Você está na página 1de 84

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO – UFRRJ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA

Hibridismo Cultural no Egito Romano: Um estudo iconográfico numismático e


funerário (27 a.c - 212 d.c)

Heleno Araujo da Silva

Monografia do Curso de História da Universidade


Federal Rural do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Licenciado em História.

Orientador: Prof. Dr. Luis Eduardo Lobianco

Seropédica
2020
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO – UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA

Hibridismo Cultural no Egito Romano: Um estudo iconográfico numismático e


funerário (27 a.c - 212 d.c)

Heleno Araujo da Silva

Orientador:

Monografia do Curso de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,


como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Licenciado em História.

Aprovada por:

Presidente, Prof. Dr. Luis Eduardo Lobianco

Prof. Dr. Marcos José de Araújo Caldas

Prof. Dra. Nely Feitoza Arrais


UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO – UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA

AGRADECIMENTOS

A primeira pessoa que devo agradecer é aquela que me carregou desde o ventre, minha
mãe Ana, minha primeira casa. Obrigado por ser minha mãe, tia e avó, você é minha mãe três
vezes. Sem você nada disso seria possível, no fim das contas - literalmente. Obrigado por me
dar aquilo que mais me é precioso: a minha vida. Obrigado por todo o esforço e carinho, que
também se estende ao meu pai Gilson e também ao meu irmão Igor.
Eu queria agradecer a tudo que a rural me proporcionou. O título de licenciado em
História é só uma das coisas que vou levar desse lugar mágico, magnífico, magnânimo e
maravilhoso - pra terminar tudo com “m”. Entrei como um menino, saio como um homem. E
entre tantas andanças de bicicletas e conversas pelo campus, eu aprendi a ver beleza no
simples coditiano, aqui me sinto em casa. E como eu não vivi só de estudos, as voltas das
festas pela ciclovia me reservam as melhores lembranças da vida. O céu estrelado na noite de
Seropédica - a melhor cidade bucólica do mundo - ainda me diz muita coisa.
Uma parte de todo esse todo certamente de dirige aos meus amigos. A maior república
que este pitoresco município baixadense já viu: A república ZZZ. Gabriel, Vitor, Hugo’s
(sim, temos dois), Yago, Thales, Paulinho, Pancho e Pé de Pano. Eu poderia escrever uma
parárafo pra cada um de vocês, mas não tem como. Fica o meu imenso agradecimento a tudo
que vivi com vocês, a cada momento, risada, música e conselhos. Eu levo vocês pra vida
inteira. Aquela república vive e resiste no nosso coração. Fomos os suseranos do nosso
próprio mundinho, fizemos dali o nosso aconchego, ou como preferíamos chamar: o nosso
château, ​levando a vida a 220v ao som de ​deftones.
Quero agradecer a todo mundo que cruzou o meu caminho nesse curso de História
que, apesar de meio ingrato, é a melhor escolha que poderia ter feito. Matheus José, meu
amigo de turma, rural e vida desde o primeiro dia de aula, naquela ensolarada segunda-feira
no P1, obrigado pela sua amizade, quero você pra vida. Ao professor Luis Eduardo Lobianco,
nada disso seria possível sem você. Obrigado pela atenção. Ao Lucas Guedes, vulgo Greg,
que tornou a péssima experiência da minha última república um pouco menos desgraçada. O
maior biólogo que conheço. Ao Time do Fracasso, a vida é melhor com a insanidade de
vocês. A gente vai longe, apesar do nome que adotamos.
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO – UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA

SILVA, Heleno Araujo da.


Hibridismo Cultural no Egito Romano:Um estudo iconográfico
numismático e funerário (27 a.c - 212 d.c) ​/ Heleno Araujo da Silva.
Seropédica: UFRRJ/ICHS, 2020.
84f.
Números de Páginas Pré-Textuais: VIII. Número de Páginas Textuais: 76.
Orientador: Luis Eduardo Lobianco.
Monografia (Licenciatura) – UFRRJ/ Instituto de Ciências Humanas e
Sociais/ Departamento de História, 2020.
Referências Bibliográficas: 84f. p. 82-84.
1. História Antiga. 2. Egito Antigo 3. Egito Romano. 4. Hibridismo
Cultural.
I. LOBIANCO, Luis Eduardo. II. Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro, Instituto Ciências Humanas e Sociais, Curso de História. III.
Licenciatura.
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO – UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA

Hibridismo Cultural no Egito Romano: Um estudo iconográfico numismático e


funerário (27 a.c - 212 d.c)

Heleno Araujo da Silva

Orientador:

Resumo da Monografia do Curso de História, Instituto de Ciências Humanas e


Sociais, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Licenciado em História.

Esta monografia tem a pretensão de analisar a maneira e a intensidade com a


qual a Romanização ocorrey sobre a cultura material egípcia, por meio da utilização de
fontes iconográficas numismáticas e funerárias, desde a anexação do Egito ao Império
Romano como Província até a promulgação do Édito de Caracala. É desta maneira que
pretendo analisar o processo de Hibridismo Cultural ocorrido no Egito Romano,
observando a forma como a cultura faraônica permaneceu contundentemente em
consonância com elementos gregos e romanos em ataúdes, estelas funerárias e máscaras
mortuárias, sarcófagos e moedas.

Palavras-chave: Hibridismo Cultural; Egito Romano; Romanização;


Numismática; Iconografia.
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO – UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA

Cultural Hybridism in Roman Egypt: A funerary and numismatic iconographic


study (27 b.C - 212 a.C)

Heleno Araujo da Silva

Orientador:

Abstract d​ a Monografia do Curso de História, Instituto de Ciências Humanas e


Sociais, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Licenciado em História.

This monograph aims to analyze the manner and intensity with which
Romanization took place over egyptian material culture, through the use numismatic
and funerary iconographic sources, from the annexation of Egypt to the Roman Empire
as a Province until the promulgation of the Edict of Caracalla. It is in this way that I
intend to analyze the process of Cultural Hybridism that occurred in Roman Egypt
observing the way in which pharaonic culture remained strongly aligned with greek and
roman elements in coffins, funerary stelae, death masks, sarcophagi and coins.

Keywords: Cultural Hybridism; Roman Egypt; Romanization; Numismatic;


Iconographic.
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO – UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I- OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA ROMANIZAÇÃO NO


EGITO ROMANO E SUAS NUANCES ÉTNICAS 12
1. 1. TEORIA PÓS-COLONIAL E ROMANIZAÇÃO 12
1.2 HELENISMO: OS ANTECEDENTES DA ROMANIZAÇÃO NO EGITO 15
1.3. ETNIA 16
1.4. HIBRIDISMO CULTURAL 17
1.5. ETNICIDADE E IDENTIDADE CULTURAL 18
1.6. ASSIMILAÇÃO E RESISTÊNCIA: AS NUANCES DO CONTATO
CULTURAL 19
1.7. EGITO ROMANO: ASPECTOS POLÍTICOS DE COERÇÃO DAS ELITES
LOCAIS 22
CAPÍTULO II - O HIBRIDISMO CULTURAL NAS ICONOGRÁFICAS
FUNERÁRIAS NO EGITO ROMANO 23
2.1 - A RELIGIÃO FARAÔNICA: UM BREVE PANORAMA 24
2.2 - INOVAÇÕES NA REPRESENTAÇÃO DAS DIVINDADES FARAÔNICAS
26
2.3 - IMPERADORES E A RELIGIÃO ROMANA 27
2.4 - AS PRÁTICAS MORTUÁRIAS NO EGITO ROMANO 27
2.5 - METODOLOGIA DE ANÁLISE - FONTES PRIMÁRIAS MORTUÁRIAS 29
2.6 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 1 31
2.6.1 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 1 32
2.6.2 - RETRATOS FUNERÁRIOS 33
2.6.3 - GRADE DE LEITURA E ANÁLISE - FIGURA 1 34
2.6.4 - COMENTÁRIOS DA FIGURA 1 36
2.7 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 2 38
2.7.1 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 2 39
2.7.2 - MÁSCARAS MORTUÁRIAS 40
2.7.3 - GRADE DE LEITURA E ANÁLISE - FIGURA 2 41
2.7.4 - COMENTÁRIOS DA FIGURA 2 43
2.8 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 3 46
2.8.1 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 3 47
2.8.2 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 4 48
2.8.3 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 4 49
2.8.4 - ESTELAS FUNERÁRIAS 49
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO – UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA

