horas o ditado, ou a própria escrita, ou a leitura.. Logo aparece a
questão: apode o oficial público, com o testador e as testemunhas, mudor de
lugar quando está a tomar um testamento?

Uno codem que toco e e-odem toco são dizeres encontrados nas L. 8, pr., C.,
qu-i facete testamentum possunt veZ

non possuni, 6, 22, e L. 12, C., de testamentis: quemadmodum testamenti


ordinantur, 6, 23. É a unidade do lugar.

Diante das considerações que antes se fizeram sôbre os requisitos especiais


do lugar, a única solução que se deve admitir é a de valer o testamento se,
com a mudança de lugar, não se quebrou a unidade do ato. O mesmo é
dizer-se: testador, oficial público, testemunhas, sempre presentes todos, uno
actu, a tudo assistiram, e transportaram-se por força das circunstâncias
excepcionais (suficientes para isso), sem se interromper o seguimento da
solenidade.

Apreciará o juiz tais circunstâncias e tal indiscontínuidade do ato de testar.


Exemplo: depois de ditar ou declarar algumas cláusulas, intervém o médico,
e obriga, por julgar necessário, a transferência para a sala de operações,
onde continuará, antes de operar-se, o testamento iniciado. Se consta da
cédula, ou, se não consta, e tudo se passou realmente sem descontinuídade
do ato, indo todos, sempre presentes, para o outro lugar, fôra sacrificar a
injustificável apego às expressões unitas actus o testamento de quem se
acha em circunstâncias tão extraordinárias Fora absurdo reputar válido o
testamento in itinere confecto, e não no considerar aquêle em que a
deslocação não foi mais que incidente passageiro. Para a maior segurança,
deve o oficial público consignar tudo que ocorreu e claramente narrar os
fatos que provam a ininterrupção do ato testamentário.

11.IDENTIDADE, CAPACIDADE, CIRCUNSTÂNCIAS SUBJETIVAS


»ú TESTADOR. O testamento público não exige maior capacidade que as
outras formas testanientárias. Vale integralmente o que dissemos quando
cogitamos do Código Civil arts. 1.627 e 1.628. Quanto às situações
subjetivas, que não tocam á capacidade, o art.

1.633 abre a porta ao que não sabe ler nem assinar, e os arts. 1.636 e 1.637
estabelecem o plus necessário às formas, se surdo ou cego o testador.

Quanto à identidade, no testamento público, grave responsabilidade atinge


o oficial público: com a fé pública, êle atesta, ainda implicitamente, que
aquele que testou era realmente quem se dizia. Situação idêntica, porém não
quanto ao conteúdo (salvo o caso do art. 1.639), ocorre com o testamento
cerrado (art. 1.638, IV e V).

Às vêzes, devido a doença, ou pela gravidade, ou pelo contágio, fica a certa


distância o testador, em penumbra. É

essencial que o vejam e ouçam. Por isso mesmo, se, hoje, não podemos
estabelecer regras jurídicas rígidas quanto aos testamentos feitos por trás de
biombos (podem ser transparentes e permitirem ouvir-se a voz do testador),
ou em camas rodeadas de cortinas, o juiz não pode deixar de suspeitar, se há
outros indícios, dos testamentos em que o testador injustificadamente estava
oculto, ou, se havia razões, não se estabeleceu o suficiente para se lhe
certificar a identidade. O leal amentum cortinatum-, occzdtum, ou velatum,
sempre foi suspeito (LUDE. GHR. MADIHN, Principia inris romani de
successionibus seu de jure hereditai-jo, § 7021 P.MÚLLER, em nota a G.
A. STRUvE, W. A. LAUTERBACI-I, M.G. WERNHER (Commentationes
lectissimae ad Digesta, imprimis ad iliustranda virorum Boehmeri,
Heineecli eI Ludovici compendia, § 22) e L. J. F. HÕPFNER cogitaram de
tais testamentos, mas parece que a melhor lição deu S.L.H. DE
COCCEIUS, seguido por J. U. VON CRAMER (Academ. Redeu ilber cite
gemente und biirgerliche Rechtslehre, 1, 602) e Cmi Fa. VON GLÚCK (34,
208) : se o testador não pode ver luz e devemos generalizar: se há motivo
suficiente para a parcial ocultação ou velamento e as testemunhas podem
identificá-lo, nenhuma razão há para se reputar nulo tal testamento. Tanto
mais quanto as proximidades da morte ordinariamente se cercam de tais
cautelas e velaturas.

Claro que, durante a noite, em quarto fechado e sem luz, tudo facilita
maquinações e imposturas. (Pode ocorrer, por exemplo, que o testador não
seja o mesmo que se diz, ou alguem fale por êle, ou, ainda, se exerça
violência, que a penumbra facilite.) Alguns tratadistas fulminavam-no de-
nulidade (P. MÚLLER, nota a STRUvE, Ex. 32, th. 10, i, 11-1V),
SAMUEL STRYK (De Cautelis testamentorum, c. 15, § 39), W. A.
LAUTERBACH (Coilegium pandeetarunt theoretieo-practicvm, § 58), C.
MANZ (Trac tatus de testamento valido et invalido, 267 s.), L. J. F.

HÓPFNER (Theoret. pra/rI. Kommentar ~ber d. Heineeezschen


Institutionen nach dei-eu neuesten Aus gabe, §

445, 475) . Dêles discordava L. G. MADIHN (Principia mi-is reinam de


suecessionibus seu de mi-e he-reditario, §

70), para quem o testarnentum nociu absque luininibus confectunt apenas é


suspeito de falsidade, suspeição que por prova contrária se devcdestruir (qu-
ae per probationem contrarji elidi de/mI.) Sozinho contra tudo isso, E.

HAGEMANN (Etwas tiber die zur Nachtzeit, ohne Lichter, errichteten


Testamente, und deren Gúltigkeit, Are/ris fui- die 1/reoretisofle und
praktische Eco/rIs gelehrsarnkeit, 1, n. VII, 198 a.).
Para os nossos dias, a questão precisa ser posta em outros termos. Com a
lição romana e a medieval, a noite não obsta a que se teste. Mas a exigência
da luz não concerne à nove.

Também, durante o dia, quartos fechados podem ser escuros. Exige-se a luz
porque se exige a certeza sôbre quem testa, de quem realmente parte a voz,
e se têm de levar em consideração as mais circunstâncias de livre querer e
identificação. Seria ridículo, hoje, descermos às sutilezas escusadas de
antigos juristas, que impunham três luzes, sob pena de nulidade, conto se o
quantitativo, na espécie, pudesse ser o número de fontes luminosas, em vez
do valor da própria luz.

Trata-se de praesumpíio facli. Seria arbitrário elevá-lo sem o rito de


indução, como alhures mostramos, à categoria de presunção legal. Ora, as
presunções de fato longe estão de produzir a nulidade pleno mi-e dos atos
jurídicos.

Nulidade é sanção do direito. No processo das ações de nulidade, o juiz


pesará tais presunções e com elas urdirá a trama da decisão. Qualquer regra
a. priori teria valor relativo e precário. A única que poderíamos formular é
a seguinte: O que importa é a identidade, a procedência -da voz, o livre
querer visível do testador, e a pouquidade da luz, a md posçião, o
velamenlo, a interposição de aparelhos, talvez o encandeamenlo devido a
excesso de luz, pouquidade da luz, a md posição, o velamenlo, a
interposição indiciaria ou probatória, se deixa dúvida ou confirma dúvidas
quanto a identidade, a procedência da voz, e ao livre querer do testador.

§ 5.865. Particularidades quanto à expressão da manifEstação de vontade


1.TESTAMENTO PUBLICO E DITADO. Têm de ser ditas, de viva voz, as
disposições de última vontade (Código Civil, art. 1.632, 1), quer ditando,
quer declarando sem ser por dilado. Portanto: a) o mudo não pode testar na
forma autêntica (artigo 1.635> ; ii o notário não pode-‟ restringir-se a
copiar a minuta ou projeto, salvo, e.

g., se o próprio testador lho lê. A Cassação de França, a 6 de novembro de


1890, já resolvera isso, que o Código Civil brasileiro explicita: o ditado,
isto é, a leitura pelo testador do que antes escreveu, ou alguém por êle
escreveu.

A declaração pode ser sôbre a minuta. Por exemplo: “aqui está o que
escrevi e contém as minhas disposições de última vontade”; “aqui está,
batido a máquina, ou escrito por C, a minha vontade, e peço que as
testemunhas e o senhor, oficial público, leiam, ou do conteúdo tomem
conhecimento”. É aconselhável, em tais casos, que o testador rubrique ou
assine o que entregou, porém isso não é essencial. O Código Civil, no art.
1.632, 1, não só se referiu ao

“ditado” pelo testador, mas a isso e às “declarações do testador”, sem serem


ditadas, isto é, declarações que apenas aludem ao que é a sua vontade,
inclusive ao papel ou a gravação do que êle tem como as suas disposições
testamentárias.

2. DECLARAÇÃO E ESCRITO. E costume, assaz louvável, lançarem os


tabeliães as próprias palavras que o testador lhes disse, palavras rudes,
broncas, que revelam o grau de ignorância, ou de saber e de inteligência do
declarante. Mas a doutrina é acorde em permitir-lhes que substituam um ou
outro termo, de modo que diga melhor o que o próprio testador queria.
Claro que tal fungibilidade de terminologia não pode ir a ponto de substituir
ou alterar aquela vontade. Se foi, dá-se a nulidade; provada a invalidade,
responde o oficial público aos herdeiros, legatários, ou beneficiados, de
acordo com o que teria querido dizer o testador.

Melhor será o costume de lançar o que a viva voz do testador ditou. E só


intervir o oficial público se, por ignorância,o declarante estiver a dispor
nulamente, ou criando dificuldades de interpretação: então, há apenas
esclarecimento, para que o testador melhor exprima o que quer. Convém
que, na presença das testemunhas, o oficial público explique o que vai pôr,
a fim de que o testador faça seu o que se sugere como expressão do seu
querer.

As entrelinhas não ressalvadas, mesmo em lugar substancial, disse o


Tribunal de Apelação de Alagoas, a 14 de janeiro de 1941, E. dos T., 139,
272, “não viciam o testamento, nem o tornam suspeito, se destinadas a
reforçar ou tornar mais claro o que já constava do contexto”. Frise-se bem:
se destinadas a reforçar ou tornar mais claro o que já constava do contexto.

3. TESTAMENTOS EM RESPOSTAS. Muito se discutiu sôbre a validade


dos testamentos ditados em resposta, isto é, ad interrogatianem alterius. O
direito contemporâneo não lhes nega valor, mas em verdade constitui
circunstância a ser apreciada, em conjunto com outras, como indícios de
coação, ou outros, que viciem a cédula.

Um exemplo já vimos: o de instituir-se herdeiro a estranho, sem


antecedentes de serviços, ou méritos afetivos, que justificassem a dádiva, e
preterição de todas as pessoas, que os próprios herdeiros legítimos
esperavam contempladas, devido a perguntas e insinuações.

No direito anterior, as respostas simplistas (sim, não), constituíam


declarações insuficientes: devia o testamento ser ditado, ou declarado
palavra por palavra. Ainda depois do Código Civil, há os que reputam
inválido o testamento feito por perguntas e respostas (e.g., ITABAIANA
DE OLIVEIRA, Elemento& de Direito das Sucessões,

2 a ed.,

234). Mas a questão não está posta em bons termos: a) O testamento só é


anulável se houve dolo ou coação, isto é, se houve invasão da personalidade
do testador, se não representa a vontade dele. b) O simples perguntar e
responder não pode, só por si, tornar atacável a cédula. Exemplo: o testador
declarou que desejava deixar a fortuna a alguns parentes e amigos; e o
oficial público perguntou:“ quais os parentes e amigos que deseja sejam
contemplados?”

e o testador respondeu: “A, E e C”. “Quanto deixará”? „ao que respondeu:


“cem mil cruzeiros novos”; “e a E ?“,

“duzentos mil cruzeiros novos “e a C?”, “cinquenta mil cruzeiros novos,


cabendo-lhe a testamentaria”. O oficial público pode perguntar se quer
nomear alguém por testamenteiro. Não há inconveniente nisso. e) O oficial
público, além das perguntas de quanto, pode fazer as que tendam a melhor
compreensão do pensamento que vai escrever, O

que é essencial é que lhe transcreva o pensamento e se proceda à leitura. O


testador, ouvindo-a, confere com o que pensou o que foi enunciado no texto
das notas.

4.SOLUÇÃO CONCRETA DO PROBLEMA. O princípio é O de dever ser


livre, própria, sem interposição da personalidade de outrem, a declaração
testamentária. Se o testador nada disse e já o oficial público começa a
perguntar-lhe, interpõe-se entre o testador e o testamento, a respeito do que
ainda não interessa. Nesse sentido, pode ser inválido o testamento ad
interrogationem alterius Não houve pedido de esclarecimento, mas
precipitação, pré-declaração sugestão, estraneidade do querer ainda a ser
declarado Só as circunstâncias é que podem ser decisivas. Vale, por
exemplo, a cédula que o oficial público escreveu, por perguntas, se não
houve, nelas, nem iniciativa do oficial público (isto é, matéria nova), nem
indicio de sugestão. Aqui, como em outros casos já mencionados, seria mau
todo princípio a priori: só tem importância se põe em dúvida a autonomia
do testador.

Aliás, outra não era a lição de 5. L. E. DE COCCEIUS (lus civile


controversum, 9 e 7) e de O. C. SCHREIBER DE

CRONSTERN (Dissertatio de testamento ad interrogationem alterius


condito, §§ 14 e 15).

Se o testador já declarou, a pergunta esclarecedora não lhe invade a


personalidade. Se, ao ditar ou declarar, lhe esqueceu o nome do herdeiro, ou
ocorreu lapsus linguae, todo o interrogatório auxiliador não pode ser
considerado como perturbante da vontade própria. Os velhos escritores
eram assaz-rigorosos, e postulavam, duramente, a nulidade, quando se
tratava de um sim ou de um simples mover de cabeça (B. BABDILI,
Dissertatio de testamento nuncupativo, th. 7; O. C. SORREIBER DE
CRONSTERN, Dissertatio de testamento ad interrogationem alterius
condito, § 16) . Porém isso deve apenas significar que tal testador
esquecido, ou vítima de lapsus linguae, não deve satisfazer-se com o
simples gesto. ~ inegável a presunção de fato, contra o testamento, que de
tudo isso deriva; e, se o oficial público, que com isso se satisfez e narrou,
subscreve tal testamento, responde, civil e criminalmente, se o juiz o
declarar nulo.

HouVe quem pretendesse distinguir a pergunta feita pelo oficial público e as


perguntas feitas pelas testemunhas ou por estranhos. Mas, desde A. FABER
(De Erroribus pra gmaticorum et Interpretatione juris, III, d. 69, 1, 2),
afastou-se qualquer distinção a tal respeito, posto que as perguntas feitas
por estranho que é contemplado no testamento possa compor ato de dolo ou
de violência.

Cumpre advertir que pode haver veemente indício de coação consistente em


aparecer o oficial público sem ter sido chamado pelo testador, ou começar o
testamento aconselhando-o a fazer declarações e a dispor dos seus bens. ~

Como confiar em tal cédula? Assim, G. C. SCHRETBER DE


CRONSTERN (Dissertatio de testamento ad interrogationem alterius
condito, §§ 16-18), e CHE. Fit VON GLÚCi (34, 26).

Quanto ao bater de cabeça, meramente explicativo, ainda centra êle não se


deve afirmar exclusão absoluta e a riori.

TRATADODE DIREITO PRIVADO

Barissimamente pode valer, mas o nifo provável não e o impossível. Pelo


absoluto a priori, JUST. CLAPROTH

(Abhandlung t‟on. Testamenteu, Codicillen, Vúrnztichtnissen u.nd


Fideicom.mis-seu, § 8, 60) ; se as circunstâncias não põem em dúvida a
vontade do testador, Cila. HEINR. O. 1{ÓCHY (Comm-entatio de
Testamento vi metuve extorto, § 4, 13). Um sim e uma aprovação gesticular,
em circunstâncias especialíssimas podem ser assaz expressivos. Mas, em se
tratando de escrito, que o testador leu, a aprovação gesticular, ou
monossilábica (sim, não), não pode, de nenhum modo, referir-se à parte do
escrito, porque seria então admitir o testamento público por cópia de
minuta, a que se opoe o Código Civil, arts. 1.635 e 1.632, 1. Assim,
ETUST. CLAPROTH (Abhandlung vou Testamenteu, Codicilteu, Vermd
ehtnissen und Fideicommissen, 60).

Não se proibe a entrega da minuta, mas é preciso que haja declaração de


vontade de que se tenha o conteúdo como manifestação de vontade última
do testador. A minuta pode ter sido escrita por advogado do testador (4.a
Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 3 de abril de 1941, R.
dos T., 131, 235). Feita por alguma das pessoas instituidas herdeiros ou
legatários, ou pelo único herdeiro ou legatário, o fato pode ser indício de
coação do testador. Mas, aí, há quaestio fac ti.

Se o testador, no interregno, perdeu a fala, já o testamento não pode


continuar: o que se fêz está feito, desde que o testador possa assinar e esteja
em juízo perfeito.

5.TESTAMENTO PÚBLICO POR SINAIS. A lei exige a palavra. Não


seria testamento público o que se ditasse ao oficial público, por sinais-,
ainda que formassem linguagem inteligível e o oficial público a
compreendesse.

Assim, na- Alemanha, fundado o direito nos Motive, V, 251 e 276, e assim
no Brasil, pois a mudez exclui o uso da forma pública (art. 1.635).

6.LÍNGUA ESTRANGEIRA E TESTAMENTO PÚBLICO. Testamento


público tem de ser ditado e escrito em língua nacional. Não se admitem
intérpretes. Também assim na França. Mas, lá, o ditado pode ser em língua
estrangeira, que o notário compreenda: ouvirá, e lançará em francês,
expediente assaz perigoso, porque, lido, ao testador, na tradução, pode êsse
não perceber inexatidões e sutilezas da linguagem.

No Brasil, se o estrangeiro pode exprimir-se em português, ainda que


mesclado de dicções estrangeiras, como sói acontecer a espanhóis e
italianos residentes no Brasil ou que aprenderam algo de essencial ao trato
dos negócios, tem-se isso por língua nacional. O essencial não é a pureza da
língua, mas a inteligibilidade pelo oficial público e pelas testemunhas, por
mais defeituoso que seja o falar, ou, como ocorre aos povos nórdicos e ao
francês, as irregularidades e discordâncias de pronúncia, de conjugação dos
verbos e de formação dos gêneros e do plural.

§ 5.866. Regras jurídicas quanto às testemunhas

1.TESTEMUNHAS N‟O TESTAMENTO público. São cinco as


testemunhas (Código Civil, art. 1.632, 1) . Se só intervieram quatro, é nulo
o testamento público; e responde o oficial público. Se mais de cinco, o
excesso não prejudica: por êsse fato, não pode dizer-se nulo o testamento; é
salutar, em vez de causa de invalidade, a superabundância euremática (E.
LAUEENT, Principes de Droit Civil français, 13, n. 254).

2.LÍNGUA NACIONAL E TESTEMUNHAS. As testemunhas no


testamento público precisam compreender a língua nacional, posto que não
no-lo diga a lei: o Código Civil só se refere, no art. 1.649, ao testamento
particular.

Mas a própria regra jurídica do art. 1.649 supõe outra, geral, que ela,
permitindo a língua estrangeira, ressalva: a do entendimento de falar do
testador pelas testemunhas. No testamento cerrado, sim; porque, nesse, a
língua em que se escreveu pode ser diferente daquela com que se entregou o
testamento e se pediu a aprovação: o ato de entrega e o pedido é que as
testemunhas devem ver, ouvir e compreender.

3.REQUISITOS DAS TESTEMUNHAS INSTRUMENTÁRIAS NO


TESTAMENTO PÚBLICO. As testemunhas precisam saber a língua
nacional, única em que se lavra o testamento público no Brasil e nos
consulados. Hão de estar durante todo o ato, desde as primeiras palavras do
testador até a assinatura pelo oficial público, ato terminativo da solenidade
euremútica.

28 TRATADO DE DIREITO PRIVADO

Em todo o caso, já falamos das circunstâncias que podem fazer,


temporariamente, ausentarem-se as testemunhas, ou algumas, ou alguma,
ou o próprio testador, ou o oficial público. Aí, a interrupção temporal pode
não ser interrupção jurídica.
Analfabetos podem testar por testamento público, porém não podem, nele,
ser testemunhas: é indispensável que saibam ler e assinar. Tentou-se
ressalvar o caso do que sabe assinar, porém não sabe ler, cissiparidade que o
Código Civil conserva. Mas, aqui, a leitura tem por fim verificar-se se o
pensamento foi, fielmente, lançado. ~ O

que não sabe ler como poderia verificar? Dir-se-á que o analfabeto testa por
forma pública: mas o testador é um, e serviu a forma para de, com a
assinatura por uma das testemunhas, a seu rôgo. Se testemunhas, buscam-se
outras. O próprio fato de assinar, por êle, uma das testemunhas, mostra que
a lei supõe gente que leia, escreva e assine. Em verdade (redarguirão), a lei
apenas exige que saiba assinar: são testemunhas de um fato ou de fatos, e
não do ato escrito. A lei não exige que elas leiam o que assinam; basta que
ouçam a leitura pelo oficial público. Mas, ~ se o testador não sabe ler e
assinar? Então, assinará uma das testemunhas. ~Também essa poderia ser
ignorante da escrita? Aqui, seria absurdo: nem testador, nem testemunha
conferiram o que lá estava escrito. A conferência, não é preciso ter havido;
mas que pudesse haver. Testamento a rogo, com testemunhas que, todas,
não sabem ler, ~ que valor teria se não o da simples palavra do oficial
público? Aqui, como a outros respeitos, o juiz sobriamente apreciaria as
consequências, dir-se-á. Mas os perigos são sérios.

É de repelir-se que se admita a ausência de testemunha, em todo o tempo,


ou durante a lavratura do testamento, como pareceu ã 33 Câmara Cível do
Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 30 de dezembro de 1943 (1?.

E., 98, 128). Pode sair do lugar em que se está a ler, ou a lavrar o
testamento, ou a assinar; mas tem de haver a suspensão, até que a
testemunha volte. Tão-pouco é de admitir-se que não possa haver
suspensão, sem que se intrometa outro ato (cp. 33 Câmara Civil do Tribunal
de Apelação de São Paulo, 13 de outubro de 1943, 1?. dos T., 149, 174).

§ 5.867. LEITURA E ASSINATURA

§ 5.867. Leitura e assinatura do testamento público


1.LEITURA PELO OFICIAL PÚBLICO. O oficial público lê o testamento
“na presença do testador e das testemunhas”, ou lê-lo-á o testador, se o
quiser, “na presença destas e do

-oficial” (Código Civil, art. 1.632, III). Por isso mesmo não basta dizer o
oficial público que leu ao testador e às testemunhas: é preciso que diga “na
presença do testador e das testemunhas”, pois a leitura deve ser a todos,
simultaneamente. Mas, se o oficial público, depois de usar de frase
insuficiente, acrescenta qualquer outra que fixe a simultaneidade da leitura,
vale o testamento. Exemplos: “e a todos esses atos, inclusive a leitura,
estiveram sempre presentes, e no mesmo ato, testador e testemunhas”, e
“deixa a E o prédio tal”, “deixa a B a metade do prédio tal” Quem só sabe
escrever o seu nome, e nada mais, pode testar por ato público e assisti lo,
ainda que não saiba ler (F. RITGEN, em G. PLANCK, Búrgerliches
Gesetzbuch, V, 495; cp. J. RAUSNITZ, Das Reichsgesetz ilber die
Angelegenheiteu der freiwilligen Gerichtsbarkeit, 569) . Pode assinar com a
mão, ou outro meio que não tire a individualidade do ato (J. RAUSNITZ,
Das Reichsgesetz jiber die Angelegenheiten der freiwilligen
Gerichtsbarkeit, 569) . A exigência da escritura constitui, como já ficou
dito, exigência de demografia.

O cego, que sabe assinar, deve lançar no testamento a sua assinatura.


Porque o art. 1.687 do Código Civil cogita de outras formalidades, e não se
dispensa a forma que pode ser observada. Dispensar, só se deve, onde a
necessidade evidentemente o obriga, ou se os princípios superiores
prementemente o aconselham.

O testamento público fica perfeito com as assinaturas do testador, das


testemunhas e do oficial público. Se, durante ele, morre o testador, que
começou a assinar, porém não acabou, não existe o testamento. Se falece o
oficial público, cuja assinatura começou, cumpre ao juiz maior indagação,
a) Se após isso, e sem se poder fazer nôvo testamento (por exemplo,
invasão de cidade, guerra civil, fuga por motivo de calamidade pública), o
juiz encontra-se diante de ato escrito por oficial público (art. 1.632, 1) e
assinado pelo testador e pelas testemunhas (art. 1.632, IV) e só o último a
assinar, começando, morreu. Dadas as circunstâncias extraordinárias, que
imaginamos, seria absurdo formalismo deixar-se de atender à vontade do
testador:

êle e as testemunhas assinaram, o oficial público começou a assinar. b)


Ainda se êsse morrer antes de assinar, e suposto se verifiquem as
circunstâncias no caso b), o fato de ter dado ao testador e às testemunhas o
livro de notas, para que o assinem o testador e as testemunhas, firma a
presunção de que achou bom o texto e uma vez que escreveu as declarações
do art. 1.684, partadas por fé, a assinatura se não se fêz por morte
inesperada, ou bala que inutilizasse as mãos ou os movimentos não poderá
ter a importância que o formalismo estrito exigiria. O-formalismo só se
justifica se puder ser compensado, no caso de nulidade, pela
responsabilidade do oficial.

Se a assinatura do testador foi quase toda e a morte impediu que se


completasse com uma sílaba, uma letra, um traço-(e o mesmo diremos da
assinatura de uma das testemunhas), anda acertado o oficial público que,
não obstante isso, portar por fé terem sido cumpridas as formalidades e
acrescentar o.relato da morte, ou do acidente.

No caso de acidente não mortal, durante o ato testamentário, o oficial


público pode narrá-lo e dizer que, por isso, passa o ato a ser assinado pela
testemunha, de acordo com o art. 1.683. Por precaução, o oficial público
assim procede no caso de assinatura começada. Claro que se há de supor
acidente que impede assinar.

8.PROVA QUE FAZ O TESTAMENTO PÚBLICO. O testamento que está


nas notas tem força probatória formal.

Ainda que o testador ou outrem rasgue o exemplar que o oficial público lhe
deu, o que lá está escrito é o testamento, e só se revoga por outro
testamento (público, cerrado, particular, ou, dadas as circunstâncias,
especial) Quanto aos fatos de que o oficial público tem notícia propriis
sensibus, visus et auditus, faz prova plena. Por isso não faz prova plena
quanto à capacidade do testador, que podia parecer de perfeito juízo e não
no ser.
§ 5.867. LEITURA E ASSINATURAS

4. ESSENCIAL DO EUREMA. No ato do testamento público, o oficial


público diz o nome do testador, nomeia o ato de que se trata (mas o nome
não é essencial), começando pela fórmula do estilo. “Saibam quantos. . . “,
declarando ano, mes e dia, Estado, cidade, vila, cartório ou casa, ou lugar
em que se achem (tudo isso pode ser essencial), o oficial público, o testador
e as testemunhas (essencial)~ presença, nome, identidade, nacionalidade
(não é essencial), capacidade do testador (não é formal), presença e
assistência em todo o ato e contexto, bem como identidade das cinco
testemunhas capazes (essencial), as declarações e cautelas (facultativas) de
idade,estado, regime de bens, profissão, existência de filhos e quantos e
quais, as declarações de vontade propriamente ditas (matéria variável e
facultativa), declaração do tabelião de que foi rogado para a escritura do
testamento e de serem as disposições escritas o que ouviu ao testador
(começo da especificação de que se falou), reprodução do nome das cinco
testemunhas presentes desde o princípio até o fim, declaração de que foi
lido perante o testador e as cinco testemunhas, declaração de que também o
testador o leu (facultativo isso), ressalva de emendas, rasuras, entrelinhas,
riscos, borrões, e tudo mais que possa causar dúvida, declaração de ter o
testador achado conforme, declaração do motivo de não ser assinado pelo
testador e quanto a quem o vai fazer a rogo. O oficial pú blico porta por fé
que tudo isso é verdade. Assina o testador (ou quem, por êle, deva assinar).
Depois, as testemunhas.

Finalmente, o oficial público.

O Código Civil deu a ordem para as assinaturas (art. 1.632, IV:“em seguida
à leitura, seja o ato assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo
oficial”). Mas vemos na prática assinar em primeiro lugar o oficial, o que
constitui irregularidade e alguns doutrinadores não repararam na ordem
legal (TITO PRATES DA FONSECA, SuCe55‟Uo Testamentaria, 272 e
275). Alguns oficiais públicos assinam, dão ao testador e às testemunhas
para assinar e reassinam por fim.
Assim, pois, só é essencial: a) ser escrito pelo oficial público no livro de
notas, ditado ou declarado pelo testador, na presença das testemunhas, que
devem permanecer juntas e com o testador, até inteira feitura da cédula,

«ssistifldo (se, por exemplo, uma desmaiou e volveu, assistiu todo o tempo,
como exige o art. 1.632, II) ; 14 ser lido pelo oficial público, na presença do
testador e das testemunhas (ou pelo testador, se o quiser, na presença dessas
e do oficial, ou no caso do artigo 1.636,

1 a parte, ou pelo oficial público e a testemunha do art. 1.637, ou pela


pessoa designada de acordo com o artigo 1.635) ; c) ser assinado pelo
testador, pelas testemunhas e pelo oficial público; d) ter a afirmação de fé
pública.

Escrita, conjunta presença de todos durante todo o tempo, leitura,


assinaturas, e o porte por fé.

O negócio jurídico do testamento é formal, posto que se ofereçam algumas


formas normais e outras ditas extraordinárias, por dependerem de
pressupostos circunstanciais. esse formalismo foi concebido e mantido
porque os legisladores entenderam e entendem que se deve cercar do
máximo de garantia, não só a faculdade de testar, como a de não testar, e se
deve afastar os riscos das falsidades.

O problema mais delicado é o do testador que foi ao tabelião, ditou o seu


testamento, assinou-o, assistiu assinarem-no as testemunhas e, no momento
de ser assinado pelo oficial público, êsse, tendo começado de assinar,
morreu.

Em tal caso, com a circunstância, a mais, de não poder o testador fazer


outro testamento (invasão da cidade, fuga por motivo de calamidade
pública, etc.), escrevemos: “dadas as circunstâncias extraordinárias, que
imaginamos, seria absurdo formalismo deixar de atender à vontade do
testador; êle e as testemunhas assinaram, o oficial começou a assinar”. Não
só, o que bem mostra não sermos hostis a limitação ao rigor formal: se,
portadas por fé as declarações do art. 1.634 do Código Civil, assinaram o
testamento o testador e as testemunhas, porém morreu o oficial iv. actu ou
algumas balas lhe inutilizaram as mãos, faltando, pois, a assinatura do
fecho, ainda admitimos que (salvo impugnações) se cumprisse tal
testamento, cuja certidão, pelo oficial sucessor, teria de narrar o fato. É o
máximo em que se pode anuir para se encontrarem limites ao rigor
formalístico dos testamentos, no tocante à exigência da assinatura do oficial
público no fecho da cédula testamentária.

A explicitude do Código Civil, art. 1.632, IV (“. . . em seguida à leitura seja


o auto assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo oficial público”)
teve por fito afastar qualquer interpretação que reputasse bastante a menção
do nome do oficial (eu, E., oficial...”), ou a assinatura antes das assinaturas
do testador e das testemunhas.

A 2.~ Turma do Supremo Tribunal Federal, a 10 de janeiro de 1950, O D.,


73, 145, e a 2 de outubro de 1951 (A. J., 101, 121), achou que basta a
referência ao cumprimento de todas as formalidades. Não é de mister a
especificação.

No mesmo sentido, já o Supremo Tribunal Federal, a 17 de novembro de


1930 (1?. dos T., 126, 714: “Não são sacramentais os termos pelos quais se
traduz a formalidade, bastando, para a satisfação da exigência legal, que do
contexto da escritura

-se infira, concluidentemente, a sua observância”; a 23 Câmara Cível do


Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 27

de janeiro de 1947, 171, 755: .... . quanto à formalidade da leitura, o que

-também se tem decidido em juízo contencioso é que não é necessário que


conste do testamento por palavras sacramentais: se vê que tudo foi feito
numa assentada e que se achavam em cartório reunidos o testador e as cinco
testemunhas, o que se deve subentender, até prova em contrário, é que a
leitura a todos foi feita na forma do estilo”; a Turma Cível do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Norte, a 16 de setembro

-de 1949, fl.F., 133, 198; a 23 Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo,
a 21 de outubro de 1947, E. dos T., 171, 181: “especificadas, no corpo do
instrumento as solenidades legais, não é preciso reproduzi-las no fecho do
auto, ao prestar por fé que todas foram satisfeitas”; a

1 a Câmara Civil, a 20 de outubro de 1941, 137, 584: “Basta a

simples menção de todas as formalidades no corpo da escritura para a


validade - do testamento, pois não é sacramental a exigência do art. 1.634
do Código Civil”; antes, a 2 de junho de 1938, 116, 124; a 5Y Câmara
Civil, a 25 de setembro de 1935, 108, 123).

§ 5.868. Analfabeto e quem não pode assinar

1.QUEM NÃO SABE OU NÃO PODE ASSINAR. Lê-se no Código Civil,


art. 1.633: “Se o testador não souber, ou não puder assinar, o oficial assim o
declarará, assinando, neste caso, pelo testador, e a seu rôgo uma das
testemunhas instrumentárias”. A declaração é do oficial público, para que
se justifique a assinatura pela testemunha. No direito anterior, interpretado
por CARLOS DE CARVALHO (Nova Consolidação das Leis Civis, art.
1.760, d), era a testemunha que o declarava. Com a intervenção da Câmara
dos Deputados (Trabalhos, VI, 495), preferiu-se outro sistema, de modo
que é inexata a informação de CLÓVIS BEVILAQUA (VI, 88), de que aí e
manteve o direito‟anterior.

2.ANALFABETO NO DIREITO ROMANO E NO DIREITO COMUM..

No direito romano, é de crer-se que também se lesse o testamento ao que


não sabia ler (testamentum iudice oblatum). Pela afirmativa, 1-1.
VULTEIUS, J. II. B‟OEHMER, M. G. WRN HER; pela negativa, JOA.

SÇHILnR, Auo. DE LEYSER e J. 11. DE BELiGER. G. L. WINKLER


publicou dissertação em que apoiava a opinião de SÇHILTRR. A
jurisprudência do direito comum dividia-se entre as duas soluções, a da
essencialidade e a da não essencialidade da leitura. De qualquer modo, a
controvérsia persistia: ora se invocava a facilitação do falsum, que a
dispensa trazia, ora se alegava, firmemente, que se não devia modificar a
regra com fundamentos em tais considerações. Aliás, neste último caso,
contra a regra interpretativa dos textos romanos (MAGLIANUS, De iuris
interpretationis ratione,. 32-51; II. Cocic, De argumento ad anatogiam, 16-
20, que A. F. J. THIBAUT, tber Testamento der Schriftunkundigen, Archiv
fhir die eivilistische Prazi.s, VI, 31, trouxe à balha). Em verdade (digamos
hoje) era mais questão de interpretação extensiva, revelação do conteúdo de
regra jurídica, do que passagem de um caso a outro, ou analogia: o caso
subsumia-se no principio que mandava ler para o cego. A regra -

„jurídica unius positio alterius est exclusio não podia ser invocada na
espécie (J. O. VAN NES, De natura et vi argumenti a contrario petiti, 2 s.,
E II. COCK, De argumento ad anaingiam, 33-36).

3.ANALFABETO NO DIREITO ALEMÃO, NO AUSTRÍACO E NO

suíço. O Código Civil alemão só permite ao analfabeto a forma pública. Ao


testamento escrito pelo testador, §

2.231, 2,. faz-se mister escrita própria e assinatura. Não se admite sinais ou
marcas, se bem que, ao lado da assinatura hológrafa, noutros atos se
permitam as marcas feitas a mão, legalizadas perante o juiz, ou perante o
notário (§ 126).

No Código Civil austríaco, § 581, permitia-se o testamento do analfabeto


perante três testemunhas, lido por uma delas, declarando estar de acôrdo
com o que dispôs. O que escreveu podia ser uma delas. Mas houve críticas
e, por propúsição de JOSEPLI IJNGER, corrigiu-se, a 1 de janeiro de 1917,
de modo que, não sabendo ler o testador, não pode ser encarregado da
leitura o que redigiu a cédula (Novela III, art. 56).

O direito suíço permitiu ao analfabeto o assinar de cruz (EUGÊNE CURTI-


FORRER, Commentaire du Code Civil saisse, 395). O que não se admite é
a assinatura a rogo. Se não lê, nem assina, o oficial público tem de ler em
presença das testemunhas o que está escrito, declarando o testador se está
ou não consoante a sua vontade (art.

502).

4.NATUREZA no TESTAMENTO NO CÓDIGO CIVIL, ART. 1.633.


Na verdade, a cédula do art. 1.633 do Código Civil é testamentum
nuncupativum, in soripturam redactum. Tudo se confia

ao oficial público e às testemunhas: nenhum sinal de si deixa o testador.


Quer se trate de analfabeto, quer de não analfabeto, que não sabe ou não
pode assinar. Daí os perigos, como perigoso é o art. 1.637, da mesma
natureza. A leitura, que é requisito essencial ordinário (art. 1.632, III),
cresce aqui de importância. É do caráter das coisas essenciais serem
igualmente essenciais; porém indicio contra a leitura de testamentos dos
arts. 1.633 e 1.637 tem maior gravidade do que em relação a testamentos
assinados. A essencialidade ad solennitatent não difere; mas cresce de
ponto, ad probationem, a delicadeza da dúvida quanto a testamentos não
assinados.

O analfabeto só tem de assinar se realmente pode assinar. O que precisa de


mão de outrem não assina: não no faz sua mano, mas por mão de outrem. É
também dispensado se nem sequer faz letras, mas traços que não são letras:
seria assinatura per notas, ou per cruces, que o direito brasileiro não
admite. Cp. F. C. WIESEN (Dissertatio de subscríptio-ne testatoris
analphabeti per eruces, 3 s.) e J.C. ROTa (Dissertatio de subseriptione
testatoris per notas, 3 e 10 s.).

Sempre que alguém assina, pelo testador, assina o próprio nome, e não o do
testador. Assim no testamento público ou no cerrado. Mas, sem razão, não
era assim tão claro para F. C. GESTERDINO. 4. CUrAdO, Muco
DONELO, B. BARDILI, SAMUEL STRYK, C. MANz e LUDF. GFR.
MADIHN representaram a boa doutrina, que é também a do direito
brasileiro. Quem assina a rogo de outrem, assina o próprio nome.
testemunha especial (E.

SALMASIUS, De subscribendis et signandis testamentis, 221>e gestor de


ato alheio.

Surge uma questão: pode assinar a rogo do testador, em vez de testemunha


instrumentária, outra pessoa, como se dá na espécie do art. 1.636? No
Código Civil, art. 1.633, satisfez-se a lei com o assinar, a rogo, uma das
testemunhas. Com isso, dispensou-se o octavus subseriptor da L. 21, § 1,
C., de testa mentis: quemadmodum testamenta ordinantur, 6, 23, onde se
dizia: “Quod si litteras testador ignoret vel subscribere nequeat, octavo
subscriptore pro eo adhibito eadem servari decernimus”. Dispensou.
Portanto, resolvida está a questão, similar da que se discute quanto ao art.
1.637. Trata-se de formalidade a mais, de abundância de cautela, e o
princípio assente é o de não invalidar o que satisfez mais do que a lei
exigia.

5.LEITURA DO TESTAMENTO AO ANALFABETO. A lei brasileira não


exige que se leia duas vêzes, como ao cego, o testamento. Basta a leitura
ordinária, pelo oficial público. Aliás, tal já era a velha lição (cp. M.D.

GROLMANN, Commentatio de necessaria ultimarum voluntatum


praelectione, c. II, § 9, III, § 2; J. M. SEUTER, Dissertatio de testamento
analphabeti, §§ 11 5.). Porém, se isso- foi resolvido e constitui
simplificação, não se dispensou, em qualquer espécie que não seja a do art.
1.636, a formalidade da leitura pelo oficial público. Em todo o caso, se a
pessoa não é surda, nem analfabeta, porém não pode assinar (art. 1.633), é
permitida a alternativa do art. 1.632, III. Tal solução, resultante dos textos
do Código Civil, confere com a opinião que nos davam os tratadistas (B.
CARPZOV, Jurisprudentia forensis, 1, n. 8; J. II. DE BERGER, O
economia iuris, 369; J. M.

SEUTER, Dissertatio de testamento analphabeti, §§ 8-10).

6.TESTADOR QUE NÃO SABE OU NÃO PODE ASSINAR. A lei não


cogita só de quem não sabe ler: refere-se, também, ao que não sabe ou não
pode assinar. Esse, já se disse, pode ler, êle mesmo, o testamento, e dá-lo a
uma testemunha, que a rogo o assine. A questão que poderia surgir a da
indispensabilidade da leitura pelo oficial público fica resolvida pela
ordinariedade do art. 1.632, III, e a omissão da lei, contrariamente ao que se
passa no art. 1.637.

O cego, que pode e sabe assinar, também deve fazê-lo. Bem assim, o surdo.
O art. 1.633 é regra jurídica de exceção para todos os casos em que o
testador não saiba ou não possa assinar.

7.TESTEMUNHA NO TESTAMENTO PREVISTO PELO CÓDIGO


CIVIL, ART. 1.633. Assim como a testemunha do Código Civil, art. 1.637,
a do art. 1.633 precisa saber ler. A interpretação dominante que só exige às
testemunhas instrumentárias saber assinar não pode ir até o ponto de
permitir que uma delas, a escolhida para assinar pelo testador, não saiba ler.
No artigo 1.637, é isto exigência expressa. Também outrem há de ler, se o
testador é surdo e não sabe ler (art. 1.636) . No art. 1.632, III, não se exige
que o testador leia, mas deixa-se-lhe a faculdade. Nu caso de ser surdo, não
sabendo ler, terá de assinar quem o leia (art. 1.636) . Em se tratando de
cego, lê-lo-á o oficial público, porém isto não basta: tera de le-lo uma das
testemunhas, designadas pelo testador. Em nenhum caso, a lei permitiu que
a conferência entre o lido e o escrito ficasse somente a cargo do oficial
público.

Deve-se, pois, afastar a possibilidade de testamento de analfabeto perante


testemunhas analfabetas que assinam: somente poderiam testemunhar
leitura, e a leitura por outrem pode não ter sido o igual do que se lançou nas
notas.

Aliás, tal era a boa doutrina. As outras testemunhas podem não ter prestado
atenção ao que dizia o testador: foram rogadas, assistiram, assinaram. Mas a
que assina vai dizer, pelo testador analfabeto ou cego, que aquêle é o
testamento que o testador quer: se cego o testador, terá o oficial público e
uma das testemunhas de lê-lo, e isso garante, de algum modo, a identidade
do texto; analfabeto, pode dar-se substituição de página, ou leitura diferente
pelo oficial público. A lei era omissa no sistema jurídico romano (CRu. FE.
VON GLtYcK, 34, 53).

No art. 1.650, IV, do Código Civil, veda-se ao herdeiro instituído, seus


ascendentes, descendentes, irmãos e conjuge, ser testemunha no testamento.
No art. 1.638, diz-se que, se o testador não sabe, ou não pode assinar, o
oficial tem de declarar o que se passa, e uma das testemunhas
instrumentárias assina, a rôgo, por êle. Suscitou-se a questão de se outrem,
em vez das testemunhas instrumentárias, pode assinar; e a solução foi no
sentido do que escrevemos, conforme explícita citação. O que é preciso,
evidentemente, é que tenha assistido a todo o ato. Não se precisa dizer que
tal ocorreu, pois basta que resuíte do texto e do que dêle se deduz. Na
opinião de ITABAIANA DE OLIvEIRA (Direito das Sucessões,

2 a ed., 236), a pessoa que assina a rôgo tem de ser uma das testemunhas.

Mas fomos contra tal interpretação do art. 1.633. O relator do Recurso


Extraordinário n. 9.913, a 3 de janeiro de 1950 (1?. da 3. de 25 de
novembro de 1951), Ministro OROSIMO NONATO, expôs:

“Tenho como preferível o ensino de PONTES DE MIRANDA: “No Código


Civil, art. 1.633, satisfez-se a lei com o assinar, a rôgo, uma das
testemunhas. Com isso, dispensou-se o octavus subscriptor da L. 21, § 1,
C., 6, 23, onde se dizia: “Quod si litteras testator ignoret vel subscribere
nequeat, octavo subscriptore pro eo adhibito eadem servari decernimus”.
Dispensou. Portanto, resolvida está a questão, similar da que se discutirá
sob o art. 1.637. Tratar-se-ia de formalidade a mais, de abundânda de
cautela, e o principio assente é o de não invalidar o que satisfez mais do que
a lei exigia”. E acrescentou: “Assim, não vuínera o direito o considerar que
pode assinar a rôgo do testador testemunha extranvmerájia e que a vedação
do n. IV do art. 1.650 (que defende possa ser testemunha no testamento o
herdeiro instituido ou ser parente propínquo ou conjuge) diz respeito às
testemunhas numerarias Quanto à pessoa que há de assinar a rôgo, o Código
Civil, art. 1.633, exige que seja uma das testemunhas instrumentárias.
Portanto, têm de ser satisfeitos os pressupostos para ser testemunha em
testamento (absolutamente sem razão, a

2 a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 3 de janeiro de 1950, li. E., 132,


119). O testamento pode ter mais de cinco testemunhas e qualquer delas
pode, a rôgo do testador, assinar: porém de modo nenhum se hã de admitir
que possa assinar a rôgo quem não foi testemunha, ou não podia ser (certa,
a 4.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 3 de agôsto de
1944, E. dos 2‟., 152, 645; sem razão, a g a Câmara Civil, a 1.0 de março
de 1943, 146, 128, e a 43 Câmara Civil, a 12 de setembro de 1940, 133,
158). Quem estêve presente, como se exige às testemunhas, testemunhou, e
pode assinar a rôgo, de modo que a jurisprudência que pretenda dispensar o
testemunho, embora fora do número cinco das testemunhas, fere,
frontalmente, o art. 1.633, verbis “uma das testemunhas instrumentárias
8.DECLARAÇAO DE ASSINAR A ROGO DO TESTADOR. De regra, a
testemunha que assina pelo testador diz antes de assinar “a rôgo de E” ou “a
rôgo do testador”. Resta saber-se se a omissão disso causa nulidade do
testamento. Não, se no contexto da cédula se especificou o motivo de
outrem assinar e foi dito quem o faria. Não é verdade que baste declarar que
uma das testemunhas o assinará por não saber assinar o testador. Donde as
seguintes conseqúências: a) Se o testador está no caso do Código Civil, art.
1.633, e o oficial público apenas diz que uma das testemunhas, por êsse
motivo, por êle assinará, sem mencionar qual delas, e tôdas assinam sem a
declaração “a rôgo”, nulo é o testamento, e responde o oficial público. b) Se
o oficial público diz que uma das testemunhas assinará pelo testador,
mencionando o nome dela, sem dizer por que motiva assina a rôgo, dá-se o
mesmo que no caso anterior: nulidade do testamento, responsabilidade do
oficial público. Salvo motiva notório (e.g., “João cego”). c) Se o oficial
público declara quem assina e o motivo por que o faz e tudo se observa,
mas, por inadvertência, a declaração “a rôgo” aparece junto a nome de nutra
testemunha (sem anteceder ou pospor-se ao nome da que devia assinar a
rôgo), há nulidade por defeito de forma e responsabilidade do oficial
público. d) Se o oficial público diz que uma das testemunhas (sem
individuá-la) assinará a rôgo, por não saber assinar o testador, e uma delas,
a primeira, a última,

-ou qualquer das outras, ao assinar, declara que o faz a rôgo do testador,
procedendo à individualização que o oficial público

-omitira, vale o testamento? Surgem questões. Não se pode dizer que o


oficial público deixou de especificar as formalidades, mas uma vez que êle
assina depois das testemunhas, tal posterioridade da firma não basta à
individualização. Seria atribuir-se à assinatura do oficial público valor de
dar fé pública ao que está

-antes dela, e dispensar, quanto à parte do conteúdo, o porte por fé em


declaração expressa. Não se encontra discutida a questão, mas é de grande
proveito distinguir-se: a) se o oficial, ao enumerar as testemunhas (art.
1.632, 1), o que se faz no principio da cédula, dá-lhes ordem que se observa
em todo o contexto, e no fim, ao dizer quem assina pelo testador, declara
que a primeira assinará a rôgo, e essa realmente é a primeira a assinar, seria
demasiado formalismo querer-se pôr em dúvida a validade; b) se a
assinatura, que aparece em primeiro lugar, não coincide com o nome da
primeira enumerada, é nulo, e responde o oficial público. Autor, se a
declaração aparece junto a nome que coincida com o da primeira, porque
então se há de entender que o oficial público se referia à primeira
enumerada, e não à primeira que ia assinar. Não é idêntica a discordância
anterior a essa, porque, aqui, o oficial público tinha a enumeração feita, de
que usou e portou por fé, ao passo que, ali, havia enumeração, de que não
usou, e a ordem das assina-turas, discordando da enumeração, desmente o
texto, que êle portou por fé.

§ 5869. Formalidades e porte por fé

1.EXIGÊNCIAS FORMALÍSTICAS E MENÇÃO ExIGIrA. Diz-se no


Código Civil, art. 1.684: “O oficial público, especificando cada uma dessas
formalidades, podará por fé, no testamento, haverem sido tôdas
observadas”. E seu parágrafo único: “Se faltar, ou não se mencionar alguma
delas, será nulo o testamente, respondendo o oficial público civil e
criminalmente”.

Tudo que no art. 1.632 se exigiu é insuprível e torna a cédula negocio


juridico formal: se alguma exigência não se satisfez, não vale o testamento.
Pode testamento exprimir a vontade do testador, mas, por defeito de forma,
ser nulo. O fito da lei é proteger a vontade do testador, e não o testamento.
Por isso, dá ação contra o oficial público, por faltar formalidade, ou não se
mencionar alguma delas: a cédula nula representa a vontade do testador
somente para o efeito de dar aos contemplados a ação civil contra o oficial
público.

Assim, sempre que há testamento perante oficial público (isto é, se está fora
de dúvida que o oficial público funcionou) ou o testamento vale e se
cumpre, ou não vale, e o oficial público responde, civilmentente, quanto aos
prejuízos causados aos. herdeiros instituidos, legatários e mais beneficiados.

§ 5.569. FORMALIDADES E PORTE POR FÉ

Pode dar-se que o testamento nulo- seja revogação parcial ou total, diminua
encargos, ou deixe de clausular legítima, e ainda nessa espécie responde o
oficial público, pelos danos que se liquidarem.

Há a alternativa, se houve nulidade por infração de regra jurídica sôbre


forma: ou se cumpre; ou não se cumpre, e responde o oficial público.

Admitido, pela lei, êsse critério compensatório, segundo-o qual o fato de ter
a vontade sido expressa, mas nulamente, por defeito de forma, implica a
responsabilidade do oficial publico, compreende-se que o juiz seja mais
exigente no formalismo do testamento público do que, no tocante ao
testamento cerrado, na parte de ato do testador, e no testamento particular.

Nulo o particular, nenhuma responsabilidade simétrica e compensante se


teria: quis, mas a forma inutilizou o querer. Dir-se-á o mesmo do testamento
cerrado, na parte oculta ou exclusiva do testador.

Na ação, se se propõe, para a responsabilidade do oficial público, o próprio


testamento diz o quanto ou serve de base para a fixação, quando dos seus
têrmos não fôr expressa a quantidade em que consiste a herança, o legado
ou o benefício -O oficial público responde como se fôra cumprido o
testamento. Portanto, mais os frutos e rendimentos, os acidentes, as
duplicações de ações ou aumentos por quotas dos fundos de reserva, menos
as despesas, que teriam sido feitas, para a execução do testamento e para o
inventário.

O próprio testamenteiro, que tinha legado remuneratório, ou a que se fixava


ou não se fixava prêmio, tem direito a Te--clamar do oficial público o que
deixou de ganhar. Na ação contra o oficial público, deve ser citado o
testamenteiro, porque, eventualmente, se houver dúvida quanto a verbas
testamentárias, terá de pronunciar-Se.
Aliás, o testamenteiro terá de exercer na ação as suas eventuais funções.

Se, pela legislação local, a ação corre fora do juízo de testamentos e surge
discordância quanto à interpretação das cláusulas ou disposições
testamentárias, o juiz não fica autorizado a interpretá-las. O oficial público
responde como se tivessem cumprido o testamento. E só ~ juízo dos
testamentos pode decidir em assunto de vontade do testador: interpretada a
verba no juízo de testamentos, junta-se a certidão aos autos do juízo da ação
de indenização.

Ou êsse, a requerimento dos interessados, ou do Curador, que deve ser


ouvido na ação civil. oficia àquele para que dê a interpretação. No juízo dos
testamentos, há os mesmos recursos que existiriam se válido o testamento.

2.ESPECIFICAÇÃO DAS FORMALIDADES. Não basta que o oficial


público declare terem sido cumpridas, integralmente, tôdas as formalidades
legais, isto é, as formalidades do Código Civil, arts. 1.532 e 1.533. É de
mister mencioná-las uma por uma, de modo expresso, terminando pela
declaração global. Há, pois, no art. 1.643 duas partes: uma, que é a da
especificação das formalidades ou requisitos essenciais (nos casos
ordinários, os do art.

1.532; sendo analfabeto o testador, aquêles e os do art. 1.633; se


inteiramente surdo, aquêles e o do artigo 1.636; sendo cego, aquêles e os do
art. 1.637) ; outra, que consiste no portar por fé terem sido observadas tôdas
as formalidades. Se o oficial público porta por fé, sem as especificar, é nulo
o testamento e responde civil e criminalmente o oficial público. Se as
especifica, esquecendo-se de portar por fé a observância, também nulo será,
e tem de responder.

Não escusa o oficial público o fato de constar do próprio testamento o


requisito, se bem que o não mencione.

Assim, se do texto escrito pelo oficial público, não consta que o testador
assinou, mas está, efetivamente, assinado pelo testador, o testamento, nem
vale êsse, nem se exime da responsabilidade o oficial público que deixou de
mencionar.
Se o oficial público não se refere a leitura do testamento, não pode ter
cumpra-se (3.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 7 de
março de 1945, 1º. dos 2º., 159, 713;

5 a Câmara Civil, 15 de fevereiro de 1940, 126,

559: “Não se deduz da declaração de que “foram cumpridas tôdas as


formalidades legais” que o testamento em questão tivesse sido lido, sem
expressa menção dessa circunstância, indispensável para a sua validade”).

3.RESPONSABiLIDADE DO OFICIAL. Primeira leitura do art. 1.634,


parágrafo único, do Código Civil pode dar a entender que só é responsável
o oficial público se algo falta ao texto,ou não se menciona alguma das
formalidades ou requisitos essenciais, que acima se enumeraram. Se
declarada a nulidade por haver discordância entre o que o oficial público
leu e o que consta da cédula, ou entre o que as pessoas dos arts. 1.636 e
1.637 leram e o que consta do livro, ou, ainda, firmada qualquer co-autoria
ou cumplicidade do oficial público, responde êle civil e criminalmente.
Tudo que êle portou por fé pública, se não corresponde aos fatos, torna-o
responsável nos dois juízos.

Se os herdeiros legítimos acordarem na execução do testamento, nenhuma


responsabilidade civil cabe ao oficial público. Porém o processo criminal
pode ser instaurado. Se o testador fêz, depois, outro testamento, o ato
anterior é nenhum, porém o simples fato de constar do livro de notas
testamento sem formalidades devidas, de que poderiam ter resultado
consequências lesivas, sujeita o oficial público às correições e às penas
disciplinares.

Resta saber se, em todos os casos de nulidade devida ao oficial público,


podem os herdeiros legítimos cumprir o testamento. JosÉ DIAS
FERREIRA (Código Civil português anotado, IV, 295) nenhuma distinção
fêz. Para êle, executado, sem oposição dos herdeiros legítimos, o
testamento, sanada estaria a nulidade. Porém êle mesmo, referindo-se ao
testador, escreveu que não poderia ratificar ou confirmar o testamento nulo.
Dá-se aos herdeiros maior poder do que ao testador. De ato nulo querem-se
consequências da importância jurídica das fundações, das substituiçóes e
dos fideicomissos. Não é possível que prevaleça tal critério apriorístico.
Impõem-se as distinções: a) Se a nulidade formal é de tal natureza que
deixe em dúvida

-a identidade do falecido testador, seria exigir do juiz cumprir ato talvez


criminoso, no qual (dificilmente, é certo), podem ser interessados os
próprios herdeiros legítimos. b) Se, na execução dos testamentos, ficam
prejudicados terceiros que não sejam herdeiros legítimos (por exemplo,
cláusula contratual de sociedade, em que há alternativa concernente à
disposição de última vontade), sem a audiência dêles não se poderia
cumprir.

Rigorosamente, a linha divisória entre o testamento nulo, cumprível por


vontade dos herdeiros legítimos e, em geral, interessados na não-execução,
e o testamento nulo, que tais interessados não podem cumprir, só ao juiz,
apreciadas as circunstâncias, será dado decidir. Toca diretamente à
dignidade da justiça, e qualquer regra abstrata teria de ceder diante da livre
e direta verificação dos fatos. Pode bem ser que queíram encobrir um crime.
Talvez, no ato mesmo dos herdeiros legítimos, um seja beneficiado e coaja
os outros.

Juridicamente, tal execução do nulo não é execuçâo testamentária, mas ato


jurídico dos interessados, por têrmo nos autos, com processo similar ao
testamento, e toma o caráter inicial e a figura jurídica bordada pelos fatos:
ou será transação com os instituidos, ou desistência, ou renúncia, e terão de
ser ressalvados os direitos dos credores. Só obriga aos que intervierem.

Não se sanou a nulidade, porque era insanável: o que sa tem diante dos
olhos é ato de indenização. Um testamento nulo não deve, nem pode
ratificar-se, ou confirmar-se por interessados.

Quanto à confirmação tácita e à execução voluntária do-testamento, só


aparentemente o processo é testamentário.

Mas, nessa aparênCia, nesse mandar que seja eficaz o que, para o-direito,
não vale, nesse trocar a inexistência de direito sucessório pela existência de
ato entEe vivos, que finja aquêle, em tudo-se há de respeitar o fingido.
Salvo se, na execução voluntária,, os herdeiros legítimos (ou os
contemplados no testamento antenor válido) incluiram restrições que não
destoam da digni-dade dos atos perante o juiz.

4.AÇÕES DOS LESADOS PELA NULIDADE DO TESTAMENTO. Os


herdeiros e legatários, os beneficiados pelo modws, o fiduciário, o nu-
proprietário, ou o usufrutuário, desde logo devem receber as deixas.
Nenhuma dúvida existe quanto à ação que podem exercer. Os
fideicomissários, se bem que só depois re-cebam a propriedade, são
herdeiros do decujo, e não do fiduciário. Podem exercer a ação, desde já,
contra o oficial público, independentes do fiduciário. Ação, que lhes cabe,
nasce do tes-tamento, e não de quaisquer outras situações jurídicas.

A mesma solução vale para os casos de extravio ou des-truição dos


testamentos, pela qual tenha alguém de responder.

Os credores do herdeiro instituido podem ser autores contra o oficial


público se o herdeiro não promove a ação (arg. ao art. 1.586)

§ 5870. Declarações de viva voz e exação da lavratura

1. APTIDRO PELA FALA. Diz o Código Civil, art. 1.685: “Considera-se


habilitado a testar piiblicamente aquêle, que puder fazer de viva voz as suas
declarações, e verificar, pela sua leitura, haverem sido fielmente exaradas”.
O

Projeto primitivo, art. 1.806, dizia: “Todo aquêle que puder fazer as suas
declarações de viva voz e verificar pela leitura que elas foram fielmente
transladadas, está habilitado a testar públicamente”.

Rigorosamente, a fonte foi o Projeto primitivo. Mas o art. 1.635- do Código


Civil compõe-se de uma parte útil, que vai da primeira palavra até a
exigência de “fazer de viva voz as suas declarações”, e outra inútil, que é o
final, pois vai ser destruído, em parte, pelo art. 1.636. Em boa técnica, o que
era preciso não se fêz: a regra jurídica prática, inteligente, sôbre a mudez. O
surdo teve o seu (art. 1.685). O cego (art. 1.637) e os surdos-mudos (art.
1.642) também o tiveram. O analfabeto, como espécie do que não sabe ou
não pode assinar, foi contemplado no art. 1.633.

Do mudo nada se disse.

2.INCAPACIDADE DE FALAR, DE VER E DE OUVIR. Exige o Código


Civil, no testamento público, que o testador dite ou declare o que quer (art.
1.632, 1), ouça a leitura que lhe fará o oficial (art. 1.632, III) . Donde quatro
dificuldades: a> a surdo-mudez, que impediria o uso do testamento público:
não pode ler alto, nem pode ouvir (opinião de CLÓVIS BEVILÁQUA,
Código Civil comentado, VI, 90, que se chocou, de lege ferenda, com o art.
1.636) ; b) a mudez, que permite ouvir e permitiria a entrega de minuta ao
oficial público, sem qualquer inconveniente, mas o art. 1.635 torna assaz
duvidosa a valia, por não poder fazer, “de viva voz”, as declarações; e) a
surdez, sem mudez, caso em que lerá de viva voz o que ditou e, se o não
souber, designará quem o leia às testemunhas; d) cegueira, caso, que obriga
a duas leituras, uma pelo oficial público, e outra por uma das testemunhas
que o testador designe, O analfabeto pode ditar e ouvir o que ditou.
Portanto, pode testar públicamente. O surdo-mudo só é incapaz de testar no
mesmo caso em que o surdo-mudo seria incapaz para qualquer outro ato
jurídico: se não pode exprimir-se (Código Civil, arts. 5 0, III, e 1.627, IV).
Portanto, o que pode exprimir-se, ainda que não fale, nem ouça, pode testar.
Mas o Código Civil, por defeito de técnica, deixou sem uso da forma o
mudo não surdo que não sabe ler e o mudo cego. Conforme adiante se diz, a
doutrina deve procurar solução para tais casos. Se é certo ser de ordem
pública o direito das formas testamentárias, não é menos que as regras
jurídicas sôbre incapacidade se interpretam restritamente E nem o mudo
cego, nem o surdo analfabeto foram declarados incapazes no art. 1.627, que
tratou das incapacidades de testamentifação.

Ao mudo, a lei francesa permite testar com a forma secreta, se sabe escrever
(art. 979) : escrito, datado, assinado pelo testador, exigências evidentemente
exageradas.

A lei alemã estatui longamente sôbre o assunto. Aquêle que, segundo a


convicção do juiz ou do notário, é mudo, ou de qualquer maneira não pode
falar, somente pela entrega de um escrito pode fazer o seu testamento.
Durante o processo, escreve no próprio protocolo, ou em fôlha separada que
se lhe junte, a declaração de que o escrito contém as suas últimas vontades
(§ 2.243, alínea 1.~). O protocolo dirá que a declaração é hológrafa e está
convicto o juiz ou o notário de não poder falar o testado-r (§ 2.243, alínea
2,a) No Código Civil alemão não há regra jurídica sôbre os surdos e o modo
de testar. Duvidosa a capacidade, nos Motive (V, 275). Sem importância a
omissão, porque, perante o juiz ou notário, basta entregar a minuta (§ 2.242,
alínea 1a 3~a parte). Em todo o caso, E. ENDEMANN (Lehrbuch des
Ehirgeriicken Reckts, III, § 35, c) e GEORO

FROMMROLD (Das EH,recite, 3 b ao § 2.229), negam ao surdo-mudo a


forma pública, porque não pode ouvir a leitura do protocolo. Mas, em geral,
a opinião é contrária (E. STROHAL, Das deutsche Erbrecht, § 21, nota 40;
E.

RITGEN, em G. PLANCR, Biirgerliches Gesetzbuch, V, 462; J. BÕJIM,


Das Erbrecltt des BaR., 80; 1-1.

JASTROW, Formularbuch um! Notariatsrecite 1, 173 e 178; GUSTAXZ


MÀRKER, § 5.570. DECLARAÇÕES

DE VIVA VOZ 47- Pie Nachlussbelzandiung, 100; GERHARD


EICHHORN, Das Testament, 123) . E com razão.

Quanto ao surdo-mudo, também nenhuma disposição especial. Ou êle sabe


e pode escrever, e testa por testamento de mão própria, ou, embora surdo,
pela entrega de minuta, como o mudo, § 2.243 <J. BÕHM, Das Erbrecht
des EGE., 80). GEORO FROMMH-OLD (Das Erbrecht, 3 5 ao § 2.229)
repugnou tal extensão do testamento do mudo ao surdo. Mas a verdade é
que pode saber ler a língua comum e então pode ler o que foi escrito no
testamento público: é a aceitação do protocolo. ,, Por que, então, lhe negar o
testamento por ato público? (R. WILKE, Erbreeht, 2 ao § 2.243; A.
JASTROW,. Formularbuch und No-tariatsrecht, 1, 53, 180; F. RITGEN,
em G. PLANCK, Biirgerliches Gesetzbueh, V, 462).
Qual a solução, se o surdo-mudo aprendeu a língua fônica especial? ~ o
caso de admitir-lhe o testamento público, na Alemanha, com o auxílio, para
o notário, de um professor; ou o testamento cerrado, no Brasil, se sabe ler e
escrever. Contra, F. ENDE-MANN (Lehrbuch des Rilrgerlichen Rechts, III,
§ 35, 270), porque, disse, continua surdo, e o mudo não testa por ato
público.

No direito anterior podia testar por linguagem de sinais (J.C. GENSLER,


Das Testament einer taubgebornen und sprachlosen Person, Archiv flir die
civilistiscite Praxis, III, 845), o que hoje se nega. Mas, ,~,se êle, mudo, usa
sinais e pode ouvir? Aí, há questão (cp. F. ENDEMANN, Lekrbuch. des
Bitrgerlicheu Rechts, III, 270), que não é de somenos importância. A nossa
opinião seria, no direito alemão, pela afirmativa.

Odireito suíço é mais prudente. O disponente indica a sua vontade. A


indicação pode ser escrita, oral, por sinoÁ.r (A.ESCUER, Das Erbrecht,
Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuch,, III, 82; EUCÊNE
CURTI-FORRER, Commentaire du Cede Civil suisse, 395), quer escrita de
cegos, quer de surdos-mudos. “Mitteilung” é expressão neutra: oral, ou
gráfica-mente. Assaz liberal o formalismo suíço. Se o testador,
respondendo, faz sinais inconfundíveis, como a aprovação de cabeça, ou
monossilábica, vale a declaração perante o oficial pú-blico (P.

TUOR, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 305), de


modo que o mudo testa, por ato público.

respondendo com gestos, ou dizeres escritos.

No Código Civil alemão, o que não pode falar, nem por outra maneira
exprimir-se, somente por escrito pode testar.

No § 2.243 permite-se-lhe entregar ao juiz a declaração gráfica. É


inadmissível testar por sinais, ou por intérpretes (Motive, V, 251; 276, cp.,
no direito anterior, E. MEISCREIDER, fie letztwilligen Verfilgungeu na-ch.
dem BGB., 40, nota 10>. Não se aplicam aos testamentos as regras jurídicas
sôbre os intérpretes de surdos-mudos. Donde udo poderem testar as pessoas
que são menores e mudas (os menores só testam oralmente perante o juiz
ou notário, §

2.238, alínea 2.~), e os mudos que não sabem ler (§ 2.247) ou escrever (§
2.243) . É defeito técnico de que se livrou o Código Civil suíço. Aliás, as
regras jurídicas de forma são interpretáveis, como antes deixamos assente, e
a doutrina faz bem em preencher tão graves lacunas da lei escrita.

3.MUDEZ, IMPOSSIBILIDADE DE FALAR E TESTAMENTO. No


direito brasileiro, o mudo não pode testar por ato público: o Código Civil,
art. 1.636, que abriu exceção em favor do surdo, riscando o segundo
requisito do testamento em notas do tabelião, o ouvir a leitura,
satisfazendo-se com o primeiro, declarações de viva voz, não admitiu se
riscasse, excepcionalmente, êsse, satisfazendo-se com aquêle.

A exceção do art. 1.636 é justificável sem a outra, menos perigosa: o mudo,


que soubesse escrever, daria, escritas, as declarações, e ouviria a leitura. Se
sabe escrever, testa hologràficamente, porquanto, se é certo que o
testamento particular precisa ser lido às testemunha, é o mesmo lerem-na
tôdas as cinco, que vão assinar (art. 1.645, III) .

Recorrerá, se quiser, ao testamento cerrado. Mas surgem questões:

a) ,Se o mudo, não surdo, não sabe escrever? Se pode exprimir-se, outrem
escreve, e êle ouve a leitura. ~ Como, porém, fazer o testamento? Público?
Impede-o o art. 1.635. Cerrado Teria êle de declarar ao oficial público ser o
seu testamento e querer que o aprove (ad. 1.638, V e VI). Por testamento
particular, não no poderia. Portanto, temos de admitir que, exprimindo-se
por gestos, quem pôde ditar, deve poder substituir as declarações verbais do
art. 1.638, V e VI, bem mais simples, pelos seus sinais inteligíveis. ~E a
exigência de saber ler (artigo 1.641) ?

Temos de ver a vida em vez de ver somente textos. b) Se o mudo-cego sabe


a escrita dos cegos, por ser mudo não poderia testar públicamente (não se
expressa de viva voz), nem pelo cerrado (pode verificar o que outrem
escreveu, entregar ao oficial público, mas há no assunto a regra jurídica
despótica do art. 1.637), nem pelo hológrafo, em virtude da declaração do
citado artigo. Que fazer? Ambos, o que se exprime sem saber ler e escrever,
mas ouve, e o outro, que sabe escrever com a sua escrita, mas é mudo e
cego, podem ser sãos de espírito, e exprimir o que querem. No estado atual
do direito brasileiro, temos de atender às circunstâncias e admitir que os
arts. 1.641 e 1.637 não se apliquem a casos tão excepcionais.

O mudo, que não pode testar por testamento público, é a que, com a bôca e
por palavras articuladas, não pode falar.

Se articula, ainda que de modo forçado e exótico, se se faz entender por


palavras, pode testar.

O rigor da lei escrita vai ao extremo de negar o testamente público ao que,


embora não seja mudo, se acha, ocasionalmente, impossibilitado de falar.
Tal é o caso do que sofreu operação e o médico lhe proibiu que falasse.

4. REVISÂO DA DOUTRINA. Certamente temos de respeitar o direito


formular do Código Civil, temos de levar em conta tomo requisito essencial
tudo que êle diz sôbre mudos, surdos, surdos-mudos e cegos. Mas, dadas
certas circunstâncias, e essas foram acima apontadas, não podemos levar as
exigências de garantia ao extremo de vedar a alguém, maior de dezesseis
anos, sao de espírito, e que pode exprimir-se, a faculdade de dispor,
testamentàriamente, dos seus bens. O legislador não podia ter vedado a
liberdade da expressão, e não devemos deixar que se opere, em proveito de
mal-entendido formalismo, injustiça social que nos faria recuar aquém de
Justiniano.

Para isso, basta recorrermos à evolução de doutrina, à evolução da técnica


que se processou através da história romana. A princípio, eram incapazes de
testar os mudos e os surdos; com dupla razão, os surdos-mudos. Levava-se
a ríspidos extremos a exigência de falar e de ouvir. No século VI, subiu-se
um degrau: mas, ainda em tal direito, se distinguia o defeito de nascença e o
defeito posterior ou acidental.

~Será justo que no século XX haja quem possa exprimir-se e não possa
testar? Se o art. 5$ do Código Civil conhece surdos-mudos que se
exprimem e se confirma, no artigo 1.627, IV, tal reconhecimento, 2,como
deixar incapazes fora do art. 1.627? Tudo isso porque o direito de
sucessões, mais estável que o direito das obrigações, não atendeu à
possibilidade de declaração na escrita do cego ou dos surdos-mudos e,
quanto ao mudo analfabeto, não lhe deixou forma nenhuma. Nem sequer ao
mudo letrado, que perdeu as mãos. Se êle se exprime?

Assim como a existência de mudo nato que aprendeu a ler, a escrever, e a


de surdo nato, ou surdo-mudo de nascença, impuseram exceção à distinção
do século VI, a excepcionalidade de hoje deve autorizar-nos a reconhecer a
tais mutilados dos sentidos a única forma ou a mais razoável, de que êles,
provada a excepcionalidade, podem socorrer-se. Qualquer outra solução
seria volver ao dito de GAIO, que se choca com a letra expressa do art.
1.627: surdus et uutns testamentum facerenan possunt.

§ 5871. Surdo que sabe ler e surdo que o não sabe

1.SURDEZ E lEITURA DO TESTAMENTO. Diz o Código Civil, art.


1.636: “O indivíduo inteiramente surdo, sabendo ler, lerá o seu testamento,
e~ se o não souber, designará quem o leia em seu lugar, presentes as
testemunhas”.

O art. 1.686 proveio do antigo Código Civil português, art. 1.917: “Quem
fôr inteiramente surdo, mas souber ler, deverá ler o seu testamento, e se não
souber ler, designará a pessoa que o há de ler em seu lugar, sempre na
presença das testemunhas”. Assim o Código Civil da Espanha, art. 697, o~
mexicano, art. 3.772 (art. 3.503), o uruguaio, arts. 759 e 766, e o
venezuelano, art. 849 (Si eI testador no sabe o no puede leer, se necessitan
dos testigos más de los requeridos en ei articulo 840, y d‟ebe expresar su
voluntad ante ellos de palabra). O extinto Código Civil italiano, art. 787,
alíneas

2 a e 3 a, exigia: “Ove il testatore sia incapace anche di leggere, debono


intervenire cinque testimoni. Si il testamento é ricevuto da due notai,
bastano tre testimoni”. No Código Civil italiano de 1942, depois de se dizer
no art. 608,

a parte, que: “Se II testatore non puô sottoscriv‟ere, o


2~a alínea, 2

puô farlo solo con grave difficoltá, deve dichiararne la causa, e il notalo
deve menzionare questa dichiarazione prima della lettura delI atto”,
acrescenta-se, como alínea S.a: “Per il testamento deI muto, sordo o
sordomuto si osservano le norme stabilite daíla legge notarile per gli atti
pubblici di queste persone.

Qualora il testatore sia incapace anche di leggere, devono intervenire


quattro testimoni”. Radical o Código Civil argentino, art. 3.65-1: por ato
público não podem testar o surdo, o mudo e o surdo-mudo.

2.SURDO QUE LÊ E SURDO QUE NÃO LÊ. No Código Civil, art. 1.636,
prevêem-se dois casos: a) o do surdo que sabe ler, e satisfaz os dois
requisitos de falar e de ler (substituido o ouvir pela leitura feita por êle
mesmo, facilitação que se impunha por valer tanto quanto ouvir, talvez
mais, o ler o testador o que se escreveu, ditado ou declarado por êle) ; b) e o
do surdo que não lê, e indica quem por êle leia, facilitação que importa
verdadeira nuncupatividade, em ato de confiança no testador,
impossibilitado, ex hypothesi, de ouvir a leitura, como de ler.

8. ASSINATURA DO SURDO. Se o surdo sabe ler e assinar, lê e assina o


testamento. Se o surdo não sabe ler, nem assinar, alguém, que êle designe,
presentes as testemunhas, lerá o seu testamento. Levantou-se a questão: ~

quem há de assinar por êle? O leitor (cf. art. 1.686 do Código Civil), ou
uma das testemunhas instrumentárias de que fala o art. 1.633?

Uma vez que o leitor figurou, deve assinar, mas assinar por si, como leitor
que foi, a rôgo do testador: quem assina pelo testador é a testemunha
instrumentária com que o artigo 1.633 facilita aos que não sabem ou não
podem assinar o requisito do art. 1.632, IV, a que se não reporta o art. 1.636.
Ocorre o mesmo quanto ao cego.

Se o surdo não sabe ler, mas sabe e pode assinar, não lhe é dispensada a
assinatura: o art. 1.686 é exceção ou dispensa do requisito da leitura (art.
1.682, III), e não da assinatura (art. 1.632, IV) . Exceção ou dispensa do
requisito da assinatura foi matéria do art. 1.633. (Tudo isso era diverso no
direito romano onde êsse terceiro era subscaptor.)

4.CAPACIDADE DO LEDOR DO TESTAMENTO DO SURDO QUE


NÃO LÊ. A lei não chama testemunha ao ledor do testamento mas deve êle
ter os requisitos exigidos às testemunhas; e não só os requisitos de atestação
como também os de instrumento testamentário (art. 1.650) . Por
conseguinte, não podem ser encarregados da leitura: os menores de
dezesseis anos, os loucos de todo o gênero, os surdos-mudos e os cegos, o
herdeiro instituído, seus ascendentes e descendentes, irmãos e cônjuge, e os
mais de que se fala sob o art. 1.650.

5.SE O LEDOR É OITAvO FIGURANTE. O art. 1636 deriva do extinto


Código Civil português, art. 1.917. Mas, aqui e ali, a interpretação foi
divergente. No direito português, entendia LOPES PRAÇA (Lições
litografadas de Direito Civil, 281) que as testemunhas instrumentárias não
podem ser designadas para a leitura do testamento, teria de intervir outra
pessoa, que seria estranha às figurantes, e JosÉ TAVARES (Sucessões, 615)
achava dispensável a pessoa suplementar, incumbindo-se da leitura uma das
testemunhas instrumentárias. No direito brasileiro, de um lado, CLóvís
BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 91), e do outro, JoXo Luís
ALVES

(Código Civil anotado, XI, 1~a ed., sob o art. 1.149) e ITABAIANA DE
OLIVEIRA (Elementos de Direito das Sucessões, 233). Dizia CLÓVIS
BEVILÁQUA (90 s.) : “Deve ser mencionada no testamento a
circunstância, a que se refere o artigo. Não é necessário que a pessoa
designada para ler seja testemunha suplementar. Poderá ser uma das
instrumentárias, que devem estar reUnidas para ouvir a leitura.
Confrontando-se êste artigo, com o 1.633 e com o 1.638, verifica-se que o
Código dispensa a intervenção de mais de uma pessoa, no ato, sempre que o
testador não pode executar por si uma das formalidades do testamento
público, e a lei permite que outrem a execute em seu lugar”. Diferente o que
pensava ITABAIANA DE OLIvEIRA (233):
“O Código Civil, neste art. 1.636, afastou-se do seu sistema, pois, sempre
que o testador não pode executar, por si, unta das formalidades do
testamento público, a lei determina que uma das testemunhas
instrumentárias a execute em seu lugar. É o que se verifica nas hipóteses
dos arts. 1.633 e 1.637. Entretanto, a pessoa designada para proceder à
leitura do testamento do surdo não pode ser uma testemunha testamentária.
Há de ser uma testemunha suplementar, que procederá à leitura na presença
das instrumentárias”. Como resolver?

§ 5.871. SURDO E LEITURA O Projeto revisto copiou-o do extinto


Código Civil português: a lei estatui, retrogradamente, que seja outrem,
designado, que o leia. Querer que possa ser uma das testemunhas, tratando-
se, como se trata, de matéria formalística, fôra abertamente dispensar na lei.
Ora, as contemporâneas tendências de interpretação das leis, que autorizam
o juiz a formular a própria regra jurídica, evita tal intromissão quando se
trata de resolver assunto de direito formalistico.

6.SE O LEDOR, QUE SABIA A LINGUAGEM DOS SURDOS, LEU


PARA SI, E NÃO PARA O SURDO. A lei não exige que o leitor saiba a
linguagem dos surdos e lhe traduza as declarações que fêz o testador, e
foram escritas pelo oficial - A formalidade do art. 1.636 importa leitura pelo
surdo que não sabe ler: o leitor designado como que representa o surdo, e
tal leitor das notas pode não entender os sinais da linguagem especial. Mas,
se o testador sabe tal linguagem e o leitor pode reproduzir o que está
escrito, deve fazê-lo. Se o não faz, certo não acarretará isso nulidade, porém
estabelece indicio forte, pra esumptio facti, na ação de invalidade em que se
pretenda provar terem sido inexatas e dolosas ou fraudulentas as
declarações escritas.

7.SURDO-CEGO E A FORMA DE TESTAMENTO. A tal disponente a lei


não veda o testamento público: êle fala. Porém, por ser surdo, alguém, que
não seja uma das testemunhas, nem o oficial público, tem de ser designado
por êle, para ler o testamento. Talvez, no caso anterior (n. 6), transmitir-lhe
o que está escrito (é possível, ex hypothesi, a linguagem do surdo-cego). Por
ser cego o testador, tem de ser lido duas vêzes o testamento: uma, pelo
oficial público, e outra, pela testemunha instrumentária que fôr designada.
Portanto, três leituras: a do oficial, indispensável, a especial da surdez (por
delegação a oitava pessoa) e a especial da cecidade, por uma das
testemunhas instrumentárias.

Em todo o caso, pode a doutrina atenuar a regra jurídica, pois não se trata
do caso no n. 5. Se uma das testemunhas não leu, mas o surdo cego
designou estranho para a leitura, além da que deve fazer o oficial público,
não se deve dar por nulo o testamento, porquanto a delegação de leitura é
mais do que o pressuposto especial concernente à cegueira, que teria por
fito ser verificado, auditivamente, pelo testador, o redigido pelo oficial
público, e a verificação, pressuposta no art. 1.637, o cego-surdo não pode
fazer.

§ 5.872. Testamento público do cego

1.PERMISSÃO ESPECIAL DA TESTAMENTICAÇÃO. Ao cego só se


permite o testamento público, que lhe há de ser lido, em alta voz, duas
vêzes, uma, pelo oficial, e a outra, por uma das testemunhas, designada pelo
testador; fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento (Código
Civil, art. 1.637). O art. 1.637 proveio do Projeto revisto, art. 1.973: “O
cego só pode fazer testamento aberto, que será lido em voz alta, duas vêzes,
uma pelo oficial público, e outra por uma das testemunhas desiguada pelo
testador, devendo esta circunstância ter menção especial no testamento”. No
Código Civil chileno, art. 1.019, inspirou-se o art. 1.637 do Código Civil
brasileiro:

“El ciego podrá solo testar nuncupativamente ante escribano, o funcionario


que haga veces de tal. Su testamento será leido en alta voz dos veces; la
primera por ei escribano o funcionario, i la segunda por uno de los testigos,
elejido aí efecto por ei testador. Se hará menciow especial de esta
solemnidad en ei testamento”. Cf. Código Civil urúguaio, art. 760, e
espanhol, art. 698 (por uno de los testigos ú otra persona que el testador
designe) Ocego podia testar por outras formas (Decreto n. 2.878, de 23 de
junho de 1879) . Aliás, se êle, porventura escreve, não se lhe pode negar a
feitura de testamento cerrado ou de testamento particular. O direito
brasileiro seguiu os códigos civis bispânicos.
Era assente a capacidade de testar dos cegos (SAMUEL STRYK,
Disputatio de testamentis corpore vitiatorum, §

3; F. II. M. KERSTEN, Dissertatio de visu privatis eorum que iuribus, § 15)


. A discordância, assim no antigo como no direito dos tempos modernos,
era quanto à forma que se lhe permitia (CER. ER. VON GLtYCK,
Ausfiihrliche Erlãuterung der Pandeeten, 34, 27). Salvo PETRUS FABER
(Ad Ulpiani fragmenta, Tít. XX, § 13, GERARD MEERMANN, Novus
Thesaurus juris civilis et canon., VII, 762), com a conclusão de que não
valia o testamento do cego por lhe ser impossível ver as testemunhas. Ora, o
in cons»ectu testatoris não tinha tal sentido, mas o que mostrara J. C.
KOGK (Progr. de conspectu testatoris ad. L. E C., de testam., 9: “sub
praesentia ipsius testatoris”).

O direito justinianeu, a Ordenança de Maximiliano (1512), e as Ordenações


de Portugal foram beber na Constituição de Justino a exigência da forma
oral pública, excluída a possibilidade da escrita (Huoo DONELO,
Commentarii de iure dviii, 1111, 328) : porque o escrito, dizia-se, precisa
ser lido às testemunhas, e o cego não no pode ler (CHR. FE. vON GLÚCE,
34, 31). Seria, hoje, mau argumento. O que o testador lê é o que êle mesmo
escreveu e o cego não pode fazê-lo. O que se pode invocar é que êle não
poderia salvo se as testemunhas usassem escrita de cegos verificar se
assinaram - A oitava testemunha, se faltava notário, o direito de hoje não na
possui. O

Código Civil só permite ao cego o testamento público.

O Código Civil exige que se leia duplamente: uma vez, pelo oficial público,
que o escreveu, e outra, por uma das testemunhas. Predominou não só a
exigência da leitura (assaz discutida: por ela, DANIEL NETTELBLADT,
Dissertatio de testa-. mente nuncupativo iv. seripturam redacto, 20; M. G.
WERNHER, Commentationes lectissimae ad Digesta, § 7; dispensando-a,
Cmi. FR. VON GLÚCK, 34, 35), como também a de ser lido pelo oficial
público e por uma das testemunhas.
Tal formalidade é a que se dá no art. 1.636, relativo ao surdo, porque, no
caso dêsse, a leitura não é ouvida: o ler é ato de confiança pessoal. O oitavo
verifica pelo testador. Ao passo que o cego ouve. No art. 1.637, relativo ao
cego, a lei diz que o lerá, como segunda leitura, uma das testemunhas.

A questão está em se saber se o testador pode escolher oitava pessoa. Seria


abundância de forma, de garantia, e isso non nacet. Aliás, os velhos
dissertadores já o haviam decidido (M.D. GROLMANN, Commentatio de
necessaria ultimarum voluntatum praefrctione, c. II, § 6; 3. G. KOEHNEN,
Dissertatio de forma testamenti externa a coeco observanda, c. II, s. § 8,
n.IV).

2.ASSINATURA DO CEGO E DISPENSABILIDADE. Já se disse que o


cego, que sabe e pode assinar, deve fazê-lo, O artigo 1.637 só dispensa o
que não é possível observar-se. E a assinatura só se dispensa aos que rido
sabem ou não podem assinar.

Resta uma questão: se o cego assina, j, a testemunha, que leia o testamento


(depois da leitura pelo oficial público), precisa. por ele assinar? Não. O art.
1637~ exige a leitura pelo oficial público e pela testemunha designada. É

exigência, a nuns. Quanto à assinatura nada disse. Portanto, observar-se-á,


integramente, o art. 1.682, IV, se o cego sabe op pode assinar. Se não sabe,
ou não pode, recorre-se ao art. 1.038, que não se refere só aos analfabetos,
mas, em geral, a todos os que não saibam ou não possam assinar.

Estendiam as exigências da lei de Justino aos testamentos privilegiados:


além de J. J. WISSENBACH, 3. PACIUS

(Analys. Institut., ad § 4, 1, Quibus non est permiss. facere testam., 241), 3.


U. voN CRAMER (Wetzfrtrische Reitrãge, 88 s.), 3. F. RIvINUs
(Dissertatio de testamento parentum inter liberos corum duobus testibus
condito, respectu aliarum personarvflt invalido, § 22), e A. F. RívíNus
(Dissertatio de testamento rrentum privilegiaria solenne prius conditum
non infirmanter §§ 15-17) - Mas, hoje, com o art. 1.668, seria arbitrária tal
conclusão: o que servia militarmente e se achava na situação do ad. 1.687
pode testar, se cegou. A cegueira resultante da guerra ou ainda se não
resultante de pessoas em combate, não obsta ao testamento especial.

§ 5.873. Considerações finais sôbre testamento público

1.PRECISÕES. Algumas considerações devem ser feitas sôbre o testamento


público, além das que constituem matéria da lei civil. Ou porque concernem
ao direito judiciário das entidades intra-estatais, ou por suporem o
conhecimento global dos dispositivos do Código Civil. Lendo-se os arts.
1.632-1.637, vê-se que êles contêm regras jurídicas que se ligam a direito
judiciário e a dados especiais, relativos a circunstâncias subjetivas do
testador: não saber ou não poder assinar,não poder ditar de viva voz, ser
surdo, ser cego. Se algum Estado-membro exige que os livros sejam em
determinado papel, ou que os testamentos cerrados o sejam, os livros, com a
rubrica de quem os deva rubricar, ainda se em outro papel, são livros de
notas; sendo cerrado o testamento, a lei estadual não lhe pode atingir a.
validade.

6: Aliás, quando o imperador Maximiliano 1, em 1512, exigiu o


pergaminho dos testamentos notariais, impôs mais do que o bom senso
permitiria. O destino da regra jurídica foi o que se viu: caiu em desuso. As
leis são feitas para servir à vida, e não para de servi-la. Cf - B. BAImILI
(Disputatio de subacriptione, 32-84).

O Código Civil brasileiro não acolheu o testamento judicial ou apud acta:


só se referiu ao testamento lavrado pelo oficial público; portanto, pelo
oficial que tenha fé pública. Se alguma legislação estadual desse ao juiz de
paz, explicitamente, tal função, teria criado para os testamentos na pessoa
do juiz, atribuição tabelionária. O direito federal seria o mesmo.

2.DIREITO CANÔNICO. A tentativa de fazer recuar o testamento ao


comêço de ciclo social, à preponderância da religião, como pretendeu e
logrou o direito canônico, teve contra si o surto dos próprios tempos,
repondo o instituto na sua situação histórico-evolutiva.

No direito canônico, eram só duas as testemunhas (c. 10, IX, III, 26), vindo
de Alexandre III. O fim era facilitar os testamenta ad pias causas. A Igreja
sempre pugnou pela liberdade de testar e pelas facilitações ao dispor intuitu
morlis. Política econômica, tenaz e sutil, que veio até os nossos dias. Com
os seus prós e os seus contras.

3.ESSENCIALIDADE 1)05 PRESSUPOSTOS. Tôda a matéria dos arts.


1.682-1.637 do Código Civil constitui solenidade essencial. Quer dizer: não
pode ser dispensada. Se faltou,. é nulo o testamento. Mas a distinção, que
devemos fazer, não concerne a tal sentido. Tudo que é intrínseco e tudo que
é extrínseco nos artigos citados interessa igualmente à segurança jurídica e,
pois, não se pode dispensar, nem omitir. O discrimedo intrínseco e do
extrínseco, assaz importante em direito internacional privado e em direito
intertemporal, merece feito, atendendo-se a especial qualificação do direito
brasileiro. O fato de todos as referidas regras jurídicas se acharem dentro do
capitulo intitulado “Das formas ordinarias do testamento” não prova que
tudo seja extrínseco, nem que se lhes devam aplicar, indistintamente, os
princípios de direito intertemporal e de direito internacional privado
relativos às formas extrínsecas.

Assim, impõe-se a distinção: 1) É requisito essencial ex trínseco: a) o ser


ditado ou declarado; b) a assistência das testemunhas a todo o ato; c) a
leitura pelo oficial público, na presença do testador e das testemunhas, ou
pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial público; d) a
assinatura pelo testador, pelas testemunhas e pelo oficial público; e) o
número cinco de testemunhas; f) o serem feitas as declarações em língua
nacional; g) a especificação das formalidades pelo oficial público e o portar
por fé, no testamento, terem sido tôdas observadas; Ii) o terem de ser de
viva voz as declarações. Tudo isso é essencial ao testamento que se faz no
Brasil, sub pena de nulidade. Tudo isso, como se há. de ver, constitui
princípio de ordem pública, no plano internacional, isto é, obrigam a todos
que se achem no território brasileiro, quer sejam Brasileiros, quer não.
Idem, no tocante a testamento público feito em consulado brasileiro, no
estrangeiro.

Também é extrínseco, também só deriva do testamento feito no Brasil,


perante oficial público brasileiro, ou em território estrangeiro, que se ache
sob govêrno de fato brasileiro, perante oficial público brasileiro, ou em
consulado brasileiro, a responsabilidade a que se refere o art. 1.634,
parágrafo unico.

2)~ requisito essencial intrínseco: a) a formalidade relativa ao surdo, que


não saiba ou não possa escrever, pois só deve testar por forma pública
(espécie) ; b) a formalidade relativa ao cego, que não pode usar de outra
forma que não seja o testamento público; c) pela mesma razão, o que não
sabe ou não pode assinar.

Nos arts. 1.638, 1.636 e 1.637 existem, portanto, formalidades extrínsecas e


formalidades intrínsecas: o que é extrínseco consiste no modo de testar por
forma pública e isso pode variar conforme o país em que se achar o
Brasileiro, ou pessoa domiciliada no Brasil, e o que é intrínseco é a
exigência do testamento público.

Quanto ao mudo, domiciliado no Brasil, que se acha no estrangeiro, pode


testar pela entrega de escrito ao oficial. A exigência de viva voz é só
extrínseca.

4. DIREITO INTERTEMPORAL. Tudo que é extrínseco concerne ao ato, à


forma em sentido estrito, obedece, pois, à regra do direito transitório tempus
regit actum. Se um testamento foi feito na vigência do Código Civil, de
acôrdo com o que se estabelece na lei, e lei nova vem, que altera o
extrínseco, nem o testador precisa inteirar-se da nova lei, nem sofre com
isso o testamento feito. Salvo está visto o despotismo de direito nôvo, que
fôsse explícito em exigir aos testamentos já feitos, sob pena de nulidade,
formalidades que não eram essenciais. Na maioria dos casos, tal direito
nôvo não resistiria ao princípio constitucional contra leis retroativas.

Quanto ao intrínseco dos arts. 1.633, 1.636 e 1.637, por se tratar de


circunstâncias subjetivas, que tocam ao exercicio das formas, rege-se, à
semelhança do que se passa com a capacidade testamentária, pela lei do
tempo da morte.

Por onde se vê que a Seção II do Capitulo III (arts. 1.632-1.637) não traz
dificuldades de direito intertemporal.
Tudo se rege pela lei do tempo em que se lavrou o ato testamentário ou pela
lei da data da morte.

O art. 1.634, parágrafo único, não tem outra lei que a lei do ato: se lei nova
extingue ou agrava ou atenua a.

responsabilidade civil do oficial público, não pode apanhar a que deriva de


testamento feito antes da sua vigência.

Quanto à responsabilidade criminal, a lei nova não pode agravar. Tão-pouco


se poderia aplicar pena a ato que já se não reputa crime. Mas, na espécie,
fôra de mister revogar-se o art. 1.634, parágrafo único, do Código Civil, que
se reporta a crime e entendeu frisar a responsabilidade criminal.

Se, acaso, a lei antiga permitia a declaração per procuratorem, ou por


entrega de escrito por outrem, e o testador morre, sob a lei nova, que o
veda, não se cumpre o testamento:

O testador podia ter atendido à lei do tempo da morte, e não atendeu. Não
se trata de forma. Veremos conclusão simétrica em direito internacional
privado. Não assim se não mais podia atender.

5.DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. Todo o extrínseco dos arts.


1.632-1.637 do Código Civil obedece à lez boi. No território brasileiro ou
sob jurisdição brasileira, o oficial público não pode obedecer a outras leis,
nem se eximir da responsabilidade quando dispense ou omita as
formalidades daquelas regras jurídicas.

Por outro lado, se o testador, estrangeiro, não é domiciliado no Brasil, e o


Estado do domicílio ou da nacionalidade, lhe veda, no estrangeiro, a forma
pública, e lhe impõe a forma particular holográfica, nenhum interêsse tem o
Brasil em lhes permitir que viole a qualificação da lex domicilii, ou da lex
patriae.

Quanto ao analfabeto domiciliado no Brasil e quanto ao domiciliado cego,


não podem testar senão perante a autoridade pública (notário, ou juiz, se a
lei local tiver tal forma), ou perante o cônsul brasileiro. Igualmente, o
completamente surdo, que não saiba ou não possa escrever: se pode
escrever, pode testar hologrâficamente, ou, sabendo ler e assinar, ainda
alogràficamente, se o permite a lei local.

Quanto ao mudo, se a lei do Estado em que está admite o testamento


público pela entrega de escrito, vale, pois que o art. 1.635 somente contém
exigência extrínseca.

6.ORDEM PÚBLICA E TESTAMENTO PÚBLICO. Constitui matéria de


ordem pública interna: a personalidade das declarações ou entrega do
escrito ao oficial público, a leitura ao testador ou por êle (caso contrário,
seria negar ao testador a possibilidade da conferência), salvo se impossíveis
a audiência e a leitura.

Finalmente: somente quando exista impossibilidade material do exercício


de outra forma pode-se admitir a nuncupatividade, e será pública
(testamentum nuncupativum in scripturam redactum), ou, se o testador lê,
por testamento pública-mente aprovado (Código Civil, art. 1.638/1 e III).
Ai, há ordem pública interna e internacional.

Quer dizer: o domiciliado no Brasil, mesmo estrangeiro, se não é cego nem


surdo que não saiba escrever, nem analfabeto, ou impossibilitado de
escrever e assinar, não pode testar nuncupativamente, e naqueles casos teria
de fazê-lo por forma oficial (pública ou cerrada). Por outro lado, o
testamento de quem é domiciliado no Brasil, feito fora do Brasil
nuncupativamente perante testemunhas e redator não oficial, ou ainda
perante êsse, sem impossibilidade de uso das outras formas, vale para o
Brasil, mesmo se não vale para a lez patriae.

É nulo o testamento feito no Brasil por procurador, ainda

que o admita o Estado estrangeiro. Mais: ainda quando o procurador


sêmente entregue o escrito. Não era assim, nos séculos passados. Mas, hoje,
é princípio de ordem pública a ice presentabilidade para testar. Voluntas
propria: caso contrário, seria de vontade alheia. E o rigor formular opõe-se
a interpretação que ponha em dúvida a pessoalissima declaração da última
vontade. Fazendo-o por entrega de outrem, seria in fide privata, e não in
fide publica.

O juiz brasileiro deve mandar cumprir o testamento público, feito alhures,


que se lançou após a entrega do projeto

-pelo próprio testador. Mas negará o “cumpra-se”, por ser contra a ordem
pública, a qualquer testamento que se fêz mediante entrega por outrem de
escrito do testador ou de outrem, salvo se consta do texto que o testador
ouviu, e depois da leitura, o confirmou, subscrevendo-o. A entrega precisa
ser pessoal. Na pior das hipóteses, seguida de ato pessoal, que valha o
mesmo que a entrega. É a maior concessão que se pode fazer. Nos próprios
séculos anteriores, era forte a repulsa a tais atos do testador per alios
voluntatem suam apud acta declarante (E. CARPZov, Inrisprudencia
forensis, III, 3, 23; F. C. HARPPRECHT, Dissertatio de testamento
iudiciali, Dissertationes academ., § XI; W. A. LAUTERBACH, Dissertatio
de testamento -indiciali, § 14; J. II. DE BERGER, Qeconomia inris, 1, 358;
J. HEUMANN, De testatore per alios voluntatem suam apud acta
declarante, Rkcercitationes iuris univ., 1, § 5; W. A. SPIES, Dissertatio de
testamento per procuratorem non offerendo, passim; JUST.
CLAPROTE, Theoretische-practische Rechtswissenschaft von freiwilligen
Gerichtshandlungen, 186).

Quem seja oficial público, di-lo a lei do lugar (J. MEUMANN, De testatore
per alios voluntatem suam apud acta declarante, R‟xercitationes juris nniv.,
1, § 2; 3. A. Korp, De testa-mentis Germanorum iudicialibus et sub dia
conditis vulgo nngehat vnd ungestabt, § 12; H. C. SENCKENBERG,
Disqui.sitio acad. de testamenti publici origine et solennitatibus extrinsecis.

-c. 4; 3. F. LUDOvICI, DisseÃ-tatio dc actuarji praesentia in actu testandi,


§ 18 s.). Seguirá êle o seu estatuto: pode ser singular, ou coletivo; pode ser
juiz, tabelião, escrivão (cf. C. 1. WIESE, Pra gr. quo testamentum coram
satrapa et sa-trapiae seribaconditum jure statutario Moguntino validvw~
esse demoflstrat., e. II, §§ 1-8; L. G. MADIHN, Principia juris romafli de
suecessionibUS seu de iure hereditario-, § 86) A lei do Estado, em que se
acha a pessoa domiciliada no~ Brasil, pode dispor que, longe dos lugares
em que haja juiz ou notário (a autoridade ordinàriamente competente), outra
figura de oficial público (e.q., o agente municipal, o delegado) exerça as
funções. Vale tal testamento. É êle (extraordinàriamente, é certo) oficial
público (5. G.

I{RAUS, Dissertatio de testamentis co-ntroversis, praesertim publicis, §


16) O testamento feito perante oficial público ou juiz, sem testemunhas, de
acôrdo com a lei estrangeira, ~,pode ser cumprido no Brasil? Não,
responderiam J.L. ScHMIDT (0/ fenti. Recht spriiche, §§ 5 e 6),
SCHIERSCHMID

(Dissertatio de testamento corum solo judice nou conficiendo, § 18,


dissertação especial que, em 1764, escreveu sôbre o assunto), A. K. II. vON
HARTITZSCI-I (Das Erbírecht naeh q-õmischen und hxtutigen Rechtefl, §
71) e CARL SUL. MENO VALETT (Lehrbuch eles prakttsehefl
Pan.dektenrechts, III, § 961) . Invocaram o direito canônico (cap. 11, X, de
probat., e 28, X, de teM.), no qual si super tes-tamentis quaestio agitetur, a
só palavra do juiz não faria prova. Mas havia o argumento de não só o juiz
figurar e tratar-se, na espécie, de fé judicial (5. C.
BALSER, Libeil. sing. de forma testame‟nti judicialis externa-, § 84), o
outro, de não ser aplicável o direito canônico, e sim o direito romano (5. F.
LUDOVICI (Dissertatio de actuarji praesentia in actu testandi, § 85), e
valer o princípio: super/lum eM privatum testimoflium, cum publica
manumenta suffici-ant (F. C. CONRADI (Dissertatio de testamento
publico, quod fit apud acta, § 16; D. G. STRUBE, Rechtiiche Bedeniceu, II,
172) A questão é delicadíssima. Tratando-se de oficial público. é
indispensável o testemunho instrumental (duas testemunhas ou mais) .
Tratando-se de juiz, êle e o escrivão são imprescindíveis, ainda para aquêles
que, como F.

E. PUFEND0RF (De jurisdictione germanica, 1, c. IV, § 71) e C. 1. WIESE


(Progr. qua testamentum coram satrctpa et satrapia e seriba- conditum zure
statutario Moguntino validum esse demonstrat., c. II, § 3) ainda mais
concediam. Resta saber se são de mister testemunhas. Os dois autores
citados, mais E. O. WESTPHAL (Rechts gutaohtefl, II, n. 45, 15), julgaram
desnecessárias: a fé judicial não precisa de atestantes. Outros iam além: o
escrivão pode representar o juiz (AUG. DE LEYSER, Meditationes ad
Pandectas, V, 854, 8; O. F. WALCH, Introductio in controversías juris
civilis, 294 5.; 5. E. GEIGER u. CHE. FE. VON GLÚCE, Merkukiird.

I?echtsfdlle und Abhandlungen, 1, 192). Alguns distin-.guiam se o testador


entrega escrito ao juiz, ou se presta, oral-mente, as declarações. No primeiro
caso, pode estar só o juiz; no segundo, é de mister a presença do escrivão,
porque quem escreve é êsse, e não o juiz. Mas, ~,se a lei do lugar permite
qua juiz escreva? Dai a distinção de C.

1‟. WALCH (Introductio in controversias juris civilis, 294) : juiz que pode
e juiz que não-pode escrever (L. G.

MADIHN, Principia iuris romani de sucoessionib‟us seu de jure


hereditario, § 85; e A. F. 5. THIBAUT, Sgstem des Pandektenrechts, II, §
694). Outros achavam que o juiz sempre poderia (AuG. DE LEYSER,
Meditationes ad Pandectas, 607; W. A. LAUTERBACIi, Coilegium
pandectarum, II,. § 49; 5. II. BERGER, Oeconomia iuris, 1, 860; 5. O.
KRAUS, Dissertatio de testamentis controversis, praesertim publicis, § 89),
como entendia a velha praxe, com B. CARPZOV, 5. II. BOEIiMERe 5. U.
VON CRAMER.

A lei do lugar é que decide sôbre quem deve funcionar como~ juiz ou
oficial público: por escolha, designação, alternatividade, distribuição por
escala, etc. Tratando-se de juiz colegial ou de oficiais colegiais, dirá quanto
ao número, a composição, etc. (5. C. BALSER, Libeli. sing. de forma
testamenti iudicialis externa, §§ 17, Si e 86; C.

1. WIESE, Progr. qua testamentitifl coram satrapa et satrapiae seriba


co‟nditum jure statutarU> Moguntino validum esse dem-onstrat., e. II, § 4;
5. O. QUISToRP, Beitràge zur Eríduter. versch. Rechtsmateriefl, 611 s.).

Igualmente, quanto à facultatividade concedida ao testador.

Se falta o escrivão, pode o juiz nomear ad hoc (cp. W.H. PUCHTA,


Handbuch des gerichtlichen Verfahrens, II, §

248). Conclusões: a) No testamento judicial, juiz e escrivão devem-estar


presentes. Se falta o- juiz, outro juiz que, por lei, o substitua; se falta o
escrivão, o que por lei, ainda ad hoc, o possa substituir. b) Se nuncupativo,
por motivo de impossibilidade do exercício de outra forma testamentária,
será preciso que. além de juiz e de escrivão, figure alguém que assine a
rõgo ou ateste, É de ordem pública, para o Brasil, que ainda perante o juiz a
declaração oral seja assinada ou atestada, o) Mas escrito pelo testador
(hológrafo), entregue - ao juiz, se a lei permite, expressamente, que o juiz
esteja só e torne perfeito o ato, não ofende ã ordem pública, e pode ser
cumprido no Brasil.

d) No caso de se destruir o livro de notas ou o livro judicial, a restauração


faz-se segundo as leis locais. A sentença precisa ser homologada para que
se cumpra no Brasil.

Em todos os casos, ~é nulo o testamento feito perante o notário, ou o juiz,


onde se admitir o testamento judicial?
Os velhos escritores separavam-se. Alguns juristas, como T. S.
REIN1IARDT, negavam a validade, pelo caráter

“sagrado” do território. Queriam que os súditos seguissem a lei do lugar e


obedecessem. Compreende-se a que consequências se chegaria: o. cidadão
de um Estado não saIria dêle para testar. A questão estava mais do que
deslocada. Os outros preliminarmente assentaram: o testador pode sair do
lugar onde mora e procurar o oficial público, perante quem teste, ou levar o
testamento cerrado para que o aprove, ou escrever, fora, o seu testamento
particular, O pertencer a um Distrito, Província, Estado-membro, ou Estado,
não prende o testador (W . A.

LAUTERBACH, Dissertatva de testamento indiciali, 19; E. E.


PUFENDÚRF, De jurisdictione germanica, § 71) Se feito por oficial
público fora da jurisdição (dentro do mesmo Estado), não em relação a
testador residente ou domiciliado noutro lugar, ou no mesmo, mas em
relação ao lugar em que se acha o próprio oficial, é que tem sentido a
questão. Trata-se de jurisdição voluntária, mas jurisdição, e como tal
ineficaz eztrg territorium (L. O.

MADHn4, Mis eetlen aus allen Theilen der Rechtsgelahrtheit, 118 s.; C. 5.
M. VALErr, Lehrbuch des praktischen Pandektenrechts 218; CER. ER. vim
GLÍYCK, 34, 27).

O testador pode testar onde bem quer. Ainda mais: ir ao estrangeiro testar.
Mas há de escolher oficial (ou juiz, se a lei do lugar tem testamento-
público) territorialmente competente (C.D. UBER e O. 5. MADHIN,
Diatribe de validitate testa,menti non rite oblati, § 19)

Houve discussão, no caso de chamada à casa do testador, mas a


competência territorial é indispensável. No caso de doença, ou outro
motivo, o testador pode chamar o oficial público, desprezado, assim, o
velho aspecto do oficio e da justiça fixada (J.A. K-opp, De testamentis
Germanorum judicio,. libus et sub dia conditis vulgo ungehabt uM

ungestabt, § 10; II. C. SENCRENHERO, Disquisitio acad. de testamenti


publici origine et solenuitatibus extrinsecis, c. Til, § 10; 5. C. BALSER,
Libeil. sing. de forma testamenti judicialis externa, § 14). Hoje, ubi iudex,
114 indidum. Se os atos judiciais podem ser praticados fora da sede do
juízo, máxime os dos oficiais públicos, os atos estão dentro das linhas de
competência. A controvérsia cedo se apagou (5. O. RaAus, Dissertatio de
testarnentis controvet-sis, praesertim publicis, § 27) . Mas é preciso que o
oficial diga por que se -deslocou: a regra é praticarem-se os atos na sede;
quando se praticam fora, faz-se preciso mencionar o motivo da exceção (L.

O. MAmRN, Principia iuris romani de successionibus seu de jure


hereditario, § 85; JUST. CLAPROTH, Theoretische-practische
Rechtswissenschaft vou freiwilligen Ge‟richtshandlungen, 195).

Assim como o testamento pode ser feito, excepcionalmente, em casa do


testador, chamado o oficial público, também, se não há tempo para fazê-lo
no cartório, pode o testador ir à casa de residência do oficial público (FICA.

TRUTZSCHLER, Anweisunq zur Abfassung der Berichte, II, 6, §§ 8-5;


M.O. WERNHER, Commentationes lectissimae ad Digesta, § 16; W. H.
PUCTITA, Handbuch des gerichtlichen Ver fahrens, 2. Th., § 248), ou de
outrem, em que se ache o testador, ou o oficial público.

Mais: se as circunstâncias o exigem, pode o testador, chamado o oficial


público, ter de fazer o testamento público em praça, ou clube, ou rua, ou em
lugar em que estejam a salvo de calamidade pública, ou se o testador está
sendo perseguido, ou em lugar de segurança pública.

TESTAMENTO CERRADO

§ 5.874. Requisitos essenciais

1. REGRA JURÍDICA ESPECIAL. “São requisitos essenciais do


testamento cerrado” (Código Civil, art. 1.688) :

“1. Que seja escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rôgo. II. Que
seja assinado pelo testador. III. Que não sabendo, ou não podendo o testador
assinar, seja assinado pela pessoa que lho escreveu. IV. Que o testador o
entregue ao oficial em presença, quando menos, de cinco testemunhas. V.
Que o oficial, perante as testemunhas, pergunte ao testador se aquêle é o seu
testamento, e quer que seja aprovado, quando o testador não se tenha
antecipado em declará-lo. VI. Que para logo, em presença das testemunhas,
o oficial exare o auto de aprovação, declarando nêle que o testador lhe
entregou o testamento e o tinha por seu, bom, firme e valioso. VII. Que
imediatamente depois da sua última palavra comece o instrumento de
aprovação. VIII. Que, não sendo isto possível, por falta absoluta de espaço
na última fôlha escrita, o oficial ponha nêle o seu sinal público e assim o
declare no instrumento. IX. Que o instrumento ou auto de aprovação seja
lido pelo oficial, assinando êle, as testemunhas e o testador, se souber e
puder. X. Que, não sabendo, ou não podendo o testador assinar, assine por
êle uma das testemunhas, declarando, ao pé da assinatura, que o faz a rôgo
do testador, por não saber ou não poder assinar. XI. Que o tabelião o cerre e
cosa, depois de concluído o instrumento de aprovação”.

Diferente era o Projeto primitivo, art. 1.808: “São requisitos essenciais do


testamento cerrado: 1.0. Que a carta testa mentária faça com o seu
instrumento de aprovação um todo de modo que não possa ser tirado o
conteúdo sem que se rompa o invólucro; 2.0. Que o próprio testador
entregue o seu testamento, fechado e selado, ao tabelião, na presença de
cinco testemunhas, ou que o faça fechar e selar pelo mesmo tabelião, à vista
das testemunhas, declarando em voz inteligível ou de modo inequívoco que
naquele papel se contém o seu testamento; 89. Que sob o dorso do papel ou
do invólucro do testamento escreva o tabelião o instrumento de aprovação,
do qual deve constar: a) A entrega do testamento e o pedido de aprovação;

b) O número dos selos e a forma dos sinêtes; e) A presença das testemunhas


nomeadas, desde o princípio da solenidade até o fim do ato; d) A menção de
ter sido o instrumento de aprovação lido perante o testador e as testemunhas
pelo tabelião;

e) A menção da assinatura do testador, das testemunhas e do tabelião; 49.


Que o auto de aprovação seja efetivamente assinado pelo testador, pelas
testemunhas e pelo tabelião”. Artigo 1.809: “Se o disponente não puder
escrever, assinará por êle uma das testemunhas instrumentárias, declarando
porque assim o fêz”.
O art. 1.688 do Código Civil provém do Projeto revisto, art. 1.974: “São
requisitos essenciais do testamento cerrado:

1.0.Que seja escrito pelo festador ou por outra pessoa a seu rôgo; 2.0. Que
seja assinado pelo testador; 3 O Que não sabendo nu não podendo o
testador assinar, seja assinado pela pessoa que lho escreveu; 49. Que o
testador entregue ao oficial perante as testemunhas em número pelo menos
de cinco varões e maiores de quatorze anos; 59.

Que o oficial, perante as testemunhas, pergunte ao testador se é aquele o seu


testamento, e se o há por bom, firme e valioso, quando o testador não se
tenha antecipado em declará-lo; 6.0. Que logo em presença das
testemunhas, o oficial faça o instrumento de aprovação, declarando nele que
o testador lhe entregou o testamento e o houvera por seu, bom e firme; „79.
Que o instrumento de aprovação comece logo e imediatamente no fim do
testamento; 8.0.

Que não havendo lugar na última folha escrita do testamento para nele
começar o instrumento de aprovação, o oficial ponha no testamento seu
sinal público, e assim o declare no instrumento; 99. Que o instrumento de
aprovação seja lido pelo oficial, assinado pelo mesmo, pelas testemunhas, e
pelo testador, se souber ou puder assinar; 10.0. Que não sabendo ou não
podendo o testador assinar, assine por êle uma das testemunhas, declarando
ao pé da assinatura que o faz a rôgo do testador, por não saber ou não poder
assinar”. Veio a emenda n. 1.594 do Senado (1902) “IV. Que o testador o
entregue ao oficial em presença, quando menos, de cinco testemunhas. V.

Diga-se:

“Que o oficial perante as testemunhas pergunte ao testador se aquele é o seu


testamento e quer que seja aprovado, quando o testador não se tenha
antecipado em declará-lo”. VI. Que para logo, em presença das
testemunhas, o oficial exare o auto de aprovação... VIII... o oficial ponha o
seu sinal público no testamento, e assim no instrumento o declare. IX. Que
o instrumento ou auto de aprovação seja lido pelo oficial, assinando êle, as
testemunhas e o testador, se souber, e puder”.
O testamento cerrado entrou na Espanha com a Lei das Sete Partidas, que a
Lei de Toro atingira com complementos.

Em Portugal, disse CARLOS MAXIMILIANO (Direito das Sucessões, 1,


5? ed., 441) que chegou com as Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 80.
Não é verdade. Lá está êle nas Ordenações Manuelinas e mais nas próprias
Ordenações Afonsinas.

Depois de falarem do costume (“que foi e he d‟antigamente em estes


Regnos”), as Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 108, § 1, foram assaz
claras: “O qual costume declaramos em esta guisa. primeiramente
mandamos, que aja lugar em todo testamento, assy aberto feito per
Tabelliam, como no caso que tever estormento pruvico nas costas, e que as
testemunhas em elle contheudas sejam todos barooés, e homeens que nom
sejam servos, e que sejam maiores de quatorze annos, em tal guisa que com
o Tabelliam, que fizer o testamento, ou instrumento nas costas delle, sejam
seis”. No § 5: “E se alguum quiser fazer codicillo, quer aberto feito per
Tabelliam, quer çarrado com estormento nas costas, quer feito e assinado
pelo testador, ou per alguma outra privada pessoa, deve-o fazer com quatro
testemunhas, barooens ou molheres, livres, e maiores de quatorze annos, em
tal guisa que com o Tabelliom sejam cinquo testemunhas”. E no ~ 6: “E
quando o testamento, ou codicillo assy forem feitos, como dito he,
mandamos que valham, assy como se tevessem sete, ou cinquo
testemunhas, segundo a forma do Direito commuum”.

2. UNIERRO ANTERIOR. As formalidades eram quase as mesmas que as


de hoje: escrito pelo testador, ou por outra pessoa a seu rôgo; se não foi
escrito pelo testador, mas êste sabia escrever, assinado por êle, sob pena de
nulidade.

As diferenças principais são as seguintes: a) escrito pelo testador o


testamento, o direito anterior não exigia a assinatura da cédula; b) as
expressões bom, firme e valioso eram sacramentais. (Mas havia
divergências.
PERmÇXo MALHEIRO, Consu1tas Juridicas, 460-488, satisfazia-se com
a manifestação da vontade de aprovação, por aquelas ou palavras
equivalentes; com êle, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 6 de junho de
1893. Contra, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdâo de 26 de julho de
1876, adstrito às Ordenações FUi-pinas, Livro IV, Título 80, § 1.0.)

Muito se discutia se era necessário que o testamento fôsse entregue cerrado


e cosido (necessariedade do segrêdo).

Não, respondiam os Assentos de 8 de agôsto de 1815 e de 10 de junho de


1817, e MANUEL DE ALMEIDA E

SOUSA: bastava ser dobrado. Cosido e cerrado donde o nome por tê-lo de
cerrar e coser o oficial, e não o testador, a que se concedeu cerrasse e
cosesse. Oficial vê, mas não lê. Contrária opinião: talvez pelo influxo dos
Códigos Civis francês e italiano, DuÂRm UE AZEvEDO e MARTINHO
GÂRCEz.

As Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, ~ 1.0, diziam:

“será cerrado e cosido, e êle testador o entregará ao tabelião perante cinco


testemunhas”. No § 2.0: “no instrumento, que se fizer, de aprovação cm
outra fôlho em que esteja envolto e cosido o testamento”. Daí concluir
FRANCISCO PINHEIRO (Tractatus de Testamentis, disp. 2, 3, n. 34):
“deinde claudi et consul debet; sic consutum tradendum est a testatore
tabeilioni”. Assim fechado havia de entregar-se. Ao oficial? Mas tinha-se de
começar da última fôlha escrita. ~ Como consegui-lo> se estava cerrado e
cosido? Reabrindo-o, dizia-se. Então,

~para que apresentá-lo cerrado e cosido? A. 3. GOuvEIÂ PINTO (Tratado


regular e prático de Testamentos e Sucessões, nota 803) e a Relação do Rio
de Janeiro, a 16 de dezembro de 1873, apoiavam tal solução.

No direito anterior, não se exigia a leitura da aprovação diferente, hoje, o


Código Civil, art. 1.638, IX), porém os praxistas reputavam uma das
solenidades, se bem que se pudesse provar, diziam, posteriormente.
8.ESPÉCIE DE TESTAMENTO NOTARIAL. O testamento cerrado ou
secreto é a segunda forma dos testamentos notariais. No público, o oficial
figura como instrumento da feitura, escreve-o. No cerrado, apenas lhe dá o
caráter de autenticidade exterior, que lhe advém de ser aprovado, fechado e
cosido pelo tabelião. Todo testamento público é ato do oficial. No
testamento cerrado, só o ato de aprovação, seguido do fechamento e da
costura. Mas, por isto que é ato notarial a aprovação, só se impugna pela
ação ordinária, como ocorreria às escrituras, aos testamentos públicos. A lei
dos tabeliães estadual, e não federal, é, contudo, geral aos atos notariais, ao
passo que o Código Civil, lei federal, é particular a certos atos notariais,
como o testamento, em cujas formas, por tê-las coma essenciais, sói
intervir. Raciocínio, que ainda quanto a leis elaboradas pelo Congresso
Federal (Distrito Federal, Territórios e Consulados) teria a consequência de
fazer revogada pela lei especial a lei geral, que às regras jurídicas se opuser.

Tudo que, sôbre o testamento público e competência da oficial, se disse, ao


se cogitar do art. 1.632, vale para o testamento cerrado. Aprovado fora do
distrito, não foi aprovado legalmente.

À diferença do testamento público, que tem de ser lavrado no livro do


oficial público, pode o testamento cerrado, na parte tocante à cédula, ser de
outra substância que o papel comum, e o próprio auto de aprovaçflo,
quando se tratar de matéria em que o oficial possa escrever: assim, não há
vedação de aproveitar o espaço que lhe fique, ainda que tenha de usar tinta
especial para o lavrar. Já aqui começam a ser aplicadas as considerações
feitas no comêço.

No estrangeiro, são competentes, para aprovar os testamentos de


domiciliados no Brasil ou de pessoas cuja lei de mi-cessão tenha de ser a
brasileira, os cônsules brasileiros.

Não há exigência de unidade do ato de escrita e assinatura da cédula


testamentária. O testador pode levar dias, ou xieses, ou anos, a redigir a
cédula testamentária, ou a ditar para alguém. A unidade de ato só é exigida
para o auto de aprovação.
2.CAPACIDADE PARA TESTAR E OUTROS REQUISITOS. Além dos
requisitos de capacidade para testar (Código Civil, artigo 1.627), a lei exige
ao que deseja fazer testamento cerrado que saiba e possa ler. Ao analfabeto
falta esta exigência de validade intrínseca, êste requisito para o exercício da
forma semi-nuncupativa, que em verdade é o testamento cerrado do direito
brasileiro. O art. 1.641 teve por fundamento evitar a nuncupatividade
própriamente dita. Nos respectivos comentários, mais espaçadamente
trataremos o assunto.

Não pode dispor de seus bens em testamento cerrado quem não saiba ou
não possa ler (art. 1.641). Mas, de acôrdo com o -art. 1.638, III e X, dêle
poderá usar o que, sabendo ler, contudo, não saiba escrever, curiosidade
excepcionalíssima (MANUEL DE ALMEIDA E SonsA, Coleção de
disserta çôes jurídico-práticaS em suplemento às Notas do livro terceiro
das Instituições, 113), com que CLÓVIS BEVILÁQUA procurou salvar a
inabluível contradição entre o art. 1.638, III e X, e o art. 1.641. Quem tem
capacidade para ler e entender um testamento escrito por outrem
dificilmente deixará de saber assinar. Poderá, certo. não poder; mas isto é
outra coisa. Nada justifica a exceção legal, que parte pelo meio a infima
cultura dos rudes: ler e assinar, ler só e não saber assinar.

Do testamento cerrado também não pode valer-se o cego, porque não lê


(diz-se). Não é bem isso: muitos cegos lêem a sua escrita; há, até, os que
escrevem. A única dificuldade é de outra ordem: escrito por êle, ou por
outrem, mas lido por êle, talvez não possa fiscalizar a aprovação, isto é, se,
efetivamente foi o seu o que se aprovou. Não há impossibilidade nisto,
máxime quando o cego escreveu e assinou. Não é, pois, porque não sabia
ler que o cego só testa por testamento público, ler êle pode saber melhor do
que muitos de olhos sãos. Nem há claros inconvenientes em que se
redigisse com os caracteres especiais, fôsse lido às testemunhas por êle
mesmo e o tabelião aprovasse.

Do art. 1.641, CLÓVIS BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 97)


tirou que o cego não pode testar por testamento cerrado, “porque não pode
ler”; mas não é por isto, e sim porque o proibiu, explicitamente, o art.
1.637:
“ao cego, só se permite o testamento público”. Aliás, noutro lugar, fizemos
restrição a êste “só”.

~Quem não sabe ler não sabe escrever. Quem sabe escrever sabe ler. Se
alguém sabe ler, mas está em situação física ou psíquica de não poder ler,
não pode fazer testamento cerrado, razão por que só teria a solução do
testamento público. Quem não sabe, ou não pode ler, não pode testar por
testamento particular, nem por testamento cerrado. *

Se o decujo escreveu e assinou o testamento cerrado, posto que, no


momento da feitura, não pudesse ler o que escreveu, mas volta a poder ler e
leva à aprovação, vale o testamento cerrado.

Se o decujo escreveu e assinou o testamento, que podia ler, e depois não


mais o poderia ler e o leva à aprovação, seria nulo o testamento cerrado. ~
preciso que, no momento da entrega, possa o testador verificar se aquele é o
testamento cerrado que êle escreveu e assinou.

Se, no intervalo entre a feitura do testamento cerrado e a entrega para a


aprovação, o testador não podia ler, mas pode ler quando o entrega, o
testamento cerrado vale.

Se o testamento cerrado foi entregue para a aprovação. não basta que o


testador declare que havia lido a cédula e a assinara: o que é indispensável é
que o possa ler quando o entrega. Pode ser alegado e provado que o
testador, no momento em que o levou ao oficial público, não podia ler, O
testador pode simular que ainda o pode ler, ou fingir mesmo que o está
lendo.

Se o testador confiou a outrem a escrita e não leu o testamento cerrado, mas


podia lê-lo, vale o testamento.

No Código Civil alemão, que tem duas formas de testar:

perante o juiz ou notário, e por declaração do testador, escrita e assinada de


próprio punho, com indicação do lugar e dia (§ 2.231), logo se concluiu que
o cego só poderia testar por testamento público, mas isto pelo pouco
interêsse prático da escrita dos cegos, porque, se o cego sabe ler e escrever
a sua ~escrita, não pode ser tido na mesma linha que o analfabeto (cp. F.
ENDEMANN, Lehrbuch des Biirgerlicken Rechts, III,. §§ 35, 37 e 39; R.
WILKE, Erbreeht, nota 1; G. FROMMHOLD, Erbrecht des EGE., nota 2).
Ainda assim, vemos a A. WEISSLEII (Das deutsche Nachlassverfahren,
151), pelo conhecimento da. escrita dos cegos como circunstância sem
qualquer conseqUência jurídica.

No direito suíço, a escrita dos cegos é admitida (P. TIJOR, Das Erbrecht,
Kommentar zum schweizeriscken Zivilgesetzbuch, III, 325).

