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Migrações e
Cidadania
©ACNUR / Zalmaï
Na Malásia,
30 refugiados
da etnia Chin
dividem uma
mesma moradia,
e transformam
a varanda em
quarto para
conseguir mais
espaço.
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Conselho Editorial
Andrés Ramirez
Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto
Márcia Anita Sprandel
Roberto Marinucci
Rosita Milesi
Coordenação Editorial
Guilherme Soares Fontes (IMDH)
Luiz Fernando Godinho (ACNUR)
William César de Andrade (IMDH)
Coordenação de produção
Supernova Design
Projeto gráfico
Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH)
Diagramação
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Tiragem
2 mil exemplares
Impressão
Gráfica Coronário
As informações expressas nos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem,
necessariamente, a opinião do ACNUR, do IMDH, ou do Conselho Editorial do Caderno. Esse
Caderno aceita contribuições de autores interessados em publicar seus trabalhos. Todos os
artigos não encomendados serão encaminhados ao Conselho Editorial, a quem cabe a decisão
final sobre sua publicação.
Índice
7 Apresentação:
Atuais desafios dos atores humanitários
Andrés Ramirez
©ACNUR/Zalmaï
Mãe e filho Colombianos na cidade de Medelín. Através de ação conjunta entre o ACNUR e o Governo, mais
de 3 milhões de Colombianos receberam o seu Cartão de Identificação.
Andres Ramirez1
1. Representante no Brasil do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).
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servir de modelo para outras nações sob grave risco de inundações. Enquanto,
com razão, o autor urge aos Estados que examinem de maneira sistemática as
implicações de incorporar estes aspectos em sua legislação, o Sr. Leckie provoca
o ACNUR sobre a importância de ampliar seu mandato. Mesmo reconhecendo
que a modificação da Convenção de 1951 pode não dar resultado, o autor propõe
um novo protocolo para a Convenção, que leve à adoção de uma nova normativa
internacional para esta matéria. Certamente, o ACNUR reconhece a importância
de promover uma normativa jurídica internacional para dar proteção às vítimas
das mudanças climáticas que, até agora, estão marginalizadas de qualquer
instrumento do direito internacional. Isso, desde logo, não equivale à adoção de
um protocolo à Convenção de 1951, como propõe o autor.
Assim, nesta quinta edição do Caderno de Debates, publicação que o ACNUR
tradicionalmente edita em parceria com o Instituto Migrações e Direitos
Humanos (IMDH), os artigos produzidos por nossos colaboradores levam a
uma reflexão ampla sobre os movimentos migratórios (forçados ou espontâneos)
contemporâneos, no momento em que o ACNUR completa 60 anos de existência
e de atuação contínua em todas as partes do mundo. Mais que celebrar esta data
passageira, temos que aproveitar a oportunidade para refletir sobre o mundo
em que vivemos, as dinâmicas econômicas, políticas e sociais nas quais estamos
inseridos e como isso impacta a vida de todos nós. Neste contexto, a proteção
internacional e os direitos humanos são mais do que conceitos abstratos. Pelo
contrário, formam a base de uma prática cotidiana de organizações e indivíduos
espalhados pelo mundo que garantem a sobrevivência de muitas pessoas e
condições de vida mais digna para tantas outras.
A agência da ONU para refugiados foi estabelecida em 1950, como
conseqüência do deslocamento de cidadãos europeus após a Segunda Guerra
Mundial. Inicialmente, ganhou um mandato da Assembléia Geral da ONU com
validade de três anos. Seis décadas depois, os deslocamentos se tornaram mais
complexos, e o ACNUR cresceu ao ponto de estar presente em mais de 110
países, com um orçamento de US$ 2 bilhões de dólares em 2009 (contra US$
300 mil, no ano de sua criação). Com dois prêmios Nobel da Paz, o ACNUR está
consciente de que o século XXI continuará apresentando desafios humanitários
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©ACNUR / P. Sands
Refugiado iraquiano em Amã, na Jordânia. Mais de dois milhões de iraquianos já deixaram seu país, refugiando-se
em centros urbanos em diferentes partes do mundo.
António Guterres2
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Parcerias e prioridades
As deliberações ocorridas no Diálogo do Alto Comissário sobre os Desafios
em Matéria de Proteção, realizado em dezembro de 2009, em Genebra,
enfatizaram a necessidade de parcerias sólidas. É claro que os governos
centrais continuarão a ser os principais parceiros, como Estados signatários
da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, da recente Convenção
para a Proteção e Assistência das Pessoas Deslocadas Internamente na África
e outros instrumentos internacionais relevantes, assim como autores da
legislação nacional, marcos estratégicos e políticos com os quais trabalhamos.
Igualmente as autoridades locais são absolutamente essenciais e devem ser
muito mais integradas à articulação das estratégias e das políticas. Nossos
parceiros tradicionais – ONGs, a Cruz Vermelha e a Media Luna Roja têm um
papel importante a desempenhar, assim como a sociedade civil, especialmente
os líderes comunitários locais, as organizações religiosas e outros grupos que
promovam a coesão social.