2.8.5 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 5 51


2.8.6 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 5 52
2.8.7 - GRADE DE LEITURA E ANÁLISE - FIGURAS 3, 4 e 5 53
2.8.8- COMENTÁRIOS DAS FIGURAS 3,4 E 5 55
2.9 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 6 57
2.9.1 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 6 58
2.9.2 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 7 60
2.9.3 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 7 61
2.9.4 - GRADE DE LEITURA E ANÁLISE - FIGURA 6 E 7 62
2.9.5 - COMENTÁRIOS DAS FIGURAS 6 E 7 64
CAPITULO III - SERÁPIS E A LEGITIMAÇÃO DO PODER IMPERIAL 6​5
3.1 - SERÁPIS: A DIVINDADE SINCRÉTICA 6​7
3.1.1 - SERÁPIS E O DOMÍNIO ROMANO SOBRE O EGITO 6​9
3.2 - CULTO IMPERIAL ROMANO 70
3.3 - NUMISMÁTICA E HISTÓRIA 7​1
3.4 - FONTE ICONOGR​Á​FICA NUMISM​Á​TICA - FIGURA 1 73
3.4.1 - FONTE ICONOGRÁFICA NUMISMÁTICA - FIGURA 2 7​4
3.4.2 - FONTE ICONOGRÁFICA NUMISMÁTICA - FIGURA 3 7​5
3.4.3 - FONTE ICONOGRÁFICA NUMISMÁTICA - FIGURA 4 7​6
3.4.4 - DESCRIÇÃO DOS REVERSOS DAS MOEDAS 1,2,3 e 4 7​7
3.4.5 - GRADE DE LEITURA E ANÁLISE - FIGURAS 1,2, 3 e 4 78
3.4.6 - COMENTÁRIOS DAS FIGURAS 1, 2,3 E 4 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS 8​1


REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO 8​2
9

INTRODUÇÃO

A dominação do Egito protagonizada por Otaviano em 30 a.C. propiciou uma série de


interações culturais entre romanos, gregos e egípcios. Dessa forma, o contato entre os três
povos esteve longe de ser meramente restrito ao âmbito militar ou fiscal. Esta inserção
possibilitou que o Egito assistisse a mais um processo de hibridização cultural, visto que antes
deste domínio já havia sido helenizado no Egito Ptolomaico, somando-se a isso a presença
dos judeus por mais de meio milênio antes do processo de Romanização. Trata-se, portanto,
de uma sociedade plural, abarcando não apenas as três culturas que serão aqui
minuciosamente analisadas, mas também a judaica.
O presente trabalho tem como objetivo, dadas as conjunturas anteriores, refletir acerca
das nuances culturais e religiosas gestadas desse contato e que foram refletidas na cultura
material, ou seja, nos campos iconográficos numismáticos e funerários. Interessa a mim,
também, estabelecer a maneira e a intensidade com que as categorizações étnicas eram
elencadas e construídas pelas elites romanas e gregas no processo de Romanização,
segregando os nativos egípcios e fazendo com que esta relação de alteridade fosse percebida
na cultura material funerária e numismática.
Os ​status ​sociais poderiam ser percebidos na utilização de um determinado artefato
mortuário que pudesse identificar a identidade e a ascensão social do morto em questão.
Determinados detalhes poderiam inferir os privilégios gozados pelo menos, como, por
exemplo, um ataúde mais refinado e com retratos, um símbolo do pertencimento à alta
sociedade romana ou grega. O ​corpus ​iconográfico mortuário e suas sete imagens
selecionadas revelam, no capítulo II., a categorização assistida no Egito Romano. Priorizou-se
aqui retratar este contato em cidades e locais como Hawara, Fayum e Saqqara, afastadas de
cidades mais helenizadas como Alexandria, o que me trouxe a reflexão de como esta interação
ocorreu em cidades repletas de nativos egípcios e a forma como a cultura romana e o vetor da
Romanização foram introduzidos na cultura funerária romana. Em contrapartida, os elementos
faraônicos permaneceram em voga neste processo de resistência, ao mesmo em que houve a
assimilação dos elementos romanos.
Além disso, interessa a este estudo refletir sobre a inserção das culturas grega e
faraônicas como meio de legitimação de um pretenso ​status quo romano, isto é, a
manipulação dos produtos de suas hibridizações resultantes deste mesmo contato na intenção
de propagar o poder romano. Neste caso, falo especificamente do estudo numismático acerca
do deus Serápis, no capítulo III. Neste caso iconográfico em específico, temos o uso de uma
10

divindade puramente sincrética, na medida em que no capítulo II irei refletir apenas sobre
artefatos mortuários e suas utilizações balizadas pela pirâmide social romana.
De maneira geral, busco traçar os mecanismos de legitimação que permearam a
cultural material, seja ela numismática ou mortuária, fazendo da mesma um veículo de
propagação de simbolismo, artefatos e crenças que remetiam a uma pretensa “elite” da
civilização egipto-romana, elementos estes marcadores de pertencimento a uma determinada
categoria. A Romanização, então, adentrou pelas mais diversas instâncias desta sociedade
híbrida, extrapolando os assentamentos militar e fronteiriços, abarcando a cultura material.
Este processo assistiu a hibridização de diversos elementos nativos egípcios para uso de seus
próprios interesses. Dessa maneira, pretendo mostrar que a dominação romana se estendeu e
se propagou de maneira crucial na religião, não havendo necessariamente a renúncia da
cultura nativa, mas ao contrário, utilizando-se da mesma, ainda que os pressupostos
imperialistas de dominação militar existissem, as nuances culturais permaneceram híbridas e
sobrepostas.
Os recortes temporais deste estudo visam, como já proposto aqui, apresentar apenas as
peculiaridades culturais e religiosas do Egito Romano, ou seja, apenas uma pequena parte que
abarca toda a existência desta civilização data de mais de cinco milênios atrás. Com isso, trato
de estabelecer como ponto de partida a dominação do território como parte do Império
Romano, ou seja, como sua província, controlada a mando direto de Otaviano, primeiro
Imperador, em 27 a.C. Assim, estende-se até o édito imposto por Caracala, fazendo com que
todos os cidadãos de todas as províncias fossem considerados livres, recorte este que será
explicado de maneira mais detalhada no primeiro capítulo.
Sobre os recortes espaciais ou geográficos, tomo como balizamento os critérios​1 de
Ciro Cardoso, dividindo o território egípcio em três grandes regiões. A primeira, o Delta,
região de extrema importância pelos inúmeros leitos do rio Nilo, desaguando no
Mediterrâneo. Caracterizando-se por ser uma área pantanosa e de grande cultivo e pecuária.
Depois, tem-se a região chamada Vale. Uma longa margem cultivável próxima às margens do
rio, distante dos desertos. Por último, trata-se dos desertos, regiões infrutíferas e com solos
fracos localizadas de maneira mais afastadas do Delta e do Vale. Estas três regiões
compunham o que caracterizo aqui como Egito Romano.
Optei por dividir o estudo em três partes. Na primeira, traçarei as questões
metodológicas e de análise de conteúdo que será usada para utilizar as fontes das duas
naturezas, explicando como a mesma funciona e como serão suas divisões. Além disso,
1
​CARDOSO, Ciro Flamarion. ​O Egito Antigo. ​São Paulo: Brasiliense, 1992, pp. 17 e 18​.
11

elencarei os pressupostos teóricos que sustentam este estudo.


No segundo, prezo por mostrar como as três culturas se hibridizam funerária na
iconografia do Egito romano no que diz respeito às crenças funerárias. Assim, a cultura
material utilizada era dos mais diversos tipos de artefatos funerários como estelas, múmias,
sudários e máscaras. Além disso, mostro a maneira como essas mesmas iconografias
funerárias carregavam elementos que viriam a ser utilizados como marcadores de ​status
sociais pelas elites das cidades. Dessa forma, busco estabelecer a premissa já dita nesta
introdução de que a interação romana extrapolou a inserção militar.
No terceiro e último capítulo, reforço estes pressupostos, desta vez com a inclusão das
fontes numismáticas, trazendo à tona a maneira como a hibridização produzida atingiu o
Culto Imperial romano, elaborando sincretismos e divindades que viriam a legitimar os
próprios imperadores por meio das moedas veiculadas. Portanto, trata-se de um fenômeno
gestado no próprio seio do Egito Romano, uma divindade de características surgidas e
mescladas por meio daquele mesmo contato, sendo, por ela mesma, utilizada para legitimar a
autoridade máxima daquele governo, o Imperador.
12

CAPÍTULO I- OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA ROMANIZAÇÃO NO EGITO


ROMANO E SUAS NUANCES ÉTNICAS

O estudo da cultura material florescido no período de dominação da província do Egito


realizado por Roma, só pode ser compreendido integralmente por meio do entendimento dos
conceitos de Romanização e Teoria Pós-Colonial. Estes conceitos são fundamentais para que
entendamos as nuances e especificidades do contato que ocorreu entre Roma e seus domínios
provinciais, fazendo que as percepções sejam descentralizadas e dissociadas do olhar
ocidental, promovendo uma historiografia que possa versar sobre os pontos periféricos, antes
negligenciados pela História.

