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Pontes de Miranda Tratado de Direito Privado Tomo 56
Pontes de Miranda Tratado de Direito Privado Tomo 56
TÍTULO III
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO II
TESTAMENTO EM GERAL
§ 5.653. Conceito e natureza da testamento. 1. Morte e
testamento.2.Definições
2. Direito-brasileiro
CAPÍTULO III
CAPACIDADE DE FAZER TESTAMENTO
§ 5.668. Capacidade de direito o capacidade negocial. 1. Noções sobre
capacidade de concluir negócio jurídico. 2.
Condições e “modus”
“modus”
Direito brasileiro
§ 5.716. Caução do “modus”. 1. Precisões. 2. Direito brasileiro.
Exotismo da regra jurídica. 11. Termo suspensivo. 12. Termo resolutivo. 13.
Regra jurídica sobre encargos.
14.Limitações de poder
Interpretação filológica.
HERANÇA E LEGADO
Conforme frisamos no Tomo LV, além do sentido geral, que lhe dá o étimo,
de tomar o lugar de outrem, ocupar o mesmo sítio (o comprador sucede ao
vendedor, o donatário ao doador, o arrematante à herança), suxeder tem o
senso restrito, que a idéia de morte implica. Então, em vez de abranger
todos os modos de adquirir a propriedade, originários e derivados,
restringe-se ele à noção de transmissão da totalidade de toda ou de parte da
herança à pessoa, a que, por lei, ou por testamento, se devolve. Definindo-a,
K. S. ZACHARIAE V. LiNGENTHAL, por um lapso, arbitrariamente,
falou de totalidade ou parte alíquota: em verdade, a sucessão compreende
partes alíquotas, aliquantes e até individuadas.
2 a ed., 133).
1.FIGURA JURÍDICA TÍPICA. Verdade é que tudo isso bem longe estava
do testamento. A devolução do patrimônio do decujo, fora e
independentemente da ordem familial, pela só vontade do declarante, para
depois da morte, tal é a característica do que depois, com fontes romanas, se
precisou. Não o mostra a Etnografia. Na própria Europa ocidental, foi
grande a resistência. Ainda em 1837 o testamento inglês que recai em real
property apresentava os traços de operação inter vivos, de convevance. Na
Suíça, revelou-o o costume.
Já se quis invocar para provar serem mais próximas do que se pensa as XII
Tábuas (III, em vez de V antes de Cristo) o argumento de nelas se achar a
regra uti legassit super pecunia tutelave suae rei ita ius esto. Porém o muito
de arcaico das XII Tábuas opõe-se a tal presença: contra a afirmativa dos
escritores da época clássica, de PAUL FRÉDÉRIO GIRARD (Tertes de
D‟ioit romain, 13; Manuel élémentaire de Droit romain, 790) e de
historiadores e pandectistas, está a convicção sociológica. Aqui, a
convicção sociológica, com os elementos da crítica comparativa e da
etnologia jurídica, pode dizer: é possível que lá estivesse a frase, mas,
então, êsse testamento é um nome idêntico para outra coisa. Aliás, a dúvida
vem de mais de um século. Já em 1825, EDUAJw GANS (Das Erbrecht,
37-74) via naquele testamentum a criação de laços de família, algo de
adoção (ad-rogação e adoção, só mais tarde, acreditava E. GANS, se
distinguiram). Depois F. SCHULIN (Lehrbuch der Geschichte des
Ràmischen Rechts, 458) insistiu na adoção post mortein: o testamento in
calatis comitiis seria o equivalente do testamento grego Contra ambos, um
argumento: a adoção testamentária só apareceu, em Roma, no fim da
República. Mas pode ser falta de informes (A. LEFAS, L‟adoption
testamentaire à Rome, Nouvelle Révue Historique, 21, 724; EDoUAR.D
CUQ, Institutions juridiques des Romains, 236-239; Recherches historiques
sur le testament “per aes et libram”, Nouvelies Révue Historique, X, 540 s.;
LUDWIG MITTEIS, Reichsrecht und Votksrecht, 340). Demais, há o
exemplo, na Grécia, da transição da sucessão legítima. para a testamentária,
por intermédio da adoção (W. VAN IIILLE, De Testamentis iure attico, 1;
C. G. BRUNS, Die Testamente der griechischen Philosophen, Zeits,chrift
der Savigny-Stiftung, 1, 6 s.).
Como quer que seja, o testamento das XII Tábuas não era o que as
compilações justinianeias conheciam. Deve ter sido a forma correspondente
à afatomia franca e ao thinx lombardo. GAIO (II, 101) deu corno se fosse a
mais velha forma de testamento o que entendeu chamar calatis comitiis,
feito perante o colégio dos pontífices e os comícios por curias. com a
função primitiva, assaz generalizada de testemunhas instrumentárias:
função ativa, essa, que lhes atribuiu EDUARD GANS (II, 46), após CHR.
THOMASIUS, J. C. HEINÉCIO e A. D. TREKELL, seguido por alguns
romanistas hodiernos, como TH. MOMMSEN, A. PERNICE, PAUL
FRÉDÊRIO GIRARD, EDOUARD
“ordinare”.
dionum.
“Les héritiers légitimes sont saisis de pIem droit des biens, droits et actions
du défunt, sous l‟obligation d‟acquitter toutes les charges de la
succession”. É a saisina. juris, pela qual propriedade e posse passam, ipso
iure, aos herdeiros legítimos. Mas, apesar disso, há o romanismo da
aceitação, que constitui algo de superposto, de colado, de preso por
alfinetes, de heterogêneo. Para penetrar e compreender a função dessa
janela depois do corpo da casa, desse órgão que se enxertou onde não cabia,
— e a História é cheia disso, como o é de teratologias a Natureza, os
intérpretes (e.g., E. AÇOLLAS, Manuel de Droit Civil, II, 192 s.)
levantaram a questão da suspensividade ou resolutividade da aceitação: isto
é, ou o herdeiro recebe com a condição suspensividade de aceitar, ou com a
condição resolutiva de renunciar.
Quanto ao legado in diem, antes do dia o legatário não pode pedi-lo, mas
com razão dizia PASCOAL JOSÉ DE
MELO FREIRE que já adquiriu o direito, real ou pessoal (cf. art. 123).
Tudo isso toma aspecto bem grave se perguntarmos: pode o legatário ante
conditionem vel diem renunciar?
E é inegável que pode ser matéria da renunciação aquele direito que tem
entidade bastante para ser transigido.
Daí a ineficácia da lei nova para ferir tais situações júridicas criadas pela
condição suspensiva e a herdabilidade de tais direitos eventuais, salvo lei
especial ou declaração contrária.
VON TUHR (Der Allgemeine Teu, 1, 224; cf. G. PLANCK, Kommentar, II,
556), após as lutas que se conheceram.
Tirou-se do art. 1.181 do Código Civil francês que a posição jurídica não se
herda. “Une chaince‟, dirão os juristas franceses, “qui est considerée déjà
comme un élément actif ou passif du patrimoine”. Nih.il adhuc debetur, sed
spes est debitum ici.
Se a condição tem por objeto ato de uma das partes, que não seja pessoal, o
herdeiro toma-lhe o lugar. A regra é a hereditariedade, não só das
obrigações como de todas as posições jurídicas, oriundas de declaração de
vontade.
TUHR (Der Alígemeine Teil, tanto cogitaram e foi assunto deste Tratado,
Tomo V, § § 573— 578). Não há dúvida quanto à hereditariedade deles, de
regra.
No Código Civil alemão, § 2.074, aparece a exceção à hereditariedade:
“Tendo feito o decujo disposição de última vontade sob condição
suspensiva, deve presumir-se, em caso de dúvida, que a liberalidade
somente deve valer se o beneficiado sobreviver ao advento da condição”.
Não há, explícita, no Código Civil brasileiro, tal regra jurídica de
interpretação. (Aliás, o “valer”, gelten, foi termo impróprio, porque se trata
da eficácia, e não de validade.) O Código Civil brasileiro, art. 118, coincide
com o Código Civil alemão, § 158. Ora, lá, ninguém tiraria do § 158
3.
4.
Sim, há o art. 1.572. Mas que é ele (argúi-se) diante da lei especial, ou dos
estatutos da sociedade, que subordinam os efeitos da transmissão à
intervenção decisória do juiz? De qualquer modo, está no ar, inesboçada,
mas ja perceptível em traços fugidios, solução nova da publicidade e da
transmissão causa mortis, quando operada ex lege.
6.
s.; A.
f)
Diante dos efeitos do art. 1.572 do Código Civil (cf. Código Civil alemão, §
1.922), entendia ERNST STAMPE
(Unsere Recht und Begriffsbildung, 55 s.) que só existia uma aquisição ipso
inre, a do Fisco, porque não precisa aceitar nem deliberar: chegada a sua
vez de suceder, sucede sem qualquer ato seu, sem qualquer possibilidade de
se voltar sobre a ordem do Código Civil. Nos outros casos, não; é a própria
lei que se encarrega de atenuar, até à contradição, as conseqüências
imedatas do art. 1.572: a aquisição dos outros sucessíveis não é definitiva,
tanto assim que pode a herança ser renunciada, e os chamados se tratam
como se não estivessem na sua vez. Daí falar na oferta causa mortis, que
seria a situação do sucessível antes de aceitar ou renunciar, — oferta do que
faleceu aos herdeiros. Vê-se bem quão desesperada foi a solução teórica de
ERNST STAMPE, solução em que insistiu em 1922
7.
c) Não existem bens sem dono, por motivo de morte. A expressão “herança
jacente” é errônea; e o nome que se dá ao instituto dos arts. 1.591-1.594 não
tem o significado romano. Nem podia ter (arts. 1.572, 1.603) . No spatium
deliberandi, há sempre sujeitos da herança: nunca se dá a existência de bens
que, pela morte do dono, fiquem adéspotas.
Daí dizer-se que a função do juiz é receptiva, e não ativa. Os direitos dos
herdeiros, eles os têm por forca do ato testamentário, desde o dia dos
efeitos (morte do testador), ainda que continuem em segrêdo as disposições
(isto é, quando ainda fechado o testamento). A posse da herança vem-lhes
da lei. Dá-se o mesmo quando particular o testamento e, pois, dependente
das formalidades dos arts. 1.646-1.648 do Código Civil: são
comprobatórias. O julgado opera desde a morte do testador. (Em todo o
caso, na discussão, e enquanto se apura a verdade, pode o juiz ordenar atos
conservativos, ou de tutela dos interessados, como o sequestro. Mas isso
pode ele decidir a respeito de quaisquer coisas sobre cuja posse pairem
fortes dúvidas, tal como se dá na espécie do Código Civil, art. 507,
parágrafo único.)
1.572, uma vez que a peça transmitida independe da veste de fato, isto é, a
ordem legal abstrai do poder efetivo?
A saisina iurís estabeleceu a nova ordem. Der Todte erbt den Lebendigen,
le mort saisit le vif, ou, na Itália, transeat possessio in heredem defuncti
ipso inre sine aliqua apprehensione (Estatuto de Busseto, r. 54).
“ao terceiro, que indevidamente a possua”). Ação universal, que nada tem a
ver com os efeitos da posse, nem com os da usucapião, pois, semelhante à
reivindicação, constitui luta entre direitos, porém, luta de títulos,
independente das regras jurídicas de aquisição por outro título que não seja
o hereditário. Por isso mesmo, o réu pode opor-lhe, não só a prescrição de
vinte anos, que é a das ações do direito hereditário, como também o não se
tratar de possuidor a título de herança, caso em que só seria possível a ação
do art. 524, ineficaz além dos prazos usucapitivos.
Tão radical é o efeito da petição de herança, que ela busca ações nascidas
contra o próprio possuIdor, dívidas que, noutros casos, desapareceriam pela
confusão dos sujeitos. Seria difícil conceber “posse” em tais espécies
(RUDOLF
“ao terceiro, que indevidamente a possua”). Ação universal~ que nada tem
a ver com os efeitos da posse, nem com os da usucapião, pois, semelhante à
reivindicação, constitui luta entre direitos, porém, luta de títulos, .,
independente das regras jurídicas de aquisição por outro título que não seja
o hereditário. Por isso mesmo, o réu pode opor-lhe, não só a prescrição de
vinte anos, que é a das ações do direito hereditário, como. também o não se
tratar de possuidor a título de herança, caso em que só seria possível a ação
do art. 524, ineficaz além do~ prazos usucapitivos. Aproveitemos o ensejo
para meditar no punctum dolens: é o fato de o réu possuir com pretendido
direito hereditário, isto é, crer-se ou ter-se por herdeiro, que lhe escancara as
portas às investidas dos autores contra a sua posse, ainda depois de
cumpridos os prazos que lhe dariam, se outro fosse o título, a propriedade
dos bens móveis (arts. 618 e 619), ou imóveis (arts. 550-552).
Tão radical é o efeito da petição de herança, que ela busca ações nascidas
contra o próprio possuidor, dívidas que, noutros casos, desapareceriam pela
confusão dos sujeitos. Seria difícil conceber “posse” em tais espécies
(RUDOLF
Também no Código Civil alemão não se poderia pensar em “posse” que não
fosse poder fático sobre coisas. Escapa ao conceito a chamada posse de
direitos. O objeto da hereditatis passessio ultrapassa as raias do que a teoria
e a lei traçaram à posse.