O elemento central de todas as nossas discussões no Diálogo foi como criar,
aprofundar e expandir o espaço de proteção para as pessoas de nossa atenção
nas cidades. Isto inclui enfatizar os marcos legais e o reconhecimento de direitos,
onde ainda há muito a ser feito como, por exemplo, promover a ratificação dos
instrumentos internacionais, a supressão de reservas e o estabelecimento de uma
legislação nacional sobre proteção. Para tanto, é necessária uma abordagem bem
fundamentada e diferenciada, já que há muitos países que ainda não ratificaram
a Convenção de 1951, mas que adotaram políticas sensíveis a este respeito e,
em alguns casos, até mais progressistas do que alguns Estados que ratificaram
a Convenção.
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Próximos passos
É claro que a urbanização apresenta problemas diferentes entre os países
desenvolvidos e os países em desenvolvimento, assim como entre os países no
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© ACNUR / L.F.Godinho
Casal de refugiados palestinos reassentado no Brasil. O Programa de Reassentamento Solidário atende
aproximadamente 10% do total de refugiados acolhidos no Brasil
Cyntia Sampaio 4
Definição de Reassentamento
O reassentamento está contemplado como uma das três soluções duradouras
identificadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
(ACNUR) para solucionar o problema de proteção dos refugiados. Na ausência das
demais soluções duradouras, como a repatriação voluntária e a integração local,
o reassentamento torna-se a solução adequada. O reassentamento caracteriza-se
pela transferência de refugiados, que já se encontram sob a proteção de um país,
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a um terceiro país pelo fato de sua vida, liberdade, segurança, saúde ou direitos
humanos fundamentais continuarem em risco neste país onde solicitaram e
receberam refúgio pela primeira vez.
Ao longo dos anos, o ACNUR vem trabalhando com o objetivo de sensibilizar
os países para o estabelecimento de programas de reassentamento que possam
brindar a proteção internacional aos refugiados em necessidade de reassentamento.
A adesão voluntária dos países a este chamado deve ser interpretada como um
ato de verdadeira generosidade e compromisso dos Estados. Atualmente, existem
24 países5 com programas regulares de reassentamento estabelecidos, cujas
características e critérios diferem consideravelmente, a depender de diversos
fatores como: recursos financeiros e humanos alocados; cotas anuais de recepção;
legislação em matéria de refúgio; solidez do programa de reassentamento como
política de Estado; aceitação e envolvimento da sociedade em geral no processo
de acolhida e integração; estágio de desenvolvimento da rede de proteção social
disponível para os demais cidadãos, entre outros.
Em seu relatório de Projeção das Necessidades Globais de Reassentamento
2011, o ACNUR estima que, no próximo ano, 805.535 pessoas necessitarão de
reassentamento. Em seguida, o mesmo relatório aponta que apenas 80.000 vagas
foram disponibilizadas pelos países que possuem o programa no ano de 2009.
Logo, temos uma estimativa de que a cada 100 refugiados em necessidade de
reassentamento, apenas 10 deles são reassentados por ano.
5. Argentina, Austrália, Brasil, Bulgária, Canadá, Chile, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos,
Finlândia, França, Holanda, Islândia, Irlanda, Japão, Noruega, Nova Zelândia, Paraguai, Portugal,
Reino Unido, Romênia, Suécia, República Tcheca e Uruguai.
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6. Quando um Estado devolve um refugiado ou solicitante de asilo a um território onde a sua vida
ou liberdade seria ameaçada por motivo de raça, religião, nacionalidade, afiliação a um grupo social
específico ou por sua opinião política.
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7. De acordo com o artigo 14 de Lei 9.474, fazem parte do CONARE: Ministério da Justiça,
que o preside; Ministério das Relações Exteriores; Ministério do Trabalho e do Emprego;
Ministério da Saúde; Ministério da Educação; Departamento da Polícia Federal; Organização
não-governamental; Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), que
tem direito a voz, sem voto.
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O SEU CASO
SIM NÃO
É URGENTE?
ATÉ 72 HORAS
NÃO
Aprovado? Plenária do CONARE
SIM
Recepção no
aeroporto NÃO
ACNUR apresenta
Documentação
caso a outro país
Integração Local
(Implementado pelas
ONGs parceiras)
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Experiência Palestina
Mesmo com as experiências prévias realizadas em 2002 e 2003, o programa de
reassentamento brasileiro vem se consolidar de fato em 2004, inspirado pelo Plano
de Ação do México. O programa passa a ter um enfoque específico na questão do
conflito colombiano, priorizando a acolhida de refugiados desta nacionalidade
que se encontrem em outros países da América Latina. Desde então, o Brasil
reassentou 291 refugiados colombianos nos estados do Rio Grande do Sul, São
Paulo e Rio Grande do Norte.