A lei permite a alternativa ao testador: escrever ou pedir que outrem escreva


o seu testamento cerrado, O art. 1.638, 1, admite que seja escrito por outra
pessoa, a seu rôgo. Por isto, é nulo, e.g., o testamento escrito por pessoa que
não recebeu das mãos do testador o escrito para que copiasse, ou que o
recebeu,. em nome dêle, por intermédio de outrem. A lei supõe a
pessoalidade do pedido.

Outra pessoa, mas é certo que poderá ser escrito por uma das futuras
testemunhas. (O‟ art. 1.639 permite que o seja pelo próprio oficial, que o
vai aprovar.) O auto de aprovação é outra solenidade. Assim, a Relação de
Minas Gerais, a 5 de abril de 1922, porém com o só fundamento de não
haver na. lei proibição expressa.

Se o testador deu apontamentos, convém que o redator ou o próprio testador


ou os interessados os guardem. Mas não se vá ao extremo de criar o dever
de guardar, sob pena de nulidade. Não está na lei.

O testamento cerrado pode ser feito em qualquer material que receba escrita
(papel almaço, acetinado, avergoado, celofane, papel ou pano gessado;
perganinho, fazenda, couro, ou outro material em que se possa escrever).
Não é permitido escrever-se a máquina, nem imprimir-se.

A escrita pode ser com a mão, ou com o pé, ou com a bôca, ou com outro
órgão (e. g., o resto do braço), O que importa éque seja escrita. A despeito
de estar nos textos romanos a referência à manuscrição, à mão (“vel ipsius
testatoris, vel cuiuslibet alterius manu conscriptam), o que se há de entender
é que só se exige que escreva o testador, ou alguém, por êle,. a rôgo. O
Código Civil brasileiro apenas se refere a ser “es-crito pelo testador, ou por
outra pessoa, a seu rôgo”.

A 2.ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 4 de agôsto de


1952 (1?. dos T., 216, 239), confirmou sentença do Juiz de Avaré, que
sustentou poder ser a máquina o testamento cerrado. Para isso, exibiu
argumentos tirados de sistemas jurídicos diferentes, sem atender à letra da
lei brasileira. A ta Turma do Supremo Tribunal Federal, a 26 de junho de
1953 (A. J., 109, 68), não considerou requisito essencial o ser escrito a mão;
porém temos de clarear o problema e dar-lhe soluções razoáveis:

a) O testamento cerrado pode ser escrito pelo testador, ou por outra pessoa,
a seu rôgo. Se admitíssemos que o testador ou a outra pessoa o escreva a
máquina, teria de ser assinado pelo testador, porque somente pode assinar, a
rôgo do testador, quem o escreveu.

b)Não seria de admitir-se que, escrito a máquina, o assinasse pelo testador


quem não o escreveu a mão, porque a lei exigiu a igualdade de grafia, para
a identificação da pessoa rogada.

Quase sempre o testador ou outra pessoa redige minuta. A minuta pode ser
feita pelo próprio testador, ou por outra pessoa, e. g., advogado, e a cédula
testamentária, que nela se baseia, ser escrita e assinada pelo testador ou por
outra pessoa, que não é a que fêz a minuta (5.~ Câmara Civil do Tribunal de
Justiça de São Paulo, 3 de outubro de 1952, 1?. dos T., 206, 154).

No testamento cerrado, há oportunidade, discreta, para a deserdação, ou


perdão a indigno, clausulação de inalienabilidade ou de incomunicabilidade
dos bens abintestato ou intestato, nomeação de tutor ou curador,
reconhecimento de filhos, medidas sôbre funerais, esmolas e
recomendações mais ou menos veladas.

Se o testador alude a outro testamento, tem de ser explícito no que deixa


que continue e no que revoga. No caso de dúvida, a interpretação judicial há
de partir da suposição de ter havido revogação. Não pode considerar parte
do testamento cerrado, como de qualquer outro, o que consta de documento,
ou de instruções postas em cofre, ou em mãos de outrem.

3.TESTAMENTO ESCRITO A ROGO. O que escreve, a rôgo, o


testamento, deve ter as qualidades de testemunha: tudo que, sob o art.
1.650, se diz, é aplicável ao escritor da cédula (CHR. FRIEDR. vON
GLtÍCK, Ausfithrliche Erlãuterung der Pandecten, 34, 874). Ainda que seja
o oficial público.

~a quaestio D‟omitiana, por ser de DOMÍCIO LABEXO a CELSO. A. F.


SCH‟OTT dedicou-lhe preciosa monografia.

DOMÍCIO LÂBEXO perguntou; e CELSO respondeu ser ridículo duvidar


(L. 27, D., qui testamenta facere possunt et quemadmoctum testamentti
fiant, 28, 1).

Basta que assine pelo testador, para que se lhe exija poder ser testemunha
testamentária (E. Orro, Servius S‟ulnicius, 52; C. O. HÚRNER,
Di.sputationes testamentarinie, 68-74; F.KÀMMERER, Beitráge zur
Geschichte und Theorie des rãmischen Reckts, 208-227).

Assim, ficam sujeitas ao art. 1.65-0 as pessoas referidas nos arts. 1.633,
1.636, 1.687, 1.688, 1, 1H e 3<, e 1.689.

a Pode exercer a missão de escrever o testamento o herdeiro instituido, o


legatário, o testamenteiro? Quanto aos dois primeiros, resolveu a lei (art.
1.719). Quanto ao último, nada se disse. Ao examinar a espécie, decidiram
as Câmaras Reúnidas da Côrte de Apelação do Distrito Federal, pela
negativa.

4.ESCRITA DO TESTAMENTO POR OUTREM. A lei permite que o


testador mande a outrem que lhe escreva o testamento: o Código Civil, art.
1.638, 1, não exige circunstâncias subjetivas do testador; deixa ao seu
arbítrio escrever ou dar a outrem que, a seu rôgo, o escreva. Mas a
assinatura do testador, se êste sabe e pode assinar, constitui formalidade
essencial. Já no direito anterior, o Suprema Tribunal de Justiça, no acórdão
n. 8.269, de 21 de junho de 1873, declarou nulo o testamento escrito por
outrem, porém não assinado pelo testador que sabia e podia escrever.

A distinção entre a escrita e a assinatura é relevante, porque o testador


somente roga a outrem, que por êle assine, se não sabe assinar ou está na
impossibilidade de assinar. No tocante à escrita, o testador pode, até,
escrever o comêço, ou parte do meio, ou o final, e pedir a outrem que
escreva o resto. Não se lhe veda, sequer, o acréscimo no que outrem
concluiu. (Circunstâncias que convém êle declare ao oficial público quando
lhe entrega a cédula testamentária para a aprovação, a fim de constar do
auto.)

Quem escreveu o testamento, em vez do testador, é que pode assiná-lo a


rôgo. O testamento pode ser escrito por outrem e assinado pelo testador, ou
por essa pessoa que o escreveu; não por outra pessoa. O art. 1.638, III, do
Código Civil éexplícito: “Que, não sabendo, ou não podendo o testador
assinar, seja assinado pela pessoa que Ibo escreveu”. O testador tem de não
saber assinar, ou de não poder assinar, no momento‟ em que o teria de
fazer.

Surgem questões.

Por exemplo: a) o testador escreveu a cédula e, ao ter de assinar, não no


pode, razão por que roga a outrem que assine; b) alguém, a quem o testador
rogara escreveu a cédula testamentária, e o rogado faleceu, tendo o testador
ficado em estado de não poder assinar, como pretendia, com isso, só há um
caminho para o testador rogar a outrem, que escreva outra cédula
testamentária e a assine. Se bem que a lei exija que-assine, quem escreveu a
rôgo, não há óbice a que assine a rôgo, por não poder assinar o testador, se a
escrita foi do próprio testador.

A expressão “a rôgo” é a mais usada, porém qualquer outra basta, se diz o


mesmo (e.g., “a pedido do testador”,

“rogado pelo testador”, “pelo testador”).


(No sistema jurídico brasileiro, após o Código Civil, a cédula testamentária
tem de ser assinada, ou pelo testador, ou a seu rôgo. Não se dispensa, à
diferença das Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 1.0, ao
testamento cerrado escrito pelo testador a assinatura dêle, ou, se é o caso,
por impossibilidade, a de outrem, a seu rôgo.) Se a cédula testamentária não
tem a assinatura do testador, ou de alguém a seu rôgo, não é cédula
testamentária não entrou no mundo jurídico. Evite-se, aí, falar-se de
nulidade. Se‟ alguém assina a rôgo e não cabia a assinatura por outrem,
então é nula a cédula. A assinatura do testador, ou de outrem, a seu rôgo, no
auto de aprovação, nem juridicíza a cédula em que não havia assinatura;
nem torna válida a cédula em que a assinatura a rôgo não era de admitir-se.

Se quem escreveu a cédula testamentária a assinou, e após‟ a assinou o


testador, o excesso (assinatura supérflua da pessoa que escreveu a cédula)
não tem relevância, porque houve a. escrita e a assinatura do testador.

Se o testador escreveu e assinou a cédula testamentária, ou alguém por êle a


escreveu e assinou, ou só a escreveu, sendo assinada pelo testador, mas, por
êrro, ou negligência, ou ignorância, testemunhas figuram como presentes e
assinaram, essas assinaturas supérfluas não invalidam a cédula
testamentária. O segrêdo não é pressuposto necessário do testamento
„cerrado.

A assinatura do testador é uma só. Não é preciso que assine cada página, ou
que rubrique. Quem escreveu e assina a rôgo só tem de lançar a assinatura
no fim da cédula testamentaria.

Quanto à escrita pelo oficial público, ou o testador assina, ou é o próprio


oficial público que o faz. Então, êle escreveu, êle assinou e êle aprova o
testamento, que o testador lhe entregou para isso. A lei brasileira não
distingue o escrever e o escrever e assinar, mas, para que o oficial público
assine a cédula testamentária, é de mister que tenha estado impossibilitado
de assinA-lo o testador. Foi essa a interpretação que demos aos artigos
1.639 e 1.688, VII e VIII, do Código Civil (Tratado dos Testamentos, II,
153 s.) e prevaleceu na doutrina.
Se o oficial público, que escreveu pelo testador, a seu rôgo, pode assinar,
veremos adiante.

5. ASSINATURA DO TESTADOR. A assinatura há de ter os requisitos


gerais das assinaturas: não bastam nomes desenhados, ou marcas: ou lança
o testador o próprio nome, ou outra pessoa, para evitar falsidades, se o
testador não pode assinar, terá de assinar a seu rôgo (FRANCISCO DE
CALDAS PEREIRA DE CASTRO, AnalytiClLS

commeattarius, sive ad Typu-‟n ir,strumenti, Emptionis eI Venditionis


tractatus, 34, n. 14; MANUEL ÁLVARES

PÊCAS, Commentaria in Ordinationes Regni Portugaliae, IV, 250, n. 86;


JOXO RODRIGUES CORDEIRO, Dubitationes luris in Foro frequentis, 8,
85).

j,Se o testador encerrou o testamento, escrito do seu próprio punho, e não


no assinou? No direito das Ordenações Filipinas, estava claro que, “sendo
escrito por sua mão, abastará, ainda que não seja por êle assinado” (Livro
IV, Título 80, § 1). Diferente a Ordenança francesa de 1785, art. 9, que o
exigia ainda que escrito por êle mesmo. Mas FURGOLE (Traité des
Testaments, c. 2, seção 3, n. 21) atenuava o rigor. O assunto pertence aos
testamentos particulares, onde dêle se tratará, e com mais segurança se
dispensará, atendido o que ali fôr dito, no testamento cerrado cuja
aprovação tiver a assinatura do testador.

6. ASSINATURA A RÔGO. Se o testador não sabe ou não pode escrever


(mas lê), somente pode assinar a rôgo a pessoa que o escreveu. Já assim era
no direito anterior. O Supremo Tribunal de Justiça, a 14 de outubro de 1858,
decretou a nulidade de testamento que o infringiu. Aliás, nem cabia
discutir-se diante da letra das Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 1.
Constituiu decisão contra direito expresso o acórdão „do Tribunal de Justiça
de São Paulo, a 25 de julho de 1906, que julgou válido testamento cerrado,
escrito por outrem, a rôgo do testador, e a rôgo assinado por pessoa que não
era o redator do testamento (Gazeta Jurídica, 41, 258).
Se o testador escreveu o testamento, precisa assiná-lo. Se o não faz, é nada.
No direito anterior, as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 1, não o
exigiam. Hoje, o art. 1.688, 1, considera-o requisito essencial. É bem de ver
que nessa forma testamentária valem as conclusões sôbre espécie de
assinatura que inserimos no início das matérias.

Se o testador escreveu, quando podia, o seu testamento, e não o encerrou


com a assinatura, por se achar, então, impossibilitado, ~ pode pedir a
outrem que o assine? Entendamos que pode, mas deve, após o escrito,
alguém, que vai assinar por êle, dizer o que se passou e sem interrupção do
texto. Se outrem pode escrever, ~por que lhe negar tal declaração como que
ratificante do escrito do testador que não teve ensejo de assinar e ficou
impossibilitado de fazê-lo?

No testamento cerrado não pode haver espaço em branco, porém não há


sanção de invalidade para o texto em que linhas ou lugares de linhas
ficaram sem ser preenchidos. O ato de aprovação, sim, é que há de começar
logo após a última palavra da cédula. Se falta lugar para se iniciar, tem o
oficial público de pôr o seu sinal público, para que não haja acréscimos ou
interpolações. O que pode acontecer é que, no testamento, haja espaço, ou
pequenos brancos, em que se poderia acrescentar, e convém que o testador
o evite. Se, com a aprovação,se cerrou o testamento e, mais tarde, houve
aumentos, é assunto para alegações e provas.

Quanto à cédula escrita só de um lado, tem o testador, ou quem escreveu


por êle, a rôgo, de inutilizar o verso, o que pode ser feito com traços
suficientes para se mostrar que só se usou um lado do papel.

7.FÓLHA EM QUE SE ESCREVE. O testamento pode ser escrito de um


lado só da fôlha, ou de ambos os lados (opistógrafo). Se escrito de um só
lado, convém que o testador, ou alguém por êle, se outrem escreveu,
inutilize o lado em bran co: se fica, pode o que escreveu intercalar outras
disposições.

Dír-se-á que não há tão grande perigo no testamento cerrado, porque, neste,
o testador, que o levará à aprovação, o receberá das mãos do oficial, cerrado
e cosido (art. 1.638, XI). Não é verdade, pela alografia e pela possibilidade
material de se abrir, criminosamente, o invólucro.

Porém, no testamento particular, seria preciso imitar, na parte em branco, a


letra do testador. A exigência da holografia torna difícil a falsificação ou
falsidade.

De qualquer modo, negado, no Brasil, o testamento particular alografado,


diminui a importância da questão da o pistografia.

Pode ser já o dissemos em carta, volume, placa, ou o que quer que seja.

8.OFICIAL PÚBLICO E DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA. Que as duas


pessoas, disponente e oficial público, não se podem juntar na mesma, de si
só se evidencia (E. RITGEN, em G.PLANCK, V, 447).

Também não pode ser herdeiro ou legatário do testador no testamento


público, ou no cerrado (art. 1.719), ainda que o não tenha escrito e só
aprovado. Nula seria a disposição.

Se o oficial público escreveu pelo testador, deve satisfazer as exigências


para ser testemunha. Então, ser-lhe-á aplicável o art. 1.650, IV, bem como o
art. 1.719, 1. Se, escrevendo-o, no testamento fôr contemplado, como
legatário ou herdeiro, ascendente, descendente, irmão ou cônjuge dêle, nula
é a disposição (art. 1.720).

Não há ligação da competência do oficial público ao domicílio do testador,


ou ao lugar da feitura da cédula testamentária. O ato da entrega para a
aprovação é que importa, trate-se de notário, ou de cônsul, ou de qualquer
outro oficial público. Dentro da circunscrição, pode êle atender no ofício,
ou fora do ofício, como, por exemplo, na residência do testador, ou no
hotel, ou no hospital. Não importa se em dia útil, ou em dia feriado, de dia
ou de noite.

A aprovação refere-se à cédula testamentária, escrita pelo testador, ou por


outrem, ou pelo próprio oficial público.
Quem não pode ser testemunha em testamento público, ou particular,
também não o pode ser em auto de aprovação de testamento cerrado. Idem,
se se trata de oficial público. Assim, os herdeiros instituidos, seus
ascendentes e descendentes, irmãos ou cônjuge, ou os legatários, não
podem ser testemunhas, nem o oficial público in casu. A vedação há de
existir no momento do auto de aprovação (e. g., o casamento posterior do
oficial público com a herdeira, ou legatária, não é óbice; parentesco
superveniente).

O oficial público não pode outorgar ou delegar podêres a ajudante,


escrevente, auxiliar, para a aprovação de testamentos cerrados, como não
lhe é dado fazê-lo para a lavratura de testamentos públicos. Os auxiliares
que forem nomeados oficiais públicos interinos, sim; idem, os que
receberam, por lei, tal função.

Se algum oficial público escreveu ou escreveu e assinou a cédula


testamentária, isso não obsta a que o testador a leve a outro oficial público
para que a aprove. Aquele oficial público apenas operou como qualquer
outra pessoa que escrevesse ou escrevesse e assinasse a rôgo (cf. Tratado
dos Testamentos, II, 155 s.).

Mas, se não escreveu, a rôgo do testador (art. 1.688, 1, 1.656 e 1.657), e


apenas lavrou ou aprovou, é nula a disposição feita ao ascendente,
descendente, irmão ou cônjuge, porque se reputa interposta pessoa. A
solução deve ser a mesma que se daria aos legatários: o art. 1.720
completamente os equipara.

9. TESTAMENTO CERRADO. Havendo o testamento público e o


particular, o cerrado só se justifica como a forma velada, com a qual o
testador, querendo, ocultará as suas últimas vontades.

Se êle permitir, o oficial público poderá lê-lo e verificar se está com as


formalidades requeridas às cédulas. Mas isto é a exceção. Nas duas outras
formas ordinárias de testamento, o testador dispõe ou de viva voz
(testamento público) ou lendo o escrito (testamento particular, cuja leitura
pelas testemunhas discutiremos no lugar próprio).
No testamento cerrado, é o testador ou outrem, que o escreve: não precisa
ser lido em voz alta pelo que escreveu, a exigência de saber e poder ler o
testador provê, exatamente, a esta verificabilidade do conteúdo por êle.

Daí dizer-se que, no testamento cerrado, oficial público e testemunhas têm


conhecimento implícito, e não explícito, do testamento. Outros, com certo
equívoco, falam de nuncupação implícita, como se dissessem nuncupação
relativa ao ato de entrega, e não ao conteúdo das disposições.

Mas é preciso advertir na diversidade de legislações, passadas e presentes.


Na Ordenança francesa de 1735, art. 9, no Código Civil francês, art. 976, no
Código das Duas Sicílias, art. 902, no da Luisiana, art. 1.517, no da
Sardenha, art. 751, e no da Holanda, art. 987, havia ou há a exigência de
que o testador entregue fechado e selado (scelté), ou faça fechar e selar em
sua presença. Também, o da Toscana, art. 307, o revogado italiano, art. 783,
o do Chile, art.

1.023, e o de Venezuela, art. 845. O auto de aprovação lavra-se no


sobrescrito. Expressivo, o Código Civil argentino, art. 3.666.

A solução vitoriosa no Código Civil é a da não-necessariedade do segrêdo.


Cerrado e cosido jielo testador, ou entregue aberto, e, até, escrito, a rôgo,
pelo próprio oficial público que o vai aprovar, tê-lo-á de cerrar e coser o
oficial público (art. 1.638, XI).

O direito brasileiro não impõe o segrêdo. A cédula testamentária pode ser


entregue fechada e lacrada, ou só fechada, ou só lacrada. Mas, se entregue
fechada e lacrada, é preciso que do lado de fora fiquem as últimas palavras,
ou fique a última palavra. No art. 1.638, VII, do Código Civil diz-se que
“imediatamente depois da sua última palavra comece o auto de aprovação”.
Não sendo isto possível, ressalva o art. 1.630.

VIII, “por falta absoluta de espaço na última fôlha escrita, o oficial ponha
nele o seu sinal público e assim o deQlare no instrumento”. Portanto, o sinal
público há de ser no lugar do fechamento ou do lacre, ou do fechamento e
do lacre. Se não se dá tal interpretação ao art. 1.638, VII e VIII o testamento
cerrado nunca poderia ser entregue fechado, ou fechado e lacrado.
Se o testador entrega a cédula aberta, o oficial público só o há de ler e só o
pode ler se o testador o sugere ou !ho pede.

Não-necessariedade não é o mesmo que inexistencia de segrêdo: o testador


tem direito ao segrêdo, não lho pode negar o oficial público, se êle não lho
concede, procede mal o oficial público que, para o aprovar, exige lê-lo.
Pede ser que o dísponente só pelo segrêdo tenha escolhido tal forma
testamentária, que evita ódios e discórdias entre herdeiros legítimos ou
parentes e estranhos, esperançosos de heranças e legados.

§ 5.876. Entrega ao oficial público e auto de aprovacão

1.PERFEIÇÃO DO TESTAMENTO CERRADO. Já dissemos que o


testamento, desde que se fêz, é ato perfeito.

Algumas consequências já foram tiradas de tal afirmação: outras exsurgem.


Mas a cédula, de que tratamos, ainda não é testamento. Antes de ser
aprovado o testamento cerrado, não passa êle de ato imperfeito, talvez de
menor valor que um testamento hológrafo, que possa valer como codicilo e
nos limites do valor dos cidicilos. Quem morreu deixando tal cédula,
morreu intestado. Se a cédula fôr hológrafa e contiver disposições
permissíveis em codicilos, pode valer como tal; não, porém, como
testamento.

2.APRESENTAÇÃO DA CÉDULA. Quando o testador, na presença das


cinco testemunhas, apresenta ao oficial público a cédula, que êle, ou outrem
por êle, escreveu e assinou, procede a ato de nuncupação. Por isto se fala de
nuncupação implícita: oficial público e testemunhas somente conhecem (ou
melhor: somente precisam conhecer) exteriormente, e não no seu conteúdo,
a cédula testamentária.

Com o ato de entrega, começa outra fase, inconfundível, da elaboração do


testamento cerrado: por isto mesmo, já o testador, após o gesto de
declaração do art. 1.638, IV, não pode introduzir modificações ou cláusulas
novas, que constem do auto e não da cédula. Se ocorre que lhe lembre
alterar ou acrescentar, deve continuar na cédula e proceder, de nôvo, à
entrega e declaração.
É requisito essencial do testamento cerrado a entrega do testamento, pelo
testador, em presença, pelo menos; de cinco testemunhas, ao oficial público
que o há de aprovar.

Trata-se de ato pessoalíssimo. E não só pessoalissimo ato que tem por fim
deixar certo qual o testamento de que se trata. Pessoalíssimo, para que se
identifique o testador; imediatamente relativo à determinado escrito, para
que se identifique a cédula testamentária.

O oficial público e as testemunhas têm de assistir a tudo que se passa após a


entrega do testamento cerrado ao testador e até que todos assinem: o oficial
público, as testemunhas e o testador.

Há a responsabilidade do oficial público pelo defeito de forma, que êle


poderia ver, pela má fé, pelo descuido, imperícia ou negligência. Quando se
trata de interpretação de regra jurídica, que havia de ser observada, e há
discordâncias na doutrina ou na jurisprudência, o oficial público só é
responsável se prevaleceu alguma das interpretações e do acolhimento da
outra, que foi posta de lado pela jurisprudência dominante, ou do mais alto
grau judiciário, ou pela doutrina, houve danos a algum dos interessados.

Um dos casos típicos da responsabilidade do oficial público, em se tratando


de testamento cerrado, é o de ter atrasado tanto o recebimento para a
aprovação, ou para o ato aprovativo, que o testador não pôde a tempo obter
a aprovaçao.

Se o oficial público deixa que assista à entrega ou ao ato aprovativo pessoa


que o testador não queria que assistisse, responde êle pelos danos, inclusive
„morais. A assistência com o assentimento do testador é sem conseqúências
de invalidade e de responsabilidade. Pode tratar-se, de advogado do
testador, ou de jurista que êsse entendeu convidar para evitar erros de
direito.

Deve-se evitar a escrita de testamentos cerrados e a própria assinatura, ou


entrega para a aprovação, em solenidades, festas, banquetes e cerimônias
fúnebres. Não há, porém, aí, priori, causa de invalidade. Se algum herdeiro,
ou legatário, está presente e declara que aceita, não há, aí, pacto sucessório,
e que o sistema jurídico brasileiro não tem. Se não figurou como oficial
público, ou testemunha, o elemento superfluo da aceitação, mesmo se
declarado pelo testador, ou pela pessoa que escreveu o testamento, não há
invalidade da deixa, nem do testamento. O que pode acontecer é que se
componha causa de anulabilidade, e.g., por dolo, êrro ou violência.

A entrega da cédula testamentária é ao oficial público, perante as


testemunhas, que hão de ser cinco. Isso não significa que não possa haver
mais de cinco. Só o testador pode entregar. O ato é pessoalíssimo. Se não
tem mãos, ou braço que possa substituir mão, ou pé, com que pratica atos
de tradição, ou outra parte do corpo, que o permita e êle costume usar, é
entrega a declaração do testador de que “ali, na mesa, está o testamento,
quero que o apanhe o oficial público e que o aprove”. Nesse caso e noutros
semelhantes, o que se há de exigir é que haja a impossibilidade de pegar a
cédula testamentária e de entregá-la, materialmente. O que o testador deve
evitar é o intermediário. Se A pede a B que lhe ponha na bôca a cédula
testamentária e chama o oficial público, diante das testemunhas, para que a
apanhe, há entrega. Ai, não houve intermediariedade, porque o ato de pôr
na bôca de A a cédula testamentária ainda nada tem com a tradição. A
tradição pode ser brevi manu, como se A tinha feito sinal ao oficial público
para que retirasse da gaveta a cédula testamentária, ou se ao oficial público
havia entregue a cédula testamentária quem a rôgo a escrevera, ou a
escrevera e assinara, e o testador não poderia recebê-la e passá-la ao oficial
público, sem ser por declaração

-de vontade que tenha eficácia de tradição, satisfeito o pressuposto de não


poder o testador fazer a entrega com parte do corpo. As testemunhas têm de
atender a que a lei exige a entrega ao oficial público, diante delas.

A declaração oral de que o testamento entregue e do testador e êle quer que


o oficial público o aprove é o quod plerumque fit. Mas o surdo-mudo e o
mudo têm de escrever, na face externa da cédula testamentária, que o
testamento entregue é dêle e quer que seja aprovado. O oficial público e as
testemunhas têm de assistir a essa escrita, de modo que não bastaria ter
escrito antes. Se o fizera, tem de fazê-lo de nôvo, e o-auto de aprovação
deve referir-se à duplicidade da declaração, com alusão ao motivo. Dá-se o
mesmo se, antes da entrega, o testador houvera escrito parte da declaração,
ainda se o tivesse feito somente diante do oficial público, ou somente diante
das testemunhas, ou de algumas, ou de uma, ou somente diante‟ do oficial
público e de alguma ou algumas das cinco testemunhas.

A lei não fala em ser assinada pelo testador a declaração‟ feita pelo surdo-
mudo ou pelo mudo; de jeito que não se pode reputar requisito essencial, ai,
a assinatura do testador declarante.

O testador não pode outorgar podêres a alguém para entrega da cédula


testamentária ao oficial público. A pessoali dade do ato afasta qualquer
delegabilidade. O‟ testador tem de” fazer e de ver a entrega. Assim é que se
evitam pessoas interpostas, que poderiam substituir a cédula testamentária.
Imaginemos que o testador houvesse escrito e assinado a cédula
testamentária e depois, quando já não pudesse escrever e assinar, quisesse
outras disposições.

Alguém, interessado na irrevogação, em vez de apresentar a cédula escrita e


assinada por outrem, a rôgo do testador, daria para a aprovação o que o
testador havia escrito e assinado.

O testador tem de dizer que o testamento é seu e que o tem por “bom, firme
e valioso”, isto é, válido e eficaz (com o auto de aprovação, entenda-se).
Não precisa empregar as mesmas expressões, que aliás se afastam, com a
imprecisão da praxe, da terminologia científica. O oficial público tem de
lançar o que signifique considerar o testador que aquele é o seu testamento,
que atendeu às exigências legais (xx é válido) e, com o auto de aprovação,
terá a eficácia para o futuro e a eficácia revogatória, que é a de alcance dos
testamentos anteriores ou do testamento anterior. Mesmo se o testador não
empregou as expressões que a lei râncidamente conservou (na esteira das
Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 80, § 1.0), nada obsta a que o oficial
público as lance.

Quanto à substituíbilidade das expressões “por seu, bom, firme e valioso”, a


jurisprudência é assente (2.~ Turma do‟ Supremo Tribunal Federal, 23 de
novembro de 1948, E. dos 7‟.,.187, 960;
1 a Câmara Cível do Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro, 28 de agôsto de 1947, E. 9., 118, 186; Câmara


Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 24 de novembro de 1938,
E. dos 7‟., 121, 229). Para a solução oposta citavam-se decisões antigas e o
Assento de 1‟? de agôsto de 1811, em que se dizia que o intérprete tinha de
atender à letra da lei, “não devendo, nem podendo antepor-se, nem pospor-
se, ou substituir por equipolência, as formas” das Ordenações Filipinas,
Livro IV, Título 80, § 1. O Assento de 10 de junho de 1817 foi expressivo:
“As palavras adotadas no Assento de 17

de agôsto de 1811, que, declarando a Ordenação, Livro IV, Título 80, § 1.0,
proibem antepor, pospor, ou substituir por equipoléncia, as formas
prescritas nessa Ordenação, nunca devem entender-se de uma observância
supersticiosa da lei, que, olhando só para a letra, destrua sua verdadeira
intenção; mas sim das formalidades substanciais do testamento, que se não
podem, nem devem, confundir com a anteposição, posposição, ou
substituição de palavras, que tenham a mesma significação”.

A lei cercou de precauções a identificação da cédula: além da entrega,


presentes as testemunhas, e feita pelo próprio testador, exigiu que o oficial
público, pergunte, perante as mesmas testemunhas, ao testador, se aquele é
o seu testamento e quer que seja aprovado, quando o testador, de si mesmo,
não se tenha antecipado em declará-lo (art. 1.638, V). Essencial é, portanto,
a declaração do testador quanto a ser aquele o seu testamento e ao seu
desejo de que seja aprovado. No caso de mudez ou de surdo-mudez, o art.
1.643, que constitui substituto, permite que a declaração seja escrita na face
externa do papel ou do envoltório. (Analôgicamente, não, porque aqui não
cabem analogias; mas pela revelação do conteúdo da própria regra, aplicar-
se-á o art. 1.642 quando o testador, que não seja surdo-

-mudo nem mudo, não puder falar ou por acidente ocasional ou por
prescrição médica após operação, ou pela impossibilidade material criada
pelos aparelhos.)
Uma vez que a tradição tem por fim evitar a substituição do testamento e
comprovar a sua identidade, não bastariam os gestos, não traslativos, do
testador. Em 18 de junho de 1869, a Relação do Rio de Janeiro decidiu que
a entrega por outrem, apontando o testador a cômoda em que estava o
testamento, não poderia ser suficiente. Em 22 de dezembro de 1900 e 13 de
junho de 1901, julgou a de Minas Gerais ser essencial o recebimento das
mãos do testador, em presença de todas as testemunhas, em situação de
poder ver o testador e o ato, e de ouvir as perguntas ou declaração. Tudo
isto é perfeitamente certo, mas há casos extraordinários, que convém
meditar: a)O testador sem mãos: seria absurdo reduzir a tradição à entrega
manual, quando as mãos, instrumento ordinário da tradição das cédulas, não
existam. Será conveniente que o oficial declare a circunstância
extraordinária e diga em que consistiu o meio identificador da cédula
entregue.

b)Testador com as mãos impedidas ou paralíticas: a situação equivale à do


número anterior, a solução tem de ser a mesma. Se fôsse a priori o princípio
dos dois acórdãos da Relação de Minas Gerais, falhariam nesses dois casos.

3.TESTEMUNHAS DA APRESENTAÇÃO. São cinco as testemunhas,


número igualmente exigido aos outros testamentos. Porém, neste, não no
são do testamento, mas da apresentação do testamento. Atestam a
identidade da carta e as declarações do testador de que aquele é o seu
testamento e quer que seja aprovado. São testemunhas dêste ato, e não das
disposições testamentárias prôpriamente ditas. Mas, como as dos
testamentos público e particular, são instrumentária.s, e não acidentais. Se
é certo, como, explicitamente, FRANCISCO DE CALDAS

PEREIRA DE CASTRO e FRANCISCO PINHEIRO ensinavam, que não


precisam, no velho sentido, ser rogadas, nem por isso deixam de ser, hoje
em dia, testemunhas convocadas, ainda que aproveitadas dentre as pessoas
acidentalMente presentes. Devem estar ali, sem interrupção, como no
testamento público, mas somente a partir do gesto do testador ao passar às
mãos do oficial público a cédula testamentária, declarando-a sua e dizendo-
a para ser aprovada, até a completa ultimação do ato, que é o cerrar e coser
(art. 1.638, XI).
As testemunhas são apenas da entrega ao oficial público para a aprovação e
para os atos que são necessários até que se conclua o ato aprovativo, em que
são elementos essenciais as suas assinaturas. Depois disso, é que o oficial
público o cerra e cose. Se o testador o fechara, a formalidade de cerrar e
coser, que é dever do oficial público, envolve nôvo envolvimento, pois que
lá estão a cédula testamentária e o auto de aprovação, que oficial público,
testemunhas e testador (ou alguém a rôgo) têm de assinar.

O ato de aprovação, de que se lavra o auto, é uno, no espaço e no tempo,


desde a entrega da cédula testamentária até a assinatura por todos os que
têm de assinar, inexcetuàvelmente sete pessoas (oficial público,
testemunhas e testador). A formalidade de cerramento e costura é
formalidade essencial, porém não se diz, na lei, que as testemunhas tenham
de assistir. Depois, há a entrega ao testador e o lançamento no livro do
cartório, com o dia, mês e ano em que foi aprovado.

A presença de algum herdeiro ou beneficiado, por outro meio, pelo


testamento cerrado, pode ser indício de coação ou de induzimento. Não
basta, por si, para que haja invalidado <Relação do Rio de Janeiro, 29 de
abril de 1879).

A propósito da presença das testemunhas decidiu a

Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a 25 de


novembro de 1949 (E. J. E., 102, 168) :

“Na espécie, como acentuou a sentença apelada, alguns dêsses requlsitos


essenciais falecem nos autos. ~ certo que o tabelião fêz constar da cédula
que todas as formalidades legais foram satisfeitas; mas a prova produzida,
com depoimentos de testemunhas instrumentárias, mostra que nem todas
aquelas formalidades foram observadas. É o que se há de reconhecer no
caso vertente dos autos, mesmo quando se não deva alimentar a superstição
dos formalismos obsoletos, que, no dizer de PONTES DE MIRANDA
(Tratado dos Testamentos, II, 11), prejudicam em vez de servir à vida. Não
vale argumentar com o conteúdo do testamento, que, pela sua licitude, pelo
espírito caridoso que o teria inspirado, favorecendo uma aleijada, revelaria
a vontade do testador, mas, por defeito de forma, venha a ser nula. É que,
segundo é elementarmente sabido, as formas testamentárias são de ordem
pública; e por isso adverte o mesmo PONTES DE MIRANDA (II, 14) : No
caso do testamento, sem a forma, é imperfeito e nulo o próprio ato. A falta
da forma deixa não completo, é pois nulo o ato testamentário. Na espécie,
duas das testemunhas instrumentárias declaram, firmemento, que não viram
o tabelião receber qualquer papel do testador, ocorrendo que a primeira
delas, Pedro Frazão da Silva, nem sequer entrou no quarto onde se achava o
testador enfêrmo, quarto onde teria sido feito o testamento. Ora, a entrega
do testamento ao oficial público ou notário, em presença, no mínimo de
cinco testemunhas, é um dos requisitos essenciais do testamento cerrado,
requisito que, in casu. não foi observado, motivo pelo qual, já por si, por
êsse grave defeito de forma, o testamento é de ser considerado nulo (Ac.
das Câmaras Reunidas do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, E. de D.,
80, 352). São também requisitos essenciais: a) que o tabelião pergunte ao
testador, perante as mesmas cinco testemunhas, se aquele é o seu testamento
e quer que seja aprovado (inciso V do art. 1.638) ; b) que a auto de
aprovação seja lido pelo notário, assinando êle, as testemunhas e o testador
(se êste souber e puder), qual se vê do inciso IX do artigo mencionado. No
entanto, na espécie, ao que resulta do depoimento do mesmo Frazão, de
Antônio José Barbosa e de Gumercindo da Costa Queiroz, tais formalidades
também não foram observadas, e tinham de ser observadas, eis que, e
evoque-se ainda uma vez o doutíssimo PONTES DE MIRANDA: “o que é
requisito essencial está no art.

1.638. Fora disso, quaisquer nulidades não são absolutas e têm de ser
apreciadas pelo juiz (II, 150)”.

4.DECLARAÇÃo DO TESTADOR. Já dissemos que na entrega há gesto e


há declaração, ordinàriamente oral, excepcionalmente, no caso de mudez
ou de não poder falar, escrita.

As declarações ou são antecipadas, ou, iniciadas pelo gesto, em resposta às


perguntas do oficial público. Se escritas, ou orais, podem ser, se oficial
público ~ testemunhas compreenderem, em língua estrangeira (art. 1.640).
Não há nenhuma exigência sacramental: “êste é o meu testamento e quero
que o aprove”, ou qualquer outra frase que o valha.

O Código Civil diz que, em presença das testemunhas, o oficial público


exara o auto de aprovação, “declarando nele que o testador lhe entregou o
testamento e o tinha por seu, bom. firme e valioso” (art. 1.638, VI). Mas
isso, a despeito do que se lê em FERREIRA ALvES (Manual, 19, 114 s.) e
ITABAIANA DE OLIVEIRA (Elementos de Direito das Sucessões, 248),
não constitui expressão sacramental: bastam outras que equivalham.

Aqui, a doutrina tecida em tôrno das Ordenações Filipinas, derrubou o


rigorismo de DOMINGOS ANTUNES

PORTUGAL (Tractatus de Donationibus, III, c. 16, n. 47), firmado em


ANTÔNIO DA GAMA, ÁLVARO

VALASCO e BENTO PINHEI,, que exigia perguntas sacramentais. Cf.


julgados de 1702, de 1711,

de 1802 e outros mais, citados por JoÃo RODRIGUES CORDEIRO


(Dubitationes luris in Foro frequentes, d. 6, n. 4). Éste ensinou: a) que o
testador pode antecipar-se; b) mas a falta não é a mesma coisa que a
inversão: se o testador entregou, sem nada dizer, há nulidade. Coincidia
com o que FURGOLE, comentando a Ordenança francesa, escreveu: basta
que se prove de maneira inequívoca. Portanto, inversa ou não. Nunca a
falta. Ao próprio mudo será exigido que escreva.

§ 5.877. Aprovação do testamento cerrado

1. MOMENTO DO AUTO DE APROVACÃO. Entregue o testamento, com


declaração do testador, antecipada ou em resposta “para logo”, em presença
das testemunhas, o oficial público exara o auto de aprovação, “declarando
nele que o testador lhe entregou o testamento e o tinha por seu, bom, firme
e valioso” (art. 1.638, VI). ~

reminiscência das Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 1. Pergunta-


se: ~ainda hoje são essenciais as palavras da fórmula que o testador tinha de
dizer, bom, firme e valioso? Já dissemos que não.

Logo depois de receber a cédula testamentária, com a declaração oral, ou


escrita, do testador de que aquele é o seu testamento e quer que o aprove, o
oficial público começa a lavrar o auto de aprovação. e sse há de partir na
linha que se segue àquela em que está a assinatura do testador, ou de quem
assinou a seu rôgo. Se não há lugar para isso, mesmo se teria de ser na
margem de baixo do papel, ou outro material em que se escreveu o
testamento, o oficial público põe o sinal público junto à assinatura do
testador, ou de quem a rôgo assinou a cédula testamentária, e inicia a feitura
do auto de aprovação na página ou lauda ou fôlha imediata ou anexada. Se
não apôs o sinal público, ou se não lançou o auto de aprovação em igual
material, ou no papel próprio do cartório, aprovação não houve.

salvo se, em virtude de circunstâncias extraordinárias, que têm „de ser


narradas no auto de aprovação (e. g., incêndio do cartório), nele se declara
que faltou material idêntico. O papel do cartório é o papel apropriado para a
lavratura do auto de aprovação, se não há página seguinte, idêntica, à da
cédula testamentária. Se há, aí é que se começa o auto de aprovação sem se
exigir que seja o mesmo o papel da continuação, para a qual é adequado o
papel do cartório. Não é preciso que se colem as páginas, nem que se
preguem.

Do auto de aprovação há de constar, necessàriamente, que, perante as


testemunhas, por ocasião da entrega da cédula testamentária, o testador
declarou que aquele era o seu testamento, cuja aprovação quis. O que não é
de exigir-se é o emprêgo das palavras que estão na lei. A referência a ter
sido lido pelo oficial público também é pressuposto necessário do auto de
aprovação.

O auto de aprovação tem de dizer que foram observadas as formalidades


essenciais. Não importa, porém, qual o lugar dêle em que pôs o oficial
público a declaração. Nem a ordem em que se mencionaram.

No direito anterior, a Ordenação dizia: “e perante elas (as testemunhas) lhe


perguntará o Tabelião, se é aquele o seu testamento e se há por bom, firme e
valioso; e dizendo que sim, fará logo em presença das testemunhas o
instrumento da aprovação nas costas do próprio testamento, declarando
como o testador lhe entregou, e o houve por seu, bom e firme; no qual
instrumento de aprovação assinarão todas as cinco testemunhas, e o
testador, se souber, ou puder assinar”.

Hoje, a exigência constitui mera recordação da fonte:

onde devia ser exigida a declaração, não no foi (Código Civil,. art. 1.638,
V). O oficial público tem de declarar o que o testador lhe disse: bom, firme
e valioso, ou outra frase que valha o mesmo. Não se poderia persistir na
obsoleta interpretação do Assento de 10 de junho de 1817, que, no § 3,
procurou explicar a Ordenação: “Com a declaração do testador de que é o
seu testamento, que o há por bom, firme e valioso, ou, na falta desta
declaração, com a resposta do testador ao tabelião dadas. as perguntas
declaradas no § 1.0 da Ordenação citada”. Tão-

-pouco, valeria hoje o que ensinaram J . H. CORREIA TÉLES,, AJJ.


GouvEIA PINTO, TEIXEIRA DE FREITAS

e a jurisprudência.

A escrita do auto de aprovação é precedida pela aposição do sinal na última


fólha escrita (art. 1.688, VIII), se não houver lugar para todo o auto, ou,
pelo menos, para começá-lo.

Daí as seguintes espécies:

a) Se o testador quis apresentá-lo fechado, capeado pela última fôlha,


permitindo ver onde acaba o seu escrito, e deixou espaço, suficiente para
todo o auto, lavrá-lo-á o oficial público, sem que isso dispense a
intervenção autenticadora de cerrar e coser (art. 1.638, XI).

b) Se o testador encheu tôda a última fôlha com as suas declarações cansa


mortis e fechou o testamento, de modo que a envolvente, que tem de ser
última, não dê margem para o auto, aporá o oficial público, nesta, o seu
sinal. (Tal solução, prática, afastada a dificuldade antiga de se conciliarem
os §§ 1º e 2.0 das Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80. Mas alguns
intérpretes teimavam em não ver.)

Testamento cerrado, que acabou com a última fôlha tôda escrita, tem de
levar o sinal público que o ligue, por êsse expediente, ao auto de aprovação,
lavrado em outra fôlha. Se não no tem, nada o prende ao auto, e é nulo (J .
A.

CORREIA TtLES, Digesto português, § 253). A cédula testamentária do


artigo 1.638, 1-111, sem a identificação e sem a atestação solene das
declaraç5es do testador, constitui negócio jurídico imperfeito. Testamento
cerrado sem aprovação, ou aprovação de testamento que não está no lugar,
ainda não se perfez. Com a fôlha da aprovação, o oficial público envolvê-
lo-á, cerrando-o e cosendo-o.

No ato de aprovação deve o oficial certificar a presença das testemunhas,


para lhes atestar a identidade e idoneidade. As assinaturas são atos
materiais. Mas o momento em que foram lançadas supõe serem posteriores
à leitura do auto pelo oficial público, o que só êle poderá certificar. Se
ocorre conflito entre o que diz o oficial público, no auto, e as testemunhas
que o assinam, só se pode presumir válido o que diz o oficia! público,
porquanto as testemunhas, esr hypothesi, o assinaram. Tratar-se-á, então, de
prova contra a fé do oficial. O juiz apreciará soberanamente.

Surge o problema de, após a entrega da cédula testamentária, querer o


testador que conste do testamento outra dis posição, ou cláusula. Não se
traga à balha o caso do Tribunal Supremo da Espanha, a 6 de julho de 1914,
que considerou válido como testamento público o auto de aprovação que
continha disposições novas, a despeito da nulidade da cédula testamentária.
Temos de precisar o que é que se há de fazer se ao testador ocorre que quer
alterar o testamento cerrado, que entregou, ou a cédula testamentária ainda
aberta, se já iniciada a formalidade do ato de aprovação. O oficial público
há de sugerir que se faça outro testamento público, pois estão presentes as
testemunhas exigidas. A inserção no auto de aprovação exige que o oficial
público, ao ter de satisfazer a exigêneia do lançamento no livro do cartório,
não se restrinja à “nota do lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi
aprovado e entregue” (Código Civil, art. 1.643) : tem de lançar o que o
testador disse a mais e consta do auto de aprovação, que o

-oficial público, as testemunhas e o testador assinaram. HOMEM


CORREIA TELES (Digesto português, III, art.

1.792, nova edição revista, 246 s.) escreveu: “Qualquer declaração de


vontade que o testador faça no instrumento de aprovação, vale como
testamento aberto”. ANTÔNIO HIBErno DE Li-z TEIXEIRA (Curso de
Direito Civil português, II, 174) repete-o: “Pode o testador fazer qualquer
declaração de vontade no instrumento ou auto de aprovação do testamento,
a qual vale como testamento aberto, pois lhe é aplicável a disposição da
Ordenação, Livro IV, Título 80, pr.” Ora, as Ordenações Filipinas, Livro IV,
Titulo 80, pr., falando do testamento aberto, exigiam que tal testamento,
digamos público, fôsse escrito nas Notas: “O qual testamento o Tabelião
escreverá nas Notas, e será assinado pelas ditas testemunhas e pelo testador.
~„ Portanto, tinha de ser feito o lançamento no Livro de Notas do oficial
público. Dá-se o mesmo, hoje, sob o Código Civil.

Durante a lavratura do auto de aprovação pode dar-se que alguém tenha de


sair, por alguma necessidade, inclusive se tem de tomar remédio, ou
injeção, ou ter de ser pôsto em lugar especial de tratamento o testador. Tudo
pára, até que a pessoa volte ou possa estar presente, psiquicamente, à feitura
do auto. Se o intervalo é longo, de modo que não possam as outras pessoas
esperar, a solução é a de recomeçar-se, convindo que no texto já escrito em
parte se narre o que ocorreu.

§ 5.877. APROVAÇÃO DO TESTAMENTO

Tudo que se lera tem de ser repetido, inclusive o ato de entrega e de


declaração de vontade do testador.

O oficial público não pode quebrar a unidade do ato, como se, a despeito da
saida ou do desmaio, de uma das testemunhas, entende que deve continuar.
Aí, há infração; em caso de decretação de nulidade, há responsabilidade do
oficial público.
Não há regra jurídica sôbre a duração das formalidades do auto de
aprovação. A continuidade, a unidade, tal o que importa. A entrega da
cédula testamentária pode ter sido às onze horas da noite e só ser assinado o
auto de aprovação no dia seguinte, razão para se dizer a que horas se vai
assinar.

O auto de aprovação pode não se referir a intervalo que ocorreu, porque o


que se supõe é que a unidade do ato de aprovação não se tenha quebrado.
Nem seria recomendável qualquer referência a saída rápida de alguma
testemunha, ou do testador, ou do próprio oficial público.

A diferença de tinta ou de caneta pode resultar de insuficiência do que se


estava usando (2.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
25 de novembro de 1949, R. .7. E., 102, 170 5.: “A propósito cabe aqui,
adequadamente, o que diz PONTES DE MIRANDA, no Tratado dos
Testamentos. cuja transcrição faço, contra meus hábitos: “No ato de
aprovação deve o oficial público certificar a presença das testemunhas para
lhes atestar a identidade e idoneidade. As assinaturas são atos materiais,
mas o momento em que foram lançadas supôe serem posteriores à leitura do
auto pelo oficial público, o que só êste poderá certificar. Se ocorrer conflito
entre o que diz o oficial público, no ato, e as testemunhas que o assinaram,
só se pode presumir válido o que diz o oficial público, porquanto as
testemunhas, ex hypotkesi, o assinaram. Tratar-se-á, então, de prova contra a
fé do oficial público. O

juiz apreciará soberanamente”. Afastada a hipótese de conluio criminoso do


oficial público, a quem o acórdão abonou a probidade, e as testemunhas,
entre as quais um médico conceituado no município, poder-se-ia repelir
desde logo a invalidade do ato lavrado pelo tabelião, e em parte infirmado
por aqueles que o assinaram. Se essas testemunhas o fizeram inconsciente-
mente são inidôneas para destruir a fé do oficial público; nenhuma
confiança merecem suas declarações posteriores. Se compreenderam a
responsabilidade que lhes tocava e prestaram-se à formalização de uma
fraude, são participes do ato, e não podem agora inocentar-se com a própria
torpeza. Mas os depoimentos cotejados e que serviram de base ao
venerando acórdão não conduzem, com firmeza, à conclusão de que o
oficial público tivesse certificado em falso, que essas testemunhas
estivessem presentes e ouvissem tudo que se passou durante o ato
probatório do testamento”.

2. LEITURA DO AUTO PELO OFICIAL PÚBLICO. A leitura ao testador


e às testemunhas é um dos requisitos essenciais do testamento cerrado e
constituiria grave argumento contra a interpretação da ignorância da língua
nacional por parte do testador <nunca das testemunhas) nos casos figurados
conforme o Código Civil, art. 1.640, in fine.

No direito anterior, não eram expressas, a êsse respeito, as Ordenações


Filipinas, Livro IV, Titulo 80, §§ 1 e 2, mas sendo o testamento instrumento
público e exigida a todos êles a leitura antes de subscreverem entendiam ser
solenidade essencial o requisito de se ler, assim o testamento público como
o cerrado. Invocavam-se J . H.

BOERMER, MANUEL ÁLvARES PÊCAS (Com-meníaria in


Ordinationes Regni Portugalliae, IV, 46, n. 7) e JOÀo RODRIGUES
CORDEIRO (Dubitationes luris in Foro frequentes, d. 9, n. 22, d. 47, n. „7,
d. 47, n. 31). Mas havia grave incoerência de doutrina: solenidade essencial
é solenidade que deve vir in ipso testamento, e os praxistas entendiam que
podia ficar para prova posterior. Hoje, a solução tem de ser diferente: na
aprovação, o oficial público deve declarar ter lido, porquanto o Código
Civil, art. 1.638, IX, exige a leitura.

A leitura do auto de aprovação do testamento cerrado há de ser feita pelo


oficial público. Não pode êsse deixá-lo ao testador, nem a qualquer das
testemunhas, nem a auxiliar seu. Sómente no caso de surdez ou surdo-
mudez do testador, é que se há de dispensar a leitura para o testador, que o
escreveu todo e o assinou, e ao entregá-lo ao oficial público, ante as cinco
testemunhas, na face externa do papel, ou do envoltório, já havia escrito que
era o seu testamento e queria a aprovação. No auto de aprovação o oficial
público há de mencionar que leu o testamento para as testemunhas e o
testador estava (ou era) surdo ou surdo-mudo.
3.ASSINATURAS DO AUTO DE APROvAÇÃO. A assinatura do oficial
público é a primeira do auto de aprovação: trata-se de ato público. Seguem-
se as testemunhas e o testador, que, pela lei, deve ser o último a assinar.

Se êste não sabe ou não pode, assina por êle uma das testemunhas,
declarando, ao pé da assinatura, que o faz a rôgo do testador, por êsse não
saber ou não poder assinar (art. 1.638, IX e X). Tal assinatura a rôgo nada
tem com a assinatura, a rôgo, da cédula (art. 1.638, III) : a da cédula será
necessàriamente, se a rôgo, feita por quem escreveu o testamento; a do
instrumento de aprovação necessàriamente, por uma das testemunhas.

A ordem das assinaturas das testemunhas é sem relevância.

A testemunha que assina pelo testador, tem de ser a pessoa que satisfaz as
exigências para ser testemunha. É uma das testemunhas que constam do
auto de aprovação, rodem elas ser cinco, ou mais, porque o Código Civil,
no art.

1.638, IV, exigiu cinco testemunhas como mínimo (verbis “presença,


quando menos, de cinco testemunhas”). A pessoa, que há de assinar pelo
testador, não é uma pessoa a mais das testemunhas. Pode ser uma das cinco
testemunhas, ou, por exemplo, uma das seis, ou uma das sete. Quem não foi
testemunha não pode assinar pelo testador o auto de aprovação do
testamento cerrado. Só uma das testemunhas pode fazê-lo.

A causa do impedimento tem de constar do ato da aprovação. Ou dêle e do


texto, “ao pé da assinatura da testemunha que assina a rôgo. Ou somente do
texto “ao pé da assinatura”. Apesar de o art. 1.638, X, do Código Civil, só
se referir à declaração “ao pé da assinatura”, tem-se de considerar bastante a
declaração inserta no texto do auto de aprovação, dizendo qual a
testemunha que a rôgo assina. Porém a essa testemunha não basta assinar;
tem de referir-se ao rôgo do testador, porque por êle ela assina (cf. Assento
de 10 de junho de 1817: “A intenção da lei é que se não falte nos requisitos
dela; mas, uma vez que o tabelião porte por fé no instrumento que perante
as testemunhas, ali presentes e declaradas, foram satisfeitos todos os
requisitos da lei, especificados na mesma lei, especificando-os êle no
mesmo instrumento, está observado o que a lei requer, e manda-se observar,
a bem da liberdade de testar”).

A testemunha que assina a rôgo do testador não precisa assinar duas vêzes.
Por vêzes, apenas explicita que “assina por si e pelo testador, a seu rôgo”.

Cf. 4ª Câmara Civil da Côrte de Apelação de São Paulo. 10 de março de


1987 (1?. dos T., 110, 239) : “Não se pode razoàvelmente exigir que as
assinaturas constem do auto rigorosamente na ordem em que vêm elas
mencionadas no texto. Uma vez que o instrumento está assinado por essas
pessoas, satisfeita está a exigência legal”.

A testemunha que, a rôgo, assina pelo testador, não basta que assine: precisa
declarar, ao pé da assinatura, que o faz a rôgo do testador e a razão de o
fazer. ~ requisito essencial (Código Civil, art. 1.638, X). Se o não declarou,
é nulo o testamento (JOAQUIM AUGUSTO FERREIRA ALvES,
Consolidação das Leis relativas ao Juizo da Provedoria, 89). Mas a
Relação do Rio de Janeiro, a 29 de outubro de 1869, decidiu que, escrito e
assinado pelo oficial público, na impossibilidade de o fazer o testador, não é
caso de nulidade se não repetiu no auto de apro

-vação a assinatura com a declaração a rôgo; porquanto, no próprio


instrumento, tem de o dizer, narrando as circunstâncias, o próprio oficial.
Está certa a decisão: dá-se identidade de escritor e assinante da cédula,
oficial público narrante da solenidade, e particularidade da assinatura, de
modo que a repetição seria exigência supérflua.

Outro caso, porém não de identidade, sugeriram intérpretes de direito


anterior (J.H. CORREIA TELES, Teoria da Interpreta $o das Leis, § 4, n.
19; TEIXEIRA DE FREITAs, Consolidação, art. 1.055, § 2, nota 2) : o
tabelião declarou que outrem assinou, a rôgo do testador, a cédula
testamentária, mas o assinante, ao fazê-lo, não no declarou. Na espécie, o
que se dá é efeito autentificante. No texto da nota 2 de TEIXEInA DE
FREITAS, a espécie estudada é a falta da assinatura, e não a da declaração a
rôgo: neste caso, o auto de aprovação não pode ter a conseqúência de
dispensar o requisito da assinatura.
seria nulo o testamento.

§ 5.577. APROVAÇÃO DO TESTAMENTO

Questão delicada é a de se saber se, dito pelo oficial público o motivo por
que não no assinou o testador e quem a seu rôgo vai fazê-lo e só assinando
a testemunha o auto de aprovação, vale o testamento. Cumpre distinguir:
a)Exemplo de TEIXEIRA DE FREITAS (Consolidação artigo 1.055, nota
19) : a testemunha assina a rôgo, sem declarar porque o faz. Solução: vale o
testamento: ela assinou a declaração do oficial público e o seu dizer “a
rôgo” inteiramente o reconhece

b)Exemplo da Relação de Ouro Prêto, no acórdão de 12 de agôsto de 1884:


a testemunha assinou, mas nem sequer declarou que o fazia a rôgo.
Solução: vale, decidiam J. II. ConREIA TELES (Digesto português, III, art.
1.784), que reputava equivalente dizê-lo o oficial público no instrumento ou
dizê-lo a testemunha, MANUEL DE

ALMEIDA E SOUSA, na dissertação 4 em suplemento às Notas, e a


Relação de Ouro Prêto.

c)Exemplo de ALVARO VALASCO, antifilipino: a omissão do auto e da


testemunha Vale dizer as expressões da lei seriam enunciativas e não
dispositivas Bastaria, depois, que se provasse que o testador não podia
assinar, e por tal causa não assinou (et ideo non signavit).

Antes de assentarmos opinião, consignemos que as Ordenações Filipinas e


os Assentos deixavam dúvida, porque não exigiam especificação por parte
do oficial, mas claramente a declaração pela testemunha, e agora o Código
Civil, à diferença do que ocorre com o testamento público (art. 1.634),
deixa de exigir a especificação ao testamento cerrado, e claramente exige a
completa declaração pela testemunha-assinante. As questões perduram. O

fato de ser a antecipada declaração do oficial público, que tem fé pública,


de mais valia, e achar-se subscrita, confirmativamente pela testemunha,
repõe diante de nós a velha controvérsia.
Eliminemos, desde logo, o caso c) : a falta não é mínima, como pareceu a
ALVARO VALASCO. Seria protrair a solenidades posteriores o que a lei
quis in ipso testamento. A omissão feriria o princípio da essencialidade da
forma, princípio criado pelo timor falsitatis. Somente os dois outros
exemplos, de TE!XEIRA DE FREITÂS e da Relação de Ouro Prêto,
deixam de pé as dúvidas. De omissão, em parte tão essencial, não cabe
cogitar-se; mas de equivalência, sim.

Temos de examinar os dois casos: o primeiro, em que a testemunha-


assinante disse assinar a rôgo; o segundo, em que o não disse. Ex hypothesi,
num e noutro caso, o oficial público fêz a declaração, que caberia às
testemunhas.

Nem nas Ordenações Manuelinas, nem nas Ordenações Filipinas, nem no


Código Civil, se deu ao oficial público a ir.cumbência de dizer que, pelo
motivo de não poder assinar o testador, outrem assinou. A testemunha é que
o declara. Por isso mesmo, se o oficial se adianta em dizê-lo e a testemunha
o subscreve, actus factus eandem vim habet. A cautela foi observada pelo
oficial público, que tem fé pública: há, na espécie, um plus, e a subscrição
pela testemunha confirma o que acima o oficial público declarou. Assim,
FRANCISCO DE CALDAS PEREIRA DE

CASTRO (AnalyticuS Commentarius, sive ad Tupum znstrumenti,


Emptionis et Venditionis Tractatus, c. 34, n. 22).

GABRIEL PEREIRA DE CASTRO (Detisiones Supremi


Ehninentis.Simique Senatus Portugalliae, dec. 81, n. 3, 370), HATISTA
FRAGOSO (Regiminis Reipublicae Christianae, III, 1., 5, d. 8, § 3,

-n. 112), obscuro ANTÔNIO DE SousA DE MAcEDO (Decisiones


Supremi Senatus Iustitiae Lusitaniae, d. 4), MANUEL DE ALMEIDA E
SOUSA (Cole ção de Disserta çdes jurídico-práticas em suplemento às
notas ao livro terceiro das Instituições de PASGOAL JOSE DE MELO
FREIRE, 129), contra ANTÔNIO DA GAMA (Decisiones Supremis
Senatus Regni Lusitaniae, d. 46). Foi -excelente BATISTA FliAcoso e ainda
hoje não devemos buscar relhor lição, bem nova, bem ad corrente dos bons
métodos contemporâneos de interpretação (tirado o voluntarismo
subjetivista, sinal do tempo) : “Responsio est affirmativa, quia mens
Legislatoris fuit, ut testamentorum fraudibus occurreretur; et magis
occurritur, si Tabellio declaret pro testatore Titium subsignasse, quam ipse
testis, qui id ex post facto efficere potest aut addere: Idcirco plenius
intentioni Legislatoris satis

-factum est per tabellionem quam per testem... Verosimile est Legislatorem,
si in hoc casu fuisset interrogatus, responsurum sufficere Notarii
declaratonem, per quam fraudes eliminantur”.

Valendo mais do que a da testemunha a declaração dc oficial público, e não


havendo, como não há. falta do declaração, pois que a testemunha assina o
que o oficial público escreveu, faz seu, confirmativamente, o que êle
declarou, fôra râncido formalismo sacrificar à exigência formal, duramente
interpretada, a vontade do testador. Se há um favor testamenti, não há lugar
mais próprio para êle intervir. Mas, em verdade, nem questão há dêste
favor: uma coisa é serem de ordem pública as formas testamentárias, e
outra, poderem ser interpretados os artigos de lei que fixam os requisitos
essenciais.

O caso segundo da Relação de Ouro Prêto, se bem que, aparentemente, seja


assaz distinto do primeiro, verdadeiramente não no é: se vale o argumento
de declarar o oficial e a testemunha subscrever o que êle disse, declarando
assinar pelo testador (“a rôgo”), vale também para o caso de tudo ter sido
dito pelo oficial e nada pela testemunha-assinante: porque o a rôgo também
aquele o disse e a subscrição da testemunha ou vale para tudo, ou não vale;
se vale para a parte em que se disseram os motivos da impossibilidade de
assinar o testador e quem, por êle, assina, tem de valer para a expressão a
rôgo, subentendida na primeira parte. Aqui, como no primeiro caso, o que
se fêz foi interpretar o art. 1.638, VII e X, e não dispensar na lei. Certo,
como já se disse, sem a forma da aprovação, é imperfeito ainda o
testamento (MANUEL FIGUEIRA DE NEGREIROS, Introductio ad
ultimas voluntates, L. 2, c. 1, n. 4), mas a lei da forma pode-se e deve-se
interpretar. Na espécie, fêz-se mais do que a lei pediu, e bastaria que fôsse o
mesmo:
quando forma respicit certum effectum, per aequipollens potest ei
fectualiter consequi.

Seria retrocesso exigirmos hoje mais do que se exigiria nos séculos


passados ao tempo das Ordenações Manuelinas e Filipinas. Após, os
escritores que citamos, o prático de Lobão, com bons argumentos, solvia o
problema da antecipação da formalidade, por parte do oficial. ~,Não
confiam as leis, perguntava MANUEL DE ALMEIDA E

SOUSA (Coleção de Dissertaçôes juridico-prátitos em suplemento às notas


ao livro terceiro das Instituicões de MELO FREIRE, 130), mais das
escriturações dos tabeliáes que das pessoas privadas? E acrescentava: “Isto
não é equipoléncia, tomada na própria acepção esta palavra; é, sim, uma
maior e – sobre equipotência, mais que uma equipolência”.

4 DIFERENÇA DE TEMPO, FEITURA E APROVAÇÃO. A diferença de


tempo entre a feitura da cédula testamentária e o ato de entrega para a
aprovação, seguido dessa e das assinaturas, inclusive do testador, suscita a
questão da capacidade do testador. Aliás, estende-se a outras espécies que
não são as de incapacidade do testador, como as de nulidade de disposições.
Se o testador não estava em perfeito juízo, ou não tinha idade para testar,
quando fêz o testamento (escrito por êle, ou por outrem, não importa) e já
podia testar ao entregar e assinar, vale o testamento cerrado que teve
aprovação e as assinaturas. Se houve êrro, ou violência, no momento da
escrita e de modo nenhum persistiu quando o testador entregou a cedula
testamentária e assinou a aprovação, a causa de anulabilidade desapareceu.
Pode ocorrer o mesmo, embora dificilmente, em caso de dolo. Se o testador
dispôs a favor da concubina, mas, ao entregar a cédula testamentaria, já
dissolvida estava a sociedade conjugal, qualquer que fôsse a causa da.
dissolução, a disposição vale.

Se o testador fêz testamento público, cerrado, ou particular, no intervalo,


isto é, entre a feitura da cédula testamentária e o momento em que levou à
aprovação, o testamento cerrado que foi aprovado depois revoga o
intercalar.
A data da cédula é sem relevância, se o testador a pós-datou, em relação à
data da entrega e da aprovação (cf. JoSlil DIAS FERREIRA, Código Civil
portugués anotado, IV, 302).

O Código Civil não fala de data do auto de aprovação. Se bem que não se
deva permitir a oficiais públicos lavrar autos, quaisquer que sejam, sem
datar, para jue êle e as testemunhas (ou êle e figurantes do negócio jurídico)
assinem, a omissão do Código Civil deixa sem a sanção de nulidade a falta
do oficial público, em se tratando de testamento. A datação édever do
oficial público, quer o testamento seja público, quer seja cerrado.

5.DECLARAÇÃO DE ASSINAR A RÔGO E EXPRESSõES


EQUIVALENTES. O oficial público não precisa usar das expressões “a
rôgo”. Basta dizer o oficial público se o escreveu e vai assinar: por mim e
pelo testador, ou só pelo testador, basta: porque neino signat pra alio. nisi
ad preces ipsius (GABRIEL PEREIRA DE CASTRO, Decisiones Supremi
Eminentissimique Senatws Portugalliae, dec. Si, n. 2, 370).

6. SE A ASSINATURA DO TESTAMENTO CERRADO PODE SER


FEITA POR OUTRA PESSOA, QUE NÃO

SEJA “UMA DAS TESTEMUNHAS”. No livro de FERREIRA ALNTES


(Consolida çã-o das Leis relativas ao Juízo da Provedoria, 1, 115), diz-se
que “a lei só concedeu a uma das testemunhas do ato o poder de assinar
pelo testador”. Seria nulo o testamento assinado por outra. pessoa. Mas,
pela exigência de uno contextu, o assinante será presente ao ato de
aprovação. Será mais uma das testemunhas, a sexta, ou octavus figurante,
com o testador e o oficial público.

Não há nulidade (Relação do Rio de Janeiro, 21 de abril de- 1874, Tribunal


de Justiça de São Paulo, 3 de junho de 1899, JoÃo MONTEIRO, Aplicação
de Direito, 51).

~ Quid juris, se o oficial público não disse quem vai assinar, nem a
testemunha-assinante o declarou?
Se mais testemunhas do que a lei exige figurarem, melhor será, mais forte a
prova instrumental (Relação do Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 1878). ~
de mais ir além de cinco, dizia JOÃO MONTEIRO (Aplicação de Direito,
51) ; em mais de cinco, há sempre cinco.

Se é testemunha, deve o oficial público dizê-lo no auto, máxime se


extranumerária (LAFAIETE RODRIGUES

PEREIRA, O Direito, V, 571-588). Aqui, a questão não é de assinar, casos


que foram discutidos: é de ser testemunha. Se não declarou porque assinou,
nem no fêz o oficial público, falta o requisito do art. 1.638, X. Se não se
arrolou como testemunha, ~,como provar a validade? Assinatura prova que
assinou, mas a presença deve constar do auto porque é uma das solenidades
essenciais.

Será nulo o testamento:

a) Se o que assina a rôgo não se mencionou como testemunha, nem se pôs


entre elas como tal.

b) Se, assinando a rôgo, e mencionada só como testemunha, nem ela, nem o


oficial público cogitou da declaração do art. 1.638, X.

Se o oficial público faz as testemunhas assinarem em branco, para depois


lançar o auto de aprovação, há irregulari dade, que pode dar ensejo à
decretação da nulidade. Idem, se o lavra e, mais tarde, convoca as
testemunhas para que o assinem. Para que a invalidade seja decretada, é
preciso que se produza prova suficiente do ocorrido.

7.SE O -OFICIAL PÚBLICO, AO MENCIONAR AS TESTEMUNHAS,


ERRA O NOME DE UMA DELAS.

Cumpre distinguir 05 casos de êrro, pois nem todos são iguais:

a) rode ser leve e não pôr em dúvida a identidade de quem testemunhou:


OsvaIdo por Oswald, Alberto por Alfredo Alberto, Júnior por Filho (há
pessoas que usam os dois).
b) Ou êrro que, devendo ter-se lido a aprovação, não se compreende que o
deixasse passar a testemunha: Antônio Gama por Justino Ramos.

Mas, se das circunstâncias e in ipso testamento se pode concluir sôbre a


identidade, não é nulo. Se não se pode con cluir, é nulo, e responde o oficial
público.

8. CAUTELAS VOLUNTÁRIAS DO OFICIAL PÚBLICO. Muitos dizeres


nos testamentos são benefícios, porém dispensaveis. Declarar que o testador
estava doente, ou não, se em perfeito juízo e livre de coação. Mencionar o
número de fôlhas do testamento e rubricá-las: o sinal far-se-á na última
fôlha, e não em todas; a lei não exige que as rubrique, uma por uma, a
segurança está no fechar e coser, e não na rubrica das fôlhas. Fechar e
coser é que é essencial.

Constitui praxe dos cartórios, além de fechar e coser o testamento, lacrá-lo


sôbre os pontos, ou alhures, e declarar o tabelião a côr do lacre, se tinha o
seu carimbo, o número de pingos e os lugares em que se achavam.

Ç de grande utilidade, ao lançar no seu livro a nota do lugar, dia, mês e ano
em que o testamento foi aprovado, e entregue, registar o oficial público
todos os atos de individuação das testemunhas (idade, naturalidade,
profissão, domicílio e residência).

Se o testador permitiu que o oficial público lesse o testamento, deve


consignar as rasuras, emendas e ressalvas que houver, mas isto não quer
dizer que a lei exija tal leitura, ou tal inspeção sem ler, por parte do oficial
público.

Chamamos auto de aprovação; os juristas franceses, de subscrição, palavra


que melhor o diz.

9. E REQUISITO ESSENCIAL QUE O OFICIAL PÚBLICO CERRE E


COSA, DEPOIS DE CONCLUSO O

INSTRUMENTO DE APROVAÇÃO. Do art. 1.638, XI, tira-se que o


oficial público (escapou ao legislador a expressão tabelido, que desde o art.
1.632 diligente-mente evitara, lapso que não pode ter conseqúências)
primeiro escreve o instrumento de aprovação, que êle assina com as
testemunhas e o testador ou quem, por êste, escreveu o testamento. Somente
após cerrará e coserá. Portanto, quando o testador lho entrega, pode estar
cerrado e cosido e tê-lo de cerrar e coser de nôvo.

A interpretação não pode permitir que o testador entregue o testamento


dentro de invólucro, cosido, de modo que não permita começar o oficial
público, “imediatamente depois da sua última palavra”, o instrumento de
aprovação, pois seria contravir ao art. 1.638, VII. Mas, ajustando-se os
requisitos do art. 1.628, VII e XI, chega-se à possibilidade intermediária da
entrega de um testamento, cerrado e cosido, pelo testador, no qual se deixe,
do lado de fora, a última palavra escrita e espaço suficiente para o
instrumento da aprovação (art. 1.638, VII), ou para o sinal público do
oficial. O que é indispensável é estar do lado de fora a última palavra.
Porque, quanto ao espaço, o art. 1.638, VIII, o dispensou: “não sendo isto
possível, por falta absoluta de espaço na última fôlha escrita, o oficial
ponha nele o seu sinal público e assim o declare no instrumento”.

O oficial público tem de fechar e coser o testamento. Costuma-se lacrar,


além de fechar e coser, porque abrir e cortar

a costura será fácil a terceiro. O lacre sôbre os pontos em que entram as


linhas é de maior segurança. O carimbo, no lacre, autentica mais do que
outro meio de cautela. Todavia, o lacre e o carimbo não são requisites
essenciais do fechamento.

Falta saber se, cerrado e cosido pelo testador, precisa o oficial público
novamente cosê-lo. Cumpre distinguir: a) Se o auto continuou após a última
palavra, deve o oficial público declarar que o recebeu em tais condições e
reforçar o fechamento ou recosê-lo de modo a assegurar a autenticidade
dêste ato, porque o “cerrar e coser” ficou, por lei, ao oficial público. Se
achar que bastam o fechamento e a costura, conforme lhe apresentaram, terá
de dizê-
lo no auto para que-constitua uma como ratificação do fechamento e da
costura pelo testador.

b) Se não houve espaço para o auto de aprovação, e o oficial público tiver


de escrevê-lo fora, pondo o sinal da última fôlha escrita (necessáriamente
exterior), tal auto de aprovação terá de envolver o testamento já cerrado e
cosido pelo testador. Então, haverá dois fechamentos e duas costuras (e isso
não há nenhum inconveniente, pois que de tudo se dá conta no auto de
aprovação) : o fechar e cerrar do testador, visível a última palavra, com o
sinal público, e o fechar e cerrar do oficial público aprovador.

Se, no testamento cerrado, o testador diz que entregará ao oficial público já


cosido, com os seus selos ou anéis, deixando, após a última palavra, lugar
para a aprovação, ou apenas-deixando-a visível para que o oficial público
aponha o seu sinal, e não forem encontrados os selos ou sinêtes ou
carimbos,a que se refere, isto por si não torna nulo o testamento. Podia ter-
se esquecido. Mas é irrecusável que se trata de praesumptio facti contra a
validade do 1-O.SE É NULO O TRSTAMENTO CERRADO EM CUJO
AUTO DE~ APROVAÇÃO NÃO APÔS O

OFICIAL PÚBLICO O SEU SINAL PÚBLICO.

Somente uma vez o Código Civil se referiu ao sinal público: no art. 1.638,
para o caso de não haver espaço na última fôlha de papel escrita e em
conseqúência disto ser impossível começar-se, nela, o auto de aprovação.
Mas a questão e velha, por terem alguns, como FERREIRA ALVES
(Consolida Ç‟ w das Leis relativas ao Juizo da provedoria, 85), treslido o
que, no-seu tempo, decidira o senador OLIVEIRA, que mais esclareceu do
que refutou a JOÃO R‟ODRIGUES CORDEIRO (Dubitationes in Foro
frequentes, 9, n. 21). Escrevia, com tôda a justeza, o velho-julgador: “Note-
se, que não requere sinal público, senão 110 caso de se pôr na fôlha
apartada; de que resulta, que, se no-instrumento da aprovação não fizer
sinal público, mas raso, ou na nota, quando nela se fizer instrumento aberto,
não será o testamento nulo, e assim o julguei”. Qualquer que pudesse ter
sido a melhor solução para o direito reinícola, o que é certo-hoje em dia a
opinião de OLIVEIRA ~ a que melhor se. ajusta à letra e à interpretação do
Código Civil: trata-se de requisito essencial, o sinal público, para o caso
ezcepcionfitl (achar-se tôda a última fôlha ocupada pela escrita do testador).
Se ocorrer que a lei do tabelião lha exija a aposíçao do sinal no auto de
aprovação, sem distinguir o caso ordinário e o extraordinário, tal
providência legislativa, de direito estadual, não poderá ter o efeito de criar
nulidades de testamento. Dela somente poderá resultar penalidade ao oficial
público.

11.“UNITAS ACTUS” DA SOLENIDADE DE APROVAÇÃO. - A lei não


exige a unidade de ato à escritura da cedula testamentária, que vai ser dada
para a aprovação. Mas o instrumento de aprovação e todas as solenidades
que o precedem e sucedem tem de ser uno contextu. Vale dizer: desde o
gesto da entrega, presentes o oficial público, o testador e as testemunhas
(Código Civil, art. 1.638, IV), até o cerrar e coser do testamento (art. 1.638,
XI), tudo tem de fazer-se sem interrupção: continuidade e presencialidade
desde o princípio até o fim.

O uno contextu quer dizer sem interrupção para outra coisa ou ato: nou
miscetur actus testamento alienus (ANTÔNIO DE SOUSA DE MACEDO,
Decisiones Supremi Senatus Iustitiae L<usitaniae, d. 4, 5, 15).

A existência de uno conteztu só se refere à parte de autentificação, similar


do testamento público e proceder solene.

Quanto à cédula, não: pode ser feita num tempo, e noutro levar--se à
aprovação; fazer-se aos poucos, conforme fôr entendendo o testador, como
ocorre à estrutura do testamento particular.

12.O QUE DEVE CONTER O AUTO DE APROVAÇÃO DO


TESTAMENTO CERRADO. o instrumento de aprovação deve consignar,
por exigência do estatuto do oficial público: a) A data, isto é, o dia, o mês e
o ano.

b) O lugar em que foi feito.

c) O nome do testador que entregou a cédula e o seu domicílio, cautela útil


(porém não para o efeito que lhe atribui FERREIXA ALVES, Consolidação
das Leis relativas ao Juizo da Provedoria, 1, 118, “para se averiguar a
competência do tabelião”, pois não é o domicílio do testador que afirma, e
sim o lugar em que se fêz o testamento, coisa diferentíssima).

d) O nome das testemunhas, sendo aconselhável dizer-lhes, pelo menos, o


domicílio.

e) Reconhecimento do testador e das testemunhas ou abonação por duas


pessoas, ato que pode fazer-se fora do testamento, no livro do cartório,
dando o oficial público aos figurantes, em virtude disto, como
reconhecidos.

f) Leitura do auto pelo oficial público.

g) Sinal e assinatura do oficial público; assinatura das testemunhas e do


testador, se pode assinar. Se não puder, por êle assinará uma das
testemunhas, com a declaração do artigo

1.638, X.

Eventualmente, ressalva no fim do instrumento de aprovação e antes das


assinaturas, de todas as emendas, entrelinhas, rasuras, etc. (Ordenações
Filipinas, Livro 1, Título 78, § 4; Reg. n. „737, de 25 de novembro de 1850,
art. 146).

O que é requisito essencial está no art. 1.638. Fora disso, quaisquer


invalidades não são absolutas e têm de ser apreciadas pelo juiz: exemplos
temos no auto de aprovação a que faltou o nome da testemunha no texto da
aprovação, mas esta subscreve o auto, ou troca de nome.

No auto de aprovação, tem o oficial público de dizer o lugar (cidade, ou


vila, ou outra localidade, a rua, a casa ou número), e a data em que se lhe
entregou a cédula testamentária, o nome do testador, o estado civil, a
profissão, a nacionalidade, o domicílio e a residência. De ordinário, porém
não imprescindivelmente, diz o oficial público que o testador se acha em
perfeito juízo, em pleno estado de saúde (ou doente, com voz fraca, ou
acamado, ou em cadeira de rodas). Se o oficial público afirmou que o
estado mental era normal, ou fêz qualquer outra alusão à saúde, pode ser
feita prova contrária. São proposições usuais ou de estilo, que não fazem fé
pública.

Após os dados sôbre o testador, têm de vir os que concernem às


testemunhas, para que haja a identificação. Se nem o oficial público nem as
testemunhas conhecem o testador (o que pode ocorrer), duas outras pessoas
têm de satisfazer as exigências de identificação, conforme a legislação
especial.

Depois de referir-se às pessoas presentes e à entrega, o oficial público, se o


testamento foi entregue aberto, há de referir-se às laudas ou fôlhas da
cédula testamentária; se cerrado pelo próprio testador, há de dizer qual o
aspecto, o modo de fechamento e pôr o sinal público se não há lugar para
iniciar o auto de aprovação, frisando que lhe fôra e como lhe fôra entregue
fechado. Se a cédula testamentária foi apresentada aberta, o oficial público
folheia-o, sem o ler (salvo se lho pede o testador), e deve dizer em que
estado o encontrou (sem borrões ou com tais borrões, sem rasura ou com
tais rasuras, riscos, emendas e rompimentos sem importância, que há de
apontar). Entregue aberto o testamento, o oficial público rubrica as fôlhas.
No auto de aprovação deve o oficial público dizer que a cédula
testamentária já estava cosida e que vai ser fechada e cosida com a
aprovação, ou que estava aberta e vai ser fechada e cosida.

O oficial público tem de portar por fé a identidade do testador e declarar


que as testemunhas o conhecem, ou que duas das testemunhas, ou duas
pessoas identificantes o conhecem e assinaram a declaração (que pode ser
no testamento, abaixo das assinaturas instrumentais, ou fora, conforme a
praxe notarial). Se o oficial público não conhecia o testador, a declaração
formal de duas pessoas é indispensável à função notarial e ao auto de
aprovação ; depois da identificação, não precisa a isso referir-se o oficial
público, pois que passou a conhecer o testador, o que é de exigir ao ser-lhe
entregue o testamento ou logo após.

Nem a rubrica das páginas da cédula testamentária, nem a indicação do


número delas, ou das fôlhas, é pressuposto essencíal, pôsto que de praxe
notarial. Dá-se o mesmo com a própria referência a ter a cédula
testamentária sido escrita e assinada pelo testador, ou por outrem escrita e
por êle assinada, ou escrita e assinada a seu rôgo.

13. VALOR JURÍDICO DO AUTO DE APROVAÇÃO. Antes de aprovado,


o testamento cerrado não constitui ato jurídico perfeito ainda não é um
testamento. De tal imperfeição decorre que, no próprio caso de cédula
datada, a sua data não será a da cédula, mas a do auto de aprovação. A
partir da entrega até a conclusão do auto é que se procede à autentificação
do escrito: a êste ato, e não ao conteúdo da cédula, é que as testemunhas
assistem, e atestam-no, e o oficial público certifica.

Das declarações testamentárias, nem aquelas nem êste precisam ter


conhecimento explícito.

14. CERRADO E COSIDO, A QUEM SE ENTREGA O TESTAMENTO.


A lei diz com quem fica o testamento cerrado (Código Civil, art. 1.643), e
devemos evitar que fique com o oficial público, como temos visto. Máxime
se a rôgo escrita a cédula, e a rôgo assinado o auto de aprovação. A
impressão que deixa é um pouco chocante quando o oficial público vai
apresentá-lo.

O testamento aprovado entregue ao testador, que o guardará consigo, ou o


confiará a quem entender, talvez ao futuro testamenteiro, o que é excelente
prática. ou a estabelecimento bancario ou trustee, acautelandoo em caixa
forte, e evitando criminosas utilizações, que são freqúentes e raro
verificáveis, tratando-se de testamentos cerrados.

Principalmente se o testador não contemplou os herdeiros legítimos, não


deve fiar dêles a guarda dos instrumentos das suas últimas vontades.
Quando não seja o intuito maldoso, o propósitO de inutilizar, a curiosidade
dêles, às vêzes comtemplados leva-os a forçar as linhas, arrebentar 05 lacres
e os pontos.

A guarda, ato de fidúcia, de conseqúências jurídicas como o dever de


apresentação, será estudado ao cogitarmos do artigo 1.756.
Antes de entregar o testamento, o oficial lançará no seu livro o nome do
testador, dia, mês e ano, aconselhavelmente a própria hora em que se fêz a
aproyação e o nome das testemunhas, com as características.

Mas tal providência não consta do art. 1.638 do Código Civil: não constitui,
portanto causa de nulidade. Pelo fato de a mencionar o art. 1.643, da
infração resulta poder ser punido, disciplinar ou criminal mente, o oficial
público

§ 5.878. Testamento escrito pelo oficial público e aprovação

1.TEXTO LEGAL Diz o código Civil, art. 1.639: “Se o oficial tiver escrito
o testamento a rôgo do testador, podê-

não obstante, aprovar”. Já no Projeto revisto, art. 1.975: “Se o oficial tiver
escrito o testamento a rôgo do testador, podê-lo-a não obstante aprovar,
como pessoa pública”. Cf. Projeto de FELiCIO DOS SANTOS, art. 1.621.

2. FONTE. Cf. Assento de 23 de julho de 1811, interpretativo das


Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 1:

“E por pluralidade de votos foi assentado pelos Ministros, que não tinham
nulidade alguma, proveniente desta causa, quaisquer testamentos escritos na
forma da lei por qualquer Tabelião, e depois aprovados pelo mesmo;
porque, não havendo ordenação que o proiba, o que a lei não distingue, nós
não devemos distingUir, e rogando nulidades nos atos, que os não têm. E
para não vir mais em dúvida, se tomou êste Assento, que assinou o dito
Senhor com os dembargadores, que nele votaram”. Antes tinha dito: “Foi
proposto, que havendo variedade de julgar sôbre os testamentos feitos na
forma da ordenação, Livro iv, Título 80, § 1, os quais, sendo escritos por
algum Tabelião, se duvidava se êste podia ser o mesmo, que depois os
aprovasse, escrevendo o ato legal da sua aprovação, ou se ficavam nulos,
por ser a mesma pessoa praticando dois atos, um como pessoa pública,
outro como particular”.

Portanto, da omissão das Ordenações tirou o Assento a regra, que o nôvo


direito escrito consagrou.
3. A LEI PERMITE QUE O OFICIAL PÚBLICO ESCREVA E ASSINE,
A ROGO DO TESTADOR, ou sÓMENTE QUE ESCREVA? Questão bem
árdua que não vejo exposta no antigo e no direito de hoje. Aliás, o Assento,
J. II. CORREIA TELES (Div esto português, III, n. 1.782), COELHO DA
ROCHA (Institu%ç0e5 de Direito Civil português, § 679) e TErCEIRA DE
FREITAS (ConsoLidação, art. 1.059) e A. J. GOUX‟EIA PINTO

(Tratado dos Testamentos e Sucessões, nota 196), só se referem à escrita.


No direito anterior, como no de hoje, o auto de aprovação é assinado, se o
testador não souber ou não puder, por uma das testemunhas (não se
confunde com a assinatura da cédula que há de ser pelo testador, ou, se êle
não souber, ou não puder, por quem lho escreveu).

O art. 1.639 também só se refere à escrita, mas o artigo 1.638, , declara.:


“não sabendo, ou não podendo o testador assinar, seja assinado pela pessoa
que lho escreveu”.

Dai a dúvida:

a) Ou o oficial público somente pode escrever, quando o testador saiba


assinar: será escrito pelo oficial público e assinado pelo testador. Solução
esta que tem por si o sistema do Código Civil, pois no próprio testamento
público, escrito, por definição, pelo oficial público, a assinatura a rôgo será
de outrem (uma das testemunhas, art. 1.683).

b) Ou o que não assina poderá encarregar o oficial público de escrever e


assinar o testamento. O argumento a favor disto é o de serem equivalentes
as formalidades dos arts. 1.683 e 1.638, X (assinatura no testamento público
e assinatura no auto de aprovação do testamento cerrado por uma das
testemunhas instrumentárias).

Devemos entender que o oficial público pode escrever e assinar a cédula,


mas aqui as realidades obrigam a maiores cautelas deve o oficial público
deixar o espaço a que se refere o art. 1.688, VII e VIII, pois, se o não deixar,
a fôlha ou fôlhas da cédula ficarão, escritas por êle e só com o seu sinal,
sem as assinaturas das testemunhas instrumentárias. Seria facilitar a
substituição do conteúdo. Dificilmente, na lide das provas, a fé pública do
oficial público resistiria a tal circunstância de aparentemente proposital
facilitação do embuste. Para obviar a isto, pode o oficial público, quando
ocorrer a falta de lugar para o auto de aprovação, exigir que as testemunhas
rubriquem as fôlhas. No direito anterior já a questão ficaria resolvida
(Assento de 28 de julho de 1811; Consolidação, nota ao art.

1.059).

4. RESPONSABILIDADE CIVIL E CRIMINAL DO OFICIAL PUBLICO


QUE ESCREVEU O TESTAMENTO.

A responsabilidade ordinária do oficial público deriva da segunda fase de


elaboração do testamento cerrado: o auto de aprovação. Mas, admitido
como foi, pelo Código Civil, que êle escreva pelo testador, disto lhe advém
posição especial, com a consequência de lhe agravar a culpa nas nulidades,
ou inexatidões, que provierem da sua escrita, não obstante a exigência de
poder ler quem testa pela forma fechada. Se é certo que êle escreve como
pessoa particular, e não como oficial público, a cédula testamentária, que
êle mesmo vai aprovar, não se deve concluir pela igual responsabilidade,
pelo mesmo grau de culpa, entre o escritor privado e o oficial público
chamado a tal função.

A lei, dando-lhe fé pública, conferiu-lhe valor de confiança, em que se pode


ter louvado o testador, e é de presumir-se que fôsse êste o móvel da escolha.

5. CÉDULA TESTAMENTÁRIA ESCRITA POR UM OFICIAL


PÚBLICO E APROVADA POR OUTRO. A lei permitiu que o próprio
oficial público, que escreveu, aprove o testamento. Não disse que, tendo-o
escrito, deva ser aprovado por êle e não por outrem. Quem escreve a pedido
exerce função privada e como função privada pode ser exercida por todas as
pessoas hábeis, capazes segundo a lei (assunto tratado noutro lugar),
inclusive os oficiais públicos. Por isto mesmo, feita por um a cédula,
assinada ou não pelo próprio testador, pode êste preferir que outro oficial
público o aprove.

Os antigos tempos cercavam de minudentes cautelas os testamentos. Hoje


podemos perguntar: ~,pode o testador dar a aprovação em dois ofícios
públicos simultâneamente o mesmo testamento? Nada lho obsta.

~ Quid luris, se, aprovado por um, leva a outro oficial público para que
ponha o seu sinal, desenvolva-o, cerre a nova carta, recosa e lacre? O
testamento, com a primeira aprovação, ficou ato perfeito, mas abundans
cautelas non nocet.

§ 5.879. Língua nacional e língua estrangeira

1. TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.640: “O testamento pode ser
escrito, em língua nacional ou estrangeira, pelo próprio testador, ou por
outrem, a seu rôgo. A assinatura será sempre do próprio testador, ou de
quem lhe escreveu o testamento (art. 1.638, n. 1)”. No Projeto primitivo,
art. 1.810:

“As disposições testamentárias podem ser escritas, em língua vernácula ou


exótica, pelo próprio testador ou por outrem a seu rôgo. A assinatura deve
ser do punho do testador ou de quem escreveu o testamento”. Cf. Projeto
revisto, art. 1.976.

2.LÍNGUA ESTRANGEIRA NO DIREITO ROMANO. Os romanos só


admitiam a língua latina: tratava-se de negócio de direito civil. Mas vieram
as concessões. Finalmente, todas as línguas que as testemunhas
compreendessem (Novelia Theodosii, 16, § 8).

3.LÍNGUA ESTRANGEIRA E DIREITO ANTERIOR. A despeito do


Decreto n. 863, de 17 de novembro de 1851, e da Resolução de 18 de
agôsto de 1781, com a lição de SAMUEL STRYK, permitia-se a língua
estrangeira no testamento cerrado e no particular. E. DE 1‟. LACERDA DE
ALMEIDA (Sucessões, 209) ia ao extremo de permiti-la na aprovação, o
que não se compreendia: o oficial público tem língua oficial.

4. LÍNGUA ESTRANGEIRA E LÍNGUA SECRETA. A lei permite que o


testamento cerrado (Código Civil, art.

1.640) e o particular (art. 1.649) sejam em língua estrangeira. Mas, quanto a


êste, é preciso que as testemunhas a entendam.
A escolha de língua estranha, desusada pelo testador, faz presumir-se a
simples troça ou pilhéria (A. ESCIIER, 88).

Não assim quando se trata de estrangeiro, pessoa mais afeiçoada a outro


idioma, bilingue, ou quando, em viagem, tenha empregado a língua do
lugar. A vontade de ocultar o que escreve justifica o emprêgo de outra
língua que a própria. De qualquer modo, a presunção, que é simples, e não
legal, fâcilmente se elide com a exposição dos motivos de uso.

Pode usar qualquer língua viva, ou morta (E. RITGEN, em G. PLANCX,


Burgerliches Gesetzbuch, V, 488; WALTHER ~aocx, Das eingenhdndige
Testament, 77 s.). Não são interditas as modernas línguas artificiais (P.

Tuba, Das Erbrecht. Kommentar, III, 825), como o esperanto, o ido. Um


bispo, um latinista, ou um esperantista, não se presume testarem por
pilhéria.

Em regra, as línguas secretas, só compreendidas pelo testador e os


beneficiados, não podem valer (1‟. TuoR, Das Erbrecht, Kommentar, III;
825). Mas, ainda nestes casos, podem as circunstâncias, apreciadas pelo
juiz, justificar a eleição aparentemente absurda do sistema. Revelada a
chave, diante da seriedade das exposições, não pode a justiça deixar de
cumprir.

5. NECESSIDADE DE QUE O TESTADOR ENTENDA A LÍNGUA DE


QUE USA. Quer seja cerrado, quer particular, é preciso que o testador
entenda a língua que escolheu, entenda, e por ela possa exprimir-se (E.

RITGEN, V, 438). Quando particular, que a entendam as testemunhas (art.


1.649).

Nenhuma importância têm nos testamentos os erros do ortografia, de


sintaxe, de geografia ou de qualquer outro conhecimento. O que interessa é
descobrir, sob o véu espêsso, ou pregueado pela ignorância ou desatenção, a
verdadeira vontade do testador. Somente quando não se entende, nem se
pode, por exemplo, descobrir o que o testador entendia pelo que nomeava,
poderá o juiz reputar ineficaz a disposição.
6.DIFERENÇA ENTRE O TESTAMENTO CERRADO E O
PARTIGULAR. No testamento cerrado, o testador escreve ou manda que
outro escreva, na língua que escolher, as suas disposições de última
vontade: o que se lhe exige é que entenda a língua. Nem é preciso que a
pessoa que escreve, ditado por êle, entenda o que está a escrever: o testador,
sim, precisa saber e poder ler, e saber e poder ler a língua em que estão
sendo escritas.

No testamento particular, que o Código Civil só permite hológrafo, claro


que o testador sabe e pode escrever a língua em que redigiu (sob o art.
1.649 discutir-se-á a questão da cópia de tradução, sendo deficiente o
conhecimento, pelo testador, da língua em que êle escreve), mas, além
disso, o art. 1.649 exige que as testemunhas a compreendam. Exigência,
que se não entenderia no testamento cerrado, porque, nele, não se
testemunha o conteúdo da cédula, mas simplesmente a entrega, pelo
testador, do testamento, que diz seu e quer que seja aprovado.

As considerações que aí ficam escapa uma questão:

testador pode dizer em língua estrangeira que “aquele é o seu testamento”


(art. 1.638, V) e “quer que seja aprovado”?

7.AS DECLARAÇÕES PODEM SER FEITAS EM LÍNGUA


ESTRANGEIRA, DESDE QUE OFICIAL

PUBLICO E TESTEMUNHAS A COMPREENDAM. Para desde logo


restringirmos a questão, assentemos que são inadmissíveis intérpretes a êsse
ato. Bom ou mau, é o sistema geral do direito testamentário brasileiro
Resolve-se o problema em saber se, conhecendo oficial público e
testemunhas a língua em que se exprime o testador, é possível receber-se,
na língua estrangeira, a declaração de ser aquele o seu testamento e querer
que seja aprovado.

A negativa jogaria muito longe o disco do rigorismo testamentário. Se isto


se der, será prudente e de boa cautela que o oficial público o consigne no
auto de aprovação, para que não haja dúvida, nem omissão de um fato por
sua natureza extraordinário. Feito isso, não poderíamos compreender que os
juizes lhes negassem validade.

Se o testador não puder expressar-se em língua que o oficial público e as


testemunhas compreendam? No sistema brasileiro, só há um meio para tão
difícil emergência: usar o disponente da declaração escrita, similar à do art.

1.642, declarando porque o faz. E o oficial público dirá no auto o que se


passou, se as testemunhas conheciam a língua, quais os gestos ou
monossílabos pelos quais se fêz compreender o testador. Não é nada de
mais que assim se resolva, porquanto a lei permite interrogatório pelo
oficial público e será possível resposta simples: sim, ou equivalente de
línguas conhecidas. Exemplo: o Persa, que apresenta o testamento, gesticula
diante das testemunhas, e compreendendo o essencial do que lhe pergunta o
oficial público, responde ves. Cabe ao juiz apreciar as circunstâncias.

§ 5.880. Quem não sabe ou não pode ler

1. TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.641: “Não poderá dispor de
seus bens em testamento cerrado quem não saiba, ou não possa ler”. No
Projeto revisto, art. 1.977: “São inábeis para dispor de seus bens em
testamento cerrado os que não sabem ou não podem ler”. No Projeto de
COELHO RODRIGUES, art. 2.451: “Aquele que não pode ou não sabe ler,
não pode fazer testamento cerrado”. Veio o artigo alterar o sistema do
Código: por isto foi proposta a supressão (Trabalhos, VI, 496 e 540). Com
êle criou-se a figura singular do sabe e pode ler, mas não sabe assinar; com
êle, permitiu-se ao analfabeto o testamento público, sem se lhe permitir o
cerrado.

2.FONTE. Arg. à L. 21, C., de testamentis: quemadmodum testamenta


orclinantur, 6, 23, e às Ordenações Eilipinas, Livro IV, Título 80, § 1.0.
Código Civil francês, artigo 978: “Ceux qui ne savent ou ne peuvent lire, ne
pourront faire de dispositions dans la forme du testament mystique”. A
Novela 69, de Leão nunca teve autoridade em tal matéria no direito dos
últimos séculos.
3.FUNDAMENTO. A razão do art. 1.641 está em que o testador deve, por
si mesmo, poder verificar se o escrito, que êle apresenta, é, realmente, o seu
testamento e se o conteúdo corresponde à expressão das suas últimas
vontades. Aliás, a E. 21, C., de testamentis: quemadmodum testameu.. tum
ordinantur, 6, 23, emprega as expressóes si litieras testator ignoret veZ
subseribere nequeat, que se pretendeu dissessem o mesmo que hoje se diz,
na esteira do Código Civil francês, art. 978, do italiano revogado, art. 785,
do espanhol, art. 708, e do português revogado, art. 1.923. Em verdade,
hoje, a lei brasileira, mantendo o texto duvidoso (Ordenaçóes Filipinas,
Livro IV, Título 80, § 1; Código Civil, art. 1.638, III: não sabendo ou não
podendo o testador assinar”) e inserindo a exigência de saber e poder ler
(art. 1.641), veio deixar êste extraordinário tipo do que sabe ler e não sabe
assinar, que talvez não se encontre nos nossos sertões e centros urbanos.
Raridade bem imprópria para um Código. Compreende-se que se cogitasse
do que sabe ler e não pode assinar. Aquele “não sabendo” do art. 1.638, III,
precisa riscar-se numa revisão da lei civil.

4.CONSEQÚÉNCIAS DA REGRA LEGAL. A infração do Código Civil,


art. 1.641, que tira ao disponente o uso de uma forma testamentária, tem por
efeito a nulidade do testamento:

a) Se cego, porque, não vendo, não pode ler.

b) Se não pode ler, ou porque não saiba, ou porque esteja, acidentalmente,


impedido disto, se bem que não seja cego. Ocorre tal circunstância
subjetiva, quando operado o testador, ou, por outro motivo (pancada,
inchação) não possa ler.

§ 5.881. Surdo-mudo

1. TESTAMENTIFAÇÂO. Diz o Código Civil, art. 1.642:

“Pode fazer testamento cerrado o surdo-mudo, contanto que o escreva todo,


e o assine de sua mão, e que, ao entregá-lo ao oficial público, ante as cinco
testemunhas, escreva, na face externa do papel ou do envoltório, que aquele
é o seu testamento, cuja aprovação lhe pede”. No Projeto primitivo, artigo
1.811: “O mudo, ou o surdo-mudo, que souber ler e escrever, pode fazer
testamento cerrado, contanto que, ao apresentá-lo ao tabelião, perante as
cinco testemunhas, escreva no dorso do papel ou do invólucro que aquele é
o seu testamento, para o qual vem pedir a aprovação do oficial público”. E
no Projeto~ revisto, art. 1.978: “Pode fazê-lo o surdo-mudo, contanto que
seja todo escrito, assinado, e datado de sua mão, que ao apresentá-lo ao
oficial público, perante as cinco testemunhas, escreva no dorso do papel ou
do invólucro que aquele é o seu testamento, para o qual vem pedir
aprovação do oficial público”.

Em verdade, tiramo-lo do revogado Código Civil português, art. 1.924: “O


surdo-mudo pode fazer testamento cerrado, contanto que êste seja todo
escrito, assinado, e datado de sua mão, e que, ao apresentá-lo ao tabelião
perante cinco testemunhas, o testador escreva na presença de todos, sôbre a
face externa do testamento, que aquela é a sua última vontade, e que vai por
êle escrita e assinada”. Dizia o parágrafo único: “O tabelião declarará, no
auto de aprovação, como o testador assim o escreveu, e se observará o mais
que fica disposto no art. 1.922”.

2. DIREITO ANTERIOR. As Ordenações Filipinas, do‟ Livro IV, Título


80, § 5, permitiam ao que se tornou surdo e mudo, sabendo escrever, que
testasse do próprio punho. Estendia-se ao particular, hológrafo, e por
sugestão posterior da Ordenança francesa de 1735, art. 12 ao cerrado, como
o do Código Civil português atual e o brasileiro.

3.ENTENDIMENTO DA REGRA LEGAL. O dispositivo fala. em surdo-


mudo disponente que não pode satisfazer as exigências do Código Civil, art.
1.638, V e IX: dizer que é seu e querer aprovado, e ouvir a leitura.

Dispensa-lhe uma e outra coisa. Por isto mesmo, o surdo, que não é mudo,
pode testar, por testamento cerrado, pois que fala (a~t. 1.638, V) e lê (artigo
1.641), invocando a dispensa maior que aos surdos-mudos se concedeu, O

mudo, que não é surdo, não diz o que lhe exige O art. 1.638, V, porém lê e
ouve, e não seria razoável que se lhe vedasse a dispensa do art. 1.642 na
parte de substituição da. declaração oral pela escrita.

§ 5.882. Entrega ao testador e nota no livro


1. TExTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.643: “Depois de aprovado e
cerrado, será o testamento entregue ao testador, o oficial lançará, no seu
livro, nota de lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e
entregue”.

No Projeto revisto, art. 1.979: “Depois de aprovado e encerrado, será o


testamento entregue ao testador, e o oficial lançará, no seu. livro, nota de
lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e entregue”.

2. FONTE. Código Civil português revogado, artigo 1.926: “Aprovado e


encerrado o testamento, será entregue ao testador, e lançará o tabelião nota
no seu livro, do lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e
entregue”. Cp. espanhol, art. 710; mexicano, art. 3.520 (art. 3.789) ; e o
guatemalense, art. 780.

3.FUNDAMENTO DA REGRA LEGAL. A exigência da entrega tem


importância de alto interêsse público, que é o da liberdade testamentária. t
preciso que o testador receba o ato perfeito, que é, com a aprovação, o
testamento cerrado, para poder, arrependendo-se, revogá-lo pelo meio
simples do artigo. 1.74~: abri-lo ou dilacerá-lo, ou mandar que outrem o
abra ou dilacere. Se estava o disponente em situação difícil de testar, por
exemplo, estando in extremis, não poderia recorrer aos meios escritos de
revogação, e isto constituiria séria restrição ao princípio inderrogável da
livre revogabilidade testamentária.

Quando o oficial público entrega ao testador o testamento fechado e cosido,


exige-lhe, de regra, que assine o recibo, em papel à parte, ou em livro do
cartório. Não é essencial, de modo que o oficial público pode dar prova de
tê-lo entregue, sem ter havido recibo, ou por ter-se perdido.

4. CONSEQUÊNCIAS. Além do que já antes se disse, convém caracterizar


as duas providências do Código Civil, artigo 1.643, e distingui-las:

a) A entrega ao testador. Não significa ato de mão a mão, mas tradição por
todos os meios que a lei admite. Se o oficial público, retirando-se, deixa na
cabeceira do doente o testamento, dizendo que aí fica, ou sai, despedindo-se
normalmente, apontando o documento, com o intuito de não molestar o
testador moribundo, tudo isto vale entrega.

Entrega é também abrir a gaveta da mesa em que se acha sentado o testador

§ 5.883. ABERTURA, REGISTO E ARQUIVO

sem mão, ou de mãos impedidas, em gesto inequívoco de tradição, ou


palavras que o valham. Se o testador adianta-se, ao ver coser-se o
testamento, e diz: “faça o favor de dá-lo ao meu amigo A”, pessoa que está
presente, havendo razão de o fazer <por exemplo, falta das mãos, fortes
sofrimentos, doença contagiosa), deu-se, juridicamente, a entrega.

Tratando-se, como se trata, de entrega ao testador, não se deve confundir


com o ato de fidúcia dêste a outrem, principalmente ao testamenteiro.

Lê-se em NONATO (Estudos sobre Sucessão testamentária, 1, 297) : “A


entrega ao testador pode ser levada a efeito por todos os meios admitidos
em direito. Observa-o PONTES DE MIRANDA, acrescentando não
originar nulidade sua inocorrência. E o mesmo se passa com a ausência do
lançamento a que alude o art. 1.643. A omissão poderá, entretanto, suscitar,
conforme o caso, aplicação de pena disciplinar ou criminal ao oficial
faltoso”.

b) Lançamento, no livro do oficial público, do lugar, dia, mês e ano


(aconselhávelmente, hora) em que o testamento foi aprovado e entregue. A
falta disto não induz nulidade, mas não exime da responsabilidade criminal
e disciplinar o oficial público que o omitir. Tão-pouco constitui nulidade
ficar o testamento com o oficial público. A nota deve conter data relativa à
aprovação e à entrega. Di-lo a lei expressamente. Neste memorando inserto
no livro oficial deve narrar-se o que se passou quanto ao fato da entrega, se,
por acaso, não se fêz de mão do oficial público à mão do testador. Máxime
se lhe disse entregar a outrem.

Sempre que, em ação de nulidade de testamento, tiverem concorrido para a


sentença que julgou procedente a ação, como indícios, fatos ou omissões,
que não constituam por si causa de nulidade, mas de culpa do oficial
público, poderá de ser responsabilizado civil e criminalmente.

§ 5.883. Abertura do testamento, registo e arquivo

1. TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.644: „O testamento será


aberto pelo juiz, que o fará registrar e arquivar no cartório a que tocar,
ordenando que seja cumprido, se lhe não achar vicio externo que o torne
suspeito de nulidade, ou falsidade”. No Projeto revisto, art. 1.981: “Éste
testamento será aberto pelo juiz, que o mandará cumprir, se não encontrar
vício externo que o torne suspeito de falsidade, sendo registado na
repartição competente e arquivado no respectivo cartório”. Emenda do
Senado Federal: “O testamento será aberto pelo juiz, que o fará registar e
arquivar no cartório a que tocar, ordenando que seja cumprido, se lhe não
achar vicio externo que o torne suspeito de nulidade ou falsidade”.

O auto de abertura do testamento cerrado é formalidade típica, porque a lei


supõe cerrar-se e coser-se o testamento, ainda que antes já o testador o
houvesse fechado, ou fechado e lacrado. Não se abre qualquer dos outros
testamentos, exceto o testamento militar, que o testador, se escrito e
assinado por êle, entendeu cerrar (Código Civil, art. 1.661).

Para a abertura do testamento, o que se exige é que o levem ao juiz, e a lei


não limitou a faculdade de apresentação para a abertura. Não se precisa da
presença de qualquer outra pessoa, que o juiz e o escrivão, mesmo porque
as testemunhas podem ser ignoradas, ou não mais viverem, ou estarem
longe do juízo. Quem apresenta tem de estar presente à abertura.

Se o testador falece, ou se é julgada a sucessão provisória, tem de ser aberto


o testamento cerrado. A entrega para a abertura há de ser onde está o
testamento cerrado, e não necessàriamente onde foi aprovado; pois o
testador pode ter mudado de domicílio, ou de residência, ou apenas tê-lo
guardado noutro lugar, ou tê-lo enviado a algum cofre que tenha noutra
cidade, ou tê-lo confiado a alguém. A abertura onde se acha o testamento é
recomendada para que se evite extravio, ou fraude, e para se saber o que se
dispôs quanto aos funerais.
A lei de organização judiciária é que diz qual o juiz competente, ou, onde
não há juiz de vara especial, qual o que há de exercer tal função.

Se o testamento cerrado é de pessoa não domiciliada no Brasil, deve o juiz


remeter certidão à autoridade consular do Estado do domicílio, ou da
nacionalidade do testador, conforme a lei pessoal. Em se tratando de
falecido que era domiciliado noutro lugar do território brasileiro, tem-se de
comunicar ao juízo competente do lugar do domicílio do falecido que foi
aberto o testamento, com os informes que forem úteis.

O ato de abertura supõe todo cuidado no exame exterior do testamento


cerrado, do estado em que se acha o testamento aberto. Tudo que seja de
interêsse (e. g., rasuras, entrelinhas, emendas, manchas) tem de constar do
térmo de abertura.

O juiz abre o testamento cerrado, com o escrivão do juízo, ou aquele a que


foi distribuído o processo, se há dois ou mais. Primeiro, lê o que foi lançado
por fora do testamento, corta o lacre e as linhas de fechamento, examina por
dentro o testamento cerrado, que abriu, diz quais as emendas, rasuras,
entrelinhas e manchas que encontrou; e ordena ao escrivão que leia todo o
manuscrito, em voz alta, estejam presentes pessoas interessadas ou apenas
êle, juiz, o escrivão e o apresentante. O escrivão lavra o termo de abertura,
no papel ou outro material do próprio testamento, logo após o auto de
aprovacão.

No têrmo de abertura hão de estar as indicações principais e necessárias:


lugar, dia, mês e ano da abertura; o nome do apresentante ou os nomes dos
apresentantes, com informação sôbre ser ato do próprio apresentante, ou
dos próprios apresentantes, ou por ordem de outrem, com nome de tal
pessoa, ou das pessoas que ordenaram a apresentação; razão por que trouxe
ou trouxeram o testamento; quais as relações do apresentante, ou dos
apresentantes, de quem ordenou ou das pessoas que ordenaram a
apresentação; em poder de quem se achava o testamento cerrado; a data e
lugar do óbito, com os dados sôbre o falecido (nome, nacionalidade,
naturalidade, filiação, estado civil, domicílio) ; estado do testamento
cerrado, inclusive quanto ao número de pingos de lacre, borrões e quaisquer
outros defeitos e correções.

Se alguém abriu o testamento, em vez do juiz, ou houve êrro, ou dolo, ou


simples inadvertência de terceiro, ou foi o próprio testador que o quis
destruir. Não se pode considerar revogado o testamento cerrado que não foi
aberto pelo testador, intencionalmente Se foi outrem que o abriu, tem de ser
feita, perante o juiz, que o teria de abrir, a justificação do que ocorreu,
citados os interessados. Julgada a justificação, cabe o ato do cumpra-se ~5.a
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 31 de julho de
1952, D. da J., 1952, 5462).

Contra a denegação do cumpra-se há recurso. Nada obsta a que o


interessado, diante do que aconteceu, proponha ação declaratória da
abertura ilegal, portanto da não-revogação do testamento.

2.VELHOS ABUSOS DOS SÉCULos XII A XIV. Desde o fim do século


XII a Igreja se esforçou por facilitar os testamentos e chamar a si a
execução. Mas as publicações pelos párocos eram abusivas. O Breviário
(Codex Theod., IV, 4, 4, interpret.) fazia-as apud curias viras, cinco dias
depois da morte do testador. Se os interessados estavam ausentes, a partir da
vinda. As fórmulas visigóticas atestam que tudo isto se praticou (R.
ZEUMER, Formula e Merowing. et Karol. aevi. Monumenta Germaniae
historica inde ab anflo Christi 500 usque ad aunum 1500 edidit Societas
aperiendis fontibus rer‟um Germanicarum medji aevi, 585 s.).

No Código Visigótico, nem se fala em publicação na cúria, nem no registo.


Publicavam-se perante o sacerdote na presença de testemunhas e antes de
seis meses da morte. Publicado, entregava-se ao herdeiro de maior quinhão
(II, 14; V, 5, 10). Se tinha havido escrita a rôgo, ou fôra feito oralmente, era
preciso que interviesse o juiz.

Com a pena de excomunhão, foi a Igreja trazendo a si todas as publicações,


inclusive as dos testamentos públicos, que não precisavam ser publicados.

Mas a Lei de 21 de maio de 1349 repôs a jurisdição secular, em todos os


casos, pela posse da jurisdição por parte da Coroa.
Nas Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 103, § 2 (igualmente nas
Ordenações Manuelinas, Livro IV, Título

„76, § 3, e nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 3), deviam ser
publicados por autoridade de Justiça, chamados os interessados, se não
tivessem nos cantos o instrumento público. Só o particular, hológrafo ou
não, escrito ou oral, se publicava. Mas o prazo de publicação não se fixou.
Nem leis posteriores o disseram. Onde há fé pública, dizia-se, não é preciso
publicar-se, e o prazo pareceu injustificado.

Por isso mesmo, no art. 1.643 do Código Civil só se exige ao testamento


cerrado abertura, registo e arquivamento: publicado foi o ato (não o
conteúdo da cédula) e dêle o oficial público lançou no livro nota do lugar,
dia, mês e ano em que foi aprovado e entregue (art. 1.643).

O testamento particular, êste se publica (art. 1.646).

3.Do CÓDIGO VISIGÓTICO Ao CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO.

O art. 1.644 do Código Civil vem firmar que o testamento cerrado será
aberto pelo juiz, que o fará registar e arquivar no cartório a que tocar. Não
era escusado dizê-lo. O Código Visigótico dava a publicação ao sacerdote
perante testemunhas, salvo se a rôgo ou oral. Disto se aproveitaram os
párocos para as publicações de todos os testamentos, ainda aqueles que não
precisavam disto.

Como quer que seja, e a despeito da Lei de 21 de maio de 1349 (função que
outrem usurpou é função desprestigiada), alguns escritores entenderam,
bastando citar a PASCOAL JosF DE MELO FREIRE (Institutiones iuris
civilis insitani, 1, 5, § 52; III, 5, § 10), que a abertura podia ser pelo pároco
ou por outr4 pessoa. No ato dos enterros, perante a irmandade, ou
acompanhamento. Passavam os párocos a certidão da abertura. O que se
devia fazer a abertura pelo juiz, conforme MANUEL DE ALMEInA E
SOUSA (Coleção de dissertacões e tratados vários em. suplemento às
Segundas Linhas, 195), atestava ter visto.
HENRIQUE DA GAMA BARROS (História da Administração pública em
Portugal, III, 301) via na prática da abertura pela sacerdote persistência da
tradição visigótica.

~E a abertura por outra pessoa? Disto não cogitou. Em MELO FREIRE


(Institutiones juris civilis lusitani, III, tít.

5, § 10), lê-se: “a Parocho, vel quovis alio extraiudicialiter aperitur, quae


apertura nulíam publica*ionem, citationem, testiumve recognitionem
requirit”. Tanto quanto podemos seguir o fio do direito lusitano, a partir do
Código visigótico, a permissão de outrem abrir vai entroncar-se no texto de
Chin. dasvindo, no Código (II, 5, 14) :

“Scripta voluntas defuncti ante sex menses coram quolibet sacerdote, vel
testibus publicetur”. Se recorrermos à L.

12, encontraremos: “infra sex menses iuxta legem aliam sacerdoti pateant
publicande”. Portanto, tinha de abrir-se perante o pároco com a presença
das testemunhas (cf. L. 10) e não perante as testemunhas. HENRIQUE DA
GAMA BARROs (História da Administração pública em Portugal, 299),
que viu no vel um et (coisa que já apon tamos, hoje em dia, no Código Civil
alemão e no brasileiro), podia ter concluído pela interpretação da alternativa
em vez da copulativa, que seria a explicação certa.

Se bem que só o art. 1.644 do Código Civil fale na verificação do vício


externo, pelo juiz, e na publicação do testamento particular, todos os
testamentos precisam do cumpra-se para que se executem. Ainda se público
aberto.

Mas o assunto, comum ao direito substantivo e ao adjetivo, melhor ficará


no capitulo especial, que depois se insere sôbre jurisdição e pro cesso dos
testamentos.

4. CASO DE TESTAMENTO TERATOLÓGIGO, PORÉM NÃO NULO.

Ao testamento cerrado, como ao hológrafo, o Código Civil exige que


assistam, à entrega daquele e à leitura dêste, cinco testemunhas. O cerrado
pode ser lido, ou não. Figure-se o caso do testamento escrito pelo testador e
lido perante cinco testemunhas, assinado por êle e as testemunhas. Tem
todos os requisitos de testamento particular (art. 1.645). Mas o testador, por
confusão ou ignorância, leva-o ao oficial público, perante as mesmas ou
outras testemunhas, e pede que o aprove. Supomos que tudo mais se passou
legalmente. Vale como testamento hológrafo e como testamento cerrado, e
dado que, por omissão ou defeito de formalidade, não valha como cerrado,
valerá como particular. Porque, como particular, já estava perfeito. Tudo o
mais que se seguiu foi supérfluo e não pode prejudicar o ato válido.

Aqui, não se trata de conversão, como se daria em direito que possuísse a


cláusula codicilar de valer, como codicilo, se não valesse como testamento
(P. SIMÊON, Lehrbnch des Biirgerlichen Recht es, 186), mas de
superposição de um ato nulo ou, quiçá, ineficaz, a outro eficaz. (Aliás, a
cláusula codicilar não é bem conversão.) Se admitirmos que o primeiro tem
defeito, como testamento hológrafo, mas contém desde o início os
requisitos essenciais do testamento cerrado, verificar-se-á a validade da
forma do art. 1.638, ignorante ou confusamente associada à forma
hológrafa.

Se um testador, em dúvida, incluiu a cláusula de conversão? Respeita-se,


porque satisfez os requisitos essenciais. E

como a regra bens regit actum é a que domina a forma, mas sem excluir a
facultatividade da lei pessoal, pode ocorrer, no domínio do direito
internacional privado, que se ressalve, na dúvida, a observância de uma lei.
O que é preciso é que uma lei possa, no fôro, ser aplicada, e de acôrdo com
ela valha o testamento.

No Código Civil argentino, inspirado no da Luisiana, artigo 1.583, diz o art.


3.670: “El testamento cerrado que no pudiese valer como tal por falta de
alguna de las solemnidades que debe tener, vaidrá como testamento ológraf
o, si estuviere todo él escrito y firmado por ei testador”.

O maior argumento contra tal regra consiste em poder o testador ter querido
que o testamento valesse como cerrado, e não como hológrafo. Se não vale
como aquele, não vale como êste. Seria levar demasiado longe o
formalismo, querer-se que o testador possa fazer depender da forma, que é
secundária, a sua vontade, que é principal. Não seria, sequer, séria, essa
vontade de forma exclusiva; nem se havia de presumir. Aliás, o legislador
romano, na L. 3, D., de testamento militis, 29, 1, acertadamente dissera: .....
nec credendus est quisquam genus testandi eligere ad impugnanda sua
iudicia, sed magis utroque genere voluisse propter fortuitos casus”. Cf. R.

TROPLONO (Le Droit civil expliqué suivant l‟ordre des articles du Code,
n. 1.654), V. MARCADÉ (Ex plication théorique ct pratique du Code
Napoléon, nota ao art. 976) e MARCEL PLANIOL (TraiU élémentaire de
Droit Civil, 1H, 2.719, 671>.

Volver-se-á ao assunto a propiôsito do art. 1.645 e quando se tratar,


espaçadamente, das figuras de conversão e de conservação. Aliás, no caso
estudado, há mais do que conservação: há superposição.

5. NULIDADE DO TESTAMENTO CERRADO. Se o testamento cerrado,


quer na cédula testamentária, quer no auto de aprovação, não satisfaz algum
dos pressupostos essenciais, há nulidade; salvo o respeito do princípio Una
forma omissa, alteram non consumit, isto é, omitida uma forma, a outra não
se desfaz, rode ser que o testador tenha levado ao oficial público cédula
testamentária em que (o que rarissimamente pode acontecer) foram
satisfeitos os pressupostos necessários do

testamento particular. Então, a nulidade do auto de aprovação tão se estende


ao negócio jurídico unilateral, que se tem de respeitar como testamento
particular.

6.RESPONSABILIDADE DO OFICIAL PÚBLICO. No testamento


cerrado, se bem que não no diga, expressamente, o Código Civil, o oficial
público responde, civilmente, pela inobservância da lei. Quanto à parte da
aprovação, dar-se-á a responsabilidade civil como a respeito dos
testamentos públicos.

Assim, responde o oficial público se fôr nulo o testamento:


a)escrito por êle, a rôgo do testador, e por êle aprovado (artigo 1.639), se o
disponente não podia usar a forma cerrada, como acontece ao que não sabe
ler (art. 1.641) ; b) se o surdo-

-mudo, que tinha de obedecer ao estatuído no art. 1.642, não no observou, e


não obstante foi aprovado, salvo na parte que o oficial público ignorava
(testamento entregue fechado e contendo outra letra em página anterior, que
o oficial público não viu) e provadamente ignorou; o) se, escrito por
outrem, não contiver a assinatura do testador ou de quem escreveu (artigo
1.640); d) se, no auto de aprovação, não sabendo, ou não podendo o
testador assinar, não constar a formalidade do artigo 1.638, X, ou a pessoa
que assinou não fôr uma das testemunhas; e) se a nulidade fôr derivada do
próprio auto de aprovação, quer por falta de requisito, quer por se fazer fora
do lugar devido (art.

1.638, VII e VIII).

§ 5.884. Direito intertemporal e testamento cerrado

1.DUAS FASES. As duas fases de elaboração dos testamentos fechados e


aprovados pelo oficial público, por se constituírem de atos sucessivos
porém não suscetíveis de perfazer, sem a última formalidade, o ato jurídico
do testamento, permitem questões que não se identificam com as surgidas a
respeito do testamento público.

2. DIREITO INTERTEMPORAL E FASE DE IMPERFEIÇÃO. Os


testamentos cerrados e os particulares têm fase de imperfeição: aqueles,
antes de serem aprovados; êstes, antes de todos e assinados. São, até o
momento em que se aprovam, ou assinam, negotia imperfecta. Qual a lei,
em direito intertemporal, que os deve reger? Se, no meio tempo em que se
escreveram, e se aprovaram ou assinaram, intervém mudança de lei, ~ qual
a que se incide, a do tempo do imperfeito ou a do tempo da perfeição, a
antiga, sob que se iniciaram, ou a nova, sob que tais atos se completaram?

O testador, antes da aprovação ou das assinaturas, não adquiriu direito à


forma: não usou, legal e completamente, dela. Tem de tratar-se pro
imperfecto, qualquer dos testamentos. A lei tem de ser a nova, a do tempo
da perfeição, a do auto; ou do dia das assinaturas do testamento particular.

Quanto ao art. 1.641, que tem correspondentes nos direitos estrangeiros do


testamento cerrado, discute-se qual a lei aplicável, se surge questão de
direito intertemporal. Exemplos: a) lei do tempo A, que exige saber e poder
ler, e lei do tempo B, que o não exige; b) lei do tempo A, que o não exige~
e lei do tempo E, que o exige. Alguns consideram a disposição atinente à
capacidade e por isto os testamentos feitos sob a lei permissiva, pelo que
não sabe, ou não pode ler, não valeria sob a lei proibitiva do tempo da morte
(V. VITALI, La Forma del testamento italiano, 170; CARLo
FRANCEScXJ GABRA, Teoria de la Retroattività delle leggi, III, 848).
Contra tal opinião, a Côi-te de Cassação de Roma, a 29 de abril de 1878.
Trata-se realmente de requisito subjetivo, e não de regra de pura lei formal,
porém a conclusão não se coaduna com o princípio de reger-se tal exigência
pela lei do ato testamentário. É caso semelhante ao do art. 1.637: a lei é a do
dia da aprovação. Aprovado, é ato perfeito.

3. DIREITO INTERTEMPORAL E APROVAÇÃO. Com a aprovação, o


testamento cerrado se perfaz. Desde então só se aguarda a morte para os
efeitos. Fizesse-o o são de espírito que depois enlouqueceu, vale. Fizesse-o
o que não podia escrever, se nova lei lhe negar o testamento cerrado, pelo
exigir autógrafo, nem por isto deixará de valer o que se fêz no vigor da lei
permissiva. Perfeito, somente deixará de valer, se, não a forma, mas o ato,
em si, ficar ferido de morte, como ocorrerá no Estado, em que o legislador
abolir a sucessão testamentária,. ou negar a certas pessoas, não a capacidade
testamentária ativa, mas a faculdade mesma de testar.

§ 5.884. DIREITO INTERTEMPORAL

Assim, rege-se pela lei do tempo em que se aprova:

a)Tudo que concerne à fase imperfeita da cédula.

b)A formalidade do art. 1.638: entrega ao oficial público, em presença das


testemunhas.
c)A exigência de começar, imediatamente depois da última palavra do
escrito, o instrumento de aprovação.

d)Se não houver espaço, a aposição do sinal público e a declaração disto no


instrumento.

e)A leitura pelo próprio oficial público e a assinatura dêle, das testemunhas
e do testador, se puder (ou, se não puder, a precaução do art. 1.638, X).

f) O cerrar e coser.

g)A facultatividade de escrever o próprio oficial público aprovante a cédula


testamentária (art. 1.639).

h)A permissibilidade da língua nacional ou estrangeira na cédula (art.


1.640).

i)A concessão e precaução do art. 1.642, relativas ao surdo-mudo e


aplicáveis em caso de mudez e de surdez.

j)A entrega ao próprio testador e o lançamento a que se refere o art. 1.648


(não é requisito essencial, mas faz parte do ato testamentário, e tem pus
regit actum).