O herdeiro que é imitido na posse, que lhe faltava, quase sempre posse
imediata, já estava na posse, em virtude da saisina. A sentença favorável na
ação de imissão declara a posse em virtude da saisina e põe na posse que
faltava o sucessor a causa de morte.
A chamada renúncia dos nossos dias, que está no Código Civil, arts. 1.581-
1.590, fundiu abstentio dos seus e o repudium dos herdeiros não-seus,
atribuindo a essa forma nova (simetrização) os efeitos totais do repúdio.
Mas há superveniências interessantes: como a abstentio romana, a renúncia
do Código Civil (renúncia a suceder e não ao já aceito), pode ser retratada
no direito francês. No direito brasileiro, é irrevogável, mas pode ser
anulada, como todos atos jurídicos, por violência, erro ou dolo, e até pela
fraude contra os credores, além do que ocorre no caso do art.
7.
13.
A) No Código Civil francês, art. 782 (cf. Código Albertino, art. 995),
aceitação forçada, a beneficio de inventário.
B) Solução da aceitação total pelos que querem aceitar (cf. Código Civil
argentino, art. 3.316).
toda a herança do decujo vai aos que aceitaram, conforme a solução B); a
herança do decujo (solução alemã) vai somente aos que aceitaram, de modo
que ~a parte que corresponderia aos outros passa, não aos que aceitaram,
mas aos que concorrem com o sucessível morta.
Até quando o credor do art. 1.586 pode aceitar pelo devedor herdeiro
renunciante? Enquanto não se afasta a aceita-
O credor não é
2a
3.
IRREVOGABILIDADE DA ABSTENÇÃO E DA RENÚNCIA. — Se bem
que, na sua nem sempre precisa terminologia, o Código Civil diga que a
renúncia é retratável, a própria lei brasileira basta para nos convencer,
imediatamente, do contrário: no direito civil do Brasil, a renúncia é
irrevogável. Aliás, a tradição do nosso direito é a irrevogabilidade. Assim,
nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 87, § 3, na Consolidação de
TEIXEIRA DE
1 a parte, não estivesse escrito; é supérfluo. Não assim o art. 1.586: quer
tenha ou não sido proposta ou proposta e julgada a ação Pauliana, o credor
ou credores podem, com requerimento ao juiz, que apreciará o prejuízo, aos
credores proveniente da renúncia, aceitar, em nome do herdeiro, a herança.
5.
DIREITO
6.
ele, não tivesse havido a declaração. O erro sobre qualidade dos bens é
suficiente para a eiva. O valor não é qualidade, mas deriva das qualidades
dos bens que compõem a herança e de outros fatores (L. INÍCIOS, H.
Constitui razão bastante, para se pedir a anulação por erro,. aparecer, após a
recusa, herdeiro necessário que se desconhecia (THEODOR Kípp, 3~a
parte, 175; 9~a ed., 473), ou outro testamento, que deva subsistir ou
substituir o que se mandara cumprir. A reivindicação posterior da herança
não pode ser razão de nulidade por erro; foram fatos que deviam ser
conhecidos pelos sucessíveis, não essenciais à herança ao tempo da abertura
da sucessão. Se concerne à natureza do ativo, e não à das dividas, será
invocável. Assim pensava ERNST STAMPE, em nota a decisão alemã
(Juritische Wocheiwchrift. 51, 22); porém com o errado fundamento de
haver oferta causa mortis. O
contenha dados inexatos (CARL CROME, System, V, 217, nota 3); mas
êsse caso é de vicio formal da intimação, e não caso de erro da renúncia. O‟
art. 1.590 aplica-se ao caso do art. 1.584~ que contém aceitação.
A expiração do art. 1.584 pode ser atacada como o pode ser a aceitação.
Primeiro, é revogável (art. 1.590); segundo, pode ser inquinada de nula ou
de anulável. As nulidades são as dos atos jurídicos de direito material e as
dos atos jurídicos processuais, inclusive as dos defeitos de vontade, que são
as decorrentes de violência, erro, dolo, ou fraude contra credores.
7.
CAPITULO II
TESTAMENTO EM GERAL
O testador declara o que quer. Porém não tem eficácia, desde logo, a sua
vontade. Sai, como se ficasse a vogar, até que êle morra. Só então pára, para
ter efeitos. Até à morte, pode voltar atrás, desfazer-se, essa vontade. A
imagem é de ULPIANO: ambulatoria est usque ad vitae supremum exitum.
1.
SURGIMENTO DO DIREITO DE TESTAR. — Para que surja o direito de
testar, é de mister que a sociedade venha a querer que a nova lei rasgue um
pouco de lei antiga, que a postulação político-individualística abra as
brechas no costume, e que a família perca a extrema significação dos
primeiros tempos. A concessão da simples sucessão do filho ao pai, fato
social, por ser comum o patrimônio, resiste visivelmente, onde já se
reconhece o direito de propriedade privada. Vimos, por exemplo, o direito
hindu continuar sem testamento; na Ática, a despeito de Sólon, só no século
IV antes de Cristo se há por certo o direito de testar. No direito de Gortina,
longo tempo se passa sob o regime da propriedade privada, sem que apareça
o testamento.
2.
1.576.
Porém O. CLARICE (Sul Diritto sue cesso‟rio del XII Tabole, 77 e 79)
entendia que a Lei das XII Tábuas só proclamou a liberdade de testar para
os bens não patrimoniais. Mas E. LAMBERT negou ao texto das Tábuas
(uti legassit... ita ius esto) o caráter de verdadeiro testamento: o testamento
comicíal não merecia tal nome; os bens, que podiam ser legados, eram os
não-patrimoniais. Usou, para chegar a tais conclusões, do método
comparativo: a liberdade de testar já constitui avanço social. Certo é que a
comparação só esclarece até o meio: medievo e tempo romano começam
ciclos relativos ao testamento, mas as linhas não são as mesmas. Daí as
críticas. Em verdade são duas civilizações— a romana e a germânica; mas a
comparação não é, como pareceu aos críticos, entre coisas incomparáveis:
algo não se repete, quando se retomam ciclos: o fim da ciência, o seu
trabalho específico, é, justamente, procurar o que no irrepetivel se repete.
Atributo da onipotência majestática do pater familias foi o testamento
romano, ao passo que, ato de vontade individual a mirar a própria morte (e
não a sucessão do poder familial), era o testamento medievo. Não há negar,
em todo o caso, que dependeram de situações históricas comparáveis.
Também ALFRED OBRIsT (Essai sur les Origines du Testament roinctin,
2 s.), havia sustentado que a forma de liberdade testamentária dependia de
grau elevado de cultura jurídica: originàriamente, trata-se de adoção; a
intervenção dês-se sucessor é que modifica a ordem legal. O testam entum
calatis comitiis, que veio após a adoptio in hereditatem, permitiu ao
sucessor não perder o status famitiae. Mas era revogável, com o
consentimento do herdeiro, e mais significou transmissão de culto
doméstico que de propriedade. A isso era que se referia a Dei das XII
Tábuas, para simplificar o ato. Com o desenvolvimento do testamentum ver
aes et libram é que aparece, mais preciso, o instituto.
2.
Para que haja legado, é preciso que se trate de disposição a causa de morte,
a título particular e autônomo. Portanto, que o direito não se haja de
considerar incluso ou em função da quota hereditária. Se o bem a que alude
a verba testamentária se há de ter como elemento da herança, a qualidade de
herdeiro afasta que se pense em legado.
Contra o que quis o testador, só se pode invocar regra jurídica que seja
cogente, isto é, imperativa ou proibitiva.
Fora daí, o que o testador quis ele podia querer, e à justiça compete o
deferimento de tudo que seja necessário ao cumprimento da vontade do
testador.
1.
Institutiones III, 5, ~ 2, onde ele mostra que fora, antes, probono et remedio
animae suac, e ato de recomendação e confiança em prelados e na Igreja) -
Tudo faz ver que o princípio germânico atuava em Portugal e através da
Igreja; surgiam, não os testamentos, mas aquelas preformas de que se falou.
O elemento romano não bastava para vencer o apego à sucessão legítima.
No fim da Idade Média, é a luta entre a realeza (crescente, fortalecida pelo
despotismo jurídico dos textos romanos imperiais) e o feudalismo. Com
Afonso III, triunfou o Corpus luris Civilis.
2.
Pode ocorrer a) que a lei nova vede o testamento, portanto — não tenha a
faculdade de testar, que se não confunde com a capacidade de testar, como
pode dar-se b) que, entre a época do testamento, quando se admitia, e a da
morte, medeie a da proibição, ou c) que fosse vedado quando se testou e
seja permitido por ocasião da morte. Na espécie a), tem o juiz de submeter-
se a essa atitude hostil do legislador (JOSEPH UNGER, System, ~j,
5 a ed., 144),
reveladora de recuo histórico. Passar-se-ia o mesmo se a nova lex só
atingisse a capacidade de testar, ao quanto da testabilidade. Quanto à
espécie b), antes do Código Civil francês, a jurisprudência francesa era pela
invalidade das regras jurídicas concernentes à faculdade de testar, como,
por exemplo, das relativas à quota legal do momento da morte; o Código
Civil francês considerou atendíveis as regras jurídicas sobre disposições
universais a causa da morte, excedentes da quota disponível e redutibilidade
daquelas a essas; portanto, o princípio da não-revogabilidade da lei vedativa
intermediária. Só se atendiam às regras jurídicas do momento de testar e as
do momento da morte do testador. Era a esteira do adágio Media te?n para
non nocent (cp. L. 49, § 1, 13.,de heredibus instituendis, 28, 5). A lei
posterior repararia a invalidade com que a lei intermédia ferira a instituição.
Contra isso argumentava-se: se o testador aliena a propriedade do bem que
legara, retira o efeito da disposição, o que se não confunde com a
revogação, que desfaz, diretamente, a verba testamentária; ora, há leis que
tolhem efeitos e leis que invalidam, e compreenda-se que possam não
incidir aquelas, por ocasião da morte do testador, e essas, não. O corte por
essas é definitivo. A lei nova não poderia ter a função de vontade do
testador, para fazer voltar o que o testador sabia que estava desfeito. Quanto
ao adágio Media tempora non nocent não seria invocável, porque só se
refere a mudança na pessoa do instituído entre a feitura do testamento e a
morte do testador. O maior argumento a favor do respeito da vontade
manifestada está em que o testamento foi negócio jurídico unilateral (ato
jurídico unilateral perfeito) e, a despeito da lei intermédia que o atingiu, o
testador não cogitou de substitui-lo,Porque a sua vontade não mudou.
2.
1.667 II), nem a do objeto do legado (art. 1.667 IV), nem o decidir sobre a
validade, ou não-validade, de uma cláusula, ou da sua eficácia, ou
ineficácia. A personalidade do testamento refere-se assim à vontade como à
declaração. Não constituem exceção ao princípio os testamentos dos
artigos 1.656-1.659 (marítimo) e 16604663
O
ato de dispor, positivo ou negativo, não pode ser por intermédio de
representante, nem de substituto. Quer quanto ao conteúdo, quer quanto à
validade, quer quanto aos efeitos. Mas basta que deixe sinais
inconfundíveis, para que se não trate de despersonalização do ato de testar:
“deixo as apólices a a g, que o meu testamenteiro entregará ao sobrinho que
primeiro for promovido a capitão”. Adiante, a propósito dos arts. 1.667 e
1.668, mudaremos os casos.
3.
ambulatória até a morte. Até parar, definitivamente, é-lhe livre voltar. Não
se dava o mesmo nas outras formas, das épocas em que não havia
testamento propriamente dito. Fruto de decisão comicial, com a função
interventora das primitivas testemunhas instrumentárias, o testamento
calatis comitiis, é de admitir-se, só se rompia por outra decisão (PAUL
FRÊDÉRIC GIRAaD, Manuel élémentaire de Droit romain, 799; E.
LAMBERT, La Fonction du Droit Civil comparé, 1, 424). Assim também
na lei de Gortina (F. SCHULIN, Das griechische Testament, 36). A adoção
in hereditatem do costume germânico não podia revogar-se, nem romper-se.
Se a deixa é legado, o art. 1.708, I-V, incide. E. g., o testador quis legar
biblioteca para ser aberta ao público, constituindo-se fundação, e vende,
antes de morrer, o prédio, ou quase todos os livros, — mudou de vontade,
sem haver revogação, que é retirada da voz (revocatio), e a disposição
testamentária caduca. Outrossim, se o testador diz legar fazenda, para pôsto
de ensino agrícola, e a loteia, antes de morrer, não deixando o que se preste
ao cumprimento da sua vontade. Ambas as espécies cabem no art. 1.708, 1.
Porque, aí, a alienação não operou como diminutiva do valor, mas sim
como modificativa da coisa, tornando-a inadequada à deixa testamentária,
em sua forma, ou em sua destinação. Ê a adenção, espécie de caducidade
(adinip tio legatis).
1.
2.
todas as que derivam de lei que não constitua princípio derrosável pela
vontade particular. Daí dizer-se que o testador mão pode fazer com que não
incidam sobre as suas disposições outras regras legais, como dispensar de
contas os testamenteiros (Ordenações Filipinas, Livro 1, Título 62 pr.; Lei
de 9 de setembro de 1769) e deturpar figuras jurídicas (exemplo: criar
direitos reais além dos que a lei conhece) Dizer-se que a lei fixa porção
testável é supor-se direito ~dos herdeiros necessários no momento da morte
do decujo. Testar-se-ia todo o patrimônio se não houvesse a lei que o
vedasse. A lei somente o veda se há tais herdeiros. Se os há, as legilimas
têm de ser respeitadas, mas a tal inviolabilidade se abrem exceções
(clausulabilidade das legítimas; partilha feita pelo testador, desde que não
viole a integridade quantitativa~ da quota hereditária).