Em 2003, o deslocamento forçado de palestinos gerou a criação de campos
de refugiados em uma região desértica próximo às fronteiras da Síria, Jordânia
e Iraque. A Síria e a Jordânia fecharam suas fronteiras sob a alegação de que não
possuíam condições de receber mais refugiados palestinos. Na impossibilidade
de acessar os territórios vizinhos e temendo o retorno ao Iraque, as pessoas se
instalaram nos campos de refugiados criados pelo ACNUR. Em 2003, o campo de
Ruweished foi criado neste contexto, abrigando cerca de 1.000 refugiados.
O ACNUR iniciou uma campanha de sensibilização junto aos países
árabes para o acolhimento desta população e algumas poucas demandas
foram atendidas. Esgotadas as possibilidades de uma solução duradoura no
mundo árabe, o ACNUR iniciou uma campanha de sensibilização junto aos
países tradicionais de reassentamento, notadamente, países como Estados
Unidos, Canadá, Austrália e países escandinavos. À medida que as missões de
entrevista destes países eram realizadas ao campo de Ruweished, iniciou-se o
esvaziamento do campo. Em 2007, o número de refugiados remanescentes no
campo foi reduzido para 107 pessoas. O ACNUR passou a apresentar os casos
de Ruweished a alguns países emergentes de reassentamento, e neste momento,
foi inciado um diálogo com o Chile e o Brasil para um possível reassentamento
deste grupo na América do Sul.
Sensibilizado com a precária condição de vida de 107 refugiados palestinos
que permaneciam no campo há cerca de 4 anos, sob as mais adversas condições
climáticas e de estrutura física e social, o Brasil decidiu, em caráter humanitário
e emergencial, acolher todo o grupo a fim de promover o simbólico fechamento
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156
77 77
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23 34
16 19
455
291
104
27 23
03 07
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I. a renúncia;
II. a prova da falsidade dos fundamentos invocados para o reconhecimento da
condição de refugiado ou a existência de fatos que, se fossem conhecidos
quando do reconhecimento, teriam ensejado uma decisão negativa;
III. o exercício de atividades contrárias à segurança nacional ou à ordem pública;
IV. a saída do território nacional sem prévia autorização do Governo
brasileiro. (ver Resolução Normativa 05/99)
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55%
45%
Masculino Feminino
Fonte: CONARE/Junho 2010
24%
13%
4%
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Referência bibliográfica
ANDRADE, José H. Fischel e MARCOLINI, Adriana. A política brasileira de
proteção e de reassentamento de refugiados – breves comentários sobre suas
principais características. In: Revista Brasileira de Política Internacional. Ano 45
No. 1 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi
d=S0034-73292002000100008 [acessado em 15/08/2010].
ANDRADE, José H. Fischel de e Marcolini, Adriana. Brazil’s refugee Act: model
refugee law for Latin America? Forced Migration Review 12. Disponível em:
http://www.fmreview.org/FMRpdfs/FMR12/fmr12.13.pdf [acessado em 10/08/2010].
BRASIL, Presidência da República. Lei 9474, de 22 de julho de 1997. Brasília, 1997.
MARQUES, Carla Cristina e NOGUEIRA, Maria Beatriz. Brazil: ten years of
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fmreview.org/FMRpdfs/FMR30/57-58.pdf [acessado em 10/08/2010].
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UN High Commissioner for Refugees, Strategic Use of Resettlement. Junho
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[acessado em 15/08/2010].
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©ACNUR / P. Taggart
Deslocados em North Kivu, na República D. do Congo. Nos últimos anos os movimentos migratórios têm se tornado
mais complexos e ‘mistos’, requerendo atenção especial na identificação das pessoas necessitadas de proteção.
John K. Bingham8
Comissão Católica Internacional das Migrações
Introdução
Hoje, uma em cada seis pessoas é migrante, seja dentro do seu país, seja em outro
país.9 De fato, somos um mundo de 214 milhões de migrantes internacionais10 e,
no mínimo, outros 740 milhões de migrantes internos.11
É difícil saber quantas pessoas se deslocam a cada ano – seja dentro um país
ou para o exterior - mas um relatório da ONU sugere: cada ano mais de cinco
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Caderno de Debates – Novembro 2010
12. UNDP, ibid, p.9, citando também o Banco de Dados da Organização Para Cooperação Econômica
e o Desenvolvimento, 2009.
13. ACNUR, 2009 Tendências Globais: Refugiados, Solicitantes de Asilo, Retornados, Deslocados
Internos e Pessoas Apátridas, p.1.
14. Pessoas deslocadas internamente são “pessoas ou grupos que foram forçados a deixar seu lar ou
local de residência, para fugir dos efeitos de conflitos armados, situações de violência generalizadas,
violações de direitos humanos ou desastres tanto ambientais quanto os provocados pelo ser humano,
e que não cruzaram fronteiras internacionalmente reconhecidas como estatais”. (Guiding Principles
on Internal Displacemnt, Introdução, pag.2)
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Caderno de Debates – Novembro 2010
15. Nos últimos anos, o termo “migrantes sobreviventes” tenta descrever os movimentos adicionais
forçados mas necessariamente decorrentes de conflito ou perseguição segundo o conceito tradicional
do que é um refugiado.
