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arquitetos
Data: 06/05/2015
Departamento: Nacional
“É vezo brasileiro fazer as coisas sem plano inicial perfeitamente elaborado; quando se
pergunta sobre como ficarão estes e aqueles pormenores, a resposta é sempre a mesma:
Ah! Isso depois, na hora, veremos”, diz carta assinada por Artigas.
Para a arquiteta Salma Cafruni, de Porto Alegre, cuja atuação se concentra na área de
planejamento urbano e na assessoria às prefeituras municipais, a valorização profissional é
um objetivo que ainda precisa ser perseguido.
Segundo Gilberto Belleza, que publicou a carta no site do IAB-SP em 2002, o texto foi
inicialmente divulgado numa publicação muito pequena e simples, de uma época que não
soube precisar. Posteriormente, o material foi publicado no livro Vilanova Artigas –
Arquitetos Brasileiros, do Instituto Lina Bo. E P. M. Bardi e Fundação Vilanova Artigas, em
1997.
Em 2013, O IAB foi um participante ativo das principais discussões que envolveram o
arquiteto e a profissão. O Instituto puxou para si a responsabilidade de explicitar o que se
entende por projeto, capitaneou a elaboração da nova tabela de honorários, participou de
audiências públicas para a modernização dos processos de licitação e acompanha, desde
aquele ano, as discussões sobre o processo de revitalização da Lei de Licitações.
O documento “Anotações sobre PROJETO” (clique aqui para baixar) teve como objetivo
servir de contribuição para um indispensável ajuste na legislação que tumultua a profissão.
A explicitação do que se entende por projeto entrou no programa de trabalho da Direção
Nacional do Instituto, em resposta ao bombardeio de leis, decretos e normas que dificultam
o exercício profissional de arquitetura.
Confesso que não me assustei muito ao ler sua carta contando o resultado da conferência
para autorização de um projeto para o São Lucas. Estas coisas acontecem sempre porque,
por falta de costume, quem constrói, nem sempre avalia o plano de como deveria fazê-lo. Se
eu insisto em aconselhá-lo mais uma vez para que consiga um arquiteto para dirigir os
trabalhos de seu hospital, não é somente porque desejo muito trabalhar para um hospital
modelo, mas porque, e principalmente porque, não posso crer que uma obra, da importância
da sua, possa nascer sem estudo prévio. É vezo brasileiro fazer as coisas sem plano inicial
perfeitamente elaborado; quando se pergunta sobre como ficarão estes e aqueles
pormenores, a resposta é sempre a mesma: Ah! Isso depois, na hora, veremos.
Garanto que os argumentos acima lhe foram expostos mais de uma vez. São os que sempre
vejo empregados em ocasiões dessas e nunca mudam. São também os mais fáceis de
rebater e os menos inteligentes.
Senão vejamos: “…O projeto sempre custa alguma coisa. O construtor que o fizer terá, sem
dúvida que empregar engenheiros e desenhistas para isso. Terá de empregar gente para
calcular concreto, para calcular aquecimento, eletricidade, etc… O construtor cobrará essa
despesa do proprietário através da comissão para a construção. Tanto isso é verdade que,
se você apresentar aos construtores um projeto completamente pronto, ele cobrará
percentagem menor para a construção porque dirá, “não terei despesas no escritório”.
Suponhamos que a taxa de honorários para a construção seja de 10 a 12%, inclusive o
projeto. Se você der o projeto, encontrará quem lhe faça por 6 ou 8%. Daí você conclui que
o projeto que você pagou ao arquiteto 5%, já representa nessa ocasião somente 1% ou 2%
a mais do que o preço geralmente previsto.
Mas eu desejo provar que o plano geral, feito com antecedência, é economia e não
despesa. Então vamos continuar. Ninguém pode negar, nenhum construtor, nenhum cliente,
que o projeto feito pelo técnico, contém em si uma previsão maior dos diversos detalhes do
que o projeto rabiscado pelo construtor e verificado pelo proprietário. Faça uma experiência.
Tome um plano que esteja em início de construção e pergunte a quem o dirige: por onde
passam os canos de aquecimento? Por onde passam os canos de esgoto? O senhor vai
fazer antes isso ou aquilo? Garanto que não sabem.
Responderão: “provavelmente passarão por aqui ou ali, farei isto ou aquilo antes. Se na
ocasião de executar um serviço, verificar-se um contratempo qualquer, um cano que não
pode passar porque tem uma porta, um esgoto vai ficar aparecendo no andar de baixo; o
construtor resolve em função do problema, no momento. Ele dá voltas com o cano ou faz
um forro falso para esconder o esgoto que iria aparecer em baixo. Entretanto se isso tivesse
sido previsto, não precisaria de forro falso ou qualquer outra coisa. No papel, teria sido
procurada e encontrada a solução mais econômica, para o caso, a mais bonita.
Se o proprietário não ganhasse nada, ainda teria para si uma solução melhor e um motivo
para valorizar seu imóvel. O construtor por exemplo não projetaria as instalações elétricas.
Ele chamaria um instalador “prático” e o homem disporia a coisa à sua vontade. Usaria os
canos que ele quisesse e os fios que achasse melhores. Bem curioso, não é ? Poucos
entendem disso e ninguém iria fiscalizar o homem. Acontece, porém que os fios, quando
são fios demais em relação à corrente que transportam, dão muitas perdas, e essas se
traduzem em despesa mensal maior de energia para você durante os 50 ou 100 anos de
funcionamento do hospital; assim você pagaria 100 vezes um bom projeto de distribuição de
eletricidade. Estou apenas repetindo casos cotidianos.
O valor artístico é um valor perene, enorme, inestimável. É um valor sem preço e sem
desgaste. Pelo contrário, aumenta com os anos à proporção que os homens se educam
para reconhecê-lo. O valor artístico subsiste até nas ruínas. Os anos correm e desgastam o
material, enquanto valorizam o espiritual.
Com a consciência limpa termino minha proposta. Está em suas mãos a responsabilidade
de decidir entre os caminhos. De um lado eu me coloco, não só, mas como representante
dos arquitetos brasileiros, defendendo a economia, a ordem e acima de tudo, o futuro. De
outro lado, o empirismo, a reação, a imprevisão.
Qualquer solução que você venha a dar não mudará as relações entre nós, nem sua opinião
futura sobre o que acabo de escrever. Se o prédio for bom, bem projetado, bem planejado,
por um bom arquiteto, você gostará, todos gostarão; se ele não prestar, se custar muito, se
não funcionar, ser for feio ou sem personalidade, sem valor artístico, sem plano nenhum, o
resultado será o mesmo. Em todos os dois casos você adquirirá experiência e acabará por
trabalhar sempre do meu lado e com os meus argumentos. Nós venceremos sempre como
eu queria demonstrar.
Pague pois o que eu pedi. É pouco em relação às vantagens futuras. Ou não pague, e as
vantagens serão as mesmas, para a sociedade evidentemente, não para você.
Vilanova Artigas,
São Paulo, julho de 1945