Feito o cálculo dos valores dos bens da herança (bens de que era titular o
decujo no momento em que faleceu, pelo valor que é o da avaliação ao
tempo do inventário, mais o dos bens que foram doados, a título de
adiantamento de legítima, ou não, pelos valores que foram os do tempo das
doações), sabe-se qual o valor da porção das legítimas.
Quem teve adiantamento de legítima, que cabe no quinhão, e isso não basta,
recebe o que falta. Quem não teve adiantamento da legitima recebe todo o
quinhão. Quem teve doação sem adiantamento de legitima, e o quanto era
de disponibilidade ao tempo da abertura da sucessão, recebe o quinhão
integralmente. Noutro lugar falaremos de correção monetária, quanto a
herdeiros necessários.
1.
1.769), ou, apenas, para dar encargos aos herdeiros legítimos, desde que se
lhes respeite, em se tratando de herdeiros necessários, a porção intestável.
Já no direito anterior, as Ordenações Filipinas, Liv. IV, Título 86, pr., não
faziam imprescindível, no testamento, a instituição de herdeiro, a despeito
da referência a codicilo, dito, aliás, “pequeno testamento”. Pode ocorrer
testamento que nada diga quanto à instituição de herdeiros, nem disponha
sobre legados, nem dê a herdeiros legítimos encargo ou modus. Tal o que
alguém faça (e é assaz usado) com o só intento de clausular, nos limites da
lei (art. 1.723), a legitima, a metade hereditária. Na espécie, tôda a herança
vai aos herdeiros necessários, como se não houvesse testamento. Nem por
isso deixa de ser cumprido o negócio jurídico martes causa, que se limitou,
por exemplo, a mandar converter em apólices todo o acervo, ou parte dele,
ou a mandar comprar prédios, a gravá-los de inalienabilidade, de
incomunicabilidade ou de livre administração.
Ao triunfo da vontade individual contra a família, conceito sacropolítico,
correspondem a desnecessariedade da instituição do herdeiro (os bens
podem passar a dois ou mais, sem qualquer vinculo abstrato entre o decujo
e o sucessor), contra o direito romano, a revogação nua do testamento, que
desfaz o que antes se fêz, e até o concurso creditório em tôrno dos bens do
defunto (Código Civil alemão, ~§ 1.970, 1.975, 1.977 e 2.061; Código Civil
brasileiro, art. 1.554, cf. art. 1.569,
ta se não houve aceitação‟ e nos mais casos de que se vai falar. Aceita a
oferta, torna-se definitivo o negócio jurídico. A revogabilidade das
disposições testamentárias não pode infirmar, pelo contágio, o que se rege
por outros princípios. A irrevogabilidade da declaração contratual nos
testamentos participa (e não poderia ser de outra maneira) da teoria geral
dos contratos. Regem a espécie os arte. 1.080-1.088 do Código Civil. Se o
testador propõe vender a casa a outrem que não os herdeiros, sem prazo, e a
pessoa, presente, não declara aceitar, claro que êle pode retirar a oferta. Se,
ausente, remete cópia do testamento, somente poderá retirar a oferta depois
de decorrido tempo suficiente para a volta da resposta.
Resta, entretanto, a cédula, que está assinada pelo testador. E nessa cédula
vem declarada a filiação de Luís Es-pínola. Mas êsse documento está por
outrem escrito e sem testemunhas, tem a simples valia de “começo de
prova” ou “meia prova”, como diz a Ordenação. Não pode ser o documento
“autêntico” de que fala o art. 7 O do Decreto n.
2.
1.
ESPÉCIES DE PACTOS SUCESSÓRIOS. — Os pactos sucessórios são de
três espécies: de sucedendo, pelos quais alguém vai herdar, suceder, quiçá
mútuamente (pacta de mutua .successione); de rum succeciencio, pelos
quais alguém renuncia à herança de outrem; de tertii disposione, pelos quais
se dispõe da herança de terceiro.
ALMEIDA E SOUSA (Notas do uso prático, II, 369, 397), veio a Lei de 17
de agôsto de 1761, § 8, que, referindo-se às mulheres nobres, reconheceu a
existência da regra singular, permissiva: podiam “estipular com seus
respectivos esposos, assim para a vida como para a morte, as reservas e
condições que bem lhes parecer, como até agora se praticou sem a menor
diferença”. Indiscutível o valor interpretativo (TEIXEIRA DE FREITAS,
Tratado dos Testamentos e Sucessões, 281 5.; Consolidação das Leis Civis,
art. 354, nota 13). Pouco importava a vantagem.
disposição para o caso de morte, em forma escrita, seja para deixar um bem
a uma, ou a algumas pessoas, entre as designadas no art. 418 (herdeiros),
seja para repartir êsse bem entre algumas delas, ou entre tôdas essas
pessoas, de maneira diferente da prevista no art. 420. Privadas, pelo
testador, dos direitos sucessórios todas as pessoas mencionadas no artigo
418, passavam os bens ao Estado, segundo os arts. 417 e 433. Só existia
sucessão até dez mil rublos-ouro, feita a dedução das dívidas do defunto
(art. 416). São herdeiros legais: os descendentes, o cônjuge sobrevivente e
as pessoas incapazes de trabalhar ou indigentes, que estavam a cargo do
defunto, há um ano, pelo menos, antes da morte (art. 418). Só os vi~vos ou
concebidos podem herdar. Se não há testamento, herdam em partes iguais
(art. 420). Os que viviam com o defunto recebem, sem se ter em conta o
limite, os bens que constituíram a instalação e proviam às necessidades
correntes do lar, excluidos os objetos de luxo (art. 421). Mas foi revogada a
parte em letra grifa. Não há, pois, herdeiros testamentários fora do art. 418.
Pode o testador dispor que o herdeiro cumpra o que ditar a favor de uma,
algumas ou todas as Pessoas designadas na lei (arts. 418 e 422), e os
beneficiários podem exigir a execução (art. 423). Permitem-se as
substituições testamentárias, sem se sair das pessoas do art. 418. O
testamento tem de ser assinado pelo testador e apresentado a órgão notarial,
para ser inserto no registro de atos. No caso de analfabetos, assina-o
terceiro por eles. A pública forma segundo o registro de atos faz as vezes do
original (art. 425). O posterior revoga o anterior, no que o altera (art. 426,
j 8 parte). Pode-se revogar o testamento sem se fazer nôvo, por declaração
notariada ou judicial, que se inscreve no registro de atos ou no protocolo
judiciário (2.8 parte). A execução incumbe aos herdeiros instituidos, salvo
se o testador encarregou alguém (executor testamentário, “testamenteiro”
do direito brasileiro); mas deve ter consentido o encarregado (art.
Quanto ao testamento marítimo, diz o art. 615: “11 testamento fatto durante
ii viaggio per mare, neila forma stabilita dagli articoli 611 e seguenti, perde
la sua efficacia tre mesi dopo lo sbarco del testatore in un luogo dove ê
possibile fare testamento nelle forme ordinarie”. Ainda, a respeito do
testamento a bordo de aeronave, estabelece o. art. 616, 1.8 alínea: “Ai
testamento fatto a bordo di un aeromobile durante ii viaggio si applicano le
disposizioni degli articoli 611 a 615”.
CAPÍTULO III
Contratam, doam, alienam. Dispõem sobre o próprio destino dos bens, nos
casos de extinção, que são imagens da morte física. Será porque a
personalidade delas só se justifica pelo fim socialmente útil que lhes dá a
ordem jurídica? Testar supõe morte; portanto, ultrapassa o fim. Será porque,
perpétuas, não poderiam testar; e, temporárias, o fim lhes é previsto? Tudo
isso cairia em especulação. As pessoas jurídicas não testam, porque, na
determinação histórica, o testamento serviu à pessoa física, na transmissão
religioso-política, político
de 28 de setembro de 1871, art. 4), porém não a ativa (Livro IV, Título 81,
§ 4.0; Aviso n. 16, de 13 de fevereiro de 1850). Valia o testamento do louco
em momentos lúcidos (Consolidação das Leis Civis, art. 995). A disposição
referente a religiosos professos já se achava revogada.
Das incapacidades, que o Código Civil enuncia (Código Civil, art. 1.627), a
do inciso í é a priori, dependente, tão-só, da idade; a do inciso II, é a priori,
ou ipso iure, se há interdição: havendo-a e provando-se, é nulo o
testamento; mas será a posteriori, dependente de prova, se não houve
interdição; a do inciso III, sempre a posteriori, requere prova; a do inciso
IV, coincide com a capacidade de exercício segundo o art. 6, III: pode ser a
priori, se houve interdição, e será a posteriori, se não houve.
A lei não veda ao pai, ou tutor, ser testemunha testamentária. Mas, se isso
não causa invalidade (tanto mais quanto ficaria excluída a instituição a
ascendentes, descendentes, irmãos e cônjuge do pai ou tutor, ou a qualquer
desses (arts. 1.650, IV e V, e 1.719, II), é desaconselhável, pela
possibilidade de ação de anulação com fundamento nos arts. 98 e 101 do
Código Civil (coação).
feito com tão boa ordem, como fizera um homem de são juízo, deve-se
presumir e crer, que no tempo que o fêz estava em seu perfeito juízo. E
sendo feito em outro modo, se presumirá o contrário”.
993, § 3.0).
§ 5.674. Ausentes
§ 5.675. Pródigos
não podia vender, não podia Emancipar. Concluía-se que não podia testar
“quoniam commercio illi interdictum est et ob id familiam mancipare non
potest”. A Nov. n. 39 (de Leão), atenuou o princípio e mandou que se
apreciasse o ato do pródigo, a fim de se julgar do vício.
1.627, II e III, não precisam estar interditos, para que se lhes ataque o
testamento. A interdição dos loucos apenas lhes declara o estado: nada
mais. Antes dela, se havia loucura~ nulos são os atos.
§ 5.676. Silvícola
§ 5.677. FALIDO
2. PRECISÕES. Os silvícolas estão sob a tutela do Estado, à medida em
que se adaptam à civilização. Se os bens pertencem ao silvícola, e deles
podem dispor em vida, deles podem dispor testamentàriamente (cf. Tomo 1,
§ 62, 4; IV, § 384, 1, onde há a classificação técnica).
CAPÍTULO IV
VALIDADE E EFICÁCIA
ENDEMANN, Lehrbuch des Birgerlichen Rechts, III, 513). Mas, ainda aí,
a apreciação é in concreto. O homem casado, rico, que praticou estudos
sobre a prostituIção, pode se essa era a conclusão científica ou moral dos
seus estudos deixar a sua fortuna para a higiene das prostitutas. O fim
piedoso e o intuito de concorrer para a ciência exercem, em tais casos,
influência enobrecedora do objeto abstratamente ilícito. Outro dispôs:
“deixo tantos milhões a cada uma das mulheres com quem, antes de casar,
vivi”. Nada obsta a que se legitimem as pretendentes; as provas são as das
relações sexuais anteriores ao casamento (e. g., cartas, bilhetes, pagamento
de aluguer de apartamento). A própria religião cristã santificou antigos
pecadores.
1.627 e 145, 1), nem da nulidade por preterição de forma ou solenidade que
a lei considera essencial para a sua validade (arts. 1.629, 1.631 e 145, III e
IV), mas da anulabilidade, que resulte de erro substancial (art. 85), de dolo
(art. 92), ou de coação (artigo 98), ou de simulação (art. 102).
Nos testamentos, o texto já está sob os olhos do juiz para a aplicação, para o
cumprimento, de proposição a proposição, minuciosamente: no distinguir o
erro e a dificuldade de inteligência, o juiz tem de pronunciar-se.
e. g., o testador tem filhos e, sabendo ter tirado sorte grande, lega valor de
prêmio a um afilhado e deixa aos filhos a sua fortuna, mas foi falsa a notícia
do bilhete de loteria ainda que o legado não diga ser do prêmio, se houve
erro quanto ao objeto, é anulável a disposição de última vontade.
“É nula a declaração de vontade não seriamente opinada, que foi feita com
a esperança de que se lhe não denegasse a falta de seriedade”. No primeiro
caso estão o dizer-se, sem se querer o que se diz, a pilhéria má, ou a
malévola disposição, que quase se equivalem. No segundo, o gracejo. Foi
omisso o Código Civil brasileiro, mas as regras jurídicas correspondentes à
do § 116 e à do § 118, existem, não-escritas, no sistema jurídico brasileiro, e
repousam no interesse público, na necessidade de segurança das relações da
vida. Por isso, vale a manifestação de vontade, ainda que tenha havido a
reserva mental, e não pode valer o testamento hológrafo, feito em dia de
festa, sem qualquer intuito de que o juiz o cumprisse após a morte do
testador. Não houve ato jurídico. (O § 116 do Código Civil alemão não
importou, como se procurou sustentar, a aceitação de teoria da declaração, a
Erkldrungstheorie; se a tivesse adotado, o § 116 não seria de mister (F.