Do que acima se disse são conseqUências exemplificativas:

se testamento foi feito antes do Código Civil, não cabe perguntar-se, nem
discutir-se se, escrita pelo testador a cédula, precisava ser assinada pelo
próprio. Mas, quanto às expressões bom, firme e valioso, persistiria a
discussão: se sacramentais, ou se não sacramentais. A própria leitura não
era expressamente exigida. Testamento feito na vigência do Código Civil,
porém, pelo influxo do direito anterior, não lido, teria de obedecer à lei da
feitura, ainda que o legislador, ao tempo da morte, tivesse revogado o -
Código Civil e reimplantado o texto das Ordenações Filipinas.

4. DIREITO INTERTEMPORAL, ABERTURA, REGISTO E


ARQUIVAMENTO DO TESTAMENTO
CERRADO. Já o abrir, registar e arquivar não são partes integrantes do ato
do testamento cerrado. Quando se fechou e coseu, entregue ao testador,
perfez-se. Agora, o que importa é cumpri-lo. Diz o Código Civil, art. 1.644,
que o abrirá o juiz. Se lei nova viesse, que restaurasse a abertura pelos
párocos perante testemunhas, ou, até, segundo a corruptela da praxe que por
longo tempo vigorou em Portugal e no Brasil, perante o pároco ou outras
pessoas, deixaria de ser aplicável o Código Civil, se bem que feito na sua
vigência o testamento. Aqui, nem a lei é a da forma (tem pus regit actum),
nem a do tempo da sucessão. Se, na ocasião da morte, ainda vigorava o
Código Civil, porém a apresentação só se fêz, dias, meses ou anos após a
morte, a lei será a vigente ao tempo em que se abrir, lei também do ato, lei
do tempo do ato autonomo da abertura.

A abertura pode envolver, ou não, a faculdade judicial de apreciação das


nulidades. As nulidades, que são as de ordem formal ou evidentes, são
regidas pela lei temporal da capacidade ou pela da forma. Mas a
possibilidade da apreciação, os limites dela, os podêres do juiz quanto ao
cumprir ou não cumprir, tudo isto se rege pela lei do tempo da abertura,
pela lei processual do momento em que se apresenta o testamento e o juiz o
abre. ~ Quid juris, se levado ao juízo, não há quem, na ocasião, o abra
legalmente? Aqui, se a lei da apresentação dá um poder, e outro, maior ou
menor, a lei da abertura, prevalece esta, por se tratar de competência
judicial, tocante a interêsse público.

~5.885. Direito internacional privado e testamento cerrado

1.PRINCÍPIOS. Os princípios que regem o direito internacional privado, no


tocante a testamentos secretos ou cerrados, são diferentes, conforme se
trata, ou não, de testamento feito pelo testador ou por outrem a seu rôgo,
mas aprovado, necessáriamente, por autoridade pública, seja juiz, ou seja
notário.

Se a legislação do lugar fala de testamento secreto ou cerrado sem a


subscrição, ou aprovação de autoridade pública, a espécie não interessa à
seção do direito testamentário brasileiro, que fala do testamento cerrado,
não constitui
2 a espécie de testamento notarial ou judicial. Todas as questões, assim de
direito internacional privado como de direito intertemporal, que por ventura
surjam, dirimidas hão de ser pelos princípios relativos aos testamentos
particulares nas relações de espaço e de tempo. Aqui, só nos interessa o
testamento cerrado que constitui uma das espécies de testamento judicial ou
notarial.

§ 5.885. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

2. SUBESPÉCIES DE TESTAMENTOS CERRADOS JUDICIAIS OU


NOTARIAIS. Se o testamento fechado se faz desde a primeira palavra
perante o oficial público, quer dizer se a lei do lugar exige que a própria
cédula seja escrita perante o tabelião, ou o juiz, ou êle mesmo, ou
funcionário dêle o escreva (13 fase do testamento cerrado), não se trata da
forma testamentária dos arts. 1.638-1.644 do Código Civil brasileiro, nem
similar dela: trata-se, evidentemente, de subespécie do testamento público
prôpriamente dito e os princípios de direito internacional privado são,
precisamente, os que regem aquele testamento, chamado por escritores dos
séculos passados aberto público. O da referida hipótese é testamento
público fechado.

O que distingue a subespécie que ora versamos é a dualidade de fases, das


quais a última assistida é oficiada por autoridade pública.

A esta subespécie também se aplica a regra lume regit actum. A aprovação


confere-lhe publicidade e seria violento vedar o legislador da lei pessoal o
exercício de tal forma no estrangeiro. Se o fizer, dar-se-á o conflito de
qualificação, porém o êrro de política jurídica ressaltará quando o Estado
terceiro tiver de pronunciar-se pela observância da lei proibiuva exterritorial
ou da lei do lugar do ato. Provàvelmente, e com os melhores fundamentos,
o Estado terceiro reconhecerá a validade do testamento que se fêz segundo
a regra locus regit actum.

8. O QUE OBEDECE À REGRA JURÍDICA “LOCUS REGIT ACTUM”.


Se o testamento cerrado, aprovado por autoridade pública, deve ser escrito
pelo próprio testador, ou se pode ser por outra pessoa, decide a lei do lugar.
Também ela resolverá quanto a ser possível, ou não, a assinatura a rôgo, a
presença das testemunhas, durante a primeira fase de elaboração, e o
número delas.

Quanto à fase da subscrição ou aprovação pela autoridade pública, tudo


tem, necessàriamente, de obedecer ao estatuto oficial público. Éle só tem
uma lei, que é a sua. Aqui, prevalecem integralmente os princípios que
regem, de ordem pública, os atos públicos, salvo se a própria lei local
dispensar ou agravar a formalidade segundo a lei pessoal. Mas, ainda aí,
será a lei local, e não a pessoal, que em verdade a autoridade pública
executa: será a lex loco no que manda aplicar a pessoal, ex hgpothesi,
conteúdo dela.

Cp. Código Civil francês, arts. 976 e 977; italiano revogado, arts. 782 e
783; português revogado, arts. 1.920 e 1.922; espanhol, arts. 680, 706 e
707; argentino, art. 3.666; chileno, arts. 1.021 e 1.023; uruguaio, arts. 801-
808; venezuelano, artigos 889 e 845-847; boliviano, arts. 446-450;
mexicano, artigos 8.486 e 3.506-3.514 peruano, arts.

667 e 668. As questóes de direito internacional privado são as mesmas a


que acima aludimos e o Código Civil argentino, art. 8.666, que exige ser f
ir. mada pelo testador a cédula, não motiva questão de exceção à lez bel
estrangeira nos testamentos feitos fora da Argentina.

4. QUALIFICAÇÀO DE INTRINSENTE~. Existem, porém, circunstâncias


subjetivas, que os países da lei pessoal podem reputar extraterritoriais,
intrinsecando o extrínseco, ou consignando requisitos subjetivos, que digam
de perto com as espécies testamentárias. Foi o caso, antes estudado, do cego
(Código Civil, art. 1.687) e é, ainda, o do surdo-mudo (artigo 1.642) e do
que não sabe ou não pode ler (art. 1.641). É matéria propícia a tais
qualificações (e estas não precisam vir em lei expressa, porquanto não só o
texto escrito é fonte de direito internacional privado). O

Estado terceiro não deve ter o procedimento que teria no caso referido no n.
2, in fine: salvo princípio seu, nada louvável, por importar absolutismo
inumano da i ocus regit actum, aplicará a lei pessoal, se interessada na
sucessão. (Pode ser que não esteja, isto é, que o conflito não se dê, como se
todos ós bens se acham no Estado da beco boi, se não há herdeiros segundo
a lei pessoal, e pois nenhum inconveniente existe em se reconhecer validade
no país do lugar.)

5.ALCANCE DA PROIBIÇÁO DO TESTAMENTO SECRETO OU


CERRADO. Se a lei pessoal exige que o dísponente do teste, no
estrangeiro, por testamento público, deve entender-se que se refere às duas
espécies: o aberto público e o público fechado.~ Assim tem sido, com
habitualidade, a praxe brasileira.

Se a lei pessoal proibe, expressamente~ o segrêdo testamentário, não há


dúvida que pode fazê-lo, e o testador não deve, no estrangeiro, dentre as
formas públicas possíveis, preferir a que a lei da sua pátria, ou a sua lei, lhe
proibe.

tQuid juris, se, a despeito disto, o disponente empregar a forma secreta? Se


esta forma fôr particular, nenhuma dúvida poderemos ter quanto ao conflito
de qualificação e a solução será a de todos os conflitos insolúveis: cada um
fica com a sua lei.

O Estado terceiro propenderá para o Estado da beco boi: não havia razão de
ordem subjetiva para a proibição do segrêdo. Se o testamento fôr fechado
público, ao Estado da lei pessoal será aconselhável não levar o seu princípio
ao ponto de ferir o principio de validade dos atos públicos regidos pela beco
boi. Trata-se, positivamente, de um êrro de política jurídica.

Tôda a matéria dos arts. 1.638 e 1.639 do Código Civil constitui objeto da
lei do lugar. Bem assim, a do art. 1.643.

na parte concernente à nota que no seu livro deve tomar o oficial público.
Mas, na questão processual da validade do testamento, e pelas razões que
antes demos sôbre a entrega, ou depósito de livre retirada pelo testador,
constitui matéria de ordem pública.

6.ABERTURA, REGISTO E ARQUIVAMENTO DO TESTAMENTO


CERRADO NAS RELAÇOES DE
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. Já se disse tratar-se de ato
autônomo, autonomia que nos deu, em direito intertemporal, as
conseqúências apontadas no n. 1. Pelas mesmas razões, de si evidentes, a lei
que rege o abrir, o fechar, o registar e arquivar dos testamentos é a do lugar
em que êles são apresentados para tais fins. A lei da autoridade, que o abre,
rege a possibilidade e os limites da apreciação sumaríssima das
formalidades, como autoriza, quanto aos vícios externos, o art. 1.644 do
Código Civil.

Registado o testamento, somente pode sair do cartório por ter sido proposta
a ação de falsidade ou de invalidade e mediante despacho do juiz que
atenda a requisição por outro para perícia, ou para isso, se tem competência
para a ação. De qualquer modo, se o original é deslocado do cartório, tem
de ficar traslado.

Com o cumpra-Se, hoje não mais se entrega o testamento ao interessado, ou


a algum dos interessados. O que o interessado pode exigir é que se lhe dê
certidão. O original é arquivado no cartório. Diz o Código de Processo
Civil, art. 525:

„~Aberto e lido o testamento, lavrar-se-á o respectivo auto em seguida ao


da aprovação, neste mencionando-se o estado em que se achava o
instrumento”.

A abertura dá-se ao ser levado ao juiz o testamento. Se em domingo ou dia


feriado, tem o juiz de providenciar para o comparecimento do escrivão, com
os elementos necessários, ou para que êle e o escrivão se locomovam para o
juízo. As medidas podem ser urgentes, como se relativas aos funerais.

O testador pode deixar ordem, devidamente escrita, de só ser aberto o


testamento após determinado acontecimento, ou em data marcada por êle,
desde que não seja tardia para as providências da sucessão.

Se o testamento cerrado é em língua estrangeira, tem o juiz de mandar que


se traduza, para que depois se registe e se arquive com a tradução.
Cumpre, porém, advertir-se que a legislação da lei pessoal de iure
condendo, desacertadamente pode exigir que a abertura, o registo e o
arquivamento, ou alguns dêsses atos sejam seguidos ou antecedidos de
alguma formalidade consular ou de comunicação a embaixada ou legação.
Convém que se observe o que foi estabelecido pela lei pessoal, para que náó
surjam dificuldades. Aí, pode não se tratar de respeito à lei pessoal
competente; mas sim de simples cautela, para se evitar aplicação no Estado
da lei pessoal, ou mesmo em Estado terceiro, que venha ter repercussões
danosas na aplicação da lei brasileira.

De qualquer modo, o que mais importa é saber-se qual a lei pessoal e


atender-se a uma, se há pluralidade de leis pessoais. O Estado da beco boci
e o Estado do fôro tem de enfrentar e resolver tais problemas.

As divergências entre as regras de direito internacional privado de muitos


Estados, inclusive a respeito da beco boi, tornam de difícil solução alguns
problemas de conflitos, que surgem. Por isso, ao ter de fazer testamento, ou
ao ter de levar para o cumpra-se o testamento de outrem, há de ter atenção
quem toma a providência, para que se evitem ocorrências que surgem nos
juizes dos Estados de legislação discordante de outros, em que se fêz o
testamento, ou da lei que se observou, ou do lugar em que se deu a
aprovação, ou a abertura do testamento cerrado. Aliás, tudo isso pode ser a
propósito de testamentos públicos ou de testamentos particulares, no
tocante à feitura e à petição e despacho de cumpra-se, ou mesmo de
exigências.

CAPÍTULO XXII
TESTAMENTO PARTICULAR
~5.886. Dados históricos sôbre o testamento particular e o texto legal
1.“TESTAMENTUM BOLOGRAPRUM”. Vulgarmente se diz que o
testamento particular (Código Civil, arts.

1.645-1.649) vem-nos de Valentiniano, III, no ano 446, mas, em verdade,


como o do Breviário, só se referia a certos casos. Não era forma ordinária.
Deve dizer-se o mesmo do direito justinianeu, se bem que os escritores
tenham como testamentum holographum o do Codeco. Em todo o caso (e
isto é de grande interêsse para a história do direito luso-brasileiro), a Novela
Nalentiniana passou ao Breviarium Alaricianum, do ano 506, e já no ano
511

pensa-se ser testamento hológrafo o de Santa Perpétua. O Breviarium atuou


na península e no sul da França, procedendo-se ai a certa evolução no
sentido de tornar

-ordinário o que, originàriamente, fôra para casos particulares. Com isso


retificamos os autores que o atribuem a criação .à legislação francesa e,
mais ainda, os que absurdamente o vêem no direito romano.

O que ocorreu no norte da França, onde êle veio a tornar-se costumeiro, não
foi o influxo da recepção do direito romano: tal favorecimento consistia no
testar, e não no testar hologràficamente, tanto assim que, na França,
persistiam a variedade de usos, respeitada pela Ordenança de 1785, art. 19,
e a tentativa de unificação, feita por MICHEL DE MARILHAÇ, Ordenança
de 1629, art. 126: os Parlamentos do Meio-dia recusaram registá-la ou só a
registaram com a reserva da Novela 107 <testamento inter liberas).

Houve o influxo romano do texto valentiniano, que os costumes fizeram


evolver à forma ordinária, e depois o influxo contrário da legislação
justinianéia, exigindo fazer-se coram testibus, com certo desprêzo das
práticas costumeiras. Mas. se era poder dos legisladores exigir tais
seguranças instrumentárias, adiante veremos que igual direito não tinham os
intérpretes em aplicar indistintamente as exigências comprobatórias
relativas ao testamento nuncupativo.

2. TEXTO LEGAL. Lê-se no Código Civil, art. 1.645:

“São requisitos essenciais do testamento particular: 1. Que seja escrito e


assinado pelo testador. II. Que nele intervenham cinco testemunhas, além
do testador. III. Que seja lido perante as testemunhas, e, depois de lido, por
elas assinado”. Cf. Projeto primitivo, art. 1.812: “O testamento hológrafo
deve ser todo escrito, datado e assinado pelo testador, em um só contexto,
sem intervalo em branco, entrelinhas ou rasuras ou com ressalva das que
tiver.

Esta ressalva deve ser feita pelo próprio disponente antes de datar e assinar
o instrumento”; art. 1.813: “O testador fará a leitura de seu testamento
perante cinco testemunhas idôneas, antes de assiná-lo”. Projeto revisto, art.
1.982:

“São requisitos essenciais do testamento particular: 1.~ Que seja feito pelo
testador, ou por outra pessoa a seu rôgo; 2.0 Que intervenham cinco
testemunhas, varões e maiores de 14 anos, além do testador ou do escritor,
ou signatário do testamento; 3 0 Que seja lido perante as testemunhas, e,
depois de lido, por elas assinado”. A emenda 1.601 do Senado Federal
riscou o que pudesse permitir o testamento particular a rôgo.

O testamento hológrafo foi reconhecido na França pela Ordenança de 1629.


Com o Código Civil francês, art. 970, o-italiano revogado, arts. 774 e 775, e
o espanhol, art. 688. Na Áustria, § 578, basta ser assinado, ainda que não
contenha data. Portugal não no tinha, nem no tem.

3.DIREITO ANTERIOR. No regime das Ordenações Filipinas, o


testamento aberto e privado podia ser feito pelo testador, ou por outra
pessoa a seu rôgo, eram cinco as testemunhas (varões e maiores de quatorze
anos), tinha de ser lido perante elas e assinado em ato seguido. Depois da
morte, procedia-se à publicação, ouvidas as testemunhas, com citação dos
herdeiros legítimos, julgado e confirmado (Ordenações Fuipinas, Livro IV,
Título 80). Discutia-se quanto à confirmabilidade se não fôssem vivas todas
as testemunhas.

Se remontarmos ao velhíssimo direito português, encontraremos o


testamento hológrafo no próprio Breviário, que ínsere a Constituição de
Valentiniano III, do ano 446, e já se dispensava, em virtude da holografia,
intervenção de testemunhas, se difícil havê-las. (Assim parece devemos
entender o texto exemplificativo de casos de necessidade: itincram
necessitas, solicitudo viliarum, navigatio, pois multis enim cas bus saepe
continget, ut morientibus testium numerus et Copia denegetur.) No regime
da Lei de 21 de maio de 1349, há testemunhas. E tinha de ser publicado
com audiência dos interessados.

Nas Ordenações Afonsinas (Livro IV, Título 103, § 2), não vem o requisito
da holograf ia, e tinha de publicar-se.

Era o testamento de pessoa privada, “sem estormento público nas costas”


(auto de aprovação).

Em vez de Portugal continuar a evolução que se operava no sentido de


tornar ordinário o que era extraordinário no Breviarium Alaricianum,
evolução cujos traços se percebem, evidentes, em muitos atos, deixou-se
levar pelo romanismo, que já então constituía retrocesso: aproveitou a aliás
não generalizada publicação perante o sacerdote para introduzir os
romanismos das inquirições de testemunhas.

§ 5.587. Conceito de testamento particular

1. NEGÓCIO JURÍDICO TESTAMENTO. Se bem que sujeito a


comprovação pelas testemunhas instrumentárias, o testamento particular
não é um simples documento de prova, e sim a própria vontade do testador
(WALTHER

BROCK, Das eigenhdndige Testament, „73). Mas ~ dizer que é a própria


vontade do testador importa afirmar que, ocorrendo certos defeitos, nada
vale? As formalidades são essenciais à validade, e querem WALTHER
BiIoGR e A. ESCHER (Das Erbrecht, Kommentar zum sckwcizerischen
Zivilgesetzbuch, III, 87), e outros que, sem elas, não haja testamento.
Discordou ERtcn DANZ (Kõnnen Testaniente mit Formfehlcrn
aufrechterhalten werden?, Deutsche Juristen-Zeitung, 14, 282). Mas o
próprio A. Escura mandou não esquecer que são suscetíveis de
interpretação as regras jurídicas de forma. Em verdade, a proposição “das
eigenhãndige Testament ist keine blosse Beweisurkunde, sondem der letzte
Wille selbst” (Supremo Tribunal da Alemanha, Entsch., 12, 315) contém
verdade, mas verdade que não exclui a discussão e, pois, a revelação do que
se entenda por escrita e assinatura (art. 1.645, 1), testemunhas (art. 1.645,
II), leitura perante elas e assinatura por elas (art. 1.645, III), material em
que e com que se escreve, etc.

É impressionante ver-se, todos os anos, por simples defeitos de formas,


declararem-se ineficazes, nenhuns, ou anularem-se testamentos, que todos,
disse ERICH DANZ, inclusive os juizes, sabem que exprimem e contêm a
vontade do testador. Testamentos cuja data não é a verdadeira, testamentos
com data carimbada, etc. Mas, no Brasil, tais exigências quanto àdata
seriam absurdas, e não, como na Alemanha, diante do § 2.231, discutíveis.

Basta pensar em algo de grave: os bens do testador vão a pessoa diversa da


que éle queria. É de maior relevância para a comunidade, para os interêsses
gerais, que a transmissão do patrimônio seja a que o testador queria
(ERICH

DANZ, Kõnnen Testamente mit Formfehlarn aufrechterhalten werden?,


Deutsch,e Juristen-Zeitung, 14, 287) . Só em último caso, deve o juiz
sacrificar o interêsse da vontade, que merece favor, àexigência formal, cujo
intuito somente poderia ser o de garantir a boa expressão da vontade e o seu
respeito.

Cumpre nunca nos esqueça diferença assaz importante entre os testamentos


públicos, sejam abertos, sejam cerrados, e os testamentos particulares:
naqueles, há culpa de um funcionário público que escreveu ou somente
aprovou, e a nulidade matará o ato testamentário, deixando aos interessados
a ação civil contra o culpado. No testamento particular, não.
Quanto à técnica político-legislativa, tem-se dito que o testamento
particular facilita: a) sugestão ou captação, porque não há intervalo entre a
feitura e outra formalidade, como se dá com o testamento cerrado que
depende de aprovação (verdade é que têm razões os que apontam o perigo
se o sistema jurídico dispensa testemunhas) b) destruição ou simples
desaparição, sem que fique qualquer meio de provar que o testador o
deixou; o) dá-se ensejo a que as pessoas façam, com facilidade e
substituições rápidas, testamentos; d) o testamento particular é o que ocorre
com a pressa emocional dos testadores, fazendo a causa de morte o que não
raro é ato de amizade passageira, ou gratidão imediata, ou ódio, ou cólera.

Em todo o caso, a facilidade com que se faz outro testamento particular


apaga grande parte daqueles inconvenientes.

Há conveniências, mas o tipo de testamento particular que está no Código


Civil brasileiro tanto se caracteriza de dificuldades e limitações que pouco
se pode mostrar das suas vantagens.

2.“ANIMTJ5 TESTÂMENTO FACIENDI” No testamento público,


raramente ocorre o êrro de nome, e do assunto já se tratou. No testamento
cerrado, é de supor-se que no auto de aprovação o oficial público declare,
em palavras explícitas, aprovar o testamento, e a lei exige a declaração do
testador neste sentido. No testamento particular, certamente toma a questão
aspecto próprio.

Sendo possível, como é, o emprêgo de cartas, livros de família, e, segundo


já vimos, diversos materiais, fàcilmente urdem as circunstâncias casos
menos claros de testamenticação.

Aqui, tem o juiz de examinar cuidadosamente a cédula, indagar das


testemunhas, se a tez boi não se satisfaz com o documento hológrafo, ou
somente assinado pelo testador, mas principalmente as circunstâncias e os
dados reveladores da vontade de testar. Em tese, não se confundem os
testamentos e os outros atos jurídicos, quer pela forma em que se fazem, e
as exigências instrumentárias, quer pela natureza das disposições contidas.
Mas isto só em tese. Na prática, não são fáceis as questões sôbre o animus
testamentum faciendi. Exemplo (Tribunal de Yvetot, 12 de maio de 1926) :
encontram-se por ocasião da morte, em casa da testadora, a) um projeto de
testamento, b) um testamento regular, datado e assinado, cópia do anterior,
o) documento, dentro de envelope, com a declaração “êste é meu
testamento”, contendo legados, mas sem data nem assinatura, ao passo que
datado e com o nome da testadora, o invólucro. Resolveu o Tribunal que
êste nôvo testamento, cuja data e nome estavam por fora, não podia revogar
o anterior. Faltava-lhe a assinatura no texto. Havia o nome, porém sem um
dos elementos constitutivos: a vontade expressa de aderir ao ato em que se
apôs. ~ Seria aquele, em verdade, o testamento a que o nome e a data se
reportam? A questão seria menos interessante, no direito brasileiro; pelas
obsoletas exigências com que se cerca o testamento hológrafo. Mas, na
França, devolve-se a questão ao juiz do fato, que tem o direito de consultar
as circunstâncias e apreciá-las soberanamente (Chambre de Requête, 7 de
janeiro de 1924).

§ 5.888. Testamento particular no direito brasileiro

1.HOLOGRAFIA E ASSINATURA. A lei brasileira cercou de tais cautelas,


ameaçou de vida tão precária o testamento particular, que em verdade quase
o proibiu. Raro se vê. Exigiu-lhe holografia e assinatura autógrafa, exigiu-
lhe cinco testemunhas, exigiu-lhe leitura perante elas e assinaturas por todas
elas. Tudo isto era razoável e bastava. Mas o legislador, que tão liberal fôra
com o testamento cerrado, continuou em obstinado exigir, num como
sonambulismo de perseguição: se morrerem três testemunhas, fica o dito
pelo não dito, o testado pelo não testado (art. 1.648). iLei absurda, lei
inconsequente, lei má, lei que devolveria a herança a pessoa de quem o
testador não cogitou, porque num desastre morreram êle e três testemunhas!
Mas volveremos a isso.

Entretanto, ainda não vimos a falsificação de um testamento particular, e já


vimos falsos Wstamentos cerrados e falsos testamentos públicos.

2.DEFEITOS DE ATIVIDADE LEGISLATIVA. O legislador brasileiro


separou-se do seu tempo, ficou com o tempo local de códigos atrasados, e
mal pensados, acorrentou-se a reminiscências confusas. Na raça ibérica,
aquém do espanhol, do argentino. O Código Civil português não no tinha,
não no tem: critério que se compreende, mais do que tê-lo e torná-lo fonte
de riscos.

Reminiscências confusas, disse; e é certo. O romanismo introduziu nas


Ordenações aquela referência ao Direito.

Cabia aos juristas do tempo distinguir o nuncupativo e o hológrafo, naquele,


a solenidade mais se exteriorizava com a prova de que por si mesma: e as
testemunhas não podiam ser menos essenciais à prova que à solenidade. A
prova, em verdade, mais era que a nuncupação: esta, sem aquela, não era
nada. No caso do testamento escrito, o raciocínio não podia ser o nesmo.

Perspicaz, PASCOAL JosÉ DE MELO FIrnIILE (Institutiones juris civilis


lusitani, L. III, T. 5, § 10, nota) feriu o ponto: “Pro testamenti igitur
validitate praesumendum, quamdiu contrarium evidenter non probatur, licet
testes omnes mortui sind, itaque non possint subscriptiones suas
recognoscere; namque in iure nunquam traditum est, testamentum irritum
fieri ob defectum publicationis: uno quoque, vel alio teste wortuo,
testamentum per duos, qui supersunt, probari, et recognosci potest: alia
enim est ratio condendi, alia probandi testamenti”.

Quando o escreveu, não o fêz sem lição de outros, que deve ter lido, além
dos que citou (SAMUEL STRYK, [[sus modern., pandectarum specimen,
L. 29, T. 3, § 4; G. L. BOERMER, Ad Iust T. qui testam. fac. poss., § 35).
Era o mesmo que ensiiiavam G. A. STRUVE, A. FABER e outros.
Nuncupativo e hológrafo eram coisas diversas: diversas deviam ser as
soluções. Antes de se descobrir o Brasil, já era êrro, êrro contra a tradição
do direito peninsular e êrro de interpretação das Ordenações. A verdade
estava com o uso moderno, firmado por SAMUEL

STRYXC. A velharia inutilizadora que reponta no Código Civil desmente


os fatos, fere a boa doutrina e cria aos juizes verdadeiros casos de
consciência.
O Código Civil espanhol, art. 691, manteve-se com o passado <índice de
estabilidade, que ainda algema a Espanha em tantos assuntos), mas algo
introduziu que atenua o afêrro:

“Presentado ei testamento ológrafo, y acreditado eI faílecimiento deI


testador, eI Juez lo abrirá si estuviere en pliego cerrado, rubricará con el
actuario todas las hojas, y comprobará su identidad per medio de tres
testigos que conozcam la letra y firma deI testador y declaren que no
abrigan duda racional de halíarse ei testamento escrito y firmado de mana
propia del mismo testador. A falta de testigos idóneos, é si .dudan los
examinados, y siempre que el juez lo estime conveniente, podrá emplearse
con dicho objeto eI cotejo pericial de letras”. Além disso, cumpre notar que
o testamento hológrafoespanhol não tem testemunhas instrumentárias “en
papel de seilo correspondiente aí afio de su otorgamiento”, “escrito todo y
firmado por ei testador, con expressión de afio, mes y dia en que se
otorgue” (art. 688). As testemunhas a que alude o art. 691 não são
instrumentárias Nos nossos dias, a Novela 1, art. 55, modificou o Código
Civil austríaco, § 586, no sentido de caducidade do testamento, se faltar
uma das três testemunhas, porém referiu-se ao tes-tamento oral.

O Juiz de Direito da a Vara de órfãos e Sucessões do Estado da Guanabara,


a 24 de janeiro de 1963, disse: “ 4~

Os

requisitos exigidos ao testamento hológrafo no direito brasileirosao de tal


ordem, que PONTES DE MIItANDA, a essa conta, não lhe poupa
reproches enérgicos, quando dilucida: “A lei brasileira cercou de tais
cautelas, ameaçou de vida tão precária o testamento particular, que, em
verdade, quase o proIbiu. Raro se vê”. “O legislador brasileiro divorciou-se
do seu tempo, ficou com o tempo local dos Códigos atrasados (Tratado dos
Testamentos, II, 107) „~.

Tratava-se de testamento feito na Itália, com observància da lei italiana e


apresentado a juiz do lugar em que se dera a morte.
3. ESTRANGEIRO. No 1 Projeto alemão, excluia-se o testamento
particular. Para isso, invocava a Comissão ser um dos atos mais
importantes, in¶eressar profunda. mente à família e à sociedade. Donde a
necessidade de formas rigorosas, de solenidades que ao mesmo tempo
assegurem a. eficácia dos testamentos verdadeiros e dificultem as
falsificações. No caso de errar quanto à forma o disponente, estaria morto
quando se descobrisse o êrro. No testamento públicor maior segurança
haveria. Mas na II Comissão (a maioria contra) houve quem considerasse
isto infantil. Trata-se de velho instituto, que sempre gozou do favor público,
inspirado. na lei romana de 446, mas trazido, através dos costumes (e das
leis, dissemos nós) até os nossos dias. Lembrou-se o exempio da Áustria
(§§

577 e 578), da França (arts. 969, 970 e 1.001), de Baden, da Itália, da


Espanha. Afinal, o que a 1 Comissão excluia, na II se reputava como a mais
própria forma moderna de testar (Protokolle, V, 326 s.).

Entre os juristas, estava posta em causa a questão dos testamentos


particulares, cujas virtudes foram discutidas e apontadas: presteza, pois que
se faz mais rápido que os outros; comodidade, pelo fazer-se sem
necessidade de se deslocar o disponente, ou de se chamar em casa
autoridade pública (além disto, não se precisar, no direito alemão, de
testemunhas) familiaridade e, até, intimidade, pelo caráter de vida
particular com que se faz, e, finalmente, pouco custo. É bem a divisa do
testamento privado nos povos que compreenderam a sua função nos tempos
de hoje (EMIL JAOOBY, Das eigenMndige 1‟estctment im nOR., 13:
“Schnelligkeit Bequemlichkeit, Ungeniertheit und Rostenlosigkeit kõnnen
aIs die Devise des eigenhãndigen Testaments hingestellt werden”) . No
Código Civil da Saxônia, §§ 2.100-2.115, exigia-se a subscrição de
testemunhas. Mas o Preussisches A. L .R., 1, 13, § 66, dispensou-a.
Também as excluiu o Código Civil francês, art. 970:

“Le testament olographe ne sera point valable, s‟il n‟est écrit en entier,
daté et signé de la main du testateur: il n‟est assujetti à aucune autre
forme”.
Otestamento que os legisladores do Código Civil perseguiram, HEINRICE
DERNBURG (Die Auslegung der Testamente, Deutsche Juristen-Zeitung,
11, 4) também considerou fonte de inconvenientes, e EMIL STROI-IAL

(Das deutseke Erbreoht, 1, 90), censurou-o~ mas os inconvenientes


derivam das descoíifianças dos juizes (TIERHÂRDT EICHHORN,
Zeitschrift des deutschen Notarvereins, 241 s.), das dúvidas sôbre a letra,
das exigências alemãs do livro fundiário (Grundbueh).

A respeito, entendia ZIMMER (Das eigenhãndige Testament nach dem


Búrgerlichen Gesetzbuch f [ir das Deutsche Reich, Archiv fiir Biirgerliches
Recht, 24, 28 s.) que testamentos não são atos que se devam tratar como os
das relações ordinárias da vida, como os negócios: exigem forma pública,
seguranças. Mas contra isto, WALTHER

BROCE (Das elgenhándi ge Testament, 4 e 120 s.). ~ rigorismo, que se não


compadece com os nossos tempos.

No Código Civil suíço, arts. 498 e 505, o testamento partimIar é escrito


pelo testador do comêço até o fim (von Anfangbis zu Ende), datado e
assinado pelo testador. Os Cantões podem legislar sôbre a entrega, aberto
ou fechado, à autoridade encarregada de receber em depósito (art. 505, 2~a
alínea). Entendeu-se (e bem) que os Cantões podiam, por isto, cobrar taxa.
Mas ,o depósito tinha de ser, ou podia ser condição de validade? Zurique e
outros decidiam dêste modo. Não se trata de requisito formal, e sim de
depósito facultativo (cf. A. ESCRER, Das Erbrecht, Kommentar zum
schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 91). Na formação do art. 505 houve
propósito dc simplificar e diminuir exigências formais (II. OSER, Der Streit
um das Privattestament im ZGR., 135 s.> . A entrega não precisa ser
pessoal: pode disto encarregar-se amigo, parente, o próprio herdeiro ou
legatário (P. TUOR, Kommentar zum sehweizeriscken Zivilgesetzbuch,
330). Mas só em vida do testador.

§ 5.889. Precaucão de ordem metodológica

1. PRECISÕES. A fim de bem distinguirmos o que constitui, no Código


Civil, a Seção IV das formas testamentárias. separemos: a) Os requisitos
formais essenciais: lei de forma (art. 1.645), de cuja observância resulta o
ato perfeito do testamento. ti) Os requisitos de forma, eventualmente
essenciais, o) As formalidades processuais dos arts. 1.646-1.648. d) A
permissão intrínseco-extrínseca do art. 1.649: por ser extrínseca, surte
certos efeitos de direito internacional privado, e, por ser intrínseca,
ocasionalmente terá outros.

2.EXIGÊNCIAS DA LEI BRASILEIRA. Exige a lei brasileira como


formalidade essencial a) A holograf ia da cédula e a assinatura do testador:

é isto o que diz o requisito de ser “escrito e assinado pelo testador”.

b) Intervenção de cinco testemunhas, a que o testador leia, ou mande ler


(assunto de que se tratará), ou dê a ler a cada uma delas.

c) Assinatura das cinco testemunhas.

No art. 1.645, a redação não é boa: há três requisitos holografia, leitura


perante as cinco testemunhas e assinatura delas. Todos os três estão no art.
1.645, 1 e III, de modo que é supérfluo e pode trazer confusões o inciso II:
se é preciso que se leia às cinco testemunhas e elas assinem, claro que cinco
testemunhas intervêm.

Antes de tratarmos dos requisitos essenciais, eliminemos as formalidades


que o sistema jurídico brasileiro não considerou ad essentiam.

Otestador, escolhendo a forma do testamento particular, permitiu-se


escrever com vagar, meditar quanto ao que vai lançar, retocar a minuta que
começara a copiar, aguardar resolução definitiva quanto ao que escreveu e
só então assinar. Mais: guardar o que escreveu e só mais tarde, dias, meses
ou anos de espera, chamar as pessoas que quer como testemunhas. Essas só
têm de escutar a leitura e assinar. Se o testador falece, antes de assinarem as
testemunhas, o testamento privado foi ato inacabado: não entrou no mundo
jurídico, a despeito da assinatura do testador.

Se o testador teme que desapareça o testamento particular, pode escrever


dois ou mais instrumentos, iguais, com as assinaturas dêle e das
testemunhas. Assim, pode guardar ou entregar a pessoa ou pessoas de sua
confiança um ou dois ou mais exemplares, para que a desaparição de algum
ou de alguns não lhe afaste a disposição de última vontade. Se todos
desaparecem, o testador morre sem ter testado.

§ 5.890. Requisitos só eventualmente essenciais

1. TECNIcA LEGISLATIVA. A técnica legislativa e pois as leis de forma,


que são um dos processos técnicos, um dos meios da realização da Justiça
não constituem fim em ai, mas meios para a efetivação do justo nas relações
humanas.

Há fatos e expedientes que são essenczats: a observação das realidades, a


experiência, o conhecimento psicológico e social dos homens mostraram
ser indispensáveis, e a lei formal vem dizer até que ponto, e se devem,
efetivamente, ser exigidos como forma inderrogável, ou ad essentiam dos
atos.

Outros, ocasionalmente asseguradores ou garantidores, passam a segunda


plana, e só eventualmente no probatório

se apreciarão como de ocorrente essencialidade.

2.DATA. Já dissemos o que concerne à data dos tes-tamentos. Não é


escusado relembrá-lo no caso particular. Os legisladores romanos não na
exigiam nos testamentos privados (PH. E. HUSCHKE, Jurisprudentia
Anteiustinianae quae supersunt, 527; fl. WINDSCREID, Lehrbuch des
Pandektenrechts, III, § 541). Nos mais velhos documentos legislativos de
Portugal visigótico e da Reconquista, não na encontramos como requisito
essencial. Há exemplos de testamentos públicos sem data. A fortiori,
testamentos particulares.

A data pode interessar, mas a essencialidade só decorre do Código Civil,


art. 1.645, e a data lá não está. (A critica de CLóvís BEVIL.4QUA, Código
Civil comentado, VI, 101, ao Código Civil é injusta.) Podem ser dois, total
e essencialmente contraditórios, e não se podendo apurar a data, não se
imporem. Mas dir-se-ia o mesmo, se contivessem a data, e fêsse a mesma.
Se só se deixou um, e não há dúvida sôbre a capacidade da lex tempus, nem
sobrevierem filhos, apara que a data?

Sôbre a antedata e a pós-data inocentes, já se falou (Tomo LVII).

O direito inglês supõe o lugar e a data, mas não há disposição especial sôbre
o assunto, que, na falta, fulmine de nulidade o testamento (MARTIN
LIEBEGO‟rr, Nachlassbehandlung im englischen Recht, Arch,iv flir
Rutrgerliches Reeht, 38, 850).

Na Alemanha, o L Projeto só admitia o testamento público, judicial ou


notarial (Motive, V, 257 s.). Ainda a maio-

-ria da II Comissão se pronunciou contra o testamento privado,

-mas outro parecer foi o do Reichtag (Denlcschrift, 429). Tanto e Código


Civil francês, art. 970, quanto o Código Civil de Baden, art. 970, exigiram a
data e o lugar. Seguiu-lhes o exemplo o Código Civil alemão. Mas ali,
como em todos os lugares, em que se exige a data, tal essencialidade
forçada traz controvérsias infindáveis. Por exemplo: a) Engano ou
inexatidão na data não torna nulo o testamento particular (F. RITGEN, em
G. PLANCx, Elirgerliches Gesetzbuch, 4 d ao § 2.231; EMIL STROHÂL,
Das deutsche Erbrecht, 1, 109 5.; E. MATTHIASS, Lehrbuch des
Rhirgerliehen Reckts, II, 412; A. WEISSLER, Das deutsehe
Nacklassvcrfahren, 157; J. BÕHM, Das Erbrecht des BaR., 80; HEINRICE
TRiNENER, Die Form der Rechtsgeschãfte nach dem deutschen BGE.,
Stich-sisehes Archiv, VII, 854; H.O. LEHMANN, em ENNECCERUS-
LEHMANN, Das Biirgerliche Recht, II, § 305; WILHELM FRANCRE, Bl-
Éitter fiir Rechispílege in Thiiringen, ~0, 161 5.; H.

PEISER, Ilandbuch des Testamentsrechts, 261; PAUL MEYER, Das


Erbrecht des butrgerlichen Gesetzbnehes, 1.

161; GERHARD EICHIIORN, Das Testament, 106); e há jurkqprudência


(Entscheidungen in A. der freiwilligen Gerichtsba,rkeit, III, 70; MUGDAN,
fie Reehtsprechung, IV, 424).
b) Data, para o Código Civil alemão, é a verdadeira e exata (O.
EROMMHOLD, Erbrecht des BGB., 216; GUSTAV MXxOXER, fie
Nachlassbehandlung, 89 5.; E. HERZFELDER, .7. von, Staudingers
Kommentar, V, nota ao § 2.231; MARTIN SCHERER, Erbrecht des RGR.,
335; L. KURLENBECK, Von den Pandekten zum Riirgerlichen
Gesetzbueh, III, 223; e o Reichsgericht).

c) Deve inquirir-se do propósito, ou não, da mentira da data, ou da sua


inexatidão: nulo será, naquele caso; válido, neste (WALTHER EROCE, Das
eigenhdndige Testament, 84 s.; E. MEISCREIDER, fie letztwilligen
Verfiigungen nach dem RGR., 31 s.; ITANS BORCIIERDT, Das Erbrecht
und die Nachiassbehandlung, II, 475).

d) Ainda se não proposital, é preciso que outras circunstâncias tenham


tornado exata a data que o não era (HEINRICH DERNEURO, Das
b~rgerliche Recht, V, 75 s.; EDUARO HOLDER, Das eigenhiindige
Testament,

.Jherings .Tahrbucher, 41, 308 s.; Tnronoa Kwr, em E. WINDSCIIEID,


Lehrbuch des Pandektenrechts, III, nota ao § 545).

e) Mas, ainda no caso anterior, RICI-IARD WIIJRE não admitia a nulidade,


se inoperante a inexatidão.

f)Finalmente, ZIMMER (Das eigenhiindige Testament mnach dem


Búrgerlichen Gesetzbuch fur das Deutsche Reich, Archiv fúr Riirgerliches
Recht, 24, 22) entendia que somente é nulo o testamento se é essencial ao
testamento, in concreto, a aposição de data e do lugar. Êste, evidentemente,
estava de olhos abertos à realidade.

A datação nada tem com a declaração de última vontade, por isso mesmo
que esta vontade é última. Demais, se o Código Civil francês fala em “date”
e o direito badense em lugar. dia e ano, o Código Civil alemão satisfez-se
em dizer Angabe -do lugar e do dia, mas êste Angabe também é equivoco:
tanto pode ser facultativo de datação real, quanto requisito formal exato. As
circunstâncias é que podem fazer essencial a data.. Esta, por si só, não é
requisito formal. O legislador alemáoA foi além, no seu construir, do que
lhe permitiam os dados contemporâneos de ciência. Por isto mesmo, a
despeito do texto, as questões ficaram.

Se dois ou mais testamentos não têm data, claro que se torna essencial a
datação; mas a essencialidade não é formal. Por outro lado, pode ocorrer
que um testamento seja feito em lugar que exija a data, e outro, em lugar
que a dispense. A situação será bem difícil de resolver-se. Mais: inevitável
o exame das circunstâncias, dos dados realmente informativos do tempo da
feitura.

Não se confunda a questão da data com a outra, limítrofe,, mas diferente, da


data in fraudem legis: a data ainda longínqua, para evitar que o testador
revogue o testamento, ou para. evitar que, em viagem próxima, o
disponente possa testar. Infelizmente, os autores, e entre êles W. GÓSSLER
(Zur Lehre voit der Datierung des eigen/djndigen Testamente, 10), baralha
ram fundamentos tão diversos, como sejam o requisito formal e a
increpação de fraude à lei.

A consideração de que a exigência da data afasta ou difi-. culta falsificações


é bem fraco argumento~ quem falsificou tôda a letra de um escrito
falsificará a data e terá cuidado no escolhê-la. Ainda mais: quem vive em
contacto com as realidades da vida sabe que os escritos falsos são sempre,
nesses. pontos, impecáveis. Ilumina-os a má fé, ao passo que, ao testarem,
estão sempre descuidosos, inscientes do mal, os disponentes.

No Código Civil suíço, art. 505, o legislador foi mais ex!-gente: menção do
lugar, ano, mês e dia da feitura (ed.

alemã:

Ángabe von Ort, Jahr, Monat und Tag der Erriektung; ed. francesa: mention
du ijeu, de tannée, du mois et du jour ou l‟acte a été dréssé; ed. italiana: iii
eni fu serilto). Porém, ainda assim, a data do lugar e a data do tempo
suscitam. dúvidas no direito suíço. (Conforme dissemos, as leis de forma
são suscetíveis de interpretação.> Quanto à data do lugar, o Ortsdatum, não
é a do lugar do domicílio, mas o da feitura. Se o testador está em viagem e
não conhece o lugar em que se acha, bastam indicações.
§§ 5.889-5.891. PRECAUÇÃO E REQUISIToS

(A.EsclER, Das Erbrecht, Kommentar zum schweizeriseken Zivilgesetzbuck


de A. ECCER, III, 90). Faz-se o que é possível. atendidas as circunstâncias.

Quanto à data do dia, logo se assentou que vale o mesmo: ano nôvo de
1969, dia da festa federal, no dia de aniversário do meu casamento em
1970. Um tanto duvidosa, por exemplo, a referência ao “dia do noivado”.
Se houve êrro ou descuido do testador, uma vez que se possa retificar o
engano, pela convicção dos fatos, não se reputa essencial a exatidão.

(P.Tuoa, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbu~fl de MÃx


GMÚR, III, 827). De qualquer modo, presume-se ser verdadeira a data.
Resta a questão da escolha. A praxe propende para a exigência da
veracidade.

Mas ~veracidade de quê? ~Do tempo em que escreveu o testamento? tOu


do tempo em que assinou? Se fêz e assinou, mas deixou em branco a data,
apode esta ser aposta depois, quando o testador quiser? Está visto que só o
exame das circunstâncias pode resolver.

ocaso de perguntarmos aos formalistas: e que essencialidade é esta, que


depende de tantos dados e exige veracidade. sem precisar de que veracidade
se quer?

O que acima dissemos é de grande importância para o direito brasileiro, que


a cada momento está a cumprir testamentos de Alemães e de Suíços,
cabendo ao juiz a apreciaç&,. das formalidades extrínsecas. Certamente,
não se há de considerar não-escrito o que está nos dois Códigos Civis, mas
entre as interpretações discordantes deve-se preferir a que mais se ajusta à
concepção da lei pessoal, da lex boi e da lei do Brasil, que é a lex fori,
atendidos os princípios.

No direito italiano, anterior a 1942, o testamento hológrafo não precisava de


testemunhas, tinha de ser a) escrito, todo, pelo testador; b) datado, isto é,
indicar dia, més e ano (admitidos, porém, pela doutrina, os equipolentes) ;
e) subscrito pelo testador, com o seu nome, ou, explicava-se, com o nome
que o indivíduo usa (exemplo: pseudônimo por que é conhecido) Nada se
disse sôbre o lugar. A Cassação de Roma (Giurisprudenza, 1917, 128)
considerou a data disposição de vontade, de modo que, falsa, não
prejudicaria o ato: o testador poderia qurê-lo antedatado ou pés-datado.
Disposição de vontade não é, e nisto erraram RAYMOND SÂLEILLES e
vários tribunais.

2.FORMA E TESTADOR MORTO OU NÂO NA VIGÊNCIA DA LEI


NOvA. Se proibitiva do testamento particular, nem por isto a lei nova atinge
o ato perfeito. É o que se tem decidido quanto à parte formal dos
testamentos conjuntivos, que o Código Civil proibe, e o que se julgaria se
lei posterior ao Código Civil revogasse os arts. 1.645-1.649. Tem pus regit
actum.

Se o testador morreu antes da nova lei, com maioria de razao. A distinção é


indiferente ao princípio de se reger a forma pela lei do tempo em que se fêz
o testamento.

A forma é a do tempo da efetiva feitura, e não a da lei correspondente à data


irreal que se apôs (II. HABICHT, Die Einwirlcung eles BOR. auf zuvor
entstandene Rechtsverhãltnisse, 672).

Se o testador observou as regras da lei nova, futura no momento da feitura


do testamento, postergando as da lei antiga, vigente quando fêz, nulo é o
testamento (EMIL JACOBY, Das eigenhãndige Testament, 63).

Em tudo que toca à forma, o tempo que decide é o em que se fêz, e não
aquele em que vai executar-se, ou aquele em que se quer que a disposição
se efetive (FRIEDRICE AFEOLTER, Das intertemporale Ilecht, 334).
Exemplo: um alemão escreveu o seu testamento antes de janeiro de 1900,
mas apôs a data posterior (2 de fevereiro, ou 5 de agôsto de 1900) para se
aproveitar da lei que ainda não entrara em vigor, o testamento foi nulo.

3.PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS PARA O USO DA


FORMA IIOLÓGRAFA. A lei do tempo da feitura efetiva, e não a da data
antecipada, que o testador escreveu, é que lhe rege a aptidão para a forma
hológraf a. Há possíveis questões de convalescença e de cassação
legislativa. É do caráter das leis escritas referirem-se ao futuro, serem
imposição aos atos que se vêem e não aqueles que já passaram. Esta
atuação no presente é própria do Direito e por isto mesmo, no seu domínio,
se aparam demasias dos textos impositos, sempre dosados do excesso
arbitrário dos legisladores. No dizer que a lei não retroage, e dizê-lo por
escrito, os órgãos políticos nada mais fazem do que reconhecer as fronteiras
do processo social, jurídico, de adaptação, inconfundível com o processo
político, mais instável e mais violento do que aquele.

Daí: a) os atos jurídicos, nulos, quanto à forma, conforme a lei do tempo em


que se praticaram, em regra não convalescem com a superveniência da lei
que exclua a nulidade; b) válidos segundo aquela lei, não os atinge a lei
nova invalidante.

Porém pode ocorrer: a) que a lei nova repute insuficiente a forma da feitura
(de um testamento, por exemplo) e, a despeito da perfeição do ato, obrigue
quem os fêz a satisfazer novas formalidades; b) que a lei nova repute
suficiente o ato defeituoso que antes fôra praticado. Em ambos os casos,
está visto, supõe-se texto expresso a respeito da necessariedade posterior ou
da posterior invalidação.

As duas proposições não podem ser tratadas em pé de igualdade, e já se


disse o bastante sôbre isso.

Se o testador pode modificar o que fêz, isto é, se sabe e pode testar


novamente, ou satisfazer a nova exigência do testamento particular, o
Direito, a despeito da perfeição do ato, poderá admitir a investida do ato
legislativo cassatório. Naturalmente, terá o juiz de examinar as
circunstâncias e atender com mais largueza os próprios erros de direito. Se,
porém, a lei nova procura cassar, indistintamente, valerá o mesmo que
excluir capacidade de direito, e ofenderá princípios jurídicos superiores:
não será aplicada.

No caso de sanatória, proceder-se-á segundo o que ficou exposto: terá o


efeito excepcional de avisar os que testaram nulamente de ir convalescer ou
de ter convalescido, por fôrça de lei, os testamentos que fizeram.
§ 5.899. Direito internacional privado e testamento particular

1. FORMA EXTRÍNSECA. A forma extrínseca do testamento particular


rege-se pela lei do lugar em que se faz.

Mas cumpre advertir: a) que a regra jurídica bens regit actum éfacultativa;
b> que pode a lei pessoal proibir ao testador alguma espécie de testamento,
ou mesmo só lhe admitir a forma pública.

Há o problema da facultatividade da regra jurídica bocus regit actum. Desde


muito que se ensina (3. Níc. 1-IERT, Dissertatio de collisione legum,
Commentaria atque Opuscula, 182) é verdadeira a doutrina a priori da
essencialidade da data (tal doutrina causa graves injustiças), nem a de que a
data seja disposição de vontade. A verdade está em que é requisito só
eventualmente essencial. Portanto: a) fazê-lo requisito formal essencial
seria expor a nulidades testamentos em que a indicação de tempo nenhuma
importância teria, ou cuja data se pudesse provar; b) considerá-la disposição
de vontade seria, para infirmar a contrária doutrina da essencialidade,
recorrer a extremo liberalismo.

No Código Civil italiano de 1942, diz o art. 602: “II testamento olografo
deve essere scritto per intero, datato e sotto scritto di mano dei testatore. La
sottoscriziofle deve essere posta alia fine delie disposiziofli. Se anche non ~

fatta indicando nome e cognome, ê tuttavia valida quando designa con


certezza la persona dei testatore. La data deve contenere 1‟indicazione dei
giorno, mese e anflo. La prova deila mm verità delia data ê ammessa
soltanto quando si tratta di giudícare delia capacità dei testatore, delia
priorità di data tra piú testamenti a di altra questione da decidersi in base ai
tempo dei testamento”.

Na Bélgica, apesar do Código Civil, e no Tribunal Superior prussiano, êste


antes do Código Civil a1em~.o, atenuou-se a francesia da data verdideira
essencial. Mais do que atenuar-se, abstraiu-se disto, em favor do
testamento.
Aliás, deve ser assaz duro para um juiz julgar nulo testamento sôbre o qual
náo pairam dúvidas e a data náo tem importância, se foi lançada por
descuido, ou por êrro. Seria demasiado algemar-se a palavras de lei: se a lei
vai até tais extremos, é lei contra Direito. Mas, como vimos, leis de forma
não são, como se diz, leis não interpretadas.

A verdade está a gritar de todos os lados: trata-se de requisito formal,


eventualmente essencial. Tanto isso é certo que, no Brasil, que não exige a
data, se há dois testamentos inconciliáveis e não se sabe a data dêles, a data
constitui requisito essencial. As circunstAncias fizeram-no tal. Mas tais
circunstâncias são raras, e o legislador não há de acorrentar a tais exigências
ato que, por definiçáo, é de última vontade.

Diante do texto do Código Civil alemáo, os juristas e juizes têm entendido


que o testador não pode aproveitar a designação do lugar ou da data,
tipogràficamente inscrita no papel. Nâo é hológrafo (RONRÀn CoSACE,
Leh,rbuch des Deutschen Blirgerliohen Reohts, II, 711; EMIL JÂCOBY,
Das eigenhttndige Testame‟nt im BGB., 25).

Desde que se exige data, quer-se caligráfica e não mecânicamente obtida.


Compreende-se, perfeitamente, isto.

Quanto à veracidade do lugar, ~ que importa que se chame Pelotas ao que


está perto de Pelotas e possivelmente não tinha bem precisa o testador? O
Tribunal de Berum, a 23 de dezembro de 1903, decidiu pela validade. Se
disse

“em minha Vila”, é válido. Mas não nos parece justo considerar-se, a priori,
nulo, se muitas vilas tem o testador, como se lê em EDUALtD HtiLDER
(Das eigenhãndíge Testament, Jherings Jahrbiieher, 41, 308 s.) e A.

WEIsSLER (Das deutschc Nachlassverfahren, 156) é irrecusável que o juiz


pode apreciar as circunstâncias.

Exemplo: se há algirns anos de uma delas não sai o testador, ou se nenhuma


importância tem isto.
Quanto ao dia, se o testamento tem duas datas, não em lugar distinto,
porque seria, talvez, ato continuado, que o testador ia datando, mas no final,
a boa opinião é a de WILHELM MANTEY (Das Erfordernis richtiger
Datierung eines holographischen Testaments, Gruchots Reitráge, 43, 652,
nota 15), que considerou a data inexata como não escrita. Aplicação que
fêz, sem dizer, do princípio de resguardar-se o util, assaz salutar em todo o
domínio jurídico. Aliás, os formalistas do direito a1em~o só o consideraram
nulo se a multiplicidade implica falta de data certa <EMTL JÂCOBY, Das
eigenhãndige Testament im BGB., 27). As circunstâncias colaboram no
julgamento de tal implicação.

Para os sistemas em que se exige a data exata, surge questão: ~,quem tem o
ônus da prova? Ora, em tais códigos, e em todos os sistemas jurídicos, o
testamento particular não é documento de prova, mas ato perfeito, a própria
vontade última do testador. Quem alega contra êle, que faça a prova (EMIL
JÂÇOBY, Das eigenhÀndige testament im 8GB., 85).

Quanto à presunção de que a data é verdadeira, há mais de um século, na


Côrte de Cassação da França (1824), invocando-se o disponat testator et
erit lez, chegou-se a dizer:

“qu‟en conséquence, la Ioi place momentanément le testateur dans Ia classe


des fonetionflaires publics; d‟oh ii résulte qu‟il .

Outro inconveniente que não é de somenos importância se o testador, ou


alguém por êle, mandou reconhecer as assinaturas, e há elementos
probatórios, convincentes, do ato testamentário, como referência escrita da
testemunha ao testamento a que assistira, Lcomo refugar tudo isto e os
princípios de direito para se ater a texto de injustificada velharia, que
exporia o Código Civil a flagrantes contradições com os seus princípios?

§ 5.897. Testamento particular e língua

1.TExTO LEGAL. Diz o art. 1.649 do Código Civil: “O testamento


particular pode ser escrito em língua estrangeira, contanto que as
testemunhas a compreendam”. Cf. Projeto primitivo, art. 1.817: “O
testamento hológraf o pode ser escrito em língua estrangeira, contanto que
seja bem conhecida das testemunhas”; Projeto revisto, art. 1.986. A fonte
foi o Código Civil espanhol, art. 688, alínea 33: “Los estranjeros podrán
otorgar testamento ológrafo en su propio idioma”. Cf. Código Civil
argentino, art. 8.641: “El testamento ológrafo debe ser escrito precisamente
con caracteres alfabéticos y puede escribirse en cualquier idioma”.

2. LÍNGUA ESTRANGflRA E LÍNGUA SECRETA. A propósito do


Código Civil, art. 1.640, antes já dissemos o que era preciso quanto à língua
estrangeira ou secreta. Testamentos públicos fazem-se em língua do país.

Testamentos cerrados entregam-se ao oficial público, em presença das


testemunhas,

-não terão de ser lidos. Portanto, podem ser escritos noutra língua, viva ou
morta, natural ou artificial, ainda que não na compreendam testemunhas e
oficial público. Testamentos particulares, êsses, têm de ser udos perante as
testemunhas. Depois de lidos, assinados por elas (Código Civil, art. 1.645,
III) e pelo testador (art. 1.645, 1). De nada valeria a leitura, se as
testemunhas não entendessem a língua em que foram lidas as disposições.
Daí a exigência geral de compreenderem elas a língua em que o testador
redigiu, hologràficamente, o escrito testamentário (art. 1.649).

Noutros Códigos Civis, há o art. 688 do Código Civil espanhol (alínea 33:
“Los estranjeros podrán otorgar testamento ológrafo en su propio idioma”)
e o art. 3.641 do Código Civil argentino (“puede escribirse en cualquier
idioma”). No Código Civil alemão, o próprio testamento perante o juiz ou
notário pode ser feito por quem não saiba a língua alemã e os §§ 2.244 e
2.245 regulam a função do intérprete. Não ocorre o mesmo no Brasil.

A lei permite a língua estrangeira e já falamos da língua artificial. Não se


distinguem língua viva e língua morta.

É preciso que êle conheça, ou, pelo menos, possa verificar se os seus
pensamentos foram precisamente concebidos na língua morta, estrangeira,
ou artificial. É pressunosto de ordem subjetiva, intrínseca. Se não o
exigirmos, pode o testador dizer o que não quis, no copiar o texto que lhe
traduziram. Daí afirmarem alguns (e.g., WALTIIER
BROCK, „77 s.; F. RI‟i‟GEN, em O PLANCE, Biirgerliches Gesetzbuch, §
2.238, nota 5; contra, 1-1. JASTROW, Formularbuch und Notariatsrecht,
1, 176) que o disponente precisa poder conceber, na língua empregada, os
seus pensamentos, ou conferir com o que pensou o que se traduziu (EMIL
JACOBY, Das eigenhttnditie Testament, 40).

Mas a nulidade, aí, não é formal: é de declaração. O juiz não pode decretá-
la de ofício, salvo se do texto consta que o testador não sabia a língua e
confiou em alguém, que traduzisse as suas últimas vontades. Ter-se-á
tornado vicio externo, porém não no era. Exemplo: “e termino o meu
testamento, redigido em grego, que eu não sei; mas dei a minuta a J., que o
verteu para aquela língua e eu copiei”. A diferença que resulta de se ter
extrinsecado, mas não ser, ordinâriamente, requisito formal, é de eventuais
conseqúências práticas, e pó-mo-lo em relêvo, tanto mais quanto a doutrina
passa sêbre o assunto das línguas estranhas sem ferir êste ponto, que éde
importância.

§ 5.898. Direito intertemporal e testamento particular

1. TEMPO E FORMA. No tempo, as leis regem, quanto à forma, todos os


atos que na sua vigência se perfizeram.

Perfeito o ato, a lei posterior não o fere.

imprime l‟authenticité à la date qu‟il donne à son testament; qu‟au surpius,


la force des choses conduirait seule à cette conséquence; qu‟en effet,
lorsqu‟une personfle a laissé plusleura testamenta, si leur date ne faisait pas
foi par elie-même, auquel de ces différents actes attribuerait-on
1‟authenticité?”.

No direito civil brasileiro, que não exige a data, se esta foi aposta, há de
presumir-se verdadeira. Nem seria de aceitar-se presunção de fraude à lei.
Se o testador, por exemplo, antedatou ou pós-datou para fraudar as regras
jurídicas sôbre capacidade, provado isto, não seria de admitir-se que
permanecesse a eficácia presuntiva. O que é em fraude da lei cai por
nulidade. Em têrmos gerais, será admitido à prova da falsidade do datar
quem quer que nisso seja interessado: os herdeiros legítimos que foram
citados para o processo de publicação, o próprio herdeiro instituido ou o
legatário que, por exemplo, no caso de dois ou mais testamentos, um dos
quais revoga parcialmente o outro, tiver interêsse em provar que a data de
um foi aposta por mão de outrem. Pode ter ocorrido coaçao, não na feitura
do testamento, e sim na aposição postenor de uma data, caso que constitui
matéria de anulabilidade do elemento viciado e estranho ao que se dispôs
em ato com forma suficiente de testamento. Mas mudou-se de questão. Tal
caso é similar de outros, que poderiam ocorrer pelo êrro, ou pelo dolo.

Pela data é que se sabe se o testamento, que se examina, revoga outro


testamento. Sem datas, fica a investigações, às vêzes difíceis, a conclusão
sôbre os momentos em que foram concluídos. Tratando-se de testamentos
particulares, quando foram assinados, É aconselhável, portanto, que se date
o testamento particular, embora a lei não o repute requisito essencial. Passa-
se o mesmo a respeito do lugar em que foi assinado.

Se datado o testamento particular, exsurgem alguns problemas. Por


exemplo, há uma data no alto da página e outra no fim, antes das
assinaturas. Se aquela é anterior, o que se há de entender é que se iniciou
nela e se assinou na última. Se a primeira é posterior à da assinatura, o que
se pode supor é que o testador somente queria concluir o testamento na data
que pôs acima, mas inesperadamente teve de concluí-lo mais cedo, ou não
gastou o tempo que cria que gastaria.

§§ 5.889-5.591. PRECAUÇÃO E REQUISITOS

3. UNIDADE DO ATO, NO TESTAMENTO PARTICULAR. A lei


brasileira não inseriu nos textos o princípio da unidade do ato. Livrou-se do
romanismo formular, O que é essencial não deve exceder ao que está no
Código Civil, art. 1.645.

Demais, repugna à mentalidade de hoje tal exigência da unitas actus, nos


documentos particulares. A leitura continua, por si, sujeita, de regra, à
presença do testador e das testemunhas. Perante, diz o Código Civil.

Aliás, a tendência no direito dos nossos dias, é para dispensar testemunhas.


(O Código Civil, neste ponto, ficou com rigorismo obsoleto. E a leitura do
ato, simultânea, às cinco testemunhas, frisa-lhe o afêrro às velhas leis,
hostis aos atos testamentários de caráter privado.)

Uma das conseqúências de não se exigir unitas actus, ainda no Código Civil
alemão, que fala em designação de lugar e de data, é poder ser escrito aos
poucos o testamento, datando-o de cada dia o testador (WALTHER

BROCK, Das eigenliàndige Testament, 86; EMIL JAÇ-OBy, Das


eigenMndige Testament im BOI?., 28), sem contudo deixar desligadas as
fôlhas escritas (ligação que se faz pelo sentido, ou pela repetição da última
palavra, ou por outro meio).

No direito brasileiro, que tem a leitura, o que é de mister é que seja lido às
testemunhas (e interpretamos: ou elas leiam, -cada uma por sua vez, perante
as outras e o testador) e depois o assinem.

Se se exigisse a unitas actus, assinatura e data tinham de ser do mesmo dia;


mais do mesmo momento. Isto não se dá no próprio direito alemão, que fala
em data, nem no direito suíço, que chega a miúdeá-la. ~ A data é a do
momento em que o testador a escreve ou escreve e assina ou só assina? Os
juristas alemães dizem que só não é boa a primeira hipótese. Se o testador
escreveu e datou, deve, no dia de assinar, apor outra data (WILI-IELM

MANTEY, Das Erfordernis richtiger Datierung des holographischen


Testaments, Gruchots Beitráge, 648; EMIL

JACOBY, Das eigenhuindige Testament im 11011., 88). Mas revolta tanto


apriorismo. .~É possível cogitar de princípios rígidos em tal assunto, de
importância só eventual?

No meio de tudo isso, houve quem visse a verdade (ZIMMER, Das


eigenhãndige Testament nach dem rúrgerlichen Cumpre ainda advertir que
o Código Civil não conhece prescrição ou prazo preclusivo de testamento,
nem, no capítulo da revogação, cogitou da invalidação dos testamentos pela
falta de testemunhas instrumentárias. Ex hypothesi, nem se poderia cogitar
disso: com as formalidades do art. 1.645, ficou perfeito o ato; com a morte
do testador, nenhuma idéia de revogação poderia invocar-se. É preciso não
perdermos evolução que se operou entre GAIO e Justiniano: após êsse, e
com êsse, a validade depende da persistência expressa da vontade do
testador, ainda que da simples ruptura dos fios, se feita por êle. Neste caso,
o imperador diria testamentum non valere. Ao passo que, em idênticas
circunstâncias, GAIO digia: nihito minus inre civili valeat.

b)Testemunhas mortas, incapacitadas, ou desaparecidas antes da morte do


testador. Se bem que negotia perfecta os testamentos, no caso de um aviso
tão direto ao testador como é o do art. 1.648, não seria possivel afastar a
invalidação pela falta dos confirmantes instrumentais se dessa falta houve
conhecimento o testador.

Mas muda inteiramente de figura a questão se fica provado que o testador


não conheceu tais fatos ou era de presumir que os não conhecesse. Decidir
contra tal testamento que não oferece dúvidas, ou, se as havia, foram
plenamente afastadas pelos meios probatórios admitidos em direito, seria
sacrificar aquilo mesmo que as formas solenes quiseram plenamente
assegurar.

c)Testemunha que não confirma. Pode ocorrer que uma das testemunhas
não confirme a assinatura ou as disposições. É velha a discussão, e dela deu
conta P. MÍYLLER, em nota a G.A. STItUvE (S~ntagma iurisprudentiae, e.
34, t. 42) “Cum quis testis aperte suum sigilium negat, neque nunquam
apposuisse dicit, tunc testamentum suspectum redditur. Cum qul sinipliciter
non agnoscit sigillum; tunc si sit alienum, redditur suspectum, idem est,
cum praetenditur proprium, nou tamen apparet forma ita ut non possit
discerni. Cum apparet sígillum, tunc recognoscentis dubitatione exclusa,
praesumitur testamentum validum et non suspectum; ita ut potius
praesumatur pro sigillo quam pro negante”.

§ 5.896. FALTA DE TESTEMUNHAS

Ora, provado que a testemunha mente, que é sua, pelo exame pericial
(Código Civil espanhol, art. 691), a
assinatura que ela nega, e verdadeiros os fatos que procura inquinar de
falsos, tcomo fazer dependente de criminoso proceder de outrem a eficácia
de ato tão relevante corro o testamento? Se nega, e não há prova contrária,
nem circunstâncias apredáveis, então, sim, não pode ser confirmado
(MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Coleção das Disserta çôes, 100).
Em todo o caso, deve o juiz mandar cumprir o testamento se, no caso de
igualdade de elementos probatórios ou de inexistência dêles, três
testemunhas das cinco, contra duas, o confirmarem, ou, ainda no caso do
art. 1.648, se houver o depoimento respeitável de uma e as duas outras
forem convencidas de falso.

d)Morte simultânea do testador e das testemunhas. Vale o mesmo se


falecidos, sem se poder averiguar quem morreu primeiro (Código Civil, art.
11). Tal disponente estava seguro do seu testamento. Não era de presumir-
se, nem provável, que falecessem êle e as testemunhas na mesma vez.
linfirmar o seu ato perfeito, com que êle contava, em reverência a texto
escrito, obsoleto na sua técnica, fôra sancionar a injustiça.

e>Solução global. Nos casos especiais que apontamos em b) e c),


exemplificativos, se o juiz está convencido, deve mandar cumprir o
testamento. Tudo deixa de aconselhar-lhe isso se o testador sabia da falta
das testemunhas.

Então, se bem que devamos estar sempre vigilantes no respeito das


vontades dos testadores, omnimodo testatorum voluntatibus próspici ent es,
tal zêlo perde a razão de ser, porque a vontade negativa também é vontade e
o mesmo merece que a positiva.

São meios probatórios, para a convicção do juiz, todos os que a lei admite
(Código Civil, art. 136), inclusive o depoimento dos herdeiros legítimos não
contemplados, a que não se pode, em sã consciência, negar forte valia.

As distinções, a que se procedeu, são tanto mais necessárias quanto a dura


aplicação, contra a vontade do testador, teria o gravíssimo efeito de deixar
que operasse a regra do art. 1.748: ~ficar em vigor o testamento anterior,
que o particular revogou! Pense-se nas consequências da interpretação
gramatical dos dois artigos, e notem-se os males que dela adviriam.

5.892. REQUISITOS FORMAIS

Gesetzbuch fúr das Deutschen Reich, Archiv fúr Bhirgerliches Reeht, 24, 17
s.). O testamento datado, assinado, fica completo, perfeito, quando (no
direito alemão, já se vê), se juntam as três formalidades escrita, data e
assinatura.

Se o testador datou, assinou, e depois encheu as páginas, desde o momento


em que o encheu está perfeito. Se o escreveu e assinou, deixando em branco
a data, desde que lhe insira a designação de dia, mês e ano, ou só dia e mês,
se já inserira oano. ~ Como se dizer no direito alemão que não foi
verdadeira a data?

Volvamos ao direito brasileiro. Se o testador datar o testamento, ~deve lê-


lo, nesta data, às testemunhas? Se o não-fizer? Não se pode decidir a priori
contra tal testamento, O que é essencial é que as testemunhas o tenham
ouvido.

Se, eventualmente, fôr essencial a data, decide-se de acôrdo com as


circunstâncias.

§ 5.891. Requisito intrínseco da aptidão para fazer testamento particular


1.VEDAÇÕES. No Código Civil, os arts. 1.633, 1.635 -1.637, 1.641 e
1.642 cogitam das aptidões para os testamentos públicos e cerrados. Só o
art. 1.637 é concebido em teor excludente das outras formas testamentárias,
mas há os casos do-cego-surdo e do cego-mudo, que ficariam irresolvidos.

Não podem fazê-lo: a) o analfabeto; b) aquele a quem a sua lei pessoal


proiba; c) quem não pode escrever e assinar.

A capacidade para testar há de existir quando o testador e as testemunhas


assinam. Assim, o testamento hológraf o, que foi escrito pelo testador
quando era incapaz e é por êle assinado quando se tornou capaz, é válido. A
capacidade das testemunhas há de existir no momento em que se lê, perante
elas, o testamento, e no momento em que assinam. A diferença, em relação
ao testador, está em que não precisa êle ouvir leitura do testamento que
escreveu, ao passo que é requisito essencial do testamento hológrafo a
leitura perante as testemunhas.

O mudo, o surdo-mudo, ou o que perdeu a fala, pode fazer testamento


hológrafo. Incide o art. 1.645, III, do Código Civil, que fala de ser lido o
testamento particular “perante as testemunhas”, sem dizer quem o há de ler.
Pode lê-lo qualquer das.

testemunhas, ou por outra pessoa, como pode ser lido pelo próprio testador.

2. HOLOGRAFIA. A holografia faz os limites à aptidão. Ficaria a leitura,


mas o art. 1.645, III, precisa ser interpretado.

De qualquer modo, os requisitos formais é que dão à lei as regras jurídicas


de aptidão. A questão fica devolvida aos textos sôbre requisitos formais,
que devem ser interpretados.

§ 5.892. Requisitos formais (essenciais) do testamento particular

1.DIREITO -COCERNENTE E INTERPRETAÇÃO. São requisitosde lei


de forma, mas as leis de forma também se interpretam. Lis cogens não quer
dizer lei que se deva aplicar gramaticalmente, com todas as durezas da
inadaptação às realidades, a que se vão aplicar, insensível o juiz aos
princípios superiores de direito. Já vimos que as leis de forma, como todas
as leis, inclusive as constitucionais, precisam que se lhes revelem o-
conteúdo e o alcance. Dizer que são imperativas não quer dizer que se
devam adequar, desajeitadamente, aos fatos da vida,.

perturbando-a em vez de regrá-la, ou levando ao domínio do direito


inflexibilidades injustas e despóticas, que lhe vêm do-coeficiente político.

2.PRIMEIRO REQUISITO FORMAL. Primeiro requisito formal essencial:


holografia. Entenda-se: holografia das disposições testamentárias e holograf
ia da assinatura. Donde cíndir-se o requisito.
8.HOLOGRAFIA DAS POSIÇÕES TESTAMENTARIAS. Na parte de
estudo geral das formas (Tomo LVIII), disse-se o que-seja suficiente sôbre a
holograf ia. Não se trata de escrita necessâriamente com a mão: é um
requisito de dermograf ia, ainda nos países em que as leis empregam
palavras como de próprio punho, da própria nuto. Sabidos tais princípios
gerais da hologra fia, só nos interessa o caso do testamento particular, e
êsteexige: a) que o testador não tenha colaborado com outro na feitura, isto
é, que o tivesse escrito todo, e não parte: seria 4.NATUREZA DAS DUAS
REGRAS JURÍDICAS. 0s artigos

1.647 e 1.648 do Código Civil são de forma probatória. Ê dever do juiz


reputá-los tais. Por outro lado, acreditava o legislador que o disponente,
sabendo da morte, da ausência, ou da incapacidade da testemunha, fizesse
outro testamento. Era compreensível que supusesse isso. Mas essa
suposição pode falhar: a)Três ou mais testemunhas, após a morte e antes da
apresentação do testamento para publicar-se, morrem, enlouquecem,
ausentam-se para lugar não sabido, ou surdo-emudecem, de modo a não
poderem depor.

b) Três ou mais testemunhas morrem, tornam-se incapazes, ou


desaparecem, ainda em vida do testador, sem que êsse saiba. Pressupomos
que se prove ter morrido êle na convicção de que nada disso ocorrera.

c) Três ou mais testemunhas, peitadas pelos interessados no não-


cumprimento do ato testamentário, depõem contra o próprio ato que
firmaram. Muitas vêzes, o direito cede àsugestão moral, corrigindo o abuso
do poder da legislação, do fenômeno político; aqui, se prevalecesse o falso
testemunho, com a ajuda da lei de forma que o art.

1.648 consagra, teríamos a imoralidade (o que é absurdo) prevalecendo


contra o direito no dominio déste.

Ora, a perfectibilidade da adaptação social global está na crescente redução


do conflito entre o texto e o que devia ser, entre o escrito na lei e a regra
jurídica não descoberta pelo legislador na sua insuficiência de ciência e de

técnica.
Aos casos principais que apontamos acrescentaremos outro, pelo caráter
especial que o extrema dos demais.

d) Morte simultânea do testador e das testemunhas no mesmo navio, no


mesmo trem, no mesmo avião, ou em lugares diversos.

Em qualquer dos casos que sugerimos, feita a prova de que o testador não
teve conhecimento do golpe no seu ato testamentário, impõe-se o
cumprimento do testamento particular.

O testemunho não é prova insuprível, e não deve, nem pode a lei, criar
injunções contra a realidade das coisas.

5.SOLUÇÀO DAS QUESTÕES. Ver-se-á que a delicadeza do problema


constitui séria crítica ao sistema do Código Civil.

§ 5.896. FALTA DE TESTEMUNHAS

Mas é frutífera a solução, por invocar os princípios superiores de direito.

a) As testemunhas morrem ou faltam após a morte do testador. Se somente


duas morreram, enlouqueceram, ficaram surdo-mudas, ou se ausentaram
para lugar não sabido, o texto legal basta: o juiz pode mandar cumprir,
satisfazendo-se com as afirmativas das três.

~ Quid iuris, se a morte, incapacidade ou ausência ocorre. a três ou mais?

O testador não podia prever. Não será possivel atribuir qualquer culpa ao
testador e a solução negativa resolveria, duramente, contra a própria
suposição dêste de ter morrido com testamento válido. Por outro lado, o
próprio juiz pode estar plenamente convencido da verdade do escrito e da
observância instrumental das formas solenes do art.

1.645. Ainda mais: pode ser apresentante o único interessado na nulidade, o


herdeiro legítimo. Ou que todos os herdeiros legítimos reputem valioso,
expressão exata e indiscutível da vontade do testador tudo aquilo que no
escrito se insere.
Seria ofensivo à verdade, à realidade perceptível das coisas, dar ao
testemunho o caráter de prova insuprível.

Também entre os romanos iure civili continuava válido o testamento cujo


fio foi cortado, ou o linum que unia as tábuas. Nem por isso deixou o Pretor
de introduzir a distinção: incisões feitas por terceiro, ou fortuitas, e incisões
de própria vontade do testador (L. 1, § 9, D., de bonorum possessione
secundum tabulas, 87, 11). Iguais atitudes tomou êle em certos casos de
testamentos ruptum e irritum. E ia além a L. 21, C., de testamentis:
quemadmodum testamenta ordinantur, 6, 28, relativa a escrituras
imperfeitas, caso, bem se vê, de forma solene, e não de forma probatória,
pôsto que a solução fôsse por um favor: “licet imperfecta videatur scriptura
posterior, infirmato priore testamento secundam eius voluntatem non quasi
testamentum, sed quasi voluntatem intestati valere sancímus”. No caso da
dita L. 21, § 5 a, fala-se em juramento de cinco testemunhas <em vez das
sete instrumentárias), de modo que se tratava, não da intervenção no ato,
mas de juramento das disposições, conforme explicaram os glosadores e
GUSTAXT LUDOv. THEOD. MAREZOLL. fora de propósito a invocação
do -nau vitiatur utile per mutile, pois o testador tinha, na lei, uma exigência
formal de feitura sôzinho, isto é, sem que outrem escreva palavras ou
frases; b) que exista ligação material ou intelectual de papel, de silabas ou
de palavras, ou então, de sentido entre as diferentes fôlhas do testamento.

No direito brasileiro, todo o testamento hológrafo há de ser escrito pelo


testador. Nenhuma palavra pode ser escrita por outrem. Isso não significa
que alguém não possa ajudar o testador, que é ou está trêmulo, a manter-se
em posição de poder escrever, ou o testador que enxerga mal a pôr a caneta
no comêço de cada linha, ou pôr diante dos olhos do testador o vidro
suficiente para ver onde há de escrever. Se, em verdade, a despeito dos
movimentos da mão do testador, não foi êle quem escreveu o testamento,
dêle não é a escrita.

Frequentemente, os testadores fazem, antes, minutas ou pedem a outrem,


que as faça, conforme o que exprimem, oral-mente, ou através de dados
escritos, de vontade testamentária. Nada obsta que copiem, exatamente ou
com alterações, aquilo que lhes serve de base. Compreende-se que
testadores mostrem, escritas a mão, ou a máquina, ou por mão de outrem, o
que reputam ser a sua vontade, e peçam que alguém o corrija, ou esclareça,
ou ponhaz em têrmos jurídicos adequados.

Não importa qual a parte do corpo com que o testador costuma (ou somente
pode escrever), O testamento tem de ser escrito e assinado pelo testador. A
lei não foi além disso. Não disse, sequer, que a escrita e a assinatura têm de
ser “do próprio punho”, ou “a mão”. A fortiori, não se referiu a qual das
mãos, O canhoto usa a mão esê~uerda, ou pode usar as duas. O aleijado que
aprendeu a escrever com o pé, pode escrever e assinar, com o pé, ou com os
pés, o testamento particular. Quem escreve com o braço, por faltar-lhe a
mão, com aparelho que lhe sirva para mover a pena, pode testar
hologrâficamente. Quem usa a mão direita (ou a esquerda) há de evitar
escrever com a outra mão se a grafia é diferente. O que importa é
autenticidade da escrita e da assinatura, e para isso é necessária que não se
criem suspeitas.

O manuscrito é a regra; mas a escrita com outro órgão que a mão, se é o que
o testador emprega, é elemento suficiente. Não assina qualquer máquina de
escrever, chancela, carimbo, tipo de imprensa.

Se o testamento não foi escrito pelo testador, não há ratificabilidade por


ulterior declaração do testador no mesmo papel e com a assinatura dêle. A
escrita pelo testador há de ser de todo o testamento particular, conforme os
hábitos de grafia. Se o testador tem letra que parece de imprensa, com
elementos diferenciais, de modo que essa é a sua letra, pode testar como
sempre escreve, a despeito da excentricidade. Ai, o testador fêz seu o que
em geral só se emprega em tipografia ou em máquina de escrever. Supõem-
se, portanto, a facilidade, a exatidão e a indubitabilidade da perícia que
adviesse.

Otestador não precisa dizer no testamento que foi por êle escrito e que o
assina.

Saiba, ou não, a língua portuguêsa, pode êle empregar outra língua, desde
que as testemunhas a compreendam, quando lhes seja lido o testamento, O
alfabeto pode ser o latino, o gótico, o grego, o chinês, o hebraico, o japonês,
o do cego (se o testador vê, porque cego não pode fazer testamento
particular) e a estenografia, se é o que o testador usa.

Os caracteres hão de ser inteligíveis, porém só a completa ininteligibilidade


das disposições torna imprestável o testamento particular.

Opapel ou qualquer outro material (e.g., pergaminho, fazenda, madeira em


que se possa escrever) há de ser conservável. Nada impede que o
testamento particular seja escrito em caderno de notas, ou em diário do
testador ou de outrem, em página ou páginas em branco de livro impresso
ou livro dactilografado ou fotocopiado, ou como se fôsse carta, se está
afastada a suspeita de se tratar de simples carta.

À tinta só se exige a permanência (e.g., lápis-tinta), O que é recomendável é


que não se empregue substância de fácil apagamento. Circunstâncias
excepcionais, como a da prisão incomunicável do testador, podem justificar
a escrita com carvão, com giz, ou outro ingrediente, em couro de tapête, ou
na parede, ou na vidraça, ou na porta, onde as testemunhas Possam ver e o
testador ou alguma das testemunhas ou outra pessoa possa ler, e testador e
testemunhas possam assinar.

das testemunhas, por morte ou ausência em lugar não sabido, o testamento


pode ser confirmado, se as três restantes forem contestes, nos termos do
artigo precedente”.

2.DIREITO ANTERIOR. Eram seis as testemunhas, admitia-se a assinatura


a rôgo, hoje abolida no testamento particular; e fazia-se a publicação com a
citação dos interessados, citatis illis quorum interest.

No direito anterior, muito se discutia se, morta ou em lugar não sabido


alguma testemunha, poderia valer o testamento com a confirmação das
vivas, e reconhecimento das assinaturas dos defuntos. Se bem conhecemos
a história das formas do testamento particular, certo se sabe que muito tinha
do nuncupativo e muito dos outros.
Compreende-se que alguns autores raciocinassem com as reminiscências da
nuncupação e outros, de espírito mais aberto à vida, quisessem menos
precária a condição da cédula hológrafa. Por isso, PASCOAL JOSE DE
MELO

FREIRE (Íris titutiones furis Civilis Lu.sitani, Livro III. Título V, § 10),
estribado em SAMUEL STRYK (Usus moderni pandectarum specimen, L.
29,111, § 4), G.L. BOERMER (§ 85) e talvez G. A. STRUVE (Syntagma,
84, t.

42), reputaram válido o testamento com as testemunhas restantes. Contra:


MELCHIOR FEnO (Decisiones Senatzís Regni Lusitanae, d. 75),
DOMINGOS ANTUNES PORTUGAL (Tractatus de Donationibus, L. 8, c.
16, ns. 11 e 12), JoXo ROURIGUES CORDEIRO (Dubitationes Juris iii
foro frequentes, d. 4, n. 80> e MANUEL DE

ALMEIDA E SOUSA (CoIe$o de Disserta cões .Turidico-práticas, 98).


Juristas franceses, depois de ANTÔNIO

GOMES (In Leges Tauri Commentaria, L. 8, n. 48), ressalvavam, sem


razão, o caso de ser escrito pelo tabelião.

Tal intervenção acidental não poderia atuar como exceção ao principio.

Hoje, o Código Civil admite que, das cinco testemunhas, duas faltem,
critério quantitativo que resolve sem optar por uma ou outra corrente
doutrinária. Por isso mesmo, há questões antigas que ainda ficam.

~ Se duas faltam e das três restantes uma leva o testamento ao juiz e morre
antes de depor? Em têrmos mais gerais,

~ se, depois da morte do testador, e antes de depor, morre uma das


testemunhas? ,Se das cinco testemunhas, ou das três restantes, uma nega a
assinatura ou alguma das cláusulas testamentárias? Invalidar por tais
motivos o ato que é a própria vontade do testador, fôra devolver a outros, e
não aos que êle queria, o patrimônio testado. Das questões referidas, não só
a terceira merece tratar-se à parte. Na confirmação, é impossível negar-se ao
juiz a apreciação das circunstâncias. Mas, por método, discutamos o geral
antes de descermos aos casos especiais.

8.DADoS GERAIS PARA A SOLUÇÃO DAS QUESTOES. A despeito do


tardio formalismo do Código Civil, arts. 1.647 e 1.648, é irrecusável que a
lei não pôs no mesmo plano os requisitos instrumentais do art. 1.645 e os
requisitos probatórios daquelas regras jurídicas. A primeira aquisição
cientifica, que podemos invocar contra a equiparação dêles, consiste na
perfeição do ato testamentário: o Código Civil não acolheu a teoria de C .
E. A.

KÓPPEN (Der obligatorische Vertrag unter Abwesenden, .Jherings


Jahrbiicher, 11, 158), nem a de E . R.

BIERLINO (Juristisefle prinzipienlehren, II, 267), quer dizer, para o


Código Civil, o testamento é perfeito desde que se faz, e não pela morte,
nem pela publicação. Ainda instrumento particular, êle se consumou com a
assinatura do testador e das testemunhas: lei nova não no atinge,
incapacidade superveniente não no invalida.

No Código Civil, art. 1.648, substitui-se o qualificativo pelo quantitativo


(RUDOLE VON JHERING, Der Besitzwiile, 147--150; Geist des
rõmische‟n Rechts, 1, 58 s.; PONTES DE MIRANDA, Sistema, 1, 484; II,
246-248). Mas o meio traiu o fim: a interpretação estrita, literal, tem o
grave resultado de matar ato de extraordinária importância, como é o
testamento, seriu culpa e contra a vontade provada do testador. Então, o
artifício, que tinha por fito proteger a testamentifação, passa a constituir
injunção contrária à justiça. Nessa discordância entre o meio e o fim, a
inércia do juiz pode ser indefensável, pode, mesmo, ser felonia à sua
missão. LIe não é instrumento de imposição, mas instrumento do direito, e
o conflito entre o texto imperfeito e as realidades que compõem a situação
jurídica deve resolver-se segundo o direito, e não pela capitulação diante da
letra injusta.

O testador escreve com a ortografia que entende (talvez a que consta da


minuta feita por outrem, ou por outrem cor-rígida). Não importam os
alinhamentos, nem as separações concernentes às disposições, nem os erros
ortográficos, nem trocas de letras (às vêzes, devido ao estado nervoso do
testador). Os números podem ser em algarismos, mesmo romanos, ou
escritos por extenso. As corrigendas, acréscimos e cancelamentos somente
precisam ser ressalvados se entrelinhados, ou super-postos; e antes da
assinatura hão de estar todos. Se vêm após a assinatura do testador, tem êsse
de assinar de nôvo (cf. L. 11, § 8, C., de his quibus zd indignis auf eruntur
et ad senatus consultum silanianum, 6, 85: “nihil etenim actum esse
credimus, dum aliquid addendum superest”. Nada se tem como inserto no
ato se algo resta para se acrescentar. Se as testemunhas já haviam assinado,
também elas têm de reassinar.

Quaisquer acréscimos ou correções, se feitos em separado, têm de compor


outro testamento particular, com todos os requisitos essenciais. Nada obsta
a que se insiram em testamento cerrado, ou público.

Se o testamento particular que se fizera é válido, e não no é o acréscimo, ou


a correção, a invalidade não se estende.

Dá-se o mesmo se inválido q testamento particular anterior e válido o que


se acrescentou ou contém correção.

Têdavia, para que tenha eficácia o acréscimo ou correção, em testamento


postenor, é preciso que o conteúdo possa ser a vontade do testador, a
despeito da invalidade do texto a que se fêz o aditamento ou a correção.
Para isso, um dos pressupostos é a independência do que é válido. O que
mais acontece é o aumento ou a emenda ser ineficaz, por supor a eficácia do
que recebeu o aditamento ou do que foi corrigido. A correção independente
é substituição. Se a amplificação ou correção foi obra de outrem, com
assentimento do testador, e ainda não houvera assinatura do testador e das
testemunhas, todo o testamento particular énulo. Se já havia as assinaturas e
ao pós-escrito se acrescentaram novas assinaturas, nulo é êsse, e não o
testamento particular. Também nulo seria o pós-escrito se foi feito à revelia
do testador, mas, rigorosamente, aí, não existe aditamento ou correção.
Nulidade só haveria se o testador e as testemunhas o assinassem, porque, à
revelia ou não, faltaria a holograf ia.
Se o testador ressalvou a intromissão da letra de terceiro, a ressalva é
inoperante. Repila-se a opinião daqueles que sustentam ser nulo, então, todo
o testamento particular se a intromissão foi após a assinatura pelo test ador
e pelas testemunhas.

Se, ao escrever o testamento particular, o testador usou papel em que já


havia escritos, ou dactilografia, mas não há confusão resultante da
proximidade, o que êle escreveu como testamento particular e foi por êle e
pelas testemunhas assinado, é incólume a alegações de invalidade.

A assinatura é no fim da página, ou da última página, sem ser preciso


rubrica. As testemunhas assinam depois da assinatura do testador.

4. QUESTõES QUE SURGEM. a) Se o testador escreveu todo o


testamento, e depois, com a sua letra, acrescentou, entre linhas, valem se
foram realmente suas, e se, neste aditamento, não houve incapacidade ou
vício de vontade. (Se, na ocasião do acréscimo estava, por exemplo, fora do
seu juízo perfeito, ou se houve coação, pode ser proposta a ação de
invalidade só para esta parte, utile per mutile nou vitiatur.) b) Se, escrito
todo, os acrescentos foram de outrem: o ato estava perfeito, e tal
intervenção, contra a vontade do testador, é inoperante.

c) Se a parte escrita por outrem, com o consentimento do testador, não é


essencial? Há escritores que não distinguem, outros que se desinteressam,
inteiramente, da questão, em. tranquilidade bem pouco científica e prenhe
de injustiças.

De um lado, vemos a E. ENDEMANN <Das Testament im Briefe,


Deutsche Juristen-Zeitung, 21, 82 s., e Lehrbuch des Biirgerlichen Rechts,
III, § 87, 285), com a dureza de: absoluta holograf ia, qualquer, e por
mínima que seja a inter-venção de outrem, G. FROMMHOLD (Erbrecht
des SOB., nota: 2.~, WALTHER BItOCK (Das eigenhãndige Testament, 75
s.),, GUSTAv MÀaKni (fie Nachlassbehandlung, 89).

Porém, de outro lado KONRAD COSACK (Lehrbuch des Deutschen b-


úrgerlichen Rechts, II, § 881, 711), que reclamava, para as espécies, o
exame das circunstâncias, a R. WILKE (Erbrecht,. nota 4 e), Ii.
NEUMANN

(Handsaus gabe des BOS., nota 2 b) e F. RITGEN, em G. PLANCK


(Búrgerliches Gesetzbuch, V, 48S) –

§ 5.595. CUMPRA-SE DO TESTAMENTO

De qualquer modo, ao que alega incumbe a prova. Pode alegá-lo o órgão do


Ministério Público, o Procurador da Fazenda, ou quem é herdeiro legítimo.

Se ninguém alegou no prazo que a lei processual fixou, -só a ação de


nulidade pode ser proposta.

Se ninguém impugnou, mas parece ao juiz que se não trata de testamento


escrito e assinado pelo testador?

tDevemos admitir que o juiz, na sentença com que o há de mandar cumprir,


possa converter em diligência o julgamento para os exames que se façam
precisos?

A práxe dos juizes brasileiros é ordenar-se, em qualquer tempo, nos


processos de testamento ou de inventário, que se reconheçam os escritos
que foram juntos. Mas, a conversão em diligência, poderia, eventualmente,
ser perigosa: não reconhecido o escrito, seria inútil a providência, ou o juiz
levaria a negar o cumpra-se, sem o rito processual devido. Melhor será que
se ordenem tais providências na fase das impuguaçóes e das provas.

~5.895. Cumpra-se do testamento hológrafo

1. TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.647 do Código Civil: “Se as testemunhas


forem contestes sôbre o fato da disposição, ou, ao menos, sôbre a sua leitura
perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do
testador, será confirmado o testamento”.

Cf. Projeto primitivo, art. 1.815: “Se as testemunhas forem acordes sôbre a
fatura do testamento e se reconhecerem as suas próprias assinaturas assim
como a do disponente, o juiz confirmará o testamento”; Projeto revisto, art.

1.984:

“Se as testemunhas forem contestes sôbre o fato da disposição, ou ao menos


sôbre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas
ou sinais, assim como a do testador, será confirmado o testamento”.

2. VERIFICAÇÀO JUDICIAL DO TESTAMENTO HOLÓGRAFO. A


solenidade da publicação, com citação dos herdeiros legítimos (Código
Civil, art. 1.646), a que se reduzem, hoje, aqueles a quem interessa,
constitui formalidade essencial para se cumprirem os testamentos
particulares. São momentos da publicação: citação dos herdeiros legitimos,
leitura em juízo, citação das testemunhas, para que o reconheçam e as
assinaturas que apuseram. Só assim adquirem fé; se as testemunhas vivas
(três hão de o ser, para que atue, cf. art.

1.648) não foram contestes, tnão se confirmará? No fundo, é o velho direito


do nuncupativo de que falou G. L.

BOERMER: solemms apertura fit in testamentis mere privatis, auctoritate


ludícis, ut hac ipsa publicam fidem accipiant. Fit haec publicatio: 1.0
Coram ludice quocum que: 2.0 Praecedente aliquali cognotione: 3.~ Citatis
testibus ut subseriptiones et sigilia sua reeognoseant. Si sigilia a testibus
viventibus nou recognoscantu‟c, tabulae fiunt sus pectae, invalidae que.

Adiante, a propósito do art. 1.648, versaremos o assunto, que não pode ter
solução a priori, ou puramente gramatical.

3.INTERPRETAÇAO DO TEXTO LEGAL. O Código Civil, art. 1.647,


deve ser entendido como suficiente, e não, a priori, como necessário. No
fundo, o que êle diz e o que os princípios superiores de direitos permitem
que nele leiamos é bastar ao processo da publicação serem contestes pelo
menos sôbre a leitura perante elas, e reconhecidas, por elas, as assinaturas
próprias e a do testador.
Aliás, a lei não diz “só se confirmará”, mas “será confirmado o testamento”.
Seria a lei contra o direito, lei injusta, talvez imoral (portanto, inaplicável),
se permitisse que a testemunha, subornada, ou que, por outro qualquer
modo, depõe falsamente, constituísse elemento de invalidação de ato tão
importante quanto o testamento. -

§ 5.896. Falta de testemunhas

1. TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.643 do Código Civil: “Faltando até duas
das testemunhas, por morte, ou ausência em lugar não sabido, o testamento
pode ser confirmado, se as três restantes forem contestes, nos têrmos do
artigo antecedente”. Cf. Projeto primitivo, art. 1.816: “Faltando até duas das
testemunhas por morte, ou ausência em lugar não sabido, o testamento
poderá receber a confirmação judiciária, se as três restantes forem acordes
segundo o preceituado no artigo antecedente”; Projeto revisto, ad. 1.985:
“Faltando até duas Exemplos: o testador escreveu o testamento e, depois,
disse ao seu filho: escreva no fim o seguinte “estive presente à feitura do
testamento de meu pai, A”, ou, sem o pai lhe dizer, ou dizendo-lho, “meu
pai pediu que só apresentasse o testamento oito dias depois da morte dêle”.
Mais: com a letra de outrem, à margem, “a casa a que papai se refere
mudou de número, era 41 e hoje é 5, nota que escrevi à vista dêle”. Claro
que ao juiz ficará a apreciação da veracidade de tal mudança e de modo
nenhum o escrito por mão de outrem poderá ainda quando consentido pelo
testador mudar o objeto da disposição de última vontade, restringi-to ou
aumentá-lo.

A opinião de F. ENDEMANN, G. FROMMIIOLD e de muitos outros


escritores franceses e italianos é contra os princípios superiores de direito:
não deve ser aceita. No Brasil, sempre que se tiver de decidir sôbre isso,
devem os juizes, quer quanto aos testamentos brasileiros, quer quanto aos
estrangeiros, distinguir a intervenção que toca ao essencial e a intervenção
que não pode escapar ao princípio do utile per mutile non vitiatur.

Vejamos outros pontos que possivelmente interessam o testamento


particular. -
O teor do testamento constitui levissima solennitas. O disponente tem
liberdade de escolher, e daí a ingenuidade dos formulários. Nem se exige a
subscrição de cada página, ou a rubrica em cima, se as junturas fazem
sentido contínuo (WALTHER BROCK, Das cigenhandige Testament, 38;
A. WEISSLER, Das deutsche Naehlassverfahren, 158), ou o disponente as
marca pelos meios usuais (por exemplo, repetição da última palavra da
página anterior).

Se ocorrer apresentar o testamento alguma coisa escrita a máquina,


resolver-se-á como se fôsse escrito por mão de outrem. Não assim, se parte
com os caracteres ordinários e parte em estenogramas, ou caracteres de
outra língua, desde que se possa verificar a procedência holográfica. O que
- em tudo isto importa é a individualidade do testador, o traço característico,
suscetível de revelar-se num ou noutro meio de escrita.

5. TESTAMENTO ESCRITO COM CARACTERES SECRETOS.

O testamento escrito em caracteres secretos vale (EMIL JAcowz, Das


eigenlu‟índige Testament im SOB., 40). Não só se satisfaz os requisitos, que
apontamos, para a sua inteligibilidade (cp. JOHNEN, Die Wacht, Zeitsehrift
fiir Stenographie, 300, 469).

É preciso que fiquem os traços característicos da escrita do testador. A


concessão da língua secreta ou dos alfabetos secretos não pode ir ao ponto
de prejudicar o requisito essencial da dermograf ia, da personalidade do
escrito, que deriva da exigência de ser hológrafo o testamento. Ocorre o
mesmo, se usou de estenogramas.

Escusado é dizer que as circunstâncias subjetivas ou objetivas devem


afastar a pecha da não-seriedade. Quer se trate de caracteres, de línguas,
quer de material escolhido pelo testador (WALTHER BROGE, Das eigenh-
iindige Testameni, 77; EMIL STROIIAL, Das deutsche Krbreeht, 104).

Se o testador usou de abreviação, deixou, com isto, um certo trabalho à


leitura do testamento, mas o ato vale, e não seria justo, pela
ininteligibilidade de uma cláusula, invalidar o todo. Éste assunto, aliás,
mais pertence ao assunto do artigo 1.666, donde se anuncia o princípio de
se considerar não-escrito o inútil separável.

6.HOLOGRAFIA DA ASSINATURA. O essencial sôbre isto já foi dito.


Mas cumpre advertir que, no testamento hológrafo, a natureza das coisas
recomenda menos rigor do que no testamento público ou no cerrado alógraf
o, nestes, o único indício extrínseco da individualidade do testador é a
assinatura, ao passo que no testamento hológrafo houve frases inteiras~
talvez fôlhas completas, com a escrita cursiva do testador. Naqueles, há a fé
pública dos oficiais públicos, mas na ação-de nulidade, em que se discuta e
se negue a própria assinatura do testador esta ficará desacompanhada de
outros indícios hologêneos para os exames periciais.

Desta consideração resultam soluções como as que se vao citar e podem


servir de exemplos, assaz significativos, à decisão dos juizes. No testamento
em carta, que seja, realmente, testamento, ou sem ser em carta, a doutrina
alemã considera suficiente o prenome dos príncipes e das autoridades
católicas.

À e assim devemos entender uma das suas acerbas censuras aos vigários e à
Igreja de outrora. Porém nem ela nem as Ordenaçóes Afonsinas poderiam
conter o absurdo do art. 1.648 do Código Civil brasileiro, inserto por
inovações de CLóvís BEvILÁQUA, art. 1.816 (cp. Código Civil mexicano,
arts. 3.545 e 8.546).

O que se pode alegar é o “segundo forma de Direito”, que seria o romano.


Mas: a) a Novela Valentiniana, III, 20, 2, 1 (si holographa manu testamenta
condantur, testes necessarios non putamos) não passou ao direito de
Justiniano; b) a formalidade que se queria concernia à nuncupatividade, de
modo que só se referia ao testamento sem tabulae. Aliás, seria péssima
interpretação entender-se aplicado ao feito pelo testador o que só se referia
ao testamento nuncupativo.

4.CITAÇÃO DOS HERDEIROS LEGITíMOS. O Código Civil manda que


se citem os herdeiros legítimos.
Convém seguir, no tempo, a regra ainda hoje inserta em lei. ~ Por que
somente os herdeiros legítimos?

Nas Ordenações Afonsinas (Livro IV, Título 103, § 2), mandava-se: “e em


esse caso, a saber, quando for feito pelo testador, ou per alguma outra
privada pessoa, sem teer estormento pruvico nas costas, deve tal testamento
seer poblicado despois da morte do testador per autoridade de Justiça e
chamadas as partes, a que perteeneer, segundo forma de direito”. Alusão
ao direito romano. As Ordenações Manuelinas (Livro IV, Título 76, § 3)
copiaram o texto. O mesmo fizeram as Ordenações Filipinas (Livro IV,
Título 80, § 3).

PASCOAL J-osÊ DE MELO FREIRE (Institutiones luris Civilis Lusitani,


Livro III, Título 5, § 10), explicava:

“citatis iis, quorum interest hereditatem ab intestato deferri”.

Se está em dúvida a revogação de anterior testamento, deve o juiz mandar


citar os interessados do outro. E o cônjuge do testador, caso lhe conste
haver póstumo.

5. CONSEQUÊNCIAS SUBSTANTIVAS DA CITAÇÃO DOS


HERDEIROS LEGÍTIMOS. É indispensável a citação dos herdeiros
legítimos. Daí as conseqUências imediatas do direito substantivado do
Código Civil, art.

1.646. Uma delas é- a de que êsses herdeiros podem impugnar, desde logo,
o testamento. Não está na letra da lei, porém não se citam interessados para
que fiquem inativos. Os arts. 1.646-1.648 como que preestabelecem, nas
linhas gerais, o processo.

6. IMPUGNAÇÕES DO TESTAMENTO PARTICULAR CONFIRMADO


PELAS TESTEMUNHAS. Os arts.

1.647 e 1.648 do Código Civil somente cogitaram do reconhecimento das


assinaturas pelas testemunhas e do depoimento, pelo menos, sôbre a leitura,
mas outra questão, bem velha, continua. Se as testemunhas reconhecem as
assinaturas e depõem segundo o Código Civil, artigo 1.647, porém os
herdeiros citados declaram que a letra e a assinatura não são do testador, ou
que só a letra, ou a assinatura, não no é, ~que deve fazer o juiz: reputar
assunto estranho à sua verificação de ordem superficial (co guição
incornpie ta), ou, desde logo, admitir a prova?

FURC3LE (Traité des Testamenis, capítulo 2, seção 6), distinguia segundo


os costumes, e êsses reputavam solene, ou não, o testamento hológrafo:
onde eram solenes, como em Paris (Costume, art. 289), valiam como se
fôssem públicos e não precisavam de tal reconhecimento de letra (em 6 de
junho de 1744 remeteu-se a interessada às vias de direito). E FURGOLE
errava: o Costume de Paris não autorizava isto (BOURJON, Droit commun,
II, 203).

Todavia não ficava excluida a possibilidade da questão onde, por lei, tal
testamento fôsse solene. POTRIER (Traité des donations testamentaires,
cap. 1, art. 2, § 3) cortava cerce o problema: “II faut que le Testament
olographe soit reconnu par les héritiers pour être écrit et signé de la main du
testateur, ou que, sur leur refus de la reconnaitre, l‟écriture soit reconnue
par des experts”.

No direito brasileiro, a solução deve ser a da impugnabilidade, desde logo,


do testamento; mas, no direito das Ordenações Filipinas, Livro IV, Título
80, § 2, que copiou as outras, mais acertado fôra decidir com FURGOLE,
porquanto, nelas, iguais entre si, está escrito “seja havido em lugar de
tabelião”, se bem que no fim se exigisse a publicação. (Tudo isso mostra,
mais uma vez, as camadas heterogêneas do direito sucessório português,
que, se em muitos pontos conseguiu a síntese, em quase todo o seu corpo
deixou indeléveis os azulejos das fusões étnicas e culturais.)

No testamento de Massilon, a assinatura apenas continha iniciais e a cidade


episcopal: “J.-B., évêque de Clermont”.

No processo, o juiz de primeira instância julgou pela validade; na apelação,


as partes transigiram. O que é essencial e a assinatura que marque a
personalidade. O caso de Massilon satisfazia tal exigência.
Na França, a Côrte de Cassação (20 de abril de 1813 e 20 de maio de 1877)
admitiu como assinatura do testamento hológraf o a aposição do nome, não
no fim, porém em frase que começava com as palavras: “Feito por mim”.

Dadas certas circunstâncias, no próprio invólucro (Besançon, 20 de


novembro de 1921).

Se bem que a praxe seja a assinatura com todo o nome do testador, de modo
que raramente se abrevia, com as letras iniciais ou com omissões dos
elementos do nome, e embora a lei fale de “assinado pelo testador” e

“assinado” pelas testemunhas, basta que aquilo que se lançou identifique o


testador. Se o testador se habituou a assinar com o pseudônimo, não há
afastar-se que assine com êle. Se tem êle firma comercial, não pode assinar
com a firma (CARL CROME, System des Deutsehefl Ritrgerlichefl Rechts,
V, 63, nota 51; EMIL STROHAL, Das deutsche Erbreeht, 1, S.~ ed., 167).
Porém, se a firma é individual e idêntica ao nome que usa, nos contactos
pessoais, pode lançar o nome, que provàvelmente é identificante.

Se, de ordinário, a assinatura do testador, nos negócios jurídicos entre vivos


e na correspondência, é ilegível, mas verificável a autenticidade, não há
razão para se vedar o uso em testamento particular.

Onome, lançado no ato do testamento, como “eu, A -termino aqui o meu


testamento”, não é assinatura. Se, porém, no fim, o testador escreve “assim
dispus e quero que se cumpra, A. F . “, entenda-se que assinou.

Não atinge a assinatura a aposição da data após ela, uma vez que após
venham as assinaturas das testemunhas.

A data depois da assinatura das testemunhas é apenas indício de que aquela


foi a data da feitura, sem se poder considerar indiscutivelmente datado tal
testamento, a despeito de s. letra ser do testador-

§ 5.592. REQUISITOS FORMAIS


7. REQUISITO ESSENCIAL DA LEITURA Às CINCO
TESTEMUNHAS. A lei exige que o testamento particular seja conhecido,
em seu texto, pelas testemunhas, porém não vai ao excesso de querer que se
lembrem do que ouviram: por ocasião do processo para se publicar,
satisfaz-se com a memória do fato da leitura (Código Civil, art. 1.647).

No art. 1.645, III, estatui-se que “seja lido perante as cinco testemunhas”.
Trata-se de forma solene, de requisito essencial; mas, conforme já se disse,
as leis de forma precisam ser interpretadas. Se o legislador não exigiu
expressa-mente que fôsse lido pelo testador, a leitura por êle não é de
importância capital.

Portanto, devemos assentar, pelo princípio de valer o equipolente quando


actus factus eandem vim habet: a) A leitura poderá ser feita por uma das
testemunhas, presentes as demais e o testador. O- fim era reconhecerem elas
tratar-se, realmente, de ato testamentário, e o mesmo ou melhor se consegue
com a leitura por uma delas.

Disse melhor, por ser possível testador gago, balbuciante; e poderíamos


dizer, em vez de melhor, o único meio, se o testador é mudo, ou se não deve,
por motivos razoáveis, ler.

b) A leitura pode ser feita por outra pessoa, presentes todas as testemunhas
e o testador. Isto só poderia ferir o testamento se associado à coação ou
dolo. Porém, nesse caso, seria a coação ou o dolo, ou, ainda, outra causa,
que viciaria o ato testamentário.

Omudo pode fazer testamento hológrafo, dando-o a ler às testemunhas: por


não ser o quod plerum que fit, deve declará-lo no escrito. Se não disser? As
testemunhas, inquiridas, deporão sôbre a leitura, e de como foi feita.

Declará-lo, por se tratar de caso excepcional, é boa cautela.

Assim, prepara-se a solução para o mudo-cego, que escreve, e para o qual o


Código Civil, no art. 1.637, seria o mesmo que regra jurídica de
incapacidade. Cerrado, não no poderia com a mesma fôrça, porque mio vê a
cédula que entrega. A solução, pela falta técnica do art. 1.637, que devia
prever o caso especial é portanto o testamento hológrafo.

O testamento hológrafo alemão, o francês e o italiano não têm testemunhas.


Mas, se acaso intervierem, não poderá art. 1.666, relativo à interpretação,
ou ao art. 1.747, que reguIou as revogações parciais dos testamentos.

§ 5.894. Formalidades da publicação

1. EXIGÊNCIA FORMAL. Antes da apreciação judicial, que o mandará


cumprir, aos testamentos falta fôrça executória. São, desde que se fizeram,
atos jurídicos perfeitos, mas uma coisa é a perfeição de um testamento e
outra a efetiva eficácia de cumprir-se. No art. 1.644, o Código Civil fala,.
explícito, do exame externo do testamento cerrado. Nos arti-gos 1.646-
1.648, da publicação e cumprimento do particular. Também o público está
sujeito à apresentação e a exame, assuntos de ordem processual, que noutro
lugar serão tratados.

Morto o testador, ou aberta a sucessão provisória, por-ausência, tem de ser


publicado o testamento particular. Há as citações dos herdeiros legítimos,
do membro do Ministério-Público, a quem caiba a função no Juízo dos
Testamentos, e dos interessados no testamento, para se tomarem os
depolmentos das testemunhas testamentárias.

Apenas dizem que o testador testou, que o testamento foi lido perante elas,
o que o testador escrevera, quç o testador assinou e elas assinaram:

oque lhes fôra lido e que reconhecem as assinaturas. Têm de-referir-se às


disposições, porém tal elemento processual não é essencial à eficácia da
publicação, a despeito do texto do art. 582 do Código de Processo Civil.

A publicação ou redução a público do testamento parti-cular somente pode


ocorrer se ainda há três das testemunhas, que não morreram, nem estão em
lugar não sabido. Se morre-ram três testemunhas, perdeu eficácia o
testamento e deixa de ser. Se não ~e sabe onde se acham, tem de haver a
investigação, até que se apure se existem ou não.
Se das cinco testemunhas, três são contestes quanto àautenticidade, basta o
que depuseram. Se somente três restam e uma, sem prova possível da sua
má fé, nega que lhes tenha sido lido o testamento, ou que tenham assinado,
não há a publicação.

2.TExTO LEGAL. Diz o art. 1.646 do Código Civil: “Morto o testador,


publicar-se-á em juízo o testamento, com-citação dos herdeiros legítimos”.
Cf. Projeto primitivo, artigo 1.814: “Depois da morte do testador será o
testamento publicado em juízo, sendo ouvidas as testemunhas e os
interessados”; Projeto revisto, art. 1.988: “Por morte do testador, será o
testamento publicado em juízo com citação dos herdeiros legítimos”.

3. ORIGENS PENINSULARES DA PUBLICAÇÃO. A Igreja, com intuito


de fiscalizar e favorecer as instituTçóes de última vontade, aproveitou-se da
disposição do Código Visigótico, que substituira o Breviarium (publicação
nas cúrias), disposição que mandava publicar perante o sacerdote na
presença de testemunhas, e antes dos seis meses contados da morte. Note-se
bem: o testamento que se abria judicialmente, para se lhe apurar a validade
(como hoje está no Código Civil, artigos 1.646-1.648), não era o hológraf o,
ou o alógrafo subscrito pelo testador e pelas testemunhas instrumentárias,
mas o subscrito a rôgo, o oral, os extraordinários.

Para os testamentos hológrafos, dispunha-se que os herdeiros ou sucessores


o apresentassem infra sex menses, ante sex menses, e a verificação que se
dava ao juiz era a de confrontar a assinatura com as outras assinaturas acaso
existentes do testador, ou audiência de testemunhas (não das testemunhas,
porque o testamento podia não nas ter, e, se as tivesse, portanto
instrumentárias, não precisava de tal verificação pelo juiz). Bispo e juiz
davam-lhes a fôrça do cumpra-se (II, 5, 16).

Por onde se vê que o direito visigótico não autorizava limitar a inquirição


de certo número das testemunhas, menos ainda a de todas, pela razão muito
simples de poder nem sequer tê-las havido.

Otexto da Lei de 21 de maio de 1349 não só autorizava a crer que se


inquiriam outras testemunhas, ainda quando as houvesse instrumentárias,
como, também, sem cogitar de nulidade ou caducidade por morte ou falta
de algumas das instrumentárias. Dava-se o mesmo no direito posterior. No
texto das Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 103, § 2, não se cogitou
de outra coisa que da verificação judicial, chamadas as partes a quem
pertencer. Claro que a Lei de 1849 dizia que se ouvissem as testemunhas
instrumentárias, de preferência, isto causar-lhe nulidade, é abundans
cautela. Os juristas alemães prevêem isso (J. Bõimr, Das Erbrecht des RUa,
80; F.RITGEN, em O.

PLANCK, li-Urgerliches Gesetzbuch, 489).

Se não foi feita a leitura do testamento perante as testemunhas, faltou um


dos requisitos essenciais (Código Civil, artigo 1.645, III). A jurisprudência
é assente (e.g., 13 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Paraná, 4 de
abril de 1988, R. dos 2‟., 117, 710). Tal formalidade, uma vez que a lez loci
é facultativa, o testamento de quem, pela lei pessoal, não precisa de tal
solenidade, vale (4.a Câmara do Tribunal de Apelação de São Paulo, 16 de
janeiro de 1941, 130, 655).

8.ASSINATURAS DAS TESTEMUNHAS Nenhuma particularidade


oferece a assinatura das testemunhas: aqui, como a respeito da assinatura do
testador, exige a lei a holografia. No testamento particular, que só se admite
hológrafo, seria Inconsequente discutir-se se basta a assinatura e se pode
tratar-se de testemunha analfabeta que assine, e depois reconheça a
assinatura. Não deve só por isso dá-la por nenhuma o juiz e reputar nulo o
testamento.

Satisfez-se o que a lei queria: a assinatura. E tal testemunha terá de depor


sôbre o que ouvia ou sôbre o fato da leitura. Se dúvida houver sôbre a
holografia, não poderá ser crida, pois o depor só lhe foi exigido quanto à
própria assinatura e à do testador. Demais, trata-se de testamento que em si
mesmo contém outros meios de verificação: conferência e exame pericial
da escrita.

A testemunha, no direito brasileiro, não precisa dizer que assina como


testemunha. Se assinou após a assinatura do testador, foi como testemunha
que assinou.

§ 5.893. Cuidados ocasionais

1.EXPEDIENTES UMIS. Há expedientes, que a lei não exige, mas seriam


úteis, ou, por ventura, em certos casos, o seriam.

2.RECONHECIMENTO DA LETRA E DAS ASSINATURAS. O testador,


ou alguém por êle, pode levar a tabelião o testamento particular, para que
lhe reconheça a letra e as assinaturas. É da função dos tabeliães e a lei não
podia impedir ato voluntário, abundans, do testador, ou de outra pessoa, em
nome dêle.

§ 5.593. CUIDADOS OCASIONAIS

Tratando-se, porém, de ato da importância do testamento e de efeitos ou


discussão talvez remotos, deve o tabelião ter a cautela de anotar nos seus
livros o dia em que o fêz e a pessoa que lhe pediu.

Tal reconhecimento não atribui fé pública ao testamento, não no equipara ao


testamento público, ou, sequer, ao cerrado com aprovação; dá-lhe apenas
refôrço para futuras provas, que em processo de anulação ou de nulidade ou
de publicação possam ser precisas.

3.INVÓLUCRO E TESTAMENTO PARTICULAR. Se o testamento


particular fôr fechado pelo testador, depois de ter as formalidades do
Código Civil, art. 1.645, levado ou não ao tabelião, o juiz abri-lo-á, porque
não é de mister que as testemunhas assinem duas vêzes dentro e fora: fora, é
exigência do testamento cerrado (art. 1.638, IX>. Nem o segrêdo é essencial
ao testamento cerrado, e pois vale o que, subscrito dentro, o seja por fora,
satisfazendo ao art. 1.688. Nem o particular, por ser, de fato, cerrado
(cosido e envolto), precisa que se aprove e tenha, de nôvo, as assinaturas
das testemunhas.

Mas zbasta ao testamento particular a assinatura do invólucro? Temos


contra J . E. Lurovíci (Dissertatio de involucro, vom Couveri, oder
Umschlage bei Testamenten, 2 s.), a O. L. BOEHMER (Testamenti signati
ei subscripti a testibus in invo lucro vis et auctoritas vindicata, 4 s.), que o
reputava válido. C.U. GRUPEN

(Observationes de forma conficiendi acta, 2 s.), distinguia os testamentos,


em que se devia assinar in ipsa soáptura, e os que podiam ser assinados no
invólucro: scriptura clausa involuta que, tabulae linteo involuta ei clausae.

Se o invólucro é continuação do escrito (quaes tio facti), nenhuma dúvida


pode haver. Mas, se há outra capa, algo de fora, algo que envolve, e não há
assinaturas de testemunhas no texto, a questão é mais delicada.

Se, no lado de fora, o testador declara “êste é o meu testamento, que eu e as


testemunhas assinamos” e assina tendo elas assinado dentro, não devemos
levar o formalismo a invalidar a cédula. C. MANZIUS (Tractatu.s de
testamento valido vel invalido, IV, 1, 111 s.), no seu tempo, nem distinguia
se o testador assinava intus ou foris.

Contra, CHa. FRIED. VON GLÚCK (Kommentar, 34, 467).

§ 5.893. CUIDADOS OCASIONAIS

Se, no lado de fora, só assinam as testemunhas e o testador o encerrou,


dentro, com a sua assinatura, inquiridas na forma do art. 1.647, nada obsta a
que se aprove.

4.TtM-SE DE AFASTAR OS INCONVENIENTES DAS REGRAS


JURÍDICAS. Testamento particular merece maior simpatia, mais largo uso,
do que lhe permite a vulgar interpretação da lei, quase vedativa. Para evitar
efeitos desastrosos, injustos, do art. 1.648, e satisfazer o testador que não
deseja levá-lo ãaprovação dos oficiais públicos, ou não nos tem perto,
aconselhado será lê-lo o testador a mais de cinco testemunhas, oito, dez,
quinze, quantas queiram e possam assinar. Não ocorrerá fatalmente faltarem
tantas que não restem três. Para maior garantia (podem os interessados
alegar que assinaram depois, sem consentimento do testador, ou após a
morte dêle), deve, no próprio texto, mencioná-las.
5. DEPÓSITO DO TESTAMENTO PARTICULAR. A lei brasileira não
tem qualquer alusão a depósito do testamento hológrafo.

No Código Civil alemão, há o § 2.248, onde se dá, a pedido do testador, o


depósito oficial (amiliche Verwahrung), podendo obter certificado (§ 2.246,
alínea 2.a). A doutrina assentou, na interpretação do § 2.248: a) o pedido do
testador não está sujeito à forma especial: pode ser por escrito, ainda sem
reconhecimento da assinatura, ou, até, oral; b) pode ser pessoal, ou não, a
entrega, admitindo-se a própria remessa pelo correio (Reehtsprechzungen
des OLG., 1, 294)

e) a entrega pode ser em certas circunstâncias (F. HímEN, em G. PLANCK,


Bitrgerliches Gesetzbuch, V, 469) por terceiro, sem escrito de podêres
passado pelo testador; d) a retirada do testamento pode ser feita em todo o
tempo, mas somente pelo testador em pessoa. Ademais, cumpre advertir
que o depósito é facultativo, e não tem o efeito revogatório, que, também
para o testamento público, não tem a retirada a que se refere o § 2.256,
alínea 3a Se o testador não faz o depósito, fica com êle, ou com pessoa de
sua confiança o testamento, e esta, por princípio geral de direito, que nem
precisava vir nas leis (§ 2.259), deve apresentá-lo após a morte do testador.

6.QUESTIO DE -ORDEM, ESTRANHA AO DIREITO ERASILEIRO.

Nos requisitos do testamento hológrafo, não vem mencionado o de ser


datado. No direito brasileiro, não tem importância a questão (ventilada na
Itália e na França) da subscrição antes da data. Os italianos resolvem pela
não-nulidade do testamento cuja data vem depois da assinatura. O critério
da lei brasileira mais se ajusta às idéias de R.

SALEILLES, que via nas datas dos testamentos hológrafos mais


declarações de vontade do que outra coisa: com ela, o testador quis declarar
que naquele dia se concretizou a sua vontade. Em todo o caso, pode ser
necessário apurar-lhe a veracidade, para se decidir quanto à capacidade do
testador ou a ruptura do testamento, quiçá anterioridade ou posterioridade
em relação a outros, e isto bem mostra que se tem de receber sob reservas o
parecer do jurista francês. O que a lei brasileira dispensa é a menção do
momento de feitura. Mas os testamentos particulares, como todos atos
jurídicos, têm um dia de feitura, verificável no seu contexto, ou em outros
dados exteriores.

7.PLURALIDADE DE EXEMPLARES. Já foi tratado o assunto da


multiplicidade de exemplares. Aqui, só nos interessam casos especiais e
com caráter de cuidado ocasional.

Se o testador fêz muitos exemplares idênticos do testamento e os leu a duas


ou mais séries de cinco testemunhas, assinando cada série um dos
exemplares, qualquer dêles poderá ser apresentado para cumprir-se.

Duas questões: Se morreram três testemunhas do testamento A e quatro do


testamento B, ~„,pode o juiz mandar cumprir um dêles? ~ Se morreram
todas as de um e restam três do outro? A primeira questão é mais delicada
que a segunda. Esta entra no caso ordinário do Código Civil, art. 1.648. A
segunda terá de dirimir-se segundo as considerações, que faremos ao art.
1.648. Em todo o caso, se o testador sabia da morte das testemunhas, não se
poderá somar as de um com as de outro testamento. ~ Quid iuris, se todas
assistiram àmesma leitura e só no assinar as séries de cinco se partiram? Tal
distinção não tem importância: há exigência de unitas actus quanto ao ser
lido e ao assinar-se.

Quando um dos exemplares fôr diferente, deixa de haver a simples questão


da multiplicidade idêntica: pertence ao

“Si actos a solo agente dependeat, v.g., testamentum et hie sit exterus: vel si
actus inter duos celebretur, v.g., pactum, et uterque paciscens 5k exterus, et
unius civitatis cives dubitandum non est actum a talibus secundum Leges
patriae factum in patria valere”.

No Estado da lei pessoal do testador deve valer, e os outros povos, os


povos-terceiros, diante do reconhecimento da facultatividade por parte da
lei pessoal, têm de reconhecer a possibilidade de observar o testador a lei
pessoal, em vez da lei do lugar, O reconhecimento por parte do Estado da
ler loci é que depende do direito internacional privado dêste. Aqui, não é
êle obrigado. J. Mc HERT tinha razão em dizer in patria valere, e nós a
temos em achar que o Estado-terceiro há de preferir a facultatividade da ler
personalis à obrigatoriedade do Estado do lugar. A jurisprudência brasileira
é pela facultatividade: o testador italiano pode, por exemplo, testar pela
forma hológrafa do seu país (Tribunal de Justiça de São Paulo, 16 de
fevereiro de 1907). Com o que, aliás, segue a tradição da doutrina.

2.APLICAÇÃO DA REGRA JURÍDIcA “LOCUS REGIT ACTUM” AOS


TESTAMENTOS PARTICULARES.

A regra é que o disponente escolhe a forma que lhe apraz entre as que a ler
boi permite. A questão da facultatividade da regra jurídica bens reryit actum
intervém quando se trata de testamento sem intervenção de autoridades
públicas. Se opta pela forma do direito local, deve observá-la em tudo. Pelo
fato de preferi-la, ou de preferir a do seu país, não comete ato in fraudem
lega (assim, A. NIEDNER, Einfiihrungsgesetz, 2,a ed4 ao art. 11;
THEonrnt NIEMEYER, Das internationale Privatrecht des EGE., 114 s4.

Por isto mesmo, a ler boi é que responde se tendo optado por ela foram
satisfeitos os requisitos essenczais e se a infração importa nulidade ou
anulabilidade (ERNST ZITELMANN, Das internationale Privatreckt, II,
155 s.; A.

NIFDNER, Einfiihrungsgesetz, 2,a ed., sob o art. 11; EMIL JÁCoBY, Das
eigenhãndige Testament, 55). Aliás, é de presumir-se que testou pela forma
válida, se expressaniente não declarou optar. Assim, cremos que fica elidida
a questão quando o disponente no estrangeiro infrinja uma das exigências e
a lei pessoal dê a sanção da nulidade e a local a da anulabilidade, ou vice-
versa. A questão perdurou entre juristas alemães (EMItI JÂoonv, Das
eigenhiíndige Testament, 55; Tnãonoa NIEMEVER, Das internationale
Privatrecht des EGO., 114), por não na terem afastado com a presunção a
favor da escolha da forma válida ou menos atingida.