1. 1. TEORIA PÓS-COLONIAL E ROMANIZAÇÃO

Essa teoria visa quebrar os paradigmas impostos pelo pensamento colonial. Estes, por
sua vez, têm a tendência de impor uma dominação realizada por meio de uma hierarquização
das relações sociais entre povos e raças, partindo do pressuposto de que deveriam ser
dominados para que pudessem ser “civilizados”. Dessa forma, esse processo de colonização
operou por meio de uma chave de conceitos duais, como sendo dominador/dominado,
civilizado/selvagem, colonizador/colonizado e metrópole/colônia. Aimé Césaire, um dos
grandes expoentes dos estudos pós-coloniais, explicita bem o que significa o empreendimento
em sua forma mais pura e torpe:

O que é em princípio a colonização? Reconhecer que ela não é


evangelização, nem empreitada filantrópica, nem vontade de fazer retroceder
as fronteiras da ignorância, da enfermidade, da tirania, nem a expansão de
Deus, nem a extensão do direito; admitir de uma vez por todas, sem titubear,
por receio das consequências, que na colonização o gesto decisivo é o do
aventureiro e o do pirata, o do mercador e do armador, do caçador de ouro e
do comerciante, o do apetite e da força, com a maléfica sombra projetada por
trás por uma forma de civilização que em um momento de sua história se
sente obrigada, endogenamente, a estender a concorrência de suas economias
antagônicas à escala mundial.​2

As teorias pós-coloniais surgiram, principalmente, nos anos setenta do século XX, na


esteira dos processos em massa de independência e descolonização que os países africanos e
asiáticos passaram e sofreram. Dessa forma, começaram a ser analisados os discursos
colonialistas e grandes autores opostos a estes emergiram neste processo. Entre estes,
2
​CÉSAIRE, Aimé. ​Discurso sobre o colonialismo.​ Blumenau: Letras Contemporâneas, 2010, p.17.
13

destaca-se Franz Fanon, com sua obra Os Condenados da Terra (1961), no qual o autor
denuncia os graves ocorridos proporcionados pelo imperialismo francês na Argélia. A obra de
Fanon se constituiu como um grande ponto de partida para a propulsão e popularização dos
estudos pós-coloniais em todo o mundo.
Depois de seu surgimento, as teorias pós-coloniais desvelaram-se como heterogêneas e
diversificadas em alguns aspectos entre si. Apesar de suas diferenças pontuais e centrais entre
as correntes, elas carregam em si pontos cruciais e comuns a todas elas. Todas têm como
ponto principal reescrever a história única que vigorava até então, mantida pelo viés ocidental.
como elucidado pela autora Jane Webster. Para ela, todas convergiam no sentido de subverter
a ordem imposta pelo imperialismo colonial, focando em três principais pontos:

1) The Articulation of the active history of colonized peoples, including


their capacity for subtle forms of overt and covert resistance.
2) The deconstruction of the binary models by which the West has
categorized its Others; and in so doing defined itself. These Oppositions
include self: other, metropolis, colony and centre: periphery. By applying
deconstrutive techniques to these structures of dominance and marginality,
the margins are again, brought into the centre.
3) The critique of Imperialism of representation: that is, of the
relationship between power and knowledge in the production of the colonial
Other. The investigation of power-in-representation in colonial images and
languages is also known as colonial discourse analysis​3

O conceito de Romanização também sofreu diversas alterações em decorrência das


teorias pós-coloniais. Antes do florescimento das mesmas na década de 70 do século XX, o
termo era empregado a fim de desenvolver a ideia de que a “civilidade” dos romanos havia
chegado às províncias estrangeiras e fora de Roma de maneira providencial, de maneira a
levar a cultura “civilizada” a um pretenso povo “bárbaro” e “selvagem” que deveria
adaptar-se.
Nos primeiros estudos em que o conceito aparece, inclusive, seu significado passa a
ser relacionado a uma espécie de aculturação por parte dos povos “bárbaros”, na medida em
que Romanização era relacionado ao viés culturalista. Neste, por sua vez, a noção de “cultura”
estaria eminentemente ligada à noção de “identidade” e “etnia”, assim, o processo de
Romanização estaria inerentemente relacionado com a adoção da identidade romana por parte
do povo colonizado. Dessa forma, a Romanização, para esses autores seria uma espécie de
“aculturação”sofrida, como salienta Haverfield:

3
​WEBSTER, Jane. “Roman Imperialism and the “Post Imperial Age”, In: WEBSTER, Jane e COOPER, Nick (eds). ​Roman
Imperialism: Post - Colonial Perspectives.​ Leicester: School of .Archaeological Studies - University of Leicester, 1996, p.7.
14

First, Romanization extinguished the difference between Roman and


provincial through all parts of the Empire but the cast, alike in speech, in
material culture, in political feeling and religion. When the provincials called
themselves Roman or when we call them Roman, the ephitet is correct.
Second, the process worked with different degrees of speed and sucess in
different lands. It did not everywhere and at once destroy all traces of tribal
or national sentiments or fashions. These remained, at least for a while and
in certain regions, not in active opposition, but in latent persistence, capable
of ressurrection under proper conditions. In such case the provincial had
become a Roman, but he could still undergo an atavistic reversion to the
ways of his forefathers.​4

O paralelo traçado entre o culturalismo se encontrava com a Romanização na medida


em que acreditava-se que a cultura nativa seria suprimida pela romana, colocando em
equivalência este conceito com a aculturação, na medida em que adotar a identidade de um
romano seria um equivalente a ser visto como um romano, já que a noção culturalista a
enxergava dessa maneira.
O conceito de Romanização, portanto, encontrou-se permeado por debates que
versaram sobre seu sentido e razão de aplicabilidade, principalmente após a profusão de
estudos protagonizados pelas teorias pós-coloniais. Autores como David Mattingly declaram
que em algum momento da historiografia alguns historiadores propuseram o fim de seu uso,
junto com o termo “aculturação”, quando se tratava de dissertar sobre a relação que Roma
possuía com suas províncias​5​.
A assertiva anterior é contestada por muitos autores, como Martin Millet que, além de
afirmar que o conceito ainda é bastante útil​6 para entender as relações desveladas pelo contato
entre Roma e províncias, bem como no artigo de Norma Mendes e Yuri Araujo. Neste, os
autores afirmam que o conceito de Romanização pode ser utilizado, desde que nele se
encontre a noção de que o mesmo representa um conjunto de “processos de mudanças
socioculturais multifacetadas em termos de significados e mecanismos, resultantes dos
relacionamentos entre os padrões culturais romanos e a diversidade provincial”​7​. Portanto,
essa interação ocorre em diversos níveis e tipos diferentes, com categorias não estanques, pois
a cultura colonial não se define em apenas uma, sendo fruto de diversos processos. Assim,
4
​HAVERFIELD, FJ. ​The Romanization of Britain.​. Oxford: Oxford Clarendon Press, 1912, p.22.
5
​MATTINGLY, D. ​Imperialism, power, and identity:​ Experiencing the Roman Empire. Princeton: Princeton University Press, 2011.
p.22.
6
​MILLET, Martin. The Romanization of Britain.: An Essay in Archaeological Interpretation. Cambridge, Cambridge University
Press,1990, apud CLARKE, Simon. “Acculturation and Continuity: Re-assessing the Significance of Romanization in the
Hinterlands of Gloucester and Cirencester”, In: WEBSTER, Jane e COOPER, Nick. (eds) ​Roman Imperialism: Post - Colonial
Perspectives.​ Leicester: School of .Archaeological Studies - University of Leicester, 1996, p. 71.
7
MENDES, Norma Musco; ARAUJO, Yuri Corrêa. Epigrafia, Sociedade e Religião: o Caso da Lusitânia. In: Phoînix Laboratório
de História Antiga / UFRJ. Rio de Janeiro: ​Mauad Editora,​ ano 13, 2007, pp. 258-260, p.258.
15

descentralizar os estudos coloniais nos permite enxergar as diversas nuanças que compõem
estes contatos.
Afiirma Millet que o mesmo não ocorreu apenas de maneira coercitiva, mas
cooperativa e cooptativa com as elite locais​8​, assim como afirma Richard Hingley, ressaltando
que os mecanismos de poder assistidos nas províncias precediam a chegada dos romanos na
mesma.​9 Dessa forma, as estruturas fiscais e de organização romana nas províncias tiveram
como base as condições “tribais” de organização. Esses fatores, então, vão de encontro à ideia
de que os “colonizadores” foram incisivos em impor todos seus mecanismos aos
“colonizados”, pois afirma que estes também tiveram sua agência histórica, na medida em que
suas características foram incorporadas ao ​modus operandi​ romano.
Apesar disso, autores como Alan Bowman atestam que em alguns casos, como no
Egito, as estruturas de poder nativas foram especialmente modificadas de acordo com a
vontade romana.​10 O Egito foi exatamente um destes casos peculiares, no qual o responsável
pela administração romana não era um membro da ordem senatorial, como em outras
províncias, mas um funcionário oficial intitulado como Prefeito, diretamente apontado pelo
Imperador e pertencente à ordem equestre.