HERZFELDER, 3‟. v. Saudingers Kommentar, 445). Sôbre reserva mental,
Tomos 1, § 35, 3, 4; II, § 245, 2; III, §§ 252, 3; 326, 2; 315, 1; IV, §§ 412, 5;
464, 1; 481; VI, § 658, 5.
A pilhéria má, com o intuito de que outrem creia, não invalida o testamento,
nem a disposição. Assim, se o testador deixou legado, por pilhéria, a B, vale
o legado; porque ele quis enganar, seduzir, e o direito não pode permitir que
se brinque com as relações jurídicas. Mas, se falta o intuito de enganar, de
maldade astuciosa, como o de angariar simpatias, e não passou de gracejo,
não há declaração de vontade.
2.CLÁUSULA EM QUE HOUVE RESERVA MENTAL. A cláusula em
que houve reserva mental pode ser anulável por outro motivo (e.g., dolo,
ameaças, coações; Código Civil, art. 147, II). Assim, JOSEF KOHLER
corolário do Código Civil, art. 85, onde se veda a interpretação literal com
prejuízo do verdadeiro sentido da vontade manifestada (ERICH DANz, Die
Auslegung der RechtsgescMf te, 235). Não se devem levar em conta
descuidos, lapsos, ou palavras, cujo sentido usual é diferente, quando as
circunstâncias mais claramente falem que as partes desagregadas do
contexto. Diz E. HÓLDER (Kommentar, 17): “O que, ao falar ou escrever,
se equivoca, declara, em vez do escrito ou falado, outra coisa, sempre que
aquelas palavras, pelo contexto do discurso, adquirem outro sentido”. O
essencial, assim em testamentos, como em negócios jurídicos de
intercâmbio, não são os meios, de que se serve o declarante, mas o que se
há de entender com os sinais de que usou. Quer dizer: o sentido real,
efetivo, da declaração (ERIcH DANZ, Die Auslegung der RechtsgescMf te,
145). Para fixar-se tal sentido real dos testamentos, pode-se recorrer a
circunstâncias alheias à declaração, manifestações ocasionais do declarante,
utilizando-se delas para completar o incompleto, corrigir o equivoco, e
determinar o sentido de expressões poucos frequentes ou empregadas em
acepção esporádica (EMIL STROHAL, Das deutsche Frbrecht, 1, 133; F.
RITGEN, em G. PLANCK, R‟iirgeriiclzes Gesetzbuch, V, 337, 338; ERIcH
DANz, Die Auslegung der Rechtsgeschdfte, § 31, 4).
DANz, Die Auslegung der Rechtsgeschdf te, a ed., 235 s.). Se o testador
deixa ao seu sobrinho, “o ilustre pianista 2~
A”, a quantia de trezentos mil cruzeiros novos, pois que “muito me honra
em ver o seu nome exaltado”, mas o sobrinho não se chama A, e sim B,
ainda que A também toque piano, o chamado a suceder,
testamentàriamente, não é A, e sim, por via de interpretação, B.
§ 5.683. Dolo
Há o dolo positivo, fazer acreditar por verdadeiros fatos que o não são, e o
negativo, ocultar circunstâncias, não revelar a verdade. Quanto ao último,
torna-se positivo, se acompanhado de artifícios para ocultar. Assim, se a
pessoa que vivia com o testador, oculta a morte de alguém, para que o
testador contemple o morto, nulamente, o dolo não pode aproveitar-lhe. Se
o testamento diz: “deixo a A; se êsse morrer, antes de mim, a B”, não tem
importância prática. Mas se diz: “deixo a A, e morto A, que é solteiro e não
tem filhos, a E”, e B ocultou ter-se casado A e haver filhos, claro que,
provado o dolo, se anula a disposição. O requisito da gravidade do artifício
fraudulento torna sem grande interesse a omissão ou dolo negativo, a
gravidade do artifício ou das circunstândas, sela-o com a dolosidade
positiva. Na apreciação da gravidade entram em linha de conta as
circunstâncias pessoais do testador, do autor do dolo, as situações de família
e do próprio caso.
449.
Do próprio dolo ninguém pode aproveitar-se. Nem, se~ quer, o pode alegar.
Dotum proprium aliegans nou est audiendus (J. E. J. MÚLLER,
Promptuarum inris novum, 580). Do ato do que enganou nenhum direito lhe
deve vir (SPRENGER, tYber dolus causam dans und incidens, Archiv fi,tr
die civilistische Praxis, 88, 381). Diz o art. art.
97: “Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para
anular o ato, ou reclamar indenização”.
TUOR, Das Erbrecht, Kommentar de MAx GMUR, III, 176). Nos nossos
dias, se a lei faz alusões, que podem ser discutidas como tax ativas ou
exemplificativas, o intérprete bem orientado só é coerente com a evolução
técnica se considera a lei por fixadora do quod plerum que fit e os mais
casos como de apreciação judicial.
faciendi: assim, fácil será ordenar-se que a pessoa não desse, pois é grande
o poder de inibição; mas difícil conseguir-se de alguém o que em verdade
não queria, nem estava nas premissas do seu caráter. O fato, que vemos
referido em vários livros, da experiência da sugestão para testar de
determinada maneira, não prova totalmente o poder da sugestão de testar:
Se o coagido teria querido o mesmo que viciadamente quis, mas por outro
motivo, sim; não se há anulabilidade ANDREAS vON TUHR, Der
Alígemeine Teil, II, 612, nota 55.)
O art. 1.112 é bem certidão de idade do Código Civil francês e dos que o
imitaram.
(e. g., PONTES DE MIRANDA, Das Obrigações por Atos Ilícitos, 281,
289 e 291), deu maior largueza ao princípio: o art. 1.114 passou a ser
meramente exemplificativo. Alguns Códigos Civis italianos (e. g., de
Guastala, em 1820, art. 1.089, da Sardenha> em 1937, art. 1.201)
acrescentaram o temor da mulher para com o marido. Tivemos, em seguida,
o degrau exemplificativo do Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS, que o
Código Civil argentino, art. 940, adotou, e o degrau indutivo do Código
Civil chileno (art. 1.456, a alínea): “Eu temor 2~
§ 5.685. Simulação
á da fraude à lei.
(b) O testador pode dispor livremente dos seus bens. Se simulou, mas, com
a simulação, não teve intenção de violar a lei, ou de prejudicar terceiro, não
pode constituir vício a simulação. São válidas as disposições testamentárias.
Se violou a lei, ou se prejudicou direitos de outrem, é que se lhes pode
apurar a validade: os lesados com a simulação, o Curador de Testamentos
ou a Fazenda requere a anulação, ou, nos casos de nulidade, a decretação
dela. Nada obsta a que o testador deixe a quem bem entende o seu
patrimônio, usando de interposição de pessoa, uma vez que não viole
legítimas, nem fira de qualquer modo a lei ou os direitos de terceiros. Seria
absurdo anular-se a disposição pelo simples fato da não veracidade do
beneficiado: é direito dele ocultar, se o entende proveitoso ou aconselhável,
o benefício testamentário. Aqui vigoram os mesmos princípios que teriam
de reger os ates chamados de caridade velada.
2 a alínea):
102 do Código Civil contém todos os incisos do Esboço, arts. 521 e 522,
exceto, exatamente, os dois a que se referiam os arts. 524 e 525.
nem o ato, em si, basta, nem a verificação da insolvência justifica, por si só,
a ação anulatória. É preciso haver nexo causal entre o ato e o prejuízo.
Pode bem ser que o testador aproveite o testamento para nele declarar que
não aceita a herança de outrem (exemplo: o patrimônio, em que é um dos
fideicomissários, e há disposição do decujo contra a caducidade do
fideicomisso), e então se dá o caso do Código Civil, art. 1.586. Se há
legados ou deixas modais remuneratórias, a ação dos credores somente
pode recair na parte excedente aos serviços remunerados: só as
liberalidades são atingidas pelo art. 106.
“deixo duas casas à minha noiva (o que constitui a maior abstração possível
da pessoa contemplada), nunca se pode chamar à herança, ou ao legado, ou
ao modus, a noiva do momento da morte, ou a outra mulher com quem se
casou após o testamento; b) se o testador desfaz a sociedade conjugal, ou
volta a ser noivo, ou se casa com a noiva, com quem havia rompido o
noivado, as duas circunstâncias a da identidade da contemplada ao tempo
do testamento e a da vigência da sociedade conjugal, ou do noivado ao
tempo da morte novamente juntas produzem a conseqüência eficacizante. É
indiscutível a condição resolutiva tácita. Dir-se-á que admitir, no direito
brasileiro, a caducidade é criar presunção legal, o que não se permite. Não:
o § 2.077 do Código Civil alemão nasceu dos fatos; e os fatos que, no
direito alemão, repontaram na regra jurídica interpretativa,, escrita, podem,
quando se trata de direito brasileiro, constituir presunção de fato. Apenas,
no Brasil, a caducidade não se-opera imediatamente, depende da
provocação regular, admitidas as provas de uma e de outra parte. Resolve-se
na ação (declarativa) de caducidade da verba testamentária, ou de
interpretação, conforme o caso e segundo prefira a parte. Aliás, o assunto é
por sua natureza como nesga de terra entre duas regiões vizinhas as regras
jurídicas de interpretação e as de anulação. Andou bem avisado o legislador
alemão em pô-lo entre aquelas (§§ 2.074-2.076) e essas (§§ 2.078 s.).
No direito brasileiro, mais uma vez a interpretação leva a cortar-se,
inicialmente, a questão: “caducou”, “não caducou”; cabendo ao interessado
recorrer do despacho interpretativo positivo (“caducou”), e ao adversário,
no caso de despacho negativo (“não caducou”), recorrer. Antes, atrás pode
propor a ação declarativa de caducidade, por estar revogada a disposição
impugnada. A sentença sôbre interpretação faz causa julgada para a disputa
sôbre a revogação e vice-versa, desde que se resolveu sôbre todas as
premissas e não se ressalvou a discussão por meio de ação competente. E
aconselhável aos juizes a ressalva explícita: podem surgir documentos ou
outras provas da voluntas testatoris.
Nas espécies que versamos, que são a cláusula rebus sic stantibus e o caso
particular de erro, e. g., pela nulidade do casamento, toda a questão se
devolve à interpretação. Tratando-se de ato por sua natureza submetido ao
juiz para q~e se cumpra (tal circunstância assaz separa dos atos entre vivos
o testamento, inexecutável por si), tendo de ser executado ~pelo
testamenteiro segundo o exame e as decisões do juiz, tal contingência cria
situação singular: se o juiz interpreta (e ~ninguém lhe nega que possa
interpretar), afirma, explícita ou Implicitamente, que vale o que interpretou,
supõe, digamos, a validade, a vigência; mas, no interpretar, pode dizer “não
„vale”, para não afirmar, com a interpretação, o valor jurídico
Tratando de erro, dolo, coação, simulação e fraude, diz o Código Civil, art.
178, § 9, V: “a ação de anular ou rescindir os contratos para a qual não se
tenha estabelecido menor prazo; contado este: a) no caso de coação, do dia
em que ela cessar; b) no de erro, dolo, simulação, ou fraude, do dia em que
se realizar o ato ou contrato; c) quanto aos atos dos incapazes do dia em que
cessar a incapacidade”. Quando se trata de coação, prescreve em quatro
anos a partir do dia em que ela cessou. Quanto ao erro e ao dolo, à
simulação e à fraude, não se aludiu ao conhecimento da anulabilidade. A
referência à data do negócio jurídico constitui um dos erros do Código
Civil. Não se compreende contar-se a prescrição de outro dia que não seja
aquele em que os vícios forem descobertos. Quando teve parte no vício o
próprio testador (erro, dolo, simulação, fraude), só tendo ação os
interessados a partir da morte, seria absurdo contar-se prazo antes de nascer
a ação que ele pretende encobrir. Se o testador vivesse mais quatro anos
estaria prescrita a ação dos herdeiros e mais interessados, quando, na
verdade, nada poderia estar prescrito, porque nenhum direito lhes corria
para a ação.
Está claro que só se tratou, literalmente, do ato entre vivos, tanto assim que
se manda contar, para a anulação por vício de coação, do dia em que ela
cessar (ora, pode ocorrer que, entre o testamento e a morte, passem mais de
quatro anos); para o erro, o dolo, a simulação, a fraude, quer-se que conte
do ato ou contrato.
Se a lei anterior não dava sanção ao fato viciante e a lei nova considera
causa de nulidade, dois argumentos militam a favor da lei nova: a) deu
forma jurídica a conteúdo ético; b) se bem que perfeito o ato jurídico do
testamento, o testador conheceu a sanção que o protegeu.
Por outro lado, as ações de invalidade são exercidas por terceiros, após a
morte, e, ação nata como eles têm, seria difícil separá-la das regras
jurídicas que regem, não o ato extenor, mas os efeitos e a validade
intrínseca dos atos de última vontade.
v. Staudingers Komment ar, VI, 605), a solução da lei nova tem a grande
vantagem de fazer coincidirem os princípios de direito internacional
privado e os de direito intertemporal, em matéria dos efeitos de vontade.