3.APÁTRIDES. Tratemos dos sem pátria, que teriam a lei da nacionalidade


como lei pessoal, e os de mais de uma nacionalidade, O sem pátria, sem lei
pessoal do domicílio, testa bem, testando pela lei local, se domiciliado no
Brasil; ou, se sujeito à ler sucoessianis de outro pais (exemplo, o Hei-.
matias que tem um filho brasileiro), optou pela forma da lei que seria a
pessoal. Mas também pode escolher a forma da lei do domicílio, ou da
residência se não tem domicílio,

4.NACIONALIDADE MÚLTIPLA, SE A LEI PESSOAL E A “LES


PATRIAE”. Se o disponente tem mais de uma nacionalidade, e as leis dos
respectivos Estados não resolvem o conflito, pode testar pela ler boi, ou
optar pela do Estado do domicílio, ou da residência, salvo se a lei do seu
domicílio é a brasileira, porque, então, somente pode testar pela ler boi ou
pelas formas da lei do Brasil. A facultatividade é entre a lei pessoal e a do
lugar; e o Estado da lei pessoal não pode permitir que opte por outra lei:
utilítatis causa, surgiu a própria bex boi. Cp.

TURODOR NIEMEYER (Das internationale Privatrecht des EGO., B2).

5.MUDANÇA DE NACIONALIDADE. No caso de mudança de


nacionalidade, vale o testamento feito conforme a lei da primeira. Não há,
no Brasil, a dificuldade oriunda de regra escrita, que se pudesse prestar a
interpretaçóes discordantes, como no Einfiihmcngsgesetz, art. 24, 3.~ alínea,
em que é unilateral a regra jurídica. Aliás, cumpre, quanto àquele direito,
prestar-se tôda a atenção ao art. 25, quanto aos estrangeiros falecidos com
domicílio na Alemanha (domicílio e residência, acrescenta CAESAR
BARAZETTI (Das iniernationale Privatrecht, 98 e 109); só domicilio,
entende A. NIEDNER (Einfiihrungsgesetz, 67), regra jurídica que constitui
matéria de direito internacional privado alemão. Quanto ao direito
internacional privado do Brasil, o princípio muda: certo, a sucessão e todo o
intrínseco se há de reger pela lei pessoal ao tempo da morte do testador que
mudou de lei pessoal, mas a forma, esta se há de reger ou pela lei do lugar
ou pela lei pessoal que se lhe conferia ao tempo da feitura.

Ainda mais: se havia dúvidas quanto a essa, e a segunda constituí


confirmaçâo da que o testador se atribuía, devem os juizes, exceto se uma
das leis pessoais atribuidas fôr a brasileira, considerar válido o testamento
hológrafo que se fêz segundo a lei pessoal confirmada.
6.VEDAÇÀO DE ÁTO DO TESTAMENTO PARTICULAR. Se a lei
pessoal do testador só lhe dá o testamento público, não pode ele, fora do seu
país, testar por escrito particular: toca, entâo, ao intrínseco (O. FR.
EICHHORN, Einleitung in das deutsefle Privatreckt, 110). Mas a reciproca
não é verdadeira: se so se lhe dá a espécie particular, vale o que, no
estrangeiro, se fizer pela forma pública (J C. SIEBENKEES, Beitrage vim
teutscken Rechte, 120; E.

FR. EIcinonN, Einleitung in das deutsche Privatrecht, 1e7; CHR. FRIED.


VON GLÍiCK, Kommentar, 85, 39).

Quer dizer: há muito que se formou êste prhicipio da valia inderrogável do


ato público.

Não é somente a lei do Estado do autor de um ato que lhe pode proibir uma
forma; qualificando-a, pode fazê-lo, no interésse da família, dos nacionais,
da fortuna localizada,a lei da situação dos bens, a que rege a sucessão, etc.

7.CASO ESPECIAL DO MENOR BRASILEIRO ALHURES. Temos de


cogitar do menor com domicílio brasileiro se está na Alemanha. Éste menor
ou testa pela lei alemã, pública oral (Código Civil, § 2.288, alínea 2.a), ou
opta pela forma brasileira, hológrafa, ou cerrada com a aprova~ão do
cônsul, ou pública, perante êste. Porém nào pode dispensar as formalidades
a mais da lei brasileira, empregando a mais fácil forma particular alemã:
desta não lhe era dado usar. A alternatividade da lei da forma cede onde a
lei local considera o não-emprégo da sua forma como de ordem pública.

8.TESTAMENTO PARTICULAR DO ESTRANGEIRO NO BRASIL.

No Brasil, o estrangeiro testa bem, se testa em forma pública, ou por


testamento cerrado, com a aprovação do oficial público que lhe aponta a lei
brasileira. ~ normal aplicação da regra jurídica locus regit actum.

§ 5.899. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO191

Na forma hológraf a, observando a lei brasileira, testa bem, salvo


qualificação especial pela lei estrangeira.
Se o testador escolheu a forma hológraf a segundo a lei pessoal, testa bem.
Seria absurdo ler-se como somente de aplicação facultativa a regra jurídica
locus regit actum, se no estrangeiro o testador, e obrigatória, tratando-se de
estrangeiro ou domiciliado no estrangeiro, se está no Brasil.

A espécie é de instrumento particular e a regra jurídica iocus regit actum


não tem, e não deve ter, caráter obrigatório.

Se o testador estrangeiro testou em país estrangeiro. não estando em jôgo a


ordem pública do Brasil, o tribunal brasileiro tem de assumir atitude fria e
objetiva. Pode ocorrer que o Estado da lei pessoal não conheça a alograf ia
do testamento particular, e o testador tenha preferido a lei local, que lho
permite. Nào devemos, por isso, reputar válido o testamento alógrafo feito
com as testemunhas em lugar que o admite, por testador cuja lex personcilis
lho interdiz, no interior ou no estrangeiro, ou só no estrangeiro
(qualificação> a alografia particular. Mais: se, por exemplo, o cidadão
holandês está na França e faz testamento hológraf o. Neste assunto é de
concluir-se que valem: a) os testamentos públicos na forma autêntica local;
b) se a lei pessoal não lho proibe, o testamento que o estrangeiro fêz na
forma privada da lei local; e) o testamento feito na forma particular que a
lei pessoal admite. No último caso, trata-se de ap1icaç~o da facultatividade
da regra jurídica Meus regit actum.

9.REQUISITO DA HOLOGRAFIA E NATUREZA JURÍDICA DA


EXIGÊNCIA. Quando a lei pessoal ou outra lei proibitiva exclui a
nuncupatividade, a lez boi não deve frustrar a aplicaç~o do direito vedativo.
É inevitável, por vêzes, o conflito de qualificação. Solver-se-á pela lei de
cada Estado, dentro dêle. Quanto ao Estado-terceiro, que não está em lide,
se exclui a nuncupatividade, não deve dar ganho de causa ao pais que a
admite, teria de ceder se o conflito fôsse consigo. Ex h.ypothesi, seria
absurdo.

A exigência do escrito ainda quando o testador não saiba, ou não possa


escrever tem por fito evitar que surjam dúvidas graves quanto ao que
declarou o testador, quanto àliberdade com que o fêz e à espontaneidade de
suas disposições. Estão em jôgo interêsses do testador, da família e do
próprio país a que pertence. Por isto, a regra jurídica locus regit actum cessa
de aplicar-se quando intervém tal exclusão da nuncupatividade irreduzida a
escrito, ou insuficientemente reduzida.

O testamento do brasileiro no estrangeiro, feito na forma hológraf a do


Código Civil e com as formalidades da lei brasileira, porém sem as do lugar
em que se fêz, vale. t uma das conseqUências do caráter facultativo da regra
jurídica locus regit actum quando se trata de atos de caráter privado.

Se quem tem a lei pessoal brasileira, estando no estrangeiro, testa pela


forma particular hológraf a da lei do lugar, mas o testamento não se reveste
das formalidades da lei brasileira, e só satisfaz a da holograf ia, tal
testamento vale. Trata-se, na espécie, de mera aplicação da lez loci, aliás
facultativa. Se falta o requisito da holografia, não: mudou a própria espécie
de testamento, tocou o critério-cerne, o critério-protetor que o legislador
brasileiro houve por bem adotar na defesa dos testadores e da família: a
exclusão da nundupatividade inescrita, ou escrita em instrumento particular.
Não se mudou de forma eaztrínseca, mas de espécie.

Falta saber se é re4uisito intrínseco a holografia do todo o escrito ou só a da


assinatura.

No direito internacional privado, é a holograf ia da assinatura que se reputa


requisito essencial, O que é de ordem intrínseca, o que o Estado-terceiro ou
da lese fori, tem ie reputar princípio superior de direito é a holograf ia da
assinatura. Há povos de alta civilização que com isso se satisf azem. A
holograf ia minima é a da assinatura: o escrito por outrem e devidamente
assinado poderá, para a lese f cri, ser submetido a verificaçôes
comprobatórias, talvez a pendas, porém não à exclusão liminar com o
fundamento de ofensa àordem pública.

Não ocorre o mesmo aos testamentos alógrafos e assinados a rôgo, que


seriam disfarces do nuncupativo ou oral.

Nuncupativo alogràficamente redigido, mas nuncupativo.


Escapou ao que dissemos o testamento em que a lei brasileira não seja, de
modo nenhum, interessada: o que a pessoa, com a lei pessoal do Estado A,
fêz no Estado B, e em cuja sucessão não há cônjuge brasileiro, ou filho
brasileiro, que obrigasse à lei do Brasil os requisitos intrínsecos. Aqui é que
surge a questão da ordem pública. ~O

Estado-terceiro deve negar cumprimento ao testamento todo alógraf o, se os


dois Estados interessados o reconhecem?

Se um só o nega, o da lei pessoal, o Brasil não pode dar ganho de causa ao


Estado que o reconhece. flste, que o cumpra no seu território. Se o nega o
da lese Moi, que o cumpra, no seu território, o Estado da lei pessoal. O
Brasil comprometeria a sua própria legislação, se interviesse.

Se todos reconhecem, e só o Estado-terceiro veda (caso do Brasil), então


nem o extrínseco, nem o intrínseco, está sujeito ao exame imediato do
Estado-terceiro.

10.EXIGÊNCIA FORMAL DA DATA. No direito de alguns povos, diante


dos textos legais que falam em data, há questées relativas à essencialidade
de tal requisito.

~Qual a atitude que deve assumir o juiz brasileiro quando tiver de se


pronunciar sôbre isso?

A atitude do juiz do Estado-terceiro será se também exigir a data verdadeira


como requisito formal a de acolher a

solução que coincida com a lese fort.


No Brasil, que não exige a data como requisito formal, terá de julgar com
muita prudência o juiz a que

se levar a questão da validade do testamento estrangeiro.

Diante, por exemplo, das opiniôes alemãs, somente deve negar validade ao
testamento hológraf o alemão: a) se êle não teve data nenhuma <seria
dispensar ao testador o conhecimento da sua lei) ; b) se a data aposta,
inexata, fô r eventual-mente essencial; o) se constituiu ato in fraudem legis.

~ Quid juris, se testamento hológrafo de pessoa com a lei pessoal brasileira,


feito na Alemanha? As soluções b) e o) são perfeitamente aplicáveis. Mas a
razão da solução a) desapareceu. Pode ter havido érro de direito. Optou pela
lei alenia, leu um livro que segue a essencialidade da data exata. Érro que
fácil se compreende pela omissão da data no texto da lei pessoal. Não se
trata de reenvio, mas observadas as circunstâncias deve o juiz atender aos
princípios sôbre possibilidade do êrro de direito e mandar cumprir o
testamento, se, no caso concreto, a data não fôr essencial. Não assim se

fôr eventualmente essencial (e. g., dois sem se poder saber qual o primeiro).

São questões de extrema delicadeza. As leis de forma, as regras jurídicas


rígidas e pontiagudas, os gumes de espada dos princípios apriorísticos,
semearam de injustiças e de desrespeito ao querer último as sociedades
contemporâneas. Ora, no passado, havia as válvulas de valer como
nuncupativo, de valer como codicilo, e outras semelhantes cláusulas
explícitas ou implícitas. Hoje, obturadas tais canalizações salutares, muito
se sacrificaria com o e,xagerado formalismo. Na própria ordem
internacional, não é exótico falar-se em favor testa-menti.

11.QUESTIO RELATIvA À DISPENSA DE TESTEMUNHAS. Se o


testador, em país que tem a holografia intestemunhada, no próprio texto da
cédula testamentária declara que esta será assinada, por testemunhas, ~vale
o testamento a que não foram apostas as assinaturas? J. CusÁcro decidia
que, a despeito do testes non esse necessarios do testamento hológrafo da
Novela Valentiniana, quando o testador as anunciava no corpo do escrito,
tinham de ser exigidas. Mas, pelo fato de não passar a Novela ao direito
justinianeu, entendia MERLIN (Repertoire universel et raisonné de
Jurisprudence, 17, 561) que errara

J.Cuskcro; nem no antigo direito, nem sob o Código Civil, seria aceitável a
conclusão invalidante. A jurisprudência estêve e está com o repertorista.
Mas ~ poder-se-á afastar o exame das circunstâncias, quando estas sejam no
sentido da imperfeição do ato?

A questão tem importância para o direito brasileiro, porque se têm de


cumprir testamentos hológrafos, intestemunhados, de pessoas não
submetidas à lei brasileira. Se o testador disse, claramente, “testamento que
somente valerá quando eu o ler às testemunhas A, B, C, D e E”, o juiz da
lese fori não pode deixar de atender a tal circunstância verdadeiramente
decisiva: a feitura no Brasil. De tal cláusula só uma conclusão é possível
tirar-se: o estranho que assim testou no Brasil, optou pela lei brasileira, o
que lhe era permitido por ser facultativa a regra jurídica locus regit actum e
tratar-se, na espécie, de caso em que a lese loci vem ao encontro da vontade
do testador.

§ 5.899. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Porém, pelo fato mesmo da facultatividade, ~que é que se resolverá, quando


o testador estava em país de testamento holégrafo intestemunhado, e é a sua
lei pessoal a que exige as testemunhas? Se, ali, interpretamos o animus
testamentum faciendi com a circunstância da lese Mci, ~ será que a
facultatividade da regra jurídica locus regit actum exclui a possibilidade de
se interpretar com a lei pessoal? Ali, era a circunstân. cia da estada, da
residência, talvez do domicílio, que se invocava; porém aqui também seria
de invocar-se a criação excepcional da regra jurídica, nascida utilitatis
causa, e hoje reconhecida como facultativa. Com maioria de razão, em
Estados cuja concepção de tal princípio seja a de bastar, na falta da lei do
ato, a lei do lugar (como ocorre, por exemplo, no direito alemão).

Mais difícil será se nem a lei local, nem a lei pessoal exigirem testemunhas.
~ A que direito, a que lei formal se podia supor referido o testamento? Mas
o difícil não é o impossível.
Nas relações internacionais, deve reconhecer-se mais larga aplicação ao
error communis e ao êrro justificável de direito.

12.EXIGÊNCIA DE AUTENTICIDADE E VIGÊNCIA DA FORMA


SÓMENTE PARTICULAR EM ESTADO

DA “LEx LOCI”. Alguns autores, para prover ao caso de Estado que não
tenha testamento público, e a lei do estrangeiro, nele domiciliado ou de
passagem, diga só dever testar pela forma pública, recorrem, como
A.PILLET (Traité pratique de Droit International Privé, II, 428), à
definição mesma de ato autêntico ou público.

Na Inglaterra, por exemplo, faz-se com o concurso de duas testemunhas.


i,Será ato autêntico no sentido do art. 999

do Código Civil francês? Respondem que sim. Mas, se nos aprofundarmos,


Veremos que, com o intuito de interpretar o art. 999, os julgados e os
escritores franceses foram ao extremo de mudar a noção mesma do ato
autêntico. Nada o justifica. A Inglaterra só tem o testamento particular. Tal
o fato, e o art. 999 supõe que todos os Estados tenham o testamento público,
o que mio se dá. Ora, não é a noção de ato autêntico que se deve torcer,
amolgar, utilizar, para servir ao texto francês, é o texto

Assim, digamos: pressupôs o Código Civil francês, art. 999, que no Estado
em que se ache o Francês haja aquela forma; se não há, satisfaz-se a regra
jurídica com o uso da que fôr a mais segura, a de maior garantia, nos países
estrangeiros.

Preferivelmente, a forma pública, aberta ou fechada, se houver. Na


jurisprudência internacional, julgou bem, a 23

de janeiro de 1917, o Tribunal Superior de Lisboa.

As condições de publicidade, de autenticidade, julgam-se pela lei do lugar,


é a lei da forma do ato. As nulidades formais são as desta lei. Nem podia ser
de outro modo.
Se, no lugar, há a forma autêntica, toilitur quaestio. Se não há, teste o
estrangeiro pela sua lei, se possível, ou, se outro meio não houver, pela
forma que existir na lez Mci.

CAPITULO XXIII

TESTEMUNHAS TESTAMENTÁRIAS

§ 5.900. Regras jurídicas sôbre testemunhas testamentárias

1.TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.650 do Código Civil: Não podem ser
testemunhas em testamentos: 1. Os menores de dezesseis anos. II. Os
loucos de todo o gênero. III. Os surdos-mudos e os cegos. IV. O herdeiro
instituído, seus ascendentes e descendentes, irmãos e cônjuges. V. Os
legatários”. No Projeto primitivo, art. 1.818: “Não podem ser testemunhas
do testamento ordinário: 19 O herdeiro instituido e o legatário; 2.0 Os
ascendentes, descendentes, irmãos ou cônjuge do herdeiro ou do legatário;
O escrevente ou empregado do tabelião que o escrever ou aprovar”; no
Projeto revisto, artigo 1.990: “Não podem ser testemunhas em testamento:
1.0 Os menores de 14 anos; 2.0 Os loucos de todo o gênero; 39 Os mudos e
surdos, e os cegos; 49 O herdeiro instituído, seu cônjuge, os filhos que tiver
sob pátrio poder, assim como os lega-tários; 5.~ O pai, sob cujo poder
estiver o herdeiro instituido;

Os irmãos do herdeiro instituído, se todos estiverem sob o poder de seu pai;


Os herdeiros e legatários, seus ascendentes e descendentes e afins na
mesma linha, salvo no auto de aprovação do testamento cerrado”.

2.FORMAS TESTAMENTÁRIAS E TESTEMUNHAS NO DIREITO


DOS SÉCULOS PASSADOS. No Código Visigótico, em que o iiifluxo do
direito romano foi maior do que nas outras leis dos nórdicos, ainda muito
pouco se tratou do testar. Dos atos de última vontade, englobadamente com
as escrituras, foi que cogitou o Livro II, Título 5. Ainda a doação com
reserva de usufruto, revogável, por ser simititudo testamenti (Livro V,
Título, 2, § 6), e era, talvez, a forma de que mais se usava. No fundo, a
tradição resistia; não entendiam os Visigodos a essência de todas as
romanices da instituição do herdeiro, dos codicilos e dos legados, e dos
fideicomissos. Colheram, superficialmente, a forma, em que meteram os
germes da sua evolução para o testamento. Mas, tão imperfeita, tão
alheadamente ~e fêz, que se não cogitou do número das testemunhas.

Na compilação de Recesvindo, havia três formas de testar:

com assinatura do testador e subscrição pelas testemunhas; com firma do


sinal dêle e das testemunhas; ou oralmente diante das testemunhas. Chegar-
se-á, no direito visigótico, a admitir a alograf ia e subscrição por outrem,
diante de testemunhas. Mas, se a impossibilidade cessava, precisava o
testador ratificar.

Havia o prazo de seis meses para as testemunhas confirmarem perante o


juiz, nos dois casos que por último referimos. (As testemunhas tinham um
trigésimo da herança ou parte da herança constituída em dinheiro.) Os
outros precisavam ser publicados, dentro de seis meses, pelos sacerdotes.

Noflreviarium, classificavam-Se os testamentos em civil e pretori ano, o


primeiro com cinco, e o segundo, com sete testemunhas. Mais uma, se o
testador não sabia, ou não podia subscrever. Se per nuncupationem, sete.

No século XIII, não era o testamento romano, nem as formas acima


referidas que se observavam. Não nos esqueça que as Decretais de Gregório
IX excluiam, a favor da Igreja, formalidades romanas. O mais freqitente era
o testamento por tatu?lião. Havia particulares, na presença de testemunhas,
às vézes com o sêlo do mosteiro contemplado, outras, com o do Concelho.

Em testamentos por tabelião da segunda metade do século XIII, há, às


vêzes, só três testemunhas; outras, dez, quatro. Influência do que decretara
o Papa Alexandre III, em 1170.

No regime das Ordenações Afonsínas, Livro IV, Título ios, reconhecia-se o


costume, não só antigo e geral como o judicial (em primeira e última
instância) de valerem os que tivessem cinco testemunhas, ainda se algumas
fôssem mulheres, como valiam os de sete varões. (Á fixação dês te numero
cinco fêz-se definitiva para o sistema juridico brasileiro, em todas as
espécies de testamento do Código Civil.) A boa política jurídica das
Ordenações Afonsinas consistiu em cortar as dúvidas, refugando a
exigência romana e fixando o número mais cômodo.

3.DIREITO ANTERIOR E CAPACIDADE TESTEMUNHAL. Não


podiam ser testemunhas os menores de quatorze anos e as menores de doze
(Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 85, pr.), os furiosos, surdos e
mudos, e os pródigos. Mais:

o herdeiro instituído, os filhos. Sob o pátrio poder, nem o pai, sob cujo
pátrio poder estava o herdeiro, nem os irmãos do herdeiro, se todos sob o
pátrio poder. Adiante veremos a mudança de conteúdo que se operou.

Os pródigos, hoje, podem ser testemunhas, assim testamentárias como


acidentais.

4.NÚMERO DAS TESTEMUNHAS E UNIDADE DO ATO, N‟O


DIlEITO ANTERIOR. O número de testemunhas fôra sete, por fundamento
histórico: analogia com o testamento civil jper aes et libram (ALB. DIETR.

TREKELL, Tractatus de or~gine atque progressu testamentifact. praesert.


apud Romano5, §§ 45-55, que considerou o antestatus sétima pessoa), e
não pitagórico, pelo caráter sagrado do número sete, expressivo de
perfeição, como pretenderam E. F. BERGMANN (Meditatio de numero
septenario testium in testainentis, § 17) e GEDICKE, em estudos sôbre a
história da fé e o número sete.

Também se exigia unitas actus. Eram rogadas as testemunhas, rogatio


originária do ritus mancipationis per aes O

librarn (E. OTTO, De lurisprudentia symbolica, 142).

No direito das Ordenações Filipinas, eram cinco as testemunhas do


testamento público, aberto ou cerrado (Livro IV, Título 79, pr. e §§ 1 e 2), e
seis no testamento “feito pelo testador, ou por outra pessoa privada” (§ 3) e
no nuncupativo (§ 4). ç de notar-se que o seis ainda simboliza 7: seis
testemunhas mais o testador. Aliás, as cinco testemunhas do testamento
público somadas ao testador e ao tabelião perf aziam o mesmo número.
§ 5.901. Função e requisitos das testemunhas

1.FUNÇOES INSTRUMENTÁRIAS. São instrumentárias as testemunhas,


a que o art. 1.650 se refere. As testemunhas do testamento particular são
instrumentárias. Figuram, e desde o comêço iam figurar no ato. Não
bastariam ser acidentais. O testamento precisa ser-lhe lido. Devem ver e
ouvzr o testador (W. A. LAUTERBACH, Coltegium Fandectarum
theoretico-practicum, § 58; E. CHR. WESTPHAL, Theorie des rãmzschen
Rechts vou Testamenteu, § 182). Não é o testador que deve vê-las e ouvi-las
(sentido, que refutamos, do in conspectu testatoris, quando do testamento
público) : elas éque devem vê-lo e ouvi-lo. Vendo-o, identificam-no;
ouvindo-o, podem, depois, confirmar o que ouviram. Por isso mesmo, tem-
se de pôr por princípio que cegos não podem ser testemunhas.

Além das exigências formuladas pela lei, devem as testemunhas


instrumentárias satisfazer as que lhes dão a possibilidade física e moral de
cumprir, com pleno conhecimento, os seus deveres. Assim, no silêncio da
lei, decidem os juristas alemães (Motive, V, 269; Protokolle, V, 535).

2.CONHECIMENTO DO TESTADOR PELAS TESTEMUNHAS


INSTRUMENTÁRIAS. As testemunhas devem conhecer o testador, ou, por
qualquer modo, certificar-se da identidade e de nue está em perfeito juízo e
sem qualquer coação. As fórmulas tabelioas contêm dizeres como êste:
testador, “de mim conhe~ cido, e das testemunhas”; e isso basta. Aliás, a lei
não exige ser portado por fé. E compreende-se: identidade é coisa que se
pode apurar depois, se houver dúvida, e matéria de maior discussão. Se
aceitaram ser testemunhas e assistiram e assinaram, identificam aquele que
testou com a pessoa nomeada como testador.

Pode ocorrer que, pelo depoimento posterior, de uma ou duas das


testemunhas, não se trate do próprio. Mas isto é quaestio facti: ao juiz
apreciá-la. O testamento lá está, perfeito; se não era o próprio, a assinatura
é de outrem, e o oficial público portou por fé que era o próprio que
assinava. Se a lei não exige do oficial público, que porte por fé conhecerem
as testemunhas o testador, subentende-se que êle, oficial público,o conheça
e, se não era o próprio, mentiu o oficial público: em tudo que êle certificou,
afirmou, impilcitamente, ser o próprio. Declarada a nulidade, por não ter
sido o próprio, responde, criminalmente, o oficial público.

As testemunhas devem ouvir e ver. Não basta que ouçam. Não basta que
vejam. Hão de ter os sentidos. In conspectu testatoris: coram testatore, sub
praesentia ipsius testatoris. O testador pode ser cego: as testemunhas, não.
In conspectu testatoris não quer dizer que as veja o testador, porém que as
tetemunhas o vejam, que estejam todos presentes. J. C. KOCH tentou
provar o contrário, porém sem êxito, O cego testa e já testava. Mas cegos
não podiam ser testemunhas em testamentos. j,Como reconhecer e
identificar o testador? Restava a questão do testamento oral. Os doutos dos
séculos passados muito a discutiam: Huoo DONELO, A. VINNILJS,
JoHANN

VOET, E,. BACHOvIUS, WISSENBACH, Ara. DTETR. TREKELL, 5. L.


B. CoeCEIUS, J. C. KOCH (Progr. de conspectu testatoris ad. L. 9 C., dc
testam., 4) e C . F. WALCH; contra êles, EDUARD HENRYSON e
RITTERSHUSEN, depois, O . W. MATTHIX (Dissertatio de testimonio
cocei et surdi in testamento, cp. II), C . A.

LATIRICH (Dissertatio de coeco idoneo in testamentifactione teste, 2 s.) e


G. E. LEER (Ueber die Frage: ob em Blinder bey Testamenten Zeuge seyn
kãnne, 3 s.). Havia os que reputavam válido o testamento oral feito perante
testemunhas cegas e os que entravam em considerações de totalidade ou
não. Podia ser que outrem fôsse quem declarava, imitando a voz do
testador: experentia enim abunde docet alterius orationem ita ab alio
exprimi posse, ut differentia vix ulla appareat (PETER

MÚLLER).

3.PRECAUÇÃO METODOLóGICA PARA A INTERPRETAÇÃO DO


TExTO LEGAL. Se ajustarmos os arts.

1.650, 1.719 e 1.720 do Código Civil, concluiremos que a lei civil não pôs
no mesmo pé todas as nulidades que possam advir da incapacidade das
testemunhas. Certo, as incapacidades do art. 1.650, 1-111, são absolutas,
isto é, viciam o testamento, a cédula, em sua integridade de ato. Não se dá o
mesmo quanto as do art. 1.650, IV e V, porquanto, em relação a êstes, a lei
providenciou quanto à sanção: no art. 1.720, considerou nulas as dia
posiçoes.

Na parte geral do Código Civil, o sistema que se implan

202

tou foi o da nulidade parcial não invalidante da parte sã, se esta fôr
separável (art. 153). Mais ainda: no art. 130, estatui-se que o ato valerá se a
sanção fôr diferente. Quer dizer:

se a lei fôsse omissa, a preterição do que se diz no art. 1.650 seria a


nulidade (o que se dá em relação ao art. 1.650, 1-111), porém, havendo
sanção diferente contra a preterição da forma exigida, esta, e não a
nulidade, é a conseqUência da civa ex hypothesi existente.

Por método, distingamos: a> nulidade absoluta, por incapacidade absoluta


das testemunhas; b) nulidade da disposição, por aplicável a sanção do art.
1.720 e, em virtude do art. 130, somente ela.

Isto pôsto, lancemos entre as regras jurídicas do artigo 1.650, 1-111, e do


art. 1.650, IV e V, linha divisória que nos sirva de advertência na análise da
lei.

4.INCAPACIDADE ABSOLUTA DAS TESTEMUNHAS. Témos

de cogitar dos menores de dezesseis anos, dos loucos e dos que, por defeito
físico, não podem ser testemunhas instrumentárias. A imperfeição da lei vai
ressaltar, reduzindo a bem pouco o seu valor como iniciativa da regra
jurídica. É flagrante exemplo de regra jurídica escrita impensada.

5.INSTRUMENTARIEDÁDE DAS TESTEMUNHAS E TESTEMUNHO


pROBATÓRIO. No direito de hoje, devemos eliminar questiúnculas
relativas à rogatio das testemunhas. Aliás, o que se pretendia dizer era o
seguinte: há testemunhas que atestam (exemplo: os transeuntes
testemunham o crime a que, de passagem, assistiram) e testemunhas
rogadas, testes rogati, qie se convocam para figurar em certo ato, e
testemunhar os (testemunho de atestação) e as solenidades. Estas são parte
da forma. Houve tempo em que foram partes do próprio

„tto jurídico; depois, vieram a ser instrumentárias, sem deixarem de


pertencer ao todo solene do testamento.

Por isto, têm de assistir desde todo o comêço do ato até final; não precisam
ser chamadas, ou mandadas chamar.

hão de ser voluntárias, isto é, querer ou aceitar a participação na solenidade.


Não seria testemunha instrumentária quem o não tivesse querido, pois
precisa assistir e assinar. Ç neste sentido que se diz não poderem ser
simplesmente testemunhas aci

dentais. Mas, se passava no momento, podia atender ao moribundo.

As velhas fórmulas de redação já se não fazem, nem são de mister.

Se ocorrer que alguma pessoa tenha assistido ao ato sem figurar no texto
como testemunha, não pode do meio para o fim ser tida como tal, se bem
que a tudo tenha assistido; nem substituir alguma que faleça no ato ou tenha
de ausentar-se. Tal pessoa estranha e presente é testemunha daquela espécie,
a que antes aludimos: acidental, voluntária ou não, que só-mente
testemunham de atestação, e não de solenidade.

Por isso mesmo, as exigências do Código Civil, art. 1.650, não concernem a
estas. Se é certo que “os loucos de todo gênero” não podem ser testemunhas
de atestação (art. 142) ou instrumentárias dos testamentos (art. 1.650, II),
não se dá o mesmo com os cegos. Menores de dezesseis anos (arts. 142, III,
e 1.650, 1) nem servem para uma nem para outra missão. Igualmente, os
loucos (arts. 142, 1, e 1.650, II). Indistintamente, os cegos não podem
figurar nos testamentos como testemunhas instrumentárias (o caso do art.
1.663 será, ao seu tempo, discutido), pois assim o estabelece o art. 1.650,
III. Porém, na ação de nulidade, podem ser dadas como testemunhas e ser
inquiridas pessoas cegas que ouviram (e pessoas surdas ou que não sabem
assinar, mas que viram e puderem depor, por escrito aquelas, oralmente
estas). Resultado do artigo 142, II, que estatui não poderem ser admitidos
como testemunhas “os cegos e os surdos, quando a ciência do fato, que se
quer provar, dependa dos sentidos, que lhes faltam”.

Também há discordância entre o art. 1~650, IV e V, e o art. 142, por se não


mencionarem, neste, como incapazes, o herdeiro instituído, seus
ascendentes e descendentes, irmãos e cônjuge, e os legatários, e sim, em
geral, o interessado 110 objeto do litígio, bem como o ascendente e o
descendente, ou o colateral, até o terceiro grau de alguma das partes, por
consagflinidade ou afinidade (art. 142, IV), e os cônjuges (arligo 142, V).
Aliás, as incapacidades do art. 1.650, IV e são relativas.

Por onde se vê que os herdeiros legítimos não contemplados no testamento


podem ser testemunhas instrumentárias.

Não no sendo, se ocorrer ação de nulidade, será interessado no objeto do


litígio; portanto, inadmissível como testemunha de atestação (art. 142, IV).
Não só êle: o seu ascendente ou descendente, ou o colateral até o terceiro
grau, por consangflinidade ou afinidade, bem como o cônjuge. Dar-se-á o
mesmo quanto à pessoa que não é herdeiro legitimo, porém que, nulo o
testamento, seria beneficiado por outro anterior. É interessado no objeto do
litígio.

Surge situação curiosa quando, tendo figurado, em testamento, como


testemunha, um dos herdeiros legítimos, a questão versa sôbre a capacidade
do testador. Aí, a testemunha pode sustentar os fatos e solenidades a que
assistiu, sem que haja discordância quanto ao possivelmente julgado em
relação àcapacidade, assunto técnico, que as testemunhas não podem
atestar. Em todo o caso, na discussão disto, seria interessado no litígio, e
nenhum, por fôrça do art. 142, IV, o seu testemunho. De tal herdeiro só uma
atestação fica: a que resufta da sua posição como testemunha testamentária.

Dizer que o cego não pode ser testemunha instrumentária dos testamentos
não vale dizer que o seu testemunho seja nenhum. No art. 1.650, a exclusão
é completa; porém no artigo 142, II, não no é: o cego pode ser testemunha
do que ouviu, como o surdo-mudo, que pode exprimir-se por sua linguagem
(art. 5, III), pode testemunhar o que viu (art. 142, II).

No direito suíço, a lei não cogitou do cego. Mas é principio geral de direito
que são incapazes de testemunhar todos aqueles a que falta sentido que
impossibilite a função testemunhante. Por isso, a doutrina inclui o cego.

6. SURDOS E MUDOS, E SURDOS-MUDOS. Neque furiosus, neque


mutus, neque surdus, possunt in numero testium adhiberi. Tal o que está nas
Institutas. A lei brasileira só exclui os surdos-mudos. No Projeto primitivo,
art.

1.818, falava-se de mudos e surdos. No Projeto revisto, art. 1.990, de mudos


e surdos. Sucederam a redação que se lhe deu na Câmara dos Deputados
(Trabalhos, VII, 208), onde ainda se lia mudos e surdos, e a da comissão de
redação (Trabalhos, VIII, 241), onde, pela primeira vez, se substituiu por
hífen a copulativa e.

No Código Civil francês, no Código Civil italiano e no Código Civil


alemão, tais questões ficaram às regras jurídicas gerais sôbre testemunhas,
CLÔVIS BEVILÂQUA (Código Civil comentado, VI, 105) entendia que
eram escusadas as regras jurídicas do art. 1.650, 1-111, à vista do que fôra
dito no art. 142. Mas a verdade é que as regras jurídicas não coincidem: no
seu propósito de uniformidade, e de simetria, em vez de atender ao art. 142,
a respeito dos surdos e dos mudos no testemunho testamentário, o Código
Civil ajustou o art. 1.650 ao que se estatui no art. 5, referente à
incapacidade absoluta.

Mudos e surdos, talvez quisesse, por apêgo à errada tradição, dizer; e disse
surdos-mudos. Interpretação superficial tiraria que mudos ou surdos não
estão proibidos de figurar nos testamentos como testemunhas. Ora, quem
proibe ao cego, porque não vê, proibe ao surdo, porque não ouve.

Quanto ao mudo, não se deve, hoje, negar-lhe a capacidade de ser


testemunha instrumentária: nos testamentos contemporâneos, a testemunha
não tem de falar. Tem de ver e de ouvir. O mudo vê e ouve. Se o surdo-
mudo, que pode exprinúr-se, é capaz de exercer direito (art. 5, III), porém
não pode ser testemunha testamentária, não é porque seja surdo- mudo, e
sim porque é surdo. Por ser surdo, não pode testemunhar o que depende do
ouvido. O

legislador brasileiro foi assaz desatento, e o art. 1.650, III, contém,


evidentemente, uma das suas muitas incorreções.

A questão da mudez não interessa, hoje, à capacidade para ser testemunha


testamentária, mas sim ao exercício das formas de testar: constitui, pois,
qualidade subjetiva do testador, e não das testemunhas.

Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 85, pr., lia-se:

“nem pode ser testemunha o furioso, nem o mudo e surdo, nem o cego”.
Mas ANTÔNIO JOAQUIM DE

COUVEIA PINTO (Tratado regular e prático de Testamentos e Sucessões,


108), como o Repertório das Ordena çóes e Leis cio Reino de Portugal (IV,
419), entendia tratar-se de furioso, surdo, mudo, cego, e não surdo-mudo.

Assim, TEIXEIIIA DE FREITAS (Consolidação, artigo 1.063, § 3, e


Tratado de Testamentos e Sucessões, 112) distinguia duas classes: mudos e
surdos, porque era o que se achava na lei. O velho êrro do direito lusitano,
que equiparava a mudez da testemunha à mudez do testador, persiste,
agravado pelo hífen, no Código Civil, art. 1.650, III.

A pessoa completamente surda pode ser testemunha no testamento


particular. A lei cogitou de surdos-mudos e de cegos (art. 1.650, III), e não
de surdos.

Se o surdo não sabe ler, toltitur quaestio: não pode conheeer o conteúdo do
testamento público ou do particular, nem de ouvido, nem pela leitura; nem
ouvir o que o oficial público pergunta, ou o que o testador declara, ao
entregar o testamento cerrado (art. 1.688, V), nem ler o que o testador teria
de escrever no caso do art. 1.642.
Se o surdo sabe ler, pode conhecer a redação do art. 1.682, 1, porém não
poderia atestar as declarações do testador.

No testamento particular, se viu escrever, e leu, então não está êle inibido, É
verdade que o art. 1.645, III, manda que seja lido perante as testemunhas.
Porém seria excesso de apêgo à. letra. No cerrado, teria de ouvir as
declarações do testador ao entregar à aprovação e ouvir a leitura do auto.

No direito escrito suíço, nada se disse quanto aos surdos. Quanto a êles e
aos surdos-mudos, a doutrina entendeu, acertadamente, que não há
incapacidade a priori: se pode, por algum modo, certificar-se da identidade
do testador e da veracidade do testamento escrito, não lhe é vedado ser
testemunha.

~ Quais são os incapazes, pelo Código Civil, art. 1.650, III, de figurar como
testemunhas testamentárias? A lei, reduzida a iniciativa da regra jurídica,
pelos seus defeitos, perdeu a respeitabilidade ordinária. ~Qual o juiz que
aceitaria testamentos cujas testemunhas fôssem surdas? Nenhum. E a lei
não os fêz incapazes. j,Qual o juiz que reputaria nulo o testamento em que
figurassem mudos como testemunhas, se êles pudessem, pela escrita, ou
pela linguagem dêles, prestar o testemunho do que ouviram ler? Nenhum.
~Qual o juiz que julgaria nulo o testamento cujas testemunhas, surdas-
mudas, leram o instrumento, que o testador escreveu à vista delas, ou o
oficial público, uno actu, lavrou? Nenhum.

Para os nossos dias, o art. 1.650 é defeituoso. Melhor fôra não existisse.
Aqui, os dados da vida prefixam, precisamente, a regra jurídica. Nem por
falta de texto, que o proTbisse, deixariam os cegos de ser incapazes.

Melhor proceder teve o Código Civil alemão: que a doutrina formule a


regra jurídica. Aqui, ou alhures, se é preciso ouvir, surdo não pode
testemunhar; se é preciso ver e isto é indispensável, pela exigência de
identificação cego não pode ser testemunha (F. ENDEMANN, Lehrbuch
des Ritrgerlichen Rechis, III, 300).

Quanto ao mudo, ~ por que exclui-lo? Mudo vê, mudo ouve:


mudo, talvez, possa atestar (exigência probatória) e figurar, assinando
(exigência instrumental).

O surdo-mudo, a que a lei se refere, é o que não pode exprimir, nem ler:
quem lê, lerá; quem lê, e sabe escrever assina e pode depor, pois tudo viu,
leu (vale o mesmo que ouvir, se testamento hológrafo). Pode, pois, ser
testemunha nos casos de holograf ia. Não precisa ouvir o que está escrito, se
êle mesmo leu. Mas está excluido dos testamentos públicos e cerrados, por
ser surdo.

A lei civil, por inadvertência, omitiu os que não sabem ou não podem
assinar. O art. 1.650, 1-111, do Código Civil refere-se a menores de
dezesseis anos, a loucos de todo o gênero e aos que, por defeito de vista ou
de ouvido, não podem ser testemunhas. Mas não se referiu ao que não sabe
assinar. Todavia, em virtude da letra da própria lei, só o que pode assinar
figura, como testemunha, no testamento público (art. 1.632, IV), no cerrado
(art. 1.688, IX) e no particular (art. 1.645, III). Nos próprios testamentos
especiais: marítimo (ad. 1.657, § 2.0) e militar (art. 1.660).

Sõmente no caso do art. 1.663, inteiramente excepcional, fôra de discutir-se


a possibilidade.

Mas o que não sabe ou não pode assinar não fica inibido de depor como
testemunha de fatos (o art. 142 não os exclui. nem os poderia excluir).

7. ANALFABETO E INCAPACIDADE EUREMÁTICA Além dos casos


do Código Civil, art. 1.650, não podem ser testemunhas testamentárias os
analfabetos: no testamento público, porque precisa ser assinado por elas
(art.

1.632, IV); no cerrado e no particular, pelo mesmo motivo (arts. 1.638, IX,
e 1.645, III) ; bem assim no marítimo (art. 1.657). Só há um caso de
testamento em que o analfabeto pode ser testemunha: o militar nuncupativo
(art.

1.668).
Resta uma questão: ~ se a testemunha (somos levados ao “cortar de cabelo
em quatro”, criado pelo Código Civil, artigos 1.638, III, e 1.641, em caso
inverso) sabe assinar e não sabe ler? ~ Pode figurar no testamento cerrado?

Seria admissível, porque é testemunha de fato, e não de escrita (art. 1.638,


1V-VI) ; mas, ainda neste caso, é preciso que se lhe leia o auto de
aprovação (art. 1.638, IX). Não pode assinar a rogo do testador: somente
assina a rôgo quem sabe ler. De qualquer maneira, a testemunha que não
sabe ler seria fraquissima prova de leitura. Nos testamentos públicos, o
oficial público não as deve admitir. Nos particulares, deve evitá-las o
testador. Seria assaz precário o valor probante do seu testemunho sôbre as
disposições.

Mas aqui (tratando-se de testamento hológrafo), como em todos os outros


casos, as circunstâncias têm de ser levadas em conta. Pode haver no lugar e
em momento urgente quem não saiba ler e no entanto saiba assinar.

No direito alemão exige-se, no processo verbal do testamento público,


presença e assinatura das testemunhas (Código Civil alemão, § 2.242), mas
pode ser a rógo (F. RITGEN, em O.PLANCK, Riirgerliches Gesetzbuch, V,
460), ou pela marca de que trata o § 116 (Motive, V, 273 5.; A. WEISSLER,
Das deutsche Nachlassverfahren, 146).

No direito suíço, a lei, falando dos incapazes de testemunhar nos


testamentos, incluiu os que não sabem ler nem escrever (art. 503). A
d%speito da redação, que parece af ir-mar que só sejam incapazes os que
não sabem ler nem escrever (~ ficariam a salvo os que sabem ler e não
sabem ou não podem escrever, e os que sabem escrever e não sabem ou não
podem ler!) e da opinião de EUGÊNE CURTI-FORRER (Commentaire dii
Code Civil suisse, 398), a boa sustentação é a de P.TUOR (Kommentar zum
schweizerisehen Zivilgesetzbuch, III, 817).

8.ESCREvENTES E EMPREGADOS DOS CARTÓRIOS. Podem ser


testemunhas, ainda que em testamentos públicos. Mas, em verdade, ficam
diminuídas pela função no caso de surgir ação de nulidade. Fôra melhor tê-
los excluído da capacidade de ser testemunhas.
Os funcionários dos cartórios podem ser testemunhas nos testamentos que
lá se lavrem, ou forem entregues para cerramento, ou para publicação. O
art. 1.650 do Código Civil de modo nenhum os apanha (cf. 3 3 Câmara
Civil da Côrte de Apelação de São Paulo, 11 de dezembro de 1986; 1.a
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 21 de março de 1950, R.
dos 2‟., 105, 674, e 186, 763).

Também os testamenteiros ou inventariantes podem ser testemunhas (3.3


Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 30 de outubro de 1946,
R. dos T., 165, 680).

Nos países, em que os empregados podem escrever, pelos oficiais, os


testamentos, cria-se séria questão: se a êstes empregados são aplicáveis
disposições da natureza do Código Civil, arts. 1.719 e 1.720. Ter-se-á,
então, de cindir o problema:

empregado-instrumento e empregado-substituto do oficial público. Dá-se


isto, por exemplo, a respeito dos arts. 501

e 503 do Código Civil suíço (Protolcolle, 602; A. ESCRER, Das Erbrecht,


Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 86).

No Código Civil alemão, §§ 2.2342.237, as disposições apanham não só os


escreventes como também (§ 2.237, 4) os que são empregados do juiz ou do
notário instrumentante. (Instrumentante, ai, é o notário, e não o empregado:
o

§ 2.237, 4, apanha quaisquer empregados, domésticos ou não.)

§ 5.902.Incapacidade relativa às ligações de herdeiros e legatários e pessoas


a êles ligadas 1. LIGAÇõES. O art. 130 do Código Civil é de sérias
conseqúências na interpretação do art. 1.650. Não se pode decretar a
nulidade do ato quando, por preterição da formalidade exigida, deu a lei
sanção diferente.

O oficial público, diante do art. 1.650, não deve lacrar o ato com as
testemunhas a que se refere o art. 1.650, IV e V. Mas, se lavrar, só por isto
não será nulo o testamento: nula será a disposição (art. 1.720). Foi a sanção
que a lei fixou.

Demais, tal é o direito contemporâneo: o concurso da pessoa proibida só


tem o efeito de tornar nula a liberalidade a que se liga. Cp. Código Civil
alemão, § 2.285, alínea 2~a As espécies do art. 1.650, IV e V, do Código
Civil (Código Civil alemão, § 2.235) são essencialmente diferentes das que
se mencionam no art. 1.650, 1-111 (Código Civil alemão, § 2.237).

Como teremos de ver, a enumeração do art. 1.650, IV e V, é incompleta


(como o foi a do art. 1.650, 1-111) : o próprio Código Civil, arts. 1.720 e
1.719, se choca com o art. 1.650.

§§ 5.900-5.905. TESTEMUNHAS TESTAMENTÁRIAS

No Código Civil, art. 1.650, IV e V, veda-se ao herdeiro instituído, seus


ascendentes e descendentes, irmãos e cônjuge, bem como aos legatários,
serem testemunhas no testamento. Discute-se se tais pessoas podem assinar,
a rôgo, o testâmento, se não são testemunhas testamentárias, e sim
extratestamentárias, isto é, pessoas presentes a mais. A resposta foi firmada
em interpretação que déramos (Tratado dos Testamentos, II, 253). Se quem
assinou a rôgo não era uma das testemunhas instrumentárias, não há
nulidade pelo fato de ser herdeira instituída, descendente ou ascendente,
irmão ou cônjuge do herdeiro instituído. Acrescentemos: o legatário, que
não é testemunha, pode assinar a rôgo. O art. 1.650, IV e V, só se refere a
testemunhas instrumentárias (cf. Supremo Tribunal Federal, 8 de janeiro de
1950, D. da J. de 25 de novembro de 1951).

~Os herdeiros instituidos a que se refere o art. 1.650, IV, são apenas os
diretos? Herdeiros instituidos que não podem ser testemunhas são os plenos
proprietários, os nus-proprietários e os usufrutuários. Resta saber se
também os fideicomissários.

No direito romano, se heres primus ou heres substitutus, universal ou ex


parte, não havia questão (F . C.
HARPPRECHT, Disputatio de testimonio testamentario heredi interdieto,
§§ 10 e 13).

Mas os fideicomissários, com o os legatários, eram excluídos da proibição


(F . C. HARPPRECHT, Disputatio de testimoqijo testamentario legatarjis
permisso, 1 5.; E. vON LÕER, Kurze Bemerkungen aus dem‟ Gebiete des
Erbrechts, Archir fur die civilistisefle Praxis, II, 189-191). Nas Institutas, §
11, de testamentis ordinandis, 2, 10, escreveu-se: “Legatariis autem et
fideicommissariis, quia non iuris successores sunt, et aliis personis eis
coniunctis testimonium non denegamus, immo in quadam nostra
constitutione et hoc specialiter concessimus, et multo magis bis, qui in
eorum potestate sunt, vel qui eos ha~ bent in potestate, huiusmodi licentiam
damus”.

A constituição não está no Codex. Talvez falte (KARL WITTE, Leges


restitutae des Jwstinianischen Codex, 199).

Mas, antes de Justiniano, já existia a exceção (L. 14, D., de rebus dubjis, 34,
5).

Alguns velhos praxistas e comentadores distinguiam (e bem) o fideicomisso


singular e o universal. Se fideicomissarius universalis, não podia ser
testemunha no testamento. Se s2n-gularis, não lhe era vedado (A.

FABER, De Erroribus pragmaticorum et Inter pretatione inris, d. 66, error


5; C. CANTIUNGUIA, Paraphras. in tres prior. Institution. civil. libros,
347). Tal separação, que se vê em A. VINIUS, 1-1. HAHN, STRAUCH,
BAdilovIus e Cmi. GIL. HAUBOLD, se simetriza com a distinção romana
de herdeiro e legatário. Mas teve opositores fortes, e.g., E. C.
HARPPRECHT (Disputatio de testimonio testamentario fideicommissarii,
t. 15-20), em dissertação especial. Também, em parte, com razão; porque,
se a distinção era justa, aqueles entendiam que o fideicommissarius
singularis não era iuris successor. Em suma: mistura de conceitos romanos
e modernos.

Hoje, seja legado ou herança, o fideicomissário não pode ser testemunha.


Mas, se o fideicomisso é legado, os parentes e cônjuges, se figurarem como
testemunhas, não fazem nulo o testamento. Ainda sendo herança, se o
beneficiado como fideicomissário é pessoa incerta, porque, então, seriam
excluídos do testemunho todos os parentes das pessoas possíveis.

2.PARENTES EM LINHA RETA, IRMÀOS E CÔNJUGE DO


HERDEIRO. Na proibição do Código Civil, art.

1.650, IV, operou-se mudança de conteúdo em relação ao direito romano.


Nele, o fundamento era o poder político-jurídico do pater familias, se
testemunha, se pai da testemunha, ou se testemunha e herdeiro estavam sob
a patria potestas; hoje, o fundamento é econômico afetivo (ascendentes,
descendentes, irmãos e cônjuges).

Devido a tal diferença, temos:

a) No velho direito, o parentesco, só por si, não opa rava: não tornava
incapaz a testemunha; a relação de pátrio poder, horizontal ou vertical, sim.
Cp. H . F. OTTo (Tractatus de testimonio fraterno testamentario contra
communem doetorum opznzonem, s. III), contra a opinião dominante.

b) No direito de hoje, opera: o irmão do herdeiro, s6 por ser herdeiro, é


incapaz. Não se cogita de pátrio poder: o‟

conteúdo é econômico afetivo. (Por isso mesmo, é lamentável ler-se em


FERREIRA ALvES, Manual, 19, 186, que as Ordenações Filipinas, Livro
IV, Título 85, § 19, foram a fonte do art. 1.650, IV.) 8. HERDEIROS
LEGÍTIMOS, HERDEIROS INSTITUIDOS E LEGATÁRIOS,
TESTEMUNHAS NOUTRA CÉDULA. É velha a proibição de ser
testemunha o herdeiro inscrito. Qui testamento here instituitur, in eodem
testamento testis esse non potest.

Mas é permitido pelo Código Civil:

a) Que os legítimos, não beneficiados testamentàriamente, sejam


testemunhas, a) ainda que nos testamentos lhes gravem as legítimas, de
acôrdo com o art. 1.723, porque a clausulação, por si só, não os tornaria
suspeitos, b) ou se o testador mantida a igualdade dos que recebem por lei
procede à distribuição, dentro das legítimas, de todos os seus bens &ité a
metade do monte), ou de alguns.

b) Que a testemunha do testamento seja contemplada no outro testamento,


em que não figure, ou em codicilo.

No art. 1.650, V, não há incorreção, mas lacuna. No livro Fontes e Evolução


(441), não argflimos de érro o art.

1.650, V, mas de lacuna. Lacuna, porque se não previu a presença de


descendentes, ou ascendentes, irmão ou cônjuge do legatário. Porém daí a
aprovarmos a crítica de CLÕWS BEVILÁQUA longa distância haveria:
para êle (Código Civil comentado, VI, 105), se não pusermos os legatários
no mesmo pé que os herdeiros, isto é, se não considerarmos incapazes de
ser testemunhas instrumentárias a legatários, ascendentes, descendentes,
irmãos e cônjuges, atribuIremos “à lei feia mácula de uma grosseira
inconseqUência”. Entendia que, ainda no silêncio da lei, são incapazes.

Ora, ~ a sanção seria a nulidade? Mas ~ nulidade do testamento, por uma


testemunha ser defeituosa em relação a uni legado? Seria injustiça. Se o
legado fôsse nulo, vá. Mas o testamento, não. Compreende-se que o torne
nulo a incapacidade do legatário testemunha: figura no texto. Mas nem isso
está na lei. O conteúdo é bem diferente. Basta que se leiam os artigos 1.719
e 1.720, onde a sanção, por haver herdeiro instituido ou legatário que é
testemunha, não é a da nulidade do ato, mas, parcialmente, a da disposição.
Ora, se a lei fixa sanção diferente da sanção de nulidade do ato, não se
podem aplicar duas sanções, nem se há de preferir a sanção maior, não
expressa na lei, à sanção menor claramente escrita no texto legal.

No redigir-se o art. 1.650, V, houve lacuna, e não érro, . lacuna que o art.
1.720 enche: lá se diz que se reputam pessoas interpostas o pai, a mãe, os
descendentes e o cônjuge do incapaz, o que quase equivale ao art. 1.650, IV

(ascendentes, descendentes, irmãos e cônjuges). A diferença fica em avós,


bisavós, etc., e irmãos. tE justo equiparar-se em tudo o legatário ao
herdeiro?
No direito romano, os legatários não eram excluídos da capacidade de ser
testemunhas. Os herdeiros, sim. Os herdeiros e as mais pessoas a êle ligadas
pela patria potestas: o pater, o de quem êle é pater, ou o com quem se acha
em pátrio poder de outrem.

A lei brasileira acrescentou os “legatários”. Mas ~ invalidar o testamento


pelo só acidente de nele figurar, por exemplo, o irmão de um legatário é
coisa que se compadeça com o favor testamenti?

Não. E ao direito contemporâneo repugnaria, como repugnaria aos antigos


sistemas jurídicos.

4.HERANÇA INSTITUÍDO, AINDA QUE “EX CERTARE”.

Em outras questões, que animavam as disposições dos séculos XVI e XVII,


o Código Civil, art. 1.650, V, veio resolver a da incapacidade da testemunha
que é heres e re certa scriptus. Antes pela consideração de não ser co-
herdeiro do monte, mas herdeiro de coisa certa, entendiam alguns, como
P~R MDL-LER, em EI. A. STRUXTE

(Syntagma iurisprudentiae, ex. 32, 657) e F. C. HARPPRECHT


(Disputationes academicue, 1, 1548 s.), que sendo como legatário, a
legatário devia assimilar-se. ~E o ius accrescendi de tôda a herança? &E as
dúvidas da herança?

Melhor opinião era dos que consideravam iuris suecessor (HUGo


DONELO, Commentarii de jure civili, VI, 890

J.VOLKMANN, Dissertatio de heredibus e re certa seriptis, § 15).

Seja como fôr, o Código Civil elidiu, em parte, a questão. Mas só em parte.
Porque há diferença quanto a parentes e cônjuges, no art. 1.650, IV e V,
combinado com o art. 1.720.

§§ 5.900-5.905. TESTEMUNHAS TESTAMENTARIAS


O herdeiro ex re certa herdeiro é, e não legatário. Se tem ins accrescendi de
tôda a herança, nenhuma dúvida fica quanto a ser herdeiro, e observar-se-á
o inciso IV, e não o V.

5.LEGATÁRIO NÃO PODE SER TESTEMUNHA EM TESTAMENTO.


Com a proibição do Código Civil, art.

1.650, V, vence a velha opinião de A. FABER (De Erroribus


pragmaticorum et Interpretatione luris, d. 66. error 8), que era só,
combatida, nos séculos passados. No célebre tratado De Erroribus
pragmaticorum, sustentava que, após a Novela 1, c. 1, legatários não
podiam ser testemunhas no testamento. Porque podiam ser iuris
successores, no caso da Novela.

O argumento contra A. FAamt era o seguinte: no caso de virem a ser,


segundo a Novela, iuris successores, não no eram ex testamento, como os
heredes seriptis e substituti, mas ex singulari legis dispositione (F. C.

HARPFRECHT, Disputationes academicae, 1, 1479 5.; E. CHR.


WESTPHAL, Theorie des rômischen Rech,ts vou Testamenten, § 197).
Com a proibição de ser testemunha o legatário, o Código Civil francês, art.
975, o espanhol, art. 682, o argentino, artigo 3.740, e o alemão, § 2.285.

6.DESQUITADO, HERDEIRO INSTITUIDO OU LEGATÁRIO E


CÔNJUGE. APode o desquitado ser testemunha no testamento em que seja
contemplado o outro cônjuge? O Código Civil, arts. 1.650, IV, 1.719, 1, e
1.720, é omisso. Só se refere a cônjuge, sem distinguir, O Código Civil
alemão, §§ 2.284--2.286,foi explícito: cônjuge, “auch wenn die Ehe nicht
mehr besteht”, também se o casamento já não existir. O Código Civil suíço,
art.

508, disse apenas “cônjuges”. É, precisamente, o caso do Brasil. Ou,


melhor, seria o mesmo se o sistema jurídico brasileiro tivesse o divórcio.
Comentando o art. 508, os juristas suíços entendem que se trata do cônjuge
enquanto exista o casamento: o divorciado e o cônjuge de casamento
declarado nulo podem concorrer como oficial público ou como testemunha.
Não temos, sôbre isso, nenhuma dúvida. Também no Brasil, nulo o
casamento, o cônjuge pode ser testemunha. Na ausência de lei, é de admitir-
se: as concubinas e os amantes não são incapazes de testemunhar,
instrumentàriamente, nos testamentos. Compreende-se o alcance do Código
Civil alemão e louva-se.

Tanto assim que, antes de declarar-se nulo o casamento, a fortiori de


decretar-se a anulação se o casado serve de testemunha, vicia o ato,
tornando-o nulo.

No caso de desquite, continua de haver cônjuge. Não há comunhão de bens,


nem expectativa próxima de comunicação de bens herdados. Porém a
faculdade de se restaurar tal regime, ou a sociedade conjugal, comunicadora
de interêsses, quando não haja comunhão de bens, deve tornar
relativamente incapaz o cônjuge. A presunção legal de interposta pessoa
impõe-se ao juiz.

Aliás, no caso de casamento declarado nulo, se não há, na espécie,


presunção legal de interposição (art. 1.720), não fica excluida a
possibilidade de ser anulada a disposição, por se tratar de interposta pessoa.
Cresce de ponto tal presunção facti, quando do casamento nulo existem
filhos. Conforme várias vêzes teremos de dizer, a 2,a alínea do art. 1.720
estabelece a sanção legal, e a alínea lª permite a anulação por interposição
de pessoa, quando isso se prove, caso em que serão meios de prova as
presunções de fato.

Portanto, a diferença que divide os três Códigos Civis, alemão, suíço e


brasileiro, está em que o primeiro elevou àcategoria de praesumptio iuris et
de jure o que, para os outros, constitui praesumptio facti. Noutros têrmos, o
que faria anulável, faz, por fôrça de lei, nulo.

Pràticamente, no direito brasileiro se o beneficiado é cônjuge, e não foi


anulado o casamento ao tempo em que o consorte figurou como
testemunha, ou não foi decretada nulidade em tal tempo, ou, num e noutro
caso, se foi proclamada a putatividade quanto a ambos ou quanto a um só,
basta que se peça, no juízo dos testamentos, a decretação da nulidade. Tal o
efeito da sanção legal.

Nos demais casos, ter-se-á de provar a interposição e dependerá de ação a


decisão que invalide as disposições.

Às vêzes ocorre que desquitado brasileiro continua, pela lei brasileira,


ligado a estrangeiro, que, por sua lei pessoal, se casou com outrem. Se fôr
testemunha o cônjuge recasado no testamento em que se beneficie o
desquitado Brasileiro, nâo deve o juiz considerar nula a disposição:
desapareceu qualquer vestígio do fundamento econômico-afetivo. Se a
testemunha foi o Brasileiro desquitado e beneficiado o consorte estrangeiro
recasado, impõe-se igual solução: não há a expectativa de ligação
econômico-afetiva, se bem que perdure (pelas amarras religioso-juridicas
do direito brasileiro, ponto inerte entre o mundo europeu e o americano), o
vinculo conjugal.

Mas sempre é possível a prova da interposição, quaisquer que sejam as


pessoas escapas à presunção legal.

7.TESTEMUNHAS TESTAMENTÁRIAS: TUTÔRES E


TESTAMENTEIROS. ~ Os testamenteiros e tutôres podem ser testemunhas
nos testamentos, se por outra causa (legado que não seja remuneratório das
funções de testamenteiro) não forem incapazes? Sim, responde FERREIRA
ALvES (Manual do Código Civit Brasileiro, 19, 137).

Quanto aos tutôres, impõe-se a afirmativa. Quanto aos testamenteiros, há


discordâncias, e a questão será discutida quando tratarmos da testamentaria.

Presunção legal de interposição, não há quanto a tutôres ou testamenteiros;


mas a interposição provada, esta se faz firme quanto a quaisquer pessoas.

8.NOIvADOS, AMIZADE INTIMA, INIMIZADE CAPITAL. O noivado


não constitui impedimento às testemunhas, ainda em direito, como o
alemão, que consagra o instituto dos esponsais (F.RITGEN, em G.
PLANÇK, R‟&rgerliches Gesetzbuch, V, 447). A amizade íntima e a
inimizade capital não obstam a figurar como testemunha. Quiçá, defeito;
não incapacidade. Trata-se de testemunha instrumentária e não probatória.

9.TESTAMENTO DO PAI DA TESTEMUNHA. Há questões que o Código


Civil, art. 1.650, deixou.

Se, no testamento do pai, pode o filho menor de vinte e um anos e maior de


dezesseis ser testemunha. Não se trata de testemunha acidental, mas
instrumentária. Acidental, só para atestar, não poderia ser (art. 142, IV).
Mas, quanto ao testemunho testamentário, não há, na lei, exclusão de
ascendentes, descendentes, colaterais ou cônjuges dos testadores. Os
parentes que se excluem são os dos herdeiros instituidos. Só êstes.

Fica o argumento de se tratar de menor sob o pátrio poder do testador. Se no


testamento fôr contemplado, a questão não se formula: na qualidade de
herdeiro instituído, não pode ser testemunha instrumentária do testamento.
Se o testador não dispõe a favor dêle, vale o testemunho: a lei ressalva a
parte legítima, e o testador pode dispor livremente da outra. Só uma espécie
é de molde a levantar discussão: se, no testamento, - o pai deserda o filho
testemunha.

Dois aspectos: inexistência de pátrio poder ou exercício por outrem, que


não o pai testador; exercício pelo pai.
Ali, há parentesco, aqui, parentesco e pátrio poder. Diz-se que aquele, só
por si, não impede (C. F. WALCH, Introductio in controversias iuris civilis,
268) : pode o filho subscrever, confessar, concordar com a própria
deserdação (L. 8, § 6, D., de bonorum possessione contra tabul as, 87, 4).
Assim, HUGO DONELO (Commentarii de iure civili, cp. 7, § 17), J.
PACIUS (Analys. Institution. Tit. de testamentis ordinandis, § 9), E.
BRONCHORST ($>atuaçrnkou, 292) e R. BAcHOvIUS (Not. et
animadvers. ad TREUTLER, 540). A despeito de tais sustenta-dores, quem
diz deserda ção diz afirmativa de atos ímora2s (arts. 1.595-1.744). Tal
testemunha probatória seria defeituosíssima. Testamentária (e aqui só esta é
questão), participa de ato em que se lhe imputam torpezas. Nem a sua
assinatura dispensa a prova do art. 1.743, nem fica posta de parte a
incapacidade da testemunha por Vocação.

Se houver deserdação, e a testemunha fôr filho sob o pátrio poder, o seu


testemunho não vale (J. J.

WISSENBACH, Commentaria ad Institut. Iustin., 100). A torpeza, que se


declara, foi reconhecida por pessoa subordinada ao interessado no ato. Tal
testamento é, em si, ato nulo, por ilicitude: ofende aos bons costumes,
ofende à dignidade humana, ofende à função, educativa e protetora, do
pátrio poder.

10.PAI, TESTEMUNHA NO TESTAMENTO DO FILHO. A lei não proibe


que o filho teste e chame por testemunha o pai. Se êste é herdeiro instituído,
ou alguém do Código Civil, artigo 1.650, IV, ou se é legatária a testemunha,
nulo é o testamento. Mas, se o pai nenhum beneficio para si tirou, não lhe é
proIbido ser testemunha no testamento do filho. Contra:RAEvARDUS, V.
ZUICHEMUS (Conim. in Tit. Ins titutionum de testamentis ordinandis, ad §
9, 1., 2, 10), J. PACIUS (Analys. Institution. Tit. de testamentis ordinandis,
§ 91>, B. BaíssoNiUs (Opus de Verborum, quae ad ius civile
pertinent,significatione, v. Domesticus) . A favor: L. 20, § 2, D., qul
testamenta facere possunt et quemadmodum testamenta fiant, 28, 1, e A.
VINNIUS. Os outros juristas explicaram o texto como só referente ao
testamento militar. A distinção do peculium castrense e dos outros bens não
interessa, hoje, ao testamento. Não há nenhuma limitação quanto a objeto.
Oque dissemos sôbre o testamento em que se deserda o filho vale para o em
que se deserda o pai. A situação é a mesma.

§ 5.908. Nulidade do testamento por incapacidade da testemunha e outros


figurantes 1.SANÇÀO DE NULIDADE. A lei só se referiu a testemunhas.
Mas há pessoas que nos testamentos figuram, e sao, neles, como se fôssem
testemunhas. Em regra, não os reduz a lei a simples instrumentos. Dá-lhes
atribuições cuja importância os eleva, pelo menos, à categoria de
testemunhas instrumentárias.

Enumeração dos casos de nulidade devida a figurantes. É nulo o


testamento: a)Se figura como uma das cinco testemunhas pessoa menor de
dezesseis anos: não há o número legal (arts. 1.632, 1, 1.688, IV, e 1.645, II).

b)Se figura como subscritor, a rôgo, menor de dezesseis anos, tenha ou não
figurado como redator do ato (subscritor, art. 1.637, redator e subscritor, art.
1.688, 1-111).

c)Se figura como leitor do testamento do surdo pessoa menor de dezesseis


anos (art. 1.636>. Outrossim do testamento do cego (art. 1.637).

d)Se fôr louca uma das cinco testemunhas (arts. 1.650, II, 1.682, 1, 1.688,
IV, e 1.645, II). Igualmente, qualquer das pessoas acima referidas, em b) e
c).

e)Se qualquer das pessoas referidas em a), b) e c) fôr cega (art. 1.650, III).

f)Se qualquer das testemunhas fôr completamente surda (somente por isso o
surdo-mudo é incapaz). Mas, se no testamento particular, houve três que o
confirmam, vale (artigo 1.647), bem como se, ainda sendo uma das
restantes, se o surdo (ou o surdo-mudo) puder depor. Não é possível, sem
absurdo, ainda quanto aos testamentos públicos e cerrados, negar ao juiz a
apreciação das circunstâncias. Nunca se deve, porém, excluir em tais casos
a responsabilidade do oficial público:

nulo o testamento, por defeito tão visível da testemunha, quer no testamento


público, quer no cerrado, necessáriamente se estabelece a sua
responsabilidade, ali por sua função em tod.o o ato; aqui, pela aprovação
que deu à cédula testamentária.

Tenhamos sempre aos olhos que o formalismo mais se justifica onde se


pode salvar, pela indireta execuçao do testamento, à custa do oficial
público, o interêsse dos contemplados. Com êste fundamento é que se
conciliam rigorismo formular e favor testamenti.

g)Se alguma das testemunhas deixou de assinar, ou se outrem assinou por


ela. O testamento a rôgo só se permite, vor necessidade irremovível, quanto
ao testador, e não quanto às testemunhas.

h)Se o testamento não é hológraf o e analfabeta a testemunha ou a pessoa


mencionada em b) e c), nulo é o testamento público, pela impossibilidade
da conferência do declarado com o redigido, ou o cerrado, pelo motivo da
verificação da leitura do ato de aprovação. Nos testamentos hológrafos,
wais liberal deve ser a interpretação: a testemunha depoe sôbre o que lhe foi
tido e reconhece a própria assinatura (artigo 1.647). A solução está sujeita a
outros princípios, que são, na espécie, os de publicação em juízo conforme
regras jurídicas de caráter probatório que permitem atenuar o duro
formalismo instrumental da forma pública. Demais, nulo o testamento
particular, apagam-se quaisquer efeitos do ato testamentário. Nulo o
testamento cerrado ou público, responde o oficia l público. Antes, quanto
aos arts. 1.647 e 1.648, já tratamos de outros pontos.

i)No caso de, aplicada a lei penal, ficar alguém privado de testemunhar,
nulo é o seu testemunho. Nulo, portanto, o testamento. Mas a putatividade
não pode ser desprezada.

Pelas razões que já demos, não está privado de ser testemunha o mudo.

2.NULIDADE POR INCAPACIDADE DE TESTEMUNHA E “FAVOR


TESTAMENTI. Tudo que acima se disse seria simples e claro, se, em favor
do testamento, não interviessem considerações de grande importância, para
atenuar a rigidez dos princípios de nulidade.

§ 5.904. Érro de fato e êrro de direito


1.CONVOCAÇÃO E ERRO. No convocar as testemunhas~ dois erros
podem dar-se: o de direito e o de fato.

2.ÉRRO DE DIREITO E CAPACIDADE. O êrro pode ser quanto à


incapacidade das testemunhas, dos leitores e dos. subscritores a rôgo. Pode
ocorrer que o testador ignore a lei que exclui do testemunho testamentário
as pessoas que convocou e das funções dos arts. 1.637, 1.688, 1 e III, e
1.636, as pessoas que não podem ser testemunhas.

Tratando-se, como se trata, de êrro de direito, a ignorância, em princípio,


não sana a nulidade do ato. Nemo iu,s ignorare consetur. Tem-se decidido
que não merece indulgência, mas acertadamente se introduz caber ação
contra o notário, cujo êrro de direito constitui. grave perigo público, por
parte dos herdeiros, ou legatários (R.SAVATIER, Sanction sur l‟incapacité
d‟un témoin dans les. testaments authentiques, Révue Trimestrielle de Droit
Civil, 22, 810), e beneficiados. Contra isso, o que se alega é que o testador,
e não o tabelião que escolhe as testemunhas. De qualquer modo, trata-se de
culpa se êste oficial público conhecia o estado de fato.

Pode ocorrer que tenham sido os herdeiros legítimos os causadores da


escolha, com o fito na nulidade, que lhes aproveita. Serão responsáveis. O
tribunal <de Mauriac argumentou com a cobertura do ato dos herdeiros,
pois o testador fêz sua a escolha. Mas é inaceitável a objeção. Se o testador
aceitou, ou quis as testemunhas que lhe sugeriram isso, prova que a.
manobra dolosa surtiu efeito. Cabe a ação de indenização contra os
herdeiros.

Oprincípio esbarra com os fatos, no testamento particular, ou, ainda nos


demais, quando nem testador, nem oficial público podiam conhecer a lei
regedora da capacidade testemunhal.

Daí têrmos de afastar, em alguns casos, ao princípio das. limitações da


putatividade 3.DE COMO SE APRECIA A INCAPACIDADE DAS
TES‟rEMUNHA5. Algumas proposições podemos extrair quanto ao
assunto:
a) A incapacidade das testemunhas não se presume. Quem a alega deve
prová-la.

b) A capacidade é a do momento da feitura e vale o que se disse sôbre a


capacidade do próprio testador.

c) Neste assunto, a capacidade putativa há de ter o mesmo trato que a real.

4.CAPACIDADE PIITATIVA DAS TESTEMUNHAS O assunto envolve a


questão, assaz delicada, dos erros de fato e dos erros de direito. É princípio
decorrente da necessidade social que a lei, pela publicação, deve obrigar em
todo o círculo social. Donde as conseqúências aforísticas: error iuris non
excusat, error juris cuique nocet, nemo ius ignorare censetur. Porém não só
as leis como os próprios princípios superiores de direito reduzem a valôres
relativos tais adágios, acutilando-os por todos os lados. Em verdade, todos
êles refletem o apriorismo das regras jurídicas de inescusabilidade do êrro.
Uma das principais distinções é a seguinte~ um fato é o aplicar-se a lei, de
golpe, a todos, e isto não se nega, e outro, invocar-se o êrro de direito como
pressuposto de certos atos a que a lei atribui consequências jurídicas. Ora,
nessa espécie, em que se invoca êrro de direito como pressuposto de ato,
não se ofende o princípio da eficácia obrigatória da lei.

Cinde-se, assim, a questão: a) êrro de direito; b) êrro de fato.

5.ÉRRO DE DIREITO QUANTO À CAPACIDADE DAS


TESTEMUNHAS. É evidente que não se pode ignorar o dirlito territorial
quanto à capacidade das pessoas que servem de testemunhas. Nem o
disponente que, em Estado estrangeiro opta pela forma da lei pessoal, pode
ignorar a lei que escolheu. As duas considerações, que aí ficam, já servem
para limitar a questão, que ora nos interessa, da escusabilidade do êrro de
direito em matéria de capacidade das testemunhas. E elas mesmas não são
absolutas: devem ceder onde é razoável e atingível ao comum dos homens
tal ignorància, ou se o estrangeiro que escolheu a sua lei pessoal estava em
circunstâncias de crer não revogado o direito do seu país. Exemplos: a.) se
uma lei brasileira viesse alterar o art. 1.650 do Código Civil e o habitante
do interior do Acre, provadamente, não tiver tido conhecimento da nova lei
no prazo do Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, art. 1.0, ou,
residente na China, dentro dos três meses da publicação oficial (art. 1.0, §
1.0) ; b) se o chinês, ou o índio, que se ache no Brasil, efetivamente ignora
a mudança de lei do seu país.

Como quer que seja, não se deve considerar nulo o testamento, por
incapacidade das testemunhas, sempre que seja de presumir-se, ou se prove,
que havia fundadas razões para que o testador o ignorasse.

Em escritores de séculos passados a questão era levada para o terreno de


outra máxima errar communis ius facti, a fim de admitir-se como
equipolente à capacidade real a capacidade putativa, se ocorreu êrro comum
de direito no crer-se capaz a testemunha. Com tal propósito, invocaram a L.
8. Ii, de officio praetorum, 1, 14, conhecida por Lez Rarbarius Philippus,
que não se prestava à invocação: tratava-se de escravo elevado à dignidade
de Pretor, e ULPIANO queria que valesse propter utilitatem daqbeles que
perante êle compareceram, ou dêle se serviram, porquanto (note-se que é
„mais um fundamento) o povo romano, podendo fazê-lo Pretor, podia conf
e-rir-lhe a liberdade. (Neste assunto, convém compare-se o que escrevemos
sôbre os governos de fato, inclusive legislações.) Outros traziam à balha a
sentença arbitral proferida pelo escravo em posse pública da liberdade, que
havia de produzir coisa julgada (L. 2, C., de sententiis et interlocutionibus
omnium iudieium, 7, 45: “Si arbiter datus a magistratibus, cum senfentiam
dixit, in libertate morabatur, quamvis postea in servitutem depulsus sit,
sententia ab eo dicta habet rei iudicatae auctoritatem”).

Nem aquela citação, nem a outra, bastaria para se assentar a só exigência da


capacidade putativa. Cada uma delas aplica princípio de direito, mas os
princípios que elas aplicam não são os mesmos que seriam de mister para se
considerar válido otestamento em que figurasse testemunha incapaz e
tivesse de atuar a máxima do errar commun.

No texto do Digesto, o princípio é o de quem deu o mais deu o menos:


quem fêz Pretor podia ter feito livre.
No texto do Código Civil, o princípio é outro: se a fonte foi legal, não se
deve apurar a legalidade do investido da função.

FUIIOOLE, além de invocar a Lex Rarbarius Philip pus, referiu as L. 1 e L.


8, C., ad senatus consultum Macedonianum, 4, 28, que A. FABER
(Rationalia iii Pandectas, L. 14, Tit. 6, 1.

8), não queria fundadas no error communis, porém no ódio aos usurários.
Duas outras FURGOLE referiu, mais próximas do assunto: a) a L. 1, C., de
testamentis: quemadmodum testamenta ordinantur, 6, 28, onde realmente se
trata de errar communis, pois o escravo testemunha no conceito geral era
tido por livre; b) o § 7 das Institutas, de testamentis ordinandis, 2, 10, em
que o mesmo se decidiu.

Mas, ainda em tais casos, a solução fôra pro liberalitate dos imperadores.
Escusado é, pois, estar-se a procurar exemplo rúmano, tanto mais quanto o
êrro dos textos citados é êrro de fato, e não de direito. O “ninguém se
escusa, alegando ignorar a lei”, nio pode ter, nos nossos dias, a lamentável
conseqUência de invalidar testamento, em que o disponente tinha razões
fundadas para ignorar a incapacidade da testemunha, pôsto que error inris.

6.Ê ANO DE FATO QUANTO À CAPACIDADE DAS TESTEMUNHAS.


Sadios princípios de direito, como os do número anterior, com mais forte
razão têm de aplicar-se aos erros de fato. Aqui, evidentemente, mais fácil se
mostra a escusabilidade: porém, aqui, como no caso do errar inris, deve
evitar-se a máxima errar communis ins facit, porquanto o êrro pode ter sido
comum, e não ter existido na espécie, e pode não ser comum. A
escusabilidade de um êrro aprecia-se em concreto, no caso de exame.

§ 5.905. Direito estrangeiro

1.TESTEMUNHAS TESTAMENTÁRIAS NO DIREITO FRANCÊS.

No Código Civil francês, se, no testamento público, só o notário intervém,


quatro são as testemunhas (art. 971) ; se dois, a lei se satisfaz com duas.
Segundo o antigo art. 980, deviam ser “mâles, majeurs, sujets du Roi,
jouissant des droits civils”. A Lei de 7 de dezembro de 1897 estatuiu: “Les
témoins appelés pour être présents aux testaments devront être majeurs,
Français, sans distinction de sexe. Toutefois, le mari et la femme ne
pourront être témoins ensemble dans le même testament”.

Duas particularidades de grande importância: é sempre de exigir-se a


maioridade; e jOs estrangeiros não podem testemunhar em tais testamentos!

Além disso, resulta do Código Penal francês, arts. 84, inciso 3~0, e 42,
inciso 7 0; ser preciso que se achem as testemunhas no gôzo dos direitos
civis.

As incapacidades derivadas de fatêres naturais pertencem a princípios


superiores de direito; por isso mesmo, não precisam ser incluídas nas
numerações legais (em boa doutrina, é&ro dizer-se que não há
incapacidades fora dos textos escritos). Em conseqUência, os cegos, os
surdos, os loucos e os que não compreendem a língua em que o testador dita
o testamento não podem servir como testemunhas (Rennes, 8 de janeiro de
1884).

Se figurou alguma testemunha incapaz e, por isso, é nulo o testamento,


responde o notário. Leva-se na França a tal rigor benéfico, moralizante, a
responsabilização simétrica ànulidade, que em todo território grande
número de notários se recusa a fazer testamentos autênticos e dão aos
testadores projetos de testamentos hológrafos. Cumpre advertir que, aqui
como Lá, é ilegal tal recusa.

No testamento secreto, a que êles, imprôpriamente, chamam m~stique, os


elementos subjetivos das testemunhas são os mesmos que se exigem ao
testamento autêntico. Seis testemunhas (art. 976).

No art. 975, só aplicável aos testamentos públicos, também não podem ser
testemunhas: “ni les légataires, à quelque titre qu‟ils soient, ni leurs parents
ou alliés jusqu‟au quatriême degré inclusivement, ni les clercs des notaires
par lesquela les actes seront reçus”.

2.TESTEMUNHAS TESTAMENTÁRIAS NO DIREITO AUSTRÍACO.


Não podem ser testemunhas nos testamentos conforme o direito austríaco:
as pessoas menores de dezoito anos, os im

becis, os cegos, os surdos ou os mudos, e aquelas que não compreendem a


língua do testador (Código Civil austríaco, § 590; Novela 1, art. 56). O art.
8 da Novela 1 reconheceu a capacidade euremática das mulheres. O §

592 afastava os condenados por crime de fraude ou qualquer outro crime de


cupidez, regra jurídica muito criticada, que tinha o efeito de invalidar ato no
fundo válido. o art. 57 da Novela í riscou o § 592. Mas, se tais condenados
podem figurar como testemunha nos atos, em virtude do nôvo direito, nem
por isso podem prestar juramento (Código do Processo Civil austríaco, art.
886), particularmente na hipótese do testamento nuncupativo, em que a
Novela 1, art. 55, tornou expressa a necessariedade da confirmação jurada
por duas testemunhas, pelo menos.

Nos testamentos feitos no mar, ou nos lugares em que reina peste ou outras
moléstias contagiosas, podem ser testemunhas os maiores de quatorze anos.

Na interpretação, assentou-se: a) que a exclusão dos legatários não implica


a dos executores testamentários; b) se bem que não seja parente nem aliado
do legatário, o cônjuge dêste está excluído. (Não é escusado encarecer a
plasticidade com que a jurisprudência francesa adapta às realidades da vida
jurídica, ao real das relações sociais, o velho texto do Código Civil francês.
Pecaria contra os princípios superiores de direito se procedesse de outro
modo.)

Quanto ao testamento hológrafo, êle não tem testemunhas-

8.TESTEMUNHAS TESTAMENTÁRIAS NO DIREITO ITALIANO.

Podiam ser testemunhas em testamentos os maiores de vinte e um anos, os


cidadãos, e os estrangeiros residentes no Reino. A vírgula que se via no art.
788 do revogado Código Civil italiano, entre “regno” e “o stranieri”,
permitiu não se exigir dos nacionais a residência. As mulheres podiam ser
testemunhas desde a Lei de 9 de dezembro de 1877. Não podiam ser
testemunhas os que perdiam o gôzo ou o exercício dos direitos civis. Nem
eram testemunhas idôneas os praticantes e os amanuenses do notário que
recebeu o testamento. (A Lei notarial de 16 de fevereiro de 1918, que não
exigiu, em geral, tal exclusão nos atos públicos, art. 50, não podia ter o
efeito de revogar o art. 788.) Na Lei notarial italiana, art. 60, vieram outras
exclusões, que ou revelavam princípios superiores de direito (cegos,
surdos), ou acrescentavam novas exigências subjetivas negativas (mudos,
parentes e afins do notário em linha reta em qualquer grau ou colaterais até
o terceiro inclusive). Se um só notário, quatro testemunhas; somente duas,
se dois os notários. Quanto ao testamento secreto, quatro (art. 783). O
testamento hológrafo não tinha testemunhas.

No vigente Código Civil italiano (1942), o testamento hológrafo é sem


testemunha (art. 602). No testamento público, é exigida a presença de duas
testemunhas (art. 603

1 a alínea) e a subscrição por elas (art. 608, 23 alínea).

No art. 603, 83 alínea, estatui-se: “Per ii testamento deI muto, sordo o


sordomuto si osservano Te norme stabilite dalla legge notarile per gli atti
pubblici di queste persone. Qualora ii testatore sia incapace anche di
leggere, devono intervenire quattro testimoni” Quanto ao testamento
secreto, a apresentação ao notário é na presença de duas testemunhas. Lê-se
no art. 605, alíneas 23, g~a e .a: “I 4

I testatore, in presenza di due testimoni, consegne

personalmente ai notario la carta cosi sigilíata,

o la fa sigiliare nel modo sopra indicato in presenza dei notaio e dei


testimoni, e dichiara che in questa carta ê contenuto il suo testamento. II
testatore, se ê muto o sordomuto, deve scrivere tale dichiarazione in
presenza dei testimoni e deve pure dichiarare per scritto de aver letto il
testamento, se questo e stato scritto da altri. Suíla carta in cui daí testatore é
scritto o involto ii testamento, o su un ulteriore involto predisposto dai
notaio e da lui debitamente sigilíato, si scrive l‟atto di ricevimento nel
quale si indicano il fatto della consegna e la dichiarazione deI testatore, ii
numero e l‟impronta dei sigilli, e l‟assistenza dei testimoni e tutte le
formalità. L‟atto deve essere sottoscritto daí testatore, dai testimoni e daí
notaio”.

4.TESTEMUNHAS TESTAMENTÁRIAs NO DIREITO ALEMAO.

Como o Código Civil francês e como o italiano, o Código Civil alemão nem
sempre exige testemunhas. Se judicial o testamento e está presente o
escrivão, não sao necessárias as testemunhas (§ 2.288, parte 13). Se
notarial, intervindo outro notário, dispensam-se testemunhas. Portanto,
somente há testemunhas quando não está o juiz acompanhado de um
escrivão, ou o notário de outro notário. Nestes casos, as testemunhas ao
contrário do que pode parecer são testemunhas instrumentárias ou de
solenidade (Solennítãtszeugen> e não têm caráter oficial (F.

RITGEN, em G. PLANCR, mírgerlicne.~ Gesetzbuck, V, 446). É


interessante notar-se que a convocação é feita pelo juiz ou pelo notário
cartulador (EMIL STROHAL, Das deutsohe Erbrecht nack dem BGB., 55,
nota 8 a), e não pelo testador.

Como juiz, ou como escrivão (Geriehtssckreiber), ou notário (cartular ou


ambos), ou como testemunha, não podem figurar: 1. O cônjuge do testador,
ainda que já não exista o casamento. 2. O que é parente ou aliado do
testador na linha reta, ou no segundo grau da linha colateral (§ 2.234).

Não pode intervir na feitura de um testamento, quer como juiz, quer como
notário, ou escrivão, ou como testemunha, quem é beneficiado pelo
testamento, ou que se acha, com o beneficiado, em relação indicada no §

2.284. Tal o que estatui o § 2.285, alínea 1ª, mas, aqui, o concurso de tal
pessoa excluída somente tem o efeito de tornar nula a disposição ao
beneficiado (§ 2.285, alínea 2.ª).

Não podem concorrer à feitura, como escrivão, segundo notário, ou


testemunha, o que se acha numa das relações indicadas no § 2.234 para com
o juiz ou o notário cartulante (§ 2.286).
Mais: não podem intervir como testemunhas: 1. Um menor. 2. O que foi
declarado sem os direitos civis, durante o tempo da privação 8. Quem,
segundo as disposições das leis penais, não pode ser recebido, sob
juramento, como testemunha. 4. Quem está doente do espírito, fraco de
espírito, ou écego oú mudo, ou não sabe escrever. 5. Quem não entende a
lingua alemã, salvo se é o caso do § 2.245. 6. O que está ao serviço do juiz
ou do notário instrumentante como empregado ou auxiliar de serviço (§
2.237).

As pessoas que concorrem à feitura do testamento devem Ser presentes


durante tôda a operação (§ 2.289).

Se o testador declara não compreender a língua alemã,. deve assistir à


feitura intérprete juramentado. Aplicam-se ao intérprete as regras jurídicas
dos §§ 2.234-2.287 relativas às testemunhas (§ 2.244). Segundo o art. 149,
alínea

2 a, do Einfitkrungsgesetz, pode o juiz convocar, em virtude de lei local,


uma pessoa documental (Urlcundsperson), que substitua o escrivão ou as
duas testemunhas. Isto derivou, principalmente, do direito saxônico (Código
saxônico, § 2.093), onde se usa, sob os nomes Gerichtssckàpu e
Gerichtsbeisitzer, tal pessoa instrumentante. Fora dos atos testamentários, a
prática brasileira conhece figurante parecido, nas diligências judiciais: o
escrivão ad hoc.

O artigo 149, alínea 2~a, manda que a tal pessoa instrumentante se


apliquem as regras jurídicas dos §§ 2.2342.286.

Há questão derivada do art. 149: a quem escreve o protocolo? Mas é


indiferente para a lei federal (L.

KUHLENBECK, Einfãhrungsgesetz, J. v. Staudingers Kommentar, VI,


424). Nem a Prússia, nem a Baviera usaram da ressalva. ContrAriamente,
Saxônia e outros (Sachsen-Altenburg, Schwarzburg -Sondershausen, Reuss
à.
L., Reuss j. L.).

As exigências das legislações locais, relativas aos atos públicos, são


inoperantes quanto à validade dos testamentos (Einfúhrungsgesetz, art.
151> e bem assim as do Freiw. Ger. G., §§ 6 e 170-172 (FRANZ
SOHLEGELBERGER, Die Gesetze úber die Angelegenheiteu der
freiwilligen Gericktsbarkeit, II, 960 s.; cp. A. WEISSLER, Das deutsche
Naehtassverfahren, 144).

Quanto ao § 2.234: a) Não está incluído o próprio testador, mas está visto
que êle não pode ser juiz, notário, escrivão, ou testemunha, para si mesmo
(F. RITGEN, em G. PLANCK, Biirgerliches Gesetzbuch, V, 447>. b) A
regra jurídica cogita do cônjuge: o noivo não está impedido. e> Quanto à
mãe e aos parentes dela, o filho natural tem a condição legal de filho
legítimo (§ 1.705). Não assim o filho de um casamento nulo, reputado
legítimo (§

1.699) : é parente dos pais e dos parentes do pai e da mãe.

Quanto ao § 2.235: a) No 1 Projeto e no II cogitou-se de se considerar


beneficiado o que se nomeou testamenteiro, mas isso não podia prevalecer:
seria contra a natureza das funções exercidas por êle. Se, no testamento,
algum legado remuneratório se tiver deixado ao testamenteiro, conforme o
uso, só se aplicará a alínea

2 a do § 2.235

quanto à parte que exceder ao limite de gratificação normal (F. RITGEN,


em G. PLANCIC, B‟iirgerlickes Gesetzbuch, V, 447 5.; cp. II. JASTROW,
Forrnular buch. und Notariatsrecht, 1, 171>.

b) A nulidade é somente da disposição: não contagia o que é separável: nula


a deixa em herança ou legado, vale o encargo a favor de outrem.

c) Pode o testador alemão deixar ao testamenteiro, durante tôda a vida do


descendente, a administração dos bens herdados por êste, que só receberá a
renda anual líquida (§ 2.238, 1, in tine). Também neste caso o testamenteiro
não é um beneficiado.

d> Quando o testamento judicial ou notarial foi feito pela entrega de escrito,
de mão alheia (§ 2.238, 1, in tine>, não se deve considerar testemunha o
que escreveu: trata-se de mero instrumento do testador, e êste entregou
pessoalmente ao juiz ou notário o escrito fechado ou aberto.

Segundo a moderna orientação do direito, afastou-se a doutrina do


Senatusconsulto Liboniano (D., de leqe Come lia de falsis et de sertatus
consulto Liboniano, 48, 10; C., de his qai silyi adscribunt in testamento, 9,
23).

Diferentemente, o Código Civil brasileiro, art. 1.719, 1.

Quanto ao § 2.236: a) o efeito da infração é a nulidade do próprio


testamento; b) o § 2.236 é estensivo ao intérprete.

No tocante ao § 2.287, rigoroso na técnica e nos cuidados de terminologia,


o Código Civil alemão não diz, quanto aos menores, aos que perderam os
direitos civis, aos que não podem jurar como testemunhas e aos domésticos
e auxiliares do juiz ou do notário, o que disse nos outros artigos sôbre
testemunhas: nos §§ 2.234, 2.235 e 2.236, em que se cogitou de nulidade
total (§§ 2.234-2.236) ou parcial (§ 2.235), a lei diz “não pode” (kann
nicht), ao passo que, no § 2.287, escre-ve “não deve” (sou nicht). Por isso, a
infração do § 2.237 não torna nulo, total ou parcialmente, o testamento,
porque seria subordinar o fundo essencial à forma que não no é. Compare-
se a zelosa terminologia da lei alemã com a do Código Civil brasileiro, que,
nos arts. 1.719 e 1.720, tornou causas de nulidade parcial as intervenções de
beneficiados, como havia de ser e corresponde ao § 2.235, mas, ao tratar
das testemunhas testamentárias, se esqueceu do que dispusera noutro lugar,
e no art. 1.650 enumerou menores, loucos, cegos, encambulhando-os, sob o
geral “não podem ser testemunhas”, pessoas, a respeito das quais já se
haviam referido os arts. 1.719 e 1.720. Caindo em si, o autor do Projeto
primitivo, escreveu em comentário:
“A capacidade das testemunhas basta que seja putativa”. É a sina das leis
incorretas: os princípios superiores de direito podam-lhes as arbitrariedades,
riscam-lhes as imperfeições gritantes (e êste artigo tem duas: a de “não
podem” e a de “surdos-mudos”), operam-lhe as partes teratológicas.

Além das regras jurídicas do Código Civil alemão não podem ser
testemunhas em testamento as pessoas sem os requisitos subjetivos para
testemunhar: o cego quando se trata de ver, o surdo quando se trata de
ouvir, o que não sabe a língua alemã.

Ointerdito por ebriez, ou por debilidade mental, só durante o tempo em


embriaguez ou do estado patológico tem de ser excluído (41. BÕEM, Das
Erbrecht des BGB., 76; GUSTAV MÀiLKER, fie Nachlassbehandlung, 95;
H.

JASTIIOW, Forinularbuch un,d Notariatsrecht, 1, 29; F. RITGEN, em O.


PLANCIC, R‟iirgerliches Gesetzbuch, 449; contra F. ENDEMANN,
Lehrbuch des Riirgerlichen Rechts, III, 300).

Resta saber quem é auxiliar, a serviço do juiz ou do notáno. O Tribunal


ImperiaL apenas falou em relação permanente de serviço: seria o
pressuposto. Porém ~qual a espécie de serviço? O empregado na
dactilografia, nas anotações do juiz ou do cartório, ou qualquer serviço de
ordem profissional (E. RITGEN, em O. PLANCK, Bitrgerliches
Gesetzbuch, 450; H. JASTROw, I0ormularbuch und Notariatsrecht, 11,
80>. Uma vez que se excluiram “Gesinde oder Gehdlfe”, parece que se
deve entender o seguinte: só a primeira expressão se refere ao juiz: são os
domésticos das legislações locais (Einfithrungsgesetz, art. 95>, porque os
empregados judiciários não são empregados do juiz.

5.TESTEMUNHAS TESTAMENTÂRIAS N‟O DIREITO SUíÇO‟.


Segundo o Código Civil suíço, art. 503, alínea

1 a, 1~a parte, não podem concorrer à redação do testamento, na qualidade


de oficial público ou de testemunhas, as pessoas que não têm o exercício
dos direitos civis, que estão privadas dos direitos cívicos por decisão penal,
ou que não sabem nem ler nem escrever (die des Schreibens und Lesens
unkundig sind). Na edição italiana, “non sanno legere o scrivere”). ~JJm só
elemento não basta? É preciso, diz-se, que haja ausência do ler e do
escrever (FUGÊNE CURTI-FORRER, Commentaire du Cade Civil suisse,
398). Má interpretação esta. P. TUOR

(Kommentar zum schweizerischefl Zivilgesetzbuch, III, 317) melhor leu o


artigo: as testemunhas precisam saber ler e escrever, para que possam
conhecer o que está escrito e assinar. (No direito suíço, em que escapou o
“escrever e ler” não predomina a exigência dos dois, que a redação poderia
autorizar; com maioria de razão, no direito brasileiro, onde nenhuma
palavra se disse sôbre isso: exige-se que assine e supôe-se que exija
conhecer o conteúdo do escrito, conferir o redigido e o declarado.)

Na 2.~ parte da 13 alínea do art. 503, diz-se também que não podem
concorrer à redação os descendentes, ascendentes, irmãos e irmãs do
testador, seus cônjuges e o cônjuge do próprio testador. A doutrina explica:
irmãos germanos, consangUíneos ou uterinos, cônjuge enquanto exista o
casamento (o divorciado çu o cônjuge de casamento declarado nulo pode
concorrer à redação).

Até aqui as incapacidades são absolutas, quer dizer: o concurso de qualquer


das pessoas mencionadas torna nula tôda a disposição de última vontade, o
testamento (A. ESCEER, Das Erbrecht, Kommentar zuni schweizerischen
ZivilgesetzblWh, III, 86). Tocam ao ato mesmo.

Somente será nula a liberalidade, a disposição parcial, a parte afetada, nos


casos previstos pela alínea 2~a do art.

508:

4‟o oficial público instrumental e as testemunhas, assim como seus


descendentes, ascendentes, irmãos e irmãs ou cônjuges, não podem receber
liberalidades no testamento”. Na edição alemã: “Ehegatten dieser
Personen”. iO
cônjuge do oficial público? A redação não é perfeita: deve entender-se
cônjuge do oficial público e cônjuge de testemunha, e não, justamente,
destas pessoas, isto é, dos descendentes, ascendentes, irmãos. Mas não é
errada a redação: o texto alemão enumera os descendentes, os ascendentes
(Blutsverwandtefl in gerada Linie) e so irmãos ou cônjuges destas pessoas,
e o “destas” significa, globalmente, “do oficial público e das testemunhas”,
ligando a elas, não só o cônjuge, como todas as mais pessoas: modo que se
não torna relativamente incapaz o cônjuge do pai, do filho, do irmão do
oficial público ou da testemunha (Protokolle, 602; A. ESÇHER, Das
Erbrecht, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 86).

Na edição francesa diz-se ne peuvent recevoir de liberalités dans te


testament; na alemã, ditrfen in der Verfúgung nicht bedacht werden:
entende-se herança ou legado.

Há algumas questões e subentendidos:

a>Na Ezpertenkommission perguntou-se se ao que escreve o testamento, em


vez do oficial público, art. 500

(CorroFREI, Prot., 602), se aplica o art. 508, que só se refere,


expl‟icitamente, a oficial público e testemunhas.

Pretendem (ISLER, Prot., 602; A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar


zum schnveizerischen Zivilgesetzbuch, III, 86> que, se mero instrumento,
não se lhe aplica; se substituto do notário, será aplicável. (A situação não
interessa ao direito brasileiro, que não tem igual, nem semelhante: no art.
500 do Código Civil suíço, o escritor é representante autônomo ou
instrumento do oficial público, e não do testador, e no testamento público
do Brasil o oficial público escreve, de sua própria mão, o testamento
público.)

b) O membro de um govêrno ou corporação pública pode ser testemunha


em testamento em que se contempla o Estado, ou a Comuna (cp. EUGÉN
HUBER, System und Geschichte des Schweizerischen Privatrechts, II, 207).
Mas o juiz examina o caso concreto (A. ESCUER, Das Erbrecht,
Kommentar zum schweizeriscken Zivilgesetzbuch, III, 86). Assim, quanto às
sociedades particulares (P. TUeit, Kommentar zum schweizerischen
Zivilgesetzbuck, III, 819)

c) O médico do enfêrmo e o eclesiástico que o visita não são incapazes (A.


ESCHER, Das Erbredht, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuck
III, 86).

São incapacidades absolvtas, se bem que não estejam escritas na lei: a) Os


defeitos de escrita e de sentido, que torne a pessoa imprópria às funções (P.
TUOR, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuck, III, 818). A falta
das mãos ao oficial público, às testemunhas, se não escrevem por outra
maneira. O cego, pois que não pode afirmar a identidade da pessoa do
testador e a veracidade do documento, não pode ser testemunha no
testamento (P. TUoit, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuclz, III,
318). Claro que também não poderia ser oficial público.

b) O surdo, que não saiba ler, e o surdo-mudo, que não possa ler: por si só,
a surdo-mudez, e a tortiori, a mudez não torna incapaz (a testemunha pode
ler a declaração do art. 501, lA parte). Cf. P. TIJOR (Kommentar zum
sckweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 818).

6. CÓDIGOS CIVIS AMERICANOS. No Código Civil mexicano, art.


8.781, se alguma das testemunhas não sabe assinar, é chamada outra pessoa
que assine em seu nome e em sua presença, de maneira que sempre haja três
assinaturas. (Repare-se na inutilidade disto: se se tem de chamar outra
pessoa, ~ por que estoutra não figura no testamento como testemunha?
Assinatura a rôg‟o faz-se, por necessidade, para o testador. Para a
testemunha, nada significa.) Cf. Código Civil uruguaio, arts. 758 e 768.

No Código Civil argentino, o testamento público tem três testemunhas (art.


3.654) ; e o cerrado (art. 3.666), cinco, residentes no lugar. Facultativas são
as testemunhas se o testamento é ho!ógrafo, art. 3.649.

No Código Civil da Venezuela, art. 851, estatuiu-se: “Los testigos en los


testamentos deben ser varones, mayores de edad, vecinos dei lugar donde se
otorgue ei testamento y saber leer y escribir. No pueden ser testigos en los
testamentos, los ciegos y los totalmente sordos o mudos; los que no
entienden eI idioma casteliano; los parientes dentro del cuarto grado de
consanguinidad o segundo de afinidad deI registrador que autoriza eI acto;
los herederos y legatarios instituidos en eI testamento y los parientes de los
mismos dentro de los grados expressados, respecto de los testamentos
abiertos; ni, enfin, eI que tuviere algún impedimento general para declarar
en todo juicio”.

Lá estão os mudos, os parentes dos legatários e dos herdeiros, mas sem a


inclusão dos cônjuges. Os mudos, ~por quê? E por que não os cônjuges?

No Código Civil boliviano, além de ser varão, maior, estar no gôzo dos
direitos civis (art. 465), exige-se que não seja herdeiro, ou parente do
herdeiro dentro do quarto grau (artigo 467), e os ascendentes e
descendentes do testador (artigo 466).

§ 5.906. Direito intertemporal e testemunhas testamentárias

1.TESTEMUNHO E TESTAMENTO. No momento em que se pratica o


ato, devem ser verificados os seus elementos: a capacidade das partes, as
solenidades materiais, o número e capacidade das testemunhas. t o
momento decisivo, do qual sairá o ato perfeito.

Donde, em direito intertemporal, a regra geral: tem pus regit actuin.

2.INDISTINÇÃO QUANTO A TESTEMUNHAS DOS ATOS PÚBLICOS


E DOS ATOS PARTICULARES. O

momento da feitura dá a lei para tôda a forma do ato. Não importa se


público, ou se particular. B,equisitos instrumentais, sejam de escrita, de
assinatura, de número, de capacidade das testemunhas, sejam absolutas,
sejam instrucionais as regras jurídicas que as determinam, tudo se rege pela
Iex tem pus. Nem poderia ser de outro modo: estar-se-ia a refazer, aqui e ali,
o que se fêz, a criar dificuldades intransponíveis quando as mudanças
fôssem de lugar e de tempo, associadas às de leis.
Escrito (notitia, charta), testemunhas, intervenção de funcionários judiciais
e notariais, pessoas participantes na instrumentação (encarregados a rôgo de
escrever, intérpretes, segundo notário), tudo isso é forma. Tudo isso se rege
pela lei do tempo da feitura.

Não cabe distinguir-se se a lei npva atribui ou nega capacidade às


testemunhas. A lei antiga, a lei do tempo do ato, regula a capacidade das
testemunhas de solenidade ou instrumentarjas. Se a lei nova declara
incapazes uma ou todas, nenhum efeito tem isto quanto ao valor formal do
ato. Se o testamento era nulo pela incapacidade, regendo a lei da feitura, e a
lei nova as considera capazes, em regra não se convalida (F. ArFOLTER,
Das intertemporale Rechi, 102>. Salvo: sanatoria especial, em que o
benefício jurídico justifique a convalescença, ou esta se opere, ciente o
testador; ou se a lei nova vem firmar em texto escrito princípio superior de
direito, que poderia examinada a própria lei antiga infirmá-la. Exemplo de
lei

sanatória: “em vez de cinco, passam a ser duas as testemunhas e valerão os


testamentos feitos no regime do direito anterior se a incapacidade, ou
defeito, ou falta, deixar duas testemunhas válidas”. Outro: “ficam
revogados os arts.

1.647 e 1.648 do Código Civil, mas os testamentos, feitos antes desta lei,
valerão se satisfizerem os sós requisitos do art. 1.645, 1, dispensadas as
testemunhas, e se o testador viver três meses após a vigência da presente
lei”.

3.FRONTEIRAS DA MÁXIMA “TEMPUS REGIT ACTUM” E DO


PRETENSO PRINCÍPIO DA RETROATIvIDADE DAS LEIS
PRJOCESSUAIS.

Se é certo que o tem pus rege o ato, não é menos certo que as leis de
processo, na maioria dos casos, e até onde não atinjam direitos adquiridos
processuais (que os há>, têm efeitos retroativos (na maioria dos casos, diz-
se, porque não há principio da retroatividade das leis de processo>. Aqui,
como eni todo o direito intertemporal, há direitos adquiridos. A lei
sanatória, que acima supusemos, não poderia atingir os testamentos dos que
morreram antes dela.

A que só dissesse “ainda quanto aos testamentos hológrafos anteriores a


esta lei, ficam revogados os arts. 1.645, II e III, 1.647 e 1.648” não poderia
atingir os de pessoas que tivessem morrido antes dela: há direito adquirido
dos herdeiros legítimos às verificações dos artigos 1.647 e 1.648, em
virtude do art. 1.646.

Mas devido ao caráter probatório dos arts. 1.647 e 1.648 se revogados,


valeriam os testamentos cujas testemunhas faltaram, ainda que não tenha
havido sanatória especial, se o testador tiver morrido sob a lei nova: porque
o ato ficou perfeito com as formalidades do art. 1.645, 1-111. Não se dará o
mesmo se a lei nova revoga o do art. 1.645, II e III, porquanto: se houve
sanatória especial, os princípios superiores de direito exigem
fundamentação do benefício, ou ciência do testador; se não houve sanatória,
o ato que se fêz com infração do art. 1.645, li e III, foi nulamente feito, e
não pode convalescer. Aqui, não é de algo probatório que se trata, mas de
requisito essencial, que aviva os limites entre o domínio da máxima tem pus
reçjit actum e o chamado princípio da retroatividade das leis processuais.
Aqui, não se trata de processo:

trata-se de perfeição ou imperfeição de ato jurídico.

4.TESTEMUNHAS OU OUTROS FIGURANTES. O que se disse, em


direito intertemporal, sôbre testemunhas, vale também para aquelas pessoas
que escrevem pelo testador, assinam por êle, ou servem de intérpretes.

Conforme já se viu, há casos em que alguma dessas pessoas não constitui


testemunho, nem à testemunha se equipara, mero instrumento sem
verificação de capacidade, como o encarregado, no direito alemão, de
escrever a nota que o testador entrega pessoalmente ao juiz ou notário
(Código Civil alemão, § 2.238, alínea lA-, última parte). No direito
testamentário brasileiro, não temos nenhum caso semelhante a êsse: todas
as pessoas que intervêm, quer no testamento público, quer no testamento
cerrado, ou particular, são figurantes ou pessoas instrumentais.
Se uma lei posterior muda a categoria de alguma das pessoas, ou reduzindo-
as ao papel do que escreve a nota do Código Civil alemão, § 2.238, alínea
lA-, última parte, ou elevando-as de tal categoria à de pessoas
instrumentais, não pode ter efeitos quanto ao ato testamentário que se
passou antes da vigência de tal lei. Escusado é dizer-se que se ressalvam os
casos de sanatória especial, ou de aplicação dos princípios superiores de
direito.

5.NA‟ruREZA DA REGRA JURÍDICA DE CAPACIDADE DAS


TESTEMUNHAS. Se, no regime da lei A, a falta da exigência causava
nulidade e, no regime da lei B, é instrucional a regra jurídica (como
acontece com o §

2.237 do Código Civil alemão), a mudança não convalida o ato defeituoso


do tempo A. Nem se o tempo B tivesse regra jurídica de nulidade e o tempo
A a regra jurídica de caráter instrucional poderia operar-se em relação ao
ato praticado ao tempo A a nulidade.

Dir-se-á o mesmo quanto ao número de testemunhas.

6.SANÇÕES QUANTO AS DISPOSIÇOES TESTAMENTARIAS. Há


sanções que não tocam ao instrumentum, concernem aos efeitos da
disposição testamentária. Por isso mesmo, seria êrro ter-se todo o art. 1.650
do Código Civil como subordinado àlei da feitura do testamento. Ato
perfeito, êle o é, mas os seus efeitos só se operam ao tempo da morte. Em
conseqUência, tôda a matéria dos arts. 1.650, IV e V, 1.719 e 1.720 escapa à
máxima tem pus regit actum: não há sanção de nulidade formal, mas
nulidade parcial de disposições, que mais toca àcapacidade de adquirir por
testamento do que as regras jurídicas de forma.

Resta saber como se há de resolver se a lei da feitura estabelece a nulidade


parcial e a do momento da morte torna a regra jurídica meramente
instrucional ou a risca de todo. A solução que se nos impõe é a da validade
segundo a lei nova.

Oúnico exemplo de ser nula a disposição, desde que a lei antiga o estatuiu,
contra a lei nova que o dispensa, é ser a nulidade não relativa aos efeitos,
mas ao próprio testamento, como se a lei A estatui que o testamento feito
perante oficial público contemplado é nulo; porque então, ao vir a lei fl,
reguladora dos efeitos, nada pode alcançar: não há efeitos de testamentos
nulos. Aqui, só a sanatória especial conseguiria trazer à vida o natimorto
mas em determinadas circunstâncias teria o juiz contra tal sanatória as
normas de moral e os princípios superiores de direito, pelo menos para
riscar a herança ou legado ao oficial público. Nas relações internacionais,
seria de invocar-se a ordem pública.

§ 5.907. Direito internacional privado e testemunhas

testamentárias

1.CAPACIDADE E LEI PESSOAL. Clima, solo, raça, tradições, tudo isso


se consulta e atua sempre que se trata de determinar a capacidade de
exercício das pessoas. Daí o princípio de reger-se a capacidade pela lei
pessoal.

Trata-se de atos jurídicos praticados por elas. Porém não ocorre o mesmo

quando se trata de capacidade para ser testemunha: neste

caso, o indivíduo concorre para a prova de alguma situação jurídica, ou


para a instrumentação de ato de outrem.

Daí não se aplicar a lei pessoal.

2.FUNDAMENTO DA APLICAÇÃO DA MÁXIMA “LOCUS REGIT


ACTUM”. Na forma do ato jurídico, em tudo o que é extrínseco, a
consideração principal é a dos elementos do lugar em que se passaram os
atos. As formalidades são determinadas pela lei do lugar, e esta teve em
consideração as circunstâncias próprias ao meio a que se destinavam. Tal lei
é que conhece o estado de cultura do povo, qual o número conveniente de
testemunhas, porque êste legislador está em contacto com os costumes
gerais.
Assim, pode o domiciliado no Brasil testar, na França ou na Alemanha, pela
forma hológrafa, sem testemunhas, e o Alemão ou Francês que tiver de
testar no Brasil e optar pela lei brasileira, terá de convocar as cinco
testemunhas do artigo 1.645, II e III.

3.NATUREZA DA REGRA JURÍDICA SOBRE CAPACIDADE DAS


TESTEMUNHAS. Um dos cuidados principais no cumprimento dos
testamentos de estrangeiros, feitos de acôrdo com a lei pessoal, ou a lei de
outro Estado, em que se achavam, éo indagar-se do caráter da exigência de
testemunhas: se essen cial prôpriamente dita, ou não, isto é, se a falta ou
defeito importa nulidade do ato, ou se a regra jurídica referente às
testemunhas é, como está no § 2.237 do Código Civil alemão, somente
instrucional.

Alguns sistemas jurídicos estabelecem que, absolutamente essencial, a


incapacidade da testemunha tenha o efeito de tornar nulo o testamento, em
quaisquer casos; outros, somente exigem a capacidade putativa. A razão
está com êsses; e a lez fori não deve permitir que se opere contra o
testamento tão extemporâneo forma~lismo. Tanto mais quanto, nas relações
internacionais, não só o êrro de fato, mas o êrro de direito deve ser mais
fàcilmente escusado.

4.APLICAÇÃO no PRINCÍPIO “LOCUS REGIT ACTUM”. Na prática,


surgem dificuldades. A primeira, derivada da diferente natureza e da
invalidade da capacidade: se relativa ao ato, ou se relativa à disposição.

Exemplo: são incapazes como testemunhas em testamento os menores de


dezesseis anos (Código Civil, art. 1.650, 1) e também os herdeiros
instituidos, seus ascendentes e os legatários descendentes (art. 1.650, IV e
V). Ora, a diferença ressalta: ali, invalida-se o ato, o próprio testamento;
aqui, cortam-se os efeitos do testamento, no tocante à disposição que os
beneficia (arts. 1.719 e 1.720).

Portanto, tal princípio não concerne à forma testamentária, mas à validade


intrínseca da disposição. Assim, se pessoa domiciliada no Brasil testa no
estrangeiro, e a lei local,
regedora da forma, não proibe que herdeiros instituidos sejam testemunhas,
e um dêles o foi, não há defeito de forma, mas, na ocasião de se cumprir o
testamento, o juiz brasileiro, o do Estado-terceiro ou o do próprio país da lei
local deve riscar a disposição, segundo a lex successionis (art. 1.720).

<De passagem, frisemos que os arta. 1.719 e 1.720 não contém, em boa
terminologia, regras jurídicas de incapacidade, mas sim regras jurídicas de
invalidade. Quem foi testemunha, em tais circunstâncias, vàlidamente
testemunhou. Apenas, por ter o testamento disposição a favor da
testemunha, a lei afasta a validade de tal disposição. Tudo mais, no
testamento, é atendido. Só não no é o benefício a favor da testemunha, ou
das testemunhas. Pode ocorrer que tôda a herança tenha sido deixada à
testemunha, ou a alguma ou algumas das testemunhas, ou às testemunhas, e
então nada resta da testamentifação que tenha eficácia: o testamento vale,
mas está vazio.)

Certo, perante os oficiais públicos do Brasil, não devem figurar como


testemunhas de testamentos de pessoas com outra lei pessoal o herdeiro
instituído, o legatário e as mais pessoas a que o Código Civil exclui do
testemunho testamentário. Para êles, oficiais públicos, existe a regra
jurídica, no seu caráter instrucional Nem o cego estrangeiro pode
testemunhar em testamento de pessoa com lei pessoal estrangeira: a) porque
a lei que rege a capacidade testemunhal é a do lugar; b) porque, além do
instrucional, pode ter a regra jurídica estrangeira sanção de nulidade.

Se, a despeito do art. L650, IV e V, figura como testemunha o herdeiro


instituído, ou outra pessoa a que se refere a lei, não terá nenhum efeito a
infração se a lei da sucessão não fôr a brasileira e não contiver a sanção do
art. 1.720.

Mas pode ocorrer que a lez successionis contenha disposição mais forte,
considerando anulável, ou, talvez, nulo, o próprio testamento. A sanção, por
isso mesmo que não deriva de forma, mas de fundo, será a da lei pessoal, e
não a da lei do lugar.
5.Aro PERFEITO E “ABUNDANS CAUTELA”. Maior dificuldade surge
quando a lei do lugar dispensa testemunhas, o testador opta por ela, e
abunclans cautela faz com que assinem o testamento pessoas incluídas nos
arts. 1.650, IV V, 1.719 e 1.720, quer dizer pessoas que não devem
testemunhar, porém de cuja infração resulta nulidade da disposição,
fenômeno, portanto, relativo aos efeitos e à forma. Ainda melhor: relativo à
capacidade testamentária passiva. Em todo o caso, houve ato perfeito, ato,
ex hypothesi, voluntàriamente praticado segundo a lei do lugar, a assinatura
de testemunhas supérfluas deve ser levada em conta de escusável êrro de
direito do testador, de demasiado escrúpulo (abundans cai tela mm nocet),
ou talvez de intuito criminoso dos próprios subscritores, para abrir a
sucessão legítima, ou de terceiros, para obter o efeito do art. 1.720. Em
qualquer dos casos, não se deve levar a aplicação das regras jurídicas
semelhantes ao artigo 1.720 a êsse extremo de rigor.

6.SANÇÃO DA LEI DA SUCESSÀO MAIS FORTE OU SÓ EM


RELAÇÃO À LEI DO LUGAR. Outra conseqUência das considerações
que fizemos: tôda a matéria do Código Civil, arts. 1.719 e 1.720, constitui
objeto de lei pessoal do testador, ou da lei brasileira, se êsse era casado com
brasileira ou tinha filhos brasileiros e os bens são situados no Brasil (Lei de
Introdução ao Código Civil, Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942,
art. 10,

§ 1.0). Assim, se o beneficiado no testamento do Brasileiro, ou da pessoa


com os pressupostos do art. 10 da Lei de Introdução ao Código Civil, era
oficial público, judicial ou notarial, civil ou militar, ou pessoa instrument al
do país que lhe vede reieber herança ou legado, o juiz brasileiro não precisa
invocar ordem pública para considerar não escrita a disposição: será a
própria lei da sucessão que a riscará.

. Quid juris, se nem a lei do testador, nem a da sucessão, nem a do lugar


considera nulidade? Aqui é que há matéria de ordem pública do Estado da
lez fori, e a solução depende

Exame superficial dirá que se trata do conflito de qualificaçãoo. Porém não


é verdade. Não há o conflito. A lei da sucessão, na espécie, supôe
testamento válido, a que se aparem tais cláusulas proibidas. É posterior,
concerne à capacidade passiva, e à capacidade de adquirir rege-se pela lei
do momento da morte, pela lei pessoal. Antes delas atuarem, houve lei do
tempo da feitura, lei do lugar, elaborada com o conhecimento das
circunstâncias peculiares do meio, única que, normalmente, pode ser
competente para julgar da validade formal do ato.

Poder-se-á argumentar com as qualificaçóes do extrínseco e do intrínseco,


mas a situação é bem diferente: em tais casos, a lei pessoal preestabelece
pressupostos de validade do testamento e no próprio instante da feitura atua
no sentido de afastar a competência da lei local. São duas leis no mesmo
tempo; há, então, o conflito.

Exemplos: a pessoa domiciliada no Brasil que testa na Alemanha, tendo por


testemunha um irmão, a que deixa legado, não terá riscada a disposição
testamentária, porque, antes da verificação dos efeitos dos testamentos, já
êste, por haver irmão do testador como testemunha, é nulo segundo a lei
local (Código Civil alemão, § 2.284); nos lugares, em que a deixa ao oficial
público invalida o testamento, a pessoa domiciliada no Brasil, que testa
segundo a lei do lugar, morre intestada.

desta lei.

7.SANÇÃO DA LEI LOCAL MAIS FORTE QUE A DA LEI DE


SUCESSÃO. Pode ocorrer que a lei do lugar, regedora da forma, considere
nenhum o ato testamentário com infração de regras jurídicas que a lei da
sucessão reputa de capacidade para adquirir. Ali, a sanção é mais forte: nulo
é o testamento. Aqui, só é nula a disposição: são os efeitos que se cortam.

CAPÍTULO XXIV

CODICILO

§ 5.908. Conceito e origem do codicilo

1.CoNcmrro INICIAL DE GODICILO. Codicilo, diminutivo de codez,


pequeno rôlo, caderninho, mantém-se, através dos tempos, com forma
simplificada, inferior, do testamento. Podêres, extensão, exigências formais,
variaram, desde o seu aparecimento. Como os testamentos especiais, foi
criação imposta pela vida e constitui vitória da voluntas contra a forma.

2.COnimuo NO DIREITO ROMANO. No comêço do Império Romano,


legados começaram a fazer-se em simples escritos, codiejili, confirmados
por testamentos. Mas os fideicomissos não estavam sujeitos às mesmas
exigências dos legados, e faziam-se por êsses pequenos folhetos, rolos,
pequenos códigos, ou caderninhos. ~ Donde vinham êles? Sob Justiniano
fala-se. de certo L. Lentulus, para cujo pedido Augusto convocara, homens
esclarecidos, entre os quais C. TREBATIUS TESTA, e êste jurisconsulto
aconselhou se admitissem codicilos, devido às~ grandes peregrinações ou
viagens (pr., 1., de codiclilis, 2, 25).. Ora se tratava de satélites de
testamento anterior ou post&nor, codiejilis in practeritum, ou in futurum
confirmati (GAIO‟, II, 273), chamados codicilos testamentários, ora
cédulas independentes, dirigidos a quem quer que tivesse de herdar,
codicilos intestados. Constantino (L. 1, Codex Theodosianus, de testamentis
et codiejilis, 4, 4) exigiu a presença de sete, ou,. pelo menos, cinco
testemunhas. Teodósio II confirmou a exigência das cinco testemunhas e
Justiniano não só recolheu a constituição de Teodósio, como também
exigiu, nas declarações escritas, as assinaturas do testador e das
testemunhas. Parece que desde ai, perdendo-se o sentido etimológico da
palavra “codícilo”, se admitiram codicilos orais, sine seriptis (L. 8, §~ 3, C.,
de codicilis, 6, 86; L. 3, pr., O., de bonis Ubertorum et de jure patronatus,
6, 4: “vel codicilis seriptis vel sino ecriptis”).

A forma codicelius, que vem em algumas fontes, como em ISIDORO, que


foi bispo em Sevilha e morreu em 636, deve ser provincialismo hispânico
(EDHAIm FEIN, em 01-IR. FRIED. VON GLÚCK, Ausfilhrliche
Erliiuterung der Pandecten, 44, 25).

3.DEFINIÇÂO DE GODICILO. J. CuJAcio (Ad L. 15, O., de jure


codiciliorum, Tractatus II ad Afriortrnum, II, 1880) definiu o codidilo:
“intestati voluntas vel testamenti sequela irninus solennis”. Noutro lugar
(III, 122)
“codicilil sunt intestatorum vel intestatorum voluntates quaedam nudae
nuilis subnixae solennibus inris”. fluco DONELO (Comrnentarii de jure
dviii, Liv. VII, cap. 18) “codiejili sunt voluntatis supremae imperfecta
testado de eo quod quis post mortem suam fieri velit non in hoc parata ut
esset testamentum”.

Além dessas, citam-se as definições de ISIDORO e de TEÓFILO que vêm


nas Basílicas e no tratado de HARMENÕPUIIJO, que foi traduzido: “est
autem codicilius imperfectae in testamento sententiae testatoris suppletio”.

4.DISTINÇÃO ENTRE CODICIWS E EPÍSTOLAS. SÊNECA

(E‟pist., 55) distinguiu, sem precisão jurídica, codiejili e epi.stotae.


Procurou-se ver na ausência, ou não, do destinatário o elemento
característico. J H. BOEHMELt deu-os como sinônifios, definindo codicilo
como “epistola scripta ad heredem de eo quod post mortem suam scribens
ab herede fieri vellet. Mas nem todo codidilo, advertiu-se (A. II. A. DANZ,
De externa codiojilorum forma commentatio, 13), é epístola, e os codicilos
não precisam ser destinados aos herdeiros. E. DUNTUS (De veteri ao novo
jure codicillorwrn eommentarius atque de sotenni ri testium numero iii
codicilis vel testamento eonf irmatis, 1 s.), escreveu que os codicilos não
confirmados se chainavam epístolas. F. LIEBE (fie Stipulation, 21-24)
lembrou textos em que há epistola inter praesentes emissa.

C. A. SCHILLINO (De epístola licleicomíssaria opusculum, ex principuis


juris tum rontani tum teutonici, 1 sj, falou de epis tola fideicomissaria, te
gataria, codioílloiris, e mortis causa donataria.

A maior ou menor extensão de significado é tão conhecida e em tantos


casos de todas as línguas, que pouco nos importa apurá-la se, em verdade,
se pode apurar.

5.CODICILOS NO VELHO DIREITO PENINSULAR. O Código


Visigótico não cogitava de codicilos.

Provàvelmente, êles aparecem no século XIII. Na coleção da Tôrre do


Tombo, há um (esp., caixa 86), a que a testadora chama enadimento e o
tabelião enaclimento e declaramento. É de Santarém, a 12 de maio da era
1820

(ano de 1282). Foi por êsse tempo que surgíríam indícios do romanismo da
instituição de herdeiro. Trata-se, pois, de influxo então recente do direito
romano.

Nas Ordenações Afonsinas, os codicilos haviam de ter quatro testemunhas


(já diferente do direito romano, que exigia cinco). Mas, nos lugares de
pouca povoaçâo, três, como se permitia nos próprios testamentos.

Nas simplificações legislativas, contemporâneas quanto ao testamento


holégrafo, bebidas nos costumes, e de cuja vitoriosa corrente o Código Civil
se afastou, atribuem-se ao codicilo a influência histórica. Mas, se algum
benefício se lhe deve, não é êsse, e sim o de auxiliar a libertação do direito
quanto àexigência romanística da instituição de herdeiro.