1.2 HELENISMO: OS ANTECEDENTES DA ROMANIZAÇÃO NO EGITO

Antes da romanização, ocorreu o contato das culturas grega e egípcia. Para tratar
exclusivamente da interação da cultura grega com as orientais, devemos conceituá-la como
Helenização. Com a expansão do grande Império de Alexandre Magno para as terras egípcias,
processo este que teve seu início no ano de 332 a.C. Uma localidade crucial para ilustrar esse
processo é a cidade de Alexandria, fundada pelo mesmo, mais tarde tornando-se capital do
Egito Ptolomaico (306 - 30 a.C.) e do Egito Romano (30 a.C. - 395 d.C.).
O Egito Romano, além de apresentar a já marcada presença da Romanização, atestou
também, especificamente em Alexandria, a presença eminente do Helenismo, somadas às
imbricações culturais do judaísmo e dos já presentes elementos faraônicos. Tomo como
definição deste conceito originado com a conquista de Alexandre a resolução de Johann

8
​MILLET, Martin. The Romanization of Britain. An essay in archaeological interpretation. Cambridge: Cambridge University Press,
1990 apud WEBSTER, Jane. “Roman Imperialism and the “Post Imperial Age”, In WEBSTER, Jane e COOPER, Nick (eds). Roman
Imperialism: Post - Colonial Perspectives.​ Leicester: School of .Archaeological Studies - University of Leicester, 1996, p.8.
9
HINGLEY, Richard. The “legacy” of Rome: the rise, decline, and fall of the theory of Romanization, In: WEBSTER, Jane e
COOPER, Nick (eds), ​Roman Imperialism: Post - Colonial Perspectives. Leicester: School of .Archaeological Studies - University
of Leicester, 1996, p.41.
10
​BOWMAN, Alan.. ​Egypt after the Pharaohs 332 BC – AD 642:​ From Alexander to the Arab Conquest.​ L ​ ondres: British Museum
Publications, 1986, p.37.
16

Droysen, analisando o Helenismo como um fenômeno que contemplava a mescla das culturas
helênicas e as orientais, como por exemplo a faraônica.​11
A cidade de Alexandria se tornou um centro de bastante incidência da cultura grega.
Mudanças e assimilações foram assistidas em campos como religião, mitologia e
indumentária. Alguns serão vistos com detalhes e analisados junto às fontes no capítulo 2.
Neste momento, irei me ater às questões mais gerais que não envolvem a análise das
iconografias. No âmbito mitológico, algumas divindades conceberam diferentes
representações, algumas até mantendo o próprio nome original faraônico, que é o caso de Ísis
Týchë e Ísis Pharia. Segundo Luis Eduardo Lobianco, estas duas variações da divindade são
exclusivamente surgidas no seio do Helenismo no Egito, com representações muito
particulares​12​. Na primeira, é possível perceber a presença de artefatos próprios da cultura
grega, como a cornucópia, junto a um timão. Já a segunda, por sua vez, como salienta Soheir
Bakhoum, é própria de Alexandria, cujo porto era protegido por um farol, e que, portanto,
representava-se como a divindade responsável por guardar e proteger os marinheiros.
O filho da divindade em questão, Hórus, passou a ser representado e conhecido como
Harpócrates em Alexandria, sendo representado diferentemente das suas iconografias
faraônicas antropozoomórfica ou zoomórficas. Segundo Lobianco, era ilustrado como um
bebê com um dedo na boca, assumindo uma postura completamente diferente da tradicional​13​,
sem seu corpo de falcão - ou apenas a cabeça, na representação antropozoomórfica.

1.3. ETNIA

A definição conceitual do termo “etnia” perpassou por diversos caminhos pela


Antropologia, Sociologia e História. Na impossibilidade de traçar um profundo estudo sobre
suas variações e diferenças históricas que sofrera, pretendo ressaltar aqui a recusa à
simplificação do termo, assentada na ideia reducionista que o equipara ao esquema
“cultura/idioma/raça”.
Deixadas de lado as definições que não lhe cabem e somente o simplificam, irei
demonstrar as que contemplam o referido estudo. Estas são elaboradas por Ciro Cardoso,
presentes na tese de doutoramento de Luis Eduardo Lobianco, ressaltando que etnia consistia
em “… um agregado estável de pessoas, historicamente estabelecido num dado território,
11
​DROYSEN, Johann apud PAUL, André. ​O Judaísmo Tardio. História Política​. São Paulo: Paulinas, 1983, p.93
12
​LOBIANCO, Luís Eduardo. Alexandria no Egito: a luz do helenismo no antigo Oriente Próximo. In: Seminário Representações,
Poder E Práticas Discursivas, 2010, Nova Iguaçu. ​Anais​, Nova Iguaçu: UFRRJ, 2010. Disponível:
<http://www.ufrrj.br/graduacao/prodocencia/publicacoes/praticas-discursivas/alexandria.pdf> Acesso em 18. mai. 2019, p.9.
13
Ibidem.
17

possuindo em comum particularidades relativamente estáveis de língua e cultura,


reconhecendo também sua unidade e sua diferença em relação a outras formações similares
(autoconsciência) e expressando tudo isto em um nome auto-aplicado (etnônimo).”​14
Com as ideias de Frederik Barth, as discussões sobre as definições de Etnia e
Etnicidade avançaram. As antigas premissas de que estas se baseavam simplesmente em
isolamentos geográficos em localidades específicas foram derrubadas. As verdadeiras
fronteiras étnicas consistiam nas próprias atribuições do grupo e em suas organizações, ou
seja, os mecanismos de inclusão ou exclusão são deliberações do próprio grupo étnico. As
fronteiras, por sua vez, não são inertes, na medida em que os critérios e fatores que a
determinam são mutáveis de acordo com época e lugar.
Fatores objetivos como linguagem e religião em alguns casos fornecem respaldo para
reforçar a noção de etnia ou identidade cultural, contudo, não de maneira isolada. Os fatores
determinantes, segundo Sian Jones, surgem a partir do momento que acontece o contato entre
os diferentes povos. A consciência da própria etnia, então, é forjada neste contexto de contato
com o “outro”.

1.4. HIBRIDISMO CULTURAL

Para tratar especificamente do entrelaçamento das culturas visto entre as culturas


grega, romana e faraônica, tratei o conceito de Empréstimo Cultural”, retomado por Peter
Burke em seu livro “Hibridismo Cultural”. Recordando a sua trajetória conceitual, Burke
salienta seu uso pejorativo​15 em algumas situações no século XX. Era comum que utilizassem
o termo “emprestar” para ilustrar as misturas culturais apresentadas, condenando o ato de
utilizar termos, rituais, costumes ou culturas próprios de outros povos, admitindo que tal
prática era nociva à própria cultura.
Ainda seguindo o prognóstico de Burke, o conceito passou a se tornar menos
pejorativo na segunda metade do século XX, principalmente com a inferência de Fernand
Braudel e Edward Said. Este segundo, por sua vez, um grande expoente no estudo
pós-colonial, ressalta que “a história de todas as culturas é a história dos empréstimos
culturais. As culturas não são impermeáveis”.​16

14
​CARDOSO, Ciro. Apud LOBIANCO, Luis Eduardo. A Romanização no Egito: Direito e Religião (séculos I a.C. – III d.C.).
Niterói, 2006, 429 f. ​Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense,
2006, p.22.
15
​BURKE, Peter. ​Hibridismo cultural​. São Leopoldo:. Unisinos, 2006, p.42.
16
​SAID. Edward. ​Cultura e Imperialismo​. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.339.
18