16. Como afirmado num documento do Conselho Pontifício Cor Unum e do Conselho Pontifício
para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, em 1992, enquanto “conflitos humanos e outras situações
de ameaça à vida dão origem a vários tipos de refugiados”, lamentavelmente “não entram nas
categorias da Convenção internacional as pessoas que são vítimas de conflitos armados, de políticas
econômicas erradas ou de desastres” Os Conselhos afirmam que “Para os atores humanitários,
há uma crescente tendência a reconhecer tais pessoas como refugiados ‘de fato’, devido à natureza
involuntária de sua migração”.
Finalmente, argumentando contra uma definição demasiado ampla ou demasiado restritiva
de refugiado os Conselhos afirmam – com a clareza provocativa: “No caso dos assim chamados
“migrantes econômicos”, justiça e igualdade requerem distinções adequadas. Os que fogem de situações
econômicas que ameaçam sua vida e integridade física devem ser tratados diferentemente dos que
emigram para melhorar sua situação social ou econômica”.
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Caderno de Debates – Novembro 2010
dos casos, contudo, a atenção volta-se para movimentos migratórios mistos além
fronteiras, mais especificamente para movimentos irregulares que cruzam fronteiras,
nos quais as pessoas não têm documentos ou autorização para entrar no país a que
estão se dirigindo.
Então, independente de o deslocamento ser por terra, mar ou ar, um grupo é
considerado “migração mista” quando entre seus membros:
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Caderno de Debates – Novembro 2010
“Nos últimos anos, os países das Américas têm constatado que os movimentos
migratórios têm se tornado mais complexos e ‘mistos’ devido à diversidade
de países de origem, trânsito ou destino, ou uma combinação dos mesmos.
Enquanto a motivação e as razões dos migrantes podem variar, tanto refugiados
quanto migrantes viajam juntos, utilizam os mesmos meios de transporte,
usam os serviços dos mesmos contrabandistas e, muitas vezes, estão expostos
aos mesmos riscos e abusos. Embora tais movimentos sejam majoritariamente
inter-regionais, com os Estados Unidos abrigando o maior número de migrantes
e refugiados, um grande número migra para outros lugares, especialmente para
a Europa. Além disso, o deslocamento de colombianos - devido, principalmente,
ao conflito armado, à fumigação aérea das colheitas, animais e mananciais de
água e aos ataques de grupos paramilitares - continua a ser crítico na região,
especialmente nas fronteiras com o Equador, Venezuela e Panamá.”
17. Informe dos relatores, Encontro Anual do ACNUR com os Representantes das ONGs, 29 de
junho - 01de julho 2010, pg. 14, www.unhcr.org/consultations.
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Há, muito possivelmente, outro fator que pode estar contribuindo com a
percepção de um aumento nas migrações mistas atualmente: neste caso, não se
trata do número de pessoas que migram, mas da crescente diferenciação entre elas.
Nos últimos anos, houve um aumento substancial de convenções internacionais
e regionais que, pela primeira vez, indicam diferenças que invocam direitos e
respostas específicas para certas pessoas presentes nestes fluxos migratórios.
18. Jeff Crisp e Esther Kiragu. Proteção ao Refugiado e migrações internacionais: publicação da
ACNUR em Malawi, Moçambique e África do Sul, 2010, p10.
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21. Além das conferências de Costa Rica e Tanzânia, as outras atividades compreendem conferências
regionais sobre “Proteção aos Refugiados e Migrações Internacionais no Golfo de Aden”, no Yemen
(maio de 2008) e “Proteção ao Refugiado e Migrações Internacionais na África Ocidental” no
Senegal (novembro, 2008); mesas-redondas de especialistas sobre “Controlar Fronteiras enquanto
asseguram Proteção” na Suíça (novembro, 2008); “Pessoas Diferentes, Necessidades Diferentes” na
Tunísia (julho, 2009) e “O Retorno de Não-Refugiados e Opções Migratórias Alternativas”, na Suíça
(dezembro de 2009).
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lugar comum em muitas partes do mundo. Para aqueles que conseguem “chegar”,
a resposta e condições são muito severas.
Importante exceção tem sido a postura tomada pelo “Projeto Praesidium”,
um modelo sem precedentes de colaboração estabelecido no sul da Itália entre
ACNUR, OIM, Save the Children da Itália e a Cruz Vermelha italiana. Iniciado
em 2007, com recursos da Comissão Européia e do Governo italiano, esse projeto
organizou respostas com base nas necessidades e direitos básicos dos boat people,
isto é, refugiados, vítimas de tráfico ou tortura, crianças, etc., que chegam a
Lampedusa e a outras ilhas italianas. Embora tenha suas limitações e falhas, esta
forma de organizar a presença, competência e missão específica entre múltiplos
atores tem sido freqüentemente citada, pelo mundo todo, como um exemplo de
“boa prática” na resposta às migrações mistas.22
22. Uma descrição do Projeto em Power Point está disponível em: www.iom.int/jahia/webday/
shared/mainsite/microsites/IDM/wokshops/managing return migration 042108/presentation speeches
/sequenza diapo simo.pdf.