Diziam as Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 108:

“ E no caso, honde alguum testador ao tempo de sua morte fezesse


testamento per palavra, ou hordenasse de seus beens per alguma guisa, sem
fazendo deflo alguma Escriptura, em tal caso mandamos que valha esse
testamento com seis testemunhas, e que possam em esse conto seer
contadas assy meIberes como homeens, por esse testamento assy seer feito
ao tempo da morte. 4 E isto, que assy dito he, mandamos que aja lugar nos
testamentos feitos nas Cidades, e Vilias, e Liigares, honde aja tam grande
povoraçom, que ligeiramente se possam aver todalas ditas testemunhas; ca
seendo o lugar de tam pequena povoraçom, que ligeiramente se nom
podesse aver o dito conto das testemunhas, em tal caso mandamos que o
dito testamento, ou codicílio, que em tal lugar for feito, valha com trés
testemunhas, quer seja aberto, quer cerrado, quer escripto, quer per palavra;
ca nos lugares hermos, e de pequena povoraçom nom quiserom os
Sabedores, que se requeira tamanho conto de testemunhas, como nos
lugares povorados, honde ligeiramente as podem aver. 5 E se alguum quiser
fazer codicilio, quer aberto feito per Tabelliom, quer çarrado com
estormento nas costas, quer feito e assinado pelo testador, ou per alguma
outra privada pessoa, deve-o fazer com quatro testemunhas, barooens ou
molheres, livres, e maiores de quatorze annos, em tal guisa que com o
Tabeiliom sejam cinquo testemunhas. 6 E quando o testamento, ou codicillo
assy forem feitos, como dito he, mandamos que valham, assy como se
tevessem sete, ou cinquo testemunhas, segundo a forma do Direito
commuum. 7 E com esta declaraçom mandamos que se guarde o dito
costume, segundo acima he escripto, e per nós declarado, como dito he‟~.

6.DIREITO CONTEMPORÂNEO A RESPEITO DE CODICILO. No


Preussisefles Aligemeines Landreckt (1, 12, 5 e 161; M.E. Eccius-F.
FÕRSTER, Theorie and Prazis des heutigen gemei nen preussischen
Privatrechts, IV, §

244), permitia-se o codicilo, só escrito de mão própria e assinado, para


disposições particulares, patrimoniais, que não excedessem da vigésima
parte da herança.

De regra, os Códigos Civis modernos desinteressaram-se dos codicilos. Em


todo o caso, dêles cogita o Código Civil boliviano, arts. 659-661. Do direito
austríaco, falar-se-á depois.

No direito suíço, entende-se que, não sendo preciso, no testamento,


instituir-se herdeiro, pois não é mais a instituíção caput et fundamentum
testanienti, seria supérflua a forma codicilar (A. ESCHER, Das Erbrecht,
Kommentar zum sckweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 46). Raciocínio, diga-
se, pouco forte, porque, ainda existindo a possibilidade de distriLuir tôda a
herança em legados, pode o testador dispor sôbre pequenas coisas, ou sôbre
a testamentaria, ou sôbre funerais, sem se preocupar com a revogação do
testamento. Mudou de função, é certo.

Histôricamente, desde Augusto, êle serviu ao dispor sem nomeação de


herdeiro. Hoje, serve a disposições infimas ou a nomeações de
testamenteiro.

Entre o direito dos povos que, não exigindo a instituição dos herdeiros nos
testamentos, excluiram os codicilos (tais Código Civil alemão, o suíço e
muitos dêles) e o dos que têm os codicilos, a despeito de não exigirem
instituição aos testamentos (tal o Código Civil brasileiro), há o
intermediário, extremamente interessante, do austríaco, que não exige a
instituição, fala em testamentos e em codicilos, mas subordina-os às
mesmas exigências formais.

Na Áustria, os codicilos testamentários não são acessórios do testamento. A


regra jurídica da L. 3, § 2, da L. 83, e da L. 16, D., de jure codiclilorum, 29,
„7, não se aplica aos codicilos, ainda que testamentários (JOSEpH UNGER,
System des õsterreickischen aligemeineu Privatrechts, VI, 258). Sem valor
prático a distinção em codici lii testamenti confirmati e codieilli testamenti
non confirmati.

7.VISÃO PANORÂMICA DAS TRÊS SOLUÇõES


CONTEMPORÂNEAS. Muito nos auxiliará, no trato das questões relativas
a codicilos, o exame sintético dos três critérios pelos quais, discordantes
entre si, se orientaram os Códigos Civis hodiernos. Por bem dizer, um dêles
é o de quase todos; outro, o do Brasil. Bastaria isso para apontar a
necessidade de aprofundar o estudo daquilo que o extrema dos demais
países. Do sistema romano, já não havemos de falar: pertence ao passado e
nas linhas gerais já o conhecemos. Contemporâneos, três são os critérios
que podemos apontar como as soluções vigentes do direito a propósito de
codicilos: a)A solução da inexistência dos codicilos. Nesta, se não é
testamento, não é disposição codicilar, porque só existe testamento, ou, em
alguns povos, testamento e contrato de herança. Ou é testamento, ou não é.

b)A solução da existência de codicilos, sem distinção quanto à forma.


Nesta, que é a do Código Civil austríaco, eliminam-se várias questões,
eliminações comuns a esta e àterceira solução, ou peculiares a esta.
Exemplo de eliminação peculiar: impraticabilidade da cláusula codicilar
(E‟. VON ZEILLER, Kommentar Uber das aligemeine bilrgerliche
Gesetzbuch litr die gesamniteu deutschen Erblãnder der ôsterreichischeri
Monarchie, III, 489) : se, por defeito de forma, como testamento não vale,
não vale como êodicilo (identidade de formas, que caracteriza o segundo
sistema). Mas, se só nula ou caduca a instituição, vale o texto, sem ela (§
726), e o herdeiro legitimo cumpre os legados como os cumpriria o
testamenteiro (quasi substitutus). Aqui, a transição realizada pelo Código
Civil austríaco mostra-se ao vivo, nítida, como peça anatômica: em
verdade, deixou de exigir a instituição de herdeiro, e por isso, excluída ela,
vale o resto (conservaçúo), mas atribuindo-se ao instituto do codicilo a
permissão não se pode cogitar de conversão, pois que a forma é a mesma,
nem da cláusula codicilar. Em todo o caso, quanto a esta, é discutível:

desde que a lei conhece os dos institutos, e caduca ou é nula a instituição,


Lpode-se explicar o efeito sem a subinteligência da cláusula? Outra
dificuldade surge com o § 778 do Código Civil austríaco, no caso de se
preterir, erradamente, herdeiro necessário. A doutrina falaria de cláusula
codicilar propter defectus voluntatis.

Com essa solução o Código Civil boliviano, arts. 659-661, de pasmosa


inutilidade.

c) O da existência de codicilos, distintos, quanto à forma, dos testamentos.


Tal é o caso do Brasil. Por isso mesmo que se conservam diferenças
formais, exaurgem as velhas questões, que precisam ser tratadas com a
mentalidade dos dias de hoje. Sobretudo, em relação aos fenômenos de
conservação, conversão, cláusula codicilar, os recursos de hoje são maiores
para lhes conhecermos, cientificamente, a natureza.

A diferença entre a snlução austríaca e a brasileira, comparadas à romana,


está na maior autonomia que elas dão aos codicilos, ainda testamentários;
mas a solução c) não pode, de modo nenhum, excluir a cláusula codicilar,
reputando-a velharia. Contraviria à letra da lei, pois que adotara esta, contra
os outros sistemas, a diversidade formal. A discussão pode persistir quanto
à natureza da cláudula; mas, quanto à sua existência, é questão líquida.

Basta pensar-se na cédula hológrafa a que só se oponha faltarem as


testemunhas (arts. 1.645, II, e 1.648), porém no qual o testador tenha dito
“como posso, pelos arts. 1.651, 1.653 e 1.654, revogar os codicilos
anteriores, revogo-os por êsse ato”, ou “como pode ser que não nos
salvemos, se êsse meu ato puder ser confirmado na forma do art.

1.648, quero que se observe, como codicilo, tudo que dispus sôbre o meu
entêrro e as minhas jóias”. Seguir a opinião de CLóvís BEvILÁQUA
(Código Civil comentado, VI, 107), que de uma penada aparou tôda a
questão da cláusula codicilar, e nada admitiu a respeito, sem qualquer
argumento, seria grave injustiça. As instituições jurídicas vivem la fora, na
vida, respiram como lhes permitem a procedência, as tradições, os
princípios gerais de direito. Ninguém tem o poder de asseverar contra a
ciência jurídica, Opinativamente Se somos o último povo com o codicilo,
não nos podemos furtar ao estudo dêle: temos de vê-lo funcionar, corrigir,
com as convicções contemporâneas, os erros do passado, porém nunca para
simplificar a missão do intérprete, cortar, com a foice, todas as galhadas que
nos trazem dificuldades. Tôda ciência requer meditação, tôda ciência é
difícil: e os dados estão lá fora, ou diretamente, na vida, ou indiretamente,
nos documentos históricos. Todas as soluções de inspiração, a priori, sê
mente podem ter valor opinativo. Onde o texto legal que vedasse a cláusula
codicilar?

(nosso Tratado dos Testamentos, Tomo li, 309).

No regime anterior, ela existia, e onde o texto das Ordenações Filipinas que
a apontasse? Se formos assim, chegaremos ao absurdo de não ser preciso
estudar direito civil: o Código Civil passará a livro sacro, livro absoluto.

Código Civil que tudo resolve e somente com êle se resolve: seria Código
Civil de onisciência, de onipotência, que nunca, e em lugar nenhum, se viu.

8.POSSIBILIDADE DO CODICILIO NO DIREITO BRASILEIRO. Com a


cláusula codicilar, pode ocorrer o seguinte: a) vedá-la a lei (Preussisckes
Alígemeines Lííndrecht, II, 7, tit. 17) ; b) estatuir a lei, expressamente, que
se subentenda a cláusula (Código da Sabóia, V, 1, § 20) ; e) deixar à ciência
a questao; d) pelo fato de equiparar quanto aos requisitos formais e
intrínsecos testamentos e codicilos, como se dá no Código Civil boliviano,
ou pelo fato de proibir codicilos (o que éo mesmo), tornar sem objeto, ou
inútil, a cláusula codicilar; e) ou, ainda, equiparar formalmente testamentos
e codicilos, deixando dúvidas quanto ao intrínseco, como sucede ao Código
Civil austríaco. Ora, a tradição do direito brasileiro é a da letra c). Todas as
outras soluções seriam arbitrárias. O Código Civil nada mudou a êsse
respeito. Dizer que a cláusula codicilar desapareceu seria o mesmo que
afirmar não haver, no direito brasileiro, ação de in rem verso, porque não há
texto de lei. Compare-se tal atitude com a que têm os juristas nos próprios
países em que se extinguiram os codicilos. No direito francês, disse
MALtCEL PLANIOL

(TraiU élémentaire de Droit Civil, III. 673, nota 1): “De là l‟usage de la
elause codicillaire, par laquelle le testateur, prévoyant le cas oú son
testament serait declaré nul comme tel, declarait qu‟il devrait valoir au
moins comme codicille. L‟ordonnance de 1735 en avait conservé l‟usage;
elIe est devenue mutile sous le Code Civil, qui ne distingue plus le
testament proprement dit du codicille”. No direito alemão, não se perderam
da rota científica os escritores. Por exemplo, P. SIMÊON (Lehrbuch des
Rúrgerlichen Rechts, 1, 186, nota 6) escreveu que a cláusula codicilar, pela
qual, em caso de necessidade, o testamento havia de valer como codicilo, é,
hoje, sem objeto, porque o Código Civil alemão misturou, identificou,
codicilo e testamento. Se futuro legislador brasileiro revogar a exigência de
testemunhas no testamento particular do art. 1.645, então ocorreria igual
perda de objeto à cláusula codicilar, tornada inútil. Nas circunstâncias
atuais, absolutamente não: não só não se proibiu, como também a vitoriosa
doutrina anterior, quase unânime e só discordante em pormenores que nada
têm com a existência, força o respeito à tradição nacional, o voluntas
testatoris e mais do que tudo isso: aos princípios de direito.

Aqui cogitamos da possibilidade da cláusula. Adiante trataremos da sua


natureza no direito brasileiro, da sua extensão e dos seus efeitos.

§ 5.909. Codicilo e pressupostos formais e contenutísticos

1.TEXTO LEGAL SÔBRE CODICILO. Diz o art. 1.651 do Código Civil:


“Tôda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado
e assinado, fazer disposições especiais sôbre o seu entêrro, sôbre esmolas de
pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos
pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou jóias. não mui
valiosas, de seu uso pessoal (art. 1.797”. Cf. Projeto primitivo, art. 1.819:
“Por um simples ato particular, escrito, datado e assinado por pessoa capaz
de testar, poderá ela deixar determinações especiais sôbre seu entêrro ou
sôbre pequenas esmolas a certas e determinadas pessoas, ou aos pobres de
certo lugar, indeterminadamente, assim como fazer legados de roupas,
alfaias, móveis ou jóias não muito valiosas de seu uso particular”; Projeto
revisto, art. 1.991: “Também se pode fazer disposição de última vontade por
meio de codicilos sem instituir herdeiro, ou deserdá-lo, como se faz no
testamento”; art. 1.992: “Aqueles que podem fazer testamento podem fazer
codicilos”.

2.FONTE DA REGRA JURÍDICA. Já se achava no Projeto de COELHO


ROniucuEs, art. 2.456: “Por um simples ato particular, escrito, datado e
assinado por pessoa capaz de testar, poderá ela deixar determinações
especiais sôbre seu en têrro ou sôbre pequenas esmolas a certas e
determinadas pessoas, ou aos pobres de certo lugar, indeterminadamente;
assim como fazer legados de roupas, alfaias, móveis ou jóias, do seu uso
particular”.

iDe que legislação tirou COELHO RODRIGUES o texto que prevaleceu?


Do Preussisches Alígemeines Lo,ndrecht, 1, Tit. 12, art. 161, com as
diferenças de não se limitar a deixa, que, naquele Código, era, no máximo,
da vigésima parte da sucessao. Codicilos haviam de ser escritos, datados,
assinados, sem outras formalidades (cf.

Código da Sardenha, art. 775).

3. DIRBíTO ANTERIOR. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 86,


pr., codicilo “é uma disposição de última vontade sem instituição de
herdeiro”. Podiam ser “abertos, ou feitos por público talebiáo, ou cerrados,
com instrumentos de aprovação nas costas, ou feitos e assinados pelo
testador, ou por outra alguma pessoa privada”, com quatro testemunhas, que
fizessem cinco com o Tabelião, ou com o que o faz, ou com qualquer outro,
que o escrever (§ 19). Nos lugares de tão pequena população que fâcilmente
não se achasse tal número, valeria com três (§ 2). A capacidade era a
mesma regulada para os testamentos (§ 3).

4.REQUISITOS FORMAIS DOS CODICILOS. A lei estatui que seja


escrito pelo disponente, que tenha data (exigência que, ainda aí, só
eventualmente será essencial, dado o sistema do direito brasileiro). Nada
mais se lhe exige.

§ 5.909. PRESSUPOSTOS FORMAIS E DE CONTEÚDO

Tudo o que dissemos sôbre holograf ia do testamento, material de escrita,


parte do corpo humano com que se escreve, data, assinatura, expedientes
acauteladores facultativos, se estende aos codicilos.

Exigindo o Código Civil a escrita particular aos codicilos, afastou questões


do velho direito. É de notar-se que em tais instrumentos supôs data,
contràriamente ao proceder em relação aos testamentos. Não precisa de
testemunhas.

Se o cego pode escrever, respeitando o art. 1.651, é-lhe facultado o codicilo,


sem necessidade de leitura por outremr pois que se não trata de
nuncupatividade. Não há codicilos nuncupativos. O art. 1.637 só se refere
aos testamentos. No caso do art. 1.663, quem pode o mais pode o menos: se
as pessoas designadas do art. 1.660, achando-se nas circunstâncias:

do art. 1.663, podem fazer testamento nuncupativo perante duas


testemunhas, a fortiori podem dispor quanto à matéria dos arts. 1.651 e
1.653.

Se ao codicilo falta a data, não vale como codicilo, por infração do ad.
1.651 do Código Civil. Assim, se o testamento hológrafo não vale e lhe
falta a data, não se pode dizer que vale como codicilo (cf. 23 Turma do
Supremo Tribunal Federal, 23 de janeiro de 1951, 1?. F., 136, 114: “É o
sistema da nossa lei civil, cuja singularidade realça PONTES DE
MIRANDA). Dá-se o mesmo se as disposições não são “sôbre o seu
entêrro, sôbre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas”, ou
“aos pobres de certo lugar”, ou de “legado de móveis, roupas, ou jóias, não
mui valiosas, de seu uso pessoal” ; (õ ~ Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal,. 21 de maio de 1948, R. F., 133, 44‟?, e R. dos
T., 185, 417:
..... os juristas, dentre outros sobrelevando PONTES DE MiRANDA, têm
entendido tratar-se de coisas não excedentes de um vigésimo do valor do
monte, suprida, assim, pela doutrina, a deficiência da lei, que silenciou
quanto à proporção aritlnética interpretativa ou fixadora do conceito de
pouca monta. No caso dos autos não se provou ter o de cuius deixado outros
bens. Como um codicilo, o apelante só teria direito aos bens que pretende,
se demonstrado que efetivamente representam êles um vigésimo do valor
do monte-mor. É paralelamente o mesmo critério para a doação manual, a
que alude o parágrafo único do art. 1.168 do Código Civil, onde a noção de
pequeno valor é condicionada ao que possuir o doador. Ao que tudo indica,
entretanto, os bens constitutivos do codicilo representam tudo quanto o de
onius possuía, não sendo, assim, de pouca monta, em face do seu pequeno
patrimônio”; 1ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação, 22 de abril de 1946,
R. dos T., 164, 287, sôbre falta de data).

A alografia é inadmissível para o codicilo, bem como a dactilografia pelo


próprio disponente (4.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo,
1.0 de novembro de 1951, E. dos T., 197, 149; sem razão os julgados que
constam da E. dos T., 46, 351, e 164, 287). A gratificação, em
reconhecimento de serviços prestados, liga-se ao conceito de pouca monta
(cf. 3 a Câmara Civil da Côrte de Apelação de São Paulo, 30 de outubro de
1936, E. dos T., 106, 570).

Quem faz codicilo há de ter capacidade de testar (53 Câmara Civil da Côrte
de Apelação de São Paulo, 14 de agôsto de 1935, E. dos T., 97, 424).

5. COnICíLo pog FORMA PÚBLICA. No direito anterior, o codicilo podia


fazer-se por escritura pública, isto é, em notas do oficial público. Diferia do
testamento em se não poder, nele, instituir herdeiro, substitui-lo ou deserdá-

lo, e em bastarem quatro testemunhas, ou, nos lugares de pequena


povoação, três (Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 86, §§ 1 e 2).

Hoje, o Código Civil, art. 1.651, só se refere ao codicilo “mediante escrito


particular”. Pergunta-se: ~já se não permite por instrumento público, ou
cerrado, com aprovação do Tabelião?
De qualquer modo, seria abundans cautela. Aliás, o próprio Código Civil,
no art. 1.655, admitindo que seja fechado, cita o art. 1.644.

Resta saber se precisa ser hológrafo. Sim, ainda que cerrado, com
aprovação. Se não fôr hológrafo, terá de ter todas as solenidades do
testamento cerrado. Mas, se público, <terá de ter o mesmo número de
testemunhas que os testamentos? Aqui, a holograf ia não é possível. O
oficial público deve exigir as formalidades dos testamentos. Se fôr nulo,
responde civil e criminalmente.

6.REQUISITOS SUBJETIVOS E CONTENUTÍSTICOS DOS


CODICILOS. Nos arts. 1.627 e 1.628 do Código Civil, fala-se de
capacidade de testar. Mas, para fazer codicilos, a mesma capacidade se
requer. Já assim no direito romano, codicilios is demum facere potest, qui et
testamentum facere potest (L. 6, § 3, D., de jure codiciliorum, 29, 7),
codiejili totiens valent, quotiens quis testamentum quo que facere possit (L.
8, § 2). A regra catoniana, na forma hodierna do art. 1.628, aplica-se assim
a codicilos como a testamentos, e não cabem as discussões antigas.

O que se disse no Tomo LVI, §§ 5.658-5.661 e 5.668-5.678, sôbre


faculdade de testar e capacidade de testar, é inteiramente invocável.

A vontade do testador pode não estar livre ou manchar-se de outros vícios.


Túdo o que se disse a respeito dos testamentos, cabe quanto aos codicilos.
Escusado é repetir o que foi dito.

No mais, bem diferente e bem distanciado está de certas questões romanas o


codicilo do Código Civil, a respeito do qual muito pouco se pode buscar no
raciocínio dos jurisconsultos e dos glosadores, se bem que algumas
diferenças entre êles e os testamentos persistam quanto à forma e quanto
aos efeitos.

7. DíSposíçio EM CODICILOS. No Código Civil, as únicas disposições e


cláusulas que podem ter validade, insertas em codicilos, são as seguintes: a)
disposições especiais sôbre o entêrro; b) esmolas de pouca monta a certas e
determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar;
e) legados de móveis, roupas, ou jóias;‟ não muito valiosas, do uso do
testador (art. 1.651) ; d) nomeação ou substituição de testamenteiros (art.

1.653).

Valem, pois, as velhas regras jurídicas, e as parêmias romanas e dos


glosadores: “codicillis hereditas adimi non potest”, “neque dari neque adimi
potest” (§ 2, 1., de codicillis, 2, 25>. “exheredatio fieri nequit”, “condictio
heredis institutioni adiici non potest”, “substitutio fieri nequit”
(ROLANTIINUS PASSACERIUS, Tractatus de Codicillis, 165, 170).

8.APRRECIAÇÃO QUANTITATIVA DAS DEIXAS CODICILARES.


Quanto às esmolas, a lei exigiu que fôssem “de pouca monta”; quanto aos
móveis, roupas ou jóias, disse “não mui valiosas, de seu uso pessoal”;
quanto ao entêrro, citou, entre parêntesis, o art. 1.797.

tQue se há de entender por esmola de pouca monta? Em vez de se inserir


expediente quantitativo, que aí seria processo técnico assaz útil, como, no
Preussisefles Allg‟emeines Landrecht, 1, Tit. 12, art. 161 (a vigésima parte
da sucessão para todos os legados), entendeu o Código Civil brasileiro
deixar à apreciação do juiz o quanto concretamente possível, assim das
esmolas como de todas as outras disposições. Tratando-se, como se trata, de
requisito essencial intrínseco dos codicilos, compreende-se a impropriedade
de tal solução imprecisa. Certo, podem os juizes apreciar, mas, na espécie, o
que se havia de querer era a lei que prêviamente dissesse até quanto se
podia estender a liberalidade codicilar, ou dizei‟ qual o critério de fixação.
Não se disse, e os inconvenientes sao graves.

Luponhamos que se acolhe, pràticamente, o critério do vigésima parte, e o


disponente haja disposto quanto a dez por cento do monte. Se reputássemos
“de pouca monta” as esmolas e “não valiosas” as jóias, ou “não valiosos” os
móveis deixados, que seriam, por exemplo, em herança de nove milhões de
cruzeiros, novecentos mil cruzeiros, procederíamos sem atenção se
considerássemos de acôrdo com a letra da lei tais disposições. Mas, se
deixássemos de cumprir, não havendo, no Código Civil, limite quantitativo,
resolveríamos contra a vontade do testador.
Tudo isso serve para persuadir os intérpretes da necessidade, assim jurídica
como consciencial, de evitar invalidações de codicilos, a respeito de cuja
feitura, liberdade e autenticidade não há dúvidas. Ainda que os legados
orcem pela décima parte da herança. Sempre que parecer exagerado, para a
cédula codicilar, o de que se dispôs, e sendo possível, tem o juiz de cumprir,
ouvidos os interessados, com o mesmo critério que acolheu o legislador
quanto às disposições testamentárias exageradas( art. 1.727 e §§ 1.0 e 2.0),
a redução proporcional das esmolas, ou, se isto mais se aproximar do que
poderia ter querido, conhecendo o testador a redução proporcional de todas
as disposições, esmolas, legados ou outras liberalidades. Com isto, observa
o juiz o que resulta da lei.

Se fôr ab intestato o codicilo e beneficiados os próprios herdeiros legítimos,


nenhuns inconvenientes jurídicos haverá (respeitadas, se fôr o caso, as
quotas necessárias) em que se cumpra integralmente o codicilo exorbitante
dos limites objetivos do ad. 1.651. Para reforçar a interpretação que demos,
digamos que se devem cumprir todos os codicilos formalmente válidos,
feitos por pessoa capaz, e só se poderá levantar a questão dos limites de
objeto quando haja direito de terceiro, e a êste direito de terceiro
explicitamente se refere o art. 1.652.

9.DIREITOS DE TERCEIROS E CODICILO. Diz o art. 1.652 do Código


Civil: “Ésses atos, salvo direito de terceiro, valerão como codicilo, deixe,
ou não, testamento o autor”. Cf. Projeto primitivo, art. 1.819, § 1: “Ésses
atos, salvo direito de terceiro, valerão como codicilos, quer o autor deixe
testamento, quer não”; Projeto revisto, art.

1.992, § único: “Os codicilos valerão como tais, quer o autor da herança
deixe testamento, quer não, e podem ser revogados por outros ou por
qualquer espécie de testamento posterior que lhes não faça referência
confirmando-os ou modificando-os”. A fonte foi o Projeto de COELHO
RODRIGUES, art. 2.456, § 1.0: “Ésses atos, salvo direito de terceiro,
valerão como codicilos ou mernoranda de últimas vontades, quer o autor
deixe testamento, quer não”.
10.DIREITO ROMANO. Havia os codicilos ab intestato e os codicilos
testamentários. Para conhecerem o codicilo ab intestato e o testamentário,
os juristas antigos recorriam à proximidade qualificada da delação: se era de
esperar-se a sucessão intestada, ab intestato era o codicilo; se a
testamentária, tratava-se de codicilo testamentário.

Septimius Severus e Antoninus Caracaíla modificaram tal simplismo,


preferindo a vontade do testador a tal apriorístico entender.

Não nos adiantam hoje as meditações de VIvIANO e ACÚRsio em tôrno


daL . 8, pr., D., de inre codiciliorum, 29, 7 (PAULO), sob a cláusula
confirmatória a que se seguiram as de E. DUNIUS (De veteri ac novo inre
codiciliorum commentarius, 53) e J. H. BOERMER (Exercitationes ad
Pandectas, V, 235).

§ 5.910. Espécies de codicilos

1.DISTINÇÕES. Aos codicilos sine testamento confectz

(L.8) e ab intestato facti (L. 16, D., 29, 7) os novos juristas acrescentavam
distinções relativas aos codicilli testamentarii: ad testamentum facti ou
pertinentes e post testamentum facti codicilli. Se os olhamos com olhos de
hoje, certo teremos como indicativos de circunstâncias que devem ser
apreciadas. Por isso mesmo, como bem disse EDUARD EEIN (CHR.
FRffD. voN GLÚCK, 44, 194), constituem apenas regras jurídicas
dispositivas as que vêm nos textos romanos sôbre os codicilos
testamentários, ou, se assim não eram, tal se tornaram e nos nossos dias
outra atitude não nos cabe. A superveniência de testamento, faz
testamentário o codicilo intestado, se o contrário não resulta do testamento
posterior.

Mas é de notar-se que os codicilli confirmati ganham certa fôrça pelas


considerações que noutro lugar desenvolvemos a respeito dos escritos
adjetos ou cédulas referidas.

No Código Civil brasileiro o codicilo constitui ins singnlare, ainda mais do


que no direito romano, porém não no sentido de tão grande dependência do
testamento.

Aliás, já o direito romano lhe reconhecia caracteres e efeitos autônomos.


Principalmente quanto à sua interpretação.

Se no codicilo se dizia “o meu vestido”, “a casa em que moro”, e o


testamento posterior nada dizia quanto à identidade do objeto legado,
entendia-se o tempo do codicilo, e não o do testamento. Se no codicilo
estava escrito

“se vive Tício” ou “se tem tantos anos”, atendia-se ao tempo dos codicilos,
e não àquele em que se fêz o testamento, tempus codicillorum, nou quo tem
pore fil testamentum, spectandum (L. 7, § 1).

Rôto o testamento pela superveniência de filhos, pelo póstumo, rompia-se o


codicilo testamentário. O testamento era o principal; os codicilos,
acessórios. Mas, se a codicilo in futurum, nulo por incapacidade, sucedia
testamento feito pelo capaz, a cláusula confirmatória não no trazia à vida.
Se só o codicilo e não o testamento fôsse revogado, valeria êste, porque êste
podia valer sem aquele. Havia o exemplo de PAULO, na L. 5, § 14, D., de
hás quae in indignis auferuntur, 34, 9. Tudo isso decorria da natureza
acessória do codicilo. Éste nunca persistia sem aquele; aquele podia
persistir sem êste.

Tudo isso cessava para o codicilo intestado. É a respeito dêles que diz
PAULO (L. 16, D., de iure codiciliorum, 29, 7): vicem testamenti exhibent.
Fazem as vêzes de testamento. Donde a elaboração de teoria autônoma do
codicilo intestado.

2.CODICILOS TESTAMENTÁRIOS E CODICILOS ABINTESTARIOS -


O Código Civil, art. 1.652, contém expressões “deixe, ou não, testamento o
autor”, que equivalem às velhas distinções “testamento facto, aut sine
testamento”. Sem testamento, cabe ao herdeiro intestado executar a vontade
do codicilante, se êste não nomeou quem executasse. Donde: poder haver
codicilo e, pois, legados, sem testamento; e testamenteiro, que exe-. cute o
codicilo, sem que exista testamento a cumprir.
Mantém-se a possibilidade de codicilos testamentários e ab intestato. Mas
veremos as diferenças entre o direito romano e o brasileiro.

3.DEPENDÊNCIA E INDEPENDÉNCIA DO CODICILO


TESTAMENTÁRIO. Cumpre notar que desapareceu o apriorismo da regra
jurídica romana codicilti vires ex testamento capiunt, jus testamenti
sequuntur Ainda testamentários os codicilos, valem por si, vivem por si,
operam, de si sós, os seus efeitos. Qualquer dependência que possa haver,
não deriva do nome que se lhes haja de dar, ou de circunstâncias, não
intrínsecas, que tornem os atos do decujo codicilos testamentários.
Anteriores, ou posteriores, referidos, ou não referidos, confirmados ou não
confirmados, são as disposições dêles que importam. A interpretação, e não
os consectários da dependência formal, tem de ser o elemento para as
soluções de acessoriedade, ou não, das vontades insertas.

Êste é o direito contemporâneo, com o qual não têm pensado, por falta de
informes, alguns escritores, tardos no romanismo da regra jurídica ins
testamenti sequuntur.

A própria confirmação só o efeito de dados inter pretativos pode ter. Pode


ir ao ponto de tornar o codicilo elemento complementar. Mas, a
confirmação, por si só, não dá maior perfeição ao codicilo, que é ato
jurídico perfeito.

Outrossim, o ser in futurum ou in praeteritum. A regra é que o codicilo de


hoje vale, seja anterior ou posterior ao testamento (JOSEPH UNGER,
System des ôsterreichisch,en aligemeinen Privatrechts, VI, 258, nota 3). Se
foi, ou não, revogado, é outra questão, que também se põe aos testamentos
entre si.

4.FIcçÃo CODICILAR E CÓDIGO CIvIL. Resta o conceito de ficção


codicilar. Ficção codicilar, entenda-se: disposição, inserta em codicilo
confirmado, deve considerar-se como do testamento e atribuida ao tempo da
feitura.

Como ficção, compreende-se que a afastem os escritores modernos e, ainda


mais, que não a tivessem incluido, entre as que estudou, o autor do mais
valioso livro sôbre ficções, A. D. ALTESERRA. Porém, se, pela
interpretação, se chega a ligar a disposição de um à de outro, as
consequências vêm por si mesmas. ~ assunto já estudado.

5.DIREITO DE TERCEIRO. A lei ressalva direitos de terceiros. ~Por quê?


tQue direitos são êsses que precisam ser ressalvados quanto aos codicilos?
~ Os dos herdeiros necessários? Não era preciso dizê-lo, O art. 1.721 do
Código Civil concerne a todas as disposições de última vontade, Os
herdeiros testamentários? Os direitos dêles provêm da vontade do testador,
e outra coisa não são os codicilos. A proposição veio do Projeto de
COELHO

RODRIGUES, art. 2.456, § 1. tSerá que se permite que se cumpram os


codicilos sempre que os interessados no excesso de objeto não reclamem? ~
Será que se pensou nos credores? Tudo isso é incerto.

6. NOMEAÇÃO E SUBSTITUIÇÃo DE TESTAMENTEIRO. Diz o art.


1.653 do Código Civil: “Pelo modo estabeelcido no artigo 1.651, se
poderão nomear ou substituir testamenteiros”,. Cf. Projeto primitivo, art.
1.819, §

2.0: “Do mesmo modo se poderão nomear ou substituir os testamenteiros”


A fonte foi o Projeto de COELHO

RODRIGUES, art. 2.456, § 2.0: “Do mesmo modo também se poderá


nomear ou substituir os testamen-.

teiros”. Pode-se nomear testamenteiros e dar-lhe funções? Sim, quanto ao


objeto restrito do codicilo ou para a execução do testamento que acaso
exista.

Mas, pergunta-se o testador, além disto, diz que o testamenteiro grave de


inalienabilidade as legítimas? ~ O artigo 1.651 é exemplificativo? No art.
1.723, só se fala de testador. No art. 1.171, permitiu-se o adiantamento da
legítima. Nele não se disse que o doador podia impor, desde logo, a
inalienabilidade, mas isto, se o art. 1.676 não bastasse, teria de admitir-se,
porque o adiantamento emprega ficção e esta tem de operar no caso fito
como operaria no caso verdadeiro. É a velha regra de A. D. ALTESERRA.
Ora, aquela doação pode ser feita por escritura pública ou por instrumento
particular, só-mente assinado e com duas testemunhas. O codicilo não nas
tem. Pode, a despeito disto, conter doações. Será o caso de se raciocinar
para êle como se raciocina para as doações inter vivos. Não há nenhum
inconveniente em se cumprir a vontade do testador, hologràficamente
declarada, datada, assinada, para êste efeito, fundamentalmente destinado a
amparar os herdeiros legítimos.

§ 5.911. Revogação de codicilo

1.TExTO LEGAL. Diz o art. 1.654 do Código Civil: “Os atos desta espécie
revogam-se por atos iguais, e consideram-se revogados, se, havendo
testamento posterior, de qualquer natureza, êste os não confirmar, ou
modificar”. Cf. Projeto primitivo, art. 1.819, § 3.0: “Os atos desta espécie
podem ser revogados por outros iguais, ou por qualquer espécie de
testamento posterior, que não lhes faça referência confirmando, ou
modificando”.

A fonte foi o Projeto de COELHO RODRIGUES, art. 2.456, § 39: “Os atos
desta espécie podem ser utilizados pelo autor em qualquer tempo, ou
revogados por outros iguais, se porventura se houverem extraviados e
caducando no todo, por qualquer espécie de testamento posterior, que não
lhes faça referência, confirmando ou modificando”.

2.DISTINÇõEs. Quanto à revogações, temos de distinguir três casos: a)


revogação de codicilos por outros; b) revogação dos codicilos pelos
testamentos; o) revogação dos testamentos pelos codicilos. Neste Capítulo,
só os casos das espécies a) e b) nos interessam. O da espécie c) pertence ao
capitulo sôbre revogação dos testamentos.

§ 5.911. REVOGAÇÃO DE CODICILO

a)Revogação dos codicilos por outros codicilos. O direito de hoje que se


observa quanto à revogação dos testamentos (artigos 1.747 e 1.748) já regia
os codicilos. Enquanto se dizia turno oum pluribus testamentis decedere
potest, sutilizavam os escritores em tôrno do codicillos et plures quis facere
potest da L. 6, § 1, D., de iurc codiciliorum, 29, 7. t inegável o valor
histórico de tais discussões, que prepararam o direito para melhores
soluções jurídicas, auxiliadas pelas confusões.

b)Revogação dos codicilos pelos testamentos. Sobrevin do testamento, tira-


se de PAPINIANO o seguinte (L. 5, D., 29,

7): a) valia o codicilo, se o testamento posterior o confirmava b) se o


confirmava outro codicilo. O que vem em seguida ou se a vontade dos
mesmos (codicilos e testamentos) resulta de outro qualquer indício, azd
voluntas eorum quocum que indicio retineatur” constitui interpolação
justinianéia (J. CUJA-CIO), mas serve para formar o caso o).

A respeito de revogação, vale o que se disse sôbre o testamento, ainda que


se trate de codicilos intestados, êstes pela razão de fazerem as vêzes de
testamento. Mutati.s mutandis. aplicam-se aos codicilos os arts. 1.747 e
1.748, bem como o art. 1.749, no entendimento mais amplo que lhe
daremos ao cogitarmos dessas regras jurídicas.

Discute-se se só o fato de testamento posterior, que expressamente não


confirma ou modifica, revoga o codicilo.

Leitura. superficial da lei responderia afirmativamente. Mas, se o codicilo


anterior, pela interpretação dos dois instrumentos de última vontade, foi
tàcitamente confirmado, ou subsiste incólume, por se tratar de matéria de
que não cogitou o testamento,. o que também constitui confirmação tácita,
claro é que se deve observar o que nele se dispôs. Vale dizer: a confirmação
de que cogita o art. 1.654. Por via de regra, é o que ocorre aos codicilos ab
intestato.

3.RUPTURA DOS CODICILOS. Segundo o Código Civil, arts. 1.750 e


1.751, rompe-se o testamento se sobrevém descendente sucessível ao
testador, que o não tinha, ou o não conhecia, quando testou, e o descendente
lhe sobreviver, ou no caso de ignorar a existência de outros herdeiros
necessários. Pergunta-se: ~ aplicam-se, por analogia, aos codicilos?
Antes de caracterizarmos a questão hodierna, percorramos os textos
romanos, que, até certo ponto, de perto examinaram as relações juridicas
que interessam. Depois, temos de levar em conta o restrito objeto dos
codicilos no direito brasileiro.

a) No direito romano, já ocorria partir-se a questão se referente a codicilos


dos intestados ou de disponentes testados. Acessórios dos testamentos,
rompiam-Se 0s codicilos testamentários sempre que se dava superveniêflcia
de filho.

Na L. 16, O., de jure codicillorum, 29, 7, PAULO disse que o sucessor do


intestado, ainda que nasça depois, deve cumprir o que se dispôs nos
codicilos: ab intestato factis codiciflis reLicta etiam postea natus intestati
sucoessor dcbebit; porque, qualquer que seja quem intestado sucedeu,
cabem os codicilos, locum habent codiejili. O caso é um só e não importa
quem sucede, desde que suceda intestado. Mas, se houve testamentO,
seguem os direitos dêste, testamento autem facto ius sequuntur ejus (regra
jurídica, que, em caráter a priori, não devemos admitir).

Portanto, a ag‟tuitio postumi não rompia o codicilo intestado. Assim, a L.


3, § 1, O., 29, 7. A regra jurídica veio na L. 19: “adgnatiOne sui heredis
nemo dixerit codicillos evanuisse”. Postumi sui, ou postu?nZ aliem.

Tudo isso é perfeitamente certo.

Mas, na própria L. 19, MARCELO entendeu que, se o decujo supunha


morto um dos filhos, só o filho, a que era destinado o codicilo, devia o que
se dispôs: o filho, que êle cria vivo, pagaria a sua parte, e o outro, nada; se
fôsse Qbjeto que se não pudesse dar em parte, nada teria de pagar, porque o
disponente pensava que tôda a herança iria ao obrigado e por isso lhe deu
tais obrigações (immo dumtaxat partem debet: eorum tamem, quae pro
parte praesta‟ri non possunt, nihil eo‟fllm praestfUfr tiniu, quoniam ilti
non fuerit filio abtaturus, nisi solum putaret successorem sibi futurum).

Mas, ~„,se o disponente morreu testado, e o codicilo é testado?


No direito civil, só havia duas espécies ou situações: codicilo com sucessão
intestada e codicilo com sucessão testada.

A terceira criou-Se com a tríplice pretoriafla bonorum possessio contra


tabixUtS, secundum tabulas e ab intestatO.

b)Vejamos as soluções quanto à ruptura no direito brasileiro. Se o codidilo


foi feito para ser cumprido pelos herdeiros legítimos, não se rompe com a
superveniêndia de filho, com o pos tumi, ou concorrência de outro herdeiro:
nam unus casus est neo interest qui succedit dum intestato suocedat. A
glosa de ACÚRCIO explicava:

“sine distinctione personarum nati vel nascituri”.

Mas as conseqúêndias de MARCELO não devemos, hoje, aceitá-las. Ao


juiz examinar as circunstâncias e interpretar a vontade do testador. A
solução, que êle dava, supunha non fuerit filio ablaUtrus, nzst solum putaut
sucessso sibi luturum. Se êle, com o outro, nato ou nascituro, ou sem
essoutro, disporia o mesmo, não cabe nos nossos dias, como princípio, a
solução de MARCELO, porque o objeto dos codicilos, pelo Código Civil, é
ínfimo.

Não há no direito brasileiro alusão à nã~ruptura dos codieMos nos casos


dos arts. 1.750 e 1.751, mas tal solução, explícita nas L. 3, § 1, e 19, O., 29,
7, do direito romano, não precisa de texto para que se observe: decorre dos
princípios gerais de direito.

1.TExTO LEGAL. Diz o art. 1.655 do Código Civil:

“Se estiver fechado o codicilo, abrir-se-á do mesmo modo que o testamento


cerrado (art. 1.644) “. Cf. Projeto primitivo, artigo 1.820: “Se o codicilo
estiver fechado, deverá ser aberto do mesmo modo que os testamentos”.

A fonte foi o Projeto de COELHO RIODRIGUES, art. 2.457:

~„Se o codicilo estiver fechado, deverá ser aberto do mesmo modo que os
testamentos, e apenso ao do seu autor, se êste morrer testado”.
2.ALCANCE DA REGRA JURÍDICA. Ço direito anterior, ocodicilo seguia
as três formas do testamento. O art.

1.655 do Código Civil constitui reminiscência e diz que, sendo cerrado o


codicilo, o juiz o abra, fazendo-o registar e arquivar no cartório a que tocar,
ordenando que seja cumprido se lhe não achar vício externo que o torne
suspeito de nulidade, ou de falsidade (art. 1.644)

Pode o disponente levar o codicilo, com as formalidades do art. 1.651, ao


oficial público, para que o aprove como se fôra testamento cerrado:
abundans cautela non nocet. Se, em vez das formalidades do art. 1.651, tem
todas as formalidades dos testamentos cerrados, ainda que não seja
hológrafo, vale, porque testamento é, e testamento é mais do que codicilo.
Dir-se-á o mesmo se se observam as regras jurídicas relativas ao testamento
público.

3.CODICILOS NOUTROS SISTEMAS JURÍDICOS. Em certos sistemas


jurídicos, exigidos a testamentos e codicilos os mesmos requisitos formais,
mais se trata de sobrevivência vocabular do que de instituto. No direito
inglês, por exemplo, fala-se, a todo o momento, em “testamento ou
codicilo‟~. Em verdade, codicilo é, para êle, o adjecto a testamento, o que,
rigorosamente, desloca a questão.

Em direito de livre testação, como o direito inglês, o codicilo é algo de


aderente ao testamento; mas pode existir sem testamento. Aliás, o que se
costuma chamar codicilo é testamento adjecto, que supõe~a existência de
testamento principal: entre êles há diferenças formais e intrínsecas.

§ 5.913. Cláusula codicilar

A revogação do testamento presume-se estendida a todos os codicilos que


êle contém (Grimwood v. Cozens, 1860, Goods of Greig, 1866, Gardiner v.
Courthope, 1886). Mas, se resulta das circunstâncias que o testador nâo
quis revogar todos, ou alguns déles, êstes subsistirão (Farrer v. St-
Catherine‟s Coilege, 1873, Sudgen v. Lord St-Leonards, 1876, Good of
Bleckley, 1883). Um codicilo que confirma testamento revogado (note-se
que isso não se pode dar no direito brasileiro), presume-se que revalide
todos os codicilos que se adjectam. Mas tal presunção pode ser afastada,
assim expressamente, como pela natureza do conteúdo do codicilo.

No direito português, não há codicilos. A própria nomeação de


testamenteiros somente pode ser feita em testamento, ainda que à parte, só
para êsse fim. As formalidades seriam as mesmas. ~ o que também se passa
no direito francês.

1. CONTEÚDO DA CLÁUSULA. No dispor, pode a pessoa que


reconhecia ou desconfiava da nulidade, prever a possível apreciação do seu
ato como concebido em forma válida. Igualmente, observar forma especial
a atos futuros (por exemplo, Código Civil, art. 133). Tudo isso é matéria de
declaração de vontade. Não se confunda com as figuras de conversão e de
conserva $0 dos atos jurídicos. Exemplos daquelas cláusulas, em que se
reconhece a nulidade, ou se desconfia da validade, temos no testamento em
que se diz: “Se não valer como testamento, quero que valha como doação
inter vivos” (FURGOLE, Traité des Testaments, cap. 12, n. 25) ; “Se não
valer como testamento, valha como codicilo”.

2.CLÁUSULA CODICILAR E CONVERSAO. Como se vê, cláusula


codicilar, que é cláusula, nada tem com o instituto jurídico da conversão
(HEINRICR AUGUST Voss, Die Konvershn des Rechtsgesohâfts, 47). A
conversão não se opera pelo querer do disponente: resulta de princípios
jurídicos. Nela, o conteúdo do negócio jurídico, passando a outra forma,
produz os mesmos resultados que se queriam. Não se quis o nôvo negócio
jurídico ou a nova forma, o que se dá é que os resultados queridos são os
mesmos. Teremos de ver o enorme campo de aplicação que encontram nos
testamentos as conversões. A cláusula codicilar, esta, por sua natureza, se
restringe às relações entre testamentos e codicilos. Não exclui as figuras
jurídicas da conservação e da conversão, independentes da existência de
cláusulas. Sôbre conversão, Tomo IV, §§ 374-379 e 403, 2.

Na cláusula codicilar, não podemos ver conversão, não só-mente porque por
definição o testador quis a outra forma, ou, mais amplamente, o outro corpo
do negócio jurídico, como porque cláusula, isto é, disposição do testador, e
não figura do mundo jurídico institucional na cláusula se podiam conter
conseqUências futuras de conversão, de conservação e de outra natureza.

Êsse ponto é de tôda a importância. Conservação, conversão,


convalescença, são efeitos da ordem jurídica, resultam da aplicação de
textos legais ou de princípios superiores ou gerais de direito. A cláusula,
não. Quer se subentenda, quer se não subentenda, a cláusula é declaração de
vontade dos disponentes. Dizer que se extinguiu vale o mesmo que
restringir, sem lei, a vontade dos que dispõem. Somente pode provir tão
inconsiderada asseveração de conclusões, certamente lamentáveis, entre
institutos jurídicos e vontades das partes. Cláusula não é instituto. Cláusula
é vontade, surge onde quer que o seu objeto seja possível. No caso dos
testamentos e codicilos, desde que há diferença entre êles, caracterizado
está o objeto da cláusula codicilar. Pois que existe êsse objeto, existe a
possibilidade da cláusula.

3.CLÁUSULA CODICILAR E CONSERVAÇÁO. Das nulidades formais


tirou-se o adágio feci quod non potui, quod potui non feci. Sem se poder
fazer, fêz-se, vale o mesmo que se não fôsse feito. Mas a êsse apriorístico
“fiz o que não podia, o que fiz sem poder não fiz” a Ciência opôs
considerações de salv3-mento do útil. Donde o princípio jurídico da
conservação, de alta valia em matéria testamentária. Porém não se confunda
com a cláusula codicilar, que não é princípio jurídico, mas disposição de
vontade.

Exemplos:

a) O testador escreveu do próprio punho com os requisitos do art. 1.651 a


cédula testamentária que havia de ser aprovada pelo oficial público, de
acôrdo com o art. 1.638, IV -XI. Mas a aprovação não satisfaz as exigências
legais. Na cédula, só existem disposições de ordem codicilar (arts. 1.651 e
1.653), ou existem separáveis. Que há de fazer o juiz? Deve salvar o útil. É
o princípio de conservação, que deriva de ordem superior do direito e às
vêzes as próprias leis a êle se reportam, se bem que imperfeitamente.
b) O testador declarou: “Não sei se, pela minha naturalização, ainda posso
testar como testei antes de me naturalizar segundo a lei do Estado em que
nasci; porém, se fôr nulo êste testamento, quero que valha como o que
possa valer e respeitem a minha vontade quanto ao meu entêrro e a entrega
das jóias, que uso, ao meu amigo F”. É

a cláusula codicilar. Opera pela vontade do disponente. Francês ou Alemão,


que se naturalizou Brasileiro, mal conhecedor do direito da sua pátria,

testou nulamente. Mas o codicilo, êle, como Brasileiro, podia fazer, e quis a
alternativa.

4.CLÁUSULA CODICILAR NO DTREITO ROMANO. A cláusula


codicilar aparece na L. 1, O., de inre codiciliorum, 29, 7:

“Saepissime rescriptum et constitutum est eum, qui testamentum facere


opinatus est nec voluit quasi codicillos id valere, videri nec codicillos
fecisse: ideoque quod in ilIo testamento scriptum est, licet quasi in
codicillis poterit valere, tamen non debetur”. O que acreditou fazer
testamento e não quis que êsse valesse como codicilo, em rescritos e
constituições muitas vêzes se determinou que se considerasse como não
tendo feito, tão-pouco, codicilo; portanto, o que naquele testamento se
escreveu, pôsto que pudesse valer como codicilo, ainda assim não se deve.

Nec voluit quasi codicilios id valere; donde se tira que valeria como tal, se
o tivesse querido, É a cláusula. É a questão sôbre a vontade, que as mais das
vêzes se clareia com o próprio escrito: voluntatis quaestio ex eo scr%oto
plerumque declarabitur, como se diz, e é o caso da L. 13, § 1, do mesmo
título. É também o que se dispôs na L. 41,

§ 3, O., de vulgari et pupilíari substitutione, 28, 6. Ainda que geral a


cláusula pode querer que valha, qualquer que seja a razão (L. 29, § 1, O.,
qui testamenta facere possunt et quemadmodum testamenta fiant, 28, 1).

5.DIREITO ANTERIOR E CLÁUSULA CODICILAR. Na tradição do


direito brasileiro sempre se reconheceu a validade da cláusula.
Discordâncias somente surgiam quanto à sua aplicaçtto (nulidades por
preterição de solenidades externas ou também ob prateritionem
descendentium adscendentium veZ freitris, ob solennitates internas, e
outros casos).

PASCOAL JOSÉ DE MELO FREIRE, Institutiones Inris Civilis Lusitani,


III, 5, § 57) admitia pudesse ser especial ou geral, mas limitava-as às
nulidades por solenidades externas, se podia salvar-se como princípio, isto
é, se têm aquelas quae in cediojilis requiruntur. De grande importância,
outrora e hoje, nos casos de falta, insuficiência, ou defeito das testemunhas.
Ficariam não suscetíveis de valer as disposições, cabíveis em codicilos, que
se achassem em testamentos rotos por preterição de herdeiros (arts. 1.750 e
1.751), ou caducos pela exclusão, incapacidade ou renúncia do herdeiro
nomeado. Ainda mais os nulos ob defectum voluntatis, veZ potestatis
testator-is, vel ob solennitates internas omissas.

ANTÔNIO JOAQUIM DE GOuVEIA PINTo (Tratado regular e prático de


Testamentos e Sucessões, 200, nota 155) pouco mais fêz que traduzir a
PASCOAL JOSÉ DE MELO FREIRE, acrescentanto, em nota, que só se
admite expressa. Excluia a que se pode deduzir das palavras do testador e a
que resulta do costume geral de aporem os tabeliães. Confusão perigosa,
porque a primeira, não explícita, nem por isso deixa de achar-se de. clarada:
quem tàcitamente quer, quer o mesmo que se expresso quisesse. Mas seria
muito exigir do prático português que ao seu tempo entrasse em tais
precisões técnicas que somente a doutrina posterior, em lutas memoráveis,
veio avivar.

MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Notas do uso prático e críticas, III,


363) já se aproximava da verdade no afastar tão-somente a subentendida
(quem diz subinteligência diz não declarada, quer expressa, quer tácita). Foi
adiante no mostrar que inúmeras são as frases equipolentes: “não valendo
como testamento, valha como codicilo”,

“valham as minhas disposições pelo modo mais válido de direito”, “ainda


que falte algiima solenidade”. Quanto aos efeitos, indignou-se como
simplismo de PASCOAL JOSÉ DE MErxi FREIRE, e não se conteve: “À
vista do exposto, bem se vê o quanto o grande MELO estava alucinado,
quando em tanta variedade, e sem profundar o mais sólido, ou subtraindo-se
a trabalho, rompeu nestas palavras: Alii aliter”.

M. A. COELHO DA ROCHA (Instituições de Direito Civil português, §


729), hostil aos codicilos, não chegou prôpriamente a discordar de
MANUEL DE ALMEIDA E SonsA, e os seus argumentos são fracos.
Quanto ao valor da cláusula nos casos de caducidade do testamento e
validade dos legados, afirmou subsistirem êsses em virtude de lei e não de
cláusula (cp. Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 82, § 3), no que tem
razão. Quanto aos defeitos de forma, não foi terminante e disse,
medrosamente: “Pode-se, porém, defender, que é inútil e sem efeitos
alguns”.

Francesia na forma e no fundo. Em vez de se impressionar com o Código


Civil francês, melhor fôra ter lido FURGOLE, que correspondia ao direito
português. Escusado é dizer que a opinião de M. A. COELHO DA ROCHA
nem tinha bases no passado, nem se seguiu no futuro. Por outro lado, rôto o
testamento, pela superveniência do póstumo, e havendo a cláusula, ~podia e
pode o juiz, em sã consciência, negar o cumpra-se ao codicilo nele contido
e só relativo a assuntos igualmente válidos no codicilo testamentário e no
ab intestato?

Havendo a cláusula e dando-se tais casos, é impossível negar-se efeito ao


testamento rôto por êsse motivo, ou pela ignorância de outros herdeiros
necessários.

Quanto à exclusão, incapacidade ou renúncia do herdeiro nomeado, é outra


questão. Os traços distintivos da conservação só posteriormente foram
aprofundados pela ciência. Por isso mesmo, compreende-se que se
confundissem instituto e declaração de vontade, figura do sistema jurídico e
efeito de cláusula. Ainda que não haja cláusula, o testamento do Código
Civil, art. 1.748, 13 parte, mantém-se válido para o resto, e revoga os
anteriores.

Se nele existe reconhecimento, conser“za-se êsse: é parte válida separável.


6.NATUREZA DE CLÁUSULA CODICILAR (CLÁUSULA OU
PRESSUPOSTO). Velha questão é a de se saber se podia ser subentendida a
cláusula codicilar. Neste assunto, as deficiências científicas foram
responsáveis por muitas discussões inúteis, em cujos torneios como que se
esboçaram os argumentos prin~cipais das posteriores teorias: teoria da
declaração, teoria da vontade e teoria da confiança. Quando, por exemplo,
vemos a escritores dizerem que não se admite a cláusula tácita ou implícita
ou que se deduz das palavras dos testadores, evidente está que confundiam
o tâcitamente declarado e o subentendido.

No direito romano, a cláusula codicilar tinha de ser cláuaula, isso é, algo


querido. Não havia suposição disso. Na L.

41, § 3, D., de vulgari et pupilíari substitutione, 28, 6, está escrito: nisi hoc
expressum est. De qualquer modo questão de vontade, que se há de declarar
ex scripto (L. 13, § 1, O., de iure codicillorum, 29, 7). Não havia
pressuposição da alternativa. Não havia subinteligência.

Os tratadistas por muito tempo viram em tal cláusula „caso de convertio


actua iuridici, invocando a L. 19, pr., e § , D., de testamento militis, 29, 1,
em que se fala de convertisse, conversum, e o próprio R. RÓMER, a que se
deve o famoso artigo sôbre conversão (noutros pontos, definitivo), não se
livrou da confusão. Dai a atribuição da presumibilidade da elausula
codicilíaris. A expressão tácita ora se empregava no sentido de não
explícita, se bem que contida nas palavras, ora nesse e no de praesumpta ou
subinteliecta. Depois excluiram a possibilidade de subentender-se, mas
continuaram a invocar o instituto da conversão. ALEF ainda atribuía aos
romanos a cláusula presumida. Intervinham também questões relativas aos
testamentos privilegiados. Discriminados, hoje, os domínios da conversão,
da conservação e da cláusula, facilitam-se as respostas: a)Não há
pressuposição de cláusula codicilar, quer dizer, não se pressupõe a
alternativa. Há de ser cláusula explícita ou implícita; portanto, declarada.

b)Se o testador nada disse, explícita ou implicitamente dito, pode haver


conservação, mas não cláusula.
c)Mas o objeto, por si, pode preestabelecê-la (como ~y objeto foi querido
pelo testador, tácita é a cláusula). Assim, se no testamento, tudo mostra que
as disposições são restritas ao art. 1.651, ou, contendo nomeação de
testamenteiro (artigo 1.653), nem sequer pretendeu revogar testamento
anterior, vale o codicilado. Aqui resulta -do objeto, como a cláusula rebus
sie stantibus deriva de certos negócios jurídicos pela natureza dêsses.

7.ONDE E COMO OPERA A CLÁUSULA GODICILAR. Se não é caso


de nulidade de testamento, não cabe falar-se em cláusula codicilar. No
direito brasileiro, ngo havendo nenhuma diferença quanto à capacidade para
fazer testamentos e à capacidade para fazer codicilos, fica sem objeto a
cláusula codicilar relativa a defeitos subjetivos. Exigida a holografia aos
codicilos, a própria aptidão para as formas não pode ser objeto da cláusula.
No caso de disposições codicilares em testamento público nulo por êsse
motivo, a observância do que se dispôs quanto ao entêrro somente terá
fundamento moral.

A ruptura do testamento somente impede que se realize a cláusula codicilar


se as disposições contidas forem incompatíveis com a abertura da sucessão
legítima. Note-se bem: não se subentende a alternativa em nenhum
testamento. Rôto, somente se dará o que o testador queria se há cláusula
codi. cilar, ex scripto (expressa ou tàcitamente), que deva prevalecer ainda
neste caso.

8.CASOS PARTICULARES RELEVANTES. Pode ocorrer que o codicilo


preceda ou suceda a testamento válido: pode ocorrer que a cláusula
codicilar opere em testamento que, por ser nulo, não revogue o anterior, ou
seja nulo o primeiro, com que o posterior não se chocava e a cláusula
codicilar, salvando o codicilo do infirmado, suceda ou anteceda o
testamento válido.

O testador pode incluir a cláusula só em relação a outras disposições, em


vez de indistintamente se referir a todas que possam ser objeto de codicilo
(M. 5. MAYER, Die Lekre von dem Erbreckt nach. heutigen rõmisch,en
Rechte,
§ 23, nota 9).

O que caracteriza a cláusula codidilar é a alternativa, com que o disponente


subtrai à nulidade, sanatôriamente, parte aproveitável da cédula. Não se
trata de validade parcial do testamento: havia como dois atos
disjuntivamente, no mesmo ato, testamento ou codicilo; nulo aquele, sobe
êsse à tona.

Aliás, o testador pode dizer: “daqui em diante, se o meu testamento fôr


nulo, valha como codicilo” (cp. E.

WINDSCHETD, Lekrbuck des Pandektenreckts, III, § 631, 2).

A L. 8, pr., e §§ 1, 2, C., de codiciltis, 6, 35, estatuía que obeneficiado


decidisse desde logo se pleiteada a validade do testamento ou do codicilo:
excluída uma via, negava-se-lhe a outra. Ficava vinculado ao que pediu.
(Seja judicial ou extra-judicial a eleição ou resposta, discutia-se, em tôrno
aos textos, cp. EDUARD FEIN, em CHR.

FRIED. VON GLÚCK, Kommentar, 285, e E. WINDSCHEID, Lekrbuck


des Pandektenrechts, III,§ 631.)

Hoje, tal faculdade de eleger não se justifica. Nem ainda o cerrar as portas à
validade, porque se abriu a outra. Nem o apresentante do testamento tem de
explanar, desde logo, as suas intenções: propositum suae intentionis
explanet.

(Aliás, ,~perdia o eligente o direito de outra via se perdia a primeira lide?


Seria ainda mais absurdo.) A cláusula há de achar-se ex scriptum, isso é,
expressa ou tâcitamente declarada (não subentendida) : o juiz, ao apredar o
testamento, declarando a nulidade, deve ressalvar o que o testador quis e
vale. No estado atual do direito, isso é o que se há de observar.

§ 5.914. Direito intertemporal e codicilos

1. QUESTÕES QUE SUROEM. Ainda podem surgir as questões relativas a


codicilos, tais como existiam e se regulavam ao tempo das Ordenações:
entre um e outro direito a distância é curta.

Mas cresce de ponto a importância do assunto, pelo fato de se ter de


apreciar a legislação de outros povos, nos testamentos de estrangeiros.

2. LEI ANTERIOR PROIBITIVA E LEI POSTERIOR PERMISS1VA.

Se a lei A proibia e a lei B permite, não há questão de direito intertemporal,


porque o ato nulo não convalesce.

Mas, se o testamento faz menção ou expressamente o aprova, já no domínio


da lei nova, seria arbitrário lhe negar efeito.

3.LEI ANTERIOR PERMISSIVA E LEI POSTERIOR PROIBITIvA.

Se o codicilo foi feito sob a lei permissiva A, e ao tempo da morte vigorava


a lei proibitiva E, por princípio vale o ato perfeito, ainda que se trate de
testementum mysticum ou cédula suplementar, produzindo os efeitos que
produziria sob a lei A. Assim, F. AFEOLTER (Das intertemporale Recht,
385), contra 7H. HABICHT (Die Einwirkung des Riirgerliehen
Gesetzbucks, 699) e ERICR ARON (Das Gesetz betr. die Ausfithrung des
BGB., in Elsass-Lothringen, LXXXXVII).

4.CLÁUSULA CODICILAR E DIREITO INTERTEMPORAL. Se a lei


anterior permitia e a do tempo da morte proibiu o codicilo, o testamento
feito, com cláusula codicilar, no domínio da lei anterior, produzirá efeito
parcial, quanto à forma, segundo a lex tempus.

Quanto aos efeitos de conversão, também se regem pela lei do tempo.


Trata-se de regra de interpretação. Mas, como veremos, as regras de
interpretação podem não ser aplicáveis como regras de direito positivo e
tudo quanto é interpretação paira um tanto acima das questões
intertemporais. De qualquer modo, ou, na espécie, se cogita de indagar o
que realmente quis o testador, e isso é pura interpretação, e não regra
interpretativa, menos ainda regra jurídica dispositiva, portanto a pesquisa da
vontade do testador é o que importa; ou se discute a permissibilidade da
conversão, e então a lei nova ou é cassatória, ou é sanatória, e como tal
sujeita aos pressupostos exigidos pelos princípios superiores de direito. Ex.,
efetivo conhecimento pelos disponentes ausentes; haver tempo para a
feitura de outro testamento.

§ 5.915. Direito internacional privado e codicilos

1. POSIÇÃO DO PROBLEMA. co-extensivo, pergurjta-se, ao direito


internacional privado o principio do direito intertemporal? ~ Regem os
codicilos o locus e o tem pus? A resposta tem de ser in concreto.

2. FORMAS ExTRÍNSECAS DO CODICILO. Em regra, a pessoa, estando


noutro Estado, e não no da lei pessoal, pode fazer codicilo segundo a lei do
lugar, ou segundo a sua lei pessoal, se opta por essa. O estrangeiro, no
Brasil, pode fazer codicilo segundo a lex loci ou a da sua pátria, ou a do seu
domicílio, conforme a lei pessoal, salvo se a lei pessoal qualifica como
intrínseca o emprêgo de tal forma simplificada e expressa-mente a proibe.

3. FORMAS INTRÍNSECAS E EFEITOS DOS CODICILOS. Formas e


eficácia se regem pela lei pessoal. A extensão das conseqUências poder
revogatório dos testamentos pelos codicilos, substituição de herdeiros
testamentários, conversão das instituições nulas em fideicomissos, ou outras
substituições tudo isso fica sujeito às limitações e exigências da lei pessoal.
Pelo fato de se fazer em Estado que tem o efeito conversivo da instituição
em fideicomisso, por efeito da cláusula codicilar, ou por disposição de lei,
ou codicilo (forma simplificada do testamento), o codicilo que a pessoa
fizer alhures não terá, em relação ao testamento, outras conseqUências além
das que lhe reconhece a lei pessoal. Mas, se o codicilo, de que se trata, não
é forma simplificada e inferior ao testamento, e sim persistência de nome,
então testamento é, e como testamento vale. Não atendeu a isso a Côrte de
Apelação de 17 de junho de 1927 e formulou emenda que seria,
generalizada, contra direito. Tão-pouco tinha o codicilo de que se tratava os
requisitos do testamento hológrafo francês. O acórdão, errado em matéria
de fato, estava certo, quanto aos princípios: se tivesse as formalidades do
testamento, testamento seria. Nenhuma questão haveria quanto a codicilo,
que o direito francês não tem.
4. CLÁUSULA CODICILAR E DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO.
Uma vez que se apôs cumpra-se ao codicilo, os seus: efeitos são os da lei do
Estado da lei pessoal. Se na lei local bá codicilo (forma abreviada), e o
testamento dêsse lugar fôr nulo e contiver cláusula codicilar, esta valerá
segundo o direito que regeu a forma, se de forma se trata. Mas, se a apre-
ciação parcial concerne ao intrínseco, será a lei pessoal a que incide.

Feito no estrangeiro o testamento, e nulo por vicio de forma, a lei pessoal


não pode, contra a lei do lugar, aplicar a cláusula codicilar. Salvo principio
superior de direito ou ordem‟ pública, o que seria difícil.

Em caso de conversão, prôpriamente dita, mais se trata, ordinàriamente, de


regra de interpretação, e deve ser observado o direito local permissivo, ou,
se permissivo o da lei pes soaI, êsse, por favor voluntatis que se justifica.

CAPITULO XXV

TESTAMENTOS ESPECIAIS

§ 5.916. Generalidades históricas

1.DADOS HISTÓRICOS. Os dados históricos que ainda podem ser úteis na


interpretação das regras jurídicas do Código Civil, principalmente, nos
mostram o que se foi, o que não é mais, no conhecimento dos iura
singularia dos testamentos privilegiados. Ora espécies mortas, ora mortos
efeitos. Foi-se, por exemplo, o testamento inter liberos, e do testamento
militar, que ficou, só nos restam dispensas formais. quando muito de certos
pressupostos subjetivos para uso das formas.

Assim, temos de cogitar do direito romano, do direito comum, que se


aplicava a todos os testamentos, especiais ou não, do direito vigente, quanto
ao testamento marítimo e ao militar, e da existência de outras espécies
extraordinárias em direito intertemporal e em direito internacional privado:
quer dizer noutro tempus e noutro locus. Estudo dos dois princípios lei
pessoal, que rege a sucessão e a capacidade, lez loci, que rege a forma.
Histôricamente, temos de primeiro tratar do testamento militar que devia,
por isso mesmo, ser a Seção 1, e não a Seção II, do Livro IV, Título III,
Capítulo V do Código Civil.

2.DIREITO ROMANO E TESTAMENTO PROCINTUAL. Se bem que


perante o exército, o testamento in procintu devia ser (e cremos que tenha
sido) forma ocasional, e não privilegiada. Entre êle e o comicial, as
diferenças não bastavam para considerá-lo especial. O testamento calatis
comitila, que era para todos os capazes de testar, fazia-se duas vêzes no ano,
o testamento in procinctu, para os que pertenciam às fôrças, havia de ser no
tempo de mobilização. Mas é de crer que não fôsse especial aos soldados,
pelas razões que exporemos. Não se pode pensar (nem os parcos materiais o
permitem) em distinção essencial entre os dois testamentos (EDUARD

HÓLDER, Beitrãge zur Cesckichte des rômischen Erbreehts, 45). O que


parece éque o exército bastava à exigência da publicidade, em que o povo
assentia, no comício, à testamentifação, com a cognição pontifícia.

Demais, é preciso cogitar das práticas religiosas dos soldados, da


impetração do auspicium, que ainda religiosamente daria à reunião dêles o
valor de reUnião do povo (CHR. FRIED. VON GItYcK, Ausfiihrliche
Erlãuterung der Pandecten, 84, 151). No bis in anno do testamento
comicial e no in proelium estava tôda a diferença.

Todas as guerras começavam com preces e cerimônias, com o ritual: foedus,


Fetiales, ius Fetiale (MARQUARDTMOMMSEN, Handbueh. eles
rõmischen Altertilmer, 889). Havia de não bastar? Demais, nos comitia
curiata é que se decidia sôbre a paz e a guerra, e com a constituXçáo
Serviana passou a ser no Exército (TE. MOMMSEN, Ràmisehe Geschickte,
1, 77). O exercitus procinctus -rIo testamento não era simples testemunha.
(O ciclo social fazia-se normalmente, religioso-social, religioso-político,
político-religioso, político-econômico e chegará a jurídico-econômico, até,
nos nossos dias, reclamar soluções científico-econômicas, depois das
jurídico-econômicas, sutis, que suscitou.)
À. base do testamento procintúal, religioso-político e já, talvez, mais
político do que religioso, em todo o caso menos religioso que o comicial,
está, evidentemente, o auspicium (assim, E. STEIIJIE, Das Soldaten-
Testament, 6); donde a verdade do publicismo sacral, a que, referindo-se a
êle, aludia CARL SALKOWSKY (fnstitutionen, 486, 1).

Com êle, quem não usou do testamento calatis comitiis, faz, na hora da
guerra, o seu testamento. Naquele tempo, não havia a classe caracterizada,
utilizava-se dêle quem como soldado estava na luta (OTTo KARLOWA,
Ràmische Reckttgesch.ichte, II, 852).

O testamento in procinctu era feito diante do povo em ordem de batalha


(forma político-social, portanto), deformaçáo do testamento calatis comitiis.
Mas dêle ao testamento militar grande distância vai: distância qualitativa,
porque, ali, o Exército era povo, assistia, aprovava, ao passo que o
testamento, que adiante se falará, é favor direto ao soldado e às gentes em
batalha. Antes do fim da República já se não usava o procintual.

O testamento privilegiado militar contém em si direito a testar sem formas e


a derrogar princípios capitais de direito vigente.

O testamento de 500 antes de Cristo era ocasional antes da batalha. O


testamento militar, não. Ésse era de classe.

Tem privilégio. Não só de ocasião, mas de conteúdo e eficácia.

O testamento procintual era testamento extraordinario. O testamento,


extraordinário e privilegiado.

8.DIREITO ROMANO: “TESTAMENTUM MILITARE”


(PREPONDERÂNCIA DO FATOR POLÍTICO). Dizia ULPIANO que foi
Júlio César quem primeiro concedeu aos soldados as franquias do
testamento, o que Tito, Domiciano, Nerva e Trajano confirmaram, além de
estenderem os favores. Já não era o testamento procintual de GAIO. Mas o
privilegiado (L. 1, D., de testamento militis, 29, 1) a que os imperadores, até
.Tustiniano, foram cumulando de vantagens (as duas últimas leis do Codex,
L. 16 e 17, C., de testamento militis, 6, 21, são de Justiniano).
Mas, se, nas origens, cabia aos soldados durante todo o tempo do serviço (a
forma primando o fundo), talvez, sob Júlio César, veio a L. 17, 1, de
militari testamento, 2, 11, restringi-lo ao tempo em que se achavam em
campanha, in expeditionibus occupatus. Mas isso já no século VI.

Pertencia a todos os militares, inclusive aos soldados da frota e aos


marinheiros das funções imperiais e aos civis agregados ao exércitos
quando se achavam em terra inimiga (E. 44, D., de testamento militis, 29, 1;
L. 1, pr., D., de bonorum possessione ex tetamento militis, 87, 18).

Mas os testamentos dos civis caducavam com a volta dos testadores à


pátria. Os outros, após um ano, salvo exclusão das fôrças como indigno ou
como desonrado.

Testamento beili causa era o de ULPIANO, in proelium exituri, como o de


GAIO. Sed ea concessio tem poralis erat: o que MURETUS explicou para
certo tempo, particularmente quandiu in hac vel iVa expeditione morerentur,
e como êle C. F. F. SINTENIS; Cmi. FRIED. VON MÚI-ILENERUCH,
pelo tempo da vida de César; concessão passageira, queria II. FITTING
(Das castrense peculium in Geltung, 10) ; para E. STEIDLE (Das Soldaten-
Testament, 11), concessão que durou a vida de Júlio César, a partir de 47
a.C., portanto três anos, pois morreu em 44. Mas talvez tenha começado
antes da ditadura (ano 59 a.C.) e entre êle e Tito se mantivesse só in castris
(hipótese de E. STEIDLE (Das Soldaten-Testament, 11, 13 e 89). Como
ULPIANO falou em Tito, Domiciano (anos 81-96), Nerva (96-98), Trajano
(98-117), tem-se a prova de que vigorou de 79 a 117.

Tal continuidade foi (ao que parece) ocasional: só no mandato; de Trajano é


que se torna permanente o favor (II.

FITTING, Zur Geschich,te des Soldatentestaments, 10).

O privilegium militis não se restringia à forma:

a) A capacidade do militar era mais extensa: capazes eram o surdo, o mudo


e o de estado duvidoso. Ainda sob pátrio poder, dispunha do pecúlio
castrense.
b) Quanto à forma, voluntas militis valia como lei, como direito; bastava
que fôsse expressa, firme (huiusmodi voluntatem stabilem oportet). Não
precisava de testemunhas. No oral, os assistentes tinham a missão de prova,
que as realidades obrigavam. Tão forte o poder dessa volunt as, que o
querer do soldado fazia convalescer o testamento irregular (L. 15, § 2, e L.
25, D., de testamento militis, 29, 1). Para direito que tinha plena convicção
do quod initio vitiosum est. . ., era forte concessão.

c) Quanto ao conteúdo e eficácia: a) não prevalecia para o soldado o nemo


pro parte testatus, pro parte intestatvs decedere potest se testava uma só
parte, ia a outra aos herdeiros legais, intestada; b) o soldado podia instituir
herdeiros ex 4k certo, ad diem ou condicionem; c) se deixava mais de um
testamento de diferente teor, o posterior não revogava o anterior, salvo se
exprimia tal intuito: militi 1kM plura testamenta facere; el) podia instituir
determinadas pessoas sem testamenti factio; e) não está obrigado à quota
legitima e à falcídia; f) a capitis deminutio que atingiria o testamento
ordinário não apanhava o militar; g) o direito de fa-zê-lo implicava o de
revogação (L. 84, § 1, 86, § 8, D., de testamento militis, 29, 1).

O testamento militar, privilegiado, em verdade feriu o direito, criou direito


nôvo especial, passou por cima das XII Tábuas (J. E. KUNTZE, Excurse
ilber ràmisches Recht, 861), jus singulare, pelo motivo anormal e pelo
favor ao homem das armas.

4. TEMPO DE FEITURA. O testamento de 500 anos antes de Cristo, in


procinctu, fazia-se antes da marcha, momento

-sacral-político. O de 59-44 antes de Cristo, milita-re, em qualquer


momento: era o quanto despótico, estuante, da ditadura. O de 44-1 antes de
Cristo e 1-79, in castris, diferença assaz importante entre o testamento
militar de Júlio César e o posterior à sua morte até Tito, em 79 (cf. E.
STEIDLE, Das Soldaten-Testament, 11, 18 e 89).

testamento de 79-117 volveu a ser a todo o tempo, como privilégio, e assim


se há de entender o texto de ULPIANO: posteo; vero primus Divus Titus
dedit...
O testamento de 117-129 tinha de ser in castris.

Em 529, sob Justiniano, só era feito por aqueles qui in expeditionibus


occupati sunt. Realismo que apagou as reminiscências do auspicium
procintual, o elemento religioso, e esvaziou o incondicionado privilégio
político de classe, que existira -com Júlio César e de 79 a 117. Nas
guarnições, nos quartéís, hyberna, sedes, não tinha o soldado tal faculdade.

5. FUNDAMENTAÇÀO DO TESTAMENTO MILITAR. Pergunta-se:


thouve algum princípio superior de testamento extraordinário? ~Elaborou-
se o princípio fundamental para os testamentos militares? Não devemos
desde já colocar nos tempos

-de hoje a questão; cumpre, primeiro, que se examine o direito romano.


Contra, Cmi. ERIED. VON

MÚHLENBRUCH, em Cmi. FRIED. vON GLÚCK (Ausfilhrliche


Erlduterung der Pandecteu, 81, 85). EDUARD

HÓLDER (Reitráge zur Geschichte des rámisehen Erbrechts, 77) parecia


justificá-lo pelo motivo ou situasao mesma do soldado. Mera equidade,
dizia H. FITTING (Das castrense peculium, 10). E. STEIDLE (Das
Soldaten-Testament, 27), pontou ao princípio dois fundamentos: um,
prático, a dificuldade de uso das solenidades ordinárias, pela situação em
que se acha o soldado em relação à disciplina, ao próprio serviço e, talvez,
ao lugar (aliás, assim Cmi. FRIED. vON MÚNLENBRUCH (45, 58), e a
necessidade, revelada pela experiência, de, em tais circunstâncias,
favorecer-se o soldado; e outro, ético--político. Portanto, o;) a possibilidade
de pericula, em que, para o bem público, o soldado se envolveu, b) o
sacrifício, que a sua ação representa, e c) a recompensa aos seus serviços,
principalmente se morrer.

Duas considerações devemos opor: os dois últimos fundamentos são


inclusos no primeiro; não seria, prôpriamente, um princípio, mas sim
privilegium favorabile.
Oprincípio superior vai surgir aos poucos, com todos êsses elementos, à
medida que o direito positivo elaborado se corrige ao contacto dos fatos,
mas será mais vasto ou não será princípio superior de direito. A questão
não é ociosa. Terá conseqUências em terreno verificador, que é o do direito
internacional privado, e noutro, não menos aferidor do direito escrito, que é
o intertemporal.

Após o direito justinianeu temos de examinar o direito-germânico, que teve


traços próprios.

6.TESTAMENTOS ExTRAORDINÁRIOS NO DIREITO VISICUTILO.

No caso de perigo de vida, quando em viagem, ou quando-em expedição


militar, faltando pessoas livres para testemunhas, o testador escrevia, só, o
seu testamento. Se não sabia, ou não podia escrever, tinha de fazê-lo
oralmente, a servos, abonados pelo bispo e pelo juiz. Reduzia-se a escrito,
assinado pelos servos e abonadores, mas ainda dependia de confirmação do
rei. Tanta segurança se exigia, ainda “in itinere pergens aut in expeditione
publica moriens” (Lex Visigothorum, II, 5, 13).

Ainda hológrafo o testamento, estava sujeito a verifica çôes posteriores e à


prescrição de trinta anos, contados da sua data.

OBreviário não legislou sôbre testamento militar; mas entenda-se que


bastava, na espécie, a holograf ia: lendo-se algo da Constituição de
Valentiano TU, nele incluído, teve-se, desde logo, como geral (multis enim
casibus saepe continget) e exemplificativo o que se lhe segue: itinerem
necessitas, solituda viltarum, navigatio. A batalha, sem pessoas que
pudessem ser testemunhas, ou em que o guerrear não admitia rogações, não
é mais do que solitudo vilíarum.

7. TESTAMENTO MILITAR DESDE O SÉCUJO XV. Seguindo a


Reforma de Worms, em 1498, fazia testamento militar doutor, em seu
trabalho e arte, mít seyne Arbeyt oder Kunst, e o cavaleiro, quando em luta
ou em guerra. Não desaparecera de todo a distinção dos glosadores, in belio
(in expeditione) e extra proelium, mas, no primeiro caso, sine ulio teste, e,
no segundo, per duos testes.
Na Ordenança notarial de Maximiliano 1, em 1511, se bem que se dirigisse
a notários, ressalva-se expressamente o testamento militar no momento de
batalha, sem qualquer solenidade de forma (§ 2). Fora disso, precisava de
duas testemunhas, e PAULO DE CÂSmO esclareceu que eram ad
probandum e debent esse rogati.

Após isso, as Ordenações Filipinas conforme veremos e Codez


Maximilianeus Ravaricus civilis de 1756 (P. III, c.

4, § 4), onde se explica que, iure privilegiado, seja em campanha, seja em


expedição, testam agentes de guerra, e in dubio -presume-se que o militar
testou pro militari. Mais: militar, gente de guerra, é quem serve em terra ou
em água. E tal gente não é só o soldado, mas o que serve à guerra: médico!,
auditores, quartéis-mestres, comissários, criados de quarto e mesa, oficiais
de víveres.

8. TESTAMENTO MILITAR NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS. As


Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 83, seguiram o direito romano, mas,
na prática, consultava-se o uso moderno, através de MANZIO e de
SAMUEL

STRYK, as ampliações da Ordenança de Luis XV, de 1785, arts. 27 s., e do


Preussisches Allgemeines Landrecht,

art. 1. Tinha-se, pois, ampla messe em que se alimentava a doutrina,


apurando a construção do instituto.

PASCOAL JOSÉ UE MELO FREntE (Institutiones Juris Civilis Lusitani,


L. III, Tít. 5, § 15) censurou os que ampliavam o testamento militar aos
cavaleiros das Ordens Militares, quando em suas casas ou claustros, aos
clérigos e doutôres: “illud autem inepte ad Equestris Ordinis Militis
estenditur, et ineptus ad Clericos, et Doctores, ín quibus ratio privilegii
cessat”. Não disse quais os escritores que avançaram em tais extensões.

Mas de certo os houve. Na sua própria pátria com a emenda minimê sunt
mutanda, quae certam semper haboerunt interpretationem, ANTÔNIO
MENDES AROUCA (Allegationes funis, 219) apontou o êrro crasso.
Tratava-se de privilégio em serviço. Eram testamentos ia e xpeditione
constitutis. Só então cabiam a todos, soldados ou não: soldados ou auditores
militares, capelães, médicos, cirurgiôes, quartéis-mestres, comissários e
empregados de munições (SAMUEL STRYK, De Cautelis testamentorum,
c. 9, § 17).

Ao tempo das Ordenações Manuelinas, podia discutir-se se o soldado, ainda


em tempo de paz isto é, sem guerra viva, ou cêrco, podia testar na forma
especial. A luta havia entre os doutôres: contra ÁLvARO VALASCO

(Decisionum Consultationum ac Rerum iudicatarum, c. 104, n. 11) erguia-


se JORGE DE CABEDO (Practicarunt Observationum sire Decisionum
Supremi Senatus Regni Lusito;niae, 1, dec. 129).

PASCOAL JOSÉ DE MEIO FREntE dizia que a causa do privilégio é o


imminetw peniculum, e não a militum imperitia. Porém MANUEL
RIBEIRO NETO (Commentaria in bis Civile ia quibus universa ultimarum
voluntatum mateniam, tam specuiative quam pratice explicâtur, L. 3, tit.
33), chamava a atenção, com o cuidado de sempre, para o acrescento que às
Ordenações Manuelinas fizeram as Ordenações Filipinas (Livro IV, Título
83, §

9) : “E todos testamentos, que os soldados fizerem fora do exército, ou


expedição ou conflito da guerra em suas casas, ou em outra parte, serão
feitos com a solenidade, que o direito requer nos testamentos dos que não
são soldados. E portanto os que temos postos em Presidios, ou Fortalezas, e
os moradores e fronteiros dos lugares de África, não gozarão do dito
privilégio de testar sem as solenidades, que o direito requer, salvo se os
soldados dos ditos Presídios e Fortalezas estiverem de cêrco, ou em conflito
de batalha; porque em tais casos poderão fazer seu testamento da maneira
que acima dissemos, que o podem fazer os outros soldados”.

9. TESTAMENTO MARÍTIMO NO DIREITO PORTUGUÊS. Do


testamento marítimo não trataram as Ordenações Filipinas. Se, a despeito
disso, êle existia, ou não, no direito luso-brasileiro, discordavam os
tratadistas.
Com o seu espírito nôvo, esclarecido, TEIXEIRA DE FREITAS consignou-
o (Consolidação das Leis Civis, art.

1.058, nota 1; Tratado, §§ 97 e 98) como testamento em estado de


necessidade: não usou dêsses têrmos, mas vale o mesmo o que escreveu,
admitindo, com ANTÔNIO JOAQUIM GOUvEIA PINTO (Tratado
regular e pró tico dos Testamentos e Sucessões, 82) e outros escritores, o
testamento marítimo, mas discordando dos outros quanto a serem
privilegiados. Disse GouvEIA PINTO: “Eú julgaria válida a disposição com
semelhantes solenidades externas” (as do Código Civil francês), “se,
contudo, se provassem as internas, e pelos fundamentos seguintes: 1.0, por
não reputar isso privilégio, mas sim necessidade, que carece de lei” (carece
significa não tem; não se diga precisa, nem que aqui houve omissão do udo,
por êrro tipográfico) ; “23‟, em regra deduzida da Lei 183, D., de reg. na., e
outras que lhe correspondem; 33‟ pelo disposto no § 9 da Lei de 18 de
agôsto de 1769, como matéria marítima”. Assim, aparecendo o testamento
com as solenidades que a lei vizinha exige, não teria eu dúvida em julgá-lo
válido”. Com a noção de privilégio, JOSÉ DA SILVA LISBÔA, JOSÉ
HOMEM CORREIA TELES, M.

A. COELHO DA R:OCIIA e JOSE FERREIRA BORGES. No

meio de tudo isso, duas opiniões esporádicas, singularmente retrógradas,


para as quais não bastaram os formidáveis argumentos de ANTÔNIO
JOAQUIM GOUVEIA PINTO e de TEIXEnIA DE FREITAS, um crítico
da primeira edição de ANTÔNIO JOAQUIM GOUvEIA PINTO e CLóvís
BEVEÁQUA (Direito das Sucessões, 247), que não atendeu às razões
citadas, nem ao espírito assimilador que presidiu à Lei de 1769. Por
influência dêsse, sem raciocinar, o inútil § 149 de J. A. FERREIRA ALVES
(Cou -solidação, 1, 172 s.).

10.CRITÉRIO CONTEMrORANEO. É bem certo que, se não se ultimou


nos séculos passados o princípio do testamento em estado de necessidade,
estava nos fatos, como hoje está, podia o intérprete colhê-lo na vida,
apanhá-
lo, segurá-lo, trazê-lo à categoria de regra jurídica, como forma legal
inspiradas nas próprias realidades. Porém não se chegara a tal estado
amadurecido de técnica. Pelo fato de ser fruto imediato das realidades, das
circunstâncias excepcionais e prementes, há uma como usurpação dos
princípios superiores de direito por parte dos Códigos Civis que não provêm
a tais situações de-extrema dificuldade para a expressão das últimas
vontades.

§ 5.917. Outros testamentos especiais

1. CONSIDERAÇõES “DE IURE CONDENDO”. Nada justifica que sejam


o estar em alto mar e o estar mobilizado, as duas únicas circunstâncias
extraordinárias, que permitam os testamentos especiais. Os legisladores do
Código Civil não estavam a par da evolução técnica do instituto do
testamento em estado de necessidade, do Nottestament dos povos que
abrem veredas ao direito civil. Certo, havíamos de afastar velharias
privilegiadas, mas a fórmula, a que chegaram os legisladores alemães e
suíços, alimentada por sensata indução, havia de merecer o estudo e
acolhimento. Aqui, em vez de tratar, em primeiro lugar, de tal fórmula,
devemos mencionar os testamentos especiais que Portugal e o Brasil
tiveram, ou ainda há noutros povos.

2. TESTAMENTO “INTER LIBElOS”. As situações são de ordem parental,


e não do ambiente. Feito pelos ascendentes a favor dos descendentes. A
praxe portuguêsa recebeu-o do direito romano, e eram escritos ou só
subscritos pelos testadores (ANTÔNIO DA GAMA, Decisiones Supremi
Senatus Regni Lusitaniae, d. 61, 109; JORGE DE CABEIJO, Practicarum
Observationum sive Decisionum Supremi Senatws Regni Lusitaniae, d. 199;
ÁLVAI?o VALASCO, Decisionum Consultationum, 67; MELCHIOR
FEnO, Decisiones Senatus Regni Lusitaniae, d. 187, n. 17), nunca, porém,
em Portugal, nancupativos, isto é, orais, somente com as duas testemunhas
do inter liberos.

Era, no direito sucessório testamentário, o que, no legítimo, é a partilha em


vida. Mas é preciso notar a diferença: quem “parte” declara, ainda que antes
da aquisição, ou pelo adiantamento das legitimas, o direito de cada um,
dividindcv o todo, sem atribuir; quem testa inter liberos não declara, atribui.
Aliás, as formalidades eram diferentes, o que, ainda formalmente, os
tornava coisas distintas, como, em verdade, o eram no fundo. No assunto,
reinava escuridade, pela insuficiência da ciência jurídica do tempo: para
conseguir salvar o escrito inter liberos, recorriam à analogia com a partilha
dos pais entre os filhos, quando, e êles não viam, por deficiêneia dos
estudos técnicos, o que se passava era a figura jurídica da conservação ou
da conversão.

A Ordenança francesa de 1735 teve o testamento inter liberos, só hológrafo,


datado, assinado pelo ascendente. Já o Preussisches Allgemeines Landrecht
(P. II, Tit. 11, art. 12, §§ 17 s.), concedia-os aos ascendentes, hológrafos,
datado, assinado. O Código de Sabója (Livro V, Título 1) não lhe dava
privilégio de formas. Lei antiga da Espanha, recopilada na L. 3 do Touro,
exigiu-lhe as mesmas solenidades.

Portugal não tinha lei sôbre isso. Mas a praxe, e com o bom fundamento das
Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 80, § 5. Com os Estatutos da
Universidade (Livro 2, Título 5, c. 2, §§ 4, 5, 7), foi preferido o direito da
Novela 107, tanto mais quanto havia o exemplo das nações cultas daquele
século (cp. FURGOIJE, Traité des Testaments, c. 2, s. 1, ns. 29 s., 85).

Quanto à recepção dêle, tinha razão PASCOAL JOSÉ DE MELO FREIRE


(Institutiones, III, tit. 5, § 16), e não os que a negavam: “testamentum
parentis”, dizia êle, “inter liberos eosque solos testantis, valet sine ullis
solennitatibus; et satis est, si de illius voluntate constat, vel per scripturam
propria, alienave manu subscriptam, vel per duos testes”. Acrescentou: “et
hoc jure in foro utimur”.

Nesses testamentos só se instituiam os filhos, e não pessoas estranhas. Por


isso, só os filhos e descendentes podiam ser contemplados como
substitutos. Discutia-se quanto aos legados a estranhos (F. C.
HARPPRECHT e DIooo GUERREIRO CAMACHO DE ABOIM).

Volver-se-á ao assunto quando se tratar de direito internacional privado.


3. TESTAMENTO RURAL. Estava nas Ordenações Afonsinas (Livro IV,
Título 103, § 4) e passou às Ordenações Alanuelinas (Livro IV, Título 76, §
7), com três testemunhas. Nas Ordenações Filipinas, a diferença só se refere
aos codicilos (Livro IV, Título 86, § 2); mas entendiam alguns intérpretes
que isso provava havê-la nos testamentos. Em verdade, se as Ordenações
Filipinas o excluiram, devia entender-se que não mais o havia à sua
vigência (FRANCIsCo PINHEIRO, Tractatus de Testamentis, d. 2, sec. 8, §
1, n. 280; MANUEL RIBEIRO

NETO. Commentaria in lus Civile, L. 1, tit. 5, n. 2; DOMINGOS


ANTUNES PORTUGAL, Tractatus de Donationibus, L. 2, c. 16, n. 19;
MANUEL FIGUEIRA DE NEGREIROS, Introductio ad ultimas
voluntates, L. 3, c. 9, n. 2).

Não há no Código Civil. Interessa ao direito internacional privado. Mas,


feito perante oficial público, o número de testemunhas é assunto da lex frei.
Escrito e assinado, ou só assinado, é indiferente à lei pessoal, se brasileira,
que no estrangeiro se faça sem testemunha. Nuncupativo, surge a questão
geral e o caso subsume-se nela.

4. “TESTAMENTUM AD PIAS CAUSAS”. Foi reconhecido pela Decretal


do Papa Alexandre III: coram presbytero suo, com duas ou três testemunhas
(C. 10, X, de test. III, 26). Dêles já se falou e sabemos o que lhes ocorreu
em Portugal.

5. TESTAMENTO EM TEMPO DE PESTE. A respeito dêle, os


doutrinadores portuguêses eram decisivos: não no havia. Não havia lei que
o privilegiasse. Mas verdade é que duas decisões se citavam: as que vêm
em ANTÔNIO

DA GAMA (Decisiones Supremi Senatus Regni Lusitaniae, d. 81, 210) e


em JORGE DE CABEDO (Practicarum C)bservationum sive Decisionum
Supremi Senatus Regni Lusitaniae, d. 170), ao tempo da grassante peste (cp.

FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus de Testa-mentis, disp. 2, 8, § 8).


Legalmente, não existia; mas, diante do estado de necessidade, rendiam-se
os praxistas. Daí a dúvida: o afirmar

“não o haver” pelo lado da lei, e não querer assegurar, pelo lado do direito.
Vacilações de que deram ffiostras MANUEL DE ALMEmA E SOUSA
(Notas do uso prático, e criticas, III, 265) e A.J. GOUVEIA PINTO
(Tratado regular e prático de Testamentos e Sucessões, 81). PASCOAL
JOSÉ DE MEIO

FREIRE (hir stitutiones (uns Civilis Lusitani, L. III, Tít. 5, § 16) não
duvidou: “neque praeterea ad ilíjus validatatem necesse est, quod testes
lungantur, et quod eodem momento, et tempore subscribant”.

6.VISTA PANORAMICA DOS TESTAMENTOS ESPECIAIS. Do que


dêles dissemos e da discordância que, a respeito de alguns, havia entre
doutrina e prática, ou na própria doutrina, ensinada por essa, tira-se que há
imperfeição nas leis quando, criando testamento em estado de necessidade,
arbitrâriamente. limitam tal estado às batalhas e guerras, ou a elas e às
viagens de alto-mar.

Casos há tão graves quanto êsses, ou mais graves do que êsses. Daí a
contingência em que fica o juiz: para êles, no Brasil, por exemplo, o direito
do seu país só tem dois testamentos especiais. Mas, perguntemos, ~se lhe
apresentarem um, feito na forma do art. 1.663, pela pessoa que ficou entre
as chamas, ou na forma do art. 1.660, pelo que, cercado de águas o mandou
em garrafa, que estava boiando? Não era militar, não estava em guerra, mas
estava nas mesmas circunstâncias. objetivas e, talvez, a serviço de salvação
pública.

§ 5.918. Testamentos especiais no Código Civil

1.LIMITAÇÃO. O Código Civil somente tratou de dois testamentos


especiais: o marítimo e o militar.

São especiais: neles, conservam-se caracteres dos testamentos em geral;


dispensa-se-lhes o que os torna especiais.
2. DISPENSAS E ExIGÊNCIAS. Vejamos o que se lhes conserva e o que
se lhes escusa; primeiro, o que se não dispensa com a forma dos
testamentos especiais. São ius com-mune, aplicável aos iura singulania dos
testamentos marítimos e militares.

a)Tudo que concerne à faculdade de testar (capacidade de direito).

b)Tôda a matéria de capacidade de testar (capacidade de exercício), cf. art.


1.627.

c)A regra jurídica do art. 1.628.

d)As nulidades de disposições de que cogitam os arti gos 1.719, 1.720 e


1.650, IV e V.

e)As incapacidades de testar passivas, a que se referem os arts. 1.717 e


1.718, e as gerais de direito sucessório.

f)Tôda a matéria imperativa de sucessão legítima, com a quota necessária


dos herdeiros legítimos, segundo a lei pessoal.

g)As disposições captatórias, que são nulas (art. 1.667),. e tudo o mais que
o Código Civil estatui quanto a condições,causa, tempo, incerta pessoa,
interpretação das cláusulas, êrro, etc. Em suma: todas as regras jurídicas ds
arts. 1.664-1.769.

h) O que se estatuiu na Parte Geral do Código Civil, quer quanto aos


defeitos de vontade, quer quanto às nulidades.

i) A incapacidade das testemunhas (art. 1.650, 1-111, e j) As regras de


revogação e ruptura que são inteiramente aplicáveis. Na mesma guerra ou
na mesma batalha, o posterior especial revoga o anterior, se o não completa,
ou o não modifica.

Passemos a cogitar do que se escusa aos testamentos especiais. Quando


ocorre o ins singutare da forma do testamento militar, deixam de se aplicar
as exigências de solenuitates internae. Exemplo: cegueira, surdo-mudez,
analfabetismo. Onde ficar admitida a simplificação de forma, exigências
internas e externas são igualmente dispensadas (B. J. HOMMEL, Disser-
tatio de ezigua differentia inter testamentum militis et pagani in hostico
conditum, § 23 s.) mas só as solenidades internas que constituem inaptidão
a formas testamentárias, e não as que derivam de incapacidade (de
exercício, art. 1.627, e, a fortiori, por absolutamente inderrogável, a de
direito). Tão-pouco se derroga o que está sujeito à lei pessoal.

Hoje, o privilégio do testamento militar não tem aplicação quanto a efeitos,


como o de permitir deixas a incapazes.

restrito à forma.

TESTAMENTO MARÍTIMO

§ 5.919. Texto legal e conteúdo

1. TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.656 do Código Civil: “O testamento, nos


navios nacionais, de guerra, ou mercantes, em viagem de alto-mar, será
lavrado pelo comandante, ou pelo escrivão de bordo, que redigirá as
declarações do testa-dor, ou as escreverá, por êle ditadas, ante duas
testemunhas idôneas, de preferência escolhidas entre os passageiros, e
presentes a todo o ato, cujo instrumento assinarão depois do testador”. E o
parágrafo único:

“Se o testador não puder escrever, assinará por êle uma das testemunhas,
declarando que o faz a seu rôgo”. Cf.

Projeto primitivo, art. 1.824: “Nos testamentos feitos durante as viagens


marítimas as enunciações do testador poderão ser escritas por um oficial de
bordo, na presença do comandante, do imediato e de duas testemunhas.
Depois de lidas as disposições perante as sobreditas pessoas, será o auto
datado pela pessoa que o tiver escrito e assinado por ela, pelo disponente e
pelas outras pessoas cuja presença é exigida por êsse artigo”. Acrescentava-
se no parágrafo único: “Se o comandante ou imediato quiser fazer
testamento, seu lugar será ocupado por quem o dever substituir a bordo”.
No Projeto revisto, art. 2.001: “O testamento a bordo dos navios nacionais,
de guerra ou mercantes, em viagem de alto--mar, será feito pelo
comandante ou escrivão da embarcação, que reduzirá a escrito a declaração
do testador ou a escreverá sob seu ditado, perante duas testemunhas
presentes a todo o .ato, e assinado pelo testador e pelas testemunhas,
escolhidas de preferência entre os passageiros”. Parágrafo único: “Se o
testador ou algumas das testemunhas não souber ou não puder escrever,
observar-se-á o disposto no art. 1.974, n. 10”.

2.LEGITIMAÇÀO SUBJETIVA. O Código Civil, art. 1.656, é assaz


compreensível: nele estão contempladas todas as pessoas que se achem em
viagem de alto-mar, seja navio de guerra nacional, seja navio mercante
nacional.

Donde se tira: que podem dêle usar quaisquer pessoas que a bordo estejam.

Ainda mais:

a>Em viagem de alto-mar, diz-se. Não é preciso que já se esteja, ou ainda


se esteja em alto-mar.

b)A legislação brasileira considera aplicável a forma dos arts. 1.656-1.659


do Código Civil aos testamentos que se fizerem a bordo dos navios
brasileiros, ainda que em águas estrangeiras. Assunto, êsse, que suscita
questões de direita internacional privado.

c)Se o testador quiser, dispensará as formalidades da ad. 1.656: seguirá o


ad. 1.657.

d)Cessa a testamentifação especial se o navio está em pôrto onde o testador


possa descer e testar em terra, pela forma ordinária.

3. ESCOLHA DAS TESTEMUNHAS PARA O TESTAMENTO


MARÍTIMO. Estatui o Código Civil, art. 1.656:

“Ante duas testemunhas idôneas, de preferência escolhidas entre os passa


geiros”. Pergunta-se: se não forem passageiros, mas empregados de bordo,
ou gente da tripulação, 2,há nulidade? Não; a regra jurídica, nessa parte, é
meralmente instrucional.

4.RESPONSABILIDADE DO OFICIAL PUBLICO


EIÇTRAORDINXRIO. O comandante ou escrivão de bordo, seja de guerra,
ou seja mercante o navio nacional, responde pela validade formal do
testamento conforme o art.

1.656 e pelas nulidades decorrentes do art. 1.657, §§ 1.0 e 2.0, de acôrdo


com os princípios de responsabilidade dos oficiais públicos de testamentos
<ad. 1.634, parágrafo único).

5.NAVIOS DE GUERRA OU MERCANTES. O Projeto revisto, art. 2.001,


pôs em têrmos explícitos que o testamento marítimo concerne aos que se
acham em navios nacionais, de guerra ou mercantes. Rigorosamente, não
devia dizê-lo. Não havia dúvida quanto a isso. A dúvida, que havia, e o
Código Civil não apagou, é a da extensão dos testamentos, não maritimos,
mas militares, aos soldados e mais pessoas dos navios de guerra.

6.TESTAMENTO EM VIAGEM AÉREA. Viagem pelo ar Luscita duas


questões: a) ~ pode o viajante testar pela forma dos arts. 1.656 e 1.657? b)
em tempo de guerra, ~aplica-se aos soldados e mais pessoas nas situações
do art.

1.660 o que se estabelece sôbre testamento militar?

Aqui, só nos interessa a primeira.

A lei, a respeito de viagem marítima, diz alto-mar (artigo 1.656), mas em


viagem de alto-mar, e não em alto-mar: o navio que, para aquela viagem,
zarpou, é navio em viagem de alto-mar, se bem que ainda esteja no pôrto.
Não se pára, nem se volta navio, para que alguém desça e teste.

Por êsse mesmo argumento, está em viagem de alto-mar, o que, na barca,


em busca do navio que o levará e prestes a partir, precisa testar, e o faz na
forma dos arts. 1.656-1.659. Quem vai para longe não volta para testar.
Uma viagem começa com a partida para o navio. A morte não é certa, mas
pode temer-se.

Ora, no domínio aéreo, dar-se-á o mesmo. Não se pára uma aeronave para
que o passageiro teste. Se a morte é de esperar-se, e não pode o testador
recorrer, em terra, às formas ordinárias (como, por exemplo, se no pôsto de
descida não há os meios, ou é demasiado curta a permanência), deve
entender-se aplicável o disposto dos arts.

1.656-1.659. Infelizmente, não se cogitou do assunto na legislação sôbre


navegação aerea.

§ 5.920. Feitura e entrega do testamento

1. TExTO LEGAL. Diz o art. 1.657 do Código Civil:

“O testador, querendo, poderá escrever êle mesmo o seu testamento, ou


fazê-lo escrever por outrem. No primeiro caso o próprio testador assinará;
no segundo, quem o escreveu, com a declaração de que subscreve a rôgo do
testador”. Acrescenta o § 1.0: “O testamento assim feito será pelo testador
entregue ao comandante ou escrivão de bordo, perante duas testemunhas,
que reconheçam e entendam o testador, declarando êsse, no mesmo ato, ser
seu testamento o escrito apresentado”. No § 2.0: “O comandante, ou o
escrivão, recebê-lo-á e, em seguida, abaixo do escrito, certificará todo o
ocorrido, datando e assinando com o testador e as testemunhas”.

Quanto à elaboração, é de lembrar-se o Projeto revisto, art. 2.002: “O


testador pode também escrever seu testamento ou mandar escrevê-lo por
outrem. No primeiro caso, será o testamento assinado pelo testador; e no
segundo, por quem o escreveu, com a declaração de que o faz a rôgo do
testador. O testamento assim feito será entregue pelo testador ao
conmandante ou escrivão de bordo, perante duas testemunhas, que
reconheçam e entendam o testador, declarando êsse no mesmo ato ser seu
testamento o escrito apresentado. O comandante ou escrivão o receberá e,
em seguida, certificará abaixo dêle todo o ocorrido, datando e assinando
com o testador e as testemunhas”.
2.1-TOLOGRAFIA E ALOGRAFIA. Apesar da exigência da holograf ia,
se o testador sabe escrever, o Código Civil exige as formalidades
acauteladoras dos §§ 1.~ e 2.0.

~ A alografia da assinatura só é permitida se o testador não puder ou ndn


souber ?screver? Devido ao “querendo”, poderá parecer que a lei facultou
escrita e assinatura a rôgo, quando o testador saiba e possa escrever. Seria
absurdo. O “querendo” só se refere à escrita; e não à assinatura: assina
quem sabe e pode assinar; assinatura a rôgo só se permite (e isso é princípio
superior de direito) a quem não sabe ou não pode asszn ar.

A facultatividade holografia, alograf ia só se concede quanto à escrita.

§ 5.921. Caducidade do testamento marítimo

1.TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.658 do Código Civil:

“O testamento marítimo caducará, se o testador não morrer na viagem, nem


nos três meses subseqUentes ao seu desembarque em terra, onde possa
fazer, na forma ordinária, outro Testamento”. Cf. Projeto primitivo, art.
1.881:

“O testamento marítimo só terá efeito se o testador morrer durante a


viagem, ou dentro dos três meses seguintes do seu desembarque em terra
onde poderia fazer outro em forma ordinária”; e Projeto revisto, art. 2.009:
“O

testamento marítimo só terá efeito se o testador morrer durante a viagem ou


dentro dos três meses seguintes do seu desembarque em terra onde poderia
fazer outro em forma ordinária”

2.EFICÁCIA TEMPORÁRIA DOS TESTAMENTOS ESPECIAIS.


Principio comum aos testamentos especiais ou extraordinários é o de que,
feitos, como são êles, em circunstáneias particulares perdem a eficácia
quando se passa tempo após elas cessarem. Não se confundem com as
simplificações de outra natureza, que não dizem de perto com a
acidentalidade do ambiente, isto e, com as guerras, as pestes, as inundações
e comunicações interceptadas A diferença é visível nos países que têm o
testamento ruri conditum e o in tempore pestis. Aquele é simplificação;
êste, ligado à acidentalidade.

Nos testamentos especiais, extraordinários, acidentais, privilegiados, ou


como quer que se lhe chame, cria-se dia certo em que lhe cessa a eficácia.
Se, por acaso, o testador perseverar na sua vontade, tem de renová-la noutra
forma, ordinária, ou, se novas circunstâncias justificarem, em forma
especial.

Quem veio de uma guerra e deixa passar o prazo do artigo 1.658 (ou do art.
1.662) pode, voltando, fazer outro testamento da mesma espécie, ou,
embarcado, o do art. 1.656 (ou art. 1.657).

3. EFEITOS DA CADUCIDADE Testamento caduco é nenhum. Assim, se


o testamento do Código Civil, arts.

1.656--1.658, caduca pelo passar do último dia dos três meses, último em
que persiste, volta a existir e ter efeitos o testamento que êle revogou.

Em todo o caso, conserva-se e converte-se, quando possível, o que nele se


possa aproveitar, reconhecimento de filho, e o valer como codicilo, se
consignado na cédula.

§ 5.922. Pôrto de possível embarque

1. TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.659 do Código Civil: “Não valerá o


testamento marítimo, bem que feito no curso de uma viagem, se, ao tempo
em que se fêz, o navio estava em pôrto, onde o testador pudesse
desembarcar, e testar na forma ordinária Cf. Projeto revisto, art. 2.010:
“Não se reputará testamanto feito no mar, pôsto que no curso da viagem, se
ao tempo em que foi feito o navio tinha chegado a algum pôrto, salvo o
caso de impossibilidade de comunicação do navio com a terra”.
2.ENTENDIMENTO DA REGRA JURÍDICA. Se o testador pode
desembarcar, por se achar em pôrto o navio, cumpre atender ao seguinte:

a) Só se lhe permite a forma especial, se a despeito de desembarcar não


pode, pelo tempo, pela ignorância da lingua, pela falta de quem o
reconheça, ou por outro motivo de igual indo le, testar na forma ordinária.
A lei não diz só:

“não valerá o testamento marítimo.., se, ao tempo em que se fêz, o navio


estava em pôrto, onde o testador pudesse desembarcar”, mas acrescentour.
“e testar na forma ordinária”.

b) Permite-se-lhe a forma especial se desembarcou, podia testar, mas


sentido-se mal voltou para bordo, e só aí, já não havendo tempo, ou não
podendo descer, resolveu testar. O poder desembarcar e testar na forma
ordinária só se aprecia no momento em que se vai testar: é o princípio da
atualidade das circunstâncias extraordinárias, jústificativas dos
testamentos especiais.

c)Descida a terra para função que suponha incógnita não se compadece com
o uso da forma ordinária.

d) As proibições de descer importam impossibilidades. Exemplos: por parte


do comandante, da policia marítima, ou da polícia sanitária.

e) São impossibilidades de testar, em terra, na forma ordinária, os estados


extraordinários, como as pestes, os motins e as revoluções. Ao juiz cabe
apreciar, com precisão, se houve impossibilidade, ou simples dificuldade.

Também as proibições oferecem alguns problemas, pois que supõem a com-

petência de quem proibe, sem que êsse elemento exija ter a pessoa, que ia
descer, de repelir a proibição por parte de quem se apresentou como
autoridade sem no ser. Houve impossibilitação que a policia devera ter
evitado.
r

SEÇIO II

TESTAMENTO MILITAR

§ 5.923. Texto legal e conteúdo

1.TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.660 do Código Civil:

“O testamento dos militares e mais pessoas a serviço do exército em


campanha, dentro ou fora do pais, assim em praça sitiada, ou que esteja de
comunicações cortadas, poderá fazer-se, não havendo oficial público, ante
duas testemunhas, oa três, se o testador não puder, ou não souber assinar,
caso em que assinará por êle a terceira”.

Acrescenta o § 1?: “Se o testador pertencer a corpo ou seção de corpo


destacado, o tes tamento será escrito pelo respectivo comandante, ainda que
oficial inferior”. E o § 2.0: “Se o testador estiver em tratamento no hospital,
o testamento será escrito pelo respectivo oficial de saúde, ou pelo diretor do
estabelecimento”. Ainda o § 3.0: “Se o testador fôr o oficial mais graduado,
o testamenta será escrito por aquele que o substituir”. Quanto à elaboração,.

cf. Projeto revisto, art. 2.013: “O testamento dos militares e das pessoas a
serviço do exército, em campanha, dentro ou fora do país, ou em praça
sitiada, ou com as comunicações cortadas, pode ser feito, no lugar em que
não houver oficial público, perante duas testemunhas, ou três, se o testador
não souber ou não puder assinar, fazendo-o por êle a terceira testemunha,
pelo modo seguinte: § lA Se o testador pertencer a corpo ou seção de corpo
destacado, o testamento será escrito pelo respectivo comandante, ainda
que oficial inferior. § 29. Se o testador estiver em tratamento no hospital, o
testamento será escrito pelo respectivo oficial de saúde ou pelo diretor do
Estabelecimento. Se o testador fôr o oficial mais graduado, o testamento
será escrito por aquele que o substituir”.

Diferente o Projeto primitivo, art. 1.832: “O testamento dos militares e das


pessoas empregadas no serviço do exército, pode ser autenticado por um
major ou por outro oficial superior, ou por um auditor de guerra perante
duas testemunhas ou três, se o testador não puder assinar e pedir a outrem
que assine por êle”. No § 1.0: “Se o testador pertencer a corpo ou seção de
corpo destacado, o testamento poderá ser autenticado pelo respectivo
comandante, ainda que oficial inferior”. No § 2.~: “Se o testador estiver em
tratamento de hospital, seu testamento será autenticado pelo respectivo
oficial de saúde perante duas ou três testemunhas, conforme a distinção
feita no princípio dêsse artigo”. Finalmente, no § 8.0: “Se o testador fôr
oficial mais graduado, seu testamento será autentitado, conforme as
disposições precedentes, por aquele que o substituir”.

2. CRITERIO SUBJETIVO E OBJETIVO DO TEXTO LEGAL. O art.


1.660 do Código Civil prevê os seguintes casos:

a) Militares e mais pessoas ao serviço do exército em campanha, dentro ou


fora do país.

b)Militares ou mais pessoas em praça sitiada. Não se disse se em terra do


Brasil, ou do estrangeiro. Mas há de entender-se num e noutro caso.

c) Militares ou mais pessoas em praça que esteja de ~comunicações


cortadas.

É evidente o intuito de aplicar o testamento ao caso bélico, quer se trate de


campanha, quer de praças que estejam sitiadas ou sem comunicação.

Aqui, põe-se à mostra que a adjetivação militar, constituindo instituto à


parte, já destoa do princípio. Se o militar foi, com o seu corpo, salvar
populações cujas comunicações estão cortadas por acidente (não bélico) e
fica na mesma posição, apode usar da forma do art. 1.660? Se pode,
também dela podem usar as outras pessoas: a lei diz

“militares e mais pessoas”. Tudo isso evidencia a inferioridade técnica em


relação aos Códigos Civis alemão e suíço.

3. INTERPRETAÇAO DA LEI. A solução que os princípios superiores de


direito nos aconselham é a seguinte: Se o militar recebe ordem de trabalho
de salvação pública, é como se estivesse ao serviço do exército em
campanha.

Onde pode o militar, pode qualquer pessoa, se o mesmo o perigo.

Tem-se de saber quais são as pessoas que podem invocar os arts. 1.656-
1.668 do Código Civil, isto é, quais as pessoas que, hoje, podem testar iure
militari.

Oque é preciso é que esteja in expeditione occupatus. donde o testamento


militare e o quasi militare. É a razão do mesmo perigo: cum eadem pericula
experiantur (L. única, pr., D., de bonorum possessione ex testamento
militis, 37, 18). Sôbre hosticolo, hostico, hostilis locus, hosticus locus, que
se procurou ler na L. única, prevalecendo o primeiro (GERII. NOODT,
Opera 1, 36; C. VAN BYNKERSHOEK, Observationes juris Romani, IV,
obs. 20; E.

J. HOMMEL, Dissertatio de exigua dif ferentia inter testamentum militis et


pagani in hostica conditum, §§ 23 5.; G. E. HAENEIJ, Dissertatio II, 4; F.
C. HARPPRECRT, Dissertatio 1. et II. de testamento Pagani in hostico
condito, Disputationes academieae, II, §§ 64 5.; e Cmi. RAU, flissertatio
de discrimine inter testamentum militare et testarnentum pagani in hostico
conditum, 1 s.).

As enfermeiras que receberam ordem para seguir as tropas não


consideradas militares para os efeitos dos textos legais.

4. DO SOLDADO QUE SE ACHA NAS TROPAS. -~ Pode testar pela


forma militar a mulher do soldado que se acha nas tropas? Esta,
evidentemente, partilha dos mesmos riscos. Se não se acha contra a lei,
residia legalmente, corria os mesmos perigos. Nada se afaste que ela entra
na imensa classe dos omnes omnino, qui inre mititari testari non possunt,
mas há as circunstâncias que a sujeitaram aos mesmos riscos. Todos entram
na classe, frisam; salvo os que proíbidamente lá se acham, ou com fins
ilícitos.
A questão não é tão simples. No Codez Maximilianus Ravaricus, é de
entender-se que sim, seguindo-se a W. X. A.

VON KREIT‟rMAYR. Aqui, é que o princípio do testamento tem de ser


invocado: ou êle se dá pelo perigo e extraordinariedade. ou pela natureza
do serviço. No primeiro caso, a mulher élegitimada a testar com a forma
especial. No segundo, não. Salvo se serve. Isso é, se está obrigada à guerra,
à permanência. No Freussisches Aligemeines Landrecht, P. 1, tit. 2, § 180,
falava-se de “todas as pessoas, que são obrigadas a seguir o exército”.

Mas no § 181. incluía-se “voluntários”; no § 182, o próprio refém. Quanto à


mulher e aos criados, GUSTAv ALEX. BIELITZ (Praktischer Kommentar
zum alígem. Landrechte fitr die Preussischen Staaten, 2~a ed., § 180),
afirmava-o, peremptõriamente. H. GILXFF, L. v. RÕNNE e E. SIMON
(Ergiinzungen und ErlLiuterunqen der preussischen Rechtsbúcher durch die
Gesetzgebung und Wissenschaft unter Renutzung der JustizministenaZ
Alcten und der Gesetz-Revisions-Arbeiten, 1 s.), negavam-no. E. STEIDLE
(Das Soldaten-Testament, 38 s.) distirguia: criados e mulher têm o
privilégio, se prestam serviços, ou “se estão obrigados a seguir”. (É
evidente a superioridade técnica do Landrecht de 1794 em relação com o
Codez Bavaricus.) Gente de guerra é quem serve, ainda voluntàriamente, ou
quem é obrigado a servir.

Mas, se às mulheres foi permitida aproximação das tropas e permanência, e


foram feridas, ou, deentes, lhes faltam os meios, seria injusto afastar-lhe o
emprêgo da forma extraordinária.

O serviço militar começa com a mobilização; a circunstância extraordinária


(sítio, corte de comunicações) estabelece desde logo a aplicação do- Código
Civil, art. 1.660.

A permissão vale obrigação. A guerra, em si, não a faria apta a utilizar o


testamento especial, mas o juiz não deve deixar de cumprir êsse testamento:
um dever mais uma permissão levam-na, lá, aos campos de batalha.

~Quid iuris, se só há o dever?


Aqui, intercedem princípios superiores de direito. Seria desumano, anti-
social, negar validade a quem penetrou nos campos de batalha para ver o
marido, o filho, o irmão, o noivo, ou o pai, e lá adoeceu, está a falecer, e
quer dispor dos seus bens. Serão êsses mesmos princípios superiores de
direito a que acodem os legisladores quando, no após-guerra, se redigem
leis sanatórias para todos os atos testamentários das regiões devastadas,
sitiadas ou submetidas.

Direito é instrumento de Justiça. Há de servir, e não desservir aos homens,


às consciências. ~ um pouco de adaptação entre sêres que pensam, que
sentem, e querem o bem.

A mulher de um soldado que mora em fortaleza, ou em farol militar, pode


usar, havendo as circunstâncias extraordinárias, o testamento militar.

5.CASO ESPECIAL DAS MANOBRAS MILITARES. Os militares ou


demais pessoas feridas em manobras, ou que estiverem a falecer na ocasião
delas, podem usar das formas especiais. Quanto ao Código Civil, arts.
1.656-1.659, não há dúvida:

estão a bordo as pessoas. Quanto aos arts. 1.660-1.663, manobras são


serviços militares, que podem provocar acidentes graves, e é de natureza de
tais exercícios tratarem-se os casos como em guerra: as ambulâncias
levarão os enfermos, unidade de um corpo, o que não deve ter o efeito de
suspender as evoluções, os ataques, as defesas. Se o ferido (ou vítima de
outro meio mortífero) entender de declarar as suas últimas vontades, o
oficial de saúde, ou o diretor do estabelecimento deve tomá-las por escrito
(art. 1.660, § 29). Não tendo de escrever, pela maneira que se admite no art.
1.668. Não tendo sido conduzido por ambulância para pô5to de saude e
achando-se em corpo destacado, escrever-lhe-à o testamento o comandante
respectivo, ainda que oficial inferior (art. 1.660, § 19).

Escreve o testamento do oficial mais graduado aquele que o substitui (art.


1.660, § 3.O)

6.AVIADOR MILITAR E TESTAMENTO. O Código Civil não permite


somente o testamento militar em serviço de campanha; reconhece-o aos
militares e mais pessoas ao serviço do exército, se em praça sitiada, ou em
praça não sitiada, que esteja de comunicações cortadas. A situação do
aviador ou da pessoa a serviço do exército ou das fôrças aéreas, que se ache
em aeronave de onde não possa descer, como no caso de defeito mecânico
que apenas retarde a queda, equipara-se à daqueles soldados ou pessoas a
serviço do exército que se achem num forte, cujas comunicações foram
cortadas. O estado de necessidade é o mesmo.

7. OFICIAL DO TESTAMENTO PÚBLICO MILITAR. Tôda a


organização militar constitui-se de unidades com chefes, grupos de
unidades com chefes. Grupos de unidades formam novos corpos, à frente
dos quais há um comandante. O comandante, a que se refere o Código
Civil, é o da unidade imediata: a primeira patente superior que comanda. Se
a seção do corpo se acha separada, por ser, por exemplo, de guarda, de
vigia, de reconhecimento, de exploração, o chefe dêsse grupo sôzinho é o
oficial público a que se refere a lei.

Ooficial que se recusa a isso comete infração das leis e responde civil e
criminalmente. Cabe a própria ação de perdas e danos. Exemplo: se se
negou e o testador, recorrendo a outro meio, testar nulamente.

§ 5.924. Exigência da holografia

1.TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.661 do Código Civil: “Se o testador souber
escrever, poderá fazer o testamento de seu punho, contanto que o date e
assine por extenso, e o apresente aberto ou cerrado, na presença de duas
testemunhas ao auditor, ou ao oficial de patente, que lhe faça as vêzes neste
mister”.

2.EXIGÉNGIA DE NOTA. Lê-se no Código Civil, artigo 1.661, parágrafo


único: “O auditor, ou oficial a quem o testamento se apresente, notará, em
qualquer parte dêle, o lugar, dia, mês e ano em que lhe fôr apresentado. Esta
nota será assinada por êle e pelas ditas testemunhas”. Cf. Projeto revisto,
art. 2.014: “Se o testador souber escrever, poderá fazer testamento por seu
próprio punho, contanto que o date e assine por extenso e o apresente,
aberto ou cerrado, na presença de duas testemunhas, ao auditor ou ao oficial
de patente que para êsse fim o substituir”.

Acrescentava o parágrafo único: “O auditor ou o oficial, a quem o dito


testamento fôr apresentado, escreverá em qualquer parte dêle uma nota do
lugar, dia, mês e ano em que foi apresentadO. Esta nota será assinada por
êle e pelas ditas testemunhas, dando-se ao testamento a destino indicado no
art. 2.008”.

8.EXPLICAÇÀO DA NATUREZA DA REGRA JURÍDICA. No art. 1.660,


o testamento militar constitui simplificação do testamento público, sendo
oficial público o comandante do corpo ou seção de corpo destacado, ou
oficial de saúde, ou o diretor do estabelecimento.

Otestamento do Código Civil, art. 1.661, é simplificação do testamento


cerrado ordinário, ou particular, aberto, com a notação do auditor ou oficial.

Se o testador, ao escrever o testamento e ao levar ao auditor, com as duas


testemunhas, que o leram, ou, pelo menos, sabem a que iam, fôr ferido e
morrer, ou, já antes ferido, morrer, deve o juiz inquiri-las e mandar cumpri-
lo, uma vez que o art. 1.663 permite a nuncupacão.

Por isso mesmo, no art. 1.662, será referido, como em contraposição ao


testamento do art. 1.661, o que se compõe do instrumento do art. 1.661 com
as formalidades do parágrafo único. Aquele, sujeito ao prazo do art. 1.662;
êsse, não.

§ 5.925. Caducidade do testamento militar

1.TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.662 do Código Civil: “Caduca o testamento


militar, desde que, depois dêle, o testador esteja, três meses seguidos em
lugar onde possa testar na forma ordinária, salvo se êsse testamento
apresentar as solenidades prescritas no parágrafo único do artigo
antecedente”.

Cf. Projeto primitivo, art. 1.885: “O testamento feito na conformidade do


mesmo artigo fica nulo três meses depois da volta do testador ao lugar onde
possa testar em forma ordinária”. Revisto, art. 2.017: “O testamento feito na
conformidade do mesmo artigo fica nulo três meses depois da volta do
testador a lugar onde possa testar em forma ordinária, salvo hipótese do art.
2.014, parágrafo único”.

2.ENTENDIMENTO DA REGRA JURÍDICA. Aqui, como a respeito do


Códigd Civil, art. 1.658, a vitalidade do testamento é curta: o mesmo prazo
de três meses. Salvo se fôr da espécie do art. 1.661, acrescentado das
formalidades do art. 1.661, parágrafo único. Portanto, podemos dizer que o
testamento do art. 1.661, parágrafo único, constitui forma ordinária, no
tocante à durabilidade. Apenas, para ser feito, é que se lhe exige a limitação
do art. 1.660.

a)Ao testamento escrito pelo chefe militar (art. 1.660, § 1.0).

b)Ao testamento escrito pelo oficial de saúde ou pelo diretor do


estabelecimento (art. 1.660, § 2.0).

c)Ao testamento escrito, datado e assinado pelo testador, aberto ou cerrado,


entregue ao superior (art. 1.661).

d) Ao testamento nuncupativo do art. 1.668.

O prazo, nos casos a), b) e c), é o de três meses, contados de quando o


testador chegou a lugar onde podia testar na forma ordinária. Claro que, no
caso de permanência em terra estranha, não se conta o prazo: o militar não
testa pela ler boi do Estado adversário. Já foi decidida ta questão.

No caso d), o prazo é incerto: se o testador morre na guerra, vale; não vale,
se convalesceu o testador.

A caducidade não concerne ao testamento do art. 1.661 com as


formalidades do parágrafo único.

§ 5.926. Testamento militar nuncupativo


1. TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.663 do Código Civil: „As pessoas
designadas no art. 1.660, estando empenhadas em combate, ou feridas,
podem testar nuncupativamente, confiando a sua última vontade a duas
testemunhas”. E o parágrafo único: “Não terá, porém, efeito êsse
testamento, se o testador não morrer na guerra, e convalescer do ferimento”.

Cf. Projeto revisto, art. 2.015: „No conflito da batalha, ou estando feridas,
podem as pessoas mencionadas no artigo 2.013, testar nuncupatívamente só
com duas testemunhas. ainda que saibam e possam escrever”; parágrafo
único:

„¶Éste testamento deixará de ter validade se o testador não morrer na


guerra, ou logo que se restabeleça do ferimento”; art. 2.016: “Os
testamentos, de que trata o artigo antecedente, ser&o remetidos com a
possível brevidade ao Govérno, nos têrmos da art. 2.008”.

2.PRESSUPOSTOS PARA A TESTAMENTIFAÇÃO NUNCUPATIVA.