1.5. ETNICIDADE E IDENTIDADE CULTURAL

Dadas as definições dos conceitos anteriores de Etnia, Romanização e Hibridismo


Cultural, podemos tratar especificamente de como se deu a interação entre as diferentes etnias
componentes do tecido social e cultural do Egito Romano.
O Egito Romano propicia um complexo caso de estudos, englobando gregos, romanos
e egípcios como principais etnias entre seus componentes. Com a invasão de Alexandre em
332 a.C. e o posterior surgimento do governo lágida em 305 a.C, intensificou-se a migração
de gregos e, com a dominação romana de 30 a.C. - 395 d.C, trazendo diversos soldados
romanos e membros de diversas províncias diferentes, o processo de migração de romanos
começou. Estes dois processos migratórios são cruciais para entender a composição étnica do
Egito Romano em sua totalidade.
Não era apenas importante compreender a origem dos indivíduos que compunham a
sociedade provincial, mas também como estes se enxergavam de acordo com sua identidade
cultural, como se denominavam e, por conseguinte, como eram vistos pelas autoridades e
enquadrados em leis pelas mesmas em aspectos sociais de alteridade e identidade.
Dada a sua grande extensão territorial, é importante ressaltar que a condição de
Império propiciada por Roma angariou diversos níveis e tipos de inferências de sua cultura,
sendo cambiantes no sentido do tempo e do espaço. Como expressado por David Mattingly, o
processo de adoção de identidades culturais e de etnicidade está diretamente imbricado com
as relações de poder que ocorriam no seio do Império Romano​17​, na medida em que as
deliberações e negociações de poder dependiam das etnias em questão. Este fator conferia
diferentes ​status s​ ociais em diferentes localidades e temporalidades, como observado pela
preferência às etnias grega e romana, em detrimento dos egípcios nativos.
Segundo Márcia Vasques, com a imposição do regime romano em 30 a.C., estes
estabeleceram diversas normas de divisões jurídicas que privilegiariam romanos e gregos, na
medida em que teriam isenção em taxas e impostos pagos ao tesouro imperial, já os nativos
egípcios eram os mais onerados​18​. Visto que as categorias do tecido social romano não são
necessariamente estanques, a etnia dependia de fatores acordados no seio da governabilidade
romana. Esta, por sua vez, possuía um caráter mais abrangente e com critérios diferenciados
daquilo que definiria um grego ou um egípcio. A cidadania romana poderia ser levada a
17
​MATTINGLY, D. ​Imperialism, power, and identity:​ Experiencing the Roman Empire. Princeton: Princeton University Press,
2011. p.206.
18
​VASQUES, Márcia Severina​. ​Crenças Funerárias e Identidade Cultural no Egito Romano​: M
​ áscaras de Múmia. São Paulo, 2005,
161 f. ​Tese (Doutorado em Arqueologia)​. Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia, USP.
2005, p.24.
19

qualquer dimensão de seu vasto império, direcionada àqueles que comungavam de valores,
religião e costumes próprios de Roma, independentemente de sua origem. A flexibilidade das
condições étnicas que os componentes do Império experimentavam desnudava, por si só, o
status q​ ue cada uma poderia oferecer.
A etnicidade, neste caso, servia aos interesses exclusivos das elites romanas e das
elites gregas locais. Estas, totalmente forjadas pelos interesses daquelas, acirrando as
fronteiras étnicas, eram feitas até mesmo de acordo com seus próprios critérios e deliberações.
Desenrolava-se como um processo balizado de acordo com o nível de Helenização dos povos
locais que, segundo Von Seehausen, dependiam de estrutura fundiária, letramento grego e
habitar o centro urbano​19​. Estes privilégios, então, instituídos no início da dominação romana
“...por Augusto para dividir a sociedade egípcia fizeram revigorar o sentimento de etnicidade
dos habitantes do Egito Romano. O pertencer à etnia grega passou a ser enormemente
valorizado e almejado por muitos”​20​.
A cultura material não poderia ser diferente, e refletia todas as nuances que
perpetravam as misturas e relações de poder que a acompanhavam. No capítulo seguinte,
analiso profundamente iconografias funerárias que revelam com detalhes os aspectos
culturais. Dessa forma, a cultura material expressa de maneira singular a crucial simbiose
entre etnicidade e as relações de poder e ​status q​ ue determinados elementos culturais
protagonizavam e demonstravam. Artefatos como estelas, santuários, sudários, mantos,
penteados, mortalhas, tumbas e retratos tinham a pretensão de representar aspectos culturais
próprios de uma identidade que poderia remeter os indivíduos a uma camada social de elite.
Remeter e representar as categorias culturais romanas era um fator positivo neste âmbito de
poder.

1.6. ASSIMILAÇÃO E RESISTÊNCIA: AS NUANCES DO CONTATO CULTURAL

É patente que cultos e elementos religiosos e culturais foram mesclados de diferentes


maneiras e em diferentes intensidades no Egito Romano. Repassado aos nativos de forma
pacífica, como relatam Peter Garnsey e Richard Saller, os aspectos religiosos de Roma
conviveram com os dos nativos faraônicos​21​. Estes, então permaneceram em voga e
interagindo com a cultura romana, foram permitidos pelos romanos, mantendo suas tradições
19
​SEEHAUSEN, Pedro Von. Etnia e Identidade nas Estelas Funerátias do Egito Romano. Rio de Janeiro, 2014, 360 f, ​Dissertação
(Mestrado em Arqueologia).​ Programa de Pós Graduação em Arqueologia do Museu Nacional, UFRJ, 2014, p.27.
20
VASQUES, Márcia Severina. Op.cit. p.28.
21
​ erkeley e Los Angeles: University of
​GARNSEY, Peter; SALLER, Richard. ​The Roman Empire. Economy, Society and Culture. B
California Press, 1987, p.168.
20

e convivendo com essas novas interações, criando aspectos duais de assimilação e resistência,
na medida em que alguns aspectos eram mantidos e outros suprimidos.
Dadas essas condições anteriores, é possível, por meio da análise dos elementos
iconográficos do Egito Romano, inferir sob quais aspectos a religião faraônica protagonizou
representações tanto de resistência quanto de assimilação. É possível inferir, segundo Alan
Bowman, que durante os períodos ptolomaico e romano as inscrições templárias continuaram
a fazer alusão às religiões nativas. O culto aos principais deuses e divindades da mitologia
faraônica permaneceu em alta - como Ísis, Anúbis, Seth, Amon, Hórus e Osíris -, inclusive se
expandindo para outros lugares. O mesmo autor em questão ressalta a magnitude que o culto a
Ísis, cujos rituais e veneração extrapolaram as fronteiras do Egito, sendo assistido até mesmo
em localidades do Mar Mediterrâneo:

The goddess Ísis, wife of Osíris and mother of Horus. Was excepcional in
that her cult (in a form broadly describable as a mystery religion) aroused
widespread interest outside Egypt, reaching all parts of the Mediterranean
world during the Roman period and making a notable on art and literature.
Plutarch wrote a learned monograph on the subject of Ísis and Osíris and in
The Golden Ass, a racy novel set in northern Greece in the middle of the
second century A.D, the autor Apuleius describe how his hero, Lucius, was

redeemed through initiation into the mysteries of Ísis.22

O culto à Ísis era um claro exemplo de resistência cultural, ne medida que se


estabeleceu as bases da religião faraônica no Egito. Ademais, sua influência foi tão grande
que seu culto extrapolou as fronteiras nilóticas, estabelecendo-se em grande parte de todo o
Mediterrâneo, ocupando lugar até em importantes obras literárias, como a de Plutarco
supracitada. A presença de Ísis era tão forte, penetrante e consistente no Egito Romano e no
Mediterrâneo que o Imperador Caracala a elevou ao panteão de divindades imperiais romanas.
Dessa forma, além de permanecer como uma resistência, Ísis também se espalhou e rompeu
fronteiras, adentrando um espaço cultural completamente alheio às culturas e divindades
faraônicas.
Como citado anteriormente, os níveis de Romanização e suas inferências eram
diferentes de acordo com a localidade onde havia contato. Era comum que no interior dos
nomos e nas aldeias a inferência da cultura romana e sua inserção na sociedade e cultura
material fosse percebida de maneira muito mais tímida que nas cidades que já possuíam um
alto grau de helenização, como Alexandria, por exemplo. Em um estudo de casos, Bowman

22
​ ondres: British Museum
​BOWMAN, Alan.. ​Egypt after the Pharaohs 332 BC – AD 642: From Alexander to the Arab Conquest. L
Publications, 1986, p.170.
21

ressalta os dois templos de Karanis, aldeia localizada em Fayum. Com apenas 4.000 pessoas
contabilizadas no segundo século d.C, os dois templos eram unânimes e com uma forte
presença de elementos religiosos faraônicos, dedicadas à adoração e culto ao deus Sobek​23​,
cultuado não apenas em Karanis, mas em muitas outras aldeias de Fayum.
O culto a Sobek nos ilustra uma outra faceta da resistência, que é a permanência das
características zoomórficas das divindades. Sobek, sendo si mesmo um deus crocodilo, não
estava sozinho no que diz respeito aos cultos assistidos pelo vale do Egito. Inclusive os
próprios animais tornavam a ser mumificados nas necrópolis próximas aos templos, um
costume religioso que permaneceu em voga:

This aspect of the treatment of the crocodile is by no mean unique. Other


necropoleis up and down the valley reveal mummification and burial of
sacred animals on a truly staggering scale. At Memphis, apart from the
sarcophagi of the Apis bulls in the Serapeium, there are huge burial
galleries for baboons and falcons, the latter identified with Horus and
represented by upwards of half-a-million specimens; the demotic archive of
Hor reveals details of the Ibis cult (the bird identified with the god
Thot-Hermes) at the same place, the accretion of a total of more than four
million burials in annual mass interments of over 10,000 birds which
involved ritual processions of the priests to the burial galleries.​24