Por isso mesmo tratamos, em conjunto, os dois sistemas. Assim se percebe
o seu íntimo ajustamento. Ficam com os mesmos limites as duas regras:
tem.. ius regit actum e locus regit actum. Ato, em ambas, não é o id quod
actum est, a declaração de vontade, tôda a exteriorização. Exteriorização é
um realizar-se sob forma, mas há a forma externa e a interna. Donde: a) Em
relação aos vícios de vontade, a regra é regerem-se pela lei nova, e não pela
lei do tempo da feitura. Se a atuação viciante cessou em tempo de fazer o
testador outro testamento, e não o fêz, a questão é de interpretação (se, a
despeito do vício, o testador testaria do mesmo modo, pois que, cessada a
atuação viciante, manteve o testamento), e nada tem com o direito
intertemporal;
b) No direito internacional privado, rege a lei da morte, e não a da feitura.
Portanto: no direito intertemporal, a regra tempus regit actum não incide, de
modo absoluto, quanto aos vícios de vontade do ato testamentário; no
direito internacional privado, nada tem com os vícios de vontade (requisito
intrínseco) a regra locus regit act um.
O intrínseco rege-se pela lei da morte e pela lei pessoal: nem tempus, nem
locus. O extrínseco que se qualificou intrínseco segue o tempus, e não o
locus.
§ 5.689. Indignidade
O código Civil argentino, arts. 3.309 e 3.310 (cp. chileno. art. 976;
uruguaio, art. 852), e o brasileiro admitiram, claramente, Cabalmente, a
exclusão ex nunc. Mas ainda no caso do direito alemão, que é omisso não
nos parece feliz a solução de F. RITGEN, F. HERZFELDER, de FRANZ
LEONHARD; e folgamos de ver que dela se afastou TREODOR Kí
(Lehrbuch des Bilrgerlj Rechts, 3ª parte, 482), evitando a confusão em que
aquêíes caíram com a situação decorrente da recusa.
Por onde se vê a diferença entre a ação do art. 1.596, que é uma ação de
desconstituição de relação de direito, e a de anulação dos atos jurídicos,
consignados no art. 147: o art. 158 é inaplicável àquela: quer dizer: não se
restituem as partes ao estado em que antes se achavam; por isso a lei teve de
precisar os direitos do autor e do r~u vencido. No intervalo, o indigno foi
herdeiro, e quan do deixa ~e ter sido. Se credores lhe penhoram bem e
executam as dívidas todos os atos persistem, inclusive a praça, a transação,
o compromisso, a compensação das dívidas. Para os efeitos do ordo
successionis, é que ele fica como se não tivesse sido herdeiro (art.
1.599); mas a lei, ainda aí, introduziu ficção, e não admitia, sequer, o efeito
que se observa nos casos de renuncia.
Quando a lei diz “como se ele morto fosse”, não manda reputá-lo morto,
ter-se por morto, por não ter sido herdeiro,
~ sim que os bens passem aos descendentes dele como se morto ele
estivesse. A diferença é fundamental.
Reconhecido o governo, quer seja como governo de fato, quer seja como
governo de iure, isso não interessa ao juiz da outra nação que reconheceu
qualquer sem-razão do reconhecimento (não se confunda com
reconhecimento de fato‟ e de iure). As dificuldades estão ligadas ao
reconhecimento de fato e ao não reconhecimento.
artigo 1.628 do Código Civil nada tem com o assunto, porque só se refere à
incapacidade superveniente, não à lei superveniente.
No Brasil, a lex patriae era o estatuto; passou a ser a lex domicilii, isto é, a
lei do último domicilio do decujo (Lei de Introdução ao Código Civil,
Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, art. 10: “A sucessão por
morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o
defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos
bens”; § 1.0: “A vocação para suceder em bens de estrangeiro situados no
Brasil será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge brasileiro e
dos filhos do casal, sempre que não lhes seja mais favorável a lei do
domicílio”; § 2.0: “A lei do domicilio do herdeiro ou legatário regula a
capacidade para suceder”. Cf. Constituição de 1967, art. 150, § 33.
Outros dizem recai sôbre toda a coisa: o que se limita é o só. exercício (E.
NAQUET, C. GuÉNÉE, FRANÇOIS
Por outro lado, cumpre observar que a comunhão não fica adstrita a
necessária existência do objeto ou do direito particular, que ela prenda.
Pode abranger a universalidade jurídica, desde que sôbre ela, e não só sôbre
uma coisa ou um direito, incidam as pretensões jurídicas, simultâneas e sem
distinção especial ou qualitativa.
1.572, e não ao pro parte adire non potest, com a sanção da validade total.
A nulidade é a melhor solução. Quis-se uma coisa e outra e não uma só;
portanto a contradição existe, invencível.
essa é como se não tivesse havido, pois que, com a sentença de exclusão,
não há efeitos da aceitação, nem da renúncia; o que se levanta é a questão
das relações jurídicas entre herdeiro enquanto não julgado indigno (pois
foi, realmente, herdeiro, e não herdeiro aparente como erradamente se tem
dito) e os terceiros, relações jurídicas previstas no art. 1.600. Tal sucessível
é responsável pelos prejuízos que da aceitação em seu nome tenha havido;
mas, para isso, deve ele opor-se ao uso do art. 1.586 antes de julgada a
acusação de indignidade já proposta. O juiz tem de atendê-lo.
„caso de o legatário ser devedor, a quitação dada fica sem efeito; se houve
entrega de título, o herdeiro pode exigir a restituição ou exigir o crédito. Se
o testador mandar que se compensasse o legado feito ao credor, a
compensação é como se não se tivesse operado. Se, entregue o título da
dívida do espólio ao legatário, esse a compensa com algum dos seus
credores, „vale a compensação.
CAPÍTULO V
Não precisa de texto legal (cp. Código Civil alemão, § 130). Se, pelo
Código Civil, art. 115, pretendia o legislador brasileiro circunscrever esse
caso de interdependência social dos processos adaptativos, querendo que a
nulidade só apanhasse o que a lei vedou, errou palmarmente (o art. 115 diz
que são lícitas todas as condições que a lei não vedar expressamente). Pode
parecer quo as outras não vedadas por lei, mas contra os boni mores são
permitidas, e não viciam os atos, nem se viciam. Não devemos, em matéria
de terminologia, muito exigir do Código Civil: pois que, em todo o corpo,
intuito se descurou disso. A doutrina tem de sobrepor-se à obra
inconsciente. O ilícito dos arts. 82
contra Direito e contra Moral. No art. 115, o legislador não podia querer
que os dados imorais valessem, O ilícito com que se objetivam atos ilícitos
dos arts. 82 e 145, e condições ilícitas, é o contra os boni mores, os
sittenwidrige Geschãf te dos alemães, e o contra a lei: o Direito não pode ter
a pretensão de discriminar, em toda a dimensão da moral, o que é atendível,
e o que não é atendível. Por isso mesmo, fracassam todas as tentativas de
enumerar o que é contra bonos mores: e a Moral procede a discrimes sutis,
que põem em evidência gritante a inanidade dos propósitos codificadores.
Teremos ensejo de ver. Mais: de mostrar que a própria doutrina jurídica
tem, forçosamente, de estacar diante dessa empresa arrogante de trans-.
mutação taxativa de valores, de conversão dos fatos morais em~ fatos
jurídicos. Daí termos falado em especificidade dos processos de adaptação
social (Religião, Moral, Direito, Ciência,. Política, Arte, Economia). Onde
tal especificidade ressalta é exatamente onde a querem violar, ou onde a
pressionam: ela reage. No domínio pacifico, em que os processos
coexistem, não se revela: os bons costumes, em regra, quando respeitados,
são de natureza negativa no domínio jurídico, porque não fazem nascer
direitos, nem deveres jurídicos. A infração, essa,. provoca o processo: se
objeto, ou se condição de contrato, é. nulo esse, se a lei não deu outra
sanção (essa sim é direito, porque se trata de sanção da lei). Em matéria de
jogo e aposta, o Direito procede com igual respeito das regras morais. Por
onde se vê como a técnica social adquiriu plasticidade e como dá conta de
todos esses pontos sensíveis, de que o encontro dos processos sociais
semeia os fatos da vida.
Também não podem ser conceitos dos bani mores: a) o modo de ver dos
partidos políticos legisladores; b) a opinião subjetiva dos juizes. Seria
perigoso e insocial subjetivismo. Tem de ser a Moral de determinado povo,
do lugar onde se aplica a lei. Tal concepção também há de ser observada
para se definir, no direito internacional privado, o que são os bons
costumes. Pela formação histórica do Brasil, há conteúdo católico cristão
na Moral, que o juiz consulta. Mas a consulta não é direta à Religião, é aos
fatos, à realidade em que a Religião introduziu as suas convicções,
suscetíveis de mudança, inclusive por influência protestante ou de livre
pensamento.
A ilicitude tem de ser apreciada em cada caso. Seria erro dizer-se “tal
legado à amante” é nulo. Seriam erros todas as afirmações que
pressupusessem julgamento a priori da validade das heranças ou legados. A
conformidade ou ofensa aos costumes tem de ser vista, verificada, em cada
caso, ou porque dependa a gravidade de circunstáncias subjetivas (por
exempIo, ser casado o testador), ou porque as circunstâncias objetivas a
caracterizam. É a lição conspicua (E. MEISCHEIDER, Die letztwilligen
Verfi~gungen, 120; EMIL STROHAL, Das deutsche E~rbrecht, §
Porém o simples fato das relações sexuais não constitui imoralidade, nem
ofensa aos bons costumes (E.
valeria a que disesse: “ao criado que me serve há vinte anos”, e pelos
documentos diários, cartas, se tivesse de averiguar de qual dos criados se
cogitava.
Nem pode a pessoa que deseja testar outorgar poderes a alguém, para que
em nome dela teste. É a pessoatidade da atividade negocial testamentária
que está em causa. Se o tabelião escreve o testamento, porque o testador
não pode escrever, ou porque não o sabe, a atividade do tabelião é apenas
instrumental. O testador dita, ou ouve o que o tabelião escreve e faz seu o
que aquele escreveu, ou diz conferir com o que dissera. O surdo-mudo que
não pode exprimir a vontade é absolutamente incapaz. O louco, ainda se
pode exprimir vontade, é absolutamente incapaz. Dá-se o mesmo com o
menor de dezesseis anos. A pessoa que, no momento de testar, não estava
em perfeito juízo, testou nulamente, porque há no Código Civil, art. 1.627,
III, regra jurídica explícita. Não basta a carta que o decujo envie ao
tabelião, ou o recado por mensageiro, para que lavre o testamento. O surdo,
que sabe ler, lê o testamento. Se não sabe ler, designa alguém que o leia. A
lei precisou as formalidades indispensáveis.
FITTING, tber den Begriff der Bedingung, Archiv file die civilistische
Praxis, 39, 308). Porque, nas condições há íntima ligação com o negócio
jurídico, põe-se em jogo a eficácia, quiçá a existência dele. Não é, em
verdade, distinta do principal; consubstancia-se com ele; é dele.
Tomos
V, §§ 538-553; XVIII, ~§ 2.228, 3; 2.229, 6; XXV, §§ 3.048, 3.049; XLVI
§§ 5.014, 1; 5.023, 2; 5.025, 1, 3.
11 a
ed., 539), que o limitava aos negócios jurídicos benéficos, e a torrente dos
escritores que o adstringiam aos negócios jurídicos gratuitos. Quanto à
construção, viam nele causa finalis, XV. A. LAUTERBACH (Thesaurus,
490 e 1210) e W. X. A. VON KREITTMAYR (Aninetrkungen ilber den
Codicem Maximilianeum Dava ricum civilem, III, 359); restrição à
liberalidade, GUSTAV HUGO (539) e Fa. HAYMANN (Die Schenkun.q
unter einer Auflage, 59); negócio jurídico bilateral, HERMANN
LAMMFROMM (Tcilung, Darlchen, Auflage und Umsatz-Vertrag, 94 5.).
5.CONDIÇõES E TRMOS. Se a determinação consiste em tornar os efeitos
do ato jurídico dependentes de acontecimento futuro e incerto, tem-se a
condição; se de acontecimento futuro certo, ou quanto ao tempo em que se
vai dar, ou quanto à sua inevitabilidade, tem-se o termo.
§ 5.700. Condição
§ 5.700. CONDIÇÃO
A sorte das condiciones iuris ~é dada pelo ius da figura, a que pertence.
Queria R. LEONHARD (Der AUgemeine Teil, 397), que, por ser mais
fortemente eficaz a resolutiva, na dúvida não se presuma a resolutividade.
Assim, E. ENDEMANN, L. ENNECCERUS, H. LEHMANN (Das
Bi.irgerliche Recht, 1, 253) e G. PLANCK (Biirgerliches Gesetzbuch, 1,
413). Tal o direito comum, tal o alemão e tal o brasileiro (cp.
Assim, não se deve atribuir valor exclusivo às palavras (contra isso, cf. H.
FITTING, Zur Lehre vom Kauf auf Probe oder auf Besicht, Zeitschrift fiir
das gesammte Handelsrecht, II, 232 s., e V, 119. 139 s.). O adjetivo apôsto
ao querer nem sempre torna a condição apreciável pelo juiz e, pois, válido o
negócio jurídico. A questão de fato manda verificar se no razoável há
apreciação objetiva. A importância do ato pode vesti-lo de juridicidade:
potestativo puro é “se vou de minha casa à esquina”, mas impuramente
potestativa “se vou à Europa”. Mais: as circunstâncias podem transformar o
próprio exemplo: “se vou até àesquina”, a um paralítico, vale, porque, para
ele, não é potestativa, menos ainda impura a declaração de vontade. As
circunstâncias corporais, que tolhem, são como elemento casuais, porque,
por definição, atuam contra a vontade, ou a despeito dela. Vale, também, a
condição
VON TURR, Der Aligemeine Teil, III, 27), e bem assim o legado sob a
condição de que o legatário se pronuncie dentro de certo prazo, ou até
quando algum fato se der. Então, o legatário precisa declarar o que quer, e
fazê-lo nos limites que se fixaram; se, no intervalo, morre, não adquire.