Para a testamentifação nuncupativa, é de mister tal situação extraordinária
que exclua objetivamente a possibilidade de escrever (exemplos: refrega do
combate, falta de material, ocultação das tropas em trincheiras, posição dos
soldados em árvores como guardas avançadas) ; ou sub jetivamente
(exemplos: ferimento, fraturas, cegueira, efeitos de gases).

~ Que é que se há de entender por combate? O fogo, no sentido técnico?


Não, combate é o serviço efetivo, atual, da guerra: sem fogo, o soldado que
vai proceder a qualquer reconhecimento, expondo a vida, está em combate.
O

soldado, a oficial, o próprio civil, que recebe tal ordem de alta


responsabilidade e de dignidade patriótica, não vai voltar-se para o
comandante, e dizer-lhe: “Deixe-me testar primeiro”.

3.GASES ASFIXIANTES E OUTROS MEIOS DE GUERRA. O texto do


Código Civil, art. 1.663, fala de pessoas feridas. Mas deve entender-se que
também gozam da nuncupatividade excepcional, com só duas testemunhas,
os militares e mais pessoas em serviço de guerra, que por motivo de
qualquer recurso bélico, como os gases asfixiantes ou lacrimogênicos, ou
acidentes de batalha se achem em perigo de morte, O perigo de morte, em
conseqúência de serviço de guerra, ou a impossibilidade de usar de formas
ordinárias, devido a êsse mesmo serviço, tal o que deve orientar-nos na
aplicação do artigo 1.668. Em razão disso, o cego, que a guerra cegou, e
ainda dela, de fato, não saiu, pode testar, oralmente, de acôrdo com o art.
1.663.

4.NUNCIPATIVIDADE E MARINHA. Tem-se de assentar se o testamento


militar dos arts. 1.660-1.668 é só relativo ao Exército, ou, também, à
Marinha de guerra.

A quest~io é delicada. No combate, pode o marinheiro não ter quem lhe


redija as últimas vontades, de acôrdo com as exageradas exigências do
testamento da Marinha (Código Civil, arts. 1.656-1.659). Pode estar ferido,
e não poder escrever. Pode não ter ao seu alcance o escrivão de bordo,
menos ainda o comandante.

Se em terra o marinheiro é empenhado em combate, ou em praça sitiada, ou


de comunicações cortadas, não tenhamos dúvida: testa pela forma militar
(arts. 1.660-1.663).

Tôda a dificuldade fica ao testamento nuncupativo do artigo 1.663, feito


sôbre água. d‟ode o soldado de marinha testar nuncupativamente no caso
de se achar ferido ou empenhado em combate, confiando as suas vontades a
duas testemunhas? Noutros têrmos: zo art. 1.663 refere-se a guerras de terra
e de água, ou só às de terra?

Quanto aos princípios superiores de direito, a interpretação restrita ao


Exército ofendê-los-á, pela inaplicaçâo ao mesmo caso: o oficial, ou
soldado de Marinha, ferido ou empenhado em combate, está nas mesmas
situações subjetivas e objetivas do oficial do Exército ou do soldado de
terra. Ora, o art. 1.660 aplica-se a pessoas que não são, prôpriamente, do
Exército (arts. 1.660-1.668), de modo que seria restringir o benefício a
operações de terra.

5.CADUCIDADE DO TESTAMENTO NUNCUPATIVO. Incerto, como é,


o prazo de caducidade, mais o tornou obscuro a lei brasileira com a
inadvertida proposição final do art. 1.668, parágrafo único: “se o testador
não morrer na guerra, e corvalescer do ferimento”.

Pergunta-se: ~,quando caduca tal testamento se o testador convalesceu do


ferimento ou ofensa que o levou a testar nuncupativamente, segundo o art.
1.668, porém morreu d& outro ferimento ou de outra ofensa?

Note-se bem: o outro ferimento ou ofensa pode ser imediato à


convalescença e pode ser mediato, mas no mesmo-período da guerra.

Se a lei dissesse: “se o testador não morrer de ferimento” compreender-se-


ia. Mas o que está escrito é diferente.

§ 5.927. Direito estrangeiro

1.TESTAMENTO DOS MILITARES E MARINHEIROS NO DIREITO


INGLÊS. O soldado em<serviço militar ativo e o marinheiro no mar podem
testar, no direito inglês, quer se trate de real estate quer de personal estate,
seja oralmente, seja por ato escrito sem as formalidades do Wills Ad de
1837, art. 9 (Wills 1887, art. 11; Wills - Soldiers and Sailors - Act, 1918, art.
3; Drummond v. Parish, 1843; Re Wernher, 1918).

Soldado em serviço militar ativd não é somente o que se acha em


campanha, mas igualmente o que, em obediência às ordens, está em
preparativos de partida, e já foram postas em prática as medidas anteriores à
entrada em serviço (Goods ol Hiscoclc, 1901). Basta ter sido decretada a
mobilização (Gattward v. Knee, 1902).

Entende-se que está no mar o marinheiro quando, alojado no seu navio, nele
se acha, ou ainda quando, por permissão temporária, está em terra (Fari of
Euston v. Seymour, 1802; Goods of Ley, 1840; Goods of M‟Murdo, 1867).
Ainda mais se está de volta, por mar, do seu navio, ou, por mar, volta a êle
(Goods of Daniel Saunders, 1865).

Cumpre, porém, advertir que os Navy and Marines (Wills) Acta de 1865 e
1897, bem como o Merchant Shippinq Ad de 1894, art. 177, impuseram
relevantes instruções para os efeitos dos testamentos dos marinheiros e
marítimos reais e da Marinha Mercante.

A enfermeira que recebeu ordem para se juntar ao navio hospital, sob


direção militar, considera-se soldado em serviço militar ativo (Re Stanley,
1916).

O poder de dispor por êsses testamentos especiais compreende o de revogar


anterior testamento, ainda que o tivesse feito em forma ordinária (Wood v.
Gorsage, 1921, publicado no Times de 19 de janeiro).

Pelo Navy and Marines (Wills) Ad de 1914, ficou o Almirantado com o


poder de não atender às regras jurídicas dos Navy and Marines (Wills) Acta,
no tocante aos marinheiros mortos durante a guerra de então, ou em
conseqUência dela.

O direito inglês somente conhece um testamento privilegiado, oral, diante


de duas testemunhas, para os soldados e a gente do mar (TRISmÂM and
CoO‟rE, Pro bate Prazis, 45-48).

2. TESTAMENTOS ESPECIAIS NO DIREITO ARGENTINO. Além das


regras jurídicas do Código Civil argentino, referidas a propósito dos
testamentos ordinários, é de interêsse lembrar as seguintes: a) Quanto ao
testamento marítimo: “Los que naveguen en un buque de guerra de la
República, sean ó no individuos de la oficialidad é tripulación, podrán testar
ante eI comandante deI buque y tres testigos de los cuales dos à lo menos
sepan firmar. El testamento debe ser fechado. Se extenderá un duplicado
con las mismas firmas que eI original” (artigo 3.679). Mais: “Si el buque,
antes de volver á la República, arribare á un puerto extranjero en que haya
un agente diplomático ó un cónsul argentino, eI comandante entregará á
este agente un ejemplar del testamento, y el agente lo remitirá aí Ministro
de Marina, para los efectos que se ha dispuesto respecto aí testamento
militar. Si eI buque volviese á la República, lo entregará aí capitan dei
puerto, para que lo remita á iguales efectos aí Ministerio de Marina” (art.
3.681). Regra jurídica que assaz interessa aos testamentos que tenham de
ser cumpridos no Brasil está no art. 3.685: “El testamento no se reputará
hecho en eI mar, si en la época en que se ortorgá se se haílaba ei buque en
puerto donde hubiese cónsul de la República”.

3.TESTAMENTO DO MILITAR NO DIREITO SUÍÇO. No direito suíço,


art. 507, alínea &a, o testamento de militar em serviço constitui espécie do
testamento oral a que se referem os arts. 506-509 do Código Civil suíço.
Por isso, consulte-se o que se disse sôbre o Código Civil brasileiro, art.
1.629. Lê-se no texto alemão: “Errichtet der Erbiasser die múndijebe
Verfúgung im Militârdienst, se kann em Offizier mit Hauptmauns- odor
hóherem Rang die Gerichts- behórde ersetzen”. No texto francês: “Si les
derniêres dispositions émanent d‟un militaire au service, un officier du rang
de capitaine ou d‟uíi rang supérieur peut remplacer l‟autorité judiciaire”.
Serviço de paz, ou serviço de guerra. O que importa, para a substituiçao da
autoridade jurídica, é o pôsto do oficial, e não a sua função. Nem é de
mister que o testador esteja sob as ordens dêle. O oficial é obrigado, sob
pena de morte e danos, a receber tais disposições de última vontade
(EUGÊNE CURTI-FORRER, Commentaire dn Code Civil suisse, 402).

4.TESTAMENTO MILITAR NO DIREITO ALEMÃO. No direito alemão


permitia-se o testamento militar hológrafo ao que completava dezesseis
anos, exceção ao § 2.238, alínea

2 a, do Código Civil alemão (IIEINRICH

DERNEURO, Das biirgerliche Recht, V, § 35, 94; BOETHKE, Cher


Militar- und Marine-testanxent, Archiv flir Militô§rrecht, 1910, 45 s.). A
afirmação jurada do oficial, subscrita, valia como assinatura militar.
Segundo se estatuiu a 8 de março de 1917 não era essencial a data e tal
regra jurídica teve efeitos retroativos (305FF, Erbschaftsausschlagung u.
vormundschaftsgerichtl. Genehmigung, Das Rccht, 22, lis; E.
HRRZEELDKR, Erbrecht, 3‟. v. StÃtudingers Komment ar, V, 727).

Com a Lei de Guerra de 23 de março de 1921, § 48, foi revogada a velha


Lei de 2 de maio de 1874, e novas regras jurídicas surgiram sôbre os
testamentos do Exército e da Marinha (§ 88). O § 38 domina, hoje, a
matéria (TnEODOR lKípr. Das Erbrecht, Lehrbuch des B-Urgerflchen
Redita, § 17).

5.TESTANENTO MARÍTIMO NO DIREITO ALEMÃO. Dêle tratou o §


2.251 do Código Civil alemão. É

indiferente que se trate de Alemão ou de estrangeiro. Não se pode referir à


viagem curta ou de desporto. Há de ser alemão o navio e não pertencer à
Marinha do Reich. Mais: precisa achar-se fora de pôrto alenlão. Basta,
porém, que começasse a singrar (F. HERZFELUER, Erbrecht, 3‟. v.
Staudingers Kommentar, V, 785; CARL CROME, Sijs tem des deutschen
Biirgerlicken Redita, § 651). Aliás, conforme idêntica situação do direito
brasileiro, vale o que antes dissemos: o início de uma viagem é antes de
levantar os ferros, porque, de fato, já não há tempo para a testamentifação
em terra, ou nas formas ordinárias (cp. HOLLDACK, Grenzeu der
Ericenutinis ausitindiacheu Redita, 140 sj. Segundo o § 2.251, quem se
acha, durante viagem, a bordo de navio alemão, não pertence à Marinha
alemã, fora do pôrto nacional, pode fazer testamento por declaração oral
perante três testemunhas segundo o § 2.250. F. HERZFELDER (Erbrecht,
3‟. v. Staudin gera Kommentar, V, 785), esclareceu que o chefe de navio, ou
quem lhe faça às vêzes, não precisa intervir.

Trata-se de testamento extraordinário, e o prazo foi fixado no § 2.252 para


Me e outros testamentos extraordinários, exceto o militar de que não tratou
o Código Civil. São três meses. Se o testador empreende, no trimestre, outra
viagem de mar, interrompe-se o prazo: reconta-se, em tôda a extensão, a
partir do fim desta nova viagem (§ 2.252, alínea 33‟). Não importa se a
nova viagem começou da Alemanha, ou de fora.

§ 5.928. Direito intertemporal

1.PRECISõES. Em todos os testamentos especiais, há circunstâncias


justificativas e simplifica«to de forma. Ora, esta, evidentemente, segue a
regra jurídica tem pus regít actum. Restam aquelas, para as quais a solução
não é tão fácil.
Já vimos que a regra jurídica tempus regit actum decide da validade do
testamento dos militares, marinheiros e viajantes de alto-mar, solução que
também se aplica ao testamento tempore pestis conditum. Ficou também
resolvida a questão dos prazos resolutivos e suspensivos.

2.CONSERVAÇÃO E CONVERSÃO EM CASOS DE TESTAMENTOS


“INTER LIBEROS”. Pode ocorrer que o disponente teste e seja nulo o
testamento por não incidir lei que, no tempo ou no espaço, reconheça a
espécie inter liberas. Mas, pergunta-se, se êsse testamento somente contém
partilha entre filhos, ou qualquer disposição que, embora para a morte, se
pudesse fazer entre vivos, ~deve conservar-se ou converter-se, a fim de se
salvar o que foi querido?

Oproblema traz em si todo o contingente dos institutos da conservação e da


conversão. For isso dêle se tratou a propósito das disposições testamentárias
em geral.

§ 5.929. Direito internacional privado

1.TESTAMENTOS ExTRAORDINÁRIOS. As circunstâncias que


permitem os testamentos especiais são extraordinárias. A
extraordinariedade põe ao vivo o dilema: ou sacrificar a vontade de testar à
forma, ou preferir 31

aquela a esta. O primeira solução repugnaria à mentalidade dos nossos dias,


ao elemento consciencial que deve 3.

assistir ao julgamento do juiz da lez fori. As considerações que, pela própria


proteção às vontades dos testadores, levaram a proscrever e vedar a
nuncupatividade ordinária, aqui não caberiam.

2.TESTAMENTO NUNCUPATIVO. No direito internacional privado,


quando se trata de testamento em circunstâncias extraordinárias, seja o
marítimo ou o militar dos vulgares sistemas jurídicos, seja o tempore pestis
conditum, que ainda se vê na lei italiana e noutras, sçja o amplíssimo
testamento em estado de necessidade de que tratam a lei alemã e a suíça, só
há verdadeiramente uma questão prática fundamental: e a de saber se, dadas
tais circunstâncias extraordinárias, suficientemente justificativas, pode ser
admitida a nuncupatividade.

Antes de respondermos com o direito internacional privado do Brasil,


assentemos que as considerações de interêsse geral que excluem a forma
ordinária nuncupativa de nenhum modo podem ser invocadas, sem
anteposição da forma às vontades dos testadores, quando êsses se achem
excepcionalmente impossibilitados do uso de outra forma. Por outro lado
quando o Estado da lei nacional tiver de cumprir a sentença estrangeira ou a
cédula enviada, apreciará o elemento justificativo da forma especial.

Outro aspecto da mesma questão: pode o estrangeiro que se acha em país


sem uma daquelas formas extraordinárias

<exemplo, no Brasil, o testamento tem pus pestis conditum), ocorrendo


motivo justificativo, suficiente segundo a sua lex patriae, socorrer-se de tal
forma especial que a lez loci não reconhece? Já se viu que é facultativa, e
não obrigatória, a regra jurídica locus regit actum. Por isso mesmo seria
violento recusar ao estrangeiro a opção pela sua lei, quando êle mais se
acha necessitado da franquia da lei pessoal. Não se justificaria permitir a
opção quando as duas fôssem úteis, e não no permitir pela única que no
momento lhe pudesse apanhar a última vontade.

No direito internacional privado do Brasil, a lei permite a nuncupatividade


no caso do art. 1.663, atendido o estado de necessidade. Portanto, seria
ilógico, quando se desse circunstâneia extraordinária, negar aplicação à lei
estrangeira.

3.PRAZOS SUSPENSIVOS E RESOLUTIVOS. Quanto aos prazos


suspensivos e resolutivos, já se disse o suficiente noutro lugar. Foram
estudados outros problemas de direito internacional privado, porém um
dêles apenas foi ventilado. Em geral, a les» loci é facultativa, o testador
opta por ela ou pela sua lei pessoal. Se, estrangeiro, estiver em navio
mercante do Brasil (não tem exterritorialidade), em pôrto de terceiro país ou
em águas territoriais dêste (lex loci), mas já retirados os ferros
(impossibilidade de ir a terra para usar as formas ordinárias), ou preparado
para partida próxima, apode o testador optar pela lei do navio? Trata-se
menos de uma opção entre as três leis les» loci, lei pessoal, lei do navio
mercante do que entre a lei do navio por ficção considerada lei do lugar e a
lei pessoal. Dissemos lei do lugar, porque, fora das águas territoriais, os
navios mercantes só têm uma lei, que é a do seu paviIbão, e a ficção
consiste justamente em se reputar no alto-mar a nave que para viagem de
alto-mar zarpou ou está prestes a fazê-lo sem tempo ao testador para
recorrer às formas ordinárias do país em que se acha.

Note-se bem: estar surto no pôrto, isso é, ancorado, mas nos momentos de
partir, já significa a mesma coisa que o ter partido. E o ter partido, a mesma
coisa que já estar em alto-mar.

4. ESTRANGEIRO EM NAVIO DE GUERRA OU MERCANTE D‟O


BRASIL. Estando em navio de guerra, ou em navio mercante brasileiro, o
estrangeiro que puder testar pela forma hológrafa do seu Estado, talvez sem
testemunhas, como o francês e o alemão, devem estar segundo a lei pessoal.

A questão surge no momento em que êsse estrangeiro testa pela forma


suficiente do seu país (hológraf o, francês, italiano ou alemão, ou só
assinado, se a lei do seu Estado o permite) e leva ao comandante ou
escrivão de bordo, para as formalidades brasileiras dos §§ 1.0 e 2.0 do art.
1.657. No caso de serem deefituosas as referidas formalidades, ~ nulo é o
testamento, pois que o testador optou pela lei brasileira?

Seria injusto não introduzir aqui a conservação: assim como o testamento


particular ordinário, levado a abundans cautela da aprovação pelo oficial
público, se satisfaz plenamente os requisitos do testamento particular, deve
conservar-se, nada justificaria que se não separasse o suficiente hológrafo
ou subscrito do testador estrangeiro a que se acrescentaram os. cuidados dos
§§ 1? e 2?, tanto mais quanto três parágrafos contêm algo de probatóriQ.

Se o estrangeiro não tinha quem a bordo o entendesse, escreveu, segundo a


lei do seu Estado, o testamento e o entregou ao comandante ou ao escrivão
de bordo, não podia ficar sujeito à exigência de duas testemunhas que o
entendessem, mesmo porque, por lei do seu país, talvez se lhe dispense
qualquer depósito.

§ 5.930. Testamento “in fraudem legis”

1.REGRA JURÍDICA LOCAL E REGRA JURÍDICA DO MOMENTO.

Tanto a regra jurídica tem pus regit actum quanto a outra, locus regit actum,
podem servir a fraudes. Donde a possibilidade de fraude à lei em direito
internacional privado e em direito intertemporal do testamentos.

2.FORMAS TESTAMENTÁRIAS E FRAUDE À LEI EM DIREITO


INTERTEMPORAL. Tem pua regit actum: o testador, sabendo que no
próximo ano estará em vigor lei que facilitará a testamentífação, pelo
dispensar, por exemplo, algumas testemunhas, escreve o testamento, data-o
de qualquer dia do próximo ano. Temos exemplo frisante de testamento in
traudem legis e a lei violada, melhor diremos, fraudada, foi a les» tempus.
Tal testamento é nulo de pleno direito.

Outro exemplo. A lei do tempo A permite o testamento de mão comum, e a


lei do tempo E proibiu-o. Os testadores, querendo testar conjuntivamente,
antedatam as suas disposições de última vontade. Tal testamento é nulo, por
ser em fraude da lei. Fraudou-se a les» tempus. No primeiro exemplo,
recorreu-se à lei futura permissiva; aqui, evitou-se a lei proibitiva de hoje,
recorrendo-se à permissiva do passado.

3.FRAUDE À LEI EM DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. Para o


direito contemporâneo, a les» loci é permitida, ora em primeira plana, como
no Brasil, ora em segunda plana, como ocorre no direito internacional
privado da Alemanha. Somente onde a Les» loci fôsse obrigatória,
cresceriam as possibilidades de fraudações. Por isso mesmo são raríssimos
os casos no regime da facultatividade da les» loci. Os dois casos que se
citam, o do Tribunal de Oldemburgo, de 1859, e o de uma Côrte de
Apelação italiana, de 11 de junho de 1867, foram decididos diferentemente:
no primeiro, negou-se a nulidade de testamento do Oldemburguês feito na
cidade livre de Brema, pôsto que para lá fôssem com êsse fim (JAKoB
VETSCH, Die Umgehung des Gesetzes, 151) ; no segundo, anulou-se o
testamento do italiano que se fêz no estrangeiro para evitar a aplicação da
lei italiana.

Seria perigoso simplismo julgar-se que a facultatividade da les» loci afasta


ou elide a invocação da fraude à lei em matéria testamentária.

Se o testador, cego, surdo, sem que as formas respectivas sejam pela lei
pessoal reputadas intrínsecas (porque então, sendo intrínsecas, a fraude à
les» loci seria inoperante e inútil)> sai do seu país para testar por forma
proibida pela les» loe do país a que pertence, claro que se dá fraude à lei.
Dír-se-a o mesmo no caso de domicílio, em vez de pátria.

Em relação aos testamentos extraordinários, é mais fácil fraudar-se a lei: o


testador declara o que fêz no campo de batalha, ou a bordo de um navio
estrangeiro, cuja lei lhe dispense testemunhas, ou usará de outra falsa
circunstância que por lei o habilite a simplificações de forma.

CAPÍTULO XXVI

“UNITAS ACTUS” NO TESTAMENTO PúBLICO, NO CERRADO E NO


PARTICULAR

§ 5.931. Questões que surgiram

1.TESTAMENTOS E “UNITAS ACTUS”. A unitas actus no testamento


público é caso particular da unitus actus nas escrituras públicas: porque o
testamento público é instrumento público subordinado a requisitos
especiais. Mais cuidado inspirou as cautelas que o cercam, além das regras
jurídicas gerais concernentes às escrituras públicas. É

exatamente a propósito dos testamentos que assume tôda importância saber-


se em que consiste a unitas actus, pois os legisladores, na esteira da velha
política jurídica, protetora da vontade dos testadores e asseguradora da
verdade nas relações humanas, a cada passo a consideraram essencial à
forma testamentária. FRANCK (Arckiv flir praktiscke flechtswissenschaft,
VI, 374- 386) levantou a questão de se saber se o testamento público, no
sentido estrito, exigia a unitas actus. A resposta foi af irmativa. Seguiu-o, à
risca, RUDOLPH FREIHERR VON

HOLZSCHUHER (Theorie und Casuistik des gemeineu Civilrechts, II, s.a


ed., de J. E. RUNTZE, 374 e 738).

Hoje, no testamento cerrado, há a izcdicialis lides desde a entrega, que é


testemunhada (privata lides). A escrita não no é. No testamento público
(stricto seus), tudo se passa com indicialis lides e privata lides, e não cabe
qualquer dúvida.

2.DADOS HISTORICOS. Dizia-se nas Ordenações Aforsinas, Livro IV,


Título 103: “Costume foi e he d‟antigamente em estes Regnos geeralmente
usado, julgado, e appellado, e confirmado em Juizo contraditorio, se o
testamento he feito com. cinquo testemunhas, ainda que algumas delas
sejam molheres, tal testamento vai, e ha avudo por boom e valioso, assy
como se tevesse sete testemunhas todos barooês. E porque costume sempre
d‟antigamente assy foi guardado, como dito he, algumas vezes recreciam
sobre elIo duvidas, e contendas em Juizo.

E porque nossa teençom com a graça de Deos he dar modo e maneira, como
as demandas a todo nosso poder sejam tolhidas, acordamos mandar aqui
escrepver o dito costume, por tolher as duvidas, que d‟outra guisa poderiam
acontecer, como dito he”. No § 1/‟: “O qual costume declaramos em esta
guisa. Primeiramente mandamos, que aja em todo testamento, assy aberto
feito por Tabelliam, como no cao que tever estormento pruvico nas costas, e
que as testemunhas em elIe contheudas sejam todas barooês, e homenns que
nom sejam servos, e que sejam maiores de quatorze annos, em tal guisa que
com o Tabeliam, que fizer o testamento, ou instrumento nas costas delle,
sejam seis As Ordenações Afonsinas mantinham exigências que bem
demonstravam não se satisfazer o legislador com o que se usava. no tocante
a escrituras públicas em geral, sendo de notar-se que eram satisfeitas as
demais exigências do direito romano..

§ 5.932. Testamento aberto


1. TESTAMENTO PÚBLICO. Nas Ordenações Manuelinas, Livro IV,
Título 76, pr., lia-se: “Querendo algíla pessoa fazer testamento aberto por
Tabaliam pubrico, pode-lo-ha fazer, com tanto que tenha cinco testjemunhas
baroês liures, ou reputados por liures, e sejam maiores de quatorze annos,
por maneira, que com o Tabaliam que fezer o testamento sejam seis
testemunhas; o qual testamento o dito Tabeliam escreuerá em sua Nota, e
será assinado por as ditas testemunhas, e pelo. testador se souber ou poder
assinar, e nom sabendo ou nom podendo, assinará por elIe húa das ditas
testemunhas, a qual loguo dirá ao pee do final, como assina por mandado do
dite testador, por nom saber ou nom poder assinar, e tal testamento será
firme e valioso”.

As Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, pr., repetiu-o: “Querendo


alguma pessoa fazer testamento aberto por Tabelião público, podê-lo-á
fazer, contanto que tenha cinco testemunhas varões, ou tidos por livres, e
que sejam maiores de quatorze anos, de maneira que com o Tabelião, que
fizer o testamento, sejam seis testemunhas. O qual testamento o Tabelião
escreverá nas Notas, e será assinado pelas ditas testemunhas e pelo testador,
se souber e puder assinar; e não sabendo, ou não podendo, assinará por êle
uma das testemunhas, a qual logo dirá ao pé do sinal, que assina por
mandado do testador, por êle não saber, ou não poder assinar. E tal
testamento será firme e valioso”. Assim, se alguma pessoa queria fazer
testamento aberto (testamento público, no sentido estrito), cinco haviam de
ser, e do sexo masculino, as testemunhas (“testemunhas varões livres, ou
tidos por livres, maiores de quatorze anos”), de modo que, com o tabelião,
fôssem seis es figurantes, além do testador. Escrito nas costas pelo tabelião,
havia de ser assinado pelas testemunhas e pelo testador se soubesse ou
pudesse assinar. Não no sabendo, ou não no podendo, assinaria por êle uma
das testemunhas (note-se a diferença em relação às escrituras públicas em
geral, para as quais, sendo duas as testemunhas exigidas, mister seria mais
uma, ou terceiro assinante). O que assinasse a rôgo tinha de dizer (menção
pelo próprio assinante) que assinava por mandado do testador, com a razão
de o fazer. de notar-se que, a despeito de não serem claras as Ordenações,
sempre se exigia a co-presença das testemunhas e do testador.
2.CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. O Código Civil fêz de direito material,
civil, o que devera pertencer ao direito administrativo formal ou ao direito
processual extrajudiciário. Mas persiste, como de direito público, tudo que
diz respeito, em geral, à função do oficial público e às formalidades comuns
das escrituras públicas. No corpo do Código Civil, o art. 1.632 é direito
material sóbre forma. Nele são enumerados requisitos “essenciais”. Vale
dizer: requisitos sem qualquer dos quais não vale o ato, por omissão ou
infração de regra jurídica de forma. Não são os únicos requisitos
“essenciais” tocantes às formalidades: há a portada por fé, a que se refere o
art. 1.684; e o mesmo se há de dizer quanto ao que é forma nos arts. 1.633,
1.636 e 1.637.

Os textos do Código Civil, que substituiram o direito renícola,


caracterizam-se pelo rigor formal e pelo corte de todas as questões que
poderiam nascer do laconismo das Ordenações Filipinas.

3.FATOs E “UNITAS ACTUS”. Desde logo observemos que a lei mantém a


distinção entre fato e menção. São fatos: a)ter sido escrito, por oficial
público, em seu Livro de notas; b) ter sido ditado pelo testador, em língua
nacional, ou toma do, pelas declarações dêle, em língua nacional e na
presença de cinco testemunhas (art. 1.632, 1, e parágrafo único) ; e) terem
as testemunhas assistido a todo o ato (art. 1.632, II) ei) depois de escrito, ter
sido lido pelo oficial público, na presença do testador e das testemunhas, ou
pelo testador, se o quis, na presença dessas e do oficial público (terceira vez
que o Código Civil alude à co-presença, art. 1.632, III) ; e) ter sido, em
seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo oficial
público (art. 1.632, IV); /) se o testador não sabia ou não podia assinar, ter
sido assinado, a rôgo do testador e, em vez dêle, por uma das testemunhas
instrumentárias (art. 1.633) ; g) se o testador era surdo, mas sabia ler, ter
sido lido por êle, ou, se não sabia ler, ter sido lido por outrem, em seu lugar,
presentes as testemunhas (art. 1.636)

Iv) se o testador era cego, ter sido lido, em alta voz, duas vêzes, uma pelo
oficial público e a outra por uma das testemunhas, designadas pelo testador
(art. 1.637).
Tais fatos, por definicão, precisam ter acontecido. são coisas diferentes ter
acontecido e ser mencionado. Se o Código Civil se tivesse satisfeito com a
só ocqrrência dos fatos, teria ficado na enumeração dos chamados requisitos
essenciais. Todavia, depois da lista dos arts. 1.632 e 1.633, que corresponde
às letras a) a f), acima apontadas, ordenou que o oficial público
especificasse cada uma dessas formalidades (menção>. Quer dizer: mandou
que dissesse ter sido escrito, no Livro de notas, de acôrdo com o ditado, ou
as declarações do testador, em presença de cinco testemunhas (art. 1.632,
1), que as testemunhas assistiram a todo o ato (art. 1.632, II), que, depois de
escrito, foi lido pelo oficial público, na presença do testador e das
testemunhas, ou pelo testador, se o quis, na presença dessas e do oficial
público (art. 1.632, III), que, em seguida à leitura, foi o ato assinado pelo
testador, pelas testemunhas e pelo oficial público (art. 1.632, IV), que, no
caso do art. 1.633, foi assinado a rOgo. A obrigação de especificar é distinta
da obrigação de portar por fé, no testamento, haverem sido observadas
tOdas as formalidades constantes do art. 1.632.

4. CONCLUSÃO. O testamento público há de ser una actu, com a presença


contínua das testemunhas, do oficial público e do testador. É regra juridica
da L. 21, § 3, D., qui testamenta facere possunt et quemadmodum
testamenta fiant, 28, 1: “Uno contextu actus testari oportet, est autem uno
contextu nuílum actum alienum testamento intermiscere: quod si aliquid
pertinens ad testamentum faciat, testamentum non vitiatur”. Deve-se testar
com um só contexto de ato. Há um só contexto de ato se não intervém ato
estranho ao testamento: se algo se fêz pertinente ao testamento, não se vicia
o testamento.

5. Voz IX> TESTADOR. Pretendeu-se introduzir no Brasil o testamento


público somente por nota escrita do testador. Não no há; não se compadece
com êle o direito brasileiro, O testador declara ou difli, isto é, fala ou lê o
que escreveu, ou entrega e declara. A sua voz é essencial. Se o testador é
mudo, ou não pode fazer de viva voz as suas declarações, não lhe
épermitido fazer testamento público (art. 1.635 do Código Civil>. Se é
surdo, sem ser mudo, dispensa-se a leitura a êle, porém não a voz dêle nem
a leitura às testemunhas (art. 1.636). Não há testamento público sem a voz
do testador.
O Supremo Tribunal Federal, na Carta testemunhável n. 7.466, a 3 de junho
de 1938, pôs côbro ao que se insinuava em pareceres e julgados, salvando a
letra do Código Civil (1?. P., 76, 32-34) : .... . é sustentada uma tese
contrária àletra do Código Civil que preceitua: “Art. 1.632. São requi altos
essenciais do testamento público: 1. Que seja escrito por oficial público em
seu Livro de notas, de acôrdo com o ditado ou as declarações do testador,
em presença das testemunhas”. O preceito exige, como requisito essencial,
que o testador dite ou declare a sua última vontade; não basta a entrega, por
êle, de simples minuta, nem o assentimento final, ou ouvir a leitura feita
pelo notário; pois isto constitui outro requisito, o IV.Assim opinou o Relator
dêste Acórdão, no seu Direito das Sucessões, 379-382, apoiado em F.
LAURENT, C. DEMOLOMBE, CLÓVIS BEvILÁQUA, ITABAIANA DE

OLrVEIRA, F. ENDEMANN, EUGÊNE CURTI-FORRER, F. RIca, O. P.


CHIRONI, E. PACIF 101- .-

MAZZoNI, AUBRY E RAU, BAUDRY-LACANTINERIE e MAURICE


COLIN, JOAQUIM AUGUSTO DE

ALMEIDA, PONTES DE MIRANDA e MANUEL DE ALMEIDA E


SOUSA. PONTES DE MIRANDA (Tratado dos Testamentos, II, 210) é
explícito: “O notário não pode limitar-se a copiar a minuta ou projeto, salvo
se o próprio testador lhe lê”. O Código Civil francês apenas fala em ditado.
Eis o seu texto: “Art. 972: Se o testamento é recebido por dois notários, êle
lhes é ditado pelo testador”. O art. 971 definira: “Testamento por ato
público é o recebido por dois notários”. Dando a inteligência do preceito
imperativo, ensinaram AUBRY e RAU e E. BARTIN

(Cours de Droit civil, 10, 5 5 ed., 644 s.) “tIe (testamento) seria nulo, se o
testador não manifestasse a sua vontade senão por meio de notas entregues
ao notário, ou, até mesmo, por um projeto que o notário se limitasse a
copiar; porém não resulta da regra exposta que o testador não possa ditar o
seu testamento, no sentido legal da palavra, lendo ao notário e às
testemunhas um projeto de testamento redigido de antemão”. C.
BEIJDANT (Des Donations entre vifs et les Testantents, j, 2a ed., 283)
manda, não só anular o testamento cuja minuta foi apenas entregue ao
tabelião, mas também responsabilizar o oficial. Como se viu, o repositório
de normas gaulesas usa uma só das expressões do brasileiro: ditado; o
italiano adota uma só, porém a segunda empregada entre nós: declarar,
fazer declaração. Eis as suas palavras: “O testador declararás ao notário,
em presença das testemunhas, a sua vontade”.

LUla BORSARI (Commentario deI Codice Civile italiano, III, § 1.688)


leciona: “De resto, não é vedado, antes precaução ótima do testador será, o
consignar aquilo que êle pretende dar a conhecer ao notário. em escrito não-
fechado, de sua própria ou de alheia mão; com a advertência, porém, de o
ler éle próprio, de modo que seja compreendido também pelas
testemunhas”. No mesmo sentido, e talvez com profligação da nulidade, em
tom mais enérgico, se nos depara a lição de NICOLA STOLFI (Diritto
civile, VI, 1236) e F. DEGNI (La Successione testamentaria, 1, 134 s.).

Infere-se do exposto que nem da palavra ditar, nem da dedorar, ou


declarações, pode o intérprete concluir que tanto se permite a manifestação
oral da última vontade, como a simpIes entrega de projeto ou minuta ao not
ário para que êsse. traslade no Livro de notas. As duas expressões,
conjugadas, redundam no estabelecido com admirável clareza pelo Código
espanhol: “Art. 679. Trata-se de testamento aberto, sempre que o testador
manifesta a sua última vontade na presença das pessoas que devem
imprimir autoridade ao ato, ficando inteiradas do que no mesmo se dispõe”.
Pouco menos trans-lúcida a linguagem do repositório brasileiro de normas
civis:

“de acôrdo com o ditado ou as declarações do testador”. O vo cábulo


ditado, inserto no texto positivo, torna evidente, como se entendeu na
França, que, na hipótese de se servir o disponente de qualquer minuta, não
basta entregá-la ao oficial; deve ditar, isto é, lê-la, em voz inteligível,
perante as testemunhas. A palavra declarações também força a exposição
oral do intento liberalizador, como se concluiu na Itália. As duas expressões
se completam, harmônicas, visando um só objetivo; não abrir margem, uma,
ao que a outra impede; ambas colimam a publicidade da manifestação, o
conhecimento das liberalidades pelas pessoas chamadas a assistir ao ato. O
testador, ou declara espontâneamente, auxiliado só pela própria memória,
as liberalidades que deseja fazer, ou dita, isto é, lê as notas, o esbOço ou a
minuta que elaborou ou mandou elaborar, para maior segurança e método
na exposição do seu derradeiro querer. Entretanto, o tribunal paulista
declarou suficiente a entrega silenciosa de um rascunho ou minuta ao
tabelião. Existe, pois, um fundamento para o remédio excepcional instituído
pelo estatuto básico”.

Já o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 4 de julho de 1933, havia seguido o


reto caminho: “O art. 1.632 do Código Civil, estabelece que, entre os
requisitos essenciais para a validade do testamento, está o de ser escrito por
oficial público em seu Livro de notas, de acOrdo com o ditado ou as
declarações do testador, em presença de cinco testemunhas. No testamento
das fôlhas..., que se pretende anular, o testador não ditou nem declarou as
respectivas disposições testamentárias. Estas, conforme consta da escritura
pública das folhas.., em confronto com os depoimentos das testemunhas do
ato, não foram feitas espontâneamente pela testadora, tendo-se o oficial
limitado a ler e copiar a minuta entregue, sem que fôsse ditada pela
testadora. Ora, a lei o exige, expressa-mente, para a validade do testamento,
e é curial que, em matéria de testamento, o texto da lei deve ser
rigorosamente entendido e estritamente interpretado” (1?. dos 7‟., 88, 177
s.). Confirmado em grau de embargos, a 1.0 de junho de 1934 (93, 159).

A 33 Câmara da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 11 de junho de


1934, tentou fixar a suficiência da entrega de minuta, sem que a lêsse o
testador (11. dos 7‟., 107, 353 s.) “Alegaram ainda os autores que o
testamento era nulo de pleno direito porque tinha sido feito com violação do
art. 1.632, 1 e III, do Código Civil, combinado com os arts. 1.634, parágrafo
único, e 1.635 do mesmo Código, visto como o testador não fizera de viva
voz as suas declarações, nem verificara pela sua leitura se elas tinham sido
fielmente exaradas naquele documento. Entretanto, o tabelião, à proporção
que escreveu o testamento, foi consignando uma por uma as formalidades
legais, que constituem os requisitos essenciais nos documentos desta
natureza, inclusive mencionou expressamente que tinha escrito as
disposições de última vontade pelo que lhe dissera o testador. ~ certo que os
autores entendem que o testador não fêz pessoal e diretamente suas
declarações, por ter dito o tabelião, em seu depoimento, que recebera do
testador as notas das declarações que deveriam ser incluidas no testamento.
Aliás o tabelião, assim depondo, acrescentou que, “nessa ocasião, o
testador, entregando a êlé depoente uma meia fôlha de papel almaço com
notas escritas a lápis, disse a êle depoente-que queria que fOsse o seu
testamento, que era para o fim de ser instituida herdeira única d. M., que
estava presente, no mesmo quarto do testador, etc.”. A Côrte de Apelação,
em sessão plena a 15 de abril de 1936, reexaminou o caso, mas o relator não
entrou no estudo das questões jurídicas resultantes da alegação, e
lacônicamente concluiu que não havia errônea interpretação da lei (1?. dos
7‟., 107, 351

s.).

No acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, datado de 14 de abril de


1931 (R. dos T., „79, 116 e 177), a ementa

vai mais longe que a sentença confirmada, lacônicamente, por êle. Diz a
ementa: “A interferência de advogado, redigindo cláusulas do testamento,
não o nulifica, uma vez que, ao transmitir-se ao tabelião as declarações do
testador, se respeitou fielmente a sua vontade, conforme afirmam as
testemunhas instrumentárias”. Pode parecer que se permite, aí, estar o
advogado a redigir parte do testamento. Não foi isso o que se julgou. O que
se decidiu foi que, fazendo o testador as suas declarações, pode consultar,
ou receber conselhos técnicos, de forma, do seu advogado, desde que isso
não passe de ajuda, e o tabelião e as testemunhas percebam que só se muda
a forma, respeitando-se fielmente a vontade do testador. O acórdão apenas
confirmou a sentença do juiz de direito de Espírito Santo do Pinhal, datada
de 14 de agOsto de 1929, e essa explicou a espécie nos seus fundamentos:

“Considerando que todas as testemunhas instrumentárias depõem que o


testador, perante o oficial público, fazia, em língua nacional, as suas
declarações de última vontade e que eram ao dito oficial público fielmente
transmitidas pelo advogado dr. Manuel de Almeida Vergueiro, o fato de
haver êste advogado redigido o testamento de acôrdo com a vontade do
testador na determinação das verbas testamentárias, não o nulifica, uma vez
que nessa redação se respeitou fielmente a vontade do testador, e isso as
testemunhas afirmam que foi feito. A própria testemunha José Avelino da
Silva, citada pelos autores em defesa da sua afirmativa de que o testador
não ditara o seu testamento, nega essa afirmação. dizendo que o testador
manifestava claramente a sua vontade e o advogado apenas auxiliava a
redação do testamento, sem desvirtuar a vontade expressa do testador;
Considerando que todas as referidas testemunhas assistiram a todo o ato do
testamento, como afirmam e o oficial público o confirma...

A Côrte de Apelação de São Paulo, a 11 de dezembro de 1936, teve de


decidir outro caso, e dissertou:

“Relativamente à alegação de não ter sido o testamento feito sob ditado do


testador, é bem de ver que essa alegação não ficou convenlentemente
provada e, assim, não pode ser aceita contra o que reza o testamento, como
ainda, em boa doutrina, consoante se pode ver nos pareceres publicados na
Revista dos Tribunais, 93, 533 e seguintes, não há inconveniente em que o
tabelião

5.932. “UNITAS ACTUS”, TESTAMENTO ABERTO -redija o ato de


acôrdo com minuta fornecida pelo testador, uma vez que, de início,
manifesta êste ser essa a sua vontade e, afinal, como ocorreu no caso, após a
leitura do testamento ao testador, perante as testemunhas, êste o confirmou”
(1?. dos T., 105, 675). O acórdão violou a lei sObre a forma testamentária e
apontou, em vez de argumentos, pareceres.

6.ASSISTÊNCIA DAS TESTEMUNHAS A TODO O ATO. O ato do


testamento público ditado, escritura, assistência testemunhal não pode ser
partido. Entende-se por partir o ato: a) Sair do lugar, em que estão, os
figurantes, porque então faltaria o pressuposto da co-presença dêles, que é
essencial. Não é sair do lugar mudarem todos de onde se acham desde que
estejam, sem discontinuYdade. Nem no é um do~ figurantes entrar no
reservado para satisfação de necessidades corporais, desde que volte logo e
sem demorar alhures e, no intervalo, não se prossiga, pois tudo que por
todos não foi presenciado não vale, e vicia.
Vicia exatamente porque interrompe, e a unita.s actua não permite
interrupções. Se o oficial público, o testador e as testemunhas se acham em
trem, ou diligência, ou outro meio de transporte, e foi preciso iniciar-se a
feitura, o que há de constar do texto, temos o testamento in itinere confecto
e a co-presença de todos faz a unidade do lugar, desde que em todo o
percurso tenha competência territonal o oficial público, ou pelo menos a
tenha onde começou e onde acabou, pelo princípio de que, in transitu, o
espaço percorrido por necessidade não conta. Seria contra direito que se
reputasse nulo o testamento que foi feito pelo oficial público durante a
viagem do testador que, partindo de lugar em que podia ser começado o
testamento, passou por lugar que escapa à competência territorial do oficial
público e chegou a outro lugar, fim da viagem, ou da descida do oficial
público, em que êsse tem competência territorial.

b) Durante descanso, ou sono do testador, ausentar-se alguma das


testemunhas, ou o oficial público, ou, para descansar ou dormir, ausentar-se
o testador. Por onde se vê que é a co-presença olhos e ouvidos em recíproca
inspecção o verdadeiro pressuposto necessário e suficiente da unitas actua e
só se tem o problema de se fixar o que é que importa quebra dessa unidade.

A unidade do testamento público não se quebra. se o testador trata uma


parte como um todo; e.g., tendo urgência de ausentar-se, êle, alguma
testemunha ou o oficial público, resolve-se encerrar o ato do testamento
público com a menção de que será continuado, desde que assinem todos
com todas as mais formalidades. O outro testamento deve dizer que
completa o primeiro, sob pena de serem tidas como revogadas as
disposições do primeiro que se não compadecerem com as do segundo; e
assim por diante.

Pode ter-se apagado a luz ou ter havido qualquer incidente que haja obstado
a vista de cada um dos figurantes ou a audição de qualquer dêles no tocante
ao testador, ao oficial público, ou a qualquer testemunha. Quid juris?

Em texto de ULPIANO está a exigência clarissima de permanecerem co-


presentes juntas as testemunhas e o testador: “Et veteres putaverunt eos, qul
propter solemnia testa-menti adhibentur, durare debere, donec suprema
contestatio peragatur” (L. 20, § 8, O., qul testamenta facere possunt et
quemadmodum testamenta fian,t, 28, 1). Em vernáculo: “E os antigos
opinaram que os convocados para as solenidades de um testamento devem
permanecer até que se últime a declaração suprema”.

Devem permanecer... Testemunhas não se afastam, porque, na ausência


delas, fraudes e coação podem ocorrer.

“Ourare debere”, lê-se no Digesto. “Que as testemunhas assistam a todo o


ato”, encontra-se no Código Civil, art.

1.632, II, depois de se já haver estabelecido que o ditado ou as declarações


têm de ser em presença de cinco testemunhas (art. 1.632, 1). CHR. FRIED.
VON GIJtYCK traduziu o pressuposto pelas expressões: “Das
Beisammenbleiben der Zeugen und des Testierers”. Bíeibeu, ficar,
permanecer; beisammen, agregados, juntos, retinidos. E temos: o ficarem
juntos, reUnidos, testemunhas e testador, até que se ultime o testamento.

Também o Código Civil brasileiro o disse e redisse (artigo 1.632, 1 e II).

Estamos, por bem dizer, no âmago do nosso assunto: a imitas actua. Não
que a unidade do ato só se refira à co-presença das testemunhas. A co-
presença é de todos os figurantes:

testador, oficial público, testemunhas. Se o testador é surdo, e não sabe ler o


testamento, aquele que, designado por êle, o lê, não precisa ter estado
presente a todo o ato. Note-se a dif erença entre os arts. 1.636 e 1.637.

Quem quer que leia o Código Civil logo percebe que o legislador exige a
co-presença dos figurantes, sem exceção.

Conhece-se, porém, descaida, aqui e ali, dos tribunais. Descaída que, mais
cedo ou mais tarde, o Supremo Tribunal Federal teve de corrigir, como
corrigiu outro imperdoável vício, que se ia arraigando, o de se lavrarem
testamentos públicos mediante minutas.
Examinemos a jurisprudência, para bem precisarmos os limites de
afastamento, de vista e de audição. De comêço, frisemos que as expressões
“em presença de cinco testemunhas” (art. 1.632, 1), “na presença do
testador e das testemunhas”, “na presença destas e do oficial” (art. 1.632,
III), “presentes as testemunhas” (art. 1.636), não são obrigatórias. Basta que
se diga “perante as testemunhas”, “estando juntos, no mesmo quarto,
testador, oficial público e testemunhas”, etc. Já dissemos que se trata de fato
e de menção. Além disso, tem o oficial público de portar por fé que todas as
formalidades foram observadas e a co-presença das testemunhas é uma
dessas formalidades.

O acórdão da Côrte3e Apelação de São Paulo, de 31 de julho de 1935, foi


longo e preciso (1?. dos T., 99, 182 s.) :

“Em suas razões de apelação, adstringe-se a apelante a averbar de nulo o


testamento, sob a arguição de que lhe falece um dos requisitos essenciais à
sua validade, segundo o disposto no art. 1.632 do Código Civil, ou seja a
declaração expressa de que as testemunhas assistiram a todo o ato de sua
fação, desde as primeiras palavras do testador até a sua assinatura. Não tem
razão a apelante. O exame atento da cédula testamentária convence de que
tOdas as exigências legais foram rigorosa-mente satisfeitas. No tocante à
presença das testemunhas, apura-se, com efeito, do próprio testamento que,
no cartório do tabelião, compareceu o testador, cuja qualificação é feita e
cuja identidade é atestada, não só pelo notário senão também pelas cinco
testemunhas, “especialmente convocadas para o ato”. Em seguida, enuncia
a escritura, “perante essas testemunhas”, vale dizer na presença dessas
testemunhas, fêz

§ 5.982. “UNITAS ACTUS”, TESTAMENTO ABERTO o testador as suas


declarações de última vontade. E, uma vez terminadas as suas declarações,
que o testamento consigna terem sido feitas na presença das cinco
mencionadas testemunhas, passa a lê-las o tabelião, perante o testador e
perante as testemunhas, conforme expressamente o afirma, entrando a
declinar-lhes os nomes. E, para arrematar, após haver mencionado, no corpo
do instrumento, a prática de atos que correspondem às formalidades
estabelecidas no citado art. 1.632 do Código Civil, o tabelião, antes de
encerrar o testamento, deixou expresso que todas as referidas formalidades
foram praticadas em seguida, isto é, sem interrupção, ou discontinuídade, o
que importa dizer: o testador compareceu; convocadas, também
compareceram as testemunhas; na presença delas, exprimiu o testador os
seus derradeiros desejos; procedeu-se à leitura do testamento, perante o
testador e as testenunhas aludidas, o que, feito, aceitou o testador a
escritura, por achá-la conforme à sua intenção, passando a assiná-la com o
tabelião e as testemunhas. O

que tudo o notário portou por fé”.

Às vêzes, ao folhear-se a jurisprudência, se nos deparam acórdãos que


denunciam a vontade dos juizes de arrebentar o sistema formal do Código
Civil brasileiro, esquecendo-lhes a letra clara, insofismável, dos textos e
deixando-se levar pelo prurido de imitação de direitos estrangeiros que nada
têm com a lei elaborada em 1916, ou, sequer, com a tradição do sistema.
Nada mais grave do que, não encontrando o juiz a prova do fato e sendo
isso bastante para a sua decisão, ir resolver questões téticas, como se lhe
coubesse estar a doutrinar sôbre pontos que não estão sujeitos à sua
cognição, à aemelhança dos professôres que expõem o estado atual de um
problema doutrinário e terminam por apresentar o seu parecer.

O Tribunal de Apelação de São Paulo, a 8 de abril de 1988, decidiu (ti. dos


T., 113, 113-116) : “Pondera-se ainda que o testamento foi lavrado em sala
contígua de onde a testadora não podia ver nem ouvir o que se passava. Não
é exato. As testemunhas demonstraram o contrário, isto é, que a testadora
do seu leito podia tudo ver e ouvir. Aliás, nulo não seria, na hipótese, o
testamento, mesmo que as coisas se houvessem passado de maneira diversa,
pois o que se teria dado seria o seguinte: o tabelião, após ouvir a declaração
da testadora, em‟ presença das testemunhas, teria ido redigir o testamento
em sala anexa, de onde voltou, depois de redigido, para lê-lo àtestadora, em
presença das testemunhas. Tratando-se de disposição única, muito simples,
seria excesso de formalismo anular-se o ato, pois a presença ininterrupta de
todos visa não só a unidade do contexto como impedir que os interessados,
sabedores das disposições, intervenham para modificá-las. Na espécie, nem
se interrompeu o contexto, nem seria possível intervenção estranha. O que
figuramos, para argumentar, éprecisamente o fato constante da decisão
citada por CÂNDIDO DE OLIVEIRA FILHO, Prática Civil, 11, 231, n.
511. Cf. também Revista dos Tribunais, 53, 380”.

A tese pareceu fraca ao próprio relator do acórdão, que se sentiu obrigado a


responder a CARLOS

MAxIMILTANO: “CARvos MAxIMILIANO (Direito das Sucessões, 1,


431) acha lícito ocuparem o tabelião e testemunhas uma peça contígua; mas
acrescenta ser indispensável possam ver e ouvir o testador. Naturalmente
que isso é de absoluta necessidade, se o testador estiver ditando a sua
vontade à medida que fôr sendo redigida. Não parece, entretanto, que a
impossibilidade de ouvir (a única que, na mais favorável das hipóteses, teria
ocorrido no caso em julgamento) baste para anular o testaniento, que
constava de uma única verba, já ouvida pelo tabehão da testadora em
presença das testemunhas, minutos antes de iniciar a redação do testamento.
Do lugar onde se achavam o tabelião e as testemunhas, êles podiam ver a
testadora e ser vistos por ela; e mesmo, como disseram, a audição recíproca
seria possível, ao que se infere da prova”.

O julgado do Tribunal de Apelação de São Paulo decidiu o que não tinha de


decidir e decidiu mal, contra a letra da lei. Depois de decidir, verificou que
o trecho de CARLOS MAxIMILIANO estava a esmagar as suas palavras e
sentiu ser fraca a situação jurídica da sua tese. Pelo trecho do julgado,
acima transcrito, em resposta a CARLOS

MAxIMILIANO, bem se vê que o acôrdão acaba por destruir aquilo que


disse: admitira a redação em sala anexa, para posterior leitura ao testador,
mas defendera que, do lugar onde se achavam o tabelião e as testemunhas,
todos podiam ver a testadora e ser vistos por ela e que a audição recíproca
seria possível, ao que se inferia da prova.

Seja como fôr, não pode firmar jurisprudência a decisão. de 8 de abril de


1938 senão para assentar que, sendo contíguas as salas, havendo visão e
audição recíprocas, quebrada não fica a exigência da co-presença dos
figurantes. No mais, sôbre ter resolvido tese que não mais estava em causa,
o acórdão viola o texto legal, suficientemente explícito. Falar contra
excesso de formalismo, em matéria de testamento público, édesconhecer
que o legislador acolheu, aí, o máximo de formalismo que se encontra no
Código Civil.

7. “UNITAs LOCI”. Uma das conseqUências de não ser preciso caber no


mesmo dia o ato testamentário é a de poder o oficial público começar de
apanhar o ditado ou as declarações do testador, atravessando a meia-noite.
Dirá a hora em que foi chamado, o momento em que principiou a escrever o
testamento público e o momento em que findou. Se, no inicio, falou do dia
x, sem prever o tempo que levaria para ultimar a escritura pública de última
vontade e passou ao outro dia, no fecho dirá o que ocorreu e a razão de ser
diferente a data no encerramento.

Temos, agora, de atender a problema que assumiu, no Brasil, importância


capital: o do espaço ocupado pelo testador, pelo oficial público e pelas
testemunhas. É a unitas loci que se apresenta a exame.

Preliminarmente, evitemos confusão entre o caso do testamento público em


que o testador está dentro do nicho, ou em cama com docel, ou por trás de
biombo, ou paravento, e o caso da existência de dois compartimentos, num
dos quais se ache o testador, ou êle e alguns dos outros figurantes estejam,
ficando os demais no outro.

Aqui, sOmente havemos de tratar da multiplicidade de quartos, ou salas, ou


outros lugares em que se divida a casa ou o acampamento.

Três hipóteses precisam ser consideradas:

a) O compartimento em que se acha o testador é principal em relação àquele


em que se acham o oficial público e as testemunhas, ou sOmente algum
dêsses figurantes.

b) O compartimento em que se acha o testador é acessório em relação


àquele em que se acham o oficial público e as testemunhas, ou somente
algum dêsses figurantes.
c) O compartimento em que se acha o testador é independente em relação
àquele em que se acham ooficial público e as testemunhas, ou somente
algum dêsses figurantes.

Quanto à hipótese a), a regra é a de que o testador, o oficial público e as


testemunhas se vêem e se ouvem uns aos outros. Dá-se isso quando o lugar
de dormida, ou da casa de saúde, compõe-se de duas ou mais partes, ligadas
por arco, ou apenas separadas por colunas, ou só distintas por diferença de
nível, ou largura., ou altura. Se o oficial público e as testemunhas vêem e
ouvem o testador, que os vê e ouve, ou somente os vê (art. 1.636), por ser
surdo, ou somente os ouve (artigo 1.637), por ser cego, o que deve constar
da escritura pública do testamento, não é nulo o testamento. Ajiter, se
dif‟icilmente ocorreriam visão e audição.

Às vêzes, o lugar acessório não permite a continuidade da audição, ou,


mesmo, a audição suficiente, ou impede a visão, como acontece se há
espêssa cortina. Então, é nulo o testamento. Por outro lado, não basta que
pudessem ver e ouvir: e preciso que as testemunhas tenham assistido a todo
o ato, e assistir a todo o ato é assistir ao ditado ou às declarações do
testador, que o oficial público vai escrevendo, à leitura segundo o art. 1.632,
III, ou segundo o art.

1.636, ou segundo o art. 1.637, e à assinatura por todos os figurantes.

Quanto a hipótese b), a solução não é diferente da que se deu para a


hipótese a). Quer se ache na parte principal, quer na parte acessória o
testador, é preciso que o oficial público e as testemunhas vejam e ouçam o
testador, e êsse os veja e ouça, ou somente os veja (art. 1.636), por ser
surdo, ou somente os ouça (art. 1.637), por ser cego, o que deve constar da
escritura pública do testamento. Se tal não se dá, nulo é o testamento.
Também aqui a espêssa cortina, ou o docel demasiado fechado, ou alguma
particularidade de construção, ou composição, pode impedir a visão ou a
audição suficiente. A assistência a todo o ato significa assistência ao ditado
ou às declarações do testador, que o oficial vai escrevendo, à leitura
segundo o art. 1.632, III, ou segundo o art. 1.636, ou segundo o art.
1.637, e à assinatura por todos os figurantes.

Quanto a hipótese c), é pouco provável que haja audição e visão suficientes
se os dois compartimentos são independentes. A excepcionalidade obriga os
réus, na ação de nulidade do testamento, a darem prova de que eram
perfeitas visão e audição.

Se, em se tratando das hipóteses a) e b), pode o juiz achar que a falta de
menção da circunstância não invalida o testamento, por se tomar por um só
o compartimento dividido em dois, um dos quais acessório e o outro
principal, de modo nenhum se justificaria que, sendo independentes os
compartimentos, de tal circunstância não se cogitasse na escritura pública
do testamento. Não podem estar co-presentes pessoas que se acham em
compartimentos diversos. A porta aberta, a janela intercalar, nada disso
assegura visibilidade e audição que o direito testamentário considere
compatíveis com a solenidade do testamento público. Invoca-se o acórdão
do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 10 de março de 1925, como
permissivo de redação fora do quarto do testador, de acôrdo com as notas
ditadas, mas o acórdão não diz isso: di-lo a noticia da Revista dos Tribunais,
53, 380. O julgado é lacônico, afirma que foram observadas as formalidades
do art. 1.632, e nada mais. Foi confirmado em embargos, precedido de
idêntica explicação da Revista, mas igualmente lacônico, sem valor de
jurisprudência, o nôvo acórdão (1.0 de fevereiro de 1928, II. dos T., 65, 406
s.).

Se o tabelião não vê o testador, ao escrever o testamento, ou se escreve o


testamento fora do quarto em que está o testador, sem o ver, ou sem o ouvir,
sob pretexto de que já o ouviu e tomou as suas notas, ou as notas que lhe
dera o testador, o testamento é nulo, e nenhuma prova se pode dar que o
salve. Se, durante a feitura, fora das vistas do testador, algum advogado ou
pessoa não-figurante aconselha, ou conversa com o oficial público, que vai
escrevendo o testamento, nulo é, com abundantes nulidades, o testamento.
Mais se agrava a situação quando as testemunhas não estão presentes, por
passearem noutros quartos, ou se entreterem em conversa.
Algumas vêzes, ouvimos a testemunhas, em ações de nulidade de
testamento, que não precisavam ficar perto, ou estar atentas, ou procurar
ouvir o que dizia o testador, por conf iarem no oficial público, de honra
ilibada, ou nas outras testemunhas, ou, até, nos parentes contemplados no
testamento. Tais testemunhas são inidôneas, quebraram a unitas actus. Não
fica ao critério delas a apreciação da honra do tabelião ou das outras
testemunhas, ou dos herdeiros. Quanto ao oficial público, o Estado que o
nomeou, submete-o, na feitura do testamento, à observância de
formalidades que vão além das formalidades exigidas às escrituras públicas.
Não se satisfaz com a fé, que êle tem, a despeito dos critérios adotados para
o provimento dos cargos. Ordena-lhe que vigie a feitura do testamento, que
não faça testamentos sem os requisitos essenciais dos arts. 1.632, 1.633 e
1.635-1.637. Ainda mais: que mencione êsses requisitos e porte por fé
terem sido observados. Se algum falta ou se não se menciona, nulo é o
testamento, e responde êle civil e criminalmente.

Uma vez que a co-presença tem por fito assegurar a liberdade de testar, a
autenticidade da procedência do ditado ou das declarações e a continuidade
do querer do testador, pela confirmação do testador, ao lhe ser lido o
testamento, não se compreende que o juiz opte pela validade da cédula se o
oficial público permitiu que o testador ficasse num quarto e algum ou
alguns dos outros figurantes noutro quarto. Se entre o quarto em que se
acha o testador e aquele em que êsse ou êsses figurantes se encontram, ou a
cada momento vão, interrompendo, assim, a unitas actus, medeia outro
quarto, terraço, pérgula, varanda, sacada, ,„iall, jardim-de-inverno, ou outro
lugar de serventia, seria conspirar contra a letra da lei e contra o direito
brasileiro, em sua sistemática, pretender-se que valha a cédula testamentária
em que o testador e algum ou alguns dos figurantes ficaram separados.

Durante o tempo em que o testador dita o seu testamento, ou faz as


declarações testamentárias, é preciso que se achem co-presentes oficial
público, testador e as cinco testemunhas. O direito brasileiro não conhece
tomada de notas pelo oficial público, para lavrar, depois, aí mesmo ou
alhures, o testamento. Testamento que foi ditado ou declarado pelo testador,
passando o tabelião a outro cômodo, para escrevê-lo, é nulo. Tal nulidade
não teria a escritura pública comum, porque não se exige que o tabelião
colha, auditivamente, o que, “de viva voz”, diz ~0

outorgante, ao passo que, além do que está escrito no artigo 1.632, 1 (“que
seja escrito por oficial público em seu Livro de notas, de acôrdo com o
ditado ou as declarações do testador, em presença de cinco testemunhas”),
se lê, no Código Civil, art. 1.635: “Considera-se habilitado a testar
públicamente aquele que puder fazer de viva voz as suas declarações, e
verificar, pela sua leitura, haverem sido fielmente exaradas”.

8. LEITURA CO-PRESENCIADA. Durante a leitura, têm de estar co-


presentes testador, oficial público e testemunhas. No caso do art. 1.636, há
outro figurante: o ledor designado pelo testador inteiramente surdo, que não
sabe ler. No caso do art. 1.637, por ser cego o testador, há duas leituras:
uma, pelo oficial; e outra, por uma das testemunhas, designadas pelo
testador. Também aqui todos devem estar co-presentes, quer durante a
primeira, quer durante a segunda leitura.

Tudo que antes dissemos, a respeito dos compartimentos, tem aplicação à


leitura. Se há dois compartimentos, um dos quais acessório, a audição e a
visão recíprocas são indispensáveis, previstas pela lei a hipótese do art.
1.636

(testador inteiramente surdo) e a do art. 1.637 (testador cego). Nulo seria,


fora de qualquer dúvida, o testamento lido quando umas testemunhas se
achavam em compartimento independente, ou só o testador num dos
compartimentos, ou qualquer que fôsse a distribuição dos figurantes.

Se algum fato obriga o ledor a interromper a leitura, desde que as


testemunhas continuem presentes e não se afastem testador e oficial
público, nada obsta a que se prossiga na leitura, salvo se com isso se
perturbou o entendimento das declarações por parte do testador ou das
testemunhas, ou de alguma delas. Se houve perturbação na leitura, sem
ausência de algum dos figurantes, mas prejudicada ficou a inteligência da
escritura, aconselhável é que se narre o acontecido, sendo de notar-se que a
leitura perturbada, entendendo-se como tal a que escapou a alguma das
testemunhas, ou ao testador, .cu ao oficial público, não é leitura, e dá-se a
falta de um dos requisitos essenciais, o que determina a nulidade do
testamento (arts. 1.632, IV, e 1.634, parágrafo único).

9. ASSINATURAS. Assinam o testamento, em seguida à leitura, isto é,


imediatamente após a terminação da leitura, o testador, as testemunhas e o
oficial público (art. 1.632, IV).

Nenhum tempo pode passar, entre a leitura e as assinaturas, que não seja o
estritamente necessário para os atos tendentes à formalidade final (abertura
do Livro diante do testador, que se acha na cama, ou procura de melhor
posição para assinar, preparativo de caneta para os figurantes, etc.).

Se algum fato impede a assinatura imediata, e.g., grande estampido, ou


acesso de tosse do testador, deve proceder-se ànova leitura. O estampido
pode causar pânico que permita a substituição do Livro de notas, ou a
abertura noutro lugar que aquele em que se acha o testamento lido. Foi
pensando em tais circunstâncias que o legislador cercou de cautelas
formais, e tantas, a feitura do ato testamentário quando perante tabelião.

Seria absurdo que o testador ouvisse numa sala a leitura do testamento e


passasse a outra sala para assiná-lo.

Tudo que acima se disse sôbre a assinatura do testador vale quanto às


assinaturas das testemunhas e do oficial público.

Se fica provado que uma testemunha assinou o testamento fora do cartório,


ou do lugar do ato do testamento, se foi feito fora do cartório, é nulo o
testamento (Tribunal de Justiça de São Paulo, 15 de agôsto de 1924). Disse
a 12. dos T. (51, 205 s.) : “Ficou assim exuberantemente provada a
preterição das formalidades do art. 1.632 do Código Civil, que exige não
só-mente a assinatura de cinco testemúnhas, como também que elas
assistam a todo o ato, vendo e ouvindo o testador ditar as suas declarações,
sendo ainda necessário que, depois de escrito, seja o documento lido pelo
oficial na presença do testador e das testemunhas, ou pelo testador na
presença destas e do oficial, e em seguida assinado pelo testador,
testemunhas e oficial”. A 14 de abril de 1925, em grau de embargos, foi
claro o Tribunal (12. dos T., 54, 355 s.) : “. . . considerando que, segundo o
disposto no art. 1.632 do Código Civil, constituem requisitos essenciais do
testamento público: a) que as testemunhas assistam a todo o ato; b) que,
depois de escrito o testamento, seja lido pelo oficial, na presença do
testador e das testemunhas, ou pelo testador, se o quiser, na presença destas
e do oficial; e) que, em seguida à leitura, seja o ato assinado pelo testador,
pelas testemunhas e pelo oficial; considerando que essas formalidades,
garantidoras da veracidade do testamento, são impreteríveis, acarretando a
sua inobservância a nulidade do ato; considerando que essa inobservância,
embora o oficial público haja portado por fé que as formalidades foram
cumpridas, pode ser provada por testemunhas, sem se excetuarem as
instrumentárias, e pelo depoImento do mesmo oficial; considerando que, no
caso em lide, a prova é positiva, concluindo-se dela, com tôda certeza, que
não foram respeitados os preceitos do art. 1.632 do Código Civil;
considerando que, de harmonia com êsses princípios, bem decidiu a
sentença da fôlha ..., confirmada pelo acórdão embargado, resolve rejeitar
os embargos e manter as decisões proferidas”.

O último a assinar é o oficial público. É responsável civil e criminalmente


se alguma das exigências essenciais deixou de ser satisfeita, declarando-se
nulo, por ocasião do pedido de cumpra-se, ou em ação própria de nulidade,
o testamento; e, com a assinatura,, empenhada fica a lides publica e
empenhada a sua garantia da perfeição do ato, ainda que não tenha portado
por fé terem sido observadas as formalidades a que se refere os arts. 1.632 e
1.633.

Se o testador não sabe ou não pode assinar, o oficial público tem de declará-
lo, asinando pelo testador, e a seu rôgo, uma das testemunhas
instrumentárias (art. 1.633). Se assina a rôgo uma das testemunhas sem que,
no texto do testamento, o oficial público declare a ocorrência, é nulo o
testamento. Se consta do texto que uma testemunha assina pelo testador,
mas, ao assinar, a testemunha só o faz como testemunha, isto é, se‟ não
apôe a expressao a rogo”, ou outra que a valha, é nulo o testamento.

10.MENÇÃO OU ESPECIFICAÇÀO. As formalidades dos arts. 1.632 e


1.633 têm de ser especificadas, isto é, mencionadas de per si. Para que tal
exigência se haja por satisfeitar é mister que, narrando o que se passou, a
elas se refira o texto do testamento público.

As expressões “perante mim compareceu F., que ditou (ou fêz as suas
declarações), testando” e o fato de achar-se o testamento no Livro de notas
bastam como especificação do artigo 1.632, 1, desde que se diga que
estavam presentes as cinco testemunhas.

A narração da assistência “a todo o ato” oferece algumas dificuldades.

Problema 1. Se se diz que as testemunhas assistiram àdeclaração ou ao


ditado e à escrita, que assistiram depois, àleitura, e, finalmente, às
assinaturas, j,é essencial dizer-se que assistiram a “todo o ato”? Ora, se
assistiram (e se se afirma) a todos êsses atos, a tudo assistiram. O mesmo é
contar-se por partes que se contar em geral, desde que se narre em todas as
partes e se consigne a co-presença.

Problema II. Assistir é estar presente; assistiu a todo o ato quem se retirou
da casa, ou do apartamento, ou do quarto? Tal problema será adiante
tratado.

Porque não basta que o oficial público declare, em geral, terem sido
observadas as formalidades dos arts. 1.632 e 1.633, „sendo preciso
mencioná-las uma por uma, é nulo o testamento em que se não diz ter sido
lido de acôrdo com o art. 1.632, III, ou de acôrdo com o art. 1.636, ou de
acôrdo com o artigo 1.637. A lei, conforme veremos, somente anui em
declaração em têrmos gerais quanto ao porte por fé, e não quanto à parte
„narrativa do testamento:‟ Quando o fato consta do testamento, como a
assinatura do testador, ou das testemunhas, não se dispensa a menção pelo
oficial. Assim, se, do texto escrito pelo oficial, não consta que o testador
assinou, mas está, efetivamente, assinado pelo testador o testamento, nem
vale êste, nem se exime da responsabilidade, o oficial que deixou de
mencionar o fato da assinatura.

11.PORTE POR FI. Conforme por vêzes temos mostrado e aparece, nítido,
no art. 1.634, a especificação das formalidades ou requisitos essenciais
(nos casos ordinários, os do art. 1.632; não sabendo ou não podendo ler o
testador, êsses e os do art. 1.633; se inteiramente surdo, êsses e os do art.
1.636; sendo cego, êsses e os do art.

1.637) e o porte por fé de terem sido observadas tódas as formalidades são


exigências distintas. Se o oficial porta por fé terem sido obedecidas, mas
não as especificou, é nulo o testamento e responde civil e criminalimente o
oficial. Se as especificou, esquecendo-se de portar por fé a observância,
ainda que em têrmos gerais, nulo é, e tem de responder o oficial. Pode haver
especificação sem haver porte por fé; pode haver porte por fé sem ter
havido especificação. Num e noutro caso, a nulidade ressalta.

A confusão entre a menção e o porte por fé tem sido causa de grandes erros
judiciários, que acabam por ser corrigidos nas instâncias superiores. Não
raro, os repertórios, os ementários e alguns livros incidem no êrro, e o que é
pior atribuem a certos acórdãos soluções erradas que dêles não constam.
Uma das vitimas é o acórdão da Côrte de Apelação do Estado de Alagoas,
datado de 5 de abril de 1935. Atribui--se-lhe ter decidido que o porte por fé
há de conter alusão a cada uma das formalidades. Ora, em tal julgado foi
declarado nulo o testamento público em exame, por ser nulo todo o
testamento de cujo instrumento “não consta que as testemunhas assistiram a
todo o ato, nem é especificada esta formalidade, bem assim quando não se
especifica, nem se menciona que o testamento foi lido perante o testador, e
as testemunhas simultâneamente”. Citam-se, ainda, aí, dois outros acórdãos,
um, de 26

de janeiro de 1924, e outro, de 27 de janeiro de 1933. Mas ~,que foi que se


decidiu no acórdão de 1935? Que é preciso terem assistido as testemunhas a
todo o ato e mencionar-se isso. Noutros térmos: fato e menção dêle.

Outrossim, que é de mister menção do fato da leitura perante as


testemunhas. Não se discutiu a questão de ser preciso que a fides do
tabelião (ao portar por fé a observância do art. 1.632 do Código Civil) se
refira a cada uma das formalidades ou a todas em alusão geral.

A parte narrativa é que há de conter as especificações. Não é cogente que o


porte por fé também especifique. O
porte por fé pode ser geral. A jurisprudência já se firmou nesse sentido. O
que é de lamentar-se é que tal interpretação, que écerta, das exigências
relativas ao porte por fé, tenha concorrido para erros de juizes inexperientes
que pretenderam levar a suficiência dos têrmos gerais para o terreno da
especificação das formalidades. E é de admirar que se pense em têrmos
gerais quando a lei fala de especificação: especificar e falar em têrmos
gerais são coisas diversas.

No fôro de Minas Gerais, alegou-se nulidade de testamento porque o


tabelião não havia declarado, portando por fé, que as testemunhas
assistiram a todo ato (Código Civil, art. 1.632, II). A Câmara Civel do
Tribunal da Relação, a 14 de junho de 1919, deu provimento à apelação
para julgar improcedente a ação (1?. de D., 56, 197 5.; 1?. F., 32, 156;
confirmação em embargos, a 19 de junho de 1920, 34, 157), pois, havendo
o tabelião mifideado os momentos e dito que presentes se achavam as
testemunhas, implicitamente portou por fé a observância do art. 1.632, II:
“A forma solene do testamento público, mantida pelo Código Civil e
definida no Livro IV, Título III, Cap. III, seção 23, é, quanto aos requisitos,
a mesma prescrita pelo direito filipino, que também exigia, entre outras
solenidades, que estivessem presentes em todos os momentos do ato cinco
testemunhas idôneas e que o escrivão certificasse específicadamente a
observância dêsse requisito e dos outros, substanciais para a validade do
instrumento (Ordenação do Livro IV, Título 80, pr.; CARLOS DE
CARVALHO, Nova Consolidação, art. 1.760). Na espécie, consta que foi
rigorosamente satisfeita a exigência legal no tocante ao requisito que se diz
omitido. O oficial, na parte enunciativa da escritura, declara que, ao
acercar-se do testador para redigir o ato, eram presentes as cinco
testemunhas instrumentárias, verbis: “aí, perante mim, tabelião, e as cinco
testemunhas idôneas, adiante nomeadas e assinadas, estava Manuel
flonório de Paula Mota” (o testa-dor), etc.; e, antes de entrar na parte
dispositiva da nota, ajunta que, perante as mesmas testemunhas, o testador,
depois de qualificado, fêz as suas disposições de última vontade, verbis: “e
por êle foi dito, perante mim tabelião e as referidas testemunhas, que faz o
seu testamento e declara a sua última vontade pela maneira seguinte” e, ao
rematar essa parte principal, reitera a atestação de que o de cuins disse as
suas disposições em presença das cinco testemunhas, verbis: “Assim o
disse, sendo testemunhas presentes F., F., F., F., F.” E concluiu a nota
dizendo que essas testemunhas, que foram especialmente convocadas para o
ato, assinam a diposição que foi escrita e lida em presença delas, verbis:
“as quais assinam comigo esta disposição depois de escrita e lida por mim
em alta voz na presença das mesmas”. Aí está, pois, expressa-mente notada
a presença das testemunhas em todos os momentos do ato, a saber: a) no
antelóquio, ao defrontar o oficial com o testador, antes de encetar êsse o
ditado das suas disposições; b) na parte disposítiva, ao fazer o testador as
suas declarações; e) no remate dessa parte; e finalmente d) na conclusao do
instrumento que se declara ter sido escrito e lido‟ perante elas. É o quantum
satis. Fôra difícil especificar de‟ modo mais cabal a observância da
exigência legal, O que o artigo 1.634 determina é a menção individuada dos
requisitos do ato. Incorreria em contravenção a êsse artigo o testamento
que, por exemplo, se dissesse, em globo, sem especificações~ que tinham
sido observados todos os requisitos essenciais do ato. Mas na espécie não
foi o que se deu: houve, ao revés, a notação, de um a um, de todos êsses
requisitos, inclusive êsse, que se diz ter sido omitido”.

Da leitura do acórdão tira-se que foram especificadas as formalidades do


art. 1.632 do Código Civil, e satisfaz à lei a especificação implícita se
referente ao requisito do art. 1.632, II (“Que as testemunhas assistam a todo
o ato”), pois, se não houve interrupção e assistiram ao ditado ou às
declarações, àescrita e à leitura, bem co mo à assinatura, a tudo assistiram.
O porte por fé foi, ao que parece, em têrmos gerais.

A Câmara Cível do Tribunal da Relação de Minas Gerais a 2 de maio de


1923, teve de pronunciar-se sôbre testamento público em que os requisitos
do art. 1.632 foram satisfeitos e o tabelião certificou terem sido observados.
A despeito da má redação do acórdão e da ementa malfeita, o que se tinha
dc decidir e se decidiu foi a questão de bastar, ou não, o porte por fé em
têrmos gerais. O Tribunal resolveu-a no sentido de‟ não ser preciso
enumeraremse, de nôvo, os requisitos do artigo 1.632, ser suficiente portar
por fé o tabelião terem sido. observadas (1?. 77., 41, 96 s.) : “O traslado
exibido deixa patente que o testamento foi escrito por um oficial público, o
escrivão de paz do distrito da Boa-Vista, no seu Livro de notas;; que a
testadora fêz suas declarações em presença de cinco testesmunhas; e que,
depois de inseridas no testamento, foram lidas em voz alta pelo oficial à
testadora, e, afinal, “depois de todas as formalidades legais”, assinadas pela
testadora, testemunhas e notário público. Se está especificada no
instrumento cada uma das formalidades enumeradas no art. 1.632 do
Código Civil, as únicas essenciais ao testamento público, e se o tabelião
ainda fechou a escritura com o certificado de que ile observaram todos os
requisitos legais, forçoso é considerar-se o testamento sem vícios na sua
forma, de acôrdo com a jurisprudência pacifica da Câmara e a melhor
doutrina, certo que na espécie foi observado o art. 1.634 do Código Civil,
que, se exige a menção individuada dos requisitos legais, não o faz sob
forma sacramental de que êles foram guardados”. O Tribunal não reputou
dispensável o portar-se por fé terem sido observadas as formalidades do art.

1.632, nem no poderia fazer; apenas se pronunciou pela suficiência da


referência geral (e.g., “todas as exigências legais”).

Diante de testamento em que constava ter sido lido ao testador e às


testemunhas, mas sem que, no portar-se por fé a observância, se repetisse
isso, a Câmara Cível do Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 25 de abril
de 1925, achou que não há forma sacramental para menção no porte por fé:
“t cerLo que, entre os requisitos essenciais do testamento público, se
encontram o do art. 1.632, III, que recomenda que o testamento, depois de
escrito, seja lido pelo oficial, na presença do testador e das testemunhas, e
do art. 1.634, que impõe ao oficial a obrigação de especificar cada uma das
formalidades. portando por fé, no testamento, haverem sido todas observa.
das; mas se, no testamento em lide, está expresso textualmente: e depois de
escrito e de lhe ser éste lido por mim em voz alta e por ela testadora
outorgado e aprovado, vai assinado de seu próprio punho, com as
testemunhas a tudo presentes, é evidente que foi observada essa
formalidade, ao lado das outras, certo que o Código Civil não tem forma
sacramental na men-çáo dos requisitos legais, conforme já decidiu a
Câmara, no Agravo n. 2.153”. Ç pena que do acórdão, ou, pelo menos, da
sua publicação (E. 77., 45, 105 s., e 46, 505), não conste o teor do porte por
fé e seja obscuro o final do julgado. Parece que se discutia a necessidade,
ou não, de repetir-se, na certidão, a referência a cada um dos requisitos, a
questão de bastarem, eu não, as expressões gerais. Mas uma coisa é a
menção, na narrativa, e outra a menção no portar-se por fé a observância.
Ora, o final do acórdão diz: “certo que o Código Civil não tem forma
sacramental na menção dos requisitos legais”, em vez de dizer: “certo que o
Código Civil não tem forma sacramental, nem exigência de especificação
no porte por fé”. Porque a especificação na narrativa é essencial e o próprio
acórdão o reconhece.

De outra feita, reproduziu-se a espécie: requisitos observados e apontados;


porte por fé sem referência especial a cada um (Câmara Cível do Tribunal
da Relação de Minas Gerais, 24 de setembro de 1927) : “O fundamento do
pedido é, segundo alegam os autores, a inobservância dos arts. 1.632, II, e
1.634, pois o oficial público não portou por fé que as testemunhas
chamadas estivessem presentes a todo o ato e não especificou cada uma das
formalidades exigidas no art. 1.632, que foram observadas, assim também
portando por fé, como prescreve o citado art. 1.634”.

O porte por fé em têrmos gerais foi reconhecido pela 5a Câmara da Côrte


de Apelação de São Paulo, a 25 de setembro de 1935 (E. dos T., 108, 123 s.)
: “No testamento em exame foram cumpridos todos os preceitos legais,
especificados pelo art. 1.632 do Código Civil, não havendo pois
necessidade, nem o Código o requere, de ser reiterada cada uma das
formalidades, especificadamente, pelo oficial público; é bastante que
reafirme, com a sua fé pública, haverem sido praticadas as solenidades
previstas pela lei”.

Na interpretação do Código Civil, arts. 1.632 e 1.634. a jurisprudência


tende a fixar-se no sentido certo; mas verdade é que alguns acórdãos
revelam estudo superficial das questões. Um dos exemplos mais berrantes é
o de se discutir se são “sacramentais” ou não as palavras do art. 1.634.
ANão percebem os juizes, que disso falam, o imperdoável anacronismo, a
ev~dente cegueira aos textos, de que dão mostras?

Falou em “sacramental”, por exemplo, a Côrte de Apelação de Santa


Catarina, a 28 de julho de 1936, para dizer que não é “sacramental”, no se
portar por fé a observância, especificar-se, de nôvo, o que se narrou, isto é,
um por um dos requisitos do art. 1.632. Quer dizer: basta a fé em têrmos
gerais, v.g., “foram observadas as exigências do art. 1.632”, ou “as quais
formalidades foram, com minha fé, observadas”.

A Câmara Cível do Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 2 de maio de


1923, falou em “sacramental” no sentido (le bastar referência geral, não
havendo expressões sacramentais ( verbis “na espécie, foi observado o art.
1.634 do Código Civil, que, se exige a menção individuada dos requisitos
legais, não no faz, sob forma sacramental, de que êles foram guardados”).
Noutros têrmos: decidiu que é essencial o porte por fé, mas a lei não possui,
para isso, expressões sacramentais, nem, sequer, exige, nele, a enumeração.
As formalidades observadas hão de ser especificadas, não no porte por fé, e
sim na parte narrativa do testamento.

Discutia-se, no direito anterior, e discute-se hoje se é preciso dizer-se, a


respeito de testamentos cerrados, que se tinha por bom, firme e valioso, e
assente estava não serem sacramentais tais expressões. Daí vem a alusão a
sacramental a respeito do art. 1.634, que nada tem com isso. Era o texto do
direito anterior sôbre testamentos cerrados, que só a propósito dêles se
reproduz (art. 1.638, VI).

Ao exame da Côrte de Apelação de Santa Catarina (1?. de D., 122, 396 s.),
a 7 de julho de 1936, foi parar testamento ruja nulidade se argúia porque se
não portava por fé terem sido observadas todas as formalidades (dizeres
gerais), nem se especificara qualquer delas.

Quanto à especificação, por ser só questão de fato, o acórdão logo nos


informa da improcedência da alegação:

“Examinando-se o testamento, para logo se verifica que foi escrito pelo


tabelião em seu Livro de notas, de acôrdo com as declarações do testador,
em presença de cinco testemunhas, que o assinaram. Portanto, foram
satisfeitos os requisitos enumerados no art. 1.632 do Código Civil”.

Resta a questão de fato e de direito de haver portado por fé o tabelião terem


sido observadas ias formalidades.
Aqui, o relator do acórdão, em vez de ficar na questão de fato, que tudo
resolveria, emaranhou-se em interpretações do art. 1.634. Assim é que
afirma: “No testamento, com que faleceu Joviano Fatista da Silva, nenhuma
delas faltou ou não foi mencionada, cumprindo notar que o tabelião deu sua
fé de que foram obser-vadas”; mas entende que, analisando-se o art. 1.634,
se há de toncluir: “A ausência de especificação e da fé do tabelião
consfituem simples irregularidades, a que não está imposta penalidade
alguma; o que, porém, acarreta a nulidade do testainento e a
responsabilidade civil e criminal do tabelião é a omissão ou falta de menção
de alguma das solenidades prescritas no art. 1.632 do Código Civil”.

O que faltou foi a fé em têrmos especiais, que não é de mister. fl lamentável


que os juizes, pelo gôsto de discorrer, enveredem por assuntos que não
meditaram bem, nem é objeto de discussão in casu.

A questão da ocorrência dos fatos, a da menção e a do porte por fé


aparecem englobadamente, o que nos obriga ao máximo cuidado.

A Câmara Cível da Côrte de Apelação de Minas Gerais, a 15 de maio de


1935 (1?. de D., 120, 213-215 e 217-220), julgou improcedente ação de
nulidade de testamento, mas nos votos vencedores há trechos que merecem
ser citados: “No que se atém à forma do testamento: o Código Civil
estabelece no artigo 1.632 as solenidades de que deve revestir-se o
testamento público. Não são sacramentais as disposições do art. 1.634. Se
todas as solenidades constam do contexto do instrumento, éválido o
testamento. Demais, o que se mostra logo ao exame do juiz é verificar se é
falso, ou não, o testamento, e sôbre a leitura do instrumento ao testador é,
também, ponto assente que, findo êle, presentes o testador e as testemunhas,
se do contexto consta que o testamento foi lido às testemunhas ou ao
testador apenas, tem-se como provado o requisito legal, porque a leitura
feita às testemunhas, em presença do testador, é por certo ouvida e o mesmo
se dá, no outro caso leitura feita ao testador, presentes as testemunhas, que
também ouvem a leitura. Numa só assentada todo o testamento se fêz.
Findo o ditado pelo testador, presentes êste e testemunhas, foi o testamento
lido perantes êstes, diz o instrumento. Ora, nos têrmos da jurisprudência,
tem-se como preenchido o requisto legal, porque a leitura que se fêz às
testemunhas, presente o testador, por êle fôra ouvida. Não fôsse isto ponto
incontestável, ad argumentum, se nos autos fôssemos buscar, não no
próprio testamento, elementos de convicção nesse sentido, aí os teríamos, a
tôda evidência, pois está provado que o testador acompanhou a leitura,
atento, e fêz repetir o nome Nélson, que supôs haver sido escrito Neto,
dando margem a que o tabelião confirmasse haver sido lido êste último
nome, mas que no instrumento estava lançado Nélson, como o testador
ditara.

Referem ainda testemunhas que, finda a leitura, o testador sorriu, disse uma
frase chístosa de gíria popular e lançou firmemente sua assinatura,
conforme se vê de fotografia, em confronto com outras firmas, de datas
anteriores à sua enfermidade” (voto do Desembargador GUSTAVO PENA).

“Menciona o art. 1.682 do Código Civil, entre os requisitos essenciais, que,


depois de escrito, seja o testamento lido pelo oficial, na presença do
testador e das testemunhas e manda o art. 1.684, do mesmo Código, que,
como as demais formalidades, seja essa especificada pelo oficial público,
portando por fé, no testamento, haver sido cumprida. Reconhece o juiz a
qua faltar, na escritura, a declaração de que se trata, expressa-mente; mas
conclui, pela prova dos autos, que a leitura foi feita como determina a lei.
Não me parece civil, data venia, no caso, o apêlo a provas estranhas ao
instrumento. Veda-o o Código, no próprio art. 1.684, citado. E a doutrina é,
a respeito, uniforme. Excelentemente: TEIXEIRA DE FREITAS
(Consolidação, nota 21 ao art. 1.956) : “Admitir testemunhas ou outro
gênero de prova quando a lei quer expressamente uma certa prova
instrumental, fôra abertamente transgredi-la”. Não dou, entretanto, pela
nulidade argãida; do contexto do ato resulta que foi cumprida a formalidade
de que se trata. A lei não exige, para o caso, palavras sacramentais e a prova
do cumprimento da formalidade pode ressair do sentido complexo do
instrumento. Ora, do instrumento de fís., consta a presença do testador e das
testemunhas que, todos, assinaram a escritura. Conclui-se, pois, que a
leitura respectiva foi por êles assistida. Se o testamento foi ditado pelo
testador e lido na presença das testemunhas, não se pode concluir que a
leitura se fêz às testemunhas, mas àquele na presença das testemunhas”
(voto do Desembargador OItOSIMBO
NONATO).

“Não assistiram as testemunhas a todo o ato. É o que se argúi no libelo.


Quanto a êsse ponto, convém logo notar que foi o testador quem nomeou as
testemunhas e que, por ordem dêle, foram convocadas. Compareceram ao
local da residência do testador, viram-no, e também ao tabelião e ao
advogado. O ato realizou-se a portas abertas, abertas todas as do pavimento
superior do prédio onde aquele residia, edifício êsse de proporções
diminutas, no seu pavimento citado, em que só há

quatro aposentos, excluído o hail da escada, o qual pavimento, o maior


dêles, contém apenas quatro metros e oitenta centímetros por três metros e
vinte e cinco milímetros. As testemunhas, conforme consta da prova,
convocadas, ali estavam, não se dirigiram sequer ao pavimento inferior do
prédio. Viram o tabelião, o advogado e o testador, cientificaramse da
integridade mental dêste último, ao fazer o seu testamento. Ora se
aproximavam da mesa em que o tabelião escrevia, ora se dirigiam ao hail e
aposento contíguo, de portas abertas. Ouviam que o testador ditava o seu
testamento e a voz lhe conheceram. Afastada a hipótese, de modo preciso,
de falsidade do ato, a meu ver também essa solenidade a da presença das
testemunhas a todo o ato está satisfeita. Fôsse a casa de pavimento superior
de dimensóes amplas, de aposentos com comunicações interceptadas por
portas que se fechassem, por varandas abertas ou salões que modificassem
as condições normais de acústica, e estivesse provado que testemunhas
nesses recintos (varandas, salões, quartos fechados) se detivessem, sem ver
e ouvir o testador, outro seria o juízo. Mas, no caso, êsse pavimento
diminuto, de aposentos pequenos, todos de portas abertas, de onde a
fiscalização do ato se podia fazer; a circunstância de que a legitimidade do
testamento era sabida e fiscalizada por essas testemunhas; o fato de ser o
quarto adjacente ao do testador aberto por uma porta para o hali, a menos
de um metro da porta do quarto do testador, fazem crer que presentes
estavam as testemunhas, sem embargo de, por momentos, uma, ou algumas,
a êsse quarto contíguo e aberto fôssem ter. Se, em direito, a saída
momentânea de uma testemunha presencial não infirma o ato, não o infirma
a presença de testemunhas, em cômodo contíguo ao quarto do testador,
onde entraram ou sairam, sem transpor salas, ou salões e varandas, e sim,
apenas, tão-só, o espaço de metro, ou poucos passos. Anular-se o
testamento porque uma testemunha, ou algumas delas se dirigiam ao
cômodo contíguo ao aposento do testador, depois de cientificados da
legitimidade do ato, da integridade moral de quem o fizera, depois de ver e
ouvir o testador, ou de continuar a ouvir-lhe a voz durante o ditado, a
poucos passos, é proclamar o império da máxima: “La forme emporte le
fond”, quando se faz sentir, na atualidade, o vigor de outra mais sábia: “Le
fond emporte la forme”, o que quer dizer, na expressão de JoXo
MONTEIRO: “Salve-se a substância do direito e, portanto, só quando êste
perigar pela inobservância da forma, haja nulidade (Processo Civil, § 70,
nota)” (voto do desembargador GUSTAVO PENA).

“Outra grave argUição contra a validade do testamento está em que, ao


revés do que certifica o notário, as testemunhas não teriam assistido a todo
o ato, como é exigência peremptória da lei, sob pena de nulidade.

Realmente, ao que declaram as próprias testemunhas, não estiveram elas,


durante todo o ato, ao pé do testador e do tabelião, e sem isso, na opiniáo
dos recorrentes, que a lastrearam de fartas afirmações doutrinais e de
jurisprudência, não existe a presença que a lei exige, a assistência a todo o
ato do mandamento peremptório do legislador. Dos depoimentos tomados,
há um infidedigno e que desmerece consideração, pelos motivos a que se
refere o juiz a qua e de que fala, em seu parecer de fís., o sr. dr. Procurador-
Geral: o da testemunha Coelho.

Segundo afirmam as demais testemunhas, encontravam-se elas no edifício


em que realizou o testamento, próximos à acanhada sala onde estavam
tabelião e testador e em condições, querendo, de ver, ouvír e compreender o
que se passava. O formalismo no testamento édestinado a proteger a
veracidade, a realidade do ato. Daí e só por isso o seu caráter im5erativo,
sua feição ritual. A interpretação, pois, ainda nesse terreno, não perde sua
razão de ser. As formas testamentárias são de ordem pública, mas isto não
quer dizer que se não possam interpretar os artigos de lei que fixam os
requisitos essenciais. PONTES DE MIRANDA:
“Em direito, que é movimento, adaptação, justaposição, nada se
impermeabiliza às apreciações com que a ciência e a prá-fica procedem à
sua adaptação aos fatos da vida”. Na pesquisa da observância das
formalidades do testamento, no lhes compreender a extensão, o rigor, a
nimiam et mis eram diligentiam, a que se refere 11.

TROPIJONG, não deve ir ao ponto de, sob côr de guardar a lei, destruir a
vontade veneranda do de cuins (voto do desembargador OROsIMBo
NONATO).

Iniciando o voto, o Desembargador GUSTAVO PENA disse que o Código


Civil estabelece as solenidades de que se há de revestir o testamento,
entendendo por solenidades os “requisitos essenciais”, e acrescenta que as
disposições do art. 1.634 não são “sacramentais”, adjetivo, conforme já
vimos, imprhjprio e equívoco. Se algumas expressões ou frases a serem
pronunciadas ou escritas se contivessem no art. 1.634, ensejo haveria para
discutir a sacramentalidade ou a não-sacramentali. dade delas. Não as há. A
discordância dos intérpretes é apenas entre ser preciso o porte por fé com
alusão a cada uma das formalidades, ou bastar o porte por fé em térmos
gerais. Passou o voto a resolver questão nova: ~vale o testamento se o
contexto diz “lido ao testador, presentes as testemunhas”, ou “lido pelo
testador, presentes as testemunhas (ou às testemunhas) “, ou “lido às
testemunhas, na presença do testador”? Resolve-a bem. O que se não deve
admitir é a procura de provas nos autos para se julgar sôbre nulidade por
infração do art. 1.634 (menção, porte por fé) : provam-se fatos; a menção
precisa estar no testamento mesmo. O

desembargador OROsIMBO NONATO fere o ponto, com todo o acêrto.

Em seguida, surgiu a questão da pluralidade de compartimentos. Pequeno o


aposento em que se achava o testador, aposento que abria para um hail e
para um aposento contíguo, de portas abertas. Conforme os votos, não se
tratava de dois aposentes ligados por um hali. Temos, pois, a hipótese 1 (o
compartimento em que se acha o testador é principal em relação àquele em
que se acham o oficial público e as testemunhas, ou somente algum dêsses
figurantes). Quanto ao hail, evidentemente acessório, sendo diminuto,
dadas as dimensões do quarto principal, havemos de crer na sua situação de
perfeita visão ~ audição recíprocas dos figurantes. Aliás, dizem-no os votos
vencedores. Quanto ao quarto contíguo, um dos votos frisou que estava de
portas abertas, podendo ser feita a fiscalização do ato. Em todo o caso,
devido, talvez, a descuido de redação, não se sabe bem se o quarto
adjacente dava para o hail, a menos de um metro da porta do quarto do
testador, ou se, além disso, havia porta de comunicação direta. Se tal porta
não houvesse, dificilmente explicaríamos que o desembargador GUSTAVO

PENA falasse em aposento contíguo, de portas abertas. É também de notar-


se que o julgado mineiro nunca perdeu de vista o ponto principal: a
continuidade da visão e da audição recíprocas.

O Desembargador ORosíMBo NONATO acentuou a proximidade


ininterrupta das testemunhas que, ao se afastarem, não deixavam de ouvir e
ver o testador.

Seja como fôr, uma lição existe nos votos vencedores da Câmara Cível da
Côrte de Apelação de Minas Gerais.

Disse o desembargador GUSTAVO PENA: “Fôsse a casa de pavimento


superior de dimensões amplas, de aposentos com comunicações
interceptadas por portas que se fechassem, por varandas abertas, ou salões
que modificassem as condições normais de acústica, e estivesse provado
que testemunhas nesse recinto (varandas, salões, quartos fechados) se
detivessem, sem ver e ouvir o testador, outro seria o juízo”. Quer dizer: se
houvesse hail intercalar, terraço ou varanda, ou qualquer outro
compartimento, não vendo o testador o tabelião e as testemunhas, eu algum
dêsses figurantes, ou não vendo algum dêsses figurantes ao testador, a
Câmara Cível da Côrte de Apelação de Minas Gerais teria reputado nulo o
testamento. O mesmo procedimento teria se algum dos figurantes, em tais
circunstâncias, não visse aos outros ou a algum dêles. Demais disso, no
caso julgado, as testemunhas que se dirigiram ao cômodo contíguo só o
fizeram ràpidamente, sem prejuízo do ato.
Doutrinàriamente, a citação da máxima “De fond emporte la forme”, feita
pelo desembargador GUSTAVO PENA, é sem pertinência. Exatamente, a
respeito de testamentos, continua em inteiro vigor a máxima “La forme
emporte le fond”, e foi sso o que quis, terminante e enêrgicamente, o
Código Civil, no art. 1.634, parágrafo único: “Se faltar, ou se se não
mencionar alguma delas (formalidades), será nulo o testamento,
respondendo o oficial público civil e criminalmente”. Nem o
desembargador procurou livros sôbre o direito testamentário; citou a JOÃO

MONTEIRO, ao tratar do processo civil, que possui regra jurídica especial


sôbre nulidades.

Podemos interpretar, com certa largueza, o texto dos artigos 1.682-1.637,


tendo o desembargador OROSIMBO

NONATO citado trecho nosso a êsse respeito, mas uma coisa é interpretar-
se a lei e outra inverterem-se os seus planos de política jurídica, insinuar-se
o dito “Le fond emporte la forme” onde o legislador quis, ordenou,
entendeu ser de interêsse público,. que a forma prime, que “La forme
emporte le fond”.

§ 5.983. Testamento cerrado e “unhas actus”

1. CONCEITO. Testamento cerrado, ou testamento por oblação, ou


testamento místico, ou, ainda, testamento secreto, é aquele em que só se
exigem formalidades de autenticação. Vale dizer: formalidades que firmem
o papel apresentado como instrumento da declaração de vontade do
testador. Entregue ao príncipe, ou ao juiz, ou ao simples notário ou tabelião,
a cédula passa a valer como testamento público, no senido amplo, e como
tal só se invalida pelos meios por que se invalidam, de ordinário, os atos
públicos.

2. PARTES TEMPORAIS. Em verdade, há duas partes temporais, dois


momentos, um, que corresponde ao documento particular, e outro, que é
preenchido pela própria publicização, ou autenticação do testamento. Boa
análise diria, em conclusão, que o testamento cerrado é testamento
particular incompleto, que, em vez de se completar como testamento
particular, vai além e se completa como testamento público.

Não há dúvida que depende da lei exigir-se, ou não, aos testamentos


cerrados ou secretos, ou, em geral, por oblação, a imitas actus desde a
primeira palavra da declaração testamentária. Assim, não há princípio a pri
cri, ainda no antigo direito, que considere necessária a unidade do ato
testamentário do testamento por oblação a partir da redação do documento
que se vai entregar ao príncipe, ao juiz, ao notário ou ao tabelião.

3.DIREITO ROMANO. No direito romano, a declaração testamentária


perante o tribunal podia ser oral, ou pela entrega de documento que a
contivesse. A assinatura não era necessária. A guarda do intrumento, com a
autenticação, também não no era, pôsto que usual.

FRANCE entendia que a un,itas actus era necessária ao testamentum


indiciale no sentido estrito, como ao testamento judice oblatum. Cf.
FRANCK (Archiv flir praktisch,e Reehtswissenschaft, VI, 374-886). Certo;
mas é de mister atender-se a que o testamentum judice oblatum somente
requeria a oblação como unidade, e não a feitura do escrito.

RUDOLPE FREIHEER VON HOLZSCHUHER levantou, de nôvo. a


questão de se saber se a unitas actus era exigida no testaruento cerrado
(Theorie und Casuistik des gemeineu Civil echts, ~J, 3.~ ed., 374 e 738) e
deu resposta que reproduziu, tão-só, a argumentação de FRANCK.
4.“UNITAS ACTUS”. A L. 21, 2, C., de testamentis:

quernadmodum testamenta ordinantur, 6, 23, advertia: “In omnibus autem


testamentis, quae praesentibus vel absentibus testibus dictantur, superfluum
est uno eodemque tempore exigere testatorem et testes adhibere et dictare
suum arbitrium et finire testamentum. sed licet alio tempore dictatum
scriptumve proferatur testamentum, sufficiet uno eodemque die nuílo actu
interveniente testes omnes, videlicet simul nec diversis temporibus,
subscribere signareque testamentum”.

Traduzindo-o, temos: “Mas em todos os testamentos que se ditam, estando


presentes ou ausentes as testemunhas, é supérfluo exigir que a um mesmo
tempo apresente o testador as testemunhas, dite a sua vontade e acabe o
testamento. Em vez disso, produzindo testamento ditado ou escrito noutro
tempo, basta que, no mesmo dia, não intervindo ato, todas as testemiínhas,
isto é, simultâneamente e não em diversos tempos, subscrevam e assinem o
testamento. Mandamos que o final do testamento sejam as assinaturas e os
selos das testemunhas. Porque convém que o testamento não firmado e
selado pelas testemunhas seja tido como imperfeito”.

A parte solene é que há de ser una. Se ao testamento público, no sentido


estrito, judicial ou notarial, como o brasileiro, a unitas actus é de exigir-se
desde todo o comêço, resulta da natureza das coisas, pois, sendo oral, não se
compreenderia que se dispensasse a co-presença de todos os figurantes, ou
se deixasse para outro momento a continuação daquilo que estava sendo
feito. Se há oblação, perante o juiz, ou perante o notário, como é o nosso
testamento cerrado, a unitas actua apanha todos os momentos que vão da
apresentação à formalidade final da publicação do testamento cerrado.

5. OBDENAÇÕES APONSINAS. Nas Ordenações Afonsinas, o testamento


cerrado é objeto do Livro IV, Titulo 103, § 1, conjuntamente com o
testamento público, depois de se advertir (Livro IV, Título 103, pr.) em que
havia dúvida sôbre serem cinco pessoas as testemunhas e sôbre poderem
testemunhar as mulheres.

6.ORDENAÇÕES FILIPINAS. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título


80, § 1, dizia-se: “E querendo o testador fazer testamento cerrado, o poderá
fazer desta maneira. Depois que escrever, ou mandar escrever seu
testamento, em que declare sua vontade, o assinará, não sendo escrito per
sua mão; porque, sendo escrito per sua mão, bastará, ainda que não seja per
êle assinado. E não sabendo assinar será assinado pela pessoa, que lho
escrever, e será cerrado e cosido, e êle testador o entregará ao tabelião
perante cinco testemunhas, varões livres, ou havidos por tais, e maiores de
quatorze anos, e perante elas lhe perguntará o tabelião se é aquele o seu
testamento, e se há por bom, firme e valioso; e dizendo que sim, fará logo
em presença das testemunhas o instrumento da aprovação nas costas do
próprio testamento, declarando como o testador lho entregou, e o houve por
seu, bom e firme; no qual instrumento de aprovação assinarão todas as
cinco testemunhas, e o testador, se souber, ou puder assinar. E não sabendo,
ou não podendo, assinará por êle uma das testemunhas, declarando ao pé do
sinal, que assina por mandado do testador, por êle não saber, ou não poder
assinar, e de outra maneira não será valioso o testamento: E isW sem
embargo de qualquer costume, que em contrário haja em algum lugar, ou
lugares. E o tabelião, que fizer instrumento de aprovação de algum
testamento, ou codicilo, sem o fazer assinar pelas testemunhas, nele
nomeadas, e pelo testador, perderá o oficio, e o instrumento de aprovação
será nenhum”.

Ainda no § 2: “E por se evitarem as falsidades, que se poderiam fazer nos


testamentos, mandamos ao tabelião, que o instrumento de aprovação fizer, o
faça ou comece em parte de alguma das fôlhas, em que alguma parte do
testamento seja escrita. E sendo todas as fôlhas escritas, em maneira que
não possa fazer o instrumento de aprovação, ou o começar a fazer em
alguma das fôlhas do testamento, então porá em qualquer parte do
testamento o seu sinal público. E no instrumento, que fizer de aprovação em
outra fôlha, em que stê envolto, ou cosido o testamento, declarará como
nele fica o seu sinal público, por não ter fôlha limpa, em que começasse o
instrumento de aprovação, de maneira que se não possa tirar o testamento
verdadeiro do instrumento de aprovação, e meter outro falsamente
fabricado em seu lugar. E o tabelião, que de outra maneira fizer o
instrumento de aprovação, perderá o ofício”.

As formalidades eram quase as mesmas que as de hoje:

escrito pelo testador ou por outra pessoa a seu rôgo; se não foi escrito pelo
testador, mas êsse sabia escrever, assinado por êle, sob pena de nulidade.

As diferenças principais são as seguintes: a) escrito pelo testador o


testamento, o direito anterior não exigia a assinatura da cédula; b) as
expressões bom, firme e valioso eram sacramentais. Mas havia
divergências, e.g., AGOSTINHO MARQUES PERDIGXO MALHEIRO
(Consultas Jurídicas, 460-468) satisfazia-se com a manifestação da vontade
de aprovação, por aquelas, ou palavras equivalentes; com êle, o Tribunal de
Justiça de São Paulo, a 6 de junho de 1923. Contra, o Supremo Tribunal de
Justiça, em acórdão de 26 de julho de 1876, adstrito às Ordenações
Filipinas, Livro IV, Titulo 80, § 1.

As expressões “bom, firme e valioso”, que eram sacramentais no direito


anterior, deixaram de o ser. O que é de lamentar-se é que juizes e tribunais
levantem questões sôbre sacra-mentalidade.., no testamento público.

Muito se discutia se era necessário que o testamento fôsse entregue cerrado


e cosida. (necessariedade do segrêdo).

Não, Tespondiam os Assentos de 8 de agôsto de 1815 e de 10 de junho de


1817, e MANUEL DE ALMEIDA E

SOUSA: bastava ser dobrado. Cosido e cerrado donde o nome por tê-lo de
cerrar e coser o oficial, e não o testador, a quem não se concedeu cerrasse e
cosesse. Oficial vê, mas não lê. Contrária opinião, talvez pelo influxo dos
Códigos Civis francês e italiano, a de M. A.DUARTE DE AZEVEDO e
MARTINHO GARCEZ.

As Ordenações diziam, Livro IV, Título 80, § 1, “será cerrado e cosido, e


êle testador o entregará ao tabelião perante cinco testemunhas”. No § 2: “no
instrumento, que se fizer, de aprovação em outra fôlha, em que esteja
envolto e cosido o testamento”. Daí concluir FRANCISCO PINHEIRO
(disp. 2, 3, 34):

“deinde claudi et consui debet; sic consutum tradendum est a testatore


tabellioni”. Assim fechado havia de entregar-se. Ao oficial? Mas tinha-se de
começar da última fôlha escrita. ~ Como consegui-lo, se estava cerrado e
cosido? Reabrindo-o, dizia-se. Então, apara que apresentá-lo cerrado e
cosido? ANTÔNIO JOAQUIM DE

GouvEIA PINTO (Tratado regular e prático dos Testamentos e Sucessões,


nota 303) e a Relação do Rio de Janeiro, a 16 de dezembro de 1873,
apoiavam tal solução.

No direito anterior não se exigia expressamente a leitura do ato de


aprovação (diferente, hoje, o Código Civil, art.
1.688, IX), porém os praxistas reputavam uma das solenidades, se bem que
se pudesse provar, diziam, posteriormente.

No Código Civil brasileiro, conservou-se muito do formalismo do direito


anterior, sendo de notar-se que, em alguns pontos, mais se acentuou o rigor
formal. Nada menos de sete artigos foram dedicados ao testamento cerrado.

7. ESPÉCIES DE TESTAMENTOS. Havendo o testamento público e o


particular, o cerrado só se justifica como a forma velada, com a qual o
testador, querendo, ocultará as suas últimas vontades.

Se êle permitir, o oficial público poderá lê-lo, e verificar se está com as


formalidades requeridas às cédulas. Mas isso é a exceção. Nas duas outras
formas ordinárias de testamento, o testador dispõe, ou de viva voz
(testamento público), ou só por escrito (testamento particular). No
testamento cerrado, é o testador, ou outrem, que o escreve: não precisa ser
lido em voz alta pelo que escreveu, a exigência de saber e poder ler o
testador provê, exatamente, a essa verificabilidade do conteúdo, por parte
dêle.

Daí dizer-se que, no testamento cerrado, oficial público e testemunhas têm


conhecimento implícito, e não explícito, do testamento. Outros, com certo
equívoco, falam de nuncupação implícita, como se dissessem nuncupação
relativa ao ato da entrega, e não ao conteúdo das disposições.

Mas é preciso advertir na diversidade de legislações, passadas e presentes.


A Ordenança francesa de 1785, art. 9, o Código Civil francês, art. 976, o
Código das Duas Sicílias, artigo 902, o da LuTsiana, art. 1.517, o da
Sardenha, art.

751, e o da Holanda, art. 987, exigiram que o testador entregasse fechado e


selado (scellé), ou faça fechar e selar em sua presença. Também, o da
Toscana, art. 307, o italiano revogado, art. 788, o do Chile, art. 1.023, e o
venezuelano, art. 845. O auto de aprovação lavra-se no sobrescrito.
Expressivo, o Código Civil argentino, art.

8.666. Cf. Código Civil italiano (1942), art. 604.


§ 5.938. “UNITAS ACTUS”, TESTAMENTO CERRADO

A solução vitoriosa no Código Civil brasileiro é a da não -necessariedade


do segrêdo. Cerrado e cosido pelo testador, ou entregue aberto, e até escrito,
a rôgo, pelo próprio oficial que o vai aprovar tê-lo-á de cerrar e coser o
oficial (artigo 1.638, XI).

Não-necessariedade não é o mesmo que inexistência de segrêdo: o testador


tem direito a êsse segrêdo, não lho pode negar o oficial; se êle não lho
concede, procederá mal o oficial que, para o aprovar, exigir lê-lo. Pode ser
que o disponente só pelo segrêdo tenha escolhido tal forma testamentária,
que evita ódios e discórdias entre herdeiros legitimos ou parentes e
estranhos esperançosos de heranças e legados.

8.PERFEIÇÃO E ENTREGA. Já dissemos que o testamento, desde que se


fêz, é ato perfeito. Algumas consequências já foram tiradas de tal
afirmação; outras exsurgem em todo o direito testamentário. A cédula de
que tratamos ainda não é um testamento.

Antes de ser aprovado o testamento cerrado, não passa êle de ato


imperfeito, talvez de menor valor que um testamento hológrafo, que possa
valer como codicilo e nos limites do valor dos codicilos. Quem morreu
deixando tal cédula. morreu intestado. Se essa cédula fôr hológrafa e
contiver disposições permissíveis em codicilos, poderá valer como tal; não,
porém, como testamento.

Quando o testador, na presença das cinco testemunhas, apresenta ao oficial


a cédula, que êle, ou outrem por êle, es creveu e assinou, procede a um ató
de nuncupação. Por isso se fala de nuncupação implícita: oficial público e
testemunhas somente conhecem (ou melhor: somente precisam conhecer)
exteriormente, e não no seu conteúdo, a cédula testamentária.

Com o ato de entrega, começa outra fase, inconfundível, da elaboração do


testamento cerrado: por isso mesmo, já o testador, após o gesto de
declaração do art. 1.638, IV, não pode introduzir modificações ou cláusulas
novas, que constem do auto e não da cédula. Se ocorrer que lhe lembre
alterar ou acrescentar, deve continuar na cédula e proceder, de nôvo, à
entrega e declaração. É requisito essencial do testamento cerrado a entrega
do testamento, pelo testador, em presença, pelo menos, de cinco
testemunhas, ao oficial público que o há de aprovar.

Trata-se de ato pessoalíssimo. E não só pessoal4ssimo, ato que tem por fim
deixar certo qual o testamento de que se trata. Pessoalíssimo, para que se
identifique o testador, e imediatamente relativo a determinado escrito, para
que se identifique a cédula testamentária.

A lei cercou de precauções a identificação da cédula: além da entrega,


presentes as testemunhas, e feita pelo próprio testador, exige que o oficial
público pergunte, perante as mesmas testemunhas, ao testador, se aquele é o
seu testamento e quer que seja aprovado, quando o testador, de si mesmo,
não se tenha antecipado em declará-lo (art. 1.638, V). Essencial é, portanto,
a declaração do testador quanto a ser aquele o seu testamento e ao seu
desejo de que seja aprovado. No caso de mudez ou de surdo-mudez, o art.
1.642, que constitui substituto, permite que a declaração seja escrita na face
externa do papel ou do envoltório. (Analôgicamente, não; porque aqui não
cabem analogias, mas pela revelação do conteúdo da própria regra, apli
car-se-á o art. 1.642 quando o testador, que não seja surdo-mudo nem
mudo, não puder falar, ou por acidente ocasional, ou por prescrição médica
após operações, ou pela impossibilidade material criada pelos aparelhos.)

Uma vez que a tradição tem por fim evitar a substituição do testamento e
comprovar a sua identidade, não bastariam gestos, não-traslativos, do
testador. Em 18 de junho de 1869, a Relação do Rio de Janeiro decidiu que
a entrega por outrem, apontando o testador a cômoda em que estava o
testamento, não poderia ser suficiente. Em 22

de dezembro de 1900 e 10 de julho de 1901, julgou a Relação de Minas


Gerais ser essencial o recebimento das nutos do testador, em presença de
todas as testemunhas, em situação de poderem ver o testador e o ato, e de
ouvirem as perguntas ou declaração. Tudo isso é perfeitamente certo, mas
há casos extraordinários, que convém meditar:
a) O testador sem mãos: seria absurdo reduzir a tradição à entrega manual,
quando as mãos, instrumento ordinário da tradição das cédulas, não
existam. Será conveniente que o oficial declare a circunstância
extraordinária e diga em que consistiu o meio identificador da cédula
entregue.

b) Testador com as mãos impedidas ou paralíticas: a situação equivale à do


número anterior, a solução tem de ser a mesma. Se fôsse a priori o princípio
dos dois acórdãos do Tribunal da Relação de Minas Gerais, falhariam
nesses dois casos.

São cinco as testemunhas, número igualmente exigido aos outros


testamentos. Porém, neste, não no são do testamento, mas da apresentação
do testamento. Atestam a identidade da carta e as declarações do testador de
que aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado. São testemunhas
dêsse ato, e não das disposições testamentárias prôpriamente ditas. Mas,
como as dos testamentos públicos e particular, são instrumentárias, e não
acidentais. Se é certo, como FRANCISCO DE CALDAS PERFURA DE
CASTRa e FRANCISCO PINHEIRO

ensinavam, que não precisam, no velho sentido, ser rogadas, nem por isso
deixam de ser, hoje em dia, testemunhas convocadas, ainda que
aproveitadas dentre as pessoas acidentalmente presentes. Devem estar ali,
sem interrupção, como no testamento público, mas somente a partir do
gesto do testador ao passar às mãos do oficial a cédula testamentária,
declarando-a sua e dizendo que é para ser aprovada, até ~a completa
ultimação do ato que é o cerrar e coser (art. 1.688, XI).

A lei não exige a unidade de ato à escritura da cédula testamentária, que vai
ser dada para a aprovação. Mas o instrumento de aprovação e todas as
solenidades que o precedem e sucedem têm de ser ininterruptos. Yale dizer:
desde o gesto da entrega, presentes oficial, testador e testemunhas (artigo
1.688, IV), até o cerrar e coser do testamento (art. 1.688, XI), tudo tem de
fazer-se sem interrupção: continuIdade e presencialidade desde o principio
até o fim.
O uno contextu quer dizer sem interrupção para outra coisa ou ato: non
miscetur actus testamento alienus (ANTÔNIO flE SOUSA DE MACEDO,
Decisiones supremi Senatus iutitiae lusitaniae, 15).

A exigência de uno contextu só se refere à parte de autenticação, similar do


testamento público, e ao proceder solene. Quanto à cédula, não: pode ser
feita num tempo, e noutro levar-se à aprovação; fazer-se aos poucos,
conforme fôr entendendo o testador, como ocorre à escritura do testamento
particular.

§ 5.984. Testamento particular e “unitas actus”

1. PARTICULARmADE DO TESTAMENTO O testamento particular


supõe a não-intervenção do oficial público, do Estado. O testamento
cerrado é, por isso mesmo, testamento público, se bem que o Código Civil
tenha adotado o sentido mais estrito que leva à tricotomia (testamento
público, testamento cerrado e testamento Particular).

No direito romano, o testamento particular escrito (pois que o havia oral)


exigia o documento escrito, sete testemunhas, que assinavam com o
testador, sendo que a holografia podia dispensar a assinatura Tanto o
testamento oral como o escnto supunham a unitas actus. A L. 21, § 8, D.,
qui testamenta facere possunt ei quemadmodum testamenta fiant, 28, i, é
explícita quanto a todos os testamentos:

“Uno contextu actus testari oportet. est autem uno coritextu nuilum actum
alienum testamento intermiscere: quod si aliquid pertinens ad estamentum
faciat, testamentum non Vitiatur”

Tirando em português:

“Deve-se testar num só contexto Num só contexto é se nenhum ato estranho


se introduzir, pois que, se o que se faz, conierne ao testamento, não se vicia
o testamento”.

Nunca se pôs em dúvida que a unitas actus fôsse essencial;. e o só uno-


contexto não perfaz a unitas actus: é apenas uni. dos pressupostos CHR.
FR. VON GLÚCK disse que a unitas actus, na. feitura. do testamento,
consiste (Ausfúhrlicne Erlituterung der Pandecten, 34, 377)

a) Na presença simultânea das testemunhas conforme a Constituição dos


Imperadores Teodósio e Valentiniano que estatuía: “quo facto et testibus
uno eodemque die ac tempore subscríbentíbus et consignanti~u~ valere
testamentum” (L. 21 pr., C., de testamentis: quernadmodu~ testamenta
ordinantur, 6, 28).

b) No ficarem juntos testemunhas e testador, até que se ultime o ato da


feitura do testamento. Está em ULPIANO, L. 20, § 8, D., qui testamenta
facere possunt et quemoximo dum testamenta fiant, 28, 1: “Et veteres
putaverunt eos, qui propter sollemnia testamenti adhibentur, durare debere
donec suprema contestatio peragatur”.

c) Em não-inserção de negócio estranho que nada tenha com o testamento e


não pertença à declaração unilateral de vontade do testador. “Uno contextu
actus testari oportet...”

Já as Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 103, § 2, proviam: “E se esse


Testamento for feito pelo testador, ou per alguma outra pessoa privada, sem
teendo estormento pubrico nas costas, esse testador, per cuja maaó for feito,
ou assinado o dito testamento, seja avudo em logo de Tabeliom, e bem assy
a outra privada pessoa, per que foi feito, e assinado, em tal guisa que com
este testador, que assy fez ou assinou o dito testamento, ou com a outra
privada pessoa, que o assy fezer, e assinar, sejam per todas seis
testemunhas; e em esse caso, a saber, quando for feito pelo testador, ou per
alguma outra privada pessoa, sem teer estormento pubrico nas costas, deve
tal testamento seer poblicado despois da morte do testador per autoridade de
Justiça, e chamadas as partes, a que perteencer, segundo forma de direito”.

Lia-se nas Ordenações Manuelinas, Livro IV, Título 76, § 3: “E se o


testamento for feito pelo testador, ou por algfia outra pessoa priuada, e nom
tever estormento pubrico d‟aprovaçam nas costas, nem for feito por
Tabaliam, esse testador por cuja maó for feito ou assinado o dito testamento
seja avido em lugar de Tabaliam; e bem assi qualquer outra pessoa por cuja
maó for feito e assinado, em tal guisa, que com este testador por cuja maõ
for feito ou assinado, ou com a outra priuada pessoa que assi fezer, e
assinar, sejam seis testemunhas, as quaes testemunhas assinaram no dito
testamento, sendolhe primeiramente lido perante elías, as quaes
testemunhas seram baroês maiores de quatorze annos, e livres, ou por taees
reputados; e em este caso quando for feito polo testador, ou por outra
pessoa privada sem estormento pubrico nas costas, deve tal testamento seer
pubricado despois da morte do tes tador por auctoridade de Justiça,
chamando as partes a que pertencer, segundo forma do Dereito”.

Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 3, dina-se: “E se o


testamento fôr feito pelo testador, ou per outra pessoa privada, e não tiver
instrumento público de aprovação nas costas, nem fôr feito per tabelião,
êsse testador, por cuja mão fôr feito ou assinado o testamento, e bem assim
qualquer pessoa por cuja mão fôr feito e assinado, seja havida em lugar de
tabelião, de maneira que com êsse testador, per cuja mão fôr feito, ou
assinado, ou com a pessoa privada, que o fizer, ou assinar, sejam seis
testemunhas; as quais testemunhas assinarão no testamento, sendo primeiro
lido perante elas, e serão varões maiores de quatorze anos, e livres, ou tidos
por tais. E neste caso, quando fôr feito pelo testador, ou por outra pessoa
privada sem instrumento público nas costas, deve tal testamento ser
publicado depois da morte do testador per autoridade de Justiça, citando as
partes, a que pertencer, segundo forma de Direito”.

O texto não era suficientemente claro. ~ Intervinham as testemunhas desde


a escritura da cédula, ou só desde a ocasião da leitura? A intervenção desde
o comêço seria aconselhável; o que se havia de discutir era se, sem ela,
seria nulo o testamento. No direito romano, a unitas actus vinha desde o
inicio, conforme a letra da L. 20, § 8, D., qui testamenta facere possunt et
quemadmodum testamenta fiant, 28, 1: “Et veteres putaverunt eos, qui
propter sollemnia testamenti adhibentur, durare debere, donec suprema
contestatio peragatur”.

A Consolidacão das Leis Civis de TEIXEIRA DE FREITAS, art. 1.060, não


foi explícita: falou de intervenção das cinco testemunhas (art. 1.060, 2.0) e
da leitura perante elas (art. 1.060, sem dizer de quando começaria a
intervenção. M. A. COELHO DA ROCHA não deixou dúvidas (Instituições
de Direito Civil português, ~ 3.~ ed., 536) : “No testamento aberto, feito
por escrito particular, requere-se: 1.0, a disposição escrita pelo próprio
testador, ou por outrem de seu rôgo; 2.0, lida perante cinco testemunhas, e
assinada em ato seguido pelas mesmas e pelo testador, ou por quem o
escreveu, declarando que assina por aquele não saber ou não poder”.

O que logo se nota nas regras jurídicas do Código Civil éque o art. 1.645,
ao considerar essenciais os requisitos, incluiu a intervenção ab initio das
testemunhas, o que vai ser desfeito pelo art. 1.647, verbis “ao menos, sôbre
a sua leitura, perante elas”. Passou a leitura a ser o requisito essencial, em
vez da intervenção desde o comêço. Noutros têrmos: a intervenção desde o
comêço, que é requisito essencial para o art. 1.645, deixa de ser requisito
essencial.

O que é mais grave é que juizes inexperientes tentam tratar os testamentos


públicos no mesmo pé que os testamentos particulares, como se a leitura às
testemunhas bastasse. Nos testamentos públicos, a unitas actus apanha todo
o tempo.

2. “UNITAs ACTUS”. No Código Civil, portanto, o testamento particular


não mais exige a unitas actus, no seu rigor antigo. Alguma coisa, porém,
permanece. O art. 1.645, II, satisfaz-se com a intervenção das cinco
testemunhas (“além do testador”, diz, supêrfluamente, a lei), e com a leitura
a elas, seguindo-se a assinatura, e o art.

1.647 é explícito: será confirmado o testamento, a) se as testemunhas forem


contestes sôbre o fato da disposição e reconhecerem as próprias assinaturas
e a do testador, ou b) se (“ao menos”) forem contestes sôbre a leitura
perante elas, o que mostra ser bastante ter-lhes sido lido o testamento. -:
Assim, exige a lei brasileira, como formalidade essencial:

a) A holograf ia da cédula e da assinatura do testador: é isto o que diz o


requisito de ser “escrito e assinado pelo testador”.

b) A intervenção de cinco testemunhas, a que o testador leia. ou mande ler,


ou às quais dê a ler, q testamento, isto é, a cada uma delas (nosso Tratado
dos Testamentos, II, 192 e 209).

c) A assinatura das cinco testemunhas.

A redação do art. 1.645 não é boa: há três pressupostos de forma holograf ia


do texto e da assinatura do testador, leitura perante cinco testemunhas e
assinatura delas.

Todos os três se acham no art. 1.645, 1 e III, de modo que é supérfluo o


inciso II: se é preciso ser lido às cinco testemunhas e elas assinarem, claro
que cinco testemunhas intervêm. A intervenção co-presença ininterrupta
seria requisito essencial se o art. 1.647 não houvesse quebrado a unitu.s
actus.

§ 5.935. TESTAMENTOS ESPECIAIS o permitir que baste (verbis “ao


menos”) serem contestes as testemunhas sôbre a leitura a elas.

1. TESTAMENTOS ESPECIAIS DO DIREITO BRASILEIRO Os


testamentos especiais do direito brasileiro são apenas o testamento marítimo
e o testamento militar.

O testamento marítimo pode tomar a feição de testamento público, no


sentido estrito, ou de testamento com oblação. Temos, pois, duas espécies
inconfundíveis.