Dados os fatores que permaneceram e se mantiveram em resistência à cultura romana


em seu período de poder político incidindo sobre o Egito, irei falar de maneira breve sobre as
assimilações ocorridas neste mesmo contexto de contato e interação.
Era comum que houvesse, em diversas localidades, a inferências de templos que
tivessem como objetivo prover o culto a deuses romanos ou helenísticos. Segundo Bowman,
estes eram o caso, respectivamente, dos templos dedicados ao culto de Júpiter Capitolino e
Harpócratis, respectivamente, o primeiro localizado em Arsinoe, enquanto o segundo ao sul
de Karanis​25​. Um exemplo ainda mais forte se dá em Oxyrhynchus, onde há uma presença
mais equilibrada no que diz respeito aos templos e as respectivas divindades cultuadas dentro
destes. Esta localidade apresenta uma gama muito diversificada de cultos e de diferentes
origens, sejam elas híbridas ou não. Destaco entre estes, portanto a hibridização referente aos
templos que equiparavam as divindades egipto-helenísticas e egipto-romanas. Estes primeiras,
partilhavam os cultos de Zeus/Amon e Hera/Ísis. Já o segundo caso, o templo dedicado a
Agathodemon se destacava.
23
​BOWMAN, Alan.. ​Egypt after the Pharaohs 332 BC – AD 642:​ From Alexander to the Arab Conquest.​ L
​ ondres: British Museum
Publications, 1986, p.171.
24
​Ibidem, p.174.
25
​Idem, p.170,
22

1.7. EGITO ROMANO: ASPECTOS POLÍTICOS DE COERÇÃO DAS ELITES


LOCAIS

Dentre toda a grande extensão do Império Romano, o Egito se mostrava como uma das
principais províncias do mesmo, devido ao potencial de abastecimento de trigo que poderia
prover a todo o Império. Assim, sua importância logística e estratégica se traduzia em seu
contingente militar, como elucidado por Bowman. Segundo o mesmo, possuía três legiões até
o ano de 23 d.C, quando passou a ter duas. Todo seu corpo militar possuía 5.000 soldados em
cada legião, além de possuírem três alas de cavalarias com 1.500 soldados cada, e nove tropas
auxiliares, contabilizando um total de 5.000 homens​26​. Era um exército majoritariamente de
soldados não egípcios, na intenção de conter possíveis rebeliões. Estes protagonizavam não
apenas a proteção das fronteiras do Império, mas fiscalizavam alguns trabalhos, como nas
minas.
A organização territorial do Egito consistia nos chamados Nomos, repartições
administrativas que abarcavam todo o território e que foram herdadas pela administração e
mantidas na dominação romana. Seus números variavam conforme a época. Durante o século
II d.C., segundo Bagnall e Frier, era possível inferir a presença de um total de 50 Nomos​27​,
sendo divididos em 28 no delta e 22 no Alto Egito.
Além da imposição e formação do exército, a manutenção da integridade e coesão
territorial também perpassava por outras estratégias políticas, como, por exemplo, a cooptação
de uma pretensa elite local. Segundo Ramsey Macmullen, era uma estratégia de facilitação do
domínio romano e que se estendeu por todo o Império, abarcando todas as províncias​28​.
Contudo, o Egito carregou algumas particularidades que o diferenciava das demais. Como
sugere Pedro Von Seehausen, o critério para que a elite local fosse cooptado era escolhida
pelo próprio governo Imperial e, neste caso, recrutando uma pretensa “elite grega”​29​, algo que,
por sua vez, se tornava complicado e extremamente criterioso, na medida em que, devido ao
domínio ptolomaico anterior, a população era eminentemente miscigenada.
O hibridismo cultural assistido no período ptlomaico foi uma indigesta herança para o
Império Romano, no que diz respeito a estabelecer as divisões e os critérios para que as
categorias de etnia e identidade fossem criadas. Dessa forma, foram construídos critérios
26
​Idem, p.78.
27
​BAGNALL, R. S. The Fayum and its People, in WALKER, Susan e BIERBRIER, Morris. ​Ancient Faces, Mummy portraits from
Roman Egypt​. Londres: British Museum Press, 1997, p.55.
28
​MACMULLEN, Ramsay. ​Romanization in the Time of Augustus.​ New Haven e London: Yale Universty Press. 2000, p.2.
29
​SEEHAUSEN, Pedro Von. Op.cit. p.26.
23

jurídicos para que estas fossem estabelecidas e colocadas em prática. Sendo assim, a elite
“grega” passou a gozar de mais privilégios que os considerados “egípcios” escolhidos pelo
Império.
Dadas as condições supracitadas, o governo criou e estabeleceu três condições​30 para
enquadrar os cidadãos, sendo estas as seguinte: ​cives romani, cives peregrini e peregrini
Aegyptii. ​O primeiro grupo consistia em altos funcionários do império romano, bem como
veteranos do exército, legionários e cidadãos eminentes de Alexandria. O segundo, por sua
vez, englobava os gregos das quatro cidades gregas do Egito - Alexandria, Antinoópolis,
Náucratis e Ptolemaida - e judeus. E em último, os egícpios nativos.
Com a tomada do Egito por Augusto - que viria a ser o primeiro Imperador de Roma -
frente Marco Antônio e Cleópatra, tem-se a alteração da condição do mesmo para a de uma
província romana. Como salienta Nathtali Lewis e já mencionado anteriormente, o Egito
assistiu uma logística de administração diferente​31​, sendo concebido de forma mais particular
e tratado como uma possessão mais próxima e pessoal do Imperador Augusto.
Dessa forma, o Egito Romano concebeu diferentes políticas de integração em relação
às outras províncias. Tendo início com a anexação do mesmo ao Império em 30 a.C, ainda
com Otaviano como líder republicano, esta pesquisa tem sua data de partida em 27 a.C. -
quando o mesmo se torna primeiro Imperador e é nomeado Augusto - e sua data limite em
212 d.C., quando Caracacala concedeu cidadania romana a todos os homens livres de todo o
Império, acabando assim com a tensão étnia e com a relação de poder que as categorizações
em relação a gregos, romanos ou egípcios ocasionavam perante à lei. Ao longo de todo o
recorte cronológico realizado neste estudo (27 a.C. - 212 d.C.) um total de cinco dinastias
comandou o Egito Romano, como salienta Tim Cornell e John Matthews, sendo estas:
Julio-Claudiana, Flaviana, Nerva-Trajana, Antonina e Severa, em sequência​32​. Todas estas,
ainda que em diferentes medidas temporais e locais, protagonizaram e eram responsáveis pela
política étnica que segregava gregos, romanos e egípcios.

30
​Ibidem, p.54.
31
​LEWIS, Nathtali.​ Life in Egypt Under Roman Rule.​ Oxford: Oxford University Press, 1985, p.9.
32
​CORNELL, Tim ; MATTHEWS, John. ​Roma.: L ​ egado de um Império. Madrid: Edições del Prado, 1996, p. 98.
24

CAPÍTULO II - O HIBRIDISMO CULTURAL NAS ICONOGRÁFICAS


FUNERÁRIAS NO EGITO ROMANO

2.1 - A RELIGIÃO FARAÔNICA: UM BREVE PANORAMA

Um elemento primordial no entendimento da civilização egipto-romana se dá na


compreensão da religião faraônica e suas nuances. Suas crenças, ritos, simbologias e
divindades permaneceram em voga desde o IV milênio a.C. até o IV século d.C, até que o
monoteísmo cristão dos bizantinos tomou conta do Egito. Contudo, algumas mudanças
substanciais e pontuais foram realizadas nestas suas estruturas, percebidas pelo Empréstimo
Cultural realizado no Egito Ptolomaico e Egito Romano.
Um dos conceitos que expressa a visão de mundo dos egípcios antigos é o Monismo,
muito bem explicada por Ciro Cardoso em seu livro “Deuses, Múmias e Zigurates”. Propondo
uma explicação de caráter comparativo com o cristianismo e sua dualidade inerente, o autor
explica que a crença de mundo dos nativos egípcios fugia àquela realidade​33​. Os esquemas
duais como Sagrado/Profano, Material/Espiritual e Temporal/Eterno. Pertencente a uma
esfera diferente da dos homens, Deus exercia sua sacralidade de uma realidade diferente, de
maneira transcendente.
A visão Monista, por sua vez, escapa bastante aos moldes desta dualidade e de
realidades opostas ontologicamentes. Assim, torna-se um erro remeter os elementos egípcios
às categorizações cristãs ocidentais, pois naqueles inexistem conceitos como “alma” e
“pecado”:

Mundo humano (individual e social), mundo divino, mundo natural,


são aspectos de um todo visto como tal, desprovidos de barreiras
intransponíveis. Não se acentua, nos conceitos e na forma de pensar, a
diferença entre animado e inanimado, humano e animal (ou vegetal),
matéria e espírito, corpo e alma. O mundo todo, único, é o que
constitui o objeto de um pensamento baseado em mitos; o fato de tal
mundo ser uma totalidade coerente é o que permite a ação eficaz como
se acreditava, do ritual e da magia.​34

Os pares que constituem o Monismo Egípcio são eminentemente complementares e


atuam em harmonia, um dos grandes exemplos utilizados por Cardoso é a divisão de Alto e