(Note-se bem: nesse caso, porque era potestativa e referente a aceitação, o
direito ao legado não surgiu. Por isso, e não como regra, falsissima, da
inerdabilidade do direito nas condições suspensivas. Razão por que a nota
50 de ANDREAS VON Tu~R nos adverte.) Pode tocar a potestativa pura
nos testamentos: ou a) ao herdeiro obrigado; ou b) ao legatário obrigado, e
ambos, em tais casos, ficam no lugar do testador (R. KRuG, Die
ZuUissigkeit der reinen Wollens-Bedingung, 88); ou c) a terceiro. Si volet
heres, si volet Titius. Como se vê, se aplicamos, simétricamente, os
princípios dos atos entre vivos, não se compreende a inclusão do si volet
Titius. (Cp. art. 115, onde se fala em “arbítrio de uma das partes”). Sôbre o
art. 1.667 ver-se-á qual o fundamento de tal exclusão da potestativa por
parte de terceiro, erradamente considerado como resultante da proibição da
potestatividade das condições.
§ 5.702. Impossibilidade, contraditoriedade e perplexidade das condições
1.PRECISÕES. As condições podem ser consideradas em sua
impossibilidade; mas o serem impossíveis não as submete ao mesmo
destino. Por isso, devemos precaver-nos contra identificações, em que
incorreram grandes juristas. A impossibilidade das condições pode ser: a)
lógica, por haver contradição, ou perplexidade; pela impossibilidade de se
entenderem,
nec non do § 10, 1., de heredibus instituendis, 2, 14, significa que, em tudo
mais, a condição fisicamente impossível se vicia e vicia (VITToRIO
SCIALOJA, Corso di Istihu. zioni di Diritto romano, 378). Alguns o
estendem às doações mortis causa (MANENTI, Suíla regola sabiniana
relativa alie condizioni impossibili, illeciti e turpi, Studi in onore de
VITToRIO SCIALOJA, 409). Também se afastou da lição inovadora de P.
J. DE MELo FREIRE
Assim, hão de ser tratadas as condições impossíveis pelo modo que decorre
da natureza das coisas (E MIL
Pode dar-se que haja condição com prazo em que prime a condição. Se o
testador, em 1972, deixa, em legado, fortuna suficiente a instituição de
caridade sob a condição de se edificar em dois anos um hospital e
inaugurar-se a 15 de novembro de 1975, o prazo que será, talvez, a
impossibilidade única da condição não pode primar: foi engano do testador,
ou falta de previsão de certos fatos retardadores. (Aliás, quase‟ sempre, isso
é encargo, e não condição.)
“O meu principal objetivo é que B se forme; por isso deixo metade dos
meus bens a B e a metade a A, sob a condição de A continuar a dirigir a
educação de B até à formatura”. A, morto B antes de se formar, não herda.
c) No legado, e. g., em que se estabelece “deixo a A a casa da rua x, sob a
condição, apenas, de ensinar geometria a B”, e B morre, a prestação do fato
se impossibilitou, de modo que se não verificou a condição (o que é coisa
diferente). A não recebe a casa da rua x. No direito das obrigações, a
solução seria diferente (art. 879). Também, outra, se se tratasse de encargo.
O caso da letra a) quase sempre é modus. O da letra b) díficilmente o é.
1 a parte;
porque o juiz está dentro da lei. Mas deve ver, também, os princípios
superiores de direito.
“de não fazer coisa impossível” abrange as duas classes de coisas: as física
e as juridicamente impossíveis. São, pois, três casos distintos: a) condições
fisicamente impossíveis (inexistentes) ; b) condições juridicamente
impossíveis (invalidantes); c) condições de não fazer coisa física ou
juridicamente impossível. Dessas é que temos de tratar: são as seguidas
condições de que falou o art. 116, 1~a parte, e se não podem incluir na 2,a
parte.
4.SORTE DAS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS. Quanto à sorte das
condições necessárias, temos de considerar: a) O que se quis,
suspensivamente, sob condição necessária, quis-se, em verdade, sem
condição: a deixa é pura; todavia, é de toda a importância verificar se há,
rigorosamente, condição, e não dies a quo (E. RIEZUER, .1. „v.
Dificilmente seria séria, diz-se. Nunca seria séria, dizem outros. É nulo o
negócio? Se for séria? Ou são não escritas, ou se tem como recomendações.
(Se o declarante gracejava, ou não queria sem isso, é outra questão.) Não se
confundam com as condições de não fazer coisa juridicamente impossível:
nessas, o que é impossível é a coisa que se havia de fazer, e não a condição
que, ao contrário, só é possível. O campo da primeira regra é o das
condições a), ou suspensivas que não sejam dos casos b), porque, se o
forem, são o verso da resolutiva de outrem. Alguns exemplos: 1) “Lego 100
apólices a A, se não suplementar a idade do filho antes dos dezoito anos” é
condição de não o fazer fora da lei, isto é, de não fazer coisa impossível.
Condição necessária, sem efeito no ato jurídico, “inexistente”, diz a lei. 2)
“Lego 100 apólices a A sob a condição de não se eleger senador antes de 35
anos”. (Pode dar-se que se haja de interpretar que o testador tinha em mira a
mudança de legislação.) 3) “Lego 100 apólices se A não mais se inimizar
com B”. E morre. A condição de não fazer é necessária; mas pode ser razão
de legar, e não condição: não se lerá “se não mais” e sim
b)Há diferença entre o ilícito (stricto sensu) e o imoral. São contra bonos
mores as condições imorais; as condições proibidas por lei seriam as únicas
ilícitas (art. 115), se ilícito não tivesse outro sentido: o dos arts. 82 e 145, íí,
é mais largo.
A respeito das condições ilícitas, contra bons costumes ou imorais, torpes,
nefastas, cabe repetir-se o que foi dito anteriormente sôbre as disposições
testamentárias de tais espécies.
850. Um deles (RAMPONI, L‟art. 850 del Codice Civile, 73) verberou que
o estado de virgindade ou de viUvez, contra a natureza, ou resulta de falso
sentimento religioso, ou de exagerado culto da memória de outrem,
aberrações de fantasias doentes. O grande argumento continuou de ser o da
subordinação à condição, disfarçando-se a incastidade da vida. Vive com
outrem, sem casar, para não perder a deixa.
Às vezes para ela, emprega-se outra expressão menos feliz: Lex, condicia,
iwssus, ca (ou hac) lege ou condicione ut, algumas vezes só ita ut. Mas a
categoria lá estava, precisa. Nos testamentos, o nwdws é bem lex. Neles, a
vontade do testador é tez priv ata (A. PERNICE, Lab co, 79 s.), a que deve
obedecer a interpretação, JOA. DOM.
PEREGRINES (De Fidcico;ninissis, art. 11, n. 112), notou ser vulgar, nos
antigos juristas, nomear-se a disposição testamentária como lez privata ín
reb‟us suja (testatoris) ; mas lez privata era qualquer negócio jurídico. As
outras expressões, inasus, jubere, também se reportam a testamentos. Ao
livre ordenar do testador bem se presta o verbo i ubere; e o dizer das
inscrições sepulcrais, quanto a ereções iussu testatoris, precisou o sentido.
Na palavra condicio também não se enquadra a figura, e muitas vezes
abrange fatos restringentes bem diversos.
Outra vez em que se tratou de encargo apenas se dispôs que ele não
suspende a aquisição, nem o exercício do direito, salvo quando
expressamente imposto no ato, pelo disponente, como condição suspensiva
(art. 128) . Era o que dispunha o EsbOço de TEIXEIRA DE FREITAS, art.
655. A suspensividade somente de expressa declaração pode resultar. Há
também referências a encargos nos arts. 1.166, 1.167 e 1.714
(excepcionalmente, a expressão foi empregada noutro sentido, que cumpre
não confundir, no art. 1.587).
“modus est adiectio mentis declaratione facta quae continet causam eius
finalem”. J. E. CoRrEs (Specimen inaug. de modo couventionibus adjecto,
elus que effectu inridico, 16), insistia:
154; Ar~nwno Ascoli, Traltato deite Donazioni, 298 s.) : nos atos inter
vivos, dois negócios, a doação e o motins.
KOHLER, tiber das Recht der Stiftungen, Arcltiv Ijir Ejirgerliches Redil,
III, 228; 1W. LEVY, Gemeinnutzíge Auflage, § 28>. Nessa, o onerado
realiza o querer do testador, mas a fundação é ato criativo de fundador vivo.
b) Pode o fim do motins ser a formação de fundação não autônoma, isto é,
sem sujeito, a cargo de pessoa física ou jurídica (E. REGELSEERGER,
Pandelcten, 341 s.; OTTO VON GIERKE, Deutsches Privatrecht, II, 60).
Quase sempre do herdeiro, do legatário, ou do testamenteiro. A obrigação é
de empregar, ou de entregar à pessoa que mantém o serviço a que se
destina, em cujos cofres e escrita é bem à pafle, fundo especial. A esse
respeito, cumpre reter que os princípios jurídicos e as regras de lei relativas
à sub-rogação (do herdeiro, ou do legatário) se aplicam muI alia mutandi a
esses bens à parte (F. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 782), a esses fundos
especialmente destinados, e as pessoas, a que se entregam, cometem crime
e respondem civilmente pela inaplicação segundo a verba modal. c) O
modus pode ser motins ordinário, simples e não envolver qualquer fundação
autônoma ou não-autônoma. Mas, em qualquer dos dois casos (a e o motins
não se confunde com a fundação. Apenas se associaram as duas categorias
jurídicas, compossíveis, que são, e de eficácia mais ou menos equivalente.
obrigações no ar, sem credor. Por mais estranho que pareça, fatos como o
título ao portador e a promessa ao público, logo no-lo aclaram.
Principalmente, a situação jurídica da res mi blico usni destinatae.
Não se trata, pois, de regra jurídica geral que confira com o valor da coisa
os encargos, e sim de outra, bem diferente, que admite a conferência
quando o valor tenha diminuído do que se cria, em razão de vicio de direito
ou da coisa. Mas, aí, não é só o encargo que se vai conferir com a valia do
objeto: o que se procura saber é se o vício diminuiu aquele valor, para que,
então, se verifique, por eqUidade (Motive, II, 301) o importe da diferença.
Melhor seria, aliás, contar-se apenas o abate se bem que assim não pensem
os escritores (KARL KOnn, J. von Staudingers Kommentar, fl, 7Y-8ª ed., 1a
parte, 819).
testador disse:
“Deixo a A os três prédios, que, por sua morte, passarão a mas, durante a
vida de A, B receberá dele x mil cruzeiros, com que se educará e manterá
em bom estado a biblioteca, que não quero se desloque da sala do quarto
prédio, de propriedade de E”, Fideicomisso, legado de alimento, com
motins; finalmente, legado do quarto prédio a E.
FREITAS, art. 668: “Se os encargos não forem de tal qualidade que só pelo
adquirente gravado possam ser cumpridos, os bens serão transmissíveis
entre vivos e por sucessão hereditária, e com eles passará a obrigação de
cumprir os encargos”. Só não acompanham os bens, se forem de natureza
personalissima, como ensinar matemática, ele próprio, ao filho do testador
(ainda aí pode não ser personalissima). Aliás, é- difícil imaginar-se encargo
que só pelo adquirente possa ser cumprido, e evitar-se-á interpretá-lo como
intransferível.
“si cum filio meo in matrimonio perseveraverit” diz o mesmo que “si a filio
meo non diverterit” (L. 1.01, § 8) . Foi isso que
levou G. FEIN (De hereide suo sub condicione inst., 56 s.) ao erro de
afirmar que havia caução Muciana em casos de potestativa afirmativa.
Também o cometeu MANUEL DE ALMEIDA E SouzA (Tratado prático e
comnendidrio de todas as Ações Sunuirias, 162), inclusive admitindo a
caução Muciana no legado ao clérigo para se ordenar. A caução, ai, nada
teria com a condição suspensiva potestativa negativa, e não seria caução
Muciana: seria caução de modo servando, porque se trataria de modas, ou
cansa final, e não de condição suspensiva. Caberia, sim, em caso como o de
condição de habitar com determinada pessoa, ou com determinadas pessoas,
ou de sempre advogar, ou fazer pesquisas, ou de não deixar a profissão de
juiz, ou de não se afastar do serviço médico do Hospital A. Não caberia se,
além da negativa, há outra condição que possa diferir a ação do legado (L.
„77, § 1, 13., de condicionibus et de-monstrationibus et causis et modis
corum, quae in testamento scribuntur, 35, 1: “Muciana cautio locum non
habet, si per aliam condicionem actio legati differi potest”). Quer seja
alternativa, quer conjuntiva a condição (5.
A caução Muciana pode ser por fiador ou real (cf. L. 67 e L. 106, 13., 85, 1;
e Nov. 22, caput 44).