O requisito da co-presença é evidente; e cabe, a respeito do testamento


marítimo, tudo que dissemos quanto ao testamento público ordinário. ~ de
notar-se, porém, que a lei permite ao comandante ou ao escrivão de bordo,
dadas as circunstâncias em que vulgarmente se fazem tais testamentos, a
faculdade de redigir as declarações do testador, se não preferir ditá-las êsse.
O comandante ou o escrivão de bordo, o testador e as duas testemunhas hão
de estar presentes “a. todo o ato”. Se o testador não sabe ou não pode
escrever, por êle assina uma das testemunhas, e é essencial que se declare
ser a rôgo do testador. Mas tal declaração é feita pela testemunha, e não
pelo comandante ou pelo escrivão de bordo.
Vale, a propósito do art. 1.657, o que dissemos quanto ao testamento
cerrado. Atendamos, contudo, a que, na parte da escrita, a redação do art.
1.657 é infeliz, e havemos de admitir que se não tolera a alografia da
assinatura, se o testador sabe ou pode escrever. A faculdade só se refere à
escrita, e não àassinatura.

Traço e princípio comum dos testamentos especiais ou extraordinários é


que, feitos, como são êles, em circunstâncias particulares, perdem a eficácia
quando se passa certo tempo após a cessação delas.

2. TESTAMENTO MILITAR. No art. 1.660, a respeito do testamento dos


militares e mais pessoas ao serviço do exército em campanha, é evidente a
exigência da unitas actus, sendo essencial a co-presença de quem serve de
oficial público, do testador e das testemunhas, que são duas, ou, se o
testador não pode ou não sabe assinar, três. Se três figuram e não figura a
assinatura do testador, vale o testamento, por não se ter exigido, no art.
1.660, a menção.

Trata-se no art. 1.661 de testamento com oblação, ao qual é inteiramente


aplicável tudo quanto, a respeito de imitas actus, se disse dos testamentos
cerrados.

Também o testamento militar tem prazo de caducidade.

O Código Civil possui o testamento militar nuncupativo, a que também se


aplica o art. 1.662.

A nuncupação supõe que o testador confie a sua última vontade a duas


testemunhas. Não seria possível que fizesse as declarações, em lugares e
tempos diferentes, às duas testemunhas. A co-presença é indispensável.
Certo, durante combate, ou em virtude de grave situação do testador, pode
não haver sala, ou tenda, em que êle solenemente diga o que quer, e basta
que o vejam e ouçam as duas testemunhas. De qualquer modo, há exigência
da imitas actus, porque, se uma testemunha ouviu o comêçó e a outra só
ouviu o fim, não se pode pensar em testamento válido.
3. CODIGO. No direito brasileiro, o codicilo é escrito particular, datado e
assinado. Escreve-o, data-o e assina-o o testador. Feito por escritura
pública, tem de obedecer às regras exigidas aos testamentos, e então é
possível não valer por infração da unitas actus. Escrito, datado e assinado
pelo testador, tal exigência não existe: pode escrevê-lo hoje, datá-lo mais
tarde, assiná-lo amanhã, ou quando quiser, ou vice-versa.

§ 5.936. Ausência e “unitas actus”

1. PRECISÕES. Quando se exige unitas actus, afasta-se qualquer


possibilidade de momento em que, na feitura do ato, alguma testemunha ou
o declarante se ausente. Se é quebra da unidade intrometer-se a lavratura de
outro negócio jurídico, ou entabular-se conversação sôbre assunto diferente,
ou ir alguma das pessoas figurantes almoçar, ou jantar, fora do lugar em que
se está a elaborar o testamento, casos há que constituíram problema técnico
a que o direito romano deu resposta e a que a doutrina contemporânea não
pode deixar de dedicar reexame cuidadoso.

No reexame, havemos de levar em conta a mudança das situações da vida.


Se é certo que em alguns lugares, hoje em dia, ainda persistem o
desconfôrto e a falta de meios de transporte dos tempos antigos e
medievais, de regra os tabeliães ocupam prédios dotados de instalações
próprias, e a deslocação dos doentes, testemunhas e tabelião se processa
com tôda a comodidade.

Em todo o caso, o jurista contemporâneo tem de atender às circunstâncias


de lugar, pois que nem todo o país apresenta o mesmo grau de civilização, a
fim de apreciar, iii concreto, a interrupção que as necessidades impuserem.
Por exemplo: não se compreenderia que, no Rio de Janeiro, ou em qualquer
Capita! de Estado-membro, o testador, ou alguma testemunha, ou o próprio
tabelião saísse do cartório para ir satisfazer exigências de ordem fisiológica
noutra casa, uma vez que haja, próximo, instalação adequada, ou no mesmo
prédio. Ainda é de observar-se que se não há de admitir a preferência por
quarto afastado, se outro mais próximo existe, ou se o cartório o tem seu.
2. RAZÕES DA SAIDA. Qualquer que seja a razão da saída, se alguma
pessoa figurante em algum momento se au-sentou, é preciso que o tabelião
narre o fato, sob pena de não ter observado a lei. Isso não quer dizer que êle
haja de mencionar, precisamente, o ato que se teve de praticar. Basta que
aluda a necessidades corporais, ou materiais, ou exigências físicas. Se
apenas alude a que teve necessidade de sair alguma das pessoas figurantes,
deixa na cédula causa explícita de suspeita de se haver quebrado a imitas
actus. Em tal assunto, o que mais importa é a fidelidade da narrativa, para
que não fique a vontade do testador exposta às ações de invalidade da
cédula testamentária.

Não se diga que o formalismo deve ceder ao privilégio da vontade última,


porque os requisitos formais foram criados exatamente para proteger essa
vontade última.

É bem possível que o testador só tenha confiança, verdadeiramente, numa


testemunha, e o recado urgente para que ela atenda a um telefone, ou vá
falar a alguém, constitua expediente usado pelos fraudadores, com a
cumplicidade das outras testemunhas, bem como do tabelião, para coação
ao testador, ou inserção de palavras no texto, ou alteração de números, ou,
até (e o caso não é nôvo>, de troca do Livro de notas. Se a ação de nulidade
sacrifica a vontade de um testador, a condescendência dos juizes, deixando
de observar as regras da legislação especial sôbre testamentos, expõe a
vontade de muitos testadores, abre portas às mais graves falsidades e põe
em risco a herança de qualquer pessoa.

O que acima dissemos vem a pêlo, porquanto, lamentável-mente, tantas e


tão audazes têm sido, nos últimos tempos, as elaborações capciosas,
obscuras, criminosas, de cédulas testamentárias, que não é fora de propósito
chamar-se a atenção dos juizes para o respeito dos pressupostos formais dos
testamentes. A cada passo, aparecem contempladas em cédulas
testamentárias pessoas que não são parentes, nem amigos íntimos, nem
necessitados de caridade, ou de proteção, e raramente os médicos que
assistem aos últimos momentos dos testadores têm a coragem de manifestar
à família, ou aos que cercam ocasionalmente o moribundo, a sua opinião
sôbre o estado mental dêle.
As exceções aparentes à unitas actue são as que foram apontadas na L. 28,
O., de testamentis: quemadmodum testamenta ordirtctntur, 6, 28.

Traduzindo-se o texto: “Como a antiguidade quis que os testamentos se


fizessem sem que medeasse algum ato, e o sentido de tais palavras, não bem
interpretado, redundava em prejuízo assim dos testadores como dos
testamentos, mandamos que, durante o tempo em que se faz um testamento,
ou se forma um codicilo, ou se celebra alguma disposição última segundo
antiga formalidade, e contamos com que nada se há de alterar nela, não se
façam, de maneira alguma, aquelas coisas que não são necessárias, pois
que, ocorrendo causa sutilíssima, o que é supérfluo não deve ser
intrometido. Mas, se acontece algo de necessário, e atinge o corpo mesmo
do paciente, isto é, o tomar alimentos necessários, ou poção, ou o dar-se ou
aplicar-se medicamento, de modo que, sem êles, perigasse a saúde do
testador, ou se o uso necessário da natureza é premente para o testador, ou
para as testemunhas, tratando-se de deposição de supérfluo, não seja
invalidado, por isso, o testamento, ainda que sobrevenha a uma das
testemunhas ataque de epilepsia, o que sabemos ter acontecido, mas,
executado ou deixado o que era urgente ou premente, se cumpram, de nôvo,
as formalidades usadas para a feitura do testamento”.

Assim, se o testador tem alguma coisa a fazer que fiquem dêle separados,
por se envergonhar o testador de alguma coisa natural, fazer diante delas,
introduzidas, de nôvo, as testemunhas, prossiga-se na feitura do testamento.
Se algo semelhante acontece a alguma ou a algumas das testemunhas e a
necessidade pode passar em breve intervalo de tempo, espere-se de nôvo o
regresso delas e levem-se a cabo as solenidades.

Todavia, se a reparação de caso fortuito necessita de mais largo espaço,


principalmente se ameaça a saúde do testador que está em perigo, então,
separada aquela ou separadas aquelas testemunhas a quem aconteceu coisa
semelhante, substituam-se outras, e pergunte-se, por ela ou por elas, assim
ao testador como às demais testemunhas, se todas as coisas que
antecederam à presença da nova ou das novas testemunhas se passaram ante
todos. E, se todos são acordes, façam elas, ou ela, juntamente com as
demais testemunhas, o que é preciso fazer-se, ainda que, no intervalo, já se
houvessem lançado assinaturas das testemunhas. Porque, assim, atendemos
à natureza, e fazemos permanecer em seu estado às últimas vontades dos
mortos.

O Código Civil brasileiro está longe de anuir em tudo que aí se permite. A


doutrina não pode tolerar, diante do direito expresso, que se substituam
testemunhas, quebrar-se-ía a unitas actus. Por outro lado, se assinaturas há,
como se supôe no texto romano, a saida da testemunha ou se deu entre a
leitura e a assinatura pelas outras, ou depois da leitura e assinatura pelas
outras, e então nenhum valor tem o testamento, que a testemunha ou
testemunhas, que saíram, não sabem se é o que foi lido. A assinatura do
testamento é ato rápido, e a lei brasileira, além da co-presença, exige que as
assinaturas sejam “em seguida à leitura” (art. 1.632, IV).

O Código Civil exige que as testemunhas assistam a todo o ato. Quer dizer:
que estejam presentes a) no momento em que o testador vai começar a ditar
o testamento ou a prestar as declarações (testamento ditado ou declarado) ;
b) no momento em que começa a ditar ou prestar as declarações; c) durante
os momentos subsequentes em que se prossegue o ditado ou a declaração;
d) a tôda a redação do testamento, quc. há de ser à medida que o testador
dita ou declara,; porque não seria de admitir-se que o tabelião ouvisse todo
o ditado ou as declarações e só depois, confiando na sua memória, ou nas
suas notas, redigisse o testamento; e) à leitura do testamento, que há de ser
logo após a escrita e sem quebra da co-presença de todos os figurantes; f) à
declaração do testador de que está conforme o que ditou ou declarou, ou à
indicação dos pontos que precisam ser acentuados, alterados, corrigidos,
repetidos ou retirados; g) à leitura, dos pontos acêntuados, alterados.
corrigidos, repetidos ou retirados, e à declaração do testador de que está
satisfeito com a forma e o fundo; h) à assinatura do testamento pelo
testador, testemunhas e tabelião, que há de ser “em seguida à leitura”.

8. CASOS EM EXAME. Em conseqUência do que acima foi dito, temos: a)


Se as testemunhas declaram que só ouviram a leitura do testamento, isto é,
que não ouviram as declarações ou ditado do testador, é nulo o testamento.
b) Também é nulo‟ o testamento se o tabelião escreveu o testamento em
quarto contíguo ao do testador, ou em lugar em que não o viam as
testemunhas, ou em que não o via o testador. O testamento tem de ser
escrito à medida que o testador fala, de modo que não é possível tomar
notas o tabelião, para depois as lançar, ou receber das mãos do testador, ou
de outrem, minuta, ou apontamentos. o) O testamento é ato de rigor formal,
que exige a co-presença de todos os figurantes (testador, testemunhas,
tabelião), e, assim, é nulo o testamento se o tabelião lança qualquer
proposição ao Livro de notas quando não estão presentes todas as
testemunhas e o testador. A satisfação das necessidades fisiológicas que
permite rápido afastamento implica parar-se a recepção das declarações do
testador e, como essas declarações‟ hão de ser escritas, corrente e
imediatamente, pelo tabelião, nada justifica que, ausente algum dos
figurantes, o tabelião escreva qualquer frase ou palavra. d) Se as
testemunhas depõem que o testamento foi feito segundo apanhado,
canhenho, ou rascunho, ainda que escrito pelo testador, não vale.

e) Se o tabelião tomou as declarações sem ver o testador, ou parte delas,


sem no ver, o testamento é nulo, porque é preciso que o tabelião veja e ouça
o testador para identificar a procedência da voz e assegurar a liberdade de
testar.

Se o tabelião não vê o testador quando êsse fala, não pode saber se a voz
édêle, ou, pelo menos, se, ao falar, fala sem coação física ou moral. f) Se,
durante a leitura, não se achava presente alguma testemunha, ou não se
achavam presentes algumas testemunhas, ou o oficial, nulo é o testamento.
g) Se o testador, o oficial público ou alguma testemunha se ausentou entre a
leitura e a assinatura de todos, nulo é o testamento.

Os testamentos, ainda públicos (senso estrito), ou cerrados, podem ser feitos


à noite. Lê-se na L. 22, § 6, D., qui testamenta facere possunt et
quemadmodum testamenta fiant, 28, 1: “Posse et nocte signari testamentum
nuíla dubitatio est”.

A~ falta de luz, durante a noite, impede a validade do testamento, ou, pelo


menos, o faz suspeito. É de LUDF.
OFE‟. MADrnN: “testamentum noctu absque luminibus confectum
suspicionem falsi habet, quae per probationem contrarii elididebet”. Assim,
firma-se a presunção, e só a prova contráriapode elidi-la. Em todo o caso, a
opinião de alguns que exigiam*três luzes, com invocação da L. 1, § 10, D.,
de inspiciendo ventre custodiendo que partu, 25, 4, orça pela pilhéria (Ru-
flOLl‟I-T FREIHERR VON HOLZSCHUHER, Theorie und Casuistikdes
gemeinen Civilrechts, II, 726). Foi posta de lado a atitude dos que excluiam
a prova em contrário, como CHE. FR.

VONMUHLENBRUCH. No caso de doença contagiosa do testador,


perguntou-se epergunta-se se podem ficar longe as testemunhas. A
questãofoi assaz controvertida. Tratava-se de interpretar a L. 8, C., de
testamentis: quemadmodum testamenta ordinantur, 6, 28.Alguns escritores,
apoiados na Glosa e. em GoDOFREDO (sôbreo testamento feito tem pore
pestis), respondiam que não ficariaquebrada a unitas actus, mas a
circunstância havia de serjustificada, uma vez que a solenidade é que
importaria. (Aliás,alguns falam de interrupção desculpável e excepcional,
em vezde permanência excepcional da unitas actue.) Ainda aí,ALBRECHT
SCI-IWEPPE mostrou que o quarto, em que podiamficar as testemunhas,
havia de ser o imediato, naturalmentepara que fôsse verdadeira a solenidade
testamentária (Das rõmische Privatrecht iii seiner heutigeu Anwendung, V,

4 a ed., 119). CER. Ri. vON

MtYHLENERUCH (Lehrbuch ties Pandecten-Rechts, III, g a ed., 342)


somente cogitou do testamento privilegiado (testamentum tempore pestis
conditum).

Desde logo observemos que a Glosa e GODoFREDO se referiam ao


testamento privilegiado tem poris pestis conditvm GUST. Ltmov. THEOD.
MAREZOUL supôs doença súbitamente manifestada, que atinja ao testador
ou alguma testemunha, para dizer que, então, a unitas actus é inatingida
pelo afastamento (Zeitschrift fúr Civilreckt und Prozess, V, 77). O que é
certo é que se misturaram a questão de lege lata do testamento ordinário e a
questão do fundamento do privilégio.
Para a crítica das diferentes opiniões é útil a leitura do escrito de E.
ACKERMANN (Ueber das testament zur Pestzeit, Archiv fiir die
civilistieche Prazis, 82, 55-82).

Outros pensavam na unitas boi e só exigiam que as testemunhas vissem e


ouvissem o testador. G. E. PUCHTA (Pandekten, 9? ed., § 467, 674) foi
dêsse número, com J. N. VON WENING~INGENHEIM e KARL AD.
VON

VANGEROW (Lehrbuck der Pandlekten, II, 142).

Diante do texto da L. 8, essa, que foi a mais velha interpretação, se firmou


nas Basílicas, segundo a tradução de FABUGIO: “Si metuerint testes
accedere proprius ad testatorem, no morbi contagione inficiantur,
permittatur eis, ut separatim ab eo testamentum signent”.

Na L. 8, C., de testamentis: quemadmodum testamenta ordinantur, 6, 28,


lia-se: “Casus maioris ac novi contingentis ratione adversus timorem
contagio~Iis, quae testes deterret, aliquid de iure laxatum est: non tamen
prorsus reliqua etiam testamentorum solemnitas perempta est. Testes enim
huiusmodi morbe oppresso eo tempore lunge atque sociari remissum est,
non etiam conveniendi numeri eorum observatio sublata”.

Em português: “Em razão de caso de fôrça maior e de nova contingência


por temor de contágio, que aterre as testemunhas, algo se atenuou no
direito. Mas não foram suprimidas também as demais solenidades
testamentárias.

Assim, atacado de alguma enfermidade o testador, dispensou-se que as


testemunhas se juntassem e reUnissem no momento, e por igual se suprimiu
a formalidade de se reUnir o número delas”.

§ 5.986. AUSÊNCIA E “UNITAS ACTUS”

Em verdade, só se facilitou a dispersão, pela receptividade de cada um ao


temor do contágio: e quanto às testemunhas, algo se atenuou no direito.
Mas não foram suprimidas outras exigências, e.g., o verem e o ouvirem as
testemunhas o testador e serem vistas por êle, não ficaram eliminados.

Se a doença é perigosa sem ser contagiosa (e.g., epilepsia), desde que o


afastamento seja só enquanto dura o ataque, não há defeito.

O testamento tem pore pestis conditum não existe no direito brasileiro. A


respeito dêle os doutrinadores portuguêses eram decisivos: não no havia.
Não havia lei que o privilegiasse. Mas verdade é que duas decisões se
citavam: as que vêm em ANTÔNIO DA GAMA (Decisiones Supremi
Senatus Regni Lusi„taniae, 81, 210) e em JORGE DE CABEPO
(Practicarum Observationum sire Decisionum Supremi Senatus Regni
Lusitania e., 170 e 199), ao tempo de grassante peste (cp. FRANCISCO
PINHEIRO, Tractatus de Testamentis, 1, 280 s.).

Legalmente, não existia; mas, diante do estado de necessidade, rendiam-se


os praxistas. Daí a dúvida, o afirmar-se

“não o haver” pelo lado da lei, e não se querer assegurar, pelo lado do
direito. Vacilações de que dão mostras MANUEL DE ALMEIDA E SOnSA
(Notas de Uso prático e criticas, III, 265) e ANTONIO JOAQUIM DE

GOUvEL4. PINTO (Tratado regular e prático dos Testamentos e


Sucessões, 81). PASCOAL JOsÉ DE Mimo FREIRE não duvidou: “neque
praeterea ad illius validitatem necesse est, quod testes iungantur, et quod
eodem momento, et tempore subscribant” (Institutiones furis Civilis
Lusitani, Livro III, 5.~ ed., Titulo 5, § 16).

CAPITULO XXVII

REVOGAÇÃO DOS TESTAMENTOS

§ 5.937. Precisões iniciais

1. MATÉRIAS EM EXAME. A propósito da revogação dos testamentos, o


Código Civil estatui: a) sôbre a revoga çdo prôpriamente dita (art. 1.746),
que há de ser feita por testamento ou forma testamentária; b) sôbre a
totalidade ou parcialidade da revogação (art. 1.747) ; o) sôbre a infirmação,
que se caracteriza pela incompatibilidade no tempo (art. 1.747, parágrafo
único) d) sôbre a caducidade, a destruição ou deserção (art. 1.748) e) sôbre
a destruição material (artigo 1.749) ; f) sôbre os casos de ruptio (arts. 1.750
e 1.751) ; g> sôbre o não se romper no caso do art. 1.752.

O sistema jurídico brasileiro não tem prescrição, nem prazos preclusivos


para os testamentos. Feitos, valem em todo tempo, salvo revogação. Se
remontarmos às leis visigóticas,. veremos que o testamento hológraf o tinha
a prescrição de trinta anos (Lez Visigothorum, II, 5, 16). Mas a de dez anos,.
que se viu no direito romano, não surgiu no Breviário (Codez
Theodosianus, IV, 4, 6, interpret.). Cf. arts. 1.658-1.662.

2.VIDA DOS TESTAMENTOS. O princípio ambulatoria usque ad vitae


supremum ezitum a voluntas defuncti é hoje da essência do testamento, tal
como se cristalizou, através dos tempos, a revogabilidade. Assim como são
nulas as cláusulas pré-excludentes de futuros testamentos e as que dizem
irrevo gável o que se fêz, não nulas as poenae que se prometem aos
beneficiados para o caso de revogação.

Todo o assunto da revogabilidade inderrogável foi tratado. O que ora nos


interessa é a maneira, são as espécies, os efeitos de revogação expressa, ou
revogação tácita, ou ruptura dos testamentos.

Em testamento, como em qualquer outro ato jurídico, não pode a pessoa


vincular-se a não revogar testamento ou codicilo, ou qualquer disposição de
vontade ou cláusula inserta em testamento ou em codicilo. Tudo que se
disse é revogável. IJLPIANO falava de ambulatoriedade da vontade dos que
testam, de modo que da vontade do defunto êle cogitava como mudável,
ambulatória, até que a morte chegou. Mas, em vez de aludir ao tempo
passado, empregou “é” (est), em vez de “foi” (L. 4, D., de adimendis vel
trans ferendis legatis vel fideieommissis, 34, 4:

“ambulatoria enim est voluntas defuncti usque ad vitae supremum exitum”).

Qualquer testamento pode conter a cláusula revogatória. Se a cláusula é


cláusula de irrevogabilidade, é nula; não pelo fundamento, que se costuma
invocar, com citação de HERMOGENIANO (L. 22, D., de legatis et
fideicommissis, 32), o de não se poder ditar norma para si que prive de
afastar o que antes se disse; mas, sim, com o da inadmissibilidade de se
vedar a alguém que manifeste a vontade, principalmente se para eficácia
após a morte. A

<cláusula de irrevogabilidade criaria vinculação para o patrimônio, quando


falecesse o testador, a despeito dos elementos subjetivos e objetivos que
podem ocorrer antes disso. (É êrro chamar-se a tal cláusula “clausula
derrogatória”. Trata-se de clausula de nau revocanda priore voluntate, que
é proibida, máxime nos Estados que não têm o pacto sucessório, porque o
pactum de nau revocando testamento seria vedado como pacto sucessório e
como pactum de nou revocanda priore voluntate.)

Qualquer revogação tem de ser manifestação unilateral de vontade a causa


de morte e com as formalidades testamentárias. A cláusula de revogação
posta em codicilo não pode revogar testamento: pode revogar codicilo ou
alguma disposição ou cláusula de codicilo.

O ato que impede revogação pode apenas ser ato ilícito, que dê ensejo a
indenização de perdas e danos. O que poderia ter sido revogado, e não no
foi, persiste. Se a violência ou o dolo ou o êrro atinge ato revogatório, que
se perfizera, há invalidade dêsse. O texto revogatório há de ser negócio
jurídico perfeito.

3.ESPÉCIE DE INVALIDAÇÀO E INEFICÁCIA DOS TESTAMENTOS.


Cumpre que se distingam, para se salvar a limpidez tradicional,
têcnicamente útil, da terminologia, os testamentos: a) Testamento revogado,
aquele a que outro, válido, se seguiu; era, nos primórdios romanos, o único
meio de revogação: o testamento per aes et libram, feito por uma
mancipatio e uma nuncupatio, só outro testamento revogava (sem dúvida
ocorria o mesmo ao comicial). Formalismo revogatório, assaz
compreensível, com o inconveniente de, às vêzes, ter havido a vontade, e
não bastar a forma. Antes do direito preto. riano, uma vez feito um
testamento, não era possível voltar-se à sucessão ab intestato. O direito
imperial veio admitir a possibilidade prática de se fazer Wstamento nôvo
sem se revogar o antigo.

b) Testamento rôto (ruptum), o que se invalida pela superveniência de


herdeiro seu.

c) Testamento iniustum, o que é nulo ab initio, ou por lhe faltar elemento


essencial, por incapacidade, ou omissive do suus heres, sem devida
deserdação. É o mesmo dizer nou inre factum.

d) Testamento destitutum, desertum, aquele em que nenhum dos herdeiros


instituidos recolhe a herança, ou pelo fato de a haver renunciado, ou pela
premorte, ou pela incapacidade de suceder.

Mas, no direito romano, ruptum também se dizia o testamento que outro


revogava. É aconselhável guardar-se a expressão róto para o testamento dos
arts. 1.750 e 1.751. Destitutum é o caduco do art. 1.748. A superveniência
da incapa-cidade não invalida o testamento eficaz (art. 1.628), de modo que
não temos, hoje, o testamento irrito. Não há morte civil~ nem as religiões
podem limitar a liberdade de testar.

4. DISTINÇÕES DE GRANDE IMPORTÂNCIA TÉCNICA. Finalmente:


cumpre que se não confundam nulidade, caducidade, revogação e
insubsistência ou infirmação. Para haver nulidade, é de mister ser privado
de valor desde o momento em que se fêz: absoluta, ou relativa; portanto,
independente, ou não, de ação, ela existia, por si, ou proclamável por
sentença desde o momento em que se redigiu a cédula. A caducidade, a
insubsistência e a revogação, ao contrário disso, supõem a validade original,
que uma causa posterior vem destruir: nasceu vivo, porém algo o fere e
mata. Era suscetível de produzir todos os efeitos, mas deixou, por efeito de
causa posterior, de o ser. Se êsses lhes são os traços diferenciais em relação
ao testamento nulo ou anulável, há os que distinguem o testamento caduco e
o revogado. Em ambos, a causa invalidante é posterior, porém vinda da
própria vontade do testa.dor em se tratando de revogação, ao passo que de
fonte estranha, como a premorte do herdeiro, em se tratando de caducidade.
Os legisladores alemães distinguem a revoga çdo (Widerruf), que deriva de
wider, re- e ruf, grito, voz, vocatio, isto é, vogação, e a Aufhebung, que
provém da contradição entre o posterior e o anterior.

Assim: A faz o testamento a e, depois, quer pó-lo fora de qualquer eficácia,


ainda que se em parte; dispõe que êle não é mais, ou não é a disposição, que
êle queria revogar. Ei-nos diante de caso de revogação. Mas, se nada disse,
se não se referiu a qualquer disposição para a desfazer, persistem os dois
testamentos, salvo no que forem incompativeis. No que se contradisserem, o
segundo prevalece contra o primeiro, dá-se a revogação, a Aufhebung.

Heben é tirar, retirar; aufheben, tirar fora, levantar.

No Código Civil brasileiro, não se foi a tal rigor de terminologia. Porém é


útil adotá-la. À rex>ogação negativa chamaremos revoga$o; à revogação
positiva, isto é, pelo conteúdo positivo de testamento posterior, infirmação,
insubsistência.

A soluções novas, novas palavras.

§ 5.988. Regras juridicas sôbre revogação dos testamentos

1. TExTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.746: “O testamento pode ser
revogado pelo mesmo modo e forma por que pode ser feito”.

A fórmula do Código Civil, bem moderna, procede da Comissão da


Câmara, em 1902 (Trabalhos, VI, 515), com a emenda de ANDRADE
FIGUEIRA. O Projeto primitivo, art. 1.907, reconhecia a revogação por
escritura pública.

O Projeto revisto, art. 2.111, exigia a tal escritura as formalidades do


testamento público.

2.FONTE. Inspirou o Código Civil, art. 1.746, o direito contemporâneo,


limpo da exceção, adiante estudada, em favor da escritura pública, com as
formalidades gerais dos atos por instrumento público, e da revogação
codicilar, que estavam no Projeto revisto, art. 2.111, inciso 2, constituiria a
transição que tentara pôr nos devidos têrmos o caso da revogação por
escritura pública: “por declaração feita pelo testador, pessoalmente, perante
qualquer oficial público, que exerça as funções de tabelião ou de notário,
com as formalidades do testamento público”. O Código Civil, art. 1.746,
abstrai de tudo isso.

3.APLICAÇÃO MODERNA DO PRINCÍPIO. O art. 1.746 do Código


Civil consagra aplicação especial da L. 85, D., de diversis regulis inris
antigni, 50, 17: “Nihil tam naturale est quam eo genere quidque dissolvere,
quo colligatum est”. A êsse dizer de ULPIANO precedera o de GAIO, na L.
100: “Omnia, quae iure contrabuntur, contrario iure pereunt”. Mas tal
princípio, aplicado aos testamentos, antes e, agora, no Código Civil alemão,
no suíço e no brasileiro, ganha explicitude, que lhe dá valor próprio e
implica afastamento de revogações por outros meios que não sejam formas
testamentárias. Alude-se, implicitamente, àqueles meios, e tira-se-lhes a
possibilidade jurídica de se admitirem outros.

4. ATO JURÍDICO DO TESTAMENTO. Como ato jurídico, simétrico ao


testamento, a revogação e a infirmação supõem agente capaz, vontade livre,
sem vícios, e os mais requisitos intrínsecos do ato testamentário. Trata-se de
declaração uni-. lateral de vontade, de vontade última, como o testamento.
No direito brasileiro, não se tem a exceção do § 2.253, alínea

2 a, do Código Civil alemão. Tudo que se disse sôbre a faculdade de testar,


sôbre a capacidade testam entária ativa, sôbre êrro, dolo e outros defeitos
da vontade, sôbre a capacidade para ser testemunha, sôbre interpretação,
aplica-se à revoga ção e à infirmação. Seria escusado repetir tudo que se
disse nos Tomos LVI-LVIU (capacidade e forma), por isso mesmo que tudo
concerne ao ato intrínseco e formal do testamento, e os dois elementos
invalidantes são, necessàriamente, ainda que negativos ou nus, testamentos:
vale dizer formas testamentárias.

Não só. Aplica-se à revogação tudo que foi dito sôbre interpretação.

5.PERDA DE EFICÁCIA DO TESTAMENTO. O Código Civil cogita da


revogação do testamento (arts. 1.746-1.749), da ruptura, ruptio, do
testamento (arts. 1.750-1.752), e da caducidade dos legados (arts. 1.708 e
1.709). Não dedicou regra jurídica especial à perda de eficácia das
disposições testamentárias, por ter mediado negócio jurídico entre vivos, de
eficácia anterior ao comêço da eficácia do testamento, que é no momento
que se segue à morte do testador. Tal assunto pertence, por sua
generalidade, à Parte Geral do Direito Civil. Se, ao tempo de se iniciar a
eficácia do testamento, que é negócio jurídico perfeito em vida do testador,
mas de efeitos só após a sua morte, o testador concluiu negócio jurídico
com cuja eficácia seria incompatível a eficácia do testamento, deixa êsse de
a ter, enquanto aquela eficácia não cessa, ou deixa êsse de a ter para sempre,
se aquela eficácia não cessa nunca. Se o testador pôs na quota do herdeiro o
direito de habitação (Código Civil, arts. 746-748) da casa h e, em vida, deu
em usufruto a casa h a outrem, ou lhe doou a propriedade a outrem, a
disposição testamentária é ineficaz, porque não se pode habitar, por direito,
o que, por direito, outrem usufrui, ou não pertence ao testador. Para se
resolverem os problemas relativos a isso, ou se teria de lançar mão de
analogia com as espécies do art. 1.708, 1-Til, do Código Civil, ou do
princípio geral de direito, segundo o qual a eficácia do fato jurídico só se
produz, se não há, no mundo jurídico, eficácia que a pré-elimine.

Se a deixa é legado, o art. 1.708, I-V, incide. O testador quis legar biblioteca
para ser aberta ao público, constituindo-se fundação, e vende, antes de
morrer, o prédio, ou quase todos os livros, mudou de vontade, sem haver
revogação que éretirada da voz (revocatio) e a disposição testamentária
caduca. Outrossim, se o testador diz legar fazenda, para posto de ensino
agrícola, e a loteia, antes de morrer, não deixando o que se preste ao
cumprimento da sua vontade. Ambas as espécies cabem no art. 1.708, 1.
Porque, aí, a alienação não operou como diminutiva do valor, mas sim
como modificativa da coisa, tornando-a inadequada à deixa testamentária,
em sua forma, ou em sua destinação. ~ a adenção, espécie de caducidade.

§ 5.989. Forma e revogaçao

1. FORMA DE REVOGAÇÀO DOs TESTAMENTOS. Já se tratou da


revogabilidade dos testamentos. O que ora nos interessa é vermos os
modos, pelos quais, no todo, ou em parte, êles se revogam.
Ato unilateral, declaração de última vontade, restaurador da sucessão
legítima, ou de outro testamento, ou outro testamento, de data diferente do
que se revoga (data ou hora, nada importa), constitui ato testatório, portanto
personalissimo, como o testamento (F. ENDEMANN, Lehrbuch des
Ruirgerlichen Rechts, Jfl, 8A-9.~ ed., 544).

Exige a capacidade de testar, exige as mesmas formalidades, a mesma


disponibilidade de espírito, sem a qual não haveria ânimo livre de revogar.
Nulo e anulável, nos mesmos casos que o são os testamentos. Em verdade,
é outro testamento, talvez só negativo, ou, o que lhe dá certa autonomia,
consistente, tratando-se de testamento cerrado ou particular, em atos de
inutilização material.

Há duas espécies de revogação: a expressa em palavras e a tácita. Alguns


autores falam de revogação presumida, que é a que consiste na
superveniência de descendente sucessível, ou na ignorância de quaisquer
herdeiros necessários (artigos 1.750 e 1.751). Quanto ao fundamento, é bem
de ver que se trata de presunção de vontade, pois variaram ou se revelaram
de outro modo as circunstâncias em que o testador testou. Mas a velha
expressão ruptum dá a noção de regra jurídica objetiva, de efeito da
aplicação legal: rompe-se. Tanto isso é certo que só as circunstâncias dos
arts. 1.750 e 1.751 podem ter aquelas conseqúências revogatórias. Nem é da
essência do testamento, nem as leis contemporâneas o estabelecem. Tudo
mostra tratar-se de ruptura ditada por lei, O art. 1.751

éparticularidade do Código Civil brasileiro e do Código Civil argentino, art.


8.715. Se percorremos o revogado Código Civil italiano, arts. 888 e 889, o
Código Civil venezuelano, art. 942, o revogado Código Civil português, art.
1.760, e o Código Civil peruano, art. 846, só lhes encontramos, com
diferenças, regras jurídicas que correspondem ao art. 1.750. Só o Código
Civil brasileiro e o argentino estatuem que se rompa, se houver ignorância
de outros herdeiros necessários. Chamemos, pois. testamento róto:
ganharemos em precisão e atenderemos ao fato, bem considerável, de
provir da lei, mais do que das garantias do livre querer testamentário, o
efeito invalidante. Do Código Civil alemão, § 2.079, falaremos a respeito
do artigo 1.750, ali há, evidentemente, cláusula rebus sie stantibus.
2. REVOGAÇÀo NOS CónIcos CIvIs DE HOJE. No direito alemão, a lei é
concisa: “A revogação faz-se por testamento” (§ 2.254: “Der Widerruf
erfolgt durch Testament”).

No Código Civil suíço, art. 509, declara-se que o disponente pode revogar
seu testamento em qualquer tempo, observando uma das formas
estabelecidas para testar. Entendem os comentadores: testamento público,
hológrafo, e dadas as circunstâncias oral. Porque admite o contrato de
herança, também êsse (P. Troa, Das Erbrecht, Kommentar vim
Sckweizerischen Zivilgesetzbuck, 111, 841; A. ESCRER, Das Erbrecht,
Kommentar zuhi schweizerischen Zivilgesetzbuch. III, 95). Formas
testamentárias, e não, estritamente, testamento.

No direito francês, o Código Civil conhece dois meios (artigo 1.085) : “Les
testaments ne pourront être révoqués, en tout ou en partie, que par un
testament postérieur, ou par un acte devant notaire, portant déclaration du
changement de volonté”. No entanto, e apesar de se falar em “testament
postérieur”, foi reconhecido que o ato revocatório não precisava ser
testamento: bastaria a forma testamentarta.

Também o direito inglês exige às revogações as mesmas formalidades dos


testamentos. São aplicáveis as mesmas nulidades, as mesmas regras
jurídicas (Wills Act de 1887, sect. XX). É preciso o animus revocandi,
quando tiver havido rompimento, ou dilaceração.

8. FORMA DO TESTAMENTO ANTERIOR E FORMA DA


REVOGAÇÃO. Não é preciso usar-se a mesma forma que se usou no
testamento revogado. Testamento público pode ser desfeito por outro,
público, cerrado, ou particular, bem como, sendo o caso, pelos especiais, O
testamento particular, por qualquer dos outros, bem como os demais. Em se
tratando de militar, eu de gente do mar, a revogação também pode fazer-se,
nas circunstâncias

especiais, que as formas privilegiadas requerem, pelo modo por que se


fazem os testamentos dos artigos 1.656-1.668 (F. RITGEN, em O.
PLANCE, Búrgerliches Gesetzbuch, V, 476; Motive, 296).

4.ORIGEM DAS REVOGAÇõES POR ESCRITURA EM NOTAS. ~De


onde vem a revogação por ato notarial, com as formalidades gerais dos atos
jurídicos, porém sem as especiais dos testamentos? Os Códigos Civis que
ainda a admitem creram seguir a lição romana da L. 27, C., de testamentis:
quemadmodum testamenta ordinantur, 6, 28 (Justiniano, 580), mas por
leitura superficial: o que o Imperador pretendeu foi permitir a simples
revogação, ou revogação nua, sem instituição de herdeiro, e por isso lhe
exigiu três testemunhas, e não outra forma. O art.

1.085 do Código Civil francês procede de comentários e glosas ao Codez e


às Institutas. No direito português, de GROENEWEG e J. BRUNNMANN.
de J. DOMAT e do Código Civil francês. Cf. Código Civil português
(1966), artigo 2.812.

Têm-na o Código Civil francês, art. 1.035, tinham-na o Código Civil


italiano revogado, art. 817, e o Código Civil português revogado, art. 1.755.
Constitui motivo de delicada questão de direito internacional privado.

A revogação do testamento não pode ser feita sem ser em testamento e as


espécies de revogação previstas em lei só existem se a lei é clara. Não
basta, sequer, declaração do testador feita em juízo ou em tabelião, sem a
forma testamentária. No próprio Código Civil russo, art. 426, que admite a
declaração em ato notarial ou judicial, exige o registo.

5. REVOGAÇÃO POR ESCRITURA PÚBLICA, SE É POSSÍVEL. Por


escritura pública, que não seja testamento, ou por escritura particular, que
tenha os requisitos do testamento particular, ~ podem revogar-se os
testamentos?

A negativa, adotaram-na, no Brasil, CLóvIs BEVILÁQUA <Código Civil


comentado, VI, 210) e ITABAIANA DE

OLIvEIRA
(Elementos de Direito das Sucessões, 2~a ed., 898). Para o primeiro, a
intenção do Código Civil foi abolir essa forma revogatória, o que resulta da
supressão das palavras dos Projetos, que a consignavam. Também o
codicilo, acrescentou, não é meio adequado de revogar testamento. Quanto
a êsse último ponto, estudaremos a questão. Para o segundo, a revogação
somente pode ser feita por meio de testamento, mas o de uma forma pode
revogar o de outra.

A tradição do direito é contra a exclusão da escritura (JosÉ HOMEM


CORREIA TELES, Digesto português, III, 1883, § 8; M. A. COELHO DA
ROCHA, Instituções de Direito Civil português, 8.~ ed., § 724; Código
Civil francês, art. 1.035). Mas só em relação à escritura pública.

Temos, pois, de dividir a questão: escritura pública, escrito particular, com


as formalidades dos testamentos particulares.

6.EScRITuRA PÚBLICA. O direito brasileiro anterior permitia a revogação


do testamento por meio de escritura pública, isto é, por ato revestido das sós
formalidades que o direito notarial exige aos instrumentos públicos. De
modo que havia a revogação por outro testamento e a revogação por
escritura pública. Constituía, pois, permissão excepcional. A regra é só se
revogarem testamentos por testamentos. Vemos acolherem a revogação
notarial sem requisitos de testamento o Código Civil francês, art. 1.035 (par
un acte devant notaires, portant déclaration du changement de volonté), e o
Código Civil português revogado, art. 1.755. No Código Civil italiano
revogado, art.

917, havia a exigência especial de quatro testemunhas: “1 testamenti


possono essere riv ocati in tutto o in parte con un testamento posteriore, o
con un atto ricevuto da un notaio in presenza di quattro testimoni che lo
sottoscrivano, in cui il testatore personalmente dichiari di rivocare o in tutto
o in parte la disposizione anteriore”. Porém a corrente contemporânea, mais
prática e mais lógica, é no sentido de equiparar o ato de revogação e o ato
de testar. Em verdade, quem revoga testa. ~ Por que se havia de admitir que
uma forma, insuficiente para a feitura do testamento, fôsse bastante para o
destruir? ~„,Como explicar-se que se facilite a revogação de cédula a cuja
escrita válida tantas formalidades foram tidas por indispensáveis?

A excepcional permissão produz grave questão: se a escritura pública basta


para revogar, porém não para disposições positivas de última vontade, ~
como resolver-se em face de testamento público, revogatório, nulo como
testamento (por faltar o número legal de testemunhas) e válido como
escritura de revogação? Na França, decide-se que, chamando-se testamento,
ou contendo disposição positiva, uma vez nulo nesta disposição ou em
virtude da escolha da forma, nula é a revogação. Mas estamos,
evidentemente, a ampanar as realidades da vida: ou a escritura basta, ou não
basta, para revogar. De si só, o argumento condena o regime excepcional do
Código Civil francês, que o direito brasileiro, antes do Código Civil, e o
direito português tiveram.

Artificial, inspirado em confusão entre a fé pública da escritura e o


formalismo testamentário (lei especial, de outra procedência), a permissão
da forma geral para revogar ato sujeito a forma especial, traz
inconvenientes, dúvidas, controvérsias, repugnantes à mentalidade dos
nossos dias.

No sentido da simetria entre ato testamentário criador e ato testamentário


destruidor vêm os Códigos Civis espanhol, art. 788; argentino, art. 8.827;
uruguaio, art. 999; boliviano, art. 532, peruano, art. 859; e japonês, art.

1.124. Finalmente, no século XX, o brasileiro, art. 1.746, após o suíço, e o


alemão, e o italiano de hoje.

Diz o Código Civil suíço, art. 509, alínea 1.a: “Der Erblasser kann eine
letzwillige Verfiigung jederzeit in einer der Formen widerrufen, die Rir die
Errichtung vorgeschrieben sind”. Na edição francesa, “Le disposant peut
révoquer son testament en tout temps à la condition d‟observer 1‟une des
formes prescriptes pour tester”.

Lá se interpreta que a forma da revogação não é espeeia], basta que se


exprima, claramente, a vontade do testador de revogar, no todo, ou em
parte, as disposições precedentes (EUGÊNE CURTI-FORRER,
Commentaire du Code Civil suzsse, 408), com observância de forma
testamentária

O Código Civil alemão, § 2.254, é expresso: “Der Widerruf erfolgt durch


Testament”. A forma que se escolhe, dentre as formas de testamento, não
precisa ser a mesma do testamento que se revoga (Protokolle, V, 851 s.).

Dadas as especiais circunstâncias, até o testamento marítimo e o militar


revogam os ordinários; por isso mesmo, em situações que os justifiquem, os
testamentos tem pore pestis condito, o extraordinário do Código Civil
alemão, do Código Civil suíço e de outros.

No Código Civil italiano (1942), art. 682, diz-se apenas:

“II testamento posteriore, che non revoca in modo espresso precedenti,


annulla in questi soltanto le disposizioni che sono con esso incompatibili”.

No Código Civil português (1966), art. 2.812, persiste a extensão. “A


revogação expressa do testamento só pode fazer-se declarando o testador,
noutro testamento ou em escritura pública, que revoga no todo ou em parte
o testamento anterior”. No art. 2.813: “1. O testamento posterior que não
revogue expressamente o anterior revogá-

lo-á apenas na parte em que fôr com êle incompatível. 2. Se aparecerem


dois testamentos da mesma data, sem que seja possível determinar qual foi
o posterior, e implicarem contradição, haver-se-ão por não escritas em
ambos as disposições contraditórias”.

No art. 680 do Código Civil italiano (1942) está escrito:

“La revocazione espressa puô farsi soltanto con un nuovo testamento, o con
un atto Picevuto da notalo in presenza di due testimoni, in cui il testatore
personalmente dichiara di revocare, in tutto o in parte, la disposizione
anteriore”.

Resta o direito testamentário do Código Civil soviético. Quando se lê a


segunda parte do art. 426 do Código Civil russo, pode ser que a primeira
impressão leve a incluí-lo na ordem do Código Civil francês e do Códig5
Civil português. Diz ela:

“Ainda sem fazer testamento nôvo, pode o testador anular o anterior por
declaração notarial ou judicial neste sentido, que se inscreve no registo de
atos ou no protocolo judiciário”. Se lermos o art. 425, no qual se cogita da
forma do testamento, veremos que a aparente exceção da alínea 2.~ do art.
426 só tem o efeito de permitir revogação nua: o legislador deixou claro que
outro testamento revoga (alínea 1.~) e, ainda sem disposição positiva (quer
dizer: sem fazer nôvo testamento), pode haver revogação. No fundo, o
mesmo que o Código Civil brasileiro, o suíço, o alemão e o italiano de hoje,
porque a exigência formal para a simples revogação é a mesma exigida ao
testamento. Com uma particularidade: poder fazer-se judiciàriamente e
inscrever-se no protocolo judiciário. Donde se conclui haver critério oposto
ao do legislador francês e do portugues: a revogação tem, lá, importância
maior.

7. ESCRITURA PÚBLICA COM O FORMALISMO DO TESTAMENTO.


A questão toma aspecto especialíssimo se a escritura pública se reveste das
formalidades do art. 1.632, isto é, tem os requisitos do testamento público.
Então, assaz se dilata o problema:

& valem as revogações que satisfaçam as exigências formais e materiais


dos testamentos públicos, ou particulares?

Noutros têrmos: a) Sem se dizer “testamento” e, em verdade sem dispor, ~ é


eficaz a revogação por escritura pública em presença de cinco testemunhas
e a declaração do oficial público de terem sido observadas as formalidades
legais, pcrta-3a por fé? b) Vale a revogação feita em escrito, que se não diz
testamento, nem dispõe, porém satisfaz a todos os requisitos do art. 1.645?

Por onde se vê que a resposta tem de ser buscada alhures: é testamento a


escritura pública, ou escrito particular, sem nome, ou com errada
designação, que tenha observado o formalismo dos testamentos públicos e
particulares?
Ora, já se disse que os atos jurídicos não dependem do nome que se lhes dê,
e foi citaçjo o caso de escritura denominada, por incompetência do tabelião,
“escritura de declaração de herdeiros”, ato que obedecia a todas as
formalidades exigidas aos testamentos públicos. Foi cumprido, como
testamento, que em verdade era. Dir-se-á o mesmo quanto às revogações:
não precisam de nomes, nem de ser “testamentos”, o que se lhes exige é que
obedeçam ao “modo e forma, por que pode ser feito” o testamento (art.
1.746).

O único Código Civil que, em vez de usar de expressões que correspondem


à equivalência de forma, diz que os testamentos só se revogam por outros
testamentos, é o Código Civil alemão, § 2.254; mas fôra absurdo, fôra
recuar até ao romanismo do direito clássico, esquecendo-nos a Constituição
de 53.0 (Justiniano), querer que se não admitissem revogações nuas, isso é;
não acompanhadas de disposições positivas ou de instituições de herdeiro.

Nem disso se cogita na doutrina.

8.ESCRITURA PARTICULAR. O testamento pode ser revogado por


escrito particular, que o próprio testador faça e assine, intervindo cinco
testemunhas a que leia, e por elas assinado. Pode não conter qualquer
disposição positiva e apenas dizer “fica revogado o testamento do dia tal”.
Vale a revogação, como valeria se, além disso, dispussesse

“lego cem apólices a E”: não teria nome, mas seria um testamento, em parte
positivo e, em parte, revogação.

Portanto, em carta, ou em outro escrito, sem o nome de testamento, a


revogação do testamento vale, se, ao redigi-la, seguir o disponente as
formalidades da lez boi para os testamentos particulares, uma vez que o seu
estatuto o permita. Assim, respeitou-se a forma testamentúria.

9. REvOGAÇÀO NUA. Não é preciso que o ato revogatório contenha


disposições positivas. Pode dizer tão-sómente: fica revogado o testamento
do dia tal; ou, tratando-se de revogação da revogação: fica revogada, sem
efeito, a revogação do dia tal.
Porém nem sempre foi assim. O testamento romano tinha um fito: a
instituição do herdeiro. Escolhido êsse, feito o testamento, só outro
testamento, jure civili, em forma regular, poderia desfazer o testamento
anterior. Era menos a voluntas testantium que o favor testamenti o critério
clássico. O que tinha importância era a designação do heres.

Nomeado, não se justificava que se abrissem as porta~, depois, à sucessão


legitima. Seria contrário à estrutura social e jurídica do povo romano. Foi o
Pretor, a vida, que veio, a principiar pelas considerações de integridade
física das tabulae e das suas partes essenciais, atenuar-lhe o excessivo rigor.
Foi curioso espetáculo o contraste, que durante longo tempo se travou, entre
o direito civil e o pretoriano. Só em 580 Justiniano (L. 27, C., de testamenti:
quemadmodum testamenta ordinantur, 6, 28) admitiu a revogação simples,
desacompanhada de nova instituição.

Se bem meditarmos na importância de tal ato legislativo, notar-lhe-emos a


gravidade, a verdadeira revolução que constituiu tão assinalada vitória da
voluntas testantium contra o favor testamenti. Não é mais ao herdeiro que
se visa, ao qual a organização social de Roma favorece, mas êsse elemento
humano, transeunte, que é a vontade de um homem que vai morrer. O
Eretor ainda mirava a vida: via essas particularidades quotidianas das
rasuras, do corte das linhas, da destruição das ta.bulae. Justiniano já
pertenceu a outra mentalidade, que se afastou da ânsia antiga de construir,
que era a de Roma: volia-se para a morte. Roma trocou de deuses.

As alterações nas verbas testamentárias podem ser apenas condicionais, ou


no tocante a pormenores, mas de qualquer modo se retirou parte da voz. Se
alguma das frases ou alguns dos trechos que a revogação atingiu era com
eiva de nulidade ou de anulabilidade, nem por isso se há de dizer que se não
deu revogação. A voz, a despeito da invalidade, lá estava, e retirada foi. Se
havia condição fisicamente impossível, uma vez que há, no sistema jurídico
brasileiro, a regra jurídica do Código Civil, art. 116, 13, não houve voz que
entrasse no mundo jurídico, de modo que a retirada da voz aí se passa em
plano fáctico (cf. Tomo III, § 258, 5). De passagem, observemos que, a
respeito das condições impossíveis, grave êrro cometeu CARLOS
MAXIMILIANO (Direito das Sucessões, II, 53 ed., 196; III, 165), que não
distinguiu do tratamento da condição fisicamente impossível o testamento
da condição juridicamente impossível, a despeito da explicitude do art. 116,
13 e

2 a partes.

10. REVOGAÇÀO CONDICIONADA. A revogação pode ser sujeita à


condição, desde que a condição seja das que se admitem nas últimas
vontades, ainda que possa realizar-se depois da morte (CARL CROME,
System des deutschen búrgerlichen Reokts, V, 114). Em geral, valem as
cláusulas privatórias que por outro motivo não violem as leis (F. RITGEN,
em G. PLANCK, J3iirgerliches Gesetzbueh, V, 239 e 475). Cumpre que
não se confunda a cláusula aposta ao ato com a que se apõe à nomeasão do
herdeiro ou legatário (Código Civil, art. 1.664).

Alguns testadores, prevendo que os herdeiros ou legatários promovam a


decretação de nulidade das suas disposições de última vontade, declaram
que, se isso acontecer, ficarão revogadas as liberalidades concedidas a êles.
Trata-se de revogação condicional. Em regra, válida. Só será ineficaz se
atingir direitos que não podiam ser feridos pela autonomia de vontade do
testador. Exemplo: as quotas indispensáveis.

11. CODICILOS E REvOGAçÕES DOS TESTAMENTOS. A lei cogita da


revogação total ou parcial, per posterius testamentum; porém nada diz
sôbre os efeitos derrogatórios dos codicilos. Fixa-lhes o teor, escrito e
assinado. Circunscreve-lhes o objeto, entêrro, esmolas de pouca monta,
legados de móveis, roupas, jóias, não mui valiosas, de uso pessoal,
sufrágios por alma do finado (Código Civil, arts. 1.651-1.797), nomeação
de testamenteiros (art. 1.658). Dá-lhes validade, exista, ou não, testamento
anterior (art. 1.652). O testamento posterior sempre os revoga, se os não
confirmou, ou, o que seria conf irma-los em parte, se os não modificou (art.
1.654).

~ O codicilo pode revogar, parcialmente, o testamento anterior? Logo nos


vem a resposta afirmativa, porque, nas coisas sôbre as quais a lei lhe
permite recair, não seria admissível duas validades, a do codicilo posterior,
que é por lei válido, e a do testamento revogável pelo mesmo modo e
forma, por que pode ser feito. Mas o codicilo é menos de um testamento!
Menos na forma, menos na possibilidade de abrangência ou objeto, menos
nas seguranças, que a solenidade confere aos testamentos. Mas a lei dá-lhe
vida autônoma.

O codicibo só pode tirar o que êle pode dar. Mas o que êle pode dar, claro
que o pode tirar. Não se pode apagar, com o codicilo, a herança que se
deixou em testamento. Nem deserdar. Mas duas validades, sôbre o mesmo
objeto, seriam absurdas: em tudo que podia consistir a disposição codicilar
revoga-se o testamento, antes feito. Ném será preciso dizer que tudo mais
subsiste: tudo mais não foi atingido. Só a declaraç~o válida, em codicilo,
risca a outra, sôbre o mesmo assunto, que se fêz no testamento.

12.REvOGABILIDADE DA REVOGAÇÃO. A própria revo~ gação é


revogável. Basta nova cédula que revigore o testamento por ela revogado.
Se não alude ao anterior, mas revoga, expressamente, a revogação, válido é
o testamento que antes valia, como se não houvesse sido revogado (F.
RITGEN, em O. PLANCK, Ritrgerliches Gesetzbuch, V, 476). No Código
Civil alemão, § 2.258, alínea 23, diz-se: “Se um posterior testamento fôr
revogado, o anterior terá os mesmos efeitos que teria se não tivesse sido
revogado”. Será eficaz, como se não se houvera feito a revogação ora
revogada.

Diz o Código Civil italiano (1942). art. 681: “La revocazione totale o
parziale di un testamento puô essere a sua volta revocata sempre con le
forme stabilite dall‟articolo precedente. In tal caso rivivono le disposizioni
revocate”.

E o Código Civil português (1966), art. 2.314: “1. A revogação expressa ou


tácita produz o seu efeito, ainda que o testamento revogatório seja por sua
vez revogado. 2. O testamento anterior recobra, todavia, a sua fôrça, se o
testador, revogando o posterior, declarar ser sua vontade que revivam as
disposições do primeiro”.
A lei brasileira não inseriu isso. ~Vale, no direito do Brasil, a regra jurídica?
Cumpre distinguir: a) Pelo fato de a consignar o Código Civil alemão, trata-
se de regra jurídica imperativa, de iw~ cogens,

“zwingendes Recht”, que resiste a tôda interpretação (E. ITEEZFELDER,


Erbrecht, .1. von Stuudingers Kommentar, VI, 794), como a que aparece no
§ 2.289, alínea 13, parte 13, sôbre o contrato de herança.

b) Pelo fato de não na consignar o Código Civil brasileiro, não se conclui


que ela não existe no direito: não está na lei; mas isso é outra coisa.

Ela existe; constitui princípio geral de direito, está implícita no sistema do


Código Civil. O de que não se trata é de ins cogens, regra jurídica
imperativa. Constitui regra jurídica de interpretação. No tocante ao direito
internacional privado, estudaremos os sistemas sôbre a matéria.

Se a revogação foi pelo processo destrutivo (art. 1.749), não se confere à


revogação da revogação o efeito de trazer à. vida o testamento que
materialmente não subsiste. O que foi queimado ou dilacerado não volta a
valer.

Os princípios que regem a revogação da revogação são os mesmos que


regem essa. Nada obsta a que as revogações parciais deixem incólumes
disposições de dois ou mais testamentos anteriores, ou que a nova
revogação atinja o anterior mais distante no tempo e não o anterior mais
próximo, ou alguns anteriores mais distantes no tempo ou alguns anteriores
mais distantes, ou aos mais próximos e não aos mais longínquos, ou alguns,
ou algum dêles. O

testador pode dizer: “o testamento de 1967, que revogou o de 1966, fica


revogado”; “quero que volte a ter eficácia o testamento de 1964, e não mais
o de 1965, que o revogara”. Tem de haver referência ã revogação da
revogação, porque, se o testador apenas disse “fica revogado o testamento
de 1967”, não retirou a revogação que dêle resultou o testamento revogado
de 1966 não passa a ter eficácia).
Se o testamento, revogatório foi testamento cerrado, os atos de ruptura
bastam para que não se pense em revogação, mesmo se a intenção do
testador fôra apenas a de revogar. Idem, se destruído ou dilacerado o
testamento particular, que revogaria.

13. DIFICULDADE. O testador, no testamento revogatório, dispunha


positivamente e no terceiro, que o revoga, SO se referiu à revogação.
~Mantém os dois, ou só o revogado? É questão de interpretação: referia-se
ao testamento, ou só a disposição revogatória do primeiro.

Falamos de revogação da revogação. É possível suceder terceira, quarta, ou


quinta revogação, e assim por diante.

Cada nova revogação põe em vigor a penúltima que se fêz (F.


HERzFELDER, Erbrecht, J. von Staudingers Kommentar, V, 93 ed., 798).

~5.240. Revogação total e revogação parcial

1. TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.747: “A revogação do


testamento pode ser total ou parcial”. Cf.

Projete primitivo, art. 1.908: “A revogação feita por testamento pode ser
total ou parcial. Se a revogação fôr parcial ou se o testamento posterior não
contiver uma cláusula revogatória expressa, o anterior subsiste em tudo que
fôr contrário ao posterior”. Cf. Projeto revisto, art. 2.118. O Projeto de
COELHO RODRIGUES dizia (art. 2.486): “A revogação do testamento
pode ser total ou parcial, e neste caso o anterior subsiste em tudo que não
fôr contrário ao posterior”.

2.CRITÉRIO METODOLÓGICO. Temos de separar as duas questões, que


se não regem pelos mesmos princípios: a)Revogação total e parcial.

§ 5.940. REVOGAÇÃO TOTAL E PARCIAL

b) Infirmação pela contrariedade das disposições necessárias no tempo.


O direito romano conhecia a ruptio, por outro testamento. que fazia as
vêzes do primeiro, que o substituia, que o rompia. A revocatio era estranha
às fontes e ao espírito do direito romano. Fôsse igual, fOsse semelhante, e
só o contradissesse em pronomes, não importava: o primeiro rompia-se
(testamentum ruptum). Cp. § 2, 1., quibus modis testamentum infirmantur,.
2, 17: “Posteriore quoque testamento, quod iure (perfectum) est superius
rumpitur”; L. 2, D., de injusto rupto irrito fade, testamento, 28, 8. Mais:
verificavam-se os efeitos rumpentes ainda quando não o quisesse, no
segundo, o testador. Só muito tarde a jurisprudência introduziu remédios
jurídicos que salvassem, como fideicomisso, o que no primeiro se dispusera
(L. 12, § 1, D., de injusto irrito facto testamento, 28, 3). Ainda assim não se
sabe se a declaração tácita (no testamento b> só há instituição de uma res
ou quantia) podia ter tal efeito (diz assim B. WINDSÇIrEm, Lekrbuck des
Pandektenrechts, III, 93 ed., § 565, nota 2; não, KARL AD.

VON VANGEROW, Lehrbuck, II, 73 ed., § 460, talvez certo).

O testamento em que está a cláusula revogatória pode só-mente conter essa


cláusula, ou cláusula, ou cláusulas que se refiram a alguma ou algumas
disposições. Se tudo em que se dispusera fica revogado, há a sucessão
legítima.

Mas é êrro dizer-se que aí se presume o ânimo de favorecer os herdeiros


legítimos (e.g., CARLOS

MAXIMTLIANO, Direito das Sucessões,. III, 53 ed., 171, que citou M. A.


COELHO DA ROCHA, Instituições de Direito Civil portugués, § 724, 83
ed., 569-570, ANTO-. NIO RIBEIRO DE Liz TEIXEIRA, Curso de Direito
Civil portuguts, II, 83 ed., 846, e CLóvís BEVILÁQUA, Código Civil
comentado VI, ao art. 1.749, que não o disseram, nem o diriam). Não se
confunda a espécie com a de superveniência de descendente sucessível, ou
com a de ignorância de herdeiros necessários, em que a presunção seria
fundamento para a edição das regras jurídicas do arts. 1.750 e 1.751 do
Código Civil, e não efeito de tais regras jurídicas.
Nas substituições e nos fideicomissos, como nas deixas a dois ou mais
titulares de diferentes direitos reais sObre o mesmo objeto, uma das
disposições pode ser revogada, como pode ser nula ou anulável, sem que a
outra o seja. O

testamento posterior pode afastar o substituível e não assim o substituto, ou


afastar o substituto sem que afaste o substituível. Pode revogar a deixa do
domínio e não revogar o usufruto, ou o uso, ou a habitação, ou a disposição
do direito de hipoteca, de anticrese, ou de penhor; ou vice-versa. Pode
revogar a disposição do direito fiduciário, e não fideicomisso; ou vice-
versa.

8. REVOGAÇÃO PARCIAL. Se, no direito romano, de uma revocatio não


se tratava, menos ainda de um efeito revogatório parcial, que sómente
matasse parte do testamento.

Ninguém, no direito romano, podia morrer com dois testamentos, salvo o


privilégio do militar: militi licet plura testamenta facere nec superins per
inferius rumpitur. O que interessava à mente romana era a designação do
sucessor, a transmissão sacro-política. A votuntas testatoris não aparecia em
primeiro plano: o grupo, sim. Donde a verdade verdadeira:

o testamento romano era irrevogável; outro, posterior, o rompia. Assim


achamos caminho que nos faça entender os textos romanos; pode parecer
sofisma (ANTONIO SUMAN, “Favor testamenti” e “voluntas
testamentium”, 138), paradoxo, mas é a verdade. O favor testamenti, pela
designação do heres, levava a tais conseqUências. A voluntas testantium
insinuava-Se depois: chegou, nos nossos dias, ao art. 1.747 e parágrafo
único do Código Civil, principalmente a êsse parágrafo único, que
éconsagração definitiva, porém a mais alta do seu tempo.

4.REVOGAÇÃO PARCIAL NOS CÓDIGOS CIVIS DE HOJE. O Código


Civil alemão não fala em revogação parcial. Mas a doutrina não deixa
dúvidas (contr24 só se nos deparou WIiLHELM MANTEY, Zur
Anwendung des
§ 2.085 und des § 2.255 BGH., Das Recht, 10, 555). O segundo testamento
pode só ser parcialmente revogatório, conter, além da revogação,
disposições positivas.

OCódigo Civil francês, art. daí. Assim, o revogado Código outros do


mesmo tipo. “No todo, Teu, diz o suíço, art.

509.

1.035, alude à revogação par-Civil italiano, art. 917, e os ou em parte”, ganz


oder zum 5. REVOGAÇÃO PODE SÓ SE REFERIR A PORMENORES.
No -ato revogatório, o testador pode ter em vista herança, legado, ou
encargo, que entenda revogar: é-lhe livre fazê-lo. Mais: a revogação pode
ter por objeto riscar condição (E‟. TuoR, Das Erbrecht, Kommentar zum
Schweizerischen Zivilgesetzbuch. III, 342), cláusulas de inalienabilidade,
incomunicabilidade, ou livre administração. Mais: só consistir em
apagamento de uma substituyção, como, por exemplo, se a verba diz “deixo
três casas a A, B e C, passando, por morte dêle, a D”, e na revogação se
dispõe: “revogado o que deixei, no testamento, a D”. A revogação terá o
efeito de dar a A, E e C a plena e livre propriedade.

São vulgares os testamentos revogatórios que só desfazem as anteriores


nomeações de testamenteiros, deixando -as aos juizes, dentre os herdeiros
instituidos.

6.VELHAS QUESTÕES DE INTUITO REVOGATÓRIO. Pode ocorrer e é


de extrema delicadeza que o testamento tenha a intenção de revogar o
testamento em todas as suas partes, mas seja impedido, por dolo ou
violência, de o revogar totalmente.

zA apreciação do vício de vontade surte o efeito de se considerar total a


revogação? ~A prova do dolo ou da violência basta para se considerar
revogado o testamento?

Na inicial jurisprudência francesa, houve confusão entre a possibilidade da


prova disso por testemunhas e a dos resultados revogatórios da prova feita
(Limoges, 6 de fevereiro de 1889). Não é aquela, mas esta, que está em
causa.

Na doutrina, F. LAIJRENT (Principes de Droit Civil français, 14, n. 177)


propunha: a revogação, como o testamento, é ato solene; só existe, se foi
feita com as formas da lei; a forma é necessária à existência do ato. Se não
se fêz, não há revogação. A Côrte de Cassação, a 15 de maio de 1860,
excluia a prova testemunhal e as presunções, exceto no caso de fraude
quando o testador queria revogar e o impediram de fazer: “la fraude fait
exception à cette régle, comme en toute autre matiêre”. Mas a fraude,
redargilia o jurista, só introduz a exceção no sentido de permitir que ela se
prove por testemunhas ou presunções; porém, na espécie, não se trata de
testar, a ação é a de perdas e danos contra os autores do dolo ou da violência
(13, ns. 122 e 128). No caso de se lhe impedir a revogação, não houve
revogação, mesmo que não se prove o dolo ou a violência: o testamento
produzirá os seus efeitos, cumprir--se-a; os interessados na revogação, que
não se fêz, terão a ação de indenização.

Mas TH~OPRILE HUC (Commentaire théorique et pratique du Code Civil,


VI, n. 868) distinguia: a) Se o autor das manobras dolosas não está no
número dos beneficiados pelo testamento, os herdeiros legítimos só terão
contra êle ação de perdas e danos; o testamento será executado. b) Mas, se o
autor do dolo (ou violência) é um beneficiado, será privado do legado a
titulo de dano, o que equivale a revogação parcial. Se há outros danos, e
uma vez que se executa o testamento, pagá-los-ápela ação de indenização.

A questão está malposta.

7. REEXAME GLOBAL DAS QUESTOES DE ATOS IMPEDIDOS OU


FRUSTRADOS. Um conceito é o de existência do testamento e outro o de
composição por prova testemunhal, ou por presunção. Exemplos: A fêz o
testamento e alguém o rompeu sem que A consentisse (existiu
materialmente, existe de direito, porque o ato de outrem não tem o valor dos
atos de que cogita o artigo 1.749, tal testamento pode ser cumprido,
segundo o que dissemos no Tomo LVIII, § 5.854, reconstitui-se) ; quis fazer
o testamento, levou consigo precisas disposições, redigidas em minutas, ou
não: tolhem-lhe a passagem, e morre sem testar (não existiu, nem existe
testamento, há crimes, e danos, e devem ser punidos aqueles e ressarcidos
êstes: udo se reconstitui o que, em verdade, não se constituiu, e a minuta
será, apenas, excelente base para a liquidação dos danos).

A situação muda se há testamento público aberto, testamento cerrado ou


testamento particular, e o interessado fêz a prova do dolo ou violência e
pediu a anulação da verba dolosa, fraudulenta ou violentamente obtida.
Anular-se-á isso. Se, com a anulação, ficar indenizado o autor da ação, o
cumprimento do testamento nas outras partes, ou o não-cumprimento, se foi
pedida a anulação de todo, nenhuma questão teremos. Mas, se, pela
anulação, o que ia ser beneficiado, o não foi, não fica indenizado, e terá
ação de perdas e danos. Contra o autor das manobras, ex delicto; contra os
que receberem a herança, pelo enriquecimento injustificado.

§ 5.940. REVOGAÇÃO TOTAL E PARCIAL893

Passamos ao caso da revogação. Uma coisa é existência da revogação e


outra a composição por prova testemunhal ou por presunções. Exemplos: a)
A fêz a revogação por testamento particular e alguém a rompeu sem que êle
consentisse (existiu materialmente, existe de direito, porque, na espécie, o
ato de outrem não teve o valor dos atos de que cogita o artigo 1.749, tal
revogação pode reconstituir-se, segundo os princípios de que falamos no
Tomo LVIII, § 5.854, e cumprir-se)

b) E quis revogar o testamento, levar consigo as disposições, redigidas, ou


não, tolhem-lhe o caminho para o tabelião, pois o testamento era público, e
não lhe permitem redigir o particular, morre sem testar negativamente (não
existiu, nem existe revogação. Há crimes e danos, e serão punidos aqueles e
ressarcidos êstes: não se reconstitui o que nunca se constituiu).

Outras situações: a) Existem testamento e revogação e os autores da ação


de nulidade querem provar que os têrmos 011 al7uns da revogação foram
conseguidos por ameaças. O juiz pode anular tOda a revogação, ou a parte
em que interveio a violência ou dolo. Ficará em vigor o que está no
testamento.
b) Se o autor prova que a cláusula testamentária ia ser mais extensa e,
nesse ponto, foi que se fêz sentir a fraudulência, cláusula existe, e na
sentença de anulação o juiz pode dar-lhe a interpretação consentânea com a
vontade do testador, o) Se o autor reconhece que uma cláusula revogatória,
que devia achar-se no testamento, não está (portanto não é, não existe lá),
porque e faz a prova forçaram o testador a omiti-la, o juiz não deve
introduzir a verba inexistente, a verba que nunca existiu, mas a sentença
julgará provado isso e o autor, se beneficiado pelo testamento, não pode
receber o beneficio, porque seria reconhecer-lhe direito aos produtos do
crime. Se, com a sentença e êste efeito, ficar satisfeito o autor, toilitur
quaestio. Mas, se ocorrer que o legado vai a outro legatário ou aos
herdeiros, testamentários ou legítimos, dar-se-á enriquecimento
injustificado e cabe a ação.
8.APLICAÇÃO nos PRINCÍPIOS ANTERIORMENTE INvOCADOS.

As soluções, que aí ficam, aplicam-se a todas as invalidades por ato ou


omissão de outrem, mas evite-se estendê-

las às pr rogações do Código Civil, art. 1.749, que suscitam outras


premissas e outras conclusões: a materialidade do ato revogatório muda os
dados iniciais do raciocínio e leva à aplicação de outros princípios. Por
outro lado, a infirmação não pode depender dos critérios que vieram à tona
ao se tratar da revogação. Mais uma vez se caracteriza a vantagem de se
considerarem figuras distintas a revogação expressa (art. 1.747), a
infirmação (art.

1.747, parágrafo único) e a revogação por ato material (ad. 1.749). Bem
assim, as rupções (arts. 1.750- -1.752).

9. EXTENSÃO DO ATO OU CLÁUSULA REVOGATÓRTA. Sempre que


há revogação, a extensão constitui matéria de infirmaçáo pela regra legal do
Código Civil, art. 1.747, parágrafo único, ou de interpretação da vontade do
testador (art. 1.666). O testador pode ter errado (“revogo o testamento
público de 1964”), e tratar-se de testamento cerrado, ou, talvez, particular.
O êrro não deve ter o efeito de se anular a revogação, ou a cláusula
revogatória. Se fica provado que havia outro testamento, e êste, testamento
público e do mesmo ano, não houve érro, e a questão se desloca.

A incompatibilidade pode ser quanto a tôda a disposição testamentária


anterior, ou apenas quanto a parte da disposição, espécie em que persiste o
que não foi atingido. A disposição fica sujeita, portanto, à mudança de
vontade do testador, e essa mudança pode ser total ou parcial.

Pode dar-se que a letra do ato revogatório não corresponda à boa


interpretação, que há de atender à voluntas testatoris, àintenção, e então o
conteúdo que se~ revele é o que há de ser incompatível com a disposição
anterior. O
juiz tem de examinar, atentamente, os dois ou mais de dois testamentos,
para que possa colhêr aquilo que foi a vontade do testador, quando exprimiu
a vontade e qualquer mudança de vontade.

Não se diga a razão de se negar eficácia a disposições inconciliáveis está na


impossibilidade de se apurar qual foi a última vontade do testador. Isso
somente poderia acontecer se nenhuma tivesse de ser atendida; mas, em tal
espécie, os testamentos teriam de ser da mesma data, sem se poder provar
que um dêles foi posterior.

§ 5.941. INFIRMAÇÃO E SUBSISTÊNCIA

10.CAsos DE DESTRUIÇÃO PARCIAL DO ATO REvOGATóRIO. Pode


suceder que o testamento valha quanto à forma, mas seja imperfeita,
incompleta, deficiente, a vontade que se nele contém, salvo no que diz
revogar, ou não diz, mas resulta de cláusula expressa que se interpreta.
Aqui, non vitiatur utile per mutile (KARL E.

HOFACKER, Principia iuris civilis Romano-Germanici, II, § 1.842).

~ Se tudo mais falta, por acidente (algum animal roeu as cláusulas, ou se


apagaram as verbas das nomeações), ou por fato de algum crime? Há e vale
a revogação. Quanto ao que foi instituído ou disposto, se puder recompor-
se, recompõe-se.

~ Quid juris, quando se não puder recompor? ~ Devolvem-se os bens aos


herdeiros legítimos? Não o quis o testador, dir-se-á Qquem no sabe?). ~A
pessoas do anterior testamento? Está revogado (cumpri-lo fôra excluir o
certo e útil: a vis rumpeti do testamento). A primeira é a justa. Mas, ~se o
crnr.e provém do herdeiro legítimo?

Aqui, só o exame das circunstâncias pode levar a justa solução: o culpado


não pode aproveitar-se da torpeza.

~ Quid iuris, se o testador só disse: “revogo na parte...e o que falta é isso?


Cumpre-se o salvo, e entre deixar de cumprir todo o anterior, porque falta a
parte que se revogou,e cumprir o todo cumprível, ou o que fôr compatível
com o restante do posterior, ainda que cumpra a parte revogada (que não se
sabe qual seja), o melhor alvitre é êste.

§ 5.941. Infirmação ou subsistência

1. TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.747, parágrafo único: “Se a
revogação fôr parcial ou se o testamento posterior não contiver cláusula
revogatória expressa, o anterior subsiste em tudo que não fôr contrário ao
posterior”.

O que se há de tirar do art. 1.747, parágrafo único, é que há três revogações


distintas: a) a que resulta de cláusula revogatória que se refere a todo
testamento (“revogado fica o testamento anterior”, “revogado fica o
testamento da data tal”), ou a todos os testamentos (pode haver dois ou
mais, sem colisões, ou de colisões parciais) ; b) a resulta de cláusula
revogatória parcial (“fica revogada a deixa a B”, ou “ficam revogadas as
deixas a B e C”) ; o) a revogação sem cláusula revogatória expressa (no
testamento anterior, deixara-se a E o prédio da rua IR, e no posterior deixa-
se a C o mesmo prédio da rua IR).

2.INFIRMAÇÃO DOS TESTAMENTOS. O Código Civil, artigo 1.747,


parágrafo único, constitui um dos sistemas histàricamente revelados de se
tratar a situação materuti e tntencional, de contradição entre o testamento
posterior e o testamento anterior. Mais largamente: de se tratar o caso de
multipucidade de testamentos com datas diferentes.

Outros sistemas houve, e há. O nemo pro parte testatu2 pro parte intestatus
decedere potest não tinha a conseqUência de tornar incompatíveis dois ou
mais testamentos, mas a coliseqUência era a do princípio da ruptio.

a.TRÊS SISTEMAS. Poderemos mencionar três soluções técnicas, que, em


todo o caso, não são puras, e mostram evolver para o maior beneficio da
voluntas testatoris, sem perda de segurança extrínseca.

a)No direito romano, a regra era romper-se o testamento anterior: dois


testamentos não se concebiam, e só o militar veio a ter tal privilégio. Prius
testamentum ruptum est.
b)No Código Civil austríaco, § 718, o direito romano relativo ao soldado
tornou-se regra (C. NEUNER, Die heredis institutio ex re certa, 487 ~.;
JOSEPI! UNGER, S?Istem, VI, 4Y‟ ed., 109). Tôda a questão é de
interpretação da vontade do testador. No Código Civil espanhol, art. 789, o
legislador conservou-se estranho à solução hodierna: “El testamento
anterior queda revocado de derecho por ei posterior perfecto, si ei testador
no expresa en éste su voluntad de que aquél subsista en todo 6 en parte. Sin
embargo, ei testamento recobra 511 fuerza si eI testador revoca después ei
posterior, y declara expressamente ser su voluntad que valga ei primero”.

c)No Westgal. Gesetzbuch, II, § 500, a solução foi diferente. Bem assim, no
Código Civil francês, no Projeto da Réssia, art. 181, e no Código Civil
saxônico, § 2.216. Com êste sistema, o Código Civil italiano revogado, art.
920; o Código Civil~ português revogado, art. 1.756; o chileno, art. 1.215;
o venezuelano, art. 984; o peruano, art. 848; o boliviano, arts. 588 e 584
(fala em caducar) ; e o japonês, art. 1.125. Depois, o Código Civil alemão,
§ 2.258; o suíço, arts. 509-511; e o Código Civil brasileiro, art. 1.747,
parágrafo único. Aqui, havendo a incompatibilidade entre as duas cláusulas
do prius e do posterius, não se vai indagar da vontade do testador: o que
decide é o simples fato de existir a contradição, sem se cogitar da
consciência do testador em contradizer-se (II. DERNB1JRG, Das
flúrgerliche Rechi, V, 111). Aliás, o Tribunal alemão (R.J.A., IX, 85) já
procurara atenuar isso. Trata-se de invalidação, operada por disposição de
lei, que criou presunção absoluta.

Ainda assim, não ponhamos de lado a pesquisa da vontade do testador,


porque é com a interpretação das duas (ou mais)

disposições ou cláusulas que se pode chegar à afirmativa da


contrariedade. A contradição há de ser entre expressões de vontade do
testador, que constam dos dois (ou mais) testamentos, cujas datas mostram
o posterius e o prius.

Aliás, o Código Civil francês, art. 1.086, recorre à noção de anulação :“Les
testaments postérieurs qui ne revoqueront pas d‟une maniêre expresse les
précédents, n‟annuleront, dans ceux-ci, que celles des dispositions y
contenues qui se trouveront incompatibles avec les nouveiles, ou qul seront
contraires”.

Ora, o êrro de terminologia é evidente. Não se trata de Invalidade, que


consista em anulabilidade, ou em nulidade.

Quando alguém contradiz, ou se contradiz, de modo nenhum anula.

O Código Civil italiano revogado seguiu-lhe o exemplo (art. 920). O


Código Civil português revogado não teve tais escrúpulos (art. 1.756) :
falou em revogação. Outros, como o brasileiro e o chileno, art. 1.215,
jogam, desprevinidamente. com os têrmos revogar, subsistir etc.

O Código Civil argentino, art. 8.828, parece acolher o sistema da ruptura:


“El testamento posterior anula cl anterior en todas sus partes, si no contiene
confirmación deI primero”. Foi consciente tal acolhimento.: o legislador
conhecia, de um lado, o direito austríaco e o do Cantão de Vaud, art. 668, e
do outro, o francês, o da Luísiana, art.

1.686, e o de Nápoles, artigo 991. Mas ,~devemos interpretá-lo como mais


próximo do Código Civil austríaco e da doutrina austríaca ou espanhola?
Pela letra da lei, não; mas sim pelo que nos recomendaria a própria
evolução histórica (cp. Código Civil mexicano, artigo 8.476). Porém a
disposição do art. 8.829 é demasiado prêsa ao romanismo da ruptura: “EI
testador no puede confirmar sin reproducir las disposiciones contenidas en
un testamento nulo por sus formas, aunque el acto esté revestido de todas
las formalidades requeridas para la validez de los testamentos”.

Se o testamento marítimo ou militar ou qualquer outro, especial, que noutro


país se fêz, não puder executar-se por ter atingido o prazo, nenhum efeito
terá de infirmação (artigo. 1.747, parágrafo único), nem de revogação (art.

1.747).

4.CONTINUADIÇÃO MATERIAL E CONTRADIÇÂO INTENCIONAL.


Referimos divergência entre os que afastam a interpretação no caso do
Código Civil, art. 1.747, parágrafo único, e os que permitem indagar da
consciência da incompatibilidade entre o prius e o posterius por parte do
testador.

~ Basta a contradição material? ~ Ou é preciso a intencional? RONRAD


COsACK (Lehrbuch des Deutschen lihirgerlicheu Rechts, ~ 6Y ed., § 128,
II, 2, a), o Superior Tribunal de‟ Bamberga, II. DERNBURG (Das
Biirgerliche Recht, V, 111), e F. HEEZEELDER (Erbrecht, J. vou
Staudingers Kommentar, V, g~a ed., 795), entenderam que é indiferente ter
o testador conscientemente infirmado, ou não: ter, ou não, querido a inf
irmação.

Mas o último escritor volta a bom caminho, procedendo a distinções.

Se há qualquer contradição, o que decide é a vontade do testador, de modo


que esta já se atendeu na hipótese, e para isso podem concorrer elementos
circúnstanciais, exteriores ao~ testamento. A êsse respeito KARL

HEINSHEIMER, em artigo sôbre “os testamentos contraditórios”, fêz


interessantes considerações (Widersprechende Testamente, Deutsche
JuristeuZeitung, 11, 796 s.). ~ por vêzes difícil saber se podem conciliar-se,
ou se estão em cotradição disposições de testamentos redigidos em épocas
diferentes. No testamento a, é pura insti-tuíção; no testamento b,
condicional; no a, legado de apólices; no b, usufruto das mesmas apólices.
Aí, é bem simples a solução: o b invalidou, alterou, deu-se a insubsistência.
a Aufhebung. Mas vamos a outros casos: no testamento 1, 500 a A, 1.000 a
E, 2.000 a C; no testamento 2, 800 a A,.

§ 5.941. INFIRMAÇÃO E SUBSISTÊNCIA 2.000 a C, 1.000 a D, sem que


se mencione B. A questão será:

~o testamento 2 substitui o 1 ou acrescenta-se a êle? Tudo isso é


singularmente importante, porque ou desloca, de todo, o valor dos legados,
ou os soma. Tanto mais quanto há pessoas que fazem muitos testamentos (e
já víramos dez codicilos, ao tempo em que escrevemos o Tratado dos
Testamentos, Tomo V, 44 s.). KARL HEINSHEIMER
citou uma senhora que deixou seis. A jurisprudência francesa, desde 1851,
admite a incompatibilité matérielle e intentionnelle. A tendência alemã é
para insinuar nos textos de decisões, além da sachliche Unvereinbarkeit, a
intencional. Se diz: “E deve ser meu herdeiro e pagar os seguintes legados:
a A, 800, a C, 2.000, e a D, 1.000”, a contradição com o testamento 1 é
material e intencional. Se diz no testamento 1: A será legatário de 10.000, e
no 2,

“meu filho dará a A uma pensão de 400”, não há contradição material.

Não há presunção de continuar em vigor a disposição do primeiro


testamento, mas, para afastar o que foi disposto, éde mister outra disposição
que a revogue (art. 1.747) ou (artigo 1.747, parágrafo único) que a
contradiga (E.

HERZFELDER, Erbrecht, 3‟. vou Staudingers Kommentar, v, 9A ed., 795,


que citou a jurisprudência). Aliás, a contradição logo se estabelece se o
objeto é o mesmo, ou se a herança consiste, tôda, no mesmo legado do
testamento a, ou há legados no testamento a) e no b) (com a mudança dos
legatários).

O Tribunal Territorial de Dresda (T. G. 1., III, 161) decidiu que a


contradição pode ser dos têrmos literais e pode ser exsurgida da
interpretação da vontade do testador nos dois ou mais testamentos.
Interpretados, se há contradição, dá-se o pressuposto do art. 1.747,
parágrafo único, e prevalecerá a do último testamento. É resultante da
natureza do próprio testamento: disposição de última vontade.

A verdade jurídica está no seguinte: a incompatibilidade de que se cogita é


a material, mas a incompatibilidade intencional ou moral basta. Portanto: a
incompatibilidade material não é necessária, porque a moral, a intencional,
é suficiente; a intencional pode ser suficiente, mas, em virtude do artigo
1.747, parágrafo único, não é necessária.

5.CARACTERIZAÇÃO DA INCOMPATIBILIDADE DAS


DISPOSIÇõES. O princípio é contrário ao romano. O
fato de redigir-se segundo testamento não infirma, não torna insubsis. tente
o testamento anterior. Só a incompatibilidade suscita a aplicação do art.
1.747, parágrafo único. O que legou a plena propriedade e, depois, falou em
usufruto, reputa-se ter mudado de opinião e em matéria testamentária a
última é que prevalece, se a flitima é outra. Porque, se a última não é outra,
a vontade do testador está, em bloco, nos testamentos que fêz: cede a maior
necessidade jurídica, a de respeitar-se a vontade do testador, o princípio de
prevalecer o último querer se o último querer não é outro, deve-se colhêr
todo o querer e os testamentos entre si se completam e se interpretam.

Se há mesmidade de objeto ou qual«uer elemento que estabeleça a


incompatibilidade entre a disposição posterior e a anterior, e a segunda fôr
nula por ilicitude, ,vale a primeira?

Não; a validade, que se exige, é a do testamento posterior, e não a da


disposição incompatível (salvo os casos de conservação e de conversão, que
nada têm com o art. 1.747, parágrafo único). Assim, decidiu bem a
Cassação da França (16 de julho de 1906) quando reputou nulo o segundo
legado a filho adulterino, mas à contrariedade dessa disposição,
relativamente a outra do testamento anterior, reconheceu efeito suficiente
para infirmat, substituir, a incompatível.

O efeito infirmante independe da validade da disposição. da sua


caducidade, ou da incapacidade, ou da renúncia do beneficiado da verba
posterior.

6. ALCANCE DA REGRA JURÍDICA. O testador legou uma casa a


Antônio e, mais tarde, noutro testamento, em que não há cláusula
revogatória, total ou parcial, do primeiro testamento, legou todos os seus
bens a José. Infirmou o legado? Subsiste êle? Qualquer solução a priori
seria má; porque, se aqui acertasse, ali poderia falhar. Trata-se de
interpretação de vontade e os juizes têm de apreciar soberanamente
(Cassação da França, 8 de abril de 1889).

Em todo o caso, três exemplos poderão clarear o assunto:


a) A verba do primeiro testamento dizia: “Lego a casa da rua A ao meu
sobrinho Antônio, os demais bens pertencem aos meus herdeiros
legítimos”. A do segundo testamento: “Eni vez dos meus herdeiros
legítimos, que não são necessários,

„quero que herde a minha fortuna meu sobrinho José”. Houve mudança de
vontade, alguma coisa se infirmou, uma disposiçáo do primeiro testamento
não subsiste, mas essa disposição não é a relativa ao legado, e sim a
referente à herança. O legado subsiste. b) A verba do testamento dizia:
“Deixo as apólices que tenho a meu sobrinho Antônio”.

A do segundo: “Das apó[ices que tenho dez serão do Hospital de Crianças,


dez do meu testamenteiro, que não terá vintena; instituo herdeiro dos meus
bens a José, meu sobrinho”. As circunstâncias é que vão explicar as verbas:
se o testador tinha, por exemplo, cem apólices, e muitos bens, ou, em geral,
outros bens, cumprem-se, com as apólices, os legados de dez apólices ao
Hospital, e de dez apólices ao testamenteiro (segundo testamento), o legado
das restantes apólices a Antônio, legatário do primeiro, e a herança (os
outros bens) ao herdeiro José, instituído no segundo. Mas, se a herança do
testador só consistia nas apólices, cumpridos os dois legados de dez
apólices, só apólices ficam: dá-se a incompatibilidade material entre a verba
do primeiro testamento e a verba do segundo.

Intervém a regra jurídica do art. 1.747, parágrafo único, que manda


prevalecer a última, e) Verba do primeiro testamento: “É meu único
herdeiro Antônio”. Segundo testamento: “Deixo os meus bens a José”.
Terceiro testamento: “Faço o presente testamento para nomear a Manuel
herdeiro dos meus bens, e meus testamenteiros êle e José, com um legado
de cem mil cruzeiros novos a Antônio”. Quarto testamento: “Revogo o meu
testamento de 1957 (terceiro testamento) na parte que incluia Manuel e
nomeio herdeiro a Antônio”. Se o testador morre depois do segundo
testamento, salvo outros elementos de interpretação, dois são os herdeiros,
Antônio e José, porque Antônio era o único no primeiro e no segundo José
não é: se incompatibilidade houvesse seria quanto à unicidade de José e esta
não se pode presumir, ex hipothesi. Se o testador morre depois do terceiro
testamento, a situação é mais difícil: não se revogou o primeiro testamento,
nem o segundo, não se empregou, a respeito de Manuel, o adjetivo único, e
no terceiro testamento dá-se o cargo de testamenteiro a Manuel e José, mais
um legado de cem mil cruzeiros novos a Antônio. Ora, no sistema acolhido
pelo Código „Civil, não havendo revogação expressa, só incompatibilidade
tornaria insubsistentes as anteriores instituIções. De regra, a‟ nomeação,
que fizer, de nôvo herdeiro (ou legatário úniversal) não destrói
necessáriamente a vocação do primeiro, e só estabelece concurso entre êles
(Cassação da França, 7 de julho de 1S86), salvo outros elementos
interpretativos que, pondo a nu a intenção do testador, persuadam o juiz da
contrariedade das cláusulas dos múltiplos testamentos. Se o testador morre
depois do quarto testamento, exclui-se, por fôrça do art. 1.747, a Manuel.
que, no entanto, salvo outros elementos, continuará testamenteiro, mas
continuam herdeiros José e Antônio, cabendo a questão: ~José é herdeiro de
um têrço ou da metade? Se outras circunstâncias não intervêm, José recebe
o que lhe caberia se fôsse cumprido o terceiro testamento e Antônicv por si
e por Manuel.

Se o nôvo testamento não contradiz o anterior, persiste Osse: ao juiz ajustá-


los, compô-los como se fôssem um so.

Sôbre as cláusulas privatórias, já falamos (Tomo LVI, § 5.728, 3-7).

Pode ocorrer que se haja por ineficaz uma das muitas disposições dos
testamentos que se tenham de cumprir como um só, ou por ter havido
revogação parcial, ou por ter havido infirmação, e vir à balha a questão do
contágio excepcional às outras disposições. Já tratamos dêsse assunto e de
regra jurí4 dica induzida pela ciência a respeito das disposições testa
mentárias. A regra jurídica, a que naqueles lugares nos referimos e a do art.
1.747, parágrafo único, são entre si independentes, porém podem incidir
nos mesmos testamentos.

Alguns casos de choque entYe o testamento posterior ou a sua cláusula


revogatória e os testamentos anteriores ou o testamento anterior, consistem,
por exemplo, a) em ter a disposição posterior extensão objetiva ou subjetiva
(“deixo a e C”) maior do que a anterior, b) serem diferentes as disposições a
favor da mesma pessoa, no testamento anterior e no posterior, sem qualquer
ressalva, c) a disposição ser concernente ao mesmo objeto, mas diferentes
os beneficiados, d) falar-se em quotas, e depois em objetos, ou vice-versa,
e) ser a primeira sem condição, e a outra, condicional, ou vice-versa, 1)
haver, no primeiro testamento, legado de liberação do devedor, e, no
posterior, de crédito contra o devedor, ou vice--versa, g) o primeiro
testamento conter legado de usufruto, ou de uso ou de habitação, e, no
posterior, de propriedade, ou vice-versa, h) o primeiro só cogitou de
herança, ou mais de heranças, e o posterior, de legados, ou mais de legados.

A incompatibilidade é que afasta o que no testamento ou nos testamentos


anteriores se estabelecia. De regra, se a disposição posterior é mais larga, há
aumento confirmativo.

7. TESTAMENTO POSTERIOR SEM OBJETO. Pressupõe-se, está visto,


que o posterior testamento valha.

Porém, se a disposição do nôvo testamento fica sem objeto (PAUL


MEYER, Das Erbrecht des SUB., 305), como pela renúncia, implemento
de condição, ou advento de têrmo, premorte do herdeiro ou do legatário
(Orro WARNEYER, Komment ar, II, 1238), persiste a fôrça infirmante, o
efeito de tornar insubsistente (au fliebende Wirkung), que tem o testamento
posterior.

A vontade do testador que se colhesse com elementos exteriores,


merecedores de fé na interpretação do segundo testamento, se fôsse o único,
e não está nos têrmos dêle, não deve bastar para o efeito da insubsistência
do primeiro, se a vontade do anterior contradiz êsses elementos
circunstanciais.

Também assim é que devemos formular a lição de um julgado do Tribunal


de Dresda (Sãch. Archiv, 1909, 528), porém não como leitura desatenta o
colheria. Tanto mais quanto (acrescentamos) o primeiro testamento pode ser
elemento para a interpretação do segundo.

8.TESTAMENTOS DA MESMA DATA. ~ Se muitos são os testamentos e


do mesmo dia? Seria contradição recíproca, sem a possibilidade da
preferência pelo mais nôvo, que é o critério do Código Civil, art. 1.747,
parágrafo único.

Os comentadores do § 2.258, no livro de G. PLANCK (RUrgerliches


Gesetzbuch, V, 482; V, g a ed., 676, 4), consideram--nos invalidantes uns
aos outros. Assim, também, OTTO WARNEYER (Kommentar, II. 1238).

Que o art. 1.747, parágrafo único, ou o § 2.258 do Código Civil alemão,


não se aplica, é evidente: tratam-se as contradições como se fôssem da
mesma hora, do mesmo instante (E.IIERZFELDER, Erbrecht, J. vou
Staudingers Kommentar, V. 93 ed., 795) ; mas, para decidir, são aceitáveis
as circunstâncias.

O problema da revogação dos testamentos (se houve, ou se não houve, até


que ponto vai, o que se ressalva e o que não se ressalva) há de ser resolvido
pelo juiz, servindo-se dos textos dos testamentos em causa, sendo quase
sem relevância provas estranhas ao contexto.

Se dois ou mais testamentos têm a mesma data, sem referência ao


momento, somente se nâo há de atender ao que neles se dispôs se qualquer
das disposições é incompatível com a do outro ou dos outros, ou
disposições do outro ou dos outros; porque, então, não se pode saber o que
foi que quis o testador. Se o testador dispôs da metade disponível a favor de
E e no outro testamento, a favor de C, sem se saber qual o texto posterior ao
outro, ou sem se poder averiguar com dados convincentes, a nenhum dos
testamentos se há de atender. Se deixou dois terços da metade disponível a
B e, noutro testamento, a metade da metade a C, o que se há de entender é
que deixou .a C, um têrço. se nâo foi afastada, pelas circunstâncias, a
hipótese de êrro. Advirta-se que, em se tratando de testamento cerrado, a
data é a do auto de aprovação, e nâo a da cédula. A respeito de dois
testamentos públicos do mesmo dia, em diferentes tabelffies, ou de dois
testamentos cerrados, do mesmo dia, publicados em diferentes tabelíâes,
pode ser feita a prova de que o testador estêve num dos cartórios e só mais
tarde noutro. Se o testador, que desceu de Petrópolis, havia escrito um
testamento particular, e, no Rio de Janeiro, escreveu outros, com a mesma
data, pode ser feita a prova da posterioridade.
Para que se possa negar eficácia às disposições testamentárias de dois ou
mais testamentos, é preciso que haja impossibilidade de se saber qual foi a
última vontade do testador. Portanto, se existe algum dado ou se existem
alguns dados para se saber qual foi o testamento feito por último, a prova
leva ao exame dos testamentos, para se apurarem as contradições e, pois, as
revogações. Se as disposições de dois ou mais testamentos, de cuja
posterioridade nada se sabe, não são inconciliáveis, cumprem tais
disposições dos dois ou mais testamentos. Daí a relevância do princípio da
prova do tempo, independente e a despeito da omissão dos textos
testamentários.

No que os dois ou mais testamentos, cujas datas se ignoram, não se chocam,


a prova é supérflua.

Pôsto que se trate de prova difícil, não se afaste a possibilidade de alegar-se


e provar-se que o testador pós-datou ou antedatou para que os dois
testamentos aparecessem com a mesma data, ou que houve êrro, ou pós-
datação, ou antedatação, para evitar conseqúências de violência, ou de
ameaças.

9. ATos “INTER VIVOS” E TESTAMENTOS ANTERIORES. Um ato


inter vivos, posterior ao testamento, pode torná-lo sem objeto. Inclusive
partilha feita em vida, ou adiantamento de legítima. Cumpre, porém, notar-
se que a condiç5o do ato entre vivos deve ter sido satisfeita antes do
traspasse do testador (E.HERZFELDER, Erbrecht, 3‟. von Staudingers
Kommentar. V, g a ed.. 795). porque, então, o testamento pode retomar o
objeto que, durante algum tempo, lhe faltara.

Se o ato jurídico entre vivos tinha prazo ou condicionalidade que poderia


irnplir-se depois da morte do testador (e.g., atribuiu direito de opção até 30
de dezembro de 1969 e o testador faleceu antes; havia a condição de ter
terminado obra, no prazo tal, e o testador faleceu antes), não há
atingimento.

Ç preciso advertir que se esvazia de conteúdo, de objeto, a disposição


mortis cau.sa: nào se trata de revogação, ou de invalidação, pelo ato entre
vivos, porquanto éste não tem efeitos sucessórios, isto é, efeitos do “direito
das sucessões”, salvo em se tratando de partilhas prévias e de adiantamente
de legítima, que a lei regula.

Se A deixa cem mil cruzeiros novos a E, como legado, ou metade do que


possui, como herança, não pode, sem outro testamento, ou sem outra forma
testamentária, tirar isso, quer dizer, nem pode revogar, nem infirmar. Se
houve contrato em que B renuncie, foi contrato de herança, proYbido por
lei.

§ 5.942. Sucessivos testamentos

1.SUCESSIVADADE E REVOGAÇÃO. O sistema mais generalizado é o


de reviver o testamento anterior se foi revogado o posterior. Porque a
revogação tem de ser expressa. Se o segundo revogava o primeiro, e
posterior revogação veio revogar o segundo, desloca-se a questão: trata-se
de revogação de revo gação. Mas, se o segundo não revogou o primeiro e a
revogação só se refere ao segundo, ~ entende-se revogado o primeiro?

2.PosíçÀo DO PRINCÍPIO. A extensão da cláusula revogatória constitui


matéria de fato, que se não pode furtar à apreciação do juiz. Aberra de tal
consideração o art. 1.758 do Código Civil português revogado, que
dispunha: “O

testamento anterior recobrará, todavia, a sua fôrça, se o testador, revogando


o posterior, declarar, que é sua vontade, que o primeiro subsista”. Ésse
artigo disparatado veio do Projeto espanhol, art. 720, subposto ao art. 719,
que acolhera regra jurídica diferente do art. 1.747, parágrafo único, do
Código Civil brasileiro, correspondente ao art. 1.756 do Código Civil
português revogado. Aqueles textos espanhóis são as atuais alíneas lA e

2 a do art. 739,

onde se postula o contrário da doutrina francesa, da italiana e da alemã, da


subsistência de tudo, no primeiro, que não contraria o segundo testamento.
De modo que havia contradição entre os arts. 1.756 e 1.758 do Código Civil
português revogado. A adoção da infirmação implicava se admitir o critério
da subsistência dos testamentos anteriores.

No nêvo Código Civil português (1966), art. 2.514: “1. A revogação


expressa ou tácita produz o seu efeito, ainda que o testamento revogatório
seja por sua vez revogado. 2. O testamento anterior recobra, todavia, a sua
fôrça, se o testador, revogando o posterior, declarar ser sua vontade que
revivam as disposicôes do primeiro”.

Revogado o testamento posterior que o revogava ou o infirmava


(contrariedade), o anterior volta à vida na própria parte que se revogava ou
contradizia. Porque, se a revogação total ou parcial desfez o que antes se
dispusera, e se a incompatibilidade fôra causa da infirmação de todo ou de
parte do anterior testamento, claro que, cessada a causa, cessa o efeito:

já não são mais, nem a revogação, nem a incompatibilidade; ambas


cessaram.

§ 5.948. Caducidade e nulidade

1.DoIs CONCEITOS. Testamento nulo, ou que foi anulado, não é


testamento. Feria-o algum elemento, que, levado consideração por sentença,
o tornou nenhum. Bem diferente é a situação jurídica do testamento
destitutum, desertum, a que o Código Civil chama caduco: é testamento;
apenas se lhe apagou o objeto, ou pela perda dêste, ou pela falta dos sujeitos
instituidos.

2. TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.748: “A revogação produzirá


seus efeitos, ainda quando o testamento, que a encerra, caduque por
exclusão, incapacidade, ou renúneia do herdeiro nele nomeado; mas não
valerá, se o testamento revogatório fôr anulado por omissão ou infração de
solenidades essenciais, ou por vícios intrínsecos”.

Quanto à lª parte, cf. Projeto primitivo, art. 1.909; Projeto revisto, art.
2.114. Quanto ã 2A parte, Projeto revisto,
-art. 2.114: “A revogação terá efeito ainda que o testamento vosterior
caduque por indignidade, incapacidade ou renúncia do herdeiro nele
nomeado; mas não assim se fôr declarado nulo”. A Câmara dos Deputados
(Trabalhos, III, 515) acres-tentou, in fino: “por deficiência de solenidades”.
A emenda n. 1.689 do Senado Federal trocou-o pelo seguinte: “mas não
valerá, se o testamento revogatório fôr anulado por omissão ou infração de
solenidades essenciais”.

3. FONTE. No Código Civil francês, art. 1.037, cogitu-se da incapacidade


do herdeiro instituido e da recusa (renúncia). O Código Civil italiano
revogado, art. 1.921, acres sentou a premorte do herdeiro ou legatário. O

Código Civil brasileiro esclareceu: exclusão e incapacidade.

4.CAMPO DE APLICAÇÃO DA REGRA JURÍDICA. Com o Código


Civil, art. 1.748. como com o Código Civil francês, artigo 1.037, o
legislador invadiu matéria de autonomia do testador e formulou regra
jurídica, que útil, na maioria dos casos em alguns pode ser danosa. Não é
bem regra de direito. Regra de direito é o final do art. 1.748

do Código Civil: “não valerá, se o testamento revogatório fôr anulado por


omissao ou infração de solenidades essenciais, ou por vícios intrínsecos”;
mas seria dizer o que resulta, imediatamente, dos princípios fundamentais.
~

Quem poderia pensar valessem o testamento do louco, o testamento sem


testemunhas, ou com número incompleto, e o testamento do coacto, que se
anulou?

Em todo o caso, êste final, redundante podia estar em lei, por abundante
cautela do legislador Não assim a primeira parte:

é matéria de interpretação por um lado; por outro, de ensino, de


desenvolvimento didático.

Fôra melhor ter-se deixado aos juizes a apreciação das circunstãncias Os


franceses fazem igual censura ao art.
1.037 do Código Civil (MARCEL PLANIOL, Traité élémentaire de Droit
civil, 111, 6.~ ed., 713), considerando grave a intromissão legislativa, por
ser “presunção absoluta”. Mas, aqui, discordamos dos mestres da França.

Cumpre ver as realidades os casos concretos, e distinguir as espécies a que


o art. 1.037 do Código Civil francês (art. 1.748 do Código Civil brasileiro)
não se aplica.

Tôda a matéria das revogações é matéria de vontade e da efeitos, matéria de


autonomia dos testadores, matéria que, por isso mesmo, só se compadece
com regras jurídicas dispositivaQ. O art. 1.748, 1~a parte, é dispositivo; o
final, imperativo. Pela mesma razão, caberá recorrer ao direito do tempo da
feitura,. para se verificar o que quis o testador, aliás o que, a respeito, na
dúvida, dispôs a lei, e não o direito nôvo. No direito inter. nacional privado,
a 1.a parte do art. 1.748 toca ao direito local. em primeira plana, pela
presunção de que por êle se guiou & testador Ora, no que concerne ao
comêço do art. 1.748, se outra Coisa resulta do testamento, outra coisa se há
de observar.

Exemplos: o testador revogou o testamento a e dispôs no tes-. tamento b,


revogatório, que os bens, de que seriam herdeiros no testamento revogado
os seus sobrinhos, e não os seus irmãos, irão em fideicomisso a X,
substituido por Y, de cinco em cinco anos, e em segundo grau aos
sobrinhos; mas X e Y são grêmios sem personalidade jurídica e a lei do
Brasil (art. 1.739) proiba a substituição fideicomissária a que chama do
segundo grau. Todo êste testamento b foi inútil, não por incapacidade do
testador, vícios, omissão ou infração das formalidades, e sim por lhe faltar
aplicação, em parte por incapacidade dos herdeiros e em parte pela
proibição do art. 1.739. ~ Está revogado o testamento a, que instituiu 05
sobrinhos?

Bem delicada situação, que põe à prova a pertinência do art. 1.748, e vai
evidenciar o perigo de tais incursões legais no domínio da autonomia da
vontade. Pela redação do testamento
b vê-se que o testador instituiu, em verdade, os mesmos sobrinhos, e
naquelas fidúcias necessárias de cinco anos cada uma tinha por fito a
administração e guarda dos bens até mais de~ anos após a morte do
testador. Proceder-se-

á acertadamente julgando-se não revogado o testamento a, porque a


cláusula que, talvez, expressamente o revogasse estava subordinada a
implícita condição de valer a nova figura que o testador quisera. O favor
voluntatis intervém, para que se associem os elementos dos dois
testamentos como dados de interpretação e se dê ao querer do testador a
forma válida.

Para essa conclusão, invocamos o julgado da própria Cassação da França


(18 de dezembro de 1894), que recusou aplicar o art. 1.037 do Código Civil
francês ao caso de testamento sem objeto por ter instituição proibida por lei.

5.REVOGAÇÃO E INFIRMAÇÃO. No Código Civil alemão, nada se disse


sôbre os efeitos de que cogita o Código Civil brasileiro, art. 1.748. No
Código Civil francês, e nos que, como o Código Civil brasileiro, o seguem,
sotopôs-se o que se diz no Código Civil brasileiro, art. 1.748, aos arts.
1.746, 1.747 e 1.747, parágrafo único (infirmação), de modo que ainda
menos do que na França se justificaria reputar o art. 1.748 só referente à
revogação. A razão de decidir é a mesma. Assim E.LAURENT (Principes
de Droit Civil français, 14, ns. 218 e 242), A. DURANTON (Cours de
Droit français, IX, n. 436), O.DEMOLOMBE (Cours de Code Napoiéon,
22, ns.

204 e 205) e os outros.

6.SE A NULIDADE É FORMAL, NÃO SE PODE COGITAR DE


CONVERSXO. Para a vis revocandi, se o testamento posterior énulo, não
se pode cogitar de conversão, para o efeito de valer como escritura pública
revogatória, segundo a legislação de alguns Estados que a admitem. No
Brasil, como na Alemanha. tal questão é sem objeto: há simetria de forma
entre testamento positivo e testamento negativo. Na Itália, é pacífica a
5olução que exclui a conversão em revogação (VITTORIO POLACCO,
Deite Successioni, II, 50), se bem que G. SATTA (La Converzione dei
negozi giuridici, 140-144) criticaram o direito italiano. Na França, a
doutrina não correu com a mesma tranquilidade: o testador fêz testamento
autêntico, declarou que revogava o anterior; mas êste testamento é nulo, se
bem que pudesse satisfazer as exigências da escritura pública (Código
„Civil francês, art. 1.085: “Par un acte devant notaire, portant déclaration de
changement de volonté”). ,~Observa-se a revogação contida nesse
testamento? Para usarmos de têrmos técnicos de ciência jurídica: ~dá-se a
conversão? ~Considera-se subsistente a vis revocandi, porque satisfez outra
forma possivel? A Côrte de Cassação respondeu negativamente, a 10 de
abril de 1855. Quando o testador escolheu a forma, subordinou-se aos
requisitos dela. (Em vários lugares desta obra, profligamos tais revogações
por escrituras públicas não simétricas às formalidaes testamentárias. mas,
juiz da lei francesa, absolutamente não julgaríamos assim: pelo só fato de se
chamar testamento a escritura de revogação. ~

pode ser desprezada a forma útil reconhecida pelo legislador francês?


Talvez nem se tratasse de questão de conversão. Êrro de nome, e o nome,
no direito moderno, não tem nenhuma importância capital para os atos
jurídicos.)

7.NULIDADE DO TESTAMENTO E NULIDADE DAS DISPOSIÇÓES.

A nulidade a que se refere b Código Civil, art. 1.748, 2~ parte, é a do


testamento, e não a das disposições. Sempre que „o testamento vale,
subsiste a revogação, salvo o de que antes tratamos. Pode acontecer que
uma lei pessoal vede a testa„dores, como regra jurídica de capacidade
relativa, determina-„das disposições, neste caso, a nulidade é Qa
disposiçao, e não do testamento.

§ 5.944. Atacabilidade material (destruição, dilaceração,

queima, cancelamento material)

1.OCORRÊNCIAS. Antes tratamos da revogação e da infirmação, aquela,


revogação direta, imediata, explícita,
e esta, revogação resultante, mediata, proveniente, como efeito, da
incompatibilidade. Também se cogitou das revogações e dos textos ou
testamentos infirmantes.

Passemos a outra revogação, direta, imediata, mas em ate, tácita, seja ato
positivo, seja negativo.

A matéria do Código Civil, art. 1.749, que somente se referiu ao testamento


cerrado, pode trazer sérias dificuldades na solução prática dos casos
ocorrentes, se não distinguirmos „situações extremamente diferentes, a que
o legislador, é de lamentar, não se referiu:

a) Extravio e destruição dos testamentos: sôbre isso „não há texto no


Código Civil, e tivemos de edificar a doutrina brasileira no lugar mais
próprio (Tomo LVIII, § 5.854). Em tal caso matéria de relevantissima
importância o ônus

„da prova compete a quem pede a reconstituição, salvo o que dissemos no


Tomo LVIII, § 5.854, 6.

b)Riscaduras, mondas, cortes, que não impliquem destruição prôpriamente


dita: aqui, a pergunta não é “~posso recompor?”, mas “~devo presumir que
foi o testador?”. Testador que revoga por ato material não costuma guardar
o testamento que riscou. Não há nenhuma presunção legal de que foi êle
quem riscou, mondou ou cortou.

Presunções, se as há, são de fato. A lei só cogitou, quanto às espécies de


que a que falamos, da abertura e dilaceração do testamento cerrado. Há de
„ser entendido dilaceração que não constitua o caso da espécie a) : se
constitui, não há qualquer questão de revogação; o testamento não existe
materialmente.

c)Riscos, emendas, alterações, que só sejam relativas a „frases, cláusulas,


disposições parciais. As perguntas sao de outra natureza: ~tais atos revogam
parcialmente? Se não temos revogação parcial por ato material, ~ cumprem-
se, se legíveis os textos, ou importam revogação de todo o testamento?

Por método, só trataremos das espécies b) e c), pois que a espécie a)


constituiu assunto do Tomo LVIII, § 5.854.

Alguns casos da espécie c) pertencem à matéria de interpretaçao.


„Conforme veremos, o ônus da prova, nas espécies b) e c), não se rege
pelos princípios da espécie a).

2.TExTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.749: “O testamento cerrado


que o testador abrir ou dilacerar, ou fôr

„aberto ou dilacerado com seu consentimento, haver-se-á como revogado”.

Cf. Projeto revisto, art. 2.115: “O testamento cerrado que o testador abrir,
ou dilacerar, ou fôr aberto ou dilacerado com „seu consentimento, haver-se-
á como revogado”. O Projeto primitivo, art. 1110, dizia: “Considera-se
também revogado o testamento que foi pelo testador, intencionalmente,
riscado, cancelado ou rasgado”.

Note-se, antes de tudo, que o art. 1.749 só se refere ao testamento cerrado.


Quanto aos atos que o atingem materialmente, supõe, sempre, que houve
consentimento do testador. Não importa quem tenha aberto o testamento
cerrado, ou quem o haja dilacerado. A ocorrência pode ter resultado de caso
fortuito como se fti alguém que deixou o fósforo na mesa, em vez de O Pôr
no cinzero, e o testamento cerrado foi queimado, no todo, ou em paíte.
Mais: se houve faísca, vinda de outro prédio, ou se o fogo veio da vela que
estava na mesa e com o vento caiu.

Só o consentimento do testador é que implica revogação.

3.FONTE, Em verdade, a fonte está na elaboração do Projeto primitivo, art.


1.910, e no Projeto revisto, art. 2.115,, após apressadas leituras do Projeto
alemão, § 1.934. (Dizia êsse, na a alínea: “Presume 2

-se que o testador, que


destruiu o ato testamentário ou que o modificou desta maneira, o fêz
intencionalmente e com vontade de revogar”.) Nenhuma aplicação têm para
nós o subsídio português e o espanhol, Códigos Civis que seguiram
caminhos diferentes do Código Civil brasileiro.

4.CODIGO ROMANO: CIVIL . Ao rigorismo estabilizado do drieito civil


romano opôs-se o direito pretório, simplificador das solenidades
testamentárias e sensível às realidades da vida, Daí haver tempo em que um
testamento valia ure dviii, mas não era eficaz para a concessão pretoriana
da. bonorum possessio. Ou vice-versa.

Emergism alguns casos, que cori7espondem, precisamente, aos de que


agora nos cabe cogitar. Se apareciam desligadas as‟ tábuas testamentárias,
cortado o fio, linum, que as unia, e rotos os selos, nem por isso deixava de
ser válido inre civil‟ o testaniento. Houvesse, ou não houvesse vontade do
testador.

Distinguia-se, ao contrário, inre pretorio: a) se a incisão não era devida ao


testador, mas a terceiro, ou fortuitamente advinda, cabia a bonorum
possessio secundum tabulas, porque se haviam de reputar signatae (L. 1,

§§ 9 e 10, D., de bonoruni POssessione .secvndum tabulas, 37, 11) ; b) se


feita pelo pró-‟prio testador, negava-se a bonorum possessio (L. 1, § 10
“quod si ipse testator id fecerit, non videntur signatae et ideo bonorum
possessio peti non potest”).

Sucedia outra subdistinção: a) podia ser em favor da sucessão intestada a


intenção com que rompeu os selos o testador; b) a incisão tinha por fito
reviver testamento anterior; o) o testador abriu as tábuas sem determinado
querer revogatório: para as reler, modificar uma ou algumas disposições,
acrescentar palavras ou frases. No primeiro caso, cabia o que se diz em
GAIO (Inst., II, 151), infelizmente incompleto. Em tôrno dessa passagem,
travou-se a polêmica entre PAUL KRÚCER e Til. ScHIRMER, que
distinguia destruição das tábuas e incisão dos selos. Há, além da
reconstrução de PAUL KRÚCER (KriLis cite Versuche des rõmischen
Rechts, 12 s.), a de Pnx E. ITUSCHKE, que D. BURKARD WILHELM
LnST aprovou (em Cita. FR. VON GLÍICK, Ausfiihrliche Erlduterung der
Pandecten, 37-~ 2? parte, 184 s.). Nesta, atende-se à exceção de dolo. Mas
o assunto escapa ao nosso plano.

No caso da espécie b), por direito civil decidia-se: se o testamento posterior,


válido, revogava o anterior, que, ipso vire, deixou de existir, não se podia
admitir que simples romper do nôvo fizesse reviver o primeiro. Interveio o
Pretor: concedeu a bonorum possessio cum re ao herdeiro escrito no
primeiro, eliminável por exceções (L. 11, § 2, D., de bonorum possessione
secundum tabuias, 37, 11).

No caso da espécie o), surge questão que ainda hoje nos interessa: a incisão
em momento de loucura. Há um texto (L. 20, D., de injusto rupto irrito
facto testamento, 28, 3): fêz Lúcio Tício, em juízo perfeito e saúde, como
havia de ser, o seu testamento; depois, adoecendo, mentecapto, o rompeu;
pergunto: ~,podem os herdeiros instituidos neste testamento adir a herança?

A resposta de CÉvOLA é a seguinte: “secundum ea quae proponerentur non


ideo minus adire posse”. Assaz enigmática:

pode significar “por efeito da demência, não obstante a incisão, os herdeiros


podem adir”, como também “podem adir os herdeiros, porque, se a incisão
não tolhe o direito civil da herança, menos ainda neste caso”. ~ interessante
seguir, a respeito, a polêmica de PAUL RRtiGER e de Tu. SCEIRMER
(Zeitsckrift der Savigny-Stiftung flir Rechts-Geschichte, VII, 1 a., primitivo,
art. 1.910, dizia: “Considera-se também revogado & testamento que foi pelo
testador, intencionalmente, riscado, cancelado ou rasgado”.

Note-se, antes de tudo, que o art. 1.749 só se refere ao testamento cerrado.


Quanto aos atos que o atingem materialmente, supõe, sempre, que houve
consentimento do testador. Não importa quem tenha aberto o testamento
cerrado, ou quem o haja dilacerado. A ocorrência pode ter resultado de caso
fortuito como se foi alguém que deixou o fósforo na~ mesa, em vez de o
pôr no cinzero, e o testamento cerrado foi queimado, no todo, ou em parte.

Mais: se houve faisca, vinda de outro prédio, ou se o fogo veio da vela que
estava na mesa e com o vento caiu.
Só o consentimento do testador é que implica revogação.

8.FONTE. Em verdade, a fonte está na elaboração do Projeto primitivo, art.


1.910, e no Projeto revisto, art. 2.115,, apos apressadas leituras do Projeto
alemão, § 1.934. (Dizia êsse, na a alínea: “Presume 2~

-se que o testador, que

destruiu o ato testamentário ou que o modificou desta maneira, o fêz


intencionalmente e com vontade de revogar”.) Nenhuma aplicação têm para
nós o subsídio português e o espanhol, Códigos Civis que seguiram
caminhos diferentes do Código Civil brasileiro.

4. DIREITO ROMANU: CIVIL E PRETÓRIO. Ao rigorismo estabilizado


do drieito civil romano opôs-se o direito pretório,. simplificador das
solenidades testamentárias e sensível às realidades da vida. Dai haver tempo
em que um testamento valia. iure dviii, mas não era eficaz para a concessão
pretoriana da. bonorum possessio. Ou vice-versa.

Emergiam alguns casos, que correspondem, precisamente, aos de que agora


nos cabe cogitar. Se apareciam desligadas as‟ tábuas testamentárias,
cortado o fio, linum, que as unia, e‟ rotos os selos, nem por isso deixava de
ser válido iure civili‟ o testamento. Houvesse, ou não houvesse vontade do
testador.

Distinguia-se, ao contrário, vire pretorio: a) se a incisão não era devida ao


testador, mas a terceiro, ou fortuitamente advinda, cabia a bonorum
possessio secundum tabulas, porque se haviam de reputar signatae (L. 1,

§§ 9 e 10, D., de bonorum‟ possessione seevudum tabulas, 37, 11) ; lfl se


feita pelo próprio testador, negava-se a bonorum possessio “quod si ipse
testator id fecerit, non videntur signatae et ideo bonorum possessio peti non
potest”).

Sucedia outra subdistinção: a) podia ser em favor da sucessão intestada a


intenção com que rompeu os selos o testador; b) a incisão tinha por fito
reviver testamento anterior; e) o testador abriu as tábuas sem determinado
querer revogatório: para as reler, modificar uma ou algumas disposições,
acrescentar palavras ou frases. No primeiro caso, cabia o que se diz em
GAIO (Inst., II, 151), infelizmente incompleto. Em tôrno dessa passagem,
travou-se a polémica entre PAUL RRtYGER e Tu. SCHIRMER, que
distinguia destruTção das tábuas e incisão dos selos. Há, além da
reconstrução de PAUL KRtYGER (Kritisch,e I/ersuche des rdmischen
Rechis, 12 s.), a de Pn. E.

HUSCHKE, que D. BURRARD WILHELM LEIST aprovou (em CuR. ER.


X‟ON GLÚCE, Ausfiihrliche Erlãuterung der Pandecten, 37--88,2ª parte,
184 s.). Nesta, atende-se à exceção de dolo. Mas o assunto escapa ao nosso
plano.

No caso da espécie b), por direito civil decidia-se: se o testamento posterior,


válido, revogava o anterior, que, ipso inre, deixou de existir, não se podia
admitir que simples romper do nôvo fizesse reviver o primeiro. Interveio o
Pretor: concedeu a bonorum possessio cum re ao herdeiro escrito no
primeiro, eliminável por exceções (L. 11, § 2, D., de bonorum possessione
:ecundum tabulas, 37, 11) -

No caso da espécie c), surge questão que ainda hoje nos interessa: a incisão
em momento de loucura. Há um texto (L. 20, D., de injusto rapto irrito
facto testamento, 28, 3): fêz Lúcio Ticio, em juízo perfeito e saúde, como
havia de ser, o seu testamento; depois, adoecendo, mentecapto, o rompeu;
pergunto: &podem os herdeiros instituidos neste testamento adir a herança?

A resposta de CÉXTOLA é a seguinte: “secundum ea quae proponerentur


non ideo minus adire posse”. Assaz enigmática:

pode significar “por efeito da demência, não obstante a incisão, os herdeiros


podem adir”, como também “podem adir os herdeiros, porque, se a incisão
não tolhe o direito civil da herança, menos ainda neste caso”. É interessante
seguir, a respeito, a III, 60 5., artigos de PAUL KRÚGER; artigos de Til.
SCHIRMER, VII, 91 s., e VIII, 109 s.

A solução que temos de acolher não pode ser indiferente às realidades. Se


não vale o testamento feito pelo louco ou pelos que se não acham em
perfeito juízo, como os ébrios e os irados (Código Civil, art. 1.627, II e III),
também não há de valer a revogação, quer por outro instrumento, quer pela
abertura ou dilaceração do existente.

5.DOUTRINA ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL. ANTÓNIO JOAQUIM


DE GOUVEIA PINTO (Tratado regular e prático dos Testamentos e
Sucessões, cap. 24, nota 148) estava com a primeira presunção, se o
testamento estava na mão do testador; mas, se lemos tôda a nota 148, vemos
que falava de presunção facti, insuficiente para inversão do ônus da prova.
M. A. COE LHO DA ROCHA (Institzaçdo de Direito Civil português,

§ 724) arquitetou doutrina, que, hoje, perante o Código Civil, não pode
lograr acolhida: basta aparecer rasgado, aberto, riscado, obliterado, ou com
outros indícios de inutilização, em ponto essencial, para se presumir
revogado; cessa a presunção, se fôr provado que o autor não foi o
disponente, ou, se o foi, não tinha o ânimo de revogar; se em parte, valia o
resto. Em nota a PAScOAL JOSÉ DE MEL6‟ FREIRE, contra, MANUEL
DE ALMEIDA E

SOUSA. A doutrina daquele era a seguinte (L. III, Título V, § 50) :


“Rumpitur etiam testamentum, in quo omnia vel quaedam deleta, inducta,
vel corrupta sunt, modo id a sciente testatore factum sit, 1. ult. de iniust.
rupt., 1. 1, de his, quae in testam. delent, quod in dubio praesumendum, nisi
contrarium ab herede scripto probetur. Et hoc iure gentes omnes utuntur;
illius tamen Regiae Ordinationes expressam mentionem non faciunt”.

Para CLÓvIS BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 214), ainda


hoje, o testamento cerrado, que foi encontrado, aberto, ou dilacerado, no
espólio do testador, presume-se tê-lo sido por êste. O ônus da prova caberia
a quem afirmasse o contrário. Porém, quanto ao outro caso testamento
aberto ou dilacerado em mão de outrem recuou diante da presunção de ter
sido pelo estranho. Ora, isso, exatamente, é o que estatuía presumir-se o
Código Civil português revogado, art. 1.941. Veremos se as sugestões do
autor do Projeto primitivo, art. 1.910
(a fórmula, de igual sentido, que prevaleceu, é do Projeto revisto, art.
2.115), têm razão de ser.

6.CÓDIGOS CIVIS DO SÉCULO XIX. No Código Civil espanhol, art.


742, dispôs-se: “Será ineficaz y quedará siu efecto el testamento cerrado,
sempre que se hajan quebrantado‟ los sellos y abierto la cubierta, ó estén
borradas, rasgadas óemendadas las firmas que lo autoricen, excepto cuando
se pruebe que esto sucedió después de la muerte del testador, ó que éste lo
verificó en estado de demencia. Se entenderá que eI vicio. procede de la
persona encargada de guardar el testamento.~ inientras no se pruebe lo
contrario”.

No Código Civil português revogado, havia vários artigos: Se o testamento


(lia-se) se achar aberto, quer seja no espólio do testador, quer seja em poder
de terceiro, mas sem nenhum outro viciamento, não será anulado por isso.