23. Johan Ketelers, op. cit., p.4.
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Esta foi a conclusão de uma ampla conferência sobre migrações mistas que o
ACNUR, OIM, FICV e Sociedades do Crescente Vermelho organizaram em Tunis,
em Julho de 2009. Partes da conclusão estão referidas a seguir, com expressões em
itálico para conferir maior ênfase:
24. Relatório Final da conferência “Pessoas Diferentes, Necessidades Diferentes”, Tunis, Tunísia, julho
de 2009, p.12, disponível em www.unhcr.org/refworld/docid/4ae15db72.html.
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Preenchendo lacunas
Em termos simples, há uma grande lacuna no acesso à proteção para refugiados
e outras vítimas, num contexto de migrações desordenadas ou em migrações
mistas, cruzando fronteiras ao redor do mundo.
Os membros da CCIM destacam, assim como ACNUR, OIM e vários programas
de fortalecimento, que muitas pessoas nestes movimentos são vítimas de tráfico,
tortura, violência e de brutalidades em série a cada passo de sua migração em
muitos casos. Inúmeras pessoas têm experiências traumáticas, inclusive como
testemunhas de assaltos, morte por fome ou sede, estrangulamento, asfixia
ou afogamentos forçados. Grande número são mulheres, muitas estupradas, e
crianças desacompanhadas.
Para a maior parte, as lacunas das respostas não estão tanto nos direitos
normativos (para os quais muitos instrumentos já existem), mas nas diretivas e no
estímulo aos direitos: lacunas na garantia das necessidades urgentes em primeiro
lugar, na assistência para recuperação, diferenciação cuidadosa e encaminhamento
para as agências especializadas em proteção ou retorno.
O ACNUR, a OIM, a Cruz Vermelha/Sociedades do Crescente Vermelho, Igrejas
e outros grupos religiosos e entidades não-governamentais de fato trabalham em
muitas destas lacunas em diferentes lugares, frequentemente em parceria e com o
apoio dos Estados, da União Européia, assim como de organizações internacionais.
Claramente o projeto Praesidium, como mencionado, oferece boas idéias, mas, de
modo geral, as respostas dadas nas fronteiras terrestres e marítimas da Europa, do
Caribe e das Américas, África e Ásia são extremamente inadequadas.
O Plano dos 10 Pontos do ACNUR, em particular, está correto ao solicitar
“mecanismos consistentes” para preencher as lacunas. Felizmente, existe um
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25. Além da CCIM, as outras sete ONGs são a Associação da Comissão Católica Espanhola de
Migrações (ACCEM); Comissão Espanhola de Ajuda a Refugiados (CEAR); Conselho Italiano
para Refugiados (CIR); Conselho Europeu para Refugiados e Asilados (CERA); Serviço de Refúgio
dos Jesuítas (SRJ) em Malta; Projetos de Desenvolvimento, Apoio Social e Cooperação Médica
(PDASCM), Salvem as Crianças, Itália.
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Conclusão
A migração é uma responsabilidade compartilhada, a qual inclui vários atores
da sociedade. Ela não se refere somente ao deslocamento de quase um bilhão de
pessoas, mas também ao deslocamento de sociedades.
Como observamos, migrantes e refugiados estão cada vez mais juntos, assim
como estão todos os atores envolvidos com migrantes e refugiados em nível
nacional, regional e internacional: Estados, organizações intergovernamentais
e internacionais, grupos da Igreja, ONGs e sociedade civil no sentido amplo.
A consideração pelos sofrimentos e necessidades do ser humano é mínima, a
interpretação das convenções existentes de direitos é demasiadamente rigorosa,
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IMDH/ R. Milesi
Migrante brasileira retornada da Bélgica reencontra seus filhos no Brasil e recebe apoio para reintegração e
projeto de geração de renda.
Sueli Siqueira26
Gláucia de Oliveira Assis27
Carlos Alberto Dias28
Introdução
A mobilidade populacional é um fenômeno social que acompanha a história da
humanidade. Podemos dar como exemplo as migrações que ocorreram no século
16, na época dos grandes descobrimentos, quando milhares de europeus partiram
rumo ao Novo Mundo. As migrações que ocorreram nesse período contribuíram
para povoar e colonizar as colônias recém descobertas. A própria história do
desenvolvimento do capitalismo, que se intensifica e consolida a partir do século
XVIII na Europa, teve grande impacto na mobilidade espacial da população.
26. Doutora em Sociologia e Política, professora da Universidade Vale do Rio Doce - UNIVALE.
27. Doutora em Ciências Sociais, professora da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
28. Doutor em Psicologia, professor da Universidade Vale do Rio Doce - UNIVALE.
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No caso do Brasil, até os anos de 1950 o Brasil era reconhecido como um país
receptor de migrantes internacionais. Em 1920, a imigração respondia por 5,11%
da população residente no país, enquanto que em 1980 essa participação reduziu-
se expressivamente (PATARRA e BAENINGER, 1995). Essa auto-imagem do
Brasil passa a ser problematizada quando, em meados da década de 1980, fomos
surpreendidos por uma significativa emigração de brasileiros para o estrangeiro e
também por um novo fluxo de coreanos, bolivianos e outros latinos para o Brasil
– os novos migrantes internacionais do e para o Brasil (ASSIS e SASAKI, 2001).