1. PRECISÕES. Uma vez que, de regra, o modas não suspende, não haveria
segurança, notadamente nos casos de não caber revogação. A caução ao
modus impunhase, pela natureza das coisas.
A Nov. n. 117, caput 1, pr., foi bem clara em fazer atingível pelo modus ou
pela condição o que se inclui na parte testável. Se há caução, ou é caução
Muciana ou caução de „modo servando. Aceita a parte livre, isto é, a parte
além da quota necessária, o herdeiro
Passou isso ao art. 1.723 do Có digo Civil. No tocante aos bens disponíveis,
há a liberdade do testador. Apenas, quanto ao tempo, em que há de começar
ou cessar o direito do herdeiro (salvo no caso de fideicomisso), se há de ter
como não-escrito o termo, o ex die ou o ad diem.
4.DECLARAÇÃO DE VONTADE DO TESTADOR. Nas cláusulas da
restrições de poder há determinação de última vontade, como em quaisquer
outras. Por isso, estão sujeitas às regras jurídicas gerais e especiais sôbre os
negócios jurídicos, quer quanto ao fundo, quer quanto à forma, quer quanto
à eficácia. Nos negócios jurídicos entre vivos, como as doações mortis
causa, e nos negócios jurídicos testamentários, tem-se de atender dentro dos
limites legais à vontade do testador.
1.709)
Nas liberalidades puras e simples, a teoria de causa pouco teria a fazer. Mas
é de repelir-se o que disse L. Dunn~uR
(Les Mobiles dans les Contrats, 82), quanto a ser inútil, ou, como RENÉ
UEMOGUE (Trotité das obligations eu général, II, 533), quanto a ser vã.
Basta que esteja em dúvida a causa donandli, para se ter de recorrer à teoria
da causa. Alguns juristas dizem que, aí, causa e motivo se confundem (e.g.,
E. BARTIN, Théorie des Canditions, 371; A. COLIN et E. CÂPITANT,
Cours élérnentaire de Droit Civil, II, 43 ed., 318). De modo nenhum. A
causa, de que êles falam, é o motivo (amizade, reconhecimento, amor filial
ou paterno), que vão mais longe nos negócios jurídicos entre vivos, sem se
identificarem com a causa, em senso próprio.
No direito romano, o falso motivo (causa, dizia-se então) não viciava, ainda
quando constasse da verba testamentária (L. 72, § 6, D., de condicionibus et
dernonstraeioniôus et causzs. et modis eorum, quae iii. testamento
soribuntur, 35, 1). A despeito disso, posteriormente, admitia-se que pudesse
viciar; e Furto (Traiu des Testamenis, cap. 11, n.
48) dava o exemplo: “Deixo a B, por ter cuidado dos meus negócios”,
estava no testamento; e B de modo nenhum deles cuidara. Em princípio,
vale a deixa, “qula ratio legandi legato non cohaeret; mas o contrário podia
provar-se.
Se no testamento se diz “lego a B que vai ser o meu melhor neto”, entende-
se que não há condição. Mas pode ocorrer que seja: a) condiciona o motivo
(“lego a B, se cuidou dos meus negócios”, ou, no futuro, “se cuidar do meu
inventário”, ou “dos meus negócios”; razdo determinante, o que se passa
sempre que se há de supor que o testador não legaria se soubesse a verdade.
Em tais espécies, expresso como “razão determinante” ou “sob forma de
condição” (Código Civil, artigo 90), o falso motivo vicia o negócio jurídico.
Expressa a causa, lê-se no Código Civil; mas isso não significa que deva ser
direta. (Nos arts. 90 e 1.670 do Código Civil há dois campos~ diferentes e a
ambos se têm de atender.)
818‟
“Deixo a 13 a casa que herdei de meu tio”, e o testador não herdou, “Deixo
a 13 os meus dois prédios”, e o testador só tem um.. O. 13. ALTIMARO
(Tractatus de Nuilitatibus, III, 262 s.) enumerou casos de demonstração
viciante:
“saiba o meu herdeiro, qualquer que ele seja, que devo tal soma .a meu tio
Demétrio e outra a meu tio Selenco, e quero que sem tardança lhes sejam
entregues”. Se não era verdade o que dizia o testador, isto é, se não havia
qualquer divida, ou uma delas, CÉVOLA pôs, em termos gerais, a questão
(quaesitum est, an, si nou deberentur, actio esset) e respondeu: como
dívidas não podiam ser reclamadas, mas sim como (legados ou)
fideicomissos (si non deberentur, nulíam quasi ex debito actionem esse, sed
ex fideicommisso) . No fundo fazia-se preponderante o querer do testador,
posto que infirmada a demonstração. Falsa de9nonstratio nau nocet;
porém, na espécie, há mais do que aplicação de tal princípio: dá-se algo de
conversdo, um plus que atribui à solução jurídica alcance maior do que teria
simples intuito conservativo. A glosa de certo modo percebia isso quando
enunciava: “Confessio debiti a testatore facto non probat debitum, sed
fideiconimissi petitionem inducit”. Mas afastava, erroneamente, a possível
confissão de dívida sem liberalidade.
Em tudo isso é evidente o favor à vontade dos testadores. Mas seria errado
pôr-se por principio: que todas as declarações de dívidas, ou de depósitos, e
as demais, devem valer como liberalidades do testador, se não capazes as
partes de provar tais operações (FURGOLE, Traité des Testaments, cap. 11,
n. 48); ou que, na dúvida, seja necessária a admissão interpretativa de
existência de legado. É de alta valia o principio
O nôvo Código Civil italiano, no art. 633, estatui: “Se disposizioni a titolo
universale o particolare possono farsi sotto condizione sospensiva o
resolutiva”.
do Código Civil foi copiado do revogado Código Civil italiano, art. 851: “Si
ha per non apposto ad una disposiãzione a titolo universale il giorno, daí
quale debba la modesima cominciare o cessare”. Mas, havendo, no Brasil, o
fideicomisso, e a regra do art. 1.666, riscar-se-ia o art. 1.665 sem qualquer
dano. É um espantalho ineficaz.
Não há juiz que, tendo, para a sua consciência, tantas construções possíveis,
e o art. 1.666, vá decidir contra a vontade do testador, por amor de um texto
inconscientemente incerto, vestigium antiqui inris, que se acotovela,
incompossível, com os arts. 1.664 e 1.666. Ora, o artigo 851 do extinto
Código Civil italiano só se justificava pela proibição dos fideicomissos.
Aliás, muito o censuraram, porque, proibindo também o fideicomisso de
legados (art.
(herdeiros legítimos).
Se a lei antiga permite e a nova, a da morte, veda, toda é contra leg era: não
vale. Se a lei antiga veda e a nova, a da morte, permite, toda toilitur
qunestio: vale. O testador preveniu a impossibilidade pela consideração da
mudança das leis: a lei nova, que vede, é bem a prova da mutabilidade do
Direito, porque a antiga não vedava, ou porque, se a antiga também vedava,
outra lei se fêz. Desde que não seja imoral, vale como possivel.
Se é de crer que a lei antiga vedativa por modo tal entrava na declaração,
que nenhum intuito teve o testador de fazê-la válida, não vale. Se constituir
reserva mental, rege-se pelos princípios.
~. Quid iuris, se mais larga, mais eficiente? Não encontramos tratada, pelos
escritores, a questão. A solução que se impõe toda morto o testador antes ou
depois da nova lei estendente ou fortalecente toda é só se atender à
legislação da feitura, porque essa foi conteúdo da vontade do testador. Não
assim: a) se estava prevista por ele a mudança; b) se pensava valesse ao
tempo em que fêz, sem valer, e a lei nova é permissiva.
Se o testador gravou por atos inter vivos, opera desde então e se impõe após
a morte. Os ascendentes ou descendentes (art. 1.723) não podem invocar a
lei vedativa do tempo da morte para invalidar ato que já se tornou perfeito
entre vivos.
Já vimos qual a que rege o erro, e qual a que rege a reserva mental, ou o
gracejo. Se a lei A era de tipo romano e a lei E considera prejudicado o
legado, cabem as mesmas considerações que noutro lugar fizemos: a lei
nova dá a sanção anulatória por erro. Mas a interpretação toda se o testador
quis que o motivo interviesse, ou não interviesse com efeitos toda tem de
reger-se pela lei do tempo da feitura; porque não é a sanção que importa, e
sim um dado de vontade. Conseqüência disso não se poder falar de falsa
demonstratio non noeet quando a lei da feitura considerava o motivo e a
demonstração com referência a cédula como razão determinante: foi regra
jurídica interpretativa, que ainda se aplica.
Inversamente, a lei nova não pode dar regras para interpretar como razão
determinante, o motivo só referido, contra a lei antiga, que postulava só ser
razão determinante o motivo que como tal se declarou (não bastaria a
referência).
A condição moral impossível (contra bonos mores) rege-se pela lei pessoal,
salvo as aplicações de ordem pública e bons costumes.
Encher os vazios; remediar os defeitos (Seufferts Árchiv, 60, n. 98, 191 s.);
investigar a verdadeira vontade; suprir na sentido da vontade do testador;
penetrar em suas intenções, para ver, lá dentro, o que no testamento o
disponente quis. Nada de agarrar-se às palavras, como que a castigar o
testador pelo que disse mal. No fundo da sua consciência, ele deve ter
sempre a palavra de comando: Salve, se possível, a verba: A missão não é
fácil, porque joga com toda a linguagem ?humana, cheia de imperfeições,
máxime nos iletrados, ou, pior, nos de meia-ciência, e com quase todas as
figuras ou categorias do mundo jurídico.
2.DUAS REGRAS FUNDAMENTAIS. toda Duas regras principais contém
o Código Civil: a) uma, relativa aos atos jurídicos em geral: “Nas
declarações de vontade se atenderá mais .à sua intenção que ao sentido
literal da linguagem” (art. 85); b) outra só referente aos testamentos, que é a
do ad. 1.666.
Outra lamentável extensão toda e às vezes confusão toda foi a que derivou
da própria palavra “testamento”: como se tratasse de verbas testamentárias
(negócios jurídicos), não faltou quem recorresse aos princípios
interpretativos concernentes às formas testamentárias (aplicações de regras
legais), ou a essas aplicasse regras de favor que não concerniam ao
testamento, e sim aos negócios jurídicos nele contidos. Diariamente,
observam os juizes esses baralhamentos; às vezes, frutos de consciência;
outros vezes, proposítais. Fácil será imaginar-se o número de injustiças que
disso resulta.
Nas suas performas históricas, foi o testamento algo de lei especial, lex
privata. A aprovação pública, como lei, bem o mostra. A lei de 25 de junho
de 1766, pr., ainda o disse ato sério e legislativo. Mas, depois que se fêz
instituto autônomo, inconfundível, deve tratar-se tão-somente como ato
jurídico e sujeito às regras de interpretação deles, e não das leis. Nunca é
demais insistir-se na essencial diferença entre uma e outra. Graves são as
conseqüências da confusão.
Certa vez, ANDREAS VON TUMR dehniu testador como a pessoa que “os
juristas ordinariamente contrariam”. E
O que se deve procurar é o que ele quis dizer, ainda que as palavras
empregadas não o digam bem. Às vezes, por exemplo, enumerando os
legatários, porá o mesmo nome em duas séries. Já se discutiu isto (H.
PEISER, Fúr und Wider, Das Recht, VI, 609) . Quis o testador que a cada
número (1, 2, 3...) correspondesse uma quota (1, 2, 3...).
Decidiu-se que tal deve ser a interpretação, quando outra não caiba. “Deixo
os sete prédios 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 para os meus seis sobrinhos”. Será o
conjunto para todos: cada um receberá um sétimo dos sete prédios, ou a
sétima parte do produto da venda deles.
1.746-1.749. Não vale a prova de que o quis revogar; mas vale a de ter
deixado de inutilizá-lo, coagido por outrem ou sob ameaças, porque então
~e anulável, como se daria por ocasião da feitura dele (c.g., dolo, coação).
Novela XXII, caput 44, 9: ... tunc enim sequenda est de functi voluntas.
Studii enim nostri est defunctorum conservare secundum legem voluntates.
(...pois que Se há de seguir a vontade do defunto. Porque é nosso empenho
conservar as vontades dos defuntos, ajustadas às leis.
O velho Código Civil português, art. 1.761, estatuía: “Em caso de dúvida
sobre a interpretação da disposição testamentária, observar-se-á o que
parecer mais ajustado com a intenção do testador, conforme o contexto do
testamento”. Ora, essa regra jurídica interpretativa, em vez de servir, de
serve às verbas testamentárias. É fruto daquela confusão entre forma
testamentária e conteúdo do testamento, que profligamos. Concebida como
foi, retrogradou: alguns interpretaram que excluía qualquer prova não
derivada do contexto material do testamento (interpretação estereotípica da
República romana) ; outros, qualquer esclarecimento exterior; outros, só
admitiam a exceção da dúvida sobre a pessoa do legatário (antigo Código
Civil português, artes. 1.741 e 1.887).
Nem uma nem outra é perfeita. Porém a brasileira é mais imperfeita. Isso,
aliás, não lhes tira o valor histórico de fixação.
Não cabe nos testamentos. Donde dizer-se: a anulação por erro tem mais
ampla aplicação nas disposições de última vontade (EMIL STROHAL, Das
deutgche Erbrecht, 1, 299). Por isso mesmo, procura-se, com mais afinco,
como a descer aos motivos, a real intenção do declarante. Nelas, não há o
interesse de outrem, que se tenha de resguardar.