Nesse caso será apresentado, como estiver, na administração do respectivo


concelho, onde se lavrará auto disso mesmo, e se observará o mais que fica
disposto nos arts. 1.933, 1.934 e 1.935 (art. 1.939). Se o testamento
aparecer aberto e viciado, ou dilacerado, far-se-ão as seguintes distinções:
se o testamento se achar cancelado e obliterado, ou dilacerado, quer seja no
espólio do testador, quer seja em poder de outrem, de modo que se não
possa ler a primitiva disposição. haver-se-á por não escrito; mas, provando-
se que o viciamento fôra operado por qualquer pessoa, que não fôsse o
testador, será aplicado a tal pessoa o que fica disposto no art. 1.937, para os
que dolosamente ocultam ou subtraem o testamento (art. 1.940). O
viciamento presumir-se-á feito pela pessoa, a cuja guarda o testamento
estiver confiado, enquanto o contrário se não provar (art. 1.941). Se o
testamento se achar só alterado ou emendado em parte por letra do testador,
com ressalva e assinatura, não será anulado por isso, e valerão as ditas
emendas como se fôssem parte dêle (art. 1.942). Se o testamento sa achar
dilacerado, ou feito em pedaços, no espólio do testador, haver-se-á por não
escrito, ainda que possam reunir-se os fragmentos e ler-se a disposição,
exceto provando-se, plenamente,. que o fato acontecera depois da morte do
testador, ou por êle fôra praticado em estado de demência (art. 1.943).
Cumpre notar que o art. 1.942 fôra revogado pelo Decreto n. 4.170, de 26
de abril de 1918, art. 19, reproduzido no Decreto n. 5.625, de 10 de maio de
1919 e, finalmente, no Decreto n. 8.373, de 18

de setembro de 1922, art. 69, que disse o seguinte: “A alteração ou emenda


parcial de testamento cerrado só poderá ser feita em outro testamento, com
as formalidades legais”. Não tinha o direito português o testamento
particular; portanto, não se justificava o art. 1.942.

No nôvo Código Civil português (1966), estatui o artigo „2.315: “1. Se o


testamento cerrado aparecer dilacerado ou feito em pedaços, considerar-se-á
revogado, exceto quando se prove que o fato foi praticado por pessoa
diversa do testador, ou que êste não teve intenção de o revogar ou se
encontrava privado do uso da razão. 2. Presume-se que o fato foi praticado
por pessoa diversa do testador, se o testamento não se encontrava no espólio
dêste à data da sua morte. 3. A simples obliteração ou cancelamento do
testamento, no todo ou em parte, ainda que com ressalva e assinatura, não é
havida como revogação, desde que possa ler-se a primitiva disposição”.

Como informação histórica, que de certo modo explica a doutilna


peninsular (cf. Código Civil mexicano, art.

3.802, e Código Civil guatemalteco, art. 938), vale lembrar a L. 24, no


Título 1 da Partida 63, que presumia a revogação, salvo caso fortuito, isto é,
“si aquelías cosas sobredichas” (ruptura de selos, rapaduras de firmas, etc.)

“aviniesen en la carta dei testamento por ocasión, é que non fuesen fechas a
sabiendas”.

O Código Civil brasileiro, art. 1.749, nada tem com o direito peninsular. As
parecenças cóm o Código Civil alemão, menos com o suíço, mostram que
os elementos interpretativos e doutrinários de que podemos lançar mão
pertencem ao nosso tempo, àqueles dois Códigos Civis que o precederam,
porém, quanto ao propósito infirmativo e não presunção, o Código Civil
suíço não ao sistema jurídico brasileiro (só se refere àdestruição completa).

As diferenças em relação a outros obrigam a edificarmos a doutrina


brasileira no assunto, com o art. 1.749, que é iráciativa do legislador.
7.INFIRMAÇÃO E REVOGAÇÃO, DIVERSIDADE DOS CONCEITOS.
Há pouco dissemos que existe diferença entre revogação e infirmação.
Aqui, o ato do testador, ou de alguns com o consentimento dêle, é ato
infirmante, de intuito desfazedor, que é o Áufhebungsabsicht dos textos
alemães, a que a lei reco„nhece o efeito revogatório, como presunção
legado do propósito infirmativo. É sutil, mas traduz a verdade juridica No
fundo, o art. 1.749 é mais de infirmacão, como o art. 1\747 parágrafo único.
O efeito é que é revogaoão. Feito pelo testador, ou por outrem, com o seu
querer, ou permissão, o atç, destrutivo ou cancelante faz presumir o
propósito de infirmaçaõ (o Código Civil alemão, § 2.255, alínea 23,
emprega os rigorosos:so wird vermutet, dass er die Áufhebung es
Testaments beabsichtigt habe”). Por isso, se houve dados contra o intuito %
testador, nem se lhe presume, nem se presume a revogação: a revogação
éefeito da presunção, que, eco hypothesi, não cabe No Código Civil alemão.
§ 2.255, 23 patte lê-se: “Hat der Erbíasser die Testamentsurkunde vernichiet
oder in der bezeichneten Weife verãndert, SO wird vermuiet dass er die
Aufhebung des Testaments beabsichtigt habe”.

Advirta-se que está sob o artigo correspondente à faculdade qe revogar pela


destruição ou alteração.

No Código Civil suíço, art. 510, 13 alínea: “Der Erbíasser kann seine
letztwillige Verfflgung dadurch Widerrufen, dasa er die Urkunde
vernichtet”. 23 alínea: “Wh~d die Urkunde durch Zufaíl oder aus
Verschulden Anderer vernichtet, só verliert die Verfugung unter Vorbehalt
der der Ansprúche auf Schadenersatz gleichfalls ibre Gtiltigkeit, insoeern
ihr Inhalt nicht genau und vollstãndig festgestellt werdeh kann”. Texto
francês: „Te disposant peut révoquer son testament par Ia suppression de
1‟acte. lorsque l‟acte est supprims par cas fortuit on par la faute d‟un tiers
et qu‟il n‟est pas ~0~sible d‟en rétablir exactement ni intégralement le
contenu, le testament cesse d‟être valable; -tous dommages-intérêts
demeubent réservés”.

8.ATOS QuE SÃO DISPOSIÇõES DE ÚLTIMA VONTADE. As


lacerações, raspagens e combustões não têm a forma exterior de disposições
de última vontade. Porém ~ disposições de última vontade. Como tais,
devem exigir as circunstâncias subjetivas que se exigiriam aos testamentos
e XI revogações escritas. Supõem: a) Capacidade testamentária. ~
inoperante a dilaceraçáo ou combustão pelo louco. Igualmente, pelo surdo-
mudo sem braços, se não pode manifestar a sua vontade. Aliás, aqui, a
questão facti se torna de extrema delicadeza, O interdito por surdo-mudez
não pode, de forma nenhuma, revogar o testamento feito em tempo de
capacidade: é conseqúência necessária da sentença que declarou a
incapacidade e, por isso mesmo, firmou tratar-se de pessoa que não pode
exprimir a sua vontade. É a priori que se verifica a incapacidade. Porém, na
sentença, pode o juiz ressalvar a possibilidade de atos manuais, ou de parte
do corpo. Se o ressalvou, isto é, se permitiu, fundado no art. 451, que o
interdito vendesse bilhetes, continuasse como caixeiro, vendedor
ambulante, claro que o ato‟ revogatório por meio de gestos deve valer;
pertence à série permitida. Mas, se, na sentença, nenhum limite se deu à
cura-tela, o surdo-mudo é absolutamente incapaz e para todos os atos. O art.
451 contém disposição de invalidade absoluta, mas, quanto à extensão,
fixável pelo juiz, de modo a deixar campo de validade para certos atos do
interdito. Êstes, que se ressalvaram, são atos válidos. A sentença, que
ressalva os atos manuais ou gesticulares em geral (bôca, pés, côto), ressalva
o ato do art. 1.749, que é meramente material. Há possibilidade restrita, é
certo de exprimir-se.

b) O cego escreveu o testamento quando bom, ou, já cego, perfeitamente


escreveu o particular (caso do habilidade, que não é impossível). ~Pode
revogá-lo pelo modo do art. 1.749? A questão é de fato: se foi, de modo
certo, êle mesmo quem o rasgou, sabendo o que rasgava, a presunção legal
opera, como em todos os demais casos ordinários; bem assim se disse a
outrem que o rasgasse. Na última espécie não há nenhunia diferença entre o
ato do cego e o do não-cego: ambos quis eram. que se rompesse, abrisse, ou
dilacerasse. Na primeira, é justo notar que o cego está mais exposto a
romper, em vez de papéis inúteis, a própria cédula testamentária, a
dilacerar, ou a abrir o que não queria. A presunção do art. 1.749 é fraca:
supoa vontade; faz presumir que a dilacera çdo ou a abertura valha
revogação, mas cessa se fatos contrários a ela forem provados. No caso do
cego, os fatos ganham em probabilidade: é assar provável tal êrro por parte
do cego.
§ 5.944. ATAGABILIDADE MATERIAL

c) Os defeitos dos atos jurídicos viciam, por igual, os atos do art. 1.749: são
disposições de última vontade; portanto, atos jurídicos, como os outros.
Podem ser argUidos o dolo, a coação, as ameaças, o êrro. Tudo que se
aplicou aos testamentos também se aplica à revogação, quer seja a dos arts.
1.746 e 1.747, quer a do art. 1.749.

9.ATACABILIDADE MATERIAL DO ATO TESTAMENTÁRIO. O ato


material do testamento pode ser atacado, materialmente, em vida, ou depois
da morte do testador. Depois da morte do testador, não poderia ter efeito
invalidante. Antes, ou foi pelo testador, ou por acaso, ou por outrem.

Se pelo testador, trata-se de negócio jurídico unilateral, como o testamento


mesmo. Requere as mesmas circunstâncias subjetivas: irrepresentabilidade
(em todo o caso, há o exempIo do aconselhador, que rasga, à vista do
testador, e êste se conforma), capacidade testamentária, vontade isenta de
vícios. Por isso, dilacerado pelo louco, vale o testamento. Vale, tanibém, se
foi destruido por mandato sem as circunstâncias especiais que acima se
apontaram. Será anulável a revogação, e vale o testamento, se houve dolo,
coação, ameaças, êrro.

A representabilidade, em regra, é proibida, porque a revogação, como o


testamento, é ato personalíssimO, indelegável. Somente no caso do art.
1.749, pelo fato de se tratar de ato material, a que se atribuem, por lei,
conseqUências juridicas, a natureza das coisas força exceções aparentes.
Aparentes, note-se bem. Porque são exceções que, enunciadas, confirmam o
principio da irrepresentabilidade nos atos de últ ima vontade. A destruição,
a ditaceração, a riscadura, somente pode ser por mão de outrem, se passa
a ser mero instrumento. Outrem, pelo testador, ou com o consentimento
dêle, sem imposição coativa. Ou aqui o limite entre o outrem-instrumento e
o outrem‟ -agente ato de outrem, com a aquiescência do testador
aconselhado. Os exemplos giram em tôrno disto.

10.REPRESENTAÇÃO E INSTRUMENTALIDADE NA ESPECIE DA


REGRA JURÍDICA. Em princípio, não cabe representação ou mandato
para os atos do Código Civil, art. 1.749. Por ocasião de se elaborar o
Código Civil alemão, ficou assente (Motive, V, 301) ; aliás resulta da
pessoaudade os atos testamentários.

§ 5.944. ATACABILIDADE MATERIAL

O consentimento do art. 1.749 não é representação, nem mrzdato; alguém,


que pratica os atos consentidos, é mero instrumento, deve ser mero
instrumento.

Por isso mesmo, é sem conseqUências jurídicas o mandato do testador para


a destruição do testamento, se o encarregado não no cumpre (E.
HERZFELDER, Erbrecht, J. vou S‟taudingers Kornmentar, v, 9A ed., 791)
: porque, se cumpriu, se fêz instrumento. Se não cumpriu, não se pode ligar
à ordem, ainda escrita, o efeito revogatório: assim, o Tribunal de Karlsruhe
(FUCHS, Widerruf eines Testaments, Deutsche Juristen-Zeitung, 20, 1041).

Também não basta para os efeitos do art. 1.749 que, tendo alguém, contra a
vontade do testador, rôto, ou cancelado o testamento, aquele tardiamente
venha a sabê-lo < jurisprudência alemã do Supremo Tribunal, cf. F.

LEONHARD, em GEORO FROMMHOLD, Erbrecht, Kommentar um ~


2.~ ed., nota III ao § 2.255, e E.

KRETZSCHMAR, Das Krbrecht des deutsefleu SUB., 2? ed., § 21, nota 12;
cp. H. DERNBURG, D‟as BiirgerUche Recht, V, § 40, n. 12; contra:
RONRAD COSACK, Lehrbuch des Deutschen B‟iirgerlichen Reckts, ~

6? ed., § 358, n. 7, b, nas edições anteriores a 1924, e F. ENDEMANN,


Lehrbuch des Biir.qerlichen R‟echts, III, SY-9.~ cd., § 68, n. 38).

Mas fujamos ao absolutismo de tal regra jurídica, em que incidiu E.


ICIERzFELDER <Erbrecht, J. vou Staudingers Kommentar, V, 9? ed., 791).
O testador mandou meter no fogo o testamento, o encarregado atirou-o, de
modo que ficasse por trás das labaredas, talvez o testador tenha visto arder
algum papel, o ato foi praticado e, como se disse antes, os atos do art. 1.749
são declarações de vontade. Houve o ato, a falta de conseqUências
materiais corre por conta do dolo do instrumento. O‟ testador cria morrer
intestado, ou, talvez, com outro testamento. Seria injusto não atender às
considerações de PETER KLEIN (Zu BGB., § 2.255, Archiv fui‟
Buirgerliches Recht, 40, 196 s.) e de TREODOR KIPp (Das Erbrecht,
Lehrbuck des Buirgerlichen Rechts, II, 14.~-16Y~ ed., § 21. nota 8).

11.ESPÉCIES DE ATAQUE Ão INSTRUMENTO TESTAMENTARIO. Os


principais meios de inutilizar os testamentos são os riscos, as dilacerações,
os cortes, as raspagens, o tornar ilegível o texto, ou parte do texto.

As riscaduras a lápis dificilmente podem caracterizar o intuitus revocandi.


Mas, uma vez que foram feitas pelo testador, ou com o consentimento dêle,
aplica-se o art. 1.749, salvo se as circunstâncias não permitirem que se
tenham por ato usualmente empregado, como seria a simples cruz a lápis.

Aliás, a exigência de se empregar usualmente o meio cancelatório ou


destrutivo concerne a todos os casos (Juristische Wockenschrift, 1913, 41;
1911, 590).

12.PALAVRAS CANCELATÓRIAS E “ANIMUS REVOCANDI”.

O testador pode escrever, ao lado das disposições, ou em parte inferior, ou


interior, do testamento, “velho”,

“queimado”, e isso não bastará para a aplicação do art. 1.749: podia ter feito
outro, o que seria o caso extremo de mudança de vontade, e rôto o outro,
conservado o que reputava de parte (caso semelhante, na Alemanha, com as
palavras “veraltet”, “verbrennen”, queimar, em J. A. SEUFFERT, Arclviv,
78, 906 s.). Mas o Tribunal do Reich e o Tribunal de Hamburgo
(Zentralblatt flir freiwillige Gerichtsbarkeit, Notariat und
Zwangsversteigerung, 14, 666) reputaram suficiente a simples palavra
“anulado”. Não está certo, a fortiori no direito brasileiro; seria revogação
escrita sumarissima. sem forma, e a lei só dispensa de forma a destruição
material, o corte das linhas, a dilaceração, a inutilização por ato do testador.
Demais, na Alemanha, há o testamento particular sem testemunhas, o que
muda um pouco a face da questão, ao passo que o Brasil não no tem.
13.ATOS DESTRUTIVOS ~Ã DEPOIS DA MORTE DO TESTADOR.

Podem acontecer os seguintes casos, que merecem ser estudados:

a) O testador preparou os meios de destruir o seu testamento, insinuando,


por exemplo, em cofre, fechado e de que não tem chave ou perdeu o
segrêdo, elemento corrosivo que o destrua: a) ou ocorre destruição imediata
ou mediata, porém antes da morte, ou b) destruição mediata, posterior à
morte, ou e) falha do meio destrutivo empregado.

b)O testador ordenou a destruição e o instrumento da vontade só o cumpriu


depois da morte: a) em presença do morto; b) ao receber a carta, sem
notícia da morte; c) ao receber a carta, já com a notícia.

Firmada em decisão do Supremo Tribunal alemão, de 11 de janeiro de 1915


(3. A. SEUFFERT, Archiv, 70, 465), encontra-se em OTTO WARNEYER
(Kommentar, II, 1236) a seguinte solução: depois da morte do testador, não
pode mais operar-se, pelo terceiro encarregado pelo testador, a alteração ou
destruição. Ora, se examinarmos os casos possíveis, que acima foram
enumerados, compreendemos que tal doutrina absoluta não pode ser aceita,
máxime quanto ao caso b), b). Quanto ao caso b), c), trata-se de questão
sutilíssima e de extrema delicadeza, que o juiz terá de apreciar: se a carta
foi posta no correio nos momentos da morte, ou nas vésperas, não é de
presumir-se mudança tão rápida; mas tal presunção surge quando o testador
tinha razões para não crer no ato destrutivo, como se recebeu telegrama da
pessoa-instrumento aconselhando a não persistir em tal intento.

Quanto aos casos do a), tôda a questão consiste em apreciar o ato, quer
dizer em se saber se houve, ou não, suficiente iniciação e realização do
intuito infirmativo. Só o juiz pode, com os dados de fato, soberanamente
decidir. Por isso, em seu apriorismo, não tem aplicação em todos os casos, a
50-lução do Reichsgericht e de OTTO

WARNEYER (Kommentar, II, 1236: “Nach dem Tode -„ des Erblassers


kann der von ihm beauftragte Dritte die Verãnderung oder Vernichtung
nicht mehr vornehmen”).
14.TESTAMENTO PÚBLICO E REGRA JURÍDICA SOBRE
ABERTURA DE TESTAMENTO CERRADO. Se o testamento é público,
aberto, isto é, lavrado em notas do Oficial público, não pode o testador
revogá-lo pela destruição material, ainda que de todo rasgue, emende,
lacere. ou queime a cópia (primeiro traslado ou certidões).

Porque o original é o do livro, a cópia só o traslada, ou só o certifica, só o


simboliza (FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus de Testamentis, 6, sec. 2, n.
8; DOMINGOS ANTUNES PORTUGAL, Tractatus de Donationibus
iurium et bonum regiae coronae, III. cap. 17, n. 11). Alguns pretenderam
limitar a solução (FURGOLE, Traité des Testaments, cap. 11, n. 79) : se fica
provado o intuito revocandi do testador e a declaração de qne o fazia por
querer morrer ab intestado, de modo que se abria a brecha ao principio da
indestrutibilidade do ato em notas pela destru~çdo do símbolo (traslado,
certidões), nisi diunde sint probabiles coniecturae, quod intentio testatoris
fuerit testamentum penitus revocare. Também assim o Cardeal MÂNTICA.
Doutrina falsa, outrora e hoje. Quando havia o testamento nuncupativo,
claro que êle podia revogar o testainento público, porém não se tratava de
revogação por des„tru‟Íçáo material, e sim pelo valor jurídico de outro
testamento, também formalmente válido, revogatório do primeiro, ou
consistente em disposição incompatíveis.

Quanto à destruição material, a cancelação nas cópias, ou „a própria


queima, podia havê-la, ou não a haver. Não era o essencial do ato; seria,
quando muito, elemento de prova do animus revocandi. Aliás, se bem que
desacompanhado da explícita distinção, vê-se frase que repóe nos devidos
têrmos a questão no livro de SAMUEL

STRYK (Usus moderni Pandectarum specimen, 28, t. 4, § 4) : “Cum contra


ius strictum in reali inutatione leges ad solam voluntatem respiciant, utique
dicendum est testamentum nuncupativum ex hac declaratione reali
~contrariae voluntatis non subsistere”.

Revogar, pela só destruição das cópias, sem a feitura de „outro testamento


(ainda que só negativo, se a lei local o permitisse), não se podia outrora,
nem se pode hoje. Aliás, o próprio MÂNTICA mandava que se presumisse
não ter revogado, isto é, existisse o que ficava nas notas (original), uma vez
que o testador não fêz outro testamento. O

êrro está em ter falado de presunção, porque os testamentos são sujeitos a


formas, e às formos também se subordinam as revogações. Nos dias que
correm, o art. 1.796 corta cerce as dúvidas.

15.TESTAMENTO CERRADO E A REGRA JURÍDICA ESPECIAL. As


opiniões, quanto aos efeitos da rotura das linhas, das cancelações e de
laceramentos ou de mondas, quando testamentos com auto de aprova çdo,
eram discordantes os pareceres:

a) Rôtas as linhas, descosidas, ou dilaceradas, ou dilacerado o escrito, se o


fêz o testador (o que só se presumia), revogado estava o testamento
(FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus de Testamentis, 6, sec. 2, n. 6;
PASCOAL

JOSÉ DE MELO FREIRE, Institutiones Juris Civilis Lusitani, III, Título 5,


§ 50). b) Outros entendiam que a simples abertura pelo testador por si só
não revogava (J. BRUNNEMANN, G. A. STRUX‟E, ANTONIO PEREZ,
PAUl, BARRY, MANUEL ÁLVARES PÊCAS, SAMUEL STRYR).
Alguns, como JAOOB MENóQUIO, iam além: ainda que conste com
ânimo de fazer outro testamento. Com êles, MANUEL DE ALMEIDA E
SOUSA (Cole gtto de Disserta çôes e Tratados vários em suplemento às
Segundas Linhas, III, 211). O’ Código Civil ficou com a primeira, quer
dizer com FRANCISCO PINHEIRO e PASCOAL JosÉ DE MELO
FREIRE, mas sem a presunção de ter sido pelo testador.

Não se presume que o testamento cerrado, que se encontrou aberto, ou


dilacerado, foi aberto pelo testador, ou com o seu consentimento. O que se
presume é que o revogou, se foi encontrado em circunstâncias de que se
induza, provado que êle o abriu ou dilacerou, ou que o dilaceraram ou
abriram com o consentimento dêle. Por isso mesmo, a presunção do artigo
1.749 não é absoluta: o “haver-se-á como revogado”, como está no Código
Civil, cria presunção de animus revocandi. Resta saber-se se é possível
cumprir-se testamento que o próprio testador abriu sem o Animo de o
revogar. F. C. HARPPRECHT (Disputationes academicae, disp. n. 46, ns.
30, 158 e 159) figurou vários casos em que o testador pode abrir um
testamento sem o animws revocandi, tais como o de reavivar lembranças do
que dispôs. Acrescentemos o de ignorância dos efeitos juridicos do art.
1.749 (ei-for iuris), na espécie assaz escusável. De modo que o art. 1.749
contém presunção, porém não absolutamente: quem abriu sem querer
revogar foi como se outrem o abrisse, porque consentiu na abertura sem
consentir em tais efeitos. Máxime: se no fim da vida se referiu ao
testamento.

(F.C. IIARPPRECHT, Disputationes academicae, disp. n. 298 s.). Lê-se na


decisão da g~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
a 31 de julho de 1947 (J., 29, 569)

“Não é verdade que, pela direito atual, não seja mais permitido justificação,
nos casos do art. 1.749 do Código Civil, por se presumir sempre que o
testamento cerrado, apresentado aberto, foi revogado pelo testador. Como
pondera PONTES DE MIRANDA, “não se presume que o testamento
cerrado, que se‟ encontrou aberto ou dilacerado, foi aberto pelo testador, ou
com o seu consentimento. O que se presume é que o revogou, se foi
encontrado em tais condições, provado que êle o abriu ou dilacerou, ou que
o dilaceraram ou abriram com o seu consentimento” (Tratado dos
Testamentos, V, n. 2.057). Os pressupostos da revogação presuntiva são a
abertura ou dilacera ç~o do testamento cerrado, feita pelo próprio testador,
ou por éle querida, quando terceiro o faz. Mas êsses fatos e tal intenção do
testador devem ser provados, sem o que a presunção revogatória não existe.
Daí a razão de permitir-se, medianta justificação, a prova de que os aludidos
fatos não foram praticados nem queridos pelo testador, o que exclui aquela
pre sunção, dando-se como, aparentemente, válido o seu testamento. Essa
prática não é defesa, como pretende o apelante, em nosso direito atual”.

O fato de o testador abrir, intencionalmente (o que se há de presumir), o


testamento cerrado revela a revogação. A fortiori, se na sobrecarta diz que o
abriu (2.a Câmara Civil do‟ Tribunal de Apelação de São Paulo, 29 de
outubro de 1946, 1?. dos T., 163, 249), porque aí já se há prova de ter
querido. O que se pode dar é que tenha havido coação do testador, êrro ou
dolo de outrem, o que pode ser alegado e provado contra a validade do ato
revogatório.

A presunção, para ser afastada com a alegação de ter havido inadvertência,


tem de ser elidida com a prova do que se alega (4.a Câmara Civil do
Tribunal de Apelação de São Paulo, 11 de maio de 1943, 1?. dos T., 143,
659:

“Presunção que, na quase totalidade dos casos, corresponde à realidade.


Ninguéni ignora que os testamentos cerrados devem ser conservados com
as maiores cautelas e que não podem ser violados, sob pena da perderem a
sua eficácia. Acrescente-se que, na hipótese, a testadora, ao encerrar as suas
declarações de última vontade,. deixou consignado que confiava a guarda
do testamento ao tabelião encarregado de sua aprovação, certamente por
melhor assegurar a sua inviolabilidade. No entanto, foi o testamento.
encontrado aberto entre os seus papéis, o que põe de manifesto o seu
propósito de revogá-lo”.

16.TESTAMENTO PARTICULAR E REGRA JURÍDICA SOBRE


ABERTURA DE TESTAMENTO

CERRADO. ~ A quem incumbe a prova de que não foi revogado o


testamento encontrado aberto, ou lacerado, ou repassado de cancelaturas?

A verdade jurídica, assim no direito romano, como no direito moderno,


implica que se não presuma revogado.

Portanto, quem alega a revogação tem de prová-la.

Em todo o caso, houve divergências doutrinárias, que (vê -lo-emos)


passaram. Assim, quiseram distinguir os dois casos: aparecimento em mão
de pessoa suspeita e aparecimento em mão de pessoa não suspeita. Mas não
havia razão para isso, Fica a dúvida quanto a quem deve provar que outrem,
e não o testador, abriu ou lacerou o testamento. Novamente introduziam a
distinção da pessoa suspeita. a) Se em poder do testador, presumia-se
aberto, lacerado, ou rasurado por êle, e ao herdeiro escrito o ônus da prova
do fato oposto; se em poder de terceiro, havia de presumir-se o contrário,
isto é, que o testador não no abriu, não no rasurou, não no rompeu, e ao
herdeiro legítimo o ônus da prova. Assim, 5. E. DE LUCA, FURGOLE e F.
C. HARPPRECHT. b) Outros queriam que sempre se presumisse manobra
do testador (Cardeal DE MÂNTICA, 5. H. BOERMER). Mas a verdade é
que novas circunstâncias se poderiam intrometer e perderia tal opinião o
valor unificante: or exemplo, se assaz fortes para elidirem qualquer
suposição de ato do testador. Um abrir de questão para o campo das
indagações circunstanciais, nocivo à segurança das últimas vonfades.
SAMUEL STRYK (De Cautelis testamentorum, cap. 24, § 41) trouxe à
balha a distinção concernente ao tempo: quja mutatio voluntatis brevi
tetnpore non praesumitur in testatorc.

17.CANCELAÇÕES, RISCOS E BORRADURAS CAPITAIS. Se o


testamento cerrado foi encontrado, não só rôtas as linhas, quebrados os
lacres, ou as obreias, com que se fecham, mas cancelados do alto a baixo,
riscados em tôda a extensão, ou nos lugares de fé, como as subscrições das
testemunhas ou do auto de aprovação, ainda assim não se presume que o
tenha sido pelo testador. Se foi o testador, está revogado. Seria impertinente
qualquer conjectura do não intento de revogar, salvo, está visto, a prova de
coação ou dolo.

18.EM QUE CONSISTE A PRESUNÇÀO DA LEI QUANTO


ÀABERTURA DE TESTAMENTO CERRADO.

A lei não diz que o testamento achado aberto, ou em parte dilacerado,


presume-se ter sido aberto, ou em parte dilacerado, pelo testador. Diz, sim,
que, aberto pelo testador, ou dilacerado por êle, se tem como revogado.

Não se trata de efeito da destruição, Vernichtung do Có„digo Civil suiço,


art. 510 (que aliás abrange cortes, dilacerações, roturas, fragmentações,
queima, riscaduras, cancelações, declarações superpostas invalidantes: e.g.,

“sem efeito, “não vale”, “revogado”) -

preciso que as tivesse feito o testador, para que tenham o efeito revogatório.
Foi isso o que a lei estatuiu, e não mais do que isso.
A presunção de o testamento ter sido ferido pelo interessado ofendido pelo
testador, ou por acidente, ou por outrem, constitui matéria de presunção de
fato, e não legal. As circunstâncias é que podem criá-la: a respeito,
nenhuma iniciativa teve a lei. Nem sequer permite qualquer regra jurídica a
priori sôbre o ônus da prova. Tudo depende dos fatos circunstantes.

Exemplos:

a) Se o testamento foi achado (aberto, ou dilacerado) em cofre fechado pelo


testador, cujo segrêdo ninguém sabe, e o juiz na diligência da abertura da
casa e do cofre, ou só do cofre encontra, entre os papéis, o testamento, não
pode deixar de presumir que a abertura ou dilaceração tenha sido ato do
próprio testador. Subido êsse degrau de presunção, que só se erige com
fatos (praesumptio facti), está estabelecida a premissa do art. 1.749. Seguir-
se-á o segundo degrau, feito. erigido, criado, pela lei: trata-se de cédula
revogada.

b)Mas, se o cofre, que o juiz, em diligência, foi abrir, se acha arrombado,


aberto por meio impróprio, ou simplesmente aberto, sem que isso se
justifique (não se pode presumir que os cofres estejam abertos: o quod piei-
um que fit é estarem fechados), seria postular contra a realidade crer que o
testamento foi aberto ou dilacerado pelo testador. Na pior das hipóteses,
nenhuma presunção pode exsurgir.

Ora, se nenhuma presunção exsurge, não se subiu aquele primeiro degrau,


que é o da praesumptio facti. Sem êle, o artigo 1.749 é inoperante, por
supor o que não está provado: ato do testador, ou consentimento dêle.

A simples inexistência de cédula testamentária por exemplo: a não-achada


do testamento na ocasião da morte do testador . não prova, só por si, que êle
não tenha disposto em testamento (A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar
zunv schu‟eizerischen Zivilgesetzbuch, III, 96). Verdade, esta, de que o
vulgo não se dá conta. Provado que existiu e que o testador não no rompeu,
ou dilacerou, e no momento de morrer aludiu a êle, então acidente ou
outrem foi a causa da perda, ou extravio, ou destruição. E não êle. O
conteúdo pode ser reconstituido. Tratando-se de testamento particular, se as
testemunhas do art. 1.648 depuserem.

19. Avo DESTRUTIVO QUE NÃO VALE REVOGAÇÀO. Se não foi o


testador que dilacerou, raspou ou rompeu o testamento, ou se o terceiro não
estava autorizado, ou, ainda, se foi o testador ou o terceiro, por engano, a
dilaceração, a raspagem ou a rotura das páginas ou cordões não atinge a
validade do testamento. Pode ser reconstituido e reproduzido por todos os
meios de prova. Assim, também, o direito alemão (Motive, v, aos).

O simples jogar na cesta, ou no lixo, o testamento não basta à incidência do


art. 1.749. Porque, aí, não houve nenhuiria destruição, ou rotura (II.
DERNBURG, Das Biirgerlich,e Recht, V, 112; A. ESCRER, Das Erbrecht,
Kommentar zum schweízerischen Zivilgesetzbuch, 111, 96). Melhor: aí, o
ato não fere a cédula, não pode entrar no domínio da regra jurídica do art.
1.749, que é a,tribuição de efeitos jurídicos a atos materiais desfazedores do
testamento.

Nos Projetos suíços, acrescentava-se: “por qualquer modo faça sem efeito”;
mas a lei riscou. No caso de jogar no lixo, ou na cesta, se reaparecido,
cumpre-se: não seria de admitir que a vontade de revogar ato tão solene se
satisfizesse com isso.

A perda, roedura por animais ou deterioração de ordem química, o estado


em que ficou o testamento depositado em gavetas, cofres, buracos de
parede, assoalho, tecto, ou livros não podem, de nenhum modo, ser tidos
como ato do testador: não houve declara «lo de vontade, e os atos do art.
1.749 são declarações de vontade. Se houver dúvida, apreciará o juiz as
circunstâncias, mas o ônus da prova cabe àquele que afirma a
aplicabilidade do art. 1.749 (J.

A. SEUFFERT, Archiv, 78, 15 s.;

F. RERZFELDER, Erbrecht, 3. von Staudingers Kommentar, V, 9Y ed.,


791), quer dizer o propósito infirmativo, de que surgiria, por fôrça da lei, o
efeito revogatório. O que está em A‟ questão é o propósito; e o art. 1.749
não pode considerar suficientes aquelas circunstâncias.
Aliás, podemos formular a regra jurídica: Sempre que o fato não serve, de si
só, para estabelecer a causação por ato do testador <ou consentimento) da
destruição ou da dilaceração, não se pode invocar a presunção da lei, que
supõe tal nexo causal. Mas, em tais casos, não se exclui a prova da
intenção “infirmativa” do testador e, provada, há o efeito revogatório. Ao
juiz apreciar as circunstâncias.

20.MULTIPLICIDADE DE ExEMPLARES DO TESTAMENTO. No caso


de muitos exemplares, entendem F.

LEONHARD (em GEORG FRMMHOLD, Erbrecht, Kommentar zum BaR.,


nota II, ao § 2.255, cp. E.

ENDEMANN, Lehrbuch des R‟iirgerlichen Rechts, ~JJ, 8J~-9.~ ed., § 68,


n. 29, 11. DERNEUILO, Das B‟iirgerliche Recht, V, § 40, nota 12, II) e o
colaborador de G. PLANCK (Biirgerliches Gesetzbuch, V, nota 3 ao §

2.255) que basta a inutilização de um, se não há dúvida sóbre o animus


recovandi do testador, dadas as circunstâncias, principalmente se o testador
só não destruiu os atos pelo fato de os não ter à mão (exemplos, na
jurisprudência: Das Recht, 18, n. 943, Junstische Rundschau, 1925, ns.
1.529 e 1.530).

21. ÔNUS DA PROVA. Rigorosamente, o art. 1.749 éregra jurídica, ou


ônus da prova: a) O cancelamento e a destruição não-completa, não se
presumem feitos pelo testador: só se as circunstâncias o estabelecem, ou se
se faz a prova de que foi êle, ou outrem por de, é que se aplica o art. 1.749.
Para se provar o contrário, „ter-se-ia de desfazer a prova feita, ou aquelas
circunstâncias.

b)Mas, se as circunstâncias não fazem certa a causação pelo “ato do


testador (ou de outrem por êle) “, ato dilacerante ou destrutivo, o ônus da
prova do animus revocandi cabe aos que alegam a revogação.

Se (no caso a) as circunstâncias mostram que o testador ou outrem por êle


foi o autor da dilaceração, ou do cancelamento, ou da destruição, podem os
interessados fazer a prova, por quaisquer meios, inclusive presunções de
fato, não apreciadas ou mais fortes: a) que o ato do testador não constituiu
declaração de vontade; exemplo: jogou na cesta o testamento.

quando pensava ter jogado a cópia ou a minuta; b) que houva erro, dolo ou
outro vício de vontade; e) que foi ato de outrem, sem o seu consentimento
(consentimento é que faria a decla ração de vontade).

Tratando-se, como se trata, de assunto de prova, se uma. das partes torna


impossível a prova, a que a outra estava obrigada, a jurisprudência e a
doutrina invertem o ánus (Supremo Tribunal alemão, 3 de janeiro de 1921;
STEIN-JONAS-POHLE, Kommentar zur Zivilprozessordnung.

12 a~1g a ed., nota IV, 7,. ao § 282; F. HERZFELDER,

Erbrecht, 3. von Staudingers Kom mentar, v, 9a ed., 792). Evidentemente,


exsurgem circunstâncias que produzem presunção contrária à que
justificava a antenor oneração de prova.

A situação muda, inteiramente, se a destruição fôr completa, se os riscos


forem acompanhados de cancelacões escritas pela mão do testador, de modo
a não se ver, sequer, qualquer palavra, porque então o ônus da prova cabe
aos que pedirem a recomposição e alegarem o acaso ou o ato de outrem não
consentido. A questão fica deslocada: não está em causa o artigo 1.749, e
sim a destruição ou extravio de um testamento, o qua levará, pelos
princípios gerais de direito, à reconstituicão e indenizacão, ou, se
impdssível aquela, à ação de indenizaçáo~ contra o culpado, ex delicto. Foi
assunto de que já se tratou.

22. As ALTERAÇÕES E As DESTRUIÇÕES PARCIAIS. A destruíção


parcial opera, porque, se completa, não poderia deixar de alterar: não se lhe
sabe o conteúdo. Mas, se fôr sabido a puder recompor-se, recompõe-se o
pedaço destruído.

Mais: a alteração, em si, depende de outros princípios. Não se trata de


saber se houve, ou não, cancelamento: em principio, o testador não pode
alterar. A forma é íntegra para todo o ato: a intromissão de vontades não
formalmente inser tas teria de ferir o princípio.
O testador legou duzentos e sessenta e sete mil cruzeiros novos (267.000) a
E, mas, depois, riscou de todo os algarismos 2 e 6, ou somente 2. Cumpre-
se o legado, se há meio de ler-se ou de formar-se o quanto, porque a lei só
reconhece a destruição total, ou a dilaceração, revogatória do ato, e não a‟.
revogabilidade parcial pela riscadura, pelo borrão ou pelo cancelamento
intencional, mas limitado a uma parte. Não pode haver duas opiniões no
direito brasileiro.

Passemos aos povos que têm o testamento hológrafo sem testemunhas. A


situação é diferente: a letra, a dermografia,. basta. Se a cancelatura foi por
meio de riscos, ou de declaração expressa, acrescentada ao texto primitivo,
com data e assinatura, não se trata de revogação no sentido do art. 1.749
(Código Civil alemão § 2.255), mas de parte componente do mesmo
testamento (F. IIERZFELDER, Erbrecht, 3. von S<taudingers Kommentar,
~, 9a ed., 790).

Na jurisprudência e na doutrina alemã (R. O., 71, 298; OTTO


WARNEYER, Kommentar, II, 1236), há casos de aceitação de destruições e
modificações parciais, e o julgado do Reichsgericht foi censurado por F.

HERZFELDER, em nota da Jv.‟ristische Wochenschrift (1916, 165 s.). Mas


a verdade jurídica está no que antes dissemos, distinção de capital
importância.

23.RASURAS, ALTERAÇÕES E DESTRUIÇOES PARCIAIS NO


TESTAMENTO PUBLICO. Não se pode revogar nem alterar o testamento
público pela obliteração ou destruIção: queimado,. que seja, todo o traslado,
cumpre-se, com as certidões; portanto, o que está escrito no livro de notas,
no original.

Mas um conceito é o de poder jurklicamente, e outro, o de poder


materialmente: se o testador ou alguém rasurou, mondou, cortou, no
traslado e no livro uma linha do testamento, e não se pode recompor, claro
que a questão não é de revogação mas de possibilidade ou impossibilidade
material de se lhe conhecer o conteúdo.
Se foi outrem que o fêz, e não se pode, materialmente,. reconstituir, têm os
interessados a ação de perdas e danos.

Rasuras, emendas, ressalvas, nos testamentos públicos, sejam no traslado e


no original, ou sejam no original, somente valem se no contexto da escritura
foram mencionadas pelo oficial público (FRANCISOO PINHEIRO,
Tractatus de Testameu&s, disp. 2, s. 4, § 2, n. 19; FURGOLE, Traité des
Testaments, e. 11, n. 82). Se tais alterações só aparecem no traslado, claro
que pode ser conferido o original: se neste estão, estão naquele. Se no
traslado não vêm rasuras nem alterações, corrente e ininterrupto o contexto,
mas estão no original, podem os interessados impugnar o traslado e pedir a
verificação do original. (Nesse caso, os prejudicados têm ação contra o
oficial público.)

Restam duas questões que foram levantadas pelo perspicaz FRANCISCO


PINHEIRO (Tractatus de Testamentis, §

2, n. 51):

a) Se houver anotação marginal, interlineada, cancelação, vel quid simile,


apode-se provar a verdade do rasurado ou do anotado? Respondia que sim.
Respondemos que não se pode, salvo se não fôr em lugar essencial, como se
o raspado era Companhia Central e na rasura se diz Companhia Geral e o
testador só possuía ação daquela.

b)Se, pelas palavras antecedentes, ou subseqUentes, se pode conhecer a


verdade da rasura, interlínea, marginália, canceladura, ou monda, ;atende-se
ao rasurado, interlineado, cancelado, ou corroido? Nos tratados gerais de
“fé instrumental”, os velhos escritores discutiam a matéria e resolviam pela
af irmativa. Na matéria dos testamentos, SAMUEL STRYK (De Cautelis
testamentorum, c. 24, § 48) esclareceu e aplicou o raciocínio dos que viam
em geral, sem descer ao particular dos atos testamentários: “Multo minus
testamentum vitiatur ex eo quod in margine fuit annotatum, si non sensum,
aut voluntaten testatoris intervertat... modo apposita in margine non
contrarientur haeredi institiltioni, aliisque in testamento contentis. . . Idem
dicendum est de interlineari scriptura tum et rasura.
llaec similiter testamentum non vitiant, nec melium reddunt, aut mutant.
Modo rasura et vitium ita sit commíssuín ut ex praecedentibus, et
subsequentibus clarus, et aptus sensus colligi possunt”. Com êle, C.
MANZIU~ e o português FRANCISCO PINHEIRO, e todos com evidente
razão.

24.RASURAS, ALTERAÇOES E DESTRUIÇOES PARCIAIS NO


TESTAMENTO CERRADO. Os oficiais públicos costumam rever a~
células, examinar as raspagens e as emendas, e salvá-las no ato da
aprovação. Tal ressalva, no auto de aprovação, que sera assinado pelo
testador e pelas testemunhas, vale integralmente. pelo testador, ou a
mandado dêle (Ordenações Filipinas, Livro 1, Titulo 78, § 4).

Mas é possível que apareçam tais modificações em testamentos cerrados


que se acharem abertos. Se não foram ressalvadas, no texto da cédula ou no
auto de aprovação, não valem. O testador não pode acrescentar, nem mudar,
salvo em outro testamento.

Cumpre examinemos os casos principais:

a) O testador riscou, ou raspou, ou cortou, de modo a tornar ilegível e


indiscernível, a disposição a favor de alguém: juridicamente, não podia
fazê-lo, mas fêz. Vêm à sucessão os herdeiros legítimos, se não há outro
instituído para a herança, ou se êste não é universal e sim de parte. E.g.:
“Deixo todos os meus bens a A e B”; “Deixo metade da minha fortuna a A
e outra metade a B”. Se o primeiro testador risca “e B”, herdeiro .de tudo é
A: tal foi a lição do Cardeal DE MÂNTICA. Se o segundo risca “e outra
metade a B”, vêm à sucessão os legítimos, como ensinavam 41.
BRUNNEMANN e SAMUEL STRYI< (De Caziteus testamentorum, c. 24,
§ 46) e FURCOLE (TraiU des Testaments, e. 11, n. 84).

b)Se cabra ao herdeiro com o nome riscado no último testamento acima o


cumprimento de alguns legados e êstes não foram riscados, entendiam que
êstes eram nulos. Mas, hoje, não seria admissível. Cumprem-se: a) se o
herdeiro riscado tinha substituto, passa a êste o cumprimento (FURGOLE,
Traité des Testaments, c. 11, n. 83) ; b) ainda que haja benefício ou modus
ao herdeiro riscado e tal benefício ou modus não se riscou; e) se, no lugar
do herdeiro riscado, vierem os legítimos, cumprem êles; ou, se ocorrer o
caso a), em que se riscou “e B”, cumpre o outro herdeiro.

e)Se o testador riscou todos os nomes dos herdeiros, subsistem os legados.

d)Se riscou os legados, ou as disposições modais, subsistem, no mais, os


testamentos: o ânimo do testador, ainda contra a lei, foi de revogar parte, e
estender ao todo fôra absurdo.

e)j, Quid juris, se a deleção ou laceração não é completa? Não torna


inexistente, materialmente, o que se dispôs, resta „saber se deve o juiz
observar a nova vontade, não aprovada, do testador. Aqui, intervém a
questão: apode o

testador, juridicamente, sem novas solenidades, alterar o testamento? Se


bem meditarmos o direito dos testamentos cerrados, ficaremos persuadidos
de que não há direito de emendar ou de rasurar, tanto assim que emendas e
rasuras, vel quid simile, devem ser

434

ressalvadas, ou pelo próprio testador na cédula, ou no auto de aprovação,


que lavra o oficial público, e todos assinam. Efeitos de deleção, de
obliterações e de consertos só se admitem quando não envolvam dúvidas
quanto a disposições essenciais, ou possam ser verificados no próprio
contexto do testamento. Por isso mesmo, se legível o que antes estava e mal
se rasurou, sem se superpor outra disposição positiva, cumpre-se. Se a
dúvida é invencível, por subsistirem o que estava e o que está, a única
solução é não se cumprirem ambas. Mas, se a rasura ou emenda foi feita
antes da aprovação e nenhum indício encontra o juiz de ter sido aberto o
testamento, forçoso é que se presuma valer a entrelinha, a marginália, a
frase sobreposta. Salvo se o oficial público que percorreu a cédula,
ressalvou emendas, e esta não está incluída, e não consiste em escrito
autógrafo do testador ou de quem lhe escreveu o testamento.
Para vermos até que ponto tem isto de ficar à apreciação do juiz, basta que
se lembre o seguinte caso: a cédula testamentária foi escrita por outrem, que
morreu dias depois, e, desde a aprovação, o testamento ficou em cofre do
testador, sem qualquer probabilidade de ter sido aberto pelo escritor, se a
entrelinha é da mesma letra, tôda a presunção é de que já existisse quando
aprovado foi o testamento.

25.RASURAS, ALTERAÇÕES E DESTRUIÇÕES PARCIAIS NO


TESTAMENrO PARTICULAR. Tal espécie testamentária exige no direito
brasileiro a subscrição de testemunhas. Se fôr achado de todo inutilizado,
não é mais testamento. Quem quiser recompôlo terá de provar que a
laceração ou cancelamento ou a queima não foi feita pelo testador, nem com
o consentimento dêle. Outra questão, se estava louco o testador, ou coacto,
ou incorreu em êrro, ou houve dolo de outrem, quando fêz tais deleções.
estes problemas foram versados no Tomo Lvi, a cuja matéria pertencem.

Quanto ao direito de revogação parcial sem outro testamento, de certo não


no há. Aqui, como a respeito dos testamentos cerrados, tais efeitos
revogatórios parciais somente podem provir da contingência material. Se
puramente negativo, conto rasura sem superposição, o efeito é não se
cumprir, porque, ex hypothesi, não se pode.

Se positivo e hológrafo, temos de admitir que, provada a identidade da


cédula, se atenda ao que ali está escrito e, impugnado, o exame pericial
comprovaria.

Nos países em que se não exige a intervenção de testemunhas, ainda mais


liberal tem de ser a apreciação do juiz.

Na parte relativa à interpretação dos testamentos (Tomo LVI, § 5.725),


algumas considerações foram feitas, a que nos reportamos.

§ 5.945. Nulidades das revogações “ipso facto”

1.CAPACIDADE, VONTADE LIVRE E SEM DEFEITOS. Declarações de


vontade, os atos do Código Civil, art.
1.749, e outros similares requerem agente capaz e vontade livre e sem
defeitos. São, pois, nulos ou anuláveis, nos mesmos casos em que são nulos
e anuláveis os próprios testamentos. Nem a possibilidade de ser por mão de
outrem a destruição lhes cria situação especial: o encarregado de romper, ou
de queimar, ou de outro modo destruir, é mero instrumento, como ocorre a
quem escreve, por outrem, a cédula do testamento cerrado.

2.ANULABILmADE rOR DEFEITO DE VONTADE. Ainda depois de


todas as discussões, ou da decisão do juiz sôbre o efeito revogatório do ato
destrutivo ou dilacerante, podem os interessados promover as ações de
invalidade por defeitos da vontade (dolo, êrro, etc.), porque as regras
jurídicas se aplicam assim às revoga cães como às infirmações (F.
HERZFELDER, Erbrecht, J. von Staudingers Kommentar, v, 9Y ed., 793,
cp. AHAMMER, Der Widerruf tetztwilliger Ver fiigungen nach § 2.255 u. §
2.256 13GB., 29 s.).

Os atos dos arts. 1.746-1.748 são declarações de vontade e‟ como tais se


regem, inclusive quanto aos vícios e defeitos das outras disposições de
última vontade (R.G.Z., 102, 69 s.), ista é, também pelo que é do direito
testamentário, sem ser o que toca à Parte Geral. Exemplo: na Alemanha, o §
2.078 admite, nos testamentos, a anulabilidade, diferente do que se passa
nos atos jurídicos em geral. Aplica-se o § 2.078 à infirmação do § 2.255,
alínea 2, declaração de última vontade. Contra, KARL MAENNER
(Leinziger Zeitschrift fiir Deutsche Recht, 18, col. 509 s.).

Se o juiz julga existente e válida a frase ou a palavra entrelinhada ou


superposta, ou a rasura feita, ou, ainda, a cancelação, resta aos interessados
a ação de anulação, com fundamento nos arts. 86-101 do Código Civil,
provando, por exempio, que o ato foi praticado por êrro, violência, ou dolo,
ou coação: o testador foi obrigado a rasurar, a emendar, a riscar; o testador
apagou o nome, porque lhe deram a notícia da morte do herdeiro, e êle não
queria que se interpretasse o testamento como se interpretaria se ficasse o
nome; o testador, sabendo que perdera um bem, riscou o nome do legatário,
pôsto que falsa a notícia.

§ 5846. Ruptura dos testamentos


1. “RUPTIO”. Já foram tratados os casos de revogação p de infirmação,
restam os de ruptio, fato pelo qual a lei afasta o testamento, em que a lei
estabelece regra jurídica de não-existência (ou “presunção” que não admite
prova em contrário, de modo que seria errôneo falar de revogação
presumida) : presumiu-se o animus revocandi, mas a regra da lei, que disso
partiu, não criou “presunção”, e sim imperativamente foi concebida, como
regra jurídica cogente. A ruptura, o rompimento, a rompedura, o rumpção, é
obra da lei.

O Código Civil conhece dois casos: a) superveniência de descendentes


sucessível ao testador que o não tinha, ou não no conhecia, quando testou,
se êste sobreviver; b) se, ao tempo da feitura, existiam outros herdeiros
necessários.

Preliminarmente, note-se a difdrença mais sensível: descendência


sucessivel, herdeiros necessários (ascendentes, descendentes).

2.TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.750: benvindo descendente


sucessível ao testador, que o não tinha, ou não o conhecia, quando testou,
rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se êsse descendente
sobreviver ao testador”. Cf. Projeto primitivo, art. 1.912: “A superveniência
de descendente sucessível ao testador, que não tinha ou ignorava tê-lo,
quando fêz o testamento, invalida-o em todas as suas disposições, se o
descendente superveniente sobrevive ao testador”. O Projeto revisto, art.
2.119, 23 alínea, acrescentava:

“A mesma disposição prevalece em relação ao cônjuge, se o testador,


depois de feito o testamento, casar sob regime exclusivo da comunhão”.

Preliminarmente, é de advertir-se que a regra jurídica supôe que haja


descendente que possa suceder. Não há ruptura se o descendente de modo
nenhum herdaria, como é o caso de ter sido inserta cláusula de deserdação,
ou se indigno o descendente.

8.DIREITO ROMANO. No direito romano, rompia-se o testamento pela


superveniência do herdeiro seu, qualquer que fôsse o sexo ou o grau
(ULPIANO, Liber singularis regularum, 22, 18). Absoluta, como a
nulidade do testamento iniusturn, pela omissão de filho já nascido.
Invocável a todo o tempo, e irratificável. Se o póstumo morria antes do
testador, dava o Pretor ao herdeiro instituído no testamento a bonorum
possessio secundum tabulas, que era cum re, em virtude de decisão de
Adriano, e protegida por ezceptio doli contra a petição de herança dos
herdeiros ab intestato, salvo em se tratando de liberi deserdados no
testamento.

,Podia o testador, por previsão, evitar a ruptura do testamento? Não,


respondia-se; porque seria instituir como pessoas incertas filhos ainda não
nascidos, ou pessoas já nascidas mas ainda sem ter a qualidade de mii.

Particularmente rigoroso tal sistema, se descendente nascido após a morte


do decujo Longo movimento contrário operou-se e veio permitir instituir-se
ou deserdar-se quem viesse depois da feitura do testamento. Após a
doutrina, o texto legal, a lei Junia Velleia, talvez do ano 26 da era cristã
(postumi Veliejani, quasi Velleiani). Sob a influência de Juliano (postumi
Juliani), prosseguiu a doutrina.

Quanto aos adotados, aos ad-rogados, às mulheres caídas in manum, aos


legitimados, e às demais pessoas ligadas, de causa que não fôsse a
descendência, a lei não os apanhava e a doutrina acabou por permitir a não-
ruptura do testamento, pela prévia instituição, se bem que não permitisse a
deser dação.

Diferente do direito civil, o direito pretoriano. Concedia-se a bonorum


possessio contra tabulas se o testamento não continha instituição ou
deserdação de certos descendentes. Não só a heredes sui, como também a
ascendentes de sangue, caídos cm capitis deminutio mininta e não
pertencentes a outra família. Tal bonorum possessio cabia, no caso de
permissão, àqueles a que, na falta de testamento, tocava a unde liberi. A
sanção não era a nulidade, mas êste mesmo direito da posse contra tabulas.
~ Seria rescisão? Assim, PAUL FRÉDÊIiIC GIRARD (Manuel élémentaire
de Droit romain,
4 a ed., 855). Mas D. BURKARD WILHELM LEIST (em CHR. FR. vON
GLtYcK, II, 21 s.) e também II. A. A. DANz (Lehrbuch des (r‟eschichte
des rõmischen Rechts, II, 2.~ ed., 156) entenderam que não caducava o
testamento: o herdeiro podia aceitar; o que ocorria era que a bonorum
possessio o punha em situação semelhante à do herdeiro gravado, a herança
vai-se, mas êle é e continua heres. (A explicação científica do fenômeno
tem importância, ainda hoje, e pôr-se-á ao vivo na questão da
convalescença ou do momento da ruptura, o da superveniência ou o da
morte.)

O testamento não cessa de existir: também o fideicomissário universal é


herdeiro sem ter de imediato a herança, assim o herdeiro do testamento de
que cogitamos, heres, porém não bonorum possessor.

(Cumpre notar a diferença entre a ruptio do direito civil e a situação de


esvaziamento da herança, em que importa a noção do Pretor. Nenhuma das
duas é a do direito moderno, mas o exame de ambas serve como
experimentação da verdade, só parcial, das explicações de instituto, que
cada uma implica. Alguma coisa guardar-se-á da ruptio do direito civil: a
queda do testamento; e alguma coisa do direito pretório: o auxílio, que se
lhe deve, para a fixação do momento em que o efeito rompente se opera,
que é o da morte, e não o da superveniência do herdeiro.) As páginas do
ementário de D. BURKARD WILHEIM LEIST (em CHR. FR. GLVJCK,
Ausfiihrliche Erlãuterung des Pandecten, 37-38,

2 a parte, 21-23), a êste respeito, são dêstes textos, que valem como
aberturas definitivas para a verdade histórica, pôsto que, antes, E. VON
LoRR (Magazin fúr Rechtswissenschaft und Gesetzgebung, 111, 221), já
houvesse ousado concepção de todo o bonorum possessor non heres como
assaz parecido com o fideicomissário universal. Porém não é nessa figura, e
sim no conjunto do que escreveu, que está o valor das páginas de D.
BURKARD WILIIELM LEIST.

Uma vez que não deixava de existir o testamento, não se podia cogitar de
efeitos se o liber premorreu. Se êle vivia, dava-se a bonorum possessio, e
note-se bem a expressão contra tabulas, contra lignum testamenti, porque,
em verdade, há testamento formalmente válido. Subsistiam todas as
disposições que não prejudicassem o liber omitido, inclusive as
deserdações. O prazo para a bonorum possessio contra tabulas era curto: o
da bonorum possessio em geral, cem dias; por exceçao um ano para os
sucessíveis em linha reta.

Na velha coleção de GERARD MEERMANN (Novus Thesanrus inris


civilis et canon., VII. 212), FRANCISOO

DE MANZANO escreveu célebre dissertação sôbre a L. 29, D., de liberis et


postumis heredibws in.stituendis veZ

ezheredandis, 28, 2, e, em Portugal, contam-se as notas de MANUEL


RIBEIRO NETO (Commentaria in lus Civile in quibus universa ultimarum
voluntatum materiam tam speculative quam practice explicatur, Livro IV,
Título 13).

4.DIREITO DAS ORDENAÇÕES. Nas Ordenações Afousinas, Livro IV,


Titulo 97, §§ 5 e 6, são nenhuns o testamento e os legados nele
estabelecidos se o pai ou a mãe dispõe de seus bens na errada persuasão de
ter falecido o filho legítimo, ou se êste nasceu depois do testamento: “5. E
se o Padre, ou Madre ao tempo de seu testamento tevessem alguum filho li-
demo, e pensando que era morto, desposessem e hordenassem todos seus
beens, e fazendo alguum outro herdeiro; em tal caso o testamento será
nenhum, e bem assy os legados em elIe contheudos. 6. E bem assy dizemos
no caso, honde o Padre ao tempo do testamento feito nom tinha alguum
filho lidemo, e depois lhe sobreveeo. ou o tinha, e nom era delie sabedor, e
he vivo ao tempo da morte do Padre, ou Madre: em tal caso assy o
testamento, como os legados em elIe contheudos, som nenhuuns e de
nenhuma força e vigor”

Nas Ordenações Manuelinas, Livro 1V, Título 70, § 3, estatuía-se: “Emperó


se o padre ou madre ao tempo que fez seu testamento tevesse alguú filho
lídimo, e tendo e crendo que era morto nom fez delle mençam no dito
testamento, mas despôs e ordenou de todos seus bens e fazenda, fazendo
alguú outro herdeiro, em tal caso o testamento será ninhuú nom soomente
quanto aa instituiçam, mas tambem quanto aos leguados em elie
contheudos”. No § 4: “E todo esto que acima dito he, quando se o pay fina
leixando filhos, averá luguar, quando faz o dito testamento, e se fina sem
filhos, e lhe ficam netos ou outros descendentes; e isso mesmo averá luguar.

quando o filho, ou neto, ou outro descendente se finar, e fezer testamento


em cada húa das maneiras sobreditas sem leixar descendentes, e tever pay,
ou mãy, ou outros ascendentes”. No § 5: “E bem assi Dizemos no caso onde
o padre ou madre ao tempo do testamento nom tinha filho algun lidimo, e
despois lhe sobrevelo, ou o tinha e nom era deilo sabedor, e he vivo ao
tempo da morte do padre ou madre, porque eu tal caso, assi o testamento
como os legados em elIe contheudos sam ninhufis, e de ninhufia forca e
vigor

Dizia-se nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 82, § 3: “Porém, se o


pai, ou mãe, ao tempo que fêz o testamento, tinha algum filho legítimo, e
crendo que era morto, não fez dêle menção no testamento, mas dispôs e
ordenou de todos seus bens e fazenda, instituindo outro herdeiro, em tal
caso o testamento será nenhum, não sómente quanto à instituição, mas
também quanto aos legados nele conteúdos”. E adiante:

“4. E tudo o que acima dito é, quando o pai morre deixando filhos, haverá
lugar, quando faz testamento, e morre sem filhos, e lhe ficam netos, ou
outros descendentes. E isso mesmo haverá lugar, quando o filho, ou neto,
ou outro descendente falecer, e fizer testamento em cada uma das maneiras
sobre-ditas, sem deixar descendentes, e tiver pai, mãe, ou outros
ascendentes. 5. Outrossim, se o pai, ou mãe ao tempo do testamento não
tinha filho legítimo, e depois lhe sobrevei o, ou o tinha, e não era disso
sabedor, e é vivo ao tempo da morte do pai, ou mãe, assim o testamento,
como os legados nele cmiteúdos são nenhuns e de nenhum vigor”.

.5.CÓDIGOS Civis PRÓXIMOS. O Código Civil italiano revogado, o


Código Civil português revogado, o Código Civil peruano (art. 846), o
Código Civil argentino e o Código Civil venezuelano pertencem à mesma
estirpe, mas as disposições não são idênticas.

§ 5.946. RUPTURA DOS TESTAMENTOS

Dizia Código Civil italiano revogado, art. 888: “Le disposizioni a titolo
universale o particolare fatte da chi aí tempo deI testamento non aveva o
ignorava di avere figli o discendenti, sono rivocate di diritto per l‟esistenza
o la sopravvegnenza di un figlio o discendente legittimo dei testatore,
benchê postumo o legittimato o adottivo. Lo stesso ha luogo ancorchê ii
figlio fosse concepito aí tempo deI testamento, e trattandosi di figlio
naturale legittimato, ancorchê fosse già stato riconosciuto daí testatore
prima dei testamento e soltando legittimato dopo. La rivocazione non ha
luogo qualora ii testatore abbia proveduto ai caso che esistessero o
sopravvenissero figli o discendenti da essi (art. 1.084)”. No art. 889: “Se i
figli o discendenti sopravvenuti premuoiano aí testatore, la disposizione ha
ii suo effetto”.

Assim, o Código Civil parmense, art. 759, o Código Civil albertino, art.
882, e o Código Civil estense, art. 810.

Diz, hoje, o Código Civil italiano, art. 687: “Le disposizioni a titolo
universale o particolare, fatte da chi ai tempo dei testamento non aveva o
ignorava di aver figli o discendenti, sono revocate di diritto per l‟esistenza
o la sopravvenienza di un figlio o discendente legittimo deI testatore,
benchê portumo o legittimato o adottivo, ovvero per ii riconoscimento di un
figlio naturale. La revocazione ha luogo anche se ii figlio éstato concepito
aí tempo dei testamento, e. trattandosi di figlio naturale legittimato. anche
se é già stato riconosciuto daí testatore prima dei testamento e soltanto in
seguito legittimato. La revocazione non ha invece luogo qualora ii testatore
abbia provveduto aí caso che esistessero o sopravvenissero figli o
discendenti da essi. Se i figli o discendenti non vengono alia successione e
non si fa luogo a rappresentazione, la disposizione ha ii suo effetto”.
Rigorosamente, o art. 1.750 prende-se ao dispositivo italiano, em que
TIIÉOPHILE fluo reconhecia “un hommage aux sentiments les plus vrais et
les plus respectabies du coeur humain”, e não ao caso simular de ruptio
romana, ligado a priucgpio formalístico.

Lê-se no Código Civil argentino, art. 3.715: “La preterición de alguno ó de


todos los herederos forzosos en la linca recta, sea que vivan aí otorgarse ei
testamento. ójãie nazcali.

muerto ei testador, anula la institución de] heredero; perú valdrán las


mandas y mejoras en cuanto no sean inoficiosas”.

O Código Civil português revogado, art. 1.760, estabelecia: “Existindo


filhos ou outros descendentes do testador, que êste nâo conhecesse ou
julgasse mortos, ou tendo o testador filhos, que nascessem depois da morte
dêle, ou, ainda antes desta, mas depois de feito o testamento, êste só valerá
quanto à têrça”.

Lê-se no Código Civil português (1966), art. 2.318: “1. A instituição de


herdeiro ou a nomeaçào de legatário, feita por pessoa que ao tempo do
testamento não tinha ou ignorava ter descendentes legítimos ou legitimados,
nascidos ou concebidos, caduca de direito, se ao testador sobrevier algum
ou alguns dêsses descendentes e a herança fôr por êstes aceita.

2. Tratando-se de descendentes ilegítimos, havidos antes ou depois do


testamento, a sua perfilhaçâo em caso algum faz caducar a instituição de
herdeiro ou a nomeaçào de legatário, sem prejuízo dos direitos dêles à
legitima. 3. Se concorrerem descendentes legítimos ou legitimados, nas
condições do n.0 1, tom descendentes ilegítimos, a caducidade aproveita
exclusivamente aos primeiros

Em doutrina e técnica, ganhava a palma o Código Civil venezuelano, art.


942: “Las disposiciones a titulo universal o particular hechas por quteil ai
tiempo de su testamento no tenia o ignoraba tener hijos o descendientes
legítimos, aun solamente concebidos. son revocables por Ia existencia o
superveniencia de un hijo, descubierta aquelia o verificada ésta después de
la muerte dei testador, salvo que ei testador haya previsto en ei mismo
testamento o CII otro posterior o anterior, no revocado ni siquiera
tácitamente, ei caso de existencia o superveniencia de hijos o descendientes
de éstos. Lo dispuesto en este artículo es aplicable a la madre natural
respecto de los hijos cuya filiación esté legalmente probada”.

6.CÓDIGOS Civis DE OUTROS POVOS (CÓDIGO CIVIL AUSTRÍACO,


CÓDIGO CIVIL ALEMÃO, CÓDIGO CIVIL SUÍÇO). Comeo Westgal.
Gesetzbuch, II, § 511, o Código Civil austríaco, § „778, entende que, em
certas circunstâncias, por lei se rompe, com o advento de herdeiro
necessário, o testamento de quem, no testar, não tinha descendentes.

Em tal sistema, o fundamento é o érro. Nenhuma distinção quanto ao


herdeiro já existir, ou não, ao tempo da feitura. A supervefliêflcia atinge não
só a instituição como todas as disposições de conteúdo patrimonial, salvo
aquelas que foram feitas no intuito de bem geral, ou de fim remuneratório
uiva vez que se restrinjam à quarta parte do importe (§ 778). A nulidade é
relativa e a aç~o prescreve em três anos (§ 1.487). Se premorre o herdeiro,
ou prescreve a ação, convalida-se o testamento. Algumas questões: a) ~ Os
legados de alimentos (§~ 672 e 691) entravam na classe dos que se
forravam a invalidação? Sim, queria FEZ. X. J. E. VON NiPPEL
(Krlduterung des Állgemeinen Biirgerliohen Gesetzbuch, V, 108) ; não,
respondiam quase todos os outros tratadistas (J. VON

WtNIWARTER, Das tsterreichische bflrgerliche Reeht system. dargestelU


ind erUtutert, III, 357; M. VON

STUBENRAUCE, Das Allgemeine Riirgerliche Gesetzbuch vom 1. Juni


1811, II, 697; JOSEPH UNGER, System, VI, 376, nota 16). 14 ~O § 1.487 é
aplicável no caso do § 778? Contra: F. PACHMANN (0k Verjdhrung nach
d.

allgemeinen biirgerlichen Rechte in Oestreich., 46 e 54), J. VON


WINIWARTER, Das õsterreichlsche búrgerliche Reoht system. dargestellt
und erWutert, V, 232 e 235).

Frisou JOSEPE UNGER o êrro daqueles que filiavam (exempio, JOSEPTI


ELLINGER, Handbuch des õsterreichLschen aUgemeinen Civilrechts, 53
ed., ao § 778) a disposiçao austriaca ao testamentum ruptum agrtatione (vel
quasi) postumi (vel quasi), por se tratar, no direito romano, de simples regra
jurídica de forma.

.~,Na conva1idaç~o, há a figura de convalescença, ou, conforme a


concepção pretoriana da bonorum possessio contra tabulas, se há de ver
verificaçâo da preterição ao tempo da morte do testador? Isto mudaria assaz
a face do problema.

A.SCHMIDT e JOSEPE UNGELI (System, VI, 877, nota 18) simpatizavam


com tal solução: a premorte do póstumo não rompe desde logo, apenas
estabelece a possibilidade jurídica de se romper, ao tempo da morte, o
testamento.

Também, e expressamente com fundamento no êrro, o Código Civil


alemgo, §§ 2.079 e 2.080.

Na Suíça, as liberalidades por testamento ou outro ato sucessório não são


infirmadas (aufgehoben) quando, posteriormente, diminui a facilidade de
dispor do testador, apenas são redutíveis (art. 516). Não importa que o
testador se case, legitime, ou reconheça filho natural, ou adote. Se
testamento, pode revogá-lo quando quiser (arts. 509-511). Portanto, apara
que romper, por disposição legal, o testamento? Assim raciocinavam os
suíços, como pólo oposto ao Código Civil italiano, ao Código Civil
brasileiro e a outros.

Cumpre notar o seguinte, assaz importante, porque a. Suíça tem o contrato


de herança: para a ação de redução (Herabsetzungsklage) só são
legitimados os herdeiros necessários, não o testador (A. ESCRER, Das
Erbrecht, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuch,, 1H, 105). Não
se distinguem herdeiros de origem matrimonial, ou não.

(Como se vê, prevaleceu a solução zuriquense, do § 1.049, contra a do


direito de outros cantos, que rompia o testamento, cf. EUGEN HUBER,
Sijstem und Gesckichte des Sckweizerischen Privatrechtes, II, 227; II. F.
HITZIG, Zitriefler Reitrãge zur Rechtswissen.sckaft, 11, 65.) 7.PosiçXo
SISTEMÁTICA DOS TEXTOS LEGAIS. O prin cípio é que, feito,
vâlidamente, o testamento, prevalece no mesmo estado. Só o testamento
posterior rite factum, ou a destruição (art. 1.749), o revoga, ou exerce sôbre
êle efeito. de revogação.

Mas rompe-se:

a)Se o testador se cria sem descendentes sucessíveis e testou, e havia-os,


sem êle saber, ou, gerados em vida dêle, nasceram após a feitura. Éste
testamento prevalece, se o testador morrer depois do herdeiro superveniente
ou aparecido.

b) Se o testador não sabia ser vivo algum ascendente, e apareceu: aqui, a lei
diz algo deselegante, porque o caso dos descendentes sucessíveis já foi
tratado; aqui e ali, é de prete rição ignoranter que se trata. Resta o que
concerne aos ascendentes, que são os outros herdeiros necessários.

De qualquer modo, a redação dos arts. 1.750 e 1.751 é má. Ao testador que
não tinha descendente sucessível, êste pode sobrevir, mas ao que tinha, e
não conhece, o herdeiro aparece, prova a existência, apresenta-se, revela-se,
e não sobrevém, como encambulhou o art. 1.750. O caso de aparição que
estive no art. 1.750, relativo a descendente, devia vir no ad. 1.751,
concernente ao mesmo assunto em relação a ascendentes.

A aparição de herdeiro necessário, que o testador ignorava existisse (cp.

2 a Turma do Supremo Tribunal Federal, 9

de novembro de 1948. R. dos T., 189, 562) tem a eficácia de ruptura.

Quanto ao reconhecimento posterior quer voluntário, quer judicial tem-se


de atender a que o que importa é saber-se se o testador ignorava a
existência, ou se o nascimento do descendente reconhecido foi posterior ao
testamento.
Se o testador já tinha descendentes herdeiros necessários (“descendentes
sucessíveis), e algum ou alguns mais sobre-vieram, não há ruptura.

Para a incidência do ad. 1.750 do Código Civil, o que importa é que a) o


descendente sucessível não existisse, ou que b) o testador ignorasse a sua
existência como descendente sucessível. Na espécie b), há quaes tio facti: o
testador sabia, ou não sabia, que o descendente era sucessível. Daí o
reconhecimento voluntário, como o judicial, terem de ser tratados como
iguais se o testador conhecia a descendência: a eficácia do reconhecimento
voluntário é, então, comprovação da ciência; o reconhecimento judicial, se
o testador sabia da descendéncia, também comprova a sua ciência.

A adoção posterior ao testamento é rompente do testamento, porque o


testador não podia conhecer o que ainda não ocorreu, pois não havia
qualquer laço anterior de descendência. A ruptura do testamento pode
mesmo não ser benéfica para o adotado, se, após a adoção, algum herdeiro
sucessível vem a existir, e ela fôra herdeira testamentária do total; ou
benéfica se ela só receberia legado ou herança testamentária de valor
inferior à sua quota.

A adoção pode mesmo ser para que a beneficiada pague impôsto menor,
como herdeiro necessário (cf. 83 Câmara Cível do Tribuna] de Justiça do
Distrito Federal, 18 de agôsto de 1947, O D., 50, 383).

A adoção estabelece vínculo jurídico, uma das conseq6ências é a


sucessibilidade, O adotado não descende do adotante, mas o ato jurídico da
adoção tem, precisamente, a finalidade de o pôr em lugar que seria o de
descendente. Ésse efeito supletivo depende de pressupostos do adotante que
estão nos arts. 868 e parágrafo único do Código Civil (ser maior de trinta
anos, e, se casado, ter decorrido, pelo menos, cinco anos após o casamento),
869 (ser dezesseis anos mais velho que o adotante), 870 (não estar a pessoa
já adotada, salvo se pelo cônjuge do nôvo adotante). Se o testador, quando
adotou, tinha filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a adoção não
tem a aficácia de fazer “descendente sucessível” o adotado (art. 877,
redação dava pela Lei n. 3.183, de 8 de maio de 1957). Aí, a adoção de
modo nenhum rompe o testamento que o adotante havia feito.
Se não ocorre o que se prevê no art. 377 do Código Civil, há a
sucessibilidade do adotado (cf. art. 1.605 e § 2.0, com a alteração que lhe
resulta da Lei n. 4.655, de 2 de junho de 1965, art. 9.0) Cf. 1.a Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 22 de novembro de
1949 (J., 81, 546 s.) g a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo,
19 de maio de 1953 (E. dos 2‟., 212, 277).

Para que se dê a ruptura por superveniência de descendente, é preciso que


tal descendente já tenha nascido quando faleceu o testador, ou já esteja
concebido

Quanto à ignorância da existência (Código Civil, artigo 1.750) de


descendente sucessível, ou ela consiste em ignorância de ter nascido e ter
vivido não só até a feitura do testamento, mas após a morte do testador, ou
em acreditar o testador que houvesse morrido.

8.SE AS REGRAS JURÍDICAS SÃO DE PRESUNÇÃO ABSOLUTA, OU


SE ÀS vÊzE~ NÃO INCIDEM. A questão, de que se vai tratar, é de
extraordinária relevância técnica e prática. Consiste em se saber se as regras
jurídicas dos arts. 1.750 e 1.751 criam presunção absoluta, ou se não criam.
Noutros têrmos:

~o testamento, nos casos dos arts. 1.750 e 1.751, é vere ruptum, ou apenas
praesumptive ruptum? ~ Há, ou não, praesumptio zurzs et de inre?

As regras jurídicas dos arts. 1.750 e 1.751 não são regras jurídicas de
interpretação: são regras jurídicas imperativas, contêm ruptio, dita
revogação ipso iure. A presunção foi, quando muito, fundamento para se
legislar, O testamento rom pe-se, desde que caiba a invocação dos arts.
1.750 e 1.751;

§ 5.946. RUPTURA DOS TESTAMENTOS mas os casos de aplicação são


em menor número do que se pensa.

A preterição ignoranter dos netos no caso do art. 1.750 não era pacifico
rompesse o testamento. Além de SAMUEL STIIYK, PAUL BARRY e
outros eram contra. Mas, hoje, o Código Civil é claro: descendente
sucessível. Netos, bisnetos, e assim por diante. Mais explícitas as
Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 82, § 4: “e lhe ficam netos, ou outros
descendentes”, porém não quanto ao póstumo (cp. § 5).

9.DISTINÇÃO A RESPEITO DOS PÓSTUMOS. Se o póstumo já estava


gerado ao tempo de se fazer o testamento, e não no sabia o testador, rompe-
se o testamento. Se êle o sabia, não se rompe: reduz-se, para que não haja
preterição da parte hiecessária, que no direito do Brasil é a metade. Aí, seria
êrro cogitar-se de ruptura. ~ caso diferente. Nada tem com o testamentum
ruptum agnatione postumi.

A distinção é extremamente importante.

Se o póstumo não estava gerado, ao tempo da feitura do testamento, rão


cabe distinção: viesse a saber, ou a não saber o testador, rompe-se o
testamento; mas persiste, porque o diz a lei, se, em vida do disponente,
morre o descendente: o que, se póstumo em relação ao testador, não pode
dar-se, mas pode dar-se se póstumo em relação ao filho do disponente.

A questão da vitalidade não interessa ao direito brasileiro: se foi gerado,


guardam-se-lhe os direitos; se nasceu, recebe-os.

Se o testador ignorava o póstumo, a presunção é de que não o gravaria com


legados: tinha, sem saber, herdeiro legítimo. Cessa, se scienter.

A apreciação da revogação strito sensu, ou da ruptura, ou qualquer outra


espécie de revogação lato sensu, é declaratória. O juiz não tem de
desconstituir o testamento; apenas tem dizer se houve ou se não houve o
atingimento. A ação, no sentido de direito material, é declarativa. Não se
precisa propor “ação”, no sentido do direito processual. Decide-se no
próprio inventário, sem que isso afaste preferir o interessado a propositura
da ação declaratória.

Se se trata de descendente sucessível, que o testador não tinha, basta a


certidão de nascimento do herdeiro sucessível, ou das certidões que provem
a descendência de segundo grau ou mais distante (neto, bisneto, trineto e
tetraneto).
Há atos jurídicos que a revogação do testamento não atinge, tais como: o
reconhecimento de filho natural, ou dc filho que seria, com o casamento
que ocorreu, legitimado, ou do próprio filho legítimo; a confissão de dívida
por serviços prestados, ou outra causa, uma vez que se não trate de
liberalidade; a nomeação de tutor, ou curador, se o testamento posterior não
revogou o anterior no todo, nem nomeou outra pessoa como tutor, ou
curador (o que mostra ser excepcional a permanência da cláusula).

10.CLÁUSULA DO TESTAMENTO PREVENINDO A RUPTURA.

~Vale a cláusula de eficácia do testamento a despeito da superveniência ou


aparição? No direito romano, havia a de~ serdação nominativa: qui ex Seia
nascetur ou quicum que mifli filius genitus fuerit, exh,eres esto. Qualquer
filho que me nasça, exheres esto. Outras fórmulas: venter exheres esto;
postumus exheres esto, quicum que miM

nascetur.

A deserdação foi assunto de outro lugar. Se houve preterição, reduz-se. Mas


a questão é a da ruptura. Aqui, a verdadeira interpretação é a seguinte: os
arts. 1.750 e 1.751 fundam-se na presunção (note-se bem: presunção, só
fundamento). para estabelecer a rupçáo; se a presunção não cabe, também
os arts. 1.750 e 1.751 não incidem: falta-lhes o pressuposto. Assim, o
testador escreveu: “Não sei se ainda vive o meu filho, que há alguns anos
desapareceu. Se êle vive, dê-se-lhe a sua parte nos meus bens. Se êle não
vive, ou se não estiver vivo quando eu morrer e eu não tiver herdeiros
nascidos dêle, a metade, que lhe cabia, dos meus bens irá ao legatário E. De
qualquer modo, vivo, ou não, o meu filho, quero que cumpram o meu
testamento”. Tal testamento escapa ao art.

1.750.

Outros exemplos. “Não tenho descendentes nem ascendentes; meu último


filho morreu há um mês e se da mulher dêle me advier algum descendente,
quero que me cumpram como está êste testamento, pois os restantes bens
dão para a sua legítima. Se não está gerado nenhum descendente, tais bens
eu os deixo a A”. Seria absurdo desrespeitar-se a vontade inserta em tal
testamento: a fórça rompente do art. 1.750 não vai até lá.

§ 5.946. RUPTURA DOS TESTAMENTOS

11.QUESTÃO PRELIMINAR: ~O QUE OCORRE COM A PREMORTE


DO SUPERVENIENTE OU

APARECIDO CONSTITUI CONVALESCENÇA?

Em muitos autores, ou por influxo do direito romano, ou por ignorância


técnica, vê-se na validade do testamento, a que sucedeu nascimento ou
aparição de herdeiro necessário, efeito de convalescença. Primeiro, nada
justifica que se prefira ao direito pretoriano aquele mesmo que êle
infirmara. Segundo, otestamento é ato jurídico perfeito no mesmo momento
em

que se faz: com a superveniência, ou com a aparição, não se rompe desde


logo, de modo que se pudesse cogitar de volta àvida, de convalescença.
Trata-se de efeito, e os efeitos só se verificam e se conferem no momento da
morte: então é que se rompe o testamento, só então é que êle morre; se o
superveniente ou aparecido premorreu, não se pode dizer que o testamento
ressuscita, ou convalesce. Em verdade o herdeiro veio, e foi-se; apareceu, e
morreu, portanto, nada feito.

A convalescença seria concepção antiquada (A. SCHMIDT, Das formeile


Recht der Notkerben, 65 s.; JOSEPIl UNGRE. System, VI, 377). O
benefício que a regra legal cria ao descendente superveniente ao testamento,
ou ao descendente ou ascendente aparecido, não se liga ao princípio
formalístico de que, havendo herdeiros, deviam ser expressamente
instituidos ou expressamente deserdados, e há outro, de favorecimento
direto, de certo modo compulsório, quanto aos efeitos do testamento.

Dir-se-á que a questão não tem importância prática. Tem-na, e basta um


exemplo: ao testador com lei pessoal estrangeira, de país que não tem regra
jurídica semelhante aos arts. 1.750 e 1.751, ou na parte relativa à eficácia
brasileira, ou à sua sucessão, tem de se aplicar a lei brasileira, os artigos
1.750 e 1.751 incidem integralmente, porque se trata de figura que nada tem
com o período que vai da feitura ao último momento de vida do testador ou
à premorte do herdeiro. Rege o tempo da morte. Contràriamente, quem
adquire a nacionalidade francesa e fêz testamento ao tempo da primeira
nacionalidade, ou de outra lei pessoal, não sofre romper-se o testamento
pela aparição ou nascimento de herdeiro, ainda que ocorrido quando
Brasileiro. Porque a ruptura apenas constituía possibilidade.

Outra conseqUência importantíssima, e está no próprio direito interno: se o


testador fêz o testamento, ignorando herdeiro, e êste lhe advém, mas o
testador, scienter, confirma o testamento, não se dá ruptura, porque a
ignorância cessou. Pela lei, a ignorância é a do tempo da feitura, e basta.
Portanto, a prova da ciência posterior não impede que, no dia da morte,
vivo o herdeiro, se rompa. Mas, se outro testamento intervém, confirmativo,
vale o que se fêz ignoranter, porque ainda não estava rôto; apenas poderia
vir a ser.

Outra consequência: se não fôr alegada a ruptura, cumpre-se o testamento.


A prescrição é de vinte anos. Corr& desde o dia da morte, e não da aparição
ou do nascimento.

12. PERSISTÊNCIA DO TESTAMENTO No caso de descendentes


sucessíveis, que sobrevierem, ou aparecerem, mas morrerem antes do
testador, o testamento persiste. Aliás, Justiniano resolvia contra, dando
ganho de causa a uma parte dos juristas: se o filho morria antes do pai, não
valeria, por isso, o testamento, quia scilicet ah initio non constiterit
testomei-dum.

Não persiste o testamento:

a) Se o herdeiro falece deixando descendente: a persistência não pode dar-


se, porque outro descendente o impede.

b) Se há testamento, que, em caso de revogação, ou de infirmação, obste à


persistência. Porém, como o testamento que poderá romper-se não é um
testamento revogado, pode dar-se o caso de ser válido pela morte do
póstumo ou do descendente aparecido e ter de se cumprir conjuntamente
com outro que com êle não seja incompatível (art.

1.747, parágrafo único).

13. PRESSUPOSTOS DA REGRA JURÍDICA. De duas espécies sao as


questões relativas à aplicação dos arts.

1.750 e 1.751: pressupostos objetivos e pressupostos subjetivos.

São pressupostos objetivos do art. 1.750:

a) Existência de testamento.

b) Suposição de não haver nenhum descendente sucessível. Por isso, se o


testamento fala de um descendente, e nasce outro, decidiu a Côrte de
Apelação de Palermo, a 23 de novembro de 1894, que o testador não
precisava fazer outro testamento: o aparecido ou póstumo concorre à
legitima. É doutrina pacifica (VITTORIO POLACCO, Deile Successioni,
II, 57) Tício tem dois filhos e crê ter um só, supondo que o outro morreu na
guerra; se êste em verdade lhe sobrevive, o testamento persiste, e o filho
preterido só recebe a legítima. Diferente, por disposição expressa, o Código
Civil austríaco, § 777. À doutrina italiana apenas acrescentamos: a) se o
testador deserda os outros filhos, únicos existentes, e dispôs de tudo,
persiste a deserdação, salvando-se, com a redução ou incompatibilidade
(infirmação), a legitima do aparecido ou póstumo.

~ Quid inris, se morreram, no mesmo momento, o testador e o filho


superveniente? Nos sistemas que consideram premorto o mais velho,
nenhuma questão exsurge. No sistema dos comorientes, divide-se a opinião:
a) uns querem que o testamento persista; b) outros, que se rompa. Com a
primeira, a Côrte de Apelação de Messina, a 15 de abril de 1921; contra,
com a segunda, CARADONNA, em nota à sentença (Fóro italiano, 1922,
1, c. 548 s.).

VI‟ITORIO POLACCO (Delie Successioni, II,


59)evitou pronunciar-se.

Se raciocinássemos com a ruptura ao tempo da superveniência ou da


aparição, claro que rôto estaria o testamento, porque faltava a razão de
convalescer, premorte do herdeiro superveniente ou aparecido. Mas já
vimos que tal doutrina não se deve seguir. Com a explicação que demos,
possibilidade de vir a romper-se o testamento: não ocorreu um dos
elementos causais da ruptura, que é, com a ignorância ao tempo da feitura, a
existência, ao tempo da morte, do herdeiro necessário.

& Se o herdeiro comoriente deixou filhos? Não víamos. até 1935, em livro
nenhum, levantada a hipótese. Mas cumpre distinguir:

a)O herdeiro aparecido ou superveniente tem descendentes sucessíveis do


testador, portanto aparecido e superveniente, como o seu ascendente. Está
rôto, com a morte do testador, o testamento, porquanto, ex kypothesi,
sobrevivem.

b)O herdeiro superveniente ou aparecido tem herdeiros que não são


herdeiros do testador: não há ruptura do testamento; tais herdeiros do
herdeiro não herdam.

c) O testador sabia da existência de filhos do herdeiro necessário, a) Se seus


herdeiros ao tempo da feitura, preteriu-os: salva-se-lhes a porção legítima,
se herdeiros necessários do testador. ti) Ao tempo em que se fêz o
testamento, tais filhos do herdeiro não eram reconhecidos, e deixamos tal
questão para ensejo especial, e) O testador, no testamento, deserdara os
netos: não se rompe o testamento.

14.CAsos DE LEGITIMAÇÃO, ADOÇÃO E RECONHECIMENTO DE


FILHOS. Às vêzes, a ezistência parte-se em material e jurídica Sucede o
mesmo à ignorada ezisténcia O testador sabe que A, B e C são filhos do
herdeiro, ou seus, talvez adulterinos. Depois, o herdeiro, ou êle, reconhece-
os ou legitima-os com o casamento subsequente Rompe-se o testamento?

Encontra-se na jurisprudência e na doutrina a afirmação de que a adoção


posterior tem o mesmo efeito que o art.
1.750 sanciona, ao passo que não no têm o nascimento e o reconheci mento
do filho natural pelo que não tinha filhos quando testou. Ilógica e
descaridosa solução. No direito brasileiro, absolutamente inaceitável. O art.
1.750

fala indistintamente de descendente sucessível, não cabe distinguir


legítimos e ilegítimos, naturais ou civis: a legitimação, o reconhecimento e
a adoção posteriores têm2o mesmo efeito que o nascimento do descendente
legítimo.

Os pressupostos para o rompimento legal do testamento sao os seguintes: a)


ter sobrevindo ao testador descendente sucessível (portanto, descendente
herdeiro necessário, porque os descendentes o são), ou ter testado em
completo desconhecimento de que tinha descendente, ?em se distinguir a
origem, porque basta ser sucessível; ti) estar vivo o descendente quando
falece o testador. A prova de ter sobrevindo é fácil; não assim a de ignorar o
testador que não tinha filho. Se o testador conhecia a descendência e dispôs
a favor de outra pessoa, ou de outras pessoas, apenas se há de respeitar a
porção necessária do descendente ou dos descendentes {~.a Turma do
Supremo Tribunal Federal, 9 de novembro de 1948, 1?. dos 7‟., 189, 562).

Surge o problema do reconhecimento do filho pelo testador apos a feitura


do testamento. Se o nascimento foi posterior ao testamento, há o
rompimento. Se foi anterior, ou o testador sabia que tinha o filho, ou não no
sabia: no primeiro caso,

há apenas a observância das regras jurídicas sêbre sucessão legítima


necessária; no segundo, rôto está o testamento.

Não importa distinguir-se do reconhecimento voluntário o reconhecimento


judicial.

Se, ao fazer o testamento, se tinha por morto o descendente, a aparição dá


ensejo ao respeito da porção necessária, e não à ruptura do testamento,
porque nem se trata de superveniência de herdeiro necessário, nem de
desconhecimento por parte do testador: ignorar que existia não é o mesmo
que acreditar que estava morto.
A jurisprudência acolheu o que sustentáramos no Trata-do dos Testamentos
(V, 100), quanto à ruptura por superveniência de adoção (e.g., Câmaras
Reunidas do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de agôsto de 1946, 166,
763; 30 de abril, 163, 649; 1,a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, 22 de novembro de 1949, J., 31, 546 s.; sem razão, a 2,a
Câmara da Côrte de Apelação de São Paulo, 12 de outubro de 1934, 12. dos
7‟., 96, 185).

Já diziam as Câmaras Reunidas do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 4


de outubro de 1946 (R. dos T., 166, 763: “O rompimento do testamento pela
superveniência de descendente tem a sua razão de ser na vontade presumida
da pessoa de deixar os seus bens ao descendente. Se essa vontade existe em
caso de nascimento de filho legitimo, de legitimação, de reconhecimento
voluntário, ou mesmo forçado de filho natural, ~ por que não há de existir
no caso em que a pessoa, por um ato solene,. qual seja a escritura pública,
adota uma outra como seu filho, como seu herdeiro? Pelo Código Civil, o
filho adotivo é considerado descendente do adotante. A adoção posterior ao
testamento acarreta o seu rompimento em face do disposto nos artigos
1.605 e 1.750, combinados, do Código Civil”.

Errados os acórdãos da

2 a Câmara Civil da Côrte de Apelação de São Paulo, a 12 de outubro de


1934 (E. dos 7‟., 96, 185), e da g a Câmara Civil do Tribunal de Apelação,
a 22 de agôsto de 1945 (158, 725).

Se o pai não ignorava a existência do filho ilegítimo quanto testou,


dispondo de todos os bens, e adveio o reconhecimento, voluntário ou
judicial, há redução conforme a lei, e não ruptura do testamento (cf.
Câmaras Reúnidas do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 17 de
agôsto de 1939. 12. dos T., 132, 718).

Se o testador já tinha filhos quando testou, nem o nascimento de outro, nem


o reconhecimento do que sabia existir, nem a adoção, tem o efeito de
ruptura (cf.
4 a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 3 de outubro de
1946, 12. dos T., 166, 245: “No tocante ao mérito, é certo que nos têrmos do
art. 1.750 do Código Civil,

“sobrevindo descendente sucessível ao testador, que o não tinha ou não o


conhecia, quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas
disposições, se êsse descendente sobreviver ao testador”. Todavia, não
corresponde à melhor interpretação a que foi acolhida pelo digno prolator
da decisão recorrida. O testamento só se rompe, com a superveniência de
filho, quando o testador nenhum tinha ou o ignorava, na época em que
executou a deliberação de última vontade. Se, quando a fêz, já tinha filhos
ou os conhecia, o testamento não fica rôto, não tendo então mais cabimento
a presunção de que o conhecimento da existência de descendentes o faria
modificar as disposições testamentárias”.

~ Quid juris, se o testador, no próprio ato da adoção, da legitimação ou do


reconhecimento, ressalva a validade do ato testamentário?

A adoção faz-se por escritura pública, em que se não admite condição, nem
térmo (art. 875). A legitimação supõe reconhecimento e casamento
posterior (art. 353). Nem ela, nem o reconhecimento, pode subordinar-se à
condição (art. 861). Distinga-se: a) ~A ressalva do testamento é condição?
Impõe-

-se a negativa: a ressalva não teria efeito se alterasse o direito da sucessão


legítima, quando seria proibida, ti) O ato de reconhecimento, de adoção, ou
de legitimação, que é escritura pública sem as formalidades do testamento,

~pode ter o efeito que teria um testamento posterior confirmativo? É


preciso que se evitem confusões: há causa de possível ruptura
(superveniência juridica de filho), que não destrói desde logo o testamento,
porém neste mesmo ato-causa se elide o efeito. Conqflentemente, não se
precisa de outro testamento: o elidir não concerne ao ato testamentário, mas
ao ato-causa, a que basta a escritura pública. Se o reconhecimento se fêz
em testamento,

§ 5.947. OUTROS HERDEIROS NECESSÁRIOS


tanto melhor: coincidem-se ato-causa e ato que podia ser atacado por
aquele.

A adoção rompe o testamento se o testador, pai, premorrer ao adotado. Mas


a aparição do adotante só tem o efeito do art. 1.751 se o adotado não tiver
pais, porque só êstes serão. em tal caso, herdeiros necessários.

Quanto aos legítimos, atende-se ao art. 1.610.

§ 5.947. Ignorância de existirem outros herdeiros necessários

1.TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.751: “Rompe-se também o


testamento feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários

Cf. Projeto primitivo, art. 1.913: “Rompe-se também o testamento que foi
feito na ignorância de existirem outros herdeiros reservatórios do testador”;
Projeto revisto, artigo 2.120.

2.FONTE. Cp. Código Civil argentino, art. 8.715: “La preterición de alguno
ó de todos los herederos forzosos en la linea recta, sea que vivan aí
otorgarse el testamento, ó que nazean, muerto el testador, anula la
institución del heredero; pero valdrán las mandas y mejoras en cuanto no
sean inoficiosas”. Bem diferente, como se vê. Trata-se de preterição de
alguns, o que, no Brasil, não causa a ruptura. O art. 1.751 fui uma extensão
brasileira do Código Civil italiano revogado, só referente a filhos.

3.AMBIGÚIiDADE PERIGOSA. No art. 1.751, lê-se: “na ignorância de


existirem outros herdeiros necessários”.

O que logo se entende é que a lei figura o caso de saber o testador quais são
os herdeiros e ignorar outro ou outros.

Imediata, diretamente, foi isso o que se disse, tanto mais quanto não se trata
de parágrafo do art. 1.750. Mas o verdadeiro sentido, a regra legal, é bem
diferente: o art. 1.751 contém referência implícita ao art. 1.750; os outros
herdeiros, de que fala, são os outros herdeiros necessários, além dos
descendentes sucessiveis, a que se refere o art.
1.750, portanto os ascendentes. Assim, se o testador sabe que tem um avô e
testa, e depois surge outro avô, não se rompe o testamento. Dá-se a
aplicação da porção legítima aos dois, em vez de a um só. Só se rompe se o
testador ignorava a existência de qualquer ascendente e testou.

No caso do art. 1.751, há preterição ignoranter do herdeiro necessário, quer


dizer ascendente: se o testador ignorava, rompe-se; se não ignorava e
preteriu (preterição scienter), não se rompe, reduz-se e salva-se a quota
necessária.

4. SE HÁ PERSISTÊNCIA PELA PREMORTE, NO CASO DAS


REGRAS JURÍDICAS. ~,Vale o testamento do art. 1.751 se o ascendente
morreu antes do testador?

Não se trata de convalescença; a preterição, efeito do testamento, só se


aprecia ao tempo da morte do testador.

A lei nada disse: falou disto, indiretamente, no art. 1.750; no art. 1.751, foi
omissa. Mas devemos interpretar como se contivesse, mutatis mutandis, a
frase final do art. 1.750, “se êsse descendente sobreviver ao testador”.

5. CONSEQÚÊNCIAS DAS REGRAS JURÍDICAS. No direito romano, no


caso de ignorar-se a existência de filho, permaneciam válidos os legados (L.
28, D., de inoflicioso testamento, 5, 2).

No direito austríaco, quer se trate de ignorada existência, quer de


superveniência de filho, já vimos quais os legados e até quando subsistem,
até o quarto do importe salvam-se proporcionalmente os legados. No direito
brasileiro, o que se rompe é todo o testamento, salvo se outra coisa quis o
testador.

Às vêzes, o testador deixa os bens a um descendente, e nada ao ascendente,


que êle sabe existir. Falecido, antes dêle, o descendente, cumpre-se o
testamento. Se ignorava? Tal ignorância não estava em causa: quando êle
fêz o testamento. tinha descendente, e então ou lhe deixou todos os bens, ou
so lhe salvou a legítima, ou, ainda, fê-lo co-herdeiro, ou co-legatário, na
parte disponível.
No primeiro caso, não há questão. Falta o herdeiro de todos os bens. O
ascendente recolhe tôda a herança. No segundo caso, que é o do
descendente com a só legítima, seria absurdo aplicar o art. 1.751. No caso
de distribuição da parte disponível, devem cumprir-se os legados e demais
disposições: o benefício a favor do ascendente não podia presumir-se mais
extenso do que o do descendente.

§ 5.948. SUPERVENIÊNCIA DE HERDEIROS

6.EFEITOS DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS QUE PREVÊEM


A SUPERVENTÊNCIA OU A APARIÇAO. Se o testador cogita da
aparição ou superveniência de filho, ou netos, ou outro, ou outros
descendentes de qualquer modo beneficiando-os, falta

opressuposto do art. 1.750. Assim, também, no caso do artigo 1.751, se o


testador preveniu a aparlçao do ascendente.

Tal testamento persiste e os descendentes sobrenascidos, ou os descendentes


ou ascendentes aparecidos somente podem reclamar a porção indisponível.

Mas poderá ocorrer que o testador, na própria cláusula

prevenidora, não livre todo o testamento da incidência dos arts. 1.750 e


1.751. Exemplo: “Deixo cem apólices federais a

Beneficência Portuguêsa, legado que há de ser cumprido, ainda que me


sobrevenham descendentes”. O art. 1.750

apanha todo o testamento, exceto êste legado, que a declaração expressa


salvou da ruptura ex lege.

§ 5618. Superveniêflcia e aparição sem aplicabilidade das regras jurídicas


1.HERDEIROS NECESSÁRIOS. Já vimos que os arts. 1.750 e 1.751 não
incidem sempre, isto é, em qualquer caso em que sobrevém descendente, ou
aparece descendente, ou ascendente. Ambos concernem aos testamentos em
que não houve qualquer consideração da existência de herdeiros
necessários. ~ pressuposto necessário. Mais um filho, que nasce, ou avô,
que aparece, não se rompe o testamento. Para que se dê a ruptura, é preciso
que o testador cresse, ao testar, que morreria sem herdeiros necessários.

Sempre que o testamento prevalece, ou se dá a redução, para ressalva da


porção necessária, ou tem de ser paga a porção legítima, mais o que cabe ao
superveniente ou aparecido ex testamento.

O art. 1.752 vai cogitar da redução, remetendo aos artigos 1.741 e 1.742, e a
outra parte cabe à interpretação do texto testamentário.

2.SUCESSÀO LEGÍTIMA E SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA NO


TESTAMENTO PREVALECENTE. Se há disposição da parte disponível,
sem atingir a parte intestável, como, por exemplo, se o testador diz, sem
nomear herdeiros legítimos: “disponho da minha parte testável em legados
a A, E e C, e ressalvo o que possa caber aos meus descendentes, se os
houver”, prevalece o testamento e a porção intestável cabe aos
descendentes, que houve ou apareceram Parte-se em porções iguais.

~ Quid inris, se o testador dispõe a favor dos herdeiros necessários A, E e


C, sendo 4 àquele e 2 a êste, e depois aparece, ou nasce, D?

Antes do mais, lembre-nos que, pelo fato de já haverem e serem conhecidos


herdeiros necessários, a aparição ou superveniência de outro não rompe o
testamento. Resta saber-se quanto se deve dar a D. ~ o caso mais simples. D

recebe a quarta parte da porção indisponível por testamento, ou 2, se isso


fôr mais e só herdeiros necessários foram contemplados. Nunca receberá
menos do que 1/4 da metade do monte, que é o quinhão necessário. O que a
mais receber será ex testamento. Na espécie, que se figurou, a A cabem 2/5,
a IR, C e D, 1/5 cada um. Porém não nos esqueça que se trata de
interpretação testamentária assunto que já se explanou, e uma palavra, uma
frase, por mais breve que seja, pode revelar outra vontade do testador.
Herdeiro necessário, não receberá menos de 1/4 da porção disponível; ex
testamento, haverá o que a interpretação revelar.

No mesmo caso, o testador poderia ter dito “ressalvo as legítimas de B e C,


que serão 2, e a A dou o restante (2+2), o que, para A, faz 4” (ou em
legados distribui 4). A superveniência ou aparição de D diminuirá o valor
dos quinhões:

será a parte disponível, 6, divididos por quatro filhos, e A receberá o seu


quinhão, mais o que se lhe deixou.

8. TESTAMENTO EM QUE O TESTADOR DESERDOU O TODOS OS


HERDEIRoS NECESSÁRIOS, EM

TÊRMOS VÁLIDOS, A SUPERVENIÊNCIA OU APARIÇÃO DE


OUTREM FAZ CADUCAR?

Preliminarmente, os arts. 1.750 e 1.751 constituem benefícios aos


descendentes que sobrevierem ou aparecerem. A deserdação de outrem
nada tem com isso: antes os favorece porque elimina os deserdados. De
modo que se poderia dizer: esta parte puramente negativa do testamento
nada tem com a ruptura a favor dos descendentes ou ascendentes dos arts.
1.750 e 1.751. Demais, deserdação é medida que exige expressa deelaração
de causa legal, cuja veracidade se há de provar.

No direito pretório já prevaleciam as deserdações.

Se existem um ou dois ou mais herdeiros necessários (descendentes, ou


ascendentes) e outro aparece, que o testador ignorava, quando testou,
rompe-se o testamento. É o que está no art. 1.751. Absurdo, diante da letra
da lei, o que escreveu CARLOS MAxIMILIANO (Direito das Sucessões, V,
181), porque, para que não ocorresse a ruptura, seria preciso que se pudesse
invocar o art. 1.752, onde se exige, para a exceção, que o testador houvesse
disposto da metade, sem contemplar os herdeiros necessários de cuja
existência sabia, ou deserdando-os, nessa parte, sem menção de causa legal.

A ruptura do testamento com base no art. 1.750 ou no art. 1.751 atinge todo
o testamento, inclusive no tocante aos legados.

Otestamento rompe-se se sobrevém descendente sucessível a quem não o


tinha, ou se o testador ignorava a sua existência, e tal descendente sobrevive
ao testador. Se o testador só dispôs da metade, e sabia que tinha herdeiros
necessários, ou os deserdou, sem menção de cláusula legal, não há ruptura
do testamento, mesmo se desconhecia algum descendente, ou algum
sobreveio. (Tudo se liga à interpretação do art. 1.751, onde se fala de
“outros herdeiros necessários”.) Se o testador ignorava que tinha herdeiros
necessários (“outros”, no artigo 1.751), há a ruptura.

4.DISPOSIÇÂO DA METADE E NÃO- CONTEMPLAÇÂO DE


HERDEIROS NECESSÁRIOS OU

DESERDAÇÃO SEM MENÇÃO DE CAUSA LEGAL. Diz o Código Civil


art. 1.752: “Não se rompe, porém, o testamento, em que o testador dispuser
da sua metade, não contemplando os herdeiros necessários de cuja
existência saiba, ou deserdando-os nessa parte, sem menção de causa legal
(arts. 1.741 e 1.742) “.

5.ELABORAÇÃO. Procede de emenda da Câmara dos Deputados


(Trabalhos, VI, 516), que dizia (ANDRADE

FI.GUElRA) : “Cessam as disposições dos artigos antecedentes sempre que


o testador dispuser de sua têrça, sabendo da existência de herdeiros
necessários, ou deserdando-os sem declaração de causa legítima” Cf.
Projeto de FELÍCIO DOs SANTOS, art. 1.688. Diferentes, o Projeto
primitivo, art. 1.914, e o Projeto revisto, art. 2.121. Dizia o primeiro:
“Cessam, porém, as dísposíçoes dos artigos antecedentes, quando o testador
prevê precisamente o caso e salva a legítima do herdeiro necessário.
Vejamos qual a fonte do art. 1.752 do Código Civil.

Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 82, pr., dizia-se: “Se o pai, ou
mãe fizerem (sh~) testamento, e sabendo que tem filhos, tomarem a têrça de
seus bens, e a deixarem a quem lhes aprouver, ou a mandarem distribuir
depois de suas mortes, como fôr sua vontade, pôsto que no testamento não
sejam os filhos expressamente instituidos, ou deserdados, mandamos que tal
testamento valha, e tenha efeito. Por quanto, pois tomou a têrça de seus
bens no testamento, e sabia que tinha filhos, parece que as duas partes quis
deixar aos filhos, e os instituiu nelas, pOsto que delas não faça expressa
menção, e assim devem ser havidos por instituidos herdeiros, como se
expressamente o fôssem, em favor do testamento”. No § 1: “E dispondo o
pai em seu testamento de todos seus béns e fazenda, não fazendo menção de
seu filho legítimo, sabendo que o tinha, ou deserdando-o, não declarando a
causa legítima, por que o deserda, tal testamento é por Direito nenhum e de
nenhum vigor quanto à instituição, ou deserdação nele feita~ mas os
legados conteúdos no dito testamento serão em todo caso firmes e valiosos,
enquanto abranger a têrça. do testador, assi e tão cumpridamente, como se o
testamento fOsse bom e valioso por Direito”.

Vê-se bem que o art. 1.752 se desviou do direito luso--brasileiro.

6. SIGNIFICAÇÃO DA REGRA JURÍDICA. Na edição alemã do Código


Civil, apenas apusemos a seguinte nota (Die Zivilgesetze der Gegenwart,
III, 863) : „tRem tormeltes Noterbenrecht. Einfache Prãterition gibt nur
Pflíchtteilsrecht nach Art. 1.727”. Não se têm, ai, herdeiros forma/mente
necessários; têm--se herdeiros necessários Os arts. 1.750 e 1.751 são
benefícios ex tege. Veja arts. 1.741 e 1.742.

Se o testador dispôs da metade, como podia, sem contemplar os herdeiros


necessários de cuja existência sabia, isto é, sem disposição a favor dêles, ou
sem referência a êles, apesar de saber que existiam, não se rompe o
testamento.

Idem, se a referência foi para os deserdar, sem dizer qual a causa legal.

tQuid juris, se os deserdou com menção da causa legal? Também não se


rompe, Vai ser julgada a deserdação.

§ 5949. Direito anglo-americano

1. DIREITO INGLÊS. Todo testamento é revogável. Ninguém se pode


privar do direito de revogá-lo. Mas, inserta a cláusula de não ficarem
revogadas determinadas disposiçóes, pode o testador revogá-las, ocorrer
serem atacadas pelos lesados pela revogação, com fundamento na violação
do contrato.
Nenhum testamento ou codicilo se rompe pela pressuposição, rebus sie
stantibus, salvo o casamento subseqUente.

Ainda assim, quando o testamento é feito em execução de poiver of


appointment, segundo o qual o bem de que, em conseqUência, se dispôs, se
faltasse a disposição, não passaria às pessoas que têm direito aos bens do
testador que morresse ab intestato (Wills Act, 1887, 5. 18).

Se o testador ou qualquer outra pessoa, na presença dêle e sob suas ordens,


queima, rasga ou destrói, de qualquer maneira, o ato testamentário, com
intenção de o revogar, revoga-se o testamento (Wills Aet, 1887, s. 20). Mas
a destruição por outrem, sem autorização do testador, não pode ser
ulteriormente ratificada por é/e (Milís versus Milward, 1890).

Nem a destruição sem intenção (Gill versus GilI, 1909), nem a intenção
sem destruição, pode bastar (Cheese versus Lovejay, 1877) e a destruição
deve ser assaz inteira para tornar, na forma, incompleto o ato, to vender the
documevt either incomplete in form (Goods of Morton, 1887) ou
ininteligível, como testamento, em substância (Leonard versus Leonard,
1902).

O direito inglês admite a revogação parcial pelo ato destrutivo: quando há


destruição de parte e esta foi a vontade do testador (Goods of Woodward,
1871).

No caso de rasuras, intercalações ou outras mudanças, após a feitura, se


houve intenção de revogar, revoga-se o testamento ou o codicilo; mas, se
ficarem em estado de, sem in tervenção especial, não se poder ver o que
havia (Wills Ad, 1887, s. 21), as intercalações e mudanças devem ter
satisfeito as formalidades do testamento (s. 21).

A assistência de perito (~ sem intervenção física!) pode dar-se para decifrar


as palavras originais (Einch versus Combe, 1894) e quando a rasura havia
de produzir efeitos de maneira contingente, no caso de aparecer nova
disposição superposta será de permitir-se a interferência física para decifrar
o que estava escrito (Goods of Horsford, 1874).
Oprincipio inglês é o de que prevalece, se possível, o que estava.

No caso de rasuras, raspagens, ou alterações, o direito inglês quer que


persista o texto primitivo, se ainda legível, quando se prove que não as féz o
testador (TRISTRAM and COO‟rE, Probate Praxis, 37).

Um testamento ou um codicilo pode ser revogado por escrito regular para o


testamento que contenha a intenção explicita de revogar (Wills Ad, 1887, s.
20), ou quando dos testamentos ou codicilos posteiiores resulte a intenção,
expressa ou implícita, de revogar ou modificar os anteriores (s. 20), cf.
Lemage versus Goodban, 1865, GodelI versus Wilcocks, 1898,. Estate of
Bryan, 1907.

No caso de modificações, anteriores e posteriores, serão admitidas ao


probate como sendo, em conjunto, o testamento do defunto (Goods of De la
Sanssaye, 1873).

O testamento que revoga o anterior revoga as disposições feitas em virtude


do anterior (Sotheran versus Dening, 1881, In re Rington, 1886). A questão
de saber se o testamento, que não revoga expressamente os anteriores,
revoga aquelas disposições, depende dos têrmos empregados pelo testador
no último testamento (Kent versus Kent, 1902). Mas o legado, concebido
em têrmos gerais em testamento posterior, não basta para revogar outra
disposição feita em testamento anterior, em execução de power of
appointment especial (CadelI versus Wilcocks, 1898). Não assim se geral
(Sotheran versus Dening,. 1881).

Testamento formalmente válido, mas sujeito a eventualidade que não se


realizou, não tem o efeito de revogar (e ni firmar, diríamos melhor, cf.
Código Civil brasileiro, art. 1.747, parágrafo único) testamento anterior
(Goods of Hugo, 1877).

Se dois testamentos incompatíveis têm a mesma data, e não se prova a


anterioridade de um, serão nulos comc incertos, na medida em que forem
incompatíveis (Phipps versus An glesey, 1751).
Odireito inglês acolhe (já vimos) caso de ruptura do testamento, se a pessoa
solteira, ou viúva, se casa („WILLIAMS, Personal Property, 16.~ ed., 489;
Wills Ad, 1837, seat. XVIII). Mas o Law of Property Act, de 1925, s. 177,
trouxe importantíssima exceção: se o testamento foi feito depois de l.~ de
janeiro de 1926 e em consideração de casamento, a solenização dêste não
no rompe (E. A. PHILIIPS, Probate and R7state duty practice, 5).

Segundo o “principle of dependent relative revocation”, não vale a


revogação quando a intenção de revogar, ou de modificar, depende da
existência, ou de não-existência de fatos que o testador errôneamente supôs
existirem ou não existirem (Campbell versus French, 1797), ou da falsa
apreciação da validade da disposição, que êle quis substituir (Onlions
versus Tyren, 1716; Stanford versus White, 1901). Isto é, são sem efeito a
revogação e a modificação.

No caso de se produzir testamento com modificações, o beneficiado deve


provar que foram efetuadas antes da assinatura (Williams versus Ashton,
1860).

2.DIREITO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Na legislação do


Estado de Nova lorque, que constitui

„um tipo na multiplicidade legislativa dos Estados Unidos da América, o


testador pode, livremente, modificar ou revogar o testamento. Mas cumpre
advertir no seguinte:

a)O testador não pode fazer acrescentos, nem apagar determinadas partes.
Em codicilo indicará as alterações que deseja, observadas, quanto ao
codicilo, as mesimas regras jurídicas que se aplicam aos testamentos. Se o
testador risca parte das disposições testamentárias, não se atende à
modifição: não é possível provar, aos olhos da lei nova-iorquina, que foi o
testador, e não outrem, que o suprimiu; se o testamento é regular, persiste
em tôda a sua inteireza.

b) A revogação pode ser voluntária ou legal: a) voliintária, por segundo


testamento, ou por codicilo, desde que nitidamente expressa a sua vontade,
ou por destruição material, completa, do testamento (não tem êsse efeito a
destruição parcial) ; b) por efeito da lei, cai o testamento redigido após a
celebração do casamento, se nasce algum filho (Dcc. estate law, § 26), mas
só na parte ofensiva aos direitos dêste; se o testador celibatário não previu a
eventualidade de casamento e a superveniência de filhos, revoga-se o
testamento a que se seguiu matrimônio ou nascimento de filhos legítimos.

No Estado de Connecticut, rompe-se o testamento pelo casamento


subseqúente ou superveniência de filhos.

Nos Estados Unidos da América, a revogação por outro testamento, ou pela


destruição do antigo, rege-se pela lei do domicílio neste momento. Se
ruptura por subseqúente casamento ou superveniência de filho, a lei do
domicílio no momento da morte. Ainda, no caso de superveniência de filho
que, ipso facto, rompa, R. C. MINOR introduziu outra solução:

a lei do domicílio do testador no momento em que surgiram as


circunstâncias que provocaram a ruptura (Confliet of Law or Private
International Law, sec. 150). Seria certo, se tal lei não tivesse qualquer
possibilidade de convalescença (aqui, ex hypotkesi, a espécie é de
convalescença, porque se rompeu naquele momento) : rôto foi, rôto fica.
Mas, se a tem, não: o efeito validante subordina o ato, náp de todo morto, à
lei do momento da morte do testador, inclusive no domínio do direito
internacional privado. (Compare-se a opinião de R. C. MINOR com a de F.
KRETZSCHMAR, no domínio do direito inter-temporal, porém admita-se
que êste autor se referia ao testamento conjuntivo.)

§ 5$50. Direito intertemporal e direito internacional privado

1. FIGURAS JURÍDICAS. Conquanto no Código Civil brasileiro, com os


arts. 1.746-1.752, o Capítulo XVI se intitule “Da revogação dos
testamentos”, nem tudo nele é revogação direta e formal. Por isso mesmo,
não pode haver princípio geral de direito intertemporal ou de direito
internacional privado que abranja, inexcetuadamente, todos os arts. 1.746-
1.752. Por outro lado, há fatos que se não acham mencionados nos referidos
artigos e suscitam questões de contacto temporal ou espacial das leis.
Temos, pois, de separar as diferentes figuras jurídicas, a fim de as
examinarmos num e noutro ramo do direito.

As pessoas que participam da feitura dos testamentos, como o oficial


público, quer se trate de testamento aberto, quer de testamento cerrado, ou o
comandante, ou o escrivão de bordo, no testamento marítimo, ou as duas
testemunhas, ou o comandante, ou o oficial de saúde, no testamento militar,
são colaboradores, cooperantes (mitwirkende Personen). Não podem ser
herdeiros, nem legatários (cf. Orro THÚMMEL, Die Errichtung eles letzten
Willens nach Preussischem Recht, 81;

O.HAENTZSCHEL, Die Auf- unel Abnahme von Testamenteu, 5 e 28;


GERHARD EICHHORN, Das Testament, 20; MAx HOF.RNING, Welche
Personen sind mitwirkende bei der Aufnahme eincs Testaments, 29 s.). A lei
pessoal é que rege a espécie, e não a lez loci. Idem, quanto às testemunhas.

Para que testamento posterior revogue, pela contradição com o anterior, é


preciso que seja válido e válido o conteúdo da disposição do nôvo
testamento. A disposição posterior pode ser complementar, ou discordante
só em parte.

No direito brasileiro, a simples recuperação do testamento cerrado, que


ficou em custódia oficial, não implica revogação <aliter, no Código Civil
alemão, § 2.256; sôbre o ato revogatório da devolução, cf. WALT}IER

LIEBMANN, Der Widerruf eines Testaments nach § 2256 BGR., 13 5.;


FIIITZ FRIEDMANN, Rechtshandlung (im Gegensatz zu RechtsgescMft)
nach gemeznem Recta und BaR., 41). Se a lei pessoal é a brasileira e o lugar
na Alemanha, surgem questões; idem, se a custódia é no Brasil e a lei
pessoal, alemã.

Questões também surgem no tocante a Estados que têm contrato de herança


(cf. RICHARD FÓRTSCH, VergU3iOhQItde Darstellung des Code Civil
um? des EGE., 151; MAx NAUTN4ANN. Der Erbeinsetzungsvertrag iii
seinen Bezichungeu zum Noterbenrechie, 42 s.). Quanto à diferença entre a
fé pública do certificado de herdeiro e a do livro do registo de imóveis, cf.
KURT FREIHERE VON REIBNITZ (Der õffentliche Glaube des
Erbscheins im Vergleich. mit dem õffentlichen Glauben des Grunel buchs,
19 s. e 63 s.).

No direito brasileiro, só se cogitou do registo dos julgados de partilha, para


se permitir a disposição do imóvel, e de adjudicação em inventário, quando
não houver partilha.

2.REVOGABILWADE INDERROGÂVEL DO ATO. A cláusula de


irrevogabilidade, aposta no testamento, não pode valer se sobrevém
legislação que a proiba. Se a lei A permite e a lei B não permite, esta é que
prevalece: o efeito da lei E é o de tornar livremente revogável o testamento
anterior, porém não o de atingir o que validamente se fêz sob a lei A. Tal
princípio jurídico é o mesmo que implicitamente se invocou para a validade
e persistência intertemporal do testamento conjuntivo da lei A.

3.REVOGAÇÃO TEM DE SER POR TESTAMENTO. No direito anterior


ao Código Civil, podia haver revogação por escritura pública, sem as
formalidades especiais dos testamentos. Isso não foi mais possível desde o
dia 1.0 de janeiro de 1917, quando entrou em vigor o Código Civil (art.
1.806), nem o é mais, e isso por fôrça do art. 1.746.

4.REVOGAÇÃO E DIREITO INTERTEMPORAL. A revogação de um


testamento feito antes do Código Civil rege-se pelo Código Civil, e não
pelo direito anterior. Mas a revogação da revogação, feita depois do Código
Civil, não pode ter o efeito de conferir validade ou persistência a testamento
anterior ao Código Civil, que, se tivesse de hoje ser feito, não valeria, nem
persistiria.

Outro caso. Testamento sob a lei A, revogação por escritura pública (não
testamento), segundo a lei A, e revogação da revogação sob a lei E. Se nova
revogação desta sobrevém, ~vale a revogação por simples escritura feita
sob a lei A? Não, pela mesma razão que acima se invocou: o testamento
anterior, dissemos, se tivesse de ser hoje feito, não valeria.

5.REVOGAÇÃO PARCIAL E TOTAL. Pode ocorrer que a lei A só permita


a revogação total e a lei E uma e outra. Nesse caso, a revogação parcial feita
sob a lei E, revoga parcialmente o testamento que se fêz sob a lei A. Se
permissiva a lei A e não permissiva a lei B, a revogação feita ao tempo
desta lei, e só parcial, só terá os efeitos que a lei B lhe reconhecer, ex
hypothesi nenhuns. Tal o direito intertemporal que pode suscitar o art.
1.747.

6.INCOMPATIBILIDADE ENTRE TESTAMENTOS. No caso „de


infirmação (Aufhebung) por testamento posterior, o posterius, segundo a lei
E, revoga o prius da lei A, na medida e conforme o sistema da lei E. Quer
quanto à forma, quer quanto à capacidade: ambas seguem a lex tempus.

Porém não se confunda com a infirmação a ruptio (Código Civil, arts.


1.750, 1.751 e 1.752, que, embora negativo

êste, concernem a rompimento).

As regras jurídicas similares aos arts. 1.750-1.752 do Código Civil só se


aplicam aos testamentos cujos testadores morreram na vigência dêles.
(Observe-se nisso a confirmação de que o testamento que prevalece devido
à premorte do herdeiro superveniente, ou aparecido, não constitui caso de
convalescença: a ruptura só se aprecia no tempo da morte.)

Se intervier mudança de legislação e de Estado, a solução de direito


internacional intertemporal passará a ser mais sutil e dela trataremos no
lugar próprio.

No direito alemão, os §§ 2.078 e 2.079 do Código Civil alemão sujeitam-se


à regra jurídica do art. 213 do Einfiihrungsgesetz, isto é, não se procura a lei
do tempo da feitura, mas a do tempo da morte do testador. Aliás, no direito
alemão, tratando-se de regra jurídica sôbre êrro, compreende-se o
fundamento (F. HERZEELDER, Erbrecht, .7. von Staudingers Korr.mentar,
V,

9 a ed., 478.). Portanto, romperam-se os testamentos anteriores ao Código


Civil alemão, cujos testadores faleceram antes dêle. Quanto aos de
testadores falecidos depois, não há sanção de ruptura, mas a atacabilidade
(Anfechtbarkeit) dos §§ 2.078 e 2.079.
&Quid iuriÉ, quanto ao § 2.079, se conjuntivo o testamento? Querem
juristas que incida o Einfiihrungsgesetz, art.

214, alínea 2~a, isto é, a lei anterior à do tempo da feitura. Assim, o


Reichsgericht, a 16 de março de 1911, mas sem permanecer. E.
KRETZSCHMAR (Altrechtliche Verfúgungen von Todes wegen,
.Turistische Woehenschrift, 43, 975) distinguiu o caso do acontecimento
antes e depois da vigência do Código Civil alemão.

7.DIREITO INTERTEMPORAL SÔBRE EFICÁCIA DA REVOGAçÃo.


Temos de separar em duas partes a regra jurídica~ a) vale a revogação,
ainda que seja excluído, incapaz ou renunciante o herdeiro nomeado; b) se o
testamento fôr anulado (por vício de forma ou por vício intrínseco), não
vale a revogação que nele se fêz.

No direito intertemporal temos de considerar o art. 1.748 do Código Civil


como dispositivo, na primeira parte, e, pois, regido pela lei de que depende
a interpretação da vontade: a lez tempzw; e imperativo na segunda parte,
portanto regido pela lei da validade intrínseca do ato, que não é a mesma
para todos os casos: forma e capacidade seguem a tez tem pus. A questão
fica deslocada. A lei competente dirá da nulidade: se fôr nulo o testamento,
então se aplicará o art. 1.748,

2 a parte.

8.QUAL A LEI QUE DEVE REGER AS RASURAS, EMENDAS E


ENTRELINHAS DOS TESTAMENTOS

Trata-se de pequenas alterações e não de destruição ou de laceração


completa, assunto que foi versado.

Se as emendas ou rasuras não são, por si sós, testamentàriamente válidas


(exemplo acréscimo autógrafo e assinador sob a lei E, que não exija outras
formalidades ao testamento particular), claro que se tem de reger pela lez
tem pus, isto é,. pela lei da forma testamentária ao tempo em que se fêz o
testamento. Aliás, se ocorrer que a lei E
não nas permita, ter--se-á de verificar o tempo em que foram apostos tais
dizeres extratestamentários, a fim de se verific~r se o testador podia juntá-
los. Matéria que se não encontra satisfatôriamente tratada, e II. HABICHT
nem sequer, no índice de seu livro, inclui o § 2.255 do Código Civil alemão.

9.PRESUNÇÃO DE HAVER REVOGADO. As regras jurídidas da


natureza do art. 1.749 do Código Civil, sôbre abertura de testamentos
cerrados e cancelação do particular, impõem--se aos atos sob a sua vigência
praticados. Se a abertura ou. a cancelação tinha determinado efeito
revogatório sob a lei A e ainda sob tal lei foi feita, não poderá a lei nova
apagar o. que vâlidamente se operou.

Se a lei A não tinha para tais atos sanções revogatórias, a lei E somente
pode atingir os atos que sob o seu domínio temporal se pratiquem. Ainda
assim, quando a lei nova nada dispuser sôbre os testamentos anteriores,
cumpre ao juiz verificar qual a verdadeira vontade do testador. Evite-se,
quanto possível, aplicar a lei contra a intenção do disponente.

10. DIREITO INTERTEMPORAL E RUPTURA DOS TESTAMENTOS.


a) Se o sistema da lei A é o da rupçáo imediata à nova circunstância
(superveniência de herdeiro necessário, casamento, etc.) e convalescença ao
tempo da morte, se a causa rompente desapareceu, e a lei nova acolhe regra
jurídica de nulidade absoluta, porém sem convalescença possível, o
desaparecimento da causa rompente, ocorrido sob a lei nova, não faz
reviver o testamento.

b)Mas, se a lei nova segue o sistema da convalescença, ou o da ruptio


somente ao tempo da morte e se perdura a círcunstáncia, nada obsta à
validade e persistência do testamento.

e) Se a lei A tinha a ruptura do caso a), ou a do caso b), quer dizer ruptura
imediata e convalescença ou ruptura só ao tempo da morte, ao passo que a
lei E cria nulidade relativa, subordinada à prova do êrro (anulabilidade),
tem de ser verificado em que momento ocorreu o desaparecimento da causa
rompente: se antes da lei nova, rege a lei antiga; se na vigência da lei E,
nenhuma é a questão, porquanto nada depende de direito intertemporal.
Resta o caso do fato que persiste até o dia da morte do testador: ainda que
ocorrido sob a lei A, incide a lei nova. A objeção, no caso de ruptura e
convalescença, segundo a lei A, não tem grande importância: testamento
rôto, mas suscetível de convalescer, não deve equiparar-se àqueles que
irremediàvelmente se romperam (ruptura sem convalescença possível, da lei
nova do caso a), in fine).

No direito alemão, havia o testamentum ruptum pelo nascimento de


herdeiro necessário. Hoje, só existem os §§

2.077-2.079 do Código Civil alemão. O art. 214 do Einfúhrungsgesetz não é


aplicável. A causa de anulabilidade poderá ser invocada por qualquer dos
legitimados ao tempo da morte, nada importando ter sido anterior à lei nova
o testamento. Trata-se de defeito da vontade, e êste se rege pela lei do
tempo da morte

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