De um modo geral o projeto migratório é sempre familiar e está assentado
em três pilares: emigrar, ganhar dinheiro e retornar em condições econômicas
melhores. O retorno é constitutivo do projeto migratório, mesmo que ao longo
do tempo não se concretize. Esse movimento populacional produz marcas no
território de origem, de destino e nos sujeitos que dele participam.
“Retornar é mais difícil que partir [...]” é uma frase recorrente entre os emigrantes.
Neste artigo pretendemos refletir sobre a complexidade do retorno, seus diferentes
tipos e sua complexidade tanto para os que ficam como para os que emigram.
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29. Sales (1999) denominou “triênio da desilusão” o período - entre os anos de 1987 a 1989 - quando
milhares de brasileiros deixaram o país decepcionados tanto com a política econômica, quanto com
a situação política.
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30. Conexão USA é o título de um programa exibido na TV Rio Doce, em Governador Valadares,
em 1992. Este programa pretendia relatar a vida dos emigrantes brasileiros nos EUA. Utilizamos
deste título aqui, para evidenciar esta ligação. Para maiores informações sobre a história da cidade e
sua articulação com o fluxo Goval-EUA, ver ASSIS (1995).
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31. O crescimento do fluxo migratório de valadarenses para os EUA se dá exatamente entre 1985 e
1990 (SOARES, 1995).
32. Surgimento de agencias de turismo que organizavam viagens e davam orientações para conseguir
tirar o visto americano, falsificadores de vistos e agenciadores para a entrada pela fronteira do
México. Maiores detalhes sobre esses mecanismos ver Siqueira, 2009.
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Siqueira (2009) relata as idas em vindas deste tipo de emigrante de até 5 vezes,
fazendo sempre o mesmo percurso.
A trajetória de sofrimento nessas idas e vindas não se torna visível socialmente,
pois o insucesso do negócio, a angústia de viver no entre lugares, a esquizofrenia
de viver essa dualidade de insatisfação em qualquer lugar que esteja, ou seja,
viver sempre na perspectiva de que o lugar do qual se ausenta é melhor, não é
explicitado e visível socialmente.
O Retorno permanente é aquele em que o emigrante retorna e consegue
estabelecer-se na sua cidade ou país de origem, não pretende emigrar novamente.
São os que se tornaram autônomos ou conseguiram se inserir no mercado de
trabalho. Conseguem se readaptar ao estilo de vida da sua cidade de origem e
creditam a sua condição ao seu projeto migratório. Esses são considerados bem
sucedidos, pois concretizaram o projeto de ascensão social ou melhoria de vida.
São visíveis, pois antes não possuíam casa própria, carro e um empreendimento
que lhes proporcionasse renda para viver bem.
É interessante destacar que, nas cidades onde o fluxo de emigração
internacional é grande, é fácil observar como o status de retornado bem
sucedido é ostentado através das casas. Constroem casas grandes, de dois
ou mais andares, em lugares que só existiam casas mais simples, pois fazem
questão de retornar para seu bairro, para o mesmo ponto de partida, mesmo
que possuam capital para comprar ou construir em bairros mais valorizados.
As casas são pintadas de cores berrantes, tais como, laranja, verde, vermelho,
amarelo. Essa é uma forma de demonstrar para si e para os outros o seu
sucesso. Vale ressaltar que este grupo não constitui a maioria, mas são muito
visíveis e estimulam a emigração de outros, pois são a prova concreta de que
o projeto migratório é possível.
O transmigrante é aquele que vive nos dois lugares. Em sua maioria são
documentados, têm vida estabilizada no país de destino e no Brasil. Possuem
casa, fazem investimentos e trabalham nos dois lugares. Passam parte do ano no
Brasil e participam ativamente da vida social das duas cidades. Transitam, têm
visibilidade e são atores sociais nos dois lugares. Estes como os anteriores, também
constroem casas grandes e coloridas. Em sua temporada no Brasil, demonstram
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o seu sucesso através de festas, presentes e das fotos que mostram as maravilhas
do estilo de vida americano. Não relatam as dificuldades do inverso ou a dureza
do trabalho. São minoria, mas também são muito visíveis e são referência para os
emigrantes em potencial, ou seja, seus vizinhos e amigos.
A partir de 2007, inicia-se outro tipo de retorno, são os retornados da crise.
A crise atingiu diretamente o mercado de trabalho secundário. A construção civil
teve queda, com isso houve redução do valor das horas. Em seqüência houve
redução de trabalho e ganhos e quase todas as atividades do mercado de trabalho
secundário onde a maioria dos homens e mulheres migrantes atua.