O testador disse que podia dispor dos seus bens e o faz “da seguinte forma”.
Seguem-se a essas duas proposições dois pontos. O testador poderia, então,
declarar que deixava todos os seus bens, e.g., às suas irmãs, em partes
iguais, ou àquela que lhe sobrevivesse, “sem condições de espécie alguma”,
isto é, sem termos, condições, gravames, clausulações ou limitações de
poder, ou modus, porque tudo isso está na expressão “condições”, com que
o testador quis, em sua linguagem sem técnica, referir-se à disposição pura
e simples da propriedade e da posse. Não no fêz, porém, com a alusão à
totalidade dos bens. Lê-se no testamento: “Deixa a sua meação disponível,
como lhe é facultado por lei, para as suas duas irmãs, em partes iguais, ou
àquela que sobreviver a ele testador e sem condições de espécie alguma”.
Primeiro testamenteiro foi a própria mulher do testador, o que de si só
provou a confiança do marido e serviu de elemento de interpretação da
vontade, por se tratar de declaração de vontade, como é toda nomeação. Se
o testador tivesse elidido o nome da mulher, ao fazer as nomeações, teria
dado ensejo a interpretação contrária a ela, como interessada no testamento.
Inventariante teria ela de ser, por haver comunhão e ser cabeça de casal.
Testamenteiro, não: o marido, ao testar, poderia ter escolhido outros
testamenteiros, afastando -a dessa missão de confiança. Em vez disso, ele a
colocou no primeiro lugar. O testador, não-legista, sabia que podia dispor
dos seus bens, que todos eles eram disponíveis, e essa disponibilidade lhe
importava muito, para deixar parte deles, a metade, a “meação”, às suas
irmãs. Na sua doença e pressa, quis dispor dos bens e deixou-os, não todos,
mas a imeação deles às suas irmãs. À expressão “meação” acrescentou
“disponível”, porque é comum, havendo herdeiros necessários, pospor-se a
“meação”, “metade”, esse adjetivo; e não é de estranhar em testador leigo
confusão entre herdeiros necessários e herdeiros legítimos não necessários.
O testador só-mente quis dispor, a favor das suas duas irmãs, da meação
dos seus bens, e não da outra meação deles. Essa palavra meação nunca foi
empregada pelas Ordenações do Reino a respeito de metade dos bens
comuns matrimoniais. As leis do tempo e de antes só se serviam de
“meyadade”, “meiadade”, “ametade”, “metade”. Os próprios Vocabulários e
Dicionários, até os de ANTÔNIO DE MORAIS E SILVA e de
FRANCISCO SOIANO CONSTANCIO, não consignaram
“meiação” ou “meação”.
“para as suas duas irmãs”. Quanto à letra e) não houve outra disposição que
a da “meação” às irmãs.
1.678 não se refere à metade disponível, e é o que mais nos interessa, como
regra dispositiva.
b) Pode ter melhores informes e ser ouvido. Cp. Sammlung v. Entsch. des
Bayer O.L.G., 22 A, 94. Assaz se caracterizam. E a verdadeira solução, não
a encontramos exposta, nem na jurisprudência, nem nos autores; e é a
seguinte: Quando elementos de fato, suscetíveis de provarem-se por
testemunhas, puderem ser úteis no auxilio à interpretação, e o oficial
público constituir uma delas, toda será ouvido. Fora disso, é impertinente
qualquer valor, por farsa do cargo ou da função, meramente instrumental,
que exerce.
Todos elos dizem que o testador, normalmente, deseja que os seus bens se
distribuam entre os seus parentes. Certo.
4.(a) Se O testador diz “deixo aos meus filhos a outra metade”, entendem-se
os legítjmos ou estes e os naturais?
Nesse assunto qualquer regra simplista poderia in concreto ser injusta Se,
no testamento O testador omitiu, entre os herdeiros ex tege, os naturais que
só pela invocação da lei, irão pleitear a inclusão claro que deles não cogitou
no testamento , se, ao enumerar os filhos, mais a preço deu à qualidade de
filho que ao ser de matrimônio e depois, dispondo ex testamento, fala em
filhos, toda os naturais são tidos como inclusos nos herdeiros
testamentário5
(d) Se o testador não diz “herdeiros legítimos” (letra a), mas “herdeiros”,
não se aplica a regra da letra (a) : podem ser os testamentários do mesmo ou
de outro testamento anterior, não revogado, ou o de um contrato de herança,
nos países ~em que o houver. A regra jurídica não vem em leis, formula-a .a
doutrina (1W. SonExai, Erbrecht, V, 177; F. RITGEN, em O. PLANa,
Rhirgerlich.es Gesetzbuch, V, 282).(e)Se o testador disse “primos”, são os
“primos” que herdariam ex lege, e não os que passem do quarto grau.
Claro, que a regra é só interpretativa. A vontade do testador pode ser
diferente (EMIL STROHAL, Das deutsche Erbrech.t, § 24, nota 11). O
filho do primo pré morto não herda (F. HEBZFELDER, Erbrecht, 1 v.
Staudingers Kommentar, V, 462).(f) i,Quid iuris, se o testador diz “deixo
aos meus herdeiros legítimos sob a condição de se formarem em direito”?
5.PERMISSIBILIDADE
DAS
CLÁUSULAS
PRIVATÓRIAS,
APLICADAS
Às
DISPOSIÇÕES
CAPITULO VI
HERANÇA E LEGADO
2 a ed., 1, 247 sj, que censuramos. Herdeiro, no caso referido, é o que mais
acontece nas vontades últimas. (14 Se divide:“A será herdeiro dos meus
bens de São Paulo e B dos que possuo no Rio”, ou “A receberá o que tenho
na cidade e E o que fora eu deixar”, institui herdeiros, e não legatários
(JOSEF XOHLER, Gemeinschaften ndt Zwangsteilung, Archiv fur die
dvilistische Praxis, 91, 847).
“só possuo uma biblioteca e deixo a A”, morrendo com a biblioteca e mais
x em dinheiro, deixou tudo a A, que é o herdeiro.
1.Algumas regras são úteis:a)Moduni nau tam verba faciunt, quam voluntas
(J. CUJÂCIO, Commentaria in libros Quaestionum Aemilii Papiniani,
Opera, pars posterior, IV, lib. 17, ad. 1, 71, 419-422). As páginas cujacianas
são ricas de ensinamentos: há palavras que fazem modus; outras, condições.
Certo, isto não impede que, usando delas, o testador constitua modus aqui e
ali condições. A regra vale para as condições como para o modus:
condicionem non faciunt verba> sed voluntas defuneti. O que induz modus
ou condição, só o induz em quanto se não prova que outro foi o querer do
testador: nisi probetur aliam fuisse eius volunt atem (ei. E. W. PPEIFFER,
Von dem wesentlichen flnterschiede und den Renuzeicheu des Modus und
der Coudicio, Praktische Ausfiihrungen, 25).
e)Na dúvida, e por fôrça do art. 1.666, Ldeve-se presumir que é disposição
sub nwdo, e não convencional, porque o nvodus evidentemente importa
menor limitação á eficácia juridica da disposição querida (A. VON
SCHEURL, Zur Lehre von deu Nebenbestimmungen hei Rechtsgeschd [teu,
257; F. REGELSEERGER, Pandelcten, 1, § 166, nota 10) Ou, como
querem outros (L. ARNDTS, Lehrbueh der Pandekten,
b)Conseqüência da regra cuja modum nou tam verba faciunt, quam voluntas
defuneti: as palavras, ou frases precativas, não obstam a que se trate de
modus, em vez de simples conselho.
Na espécie a), a razão está com C. TOULLIER (Le Droit civil français, V,
n. 636) : “si le Tostament qui contient la réconnaissance d‟une dotte eu
favour d‟une porsonne capable, est nul, ii faut distinguer: s‟il est souscrit
par lo testateur, il sombie qu‟ en co qui concerne la réconnaissance, il doit
faire preuve entiêre, car cette reconnaissance pouvait être faite par acte sous
soingprivé. Si le Testament, sans être signé par lo testateur, était revêtu dos
formes requises pour la validité dos actes notariés ordinaires, mais nul par
l‟omission de quelque forinalité exigée pour la validité dos Testaments, il
sembie oncore que la reconnaissance contenue dans un pareil Testament
devrait subsister; car, pour être valide, eIle n‟avait besoin que dos
formalités requises pour los actos notariés ordinaires”.
Certo, tal solução não pode intervir quando a falta de prova possa por em
dúvida, ainda em relação ao ato não
Que aos juristas romanos faltou a indução magnífica, basta, para prová-lo,
dizer que êles falaram em negotium, mas tão inexatos que doações não eram
negotia (L. 58, D., de donationibus inter vivus et uccorem, 24, 1), pôsto que
o fôssem, para êles, os atos processuais (GAIO, IV, 84, 141, 184). Gest um,
que também empregavam, só se referia aos atos reais.
Eliminou-se do conceito tudo que lhe era estranho. Deu-se vigor a tudo que
a ele pertencia e obscura, confusa ou apagadamente se via. Não se havia de
cogitar de validade parcial de ato jurídico, como parecia a A. E. 5.
THIBAUT
875
877
§ 91).
1.740).
No campo do adágio utile per mutile non vitiatur, divide-se o ato: cancela-
se o que é nulo, salva-se o que é útil. No da conversão, não é parte do ato
ferido, que se resguarda: é todo um outro ato.
Voss, Die Konversion des Rechtsgeschiif Is, 42). Por isso mesmo, apanha
todo o mundo do direito.
Se negócio jurídico que é ineficaz, sem ser nulo, isto é, que vale mas não
tem efeitos, não se converte. Se bem que (cf. H. A. VOss, fie Konversion
des Recktsgeschãfts, 48) um negócio nulo, mas eficaz, possa converter-se.
Por isso, a cláusula codicilar nada tem que ver com a conversão (H. A.
VOSS, Die Konversion des Rechtsgeschãfts, 47).
Por isso mesmo: (a) Antes de se pedir a nulidade de uma verba, deve pedir-
se a interpretação. Só depois da interpretação, é que se tem base para
requerer a declaração da nulidade ou anulação. Salvo se, desde logo, só uma
interpretação for possível e tal seja a que faz nula, ou anulável, a verba.
Diante do juiz que lê, para cumprir, um testamento, pode desenrolar-se todo
um mundo de categorias jurídicas, var-iae causaram figuras: e os
elementos, que as compõem, ali estão, como em caleidoscópio. O seu
principal mister vai ser o de distinguir tais elementos e classificá-los, como
o botânico faria As plantas. Usufruto, fideicomisso, inalienabilidade,
propriedade resolutiva, legado condicional, modus, substituição,
suspensividade do exercício, suspensividade da aquisição da
coisa... As formas estão na lei, nos livros: as matérias, com que as enche,
dá-las-á o testamento. Umas cabem aqui; outras, ali. A autonomia da
vontade, que faz a negotium, e os quadros legais, os tipos, em que o
negócio, actus iuridicus, se submete .A lei publica.
882 SOMENTE
O fato de serem interpretativas não lhes tira a subst antividade: são regras
de direito material. Determinam efeitos jurÍdicos, criam direitos materiais: o
juiz, aí, mediador aparente, é mero instrumento revelador. Os poderes, que
os artigos 85 e 1.666 lhe conferem, são no sentido de revelar o querer. Ora,
o querer é que dá a parte mais material do ato jurídico.
No caso do art. 118, III, á), da Constituicão de 196t, isto é, quando dois ou
mais tribunais ou juizes, em única ou última instância, interpretam de modo
diferente a mesma lei federal, cumpre distinguir discussão sobre as verbas,
matéria de fato, e discussão sôbre a interpretação de regras jurídicas
dispositivas, como os arts. 1.671, 1.678 e 1.674
a)
b)
c)aproveitar.
O testamenteiro.
O Curador de Testamentos.
(A). Imaginemos o testador que se acha longe e não sabe que se alterou a lei
do seu país. Se ficar provado que a lei antiga foi parte da sua vontade,
quando se interpretar essa vontade ter-se-á de levar em conta essa lei antiga,
que é vontade, e não propriamente lei. Quer se trate de regra jurídica
interpretativa, quer dispositiva. Dissemos dispositiva, porque é possível
omissão do testador que justifique a lei supletiva, e não omissão quanto a
elementos que mostrem ter o testador seguido o direito anterior. Ele não
quis, e por isso cabe procurar-se um direito dispositivo; mas há dados para
se crer que ele quis ou contou com (o que vale o mesmo) o direito
diapositivo que ele acreditara vigente.
A essa questão quem melhor resposta formulou foi 1-1. PEISER, no seu
Tratado, 21, e no artigo Fiir und Wider (VI, 609) : em primeira linha, vem o
art. 1.666 (Código Civil alemão, § 2.084). Ora, ai a verdade: a) porque o art.
Cumpre notar que o domicílio por longo tempo dez anos, por exemplo pode
fazer presumir a adoção da lei do domicílio. Seria errôneo reputá-lo
suficiente, se de alguns dias, ou de anos, se a pessoa nem sequer mergulhou
nas circunstâncias e no mundo jurídico do nôvo ambiente.
Se ficar provado que se guiou por formulário bilingue,. vocabulário que não
seja exato, é de atender-se o que realmente quis, e não o que disse.
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