33
CARDOSO, Ciro Flamarion. ​Deuses, Múmias e Zigurates:​ Uma comparação das religiões antigas do Egito e da Mesopotâmia.
Coleção História 27. Edipucrgs. Porto Alegre, 1999, p.24.
34
​Ibidem.
25

Baixo Egito, gerida da mesma forma pelo Faraó, bem como a luta de Seth e Hórus pela
herança osiríaca.
Segundo Cardoso, a noção que permeia todos os elementos constituintes desse
processo orgânico se define como Vida. Nela, todas as dualidades se encontram e se
completam, na medida em que não são opostas, mas atuam de maneira dinâmica e não
estanque​35​. Sua energia perpetua todos os elementos deste processo, como homens vivos e
mortos. É percebida invariavelmente em animais e na terra, como na fertilidade, também. A
morte terrena não impede que a Vida permaneça em voga, pois o defunto também a carrega.
Ou seja, todos os elementos fazem parte deste coletivo, atribuindo sua Vida de maneira
individual, formando o todo que compõe o ​Modus vivendi​ egípcio.
Segundo David P. Silverman, as cosmogonias e as noções do divino do Egito não
eram consideradas como constante ao longo da história do Egito​36​, na medida em que não
possuíam um “Livro Sagrado” do qual poderiam usufruir de seus ensinamentos e suas
liturgias. Além disso, como sugere Cardoso em seu livro “O Egito Antigo”, antes de uma
unificação do poder em todo o território, os diversos nomos - unidades de poder - que o
compunham possuíam, cada um, cosmogonias e divindades singulares, como por exemplo Rá
em Heliópolis e Ptah em Mênfis​37​. No processo de unificação dos nomos, então, fazia-se
necessário congregar todos estes mitos cosmogônicos e, com isso, alguns cultos foram
elevados ao patamar de cultos abrangentes por todo o território, assim como alguns
permaneceram meramente regionais e isolados em suas cidades de origem.
Ao longo do estudo de antropólogos, arqueólogos e historiadores, concluiu-se que a
cosmogonia do Egito Antigo que prevalecia nos ritos e nas fontes era a que considerava o
deus Rá como o prenúncio e origem de tudo que existe, o que foi acusado ao longo das
análises do Texto das Pirâmides. Dessa forma, segundo Michelle de Kássia Fonseca Barbosa
em seu artigo, o deus criador teria feito surgir o mundo por sua energia, revertido a escuridão
eminente e as águas ilimitadas que a inundavam e, assim, criado tudo que existia​38​. Esta ação
inicial ficou conhecida por reverter todo o caos antes que o mundo, como o conhecemos,
surgisse, assim tendo início a vida nas formas das plantas, animais objetos e os demais
fenômenos.
Toda a reversão do caos infindável era mantida pela deusa Maat. Esta era a

35
​Ibidem, p.25,
36
​SILVERMAN, David P, Cosmogonias e Cosmologia do Egito Antigo. In: SHAFER, Byron E. (org.). ​As religiões no Egito antigo:
deuses, mitos e rituais domésticos. Tradução de Luis S. Krausz. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. p.108.
37
​CARDOSO, Ciro Flamarion. ​O Egito Antigo. S​ ão Paulo: Brasiliense, 1992, p.88.
38
​BARBOSA, Michelle de Kássia Fonseca. O Sagrado no Egito Antigo. Disponível em:
<periodicos.ufpb.br/ojs.php/dr/article/download/15376/8737>. Acesso em: 18. jun.. 2019, p.9.
26

representação divina dos conceitos e arquétipos de Justiça, Equilíbrio e Verdade, que , por sua
vez, impediriam que o Caos inicial fosse retomado no cotidiano egípcio. Maat era a divindade
responsável por impedir que as forças ruins e que representassem tudo aquilo diferente do
equilíbrio não adentrassem nos domínios egípcios. No julgamento da psicostasia, a pluma da
deusa era a unidade de medida que decidiria, na pesagem da balança, o veredito daqueles que
seriam, ou não, dignos de conviver ao lado do deus Osíris no mundo dos mortos. Dessa
forma, segundo Cardoso:

Se a humanidade respeitar Maat poderá esperar que o cosmo se renove


ciclicamente, o rio suba, tudo funcione bem, no tocante a esta vida; e o
indivíduo, caso tenha os meios de prover-se dos elementos de um
funeral adequado, poderá ter acesso à ressurreição e à vida eterna em
condições favoráveis, no paraíso agrário sobre o qual reina Osíris, ou
em outra das versões admitidas da vida após a morte.​39

. Muitas das divindades faraônicas eram associadas à animais ou fenômenos naturais.


Dessa forma, forma, começaram a ser retratadas de maneira zoomórfica. Com o tempo e com
a complexidade dos novos deuses surgidos, dadas suas diferentes origens, como
cosmológicos, naturais ou do meio-ambiente, alguns assumiram formas e elementos humanos,
surgindo assim um processo de antropomorfização. Segundo David P. Silverman, esse
processo não era apenas iconográfico, mas as narrativas míticas tendiam a retratá-los com
vícios, atitudes e características próprias da humanidade, como ego, vaidade, ganâncias e
disputas. Dessa forma, os deuses faraônicos são de diversos tipos e naturezas diferentes, dessa
forma, encontram-se em inúmeros deles. Por isso, esta análise de fontes deste segundo
capítulo irá versar apenas sobre os que se apresentam nos artefatos mortuários, sendo
apresentados e detalhados assim que forem analisados.

2.2 - INOVAÇÕES NA REPRESENTAÇÃO DAS DIVINDADES FARAÔNICAS

Segundo Soheir Bakhoum, em seu livro ​Dieux Égyptiens à Alexandrie sous les
Antoninins - Recherches Numismatiques e Historiques, h​ á algumas mudanças na
representação e culto às divindades egípcias no Egito Romano. Uma grande novidade é em
relação a Osíris, cuja representação passa a ser realizada em forma de Canopo. Além da
“tríade de Alexandria” - as três divindades com culto proeminente em Alexandria”, incluindo

39
​CARDOSO, Ciro Flamarion. ​Deuses, Múmias e Zigurates​: Uma comparação das religiões antigas do Egito e da Mesopotâmia.
Coleção História 27. Edipucrgs. Porto Alegre, 1999, p.26.
27

Serápis - Osíris Canopo se juntava ao grupo de “divindades nilóticas”, completando os


deuses e deusas que recebiam reverência no Egito Romano.​40
Osíris era comumente apresentado de maneira antropomórfica até o Egito Romano,
quando a sua versão canopo ganhou destaque no rito funerário egipto-romano. Em vez da
representação de seu corpo comum nessa forma, como o era antes da dominação romana,
passa a tê-lo trocado por um vaso de tipo canopo em seu lugar. Contudo, segundo as ressalvas
das autoras Dunand e Zivie-Coche, há controvérsias quanto à consistência deste vaso como
tal, pois segundo as autoras, este não se encarregava de carregar as vísceras dos mortos, como
na época anterior à romana, mas sim água, portanto, não seria considerado, de fato, como um
vaso canopo.​41
Segundo Luis Lobianco, algumas divindades, como Anúbis, começam a se representar
com roupas próprias dos romanos, como uniformes militares ou túnicas brancas, por
exemplo.​42 Osíris, por exemplo, além da representação em forma de Canopo, passa a ser
apresentado em ângulo incomuns, como pode ser visto neste aporte iconográfico que será
analisado neste segundo capítulo. Hórus, por sua vez, passa a ser representado ao lado de
cavalos, algo que seria incomum nas iconografias faraônicas.

2.3 - IMPERADORES E A RELIGIÃO ROMANA

Os Imperadores romanos guardaram, ao longo do tempo, diferentes atitudes e posições


frente à religião nativa faraônica e seus templos e artefatos, assim, estabelecendo interações
em diferentes níveis. Uma constante nesses contatos era o fato de que os Imperadores
costumavam não estabelecer interferências nas prerrogativas religiosas de suas províncias,
apenas em caso destas atrapalharem a integrada destas como um território dominado e
mantido sob jurisdição romana.​43 No Egito, por exemplo, a tendência de manutenção dos
mecanismos religiosos foi mantida. Já na Judéia, intervenções foram necessárias para manter
a ordem romana.