Diante disso o custo benefício da emigração deixa de ser positivo e muitos
optaram por retornar diante da inviabilidade de continuar vivendo nos EUA e em
outros países que foram também atingidos pela crise (Portugal, Itália, Espanha,
etc.). Para muitos o projeto emigratório tornou-se um projeto interrompido,
frustrado. Alguns conseguiram retornar e ter uma renda nas cidades de origem,
mas a grande maioria afirma que o retorno não desejado torna ainda mais difícil
a readaptação, principalmente porque experimentaram a vida num país que
acreditavam que era o país das oportunidades (SIQUEIRA, 2009).
A crise atingiu tanto os emigrantes documentados como os não documentados.
Contudo os não documentados vivem, além da queda da renda, a situação de
insegurança e medo da deportação. Os emigrantes que possuem Green Card ou
cidadania americana têm a esperança de que a crise vai passar e então poderão
retornar. Enquanto isso retorna “temporariamente” ao Brasil.
Dados da pesquisa realizada na Microrregião de Governador Valadares34 com
emigrantes retornados no período de 2007 a 2008 demonstram que 18% afirmam
que possuem renda no Brasil para sua sobrevivência, ou seja, fizeram investimentos
como: casas de aluguel, comércio, propriedade rural, etc. antes de retornar. Outros
51% estão retornando com capital para investir e assim auferir renda para sua
manutenção, e 21% não possuem nenhum investimento no Brasil e retornam sem
capital. Pretendem entrar para o mercado de trabalho (SIQUEIRA, 2009).
34. Foram entrevistados 398 emigrantes retornados no período de 2007 a 2008 na Microrregião de
Governador Valadares.
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35. Pesquisa realizada em Governador Valadares no período de 2006 a 2008. Nesse estudo foram
realizadas 247 entrevistas com esposas de emigrantes.
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[...] quando a pessoa chega, tem um conflito, um choque, é difícil, não é fácil
pra adaptar, começa-se tudo de novo. [...]. Ele voltou diferente, agora que ele
ta se situando, ta voltando ao normal, antes ele estava mais individualista
por ter ficado aquele período todo sozinho, agora ta voltando ao normal
(Mulher de retornado, 30 anos).
[...] então eu notei assim muita diferença sabe, achei a pracinha horrorosa,
que antigamente ela era mais bonita [...] Sabe, eles deviam fazer aquela
pracinha mais bonita, então assim, eu achei que o Rio Doce encolheu que ele
era bem mais largo, agora ele ta um tiquitinho, eu perguntei pro meu irmão:
“é impressão minha ou esse rio encolheu?” (Emigrante retornada, 59 anos).
Durante sua ausência idealiza o local e as pessoas que deixou para traz.
A cidade fica maior e mais bonita, esquece os atritos com a companheira e os filhos
e recria no seu imaginário tanto o espaço físico, como o social numa dimensão
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Muda, muda muito. A pessoa fica diferente, a pessoa fica distante, agora até
que eu acostumei, mas quando chega, parece até outra pessoa, que você não
conhece a pessoa. [...] parece que você não conhece a pessoa, que a pessoa ta
diferente, pra gente muda (Mulher de retornado, 35 anos, fracasso).
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Mas na relação de você ter uma família e deixar ela pra viver em outro
país, é muito complicado, os filhos sentem a falta do pai, a esposa, e então
pra você saber controlar isso é muito difícil e a pessoa de lá também, porque
tem a convivência, e depois extrai, e depois que volta é aquela coisa mais
estranha, tipo assim, você aprende a viver sozinha, e depois a pessoa volta, e
tem que reaprender (Mulher de retornado, 24 anos, fracasso).
Eu acho que não agüentaria (de novo), pois a separação é muito difícil e o
retorno mais ainda, pois o casal tem que começar como se fosse do zero, a
relação (Mulher de retornado, 38 anos, sucesso).
Eu fico mal, vou te falar a verdade, não me passa nada bom, eu fico com
aquele sentimento de um vazio, aquela coisa ruim dentro de mim, tudo que
eu senti, as lembranças voltam [...] (Mulher de retornado, 30 anos, sucesso).
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Considerações finais
O projeto migratório tem como meta principal ganhar dinheiro para viver
em melhores condições no país de origem. Nesse sentido ele é elaborado sempre
numa perspectiva de retorno ao ponto de partida. Esse retorno assume diferentes
formas como: temporário, continuado, permanente e transmigrantes e após 2007
os retornados em função da crise econômica no país de destino.
Nesse percurso, todos os constrangimentos, a dureza do trabalho e a
invisibilidade para os indocumentados não são visíveis, mas as conquistas de
bens materiais tornam-se extremamente visíveis e isso reafirma o imaginário
popular de que, através da migração para o exterior, é possível ganhar dinheiro e
conquistar melhores condições de vida no retorno.
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Referências bibliográficas
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Programa de Pós-Graduação em Antroplogia Social, Universidade Federal de
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configuration of transnational ties between Brazil and the United States. LASA 2010.