2.4 - AS PRÁTICAS MORTUÁRIAS NO EGITO ROMANO

40
​ echerches Numismatiques et Historiques​. P
​BAKHOUM, Soheir. ​Dieux Égyptiens à Alexandrie sous les Antonins: R ​ aris: CNRS
Éditions, 1999, p.24.
41
​DUNAND, Françoise. ZIVIE-COCHE, Christiane. ​Dieux et Hommes en Égypte 3000 av. J.-C. 395 apr. J.C. P ​ aris: Armand Colin,
1991, p.268.
42
​LOBIANCO, ​Luis Eduardo. A Romanização no Egito: Direito e Religião (séculos I a.C. – III d.C.). Niterói, 2006, 429 f. ​Tese
(Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História​, Universidade Federal Fluminense, 2006, p.257.
43
​BEARD, Mary; NORTH, John; PRICE, Simon. ​Religions of Rome.​ Vol. 1. A history. Cambridge: Cambridge University Press,
1998, p.314.
28

O longo domínio romano sobre a grande província egípcia possibilitou, como já


elucidado no primeiro capítulo, o trânsito e contato de diversas culturas. Não apenas as
culturas romanas e egípcia, mas também a grega e a judaica, participaram dessa grande
miscelânea cultural.
Com os costumes funerários, então, não foi diferente. Era possível atestar,
principalmente fora da cidade de Alexandria - uma cidade com um maior nível de inserção da
cultura helenística -, a conservação de costumes, ritos e elementos funerários eminentemente
herdados do período clássico faraônico, anterior ao domínio romano do Egito. Segundo
Márcia Severina Vasques, em seu artigo “Os epitáfios funerários como suporte para as
crenças e práticas mortuárias do Egito Romano: exemplares de Terenuthis e Ábidos”, os
templos egípcios ao longo da dominação romana continuaram com disposições parecidas com
as de outrora. Contudo, algumas adaptações foram realizadas pelas autoridades romanas,
modificando as dimensões dos templos, reduzindo suas áreas.​44 A própria administração dos
templos ficou a cargo dos romanos, escolhendo aqueles que iriam controlá-los, com os
governantes das províncias assumindo o controle dos templos, que outrora era do Faraó.
Segundo Bowman, com a gradativa perda de agência e autonomia que o possuíam na época
faraônica, sua logística e seus mecanismos começaram a ser geridos pelo chamado “Alto
Sacerdote de Alexandria”, um funcionário de alto escalão, diretamente da ordem equestre.​45
A maneira de lidar com os corpos dos mortos no Egito Romano também permaneceu
em voga, ainda que com pontuais mudanças, o que também aconteceu na mais popular delas,
a mumificação. Largamente utilizada como principal método de enterramento, sofreu algumas
alterações ao longo do processo de domínio romano. Segundo Vasques, era natural que no
período clássico faraônico houvesse uma maior preocupação com todo o ornamento que
envolveria toda a dimensão da tumba, como produtos ofertados ao defunto. Era comum que,
no período romano, algumas múmias fossem adornadas com ouro em algumas partes bem
específicas de seu corpo como mãos, bocas, pés e genitálias.​46 A conduta também mudou em
relação ao uso do Livro dos Mortos, que ia entrando em ostracismo na medida em que o
Livros das Respirações ia ocupando, aos poucos, seu lugar.
Em tumbas do período romano, contudo, é possível observar um certo declínio no que

44
​VASQUES, Márcia Severina. Os epitáfios funerários como suporte para as crenças e práticas mortuárias do Egito Romano:
exemplares de Terenuthis e Ábidos. ​Anais do XXVI Simpósio Nacional de História​. São Paulo: Anpuh, 2011, p.3.
45
​BOWMAN, Alan.. Op.Cit, p.180.
46
​VASQUES, Márcia Severina​. ​Crenças Funerárias e Identidade Cultural no Egito Romano​: ​Máscaras de Múmia. São Paulo, 2005,
161 f, ​Tese (Doutorado em Arqueologia)​. Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia, USP,
2005, p.27.
29

diz respeito a estes artefatos. Alguns fatores, contudo, podem explicá-lo, como por exemplo,
ao claro empobrecimento da população egípcia gerada no seio da mesma dominação romana,
fazendo com que os recursos para as ornamentações funerárias se tornassem ainda mais
escassos. Neste período, portanto, existia uma maior atenção ao corpo do defunto em si, por
ele mesmo, em detrimento de seu envoltório, concentrando as atenções em seu estado de
conservação. Uma prova disso é a utilização meramente ornamental dos vasos canópicos ao
longo do domínio romano.
As significações e o objetivo pelos quais os rituais funerários eram realizados
permaneciam, em sua essência, eminentemente faraônicos. A mumificação continuava sendo
utilizada para preservar o corpo do morto, diante da crença de que a mesma deveria ser feita
para que a vida eterna só poderia ser atingida com o corpo intacto e não degradado.​47 Um
grande recurso estilístico mortuário observado no Egito, que convive com as clássicas estelas
funerárias, máscaras mortuárias e mumificações - a serem analisadas como fontes primárias
nas Grades de Análise elaboradas ainda neste capítulo -, se dá por exemplo no surgimento dos
retratos em encáustica ou têmpera sobre linho ou madeira, como é o caso das Figuras 5 e 7,
que são próprias da arte helenística. A cultura romana influencia mais no que diz respeito a
vestuários, joias, adereços e penteados dos defuntos, devido ao já atestado elevado grau social
que os aspectos da cultura romana propiciavam na dinâmica da sociedade do Egito Romano,
como um sinal de ​status, c​ omo já elencado no primeiro capítulo.

2.5 - METODOLOGIA DE ANÁLISE - FONTES PRIMÁRIAS MORTUÁRIAS

Dividirei as fontes a serem utilizadas em dois grupos, concernentes com sua natureza
material, sendo estas: iconografias funerárias e numismáticas. O primeiro grupo se constitui
de sete imagens, a ser analisado neste capítulo. Todas foram escolhidas e agrupadas por
conceberem a presença do deus Anúbis, o que evidencia ainda mais a ligação dos artefatos
funerários com a crença faraônica. Três delas são estelas funerárias. A primeira delas
demonstra o morto sendo conduzido por Anúbis até Osíris com inscrições em hieróglifos. A
segunda demonstra um filho bebê de um soldado romano no Egito, constando um epitáfio
com uma inscrição em latim. A terceira, é uma estela funerária de uma mulher desconhecida
inclinada.
Além das estelas funerárias, temos as mortalhas (ou sudários), que são duas
unidades. A primeira delas demonstra um jovem situado entre Osíris e Anúbis. A segunda,
47
​Ibidem, p.26.
30

por sua vez, demonstra uma jovem mulher que, assim com o jovem da primeira mortalha,
também se situa entre duas divindades faraônicas, dessa vez Anúbis e Upuaut.

Por último, temos um ataúde e uma máscara mortuária. O primeiro é um ataúde


mumificado de Artemídore, com nome do falecido em grego e cenas que nos remetem à
mitologia faraônica. Já a máscara mortuária é destinada a Titos Flavios Demetrios, com seu
nome grafado em grego, mesmo que este seja de origem latina. Todas estas iconografias
citadas neste tópico encontram-se na obra “​Ancient Faces. Mummy Portraits from Roman
Egypt”,​ de Susan Walker e Morris Berbrier.

Procurarei analisá-las sob um esquema de análise montado e explicado por Ciro


Flamarion Cardoso.​48 No dado esquema, antes de tudo, é necessário categorizar os elementos
presentes em cada iconografia que possam se ligar e responder às questões elaboradas na
pesquisa. Assim, se estabelecem categorias nas quais cada elemento pertinente observado na
fonte poderá ser enquadrado para uma posterior amostra que se constitui na criação de uma
grade de análise dos dados apresentados. As categorias podem se constituir nos mais diversos
elementos observados, como por exemplo vestuário, divindades, amuletos, arquitetura, etc.

As categorias principais a serem estipuladas nas análises serão enquadradas, cada


uma delas, em três grupos, no caso, concernentes às culturas grega, romana e faraônica. As
categorias, portanto, devem ser colocadas no grupo de acordo com a cultura a qual pertencem.
Após estabelecida cada uma delas, devemos seguir com o segundo passo.

Em cada categoria, que, por sua, se enquadra nos três grupos já ditos anteriormente,
serão colocadas as “unidades de registro”. Estas, por sua vez, nada mais são que o registro,
descrição e constatação do objeto de análise cuja menção dentro de uma determinada
categoria se tornou necessária. O conteúdo de tal unidade deve se enquadrar no recorte
delimitado pela categoria.

Após a realização do balizamento de cada categoria em cada grupo cultural abarcado


pela pesquisa, é necessária, agora, a constatação de natureza quantitativa. Deve-se numerar
quantos elementos de cada categorias foram constatados. E, posteriormente, quantos
elementos de cada cultura foram mencionados.

48
​CARDOSO, Ciro Flamarion. ​Análise de Conteúdo: Método Básico. (Notas de Aula). Texto do curso História Antiga I, ministrado
pelo professor Luis Eduardo Lobianco no 1º semestre de 2015, no Departamento de História e Relações Internacionais da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
31

Após estas análises de natureza quantitativa, respectivamente, deve-se colher os


resultados e interpretações. Por meio do número de recorrência das categorias de um
determinado grupo cultural, é possível estabelecer a predominância de uma determinada
cultura frente às demais. Assim, como é possível analisar quantitativamente as recorrências de
cada cultura, é possível