Latin Amercan Studies Congress. 06 a 09 de outubro. Toronto. Canadá, 2010.
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©ACNUR / H. J. Davies
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No Sri Lanka, mulher atingida pelo tsunami coleta água em frente ao abrigo construído pelo ACNUR
no distrito de Jaffna.
Scott Leckie37
Adotar uma postura frente às mudanças climáticas a partir do ponto de vista dos
direitos humanos com base no princípio da dignidade inerente à pessoa implica
que a cifra total de deslocados não seja o único que importa. Cada pessoa que se
vê obrigada a abandonar seu lar contra sua vontade deve receber uma solução que
respeite seus direitos, proteja-os e, se é necessário, cumpra-os segundo reconhece
a legislação internacional em matéria de direitos humanos.
Os direitos humanos constantes na legislação internacional, que são
especialmente pertinentes ao debate sobre o deslocamento provocado pelas
36. Artigo publicado na Revista Migraciones Forzadas, número 31, novembro de 2008, da
Universidade de Alicante, Instituto Universitario de Desarrollo Social y Paz, Espanha (permitida a
reprodução com citação da fonte). Tradução do espanhol: Rosita Milesi, IMDH, Brasília, out/2010.
37. Diretor e Fundador da organização Displacemant Solutions (www.displacementesolutions.org).
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que o tratamento que a maioria dos países dispensa às vítimas quanto ao seu direito
à moradia, à terra e à propriedade, nestes deslocamentos, é muito deficiente.
Em muitas situações catastróficas, os deslocados retornam a seus lares assim
que as circunstâncias o permitem e iniciam rapidamente a árdua e difícil tarefa
de reconstruir sua condição de vida anterior. Em outros casos, impede-se aos
deslocados, de maneira arbitrária ou ilegal, de regressar e recuperar seu lar. Por
exemplo, no Sri Lanka e Aceh, segue-se impedindo fisicamente a milhões deles
de regressarem a seus lares depois do tsunami asiático de 2004, apesar de seu
evidente desejo de fazê-lo. Ainda que se tenha dedicado consideráveis esforços
para tratar o deslocamento e o retorno no contexto de conflitos armados, faz muito
pouco que os profissionais começaram a explorar os vínculos essenciais entre o
deslocamento, os desastres naturais e meio-ambientais e as soluções duradouras
relativas ao deslocamento no marco dos direitos humanos.
Boas Práticas
Parece que os que trabalham depois de um desastre natural conseguem um
número cada vez maior de conclusões importantes. Por exemplo, as boas práticas
indicam que todos os deslocados devem ter direito a regressar voluntariamente
(restituição da moradia, terra e propriedade) e sem discriminação a seu lar. Em
outras situações posteriores à catástrofe, os esforços de reinstalação realizados no
próprio local demonstraram ser o meio mais eficaz para proporcionar ajuda às
vítimas. Atualmente, a normativa internacional respalda o direito das populações
afetadas por um desastre natural a regressar e recuperar seu antigo lar e terras, se
assim o desejam. Os que propiciam dito regresso devem trabalhar para:
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- Evitar que se impeça o regresso de forma ativa, assim como impedir que os
funcionários públicos ou as redes de delinqüentes se apropriem de terras.
- Garantir a existência de programas para proporcionar refúgio ou moradia
que estejam bem providos de recursos e bem coordenados.
- Fomentar a participação de toda a comunidade no processo de reconstrução.
Conscientizar as autoridades locais de que a reconstrução de moradias
pode representar o elemento de mais longo prazo em qualquer processo de
recuperação e ajudá-las a planejá-lo.
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Conclusões
Dados os problemas que representa e representará o deslocamento provocado
pelas mudanças climáticas, é muito urgente:
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O Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), fundado em 1999, é uma entidade social sem fins
lucrativos, filantrópica, cuja missão é promover o reconhecimento da cidadania plena de migrantes
e refugiados, atuando na defesa de seus direitos, na assistência sócio-jurídica e humanitária, em
sua integração social e inclusão em políticas públicas, com especial atenção às situações de maior
vulnerabilidade. É vinculado à Congregação das Irmãs Missionárias Scalabrinianas e atua em
parceria com várias organizações da sociedade, especialmente com as aproximadamente 50 entidades
integrantes da Rede Solidária para Migrantes e Refugiados, que o próprio IMDH articulou.
Encerrando a celebração dos dez anos de fundação do IMDH, é com alegria que apresentamos, em
parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), o Caderno de
Debates nº 5 – Refúgio, Migrações e Cidadania.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados foi estabelecido em 14 de dezembro
de 1950 pela Assembléia Geral da ONU. A agência tem como mandato liderar e coordenar a
ação internacional para proteger refugiados e solucionar seus problemas em todo o mundo.
Em seis décadas, o ACNUR já ajudou dezenas de milhões de pessoas a recomeçar suas vidas.
Atualmente, a agência possui aproximadamente 6.600 funcionários em mais de 110 países,
que trabalham para ajudar mais de 30 milhões de pessoas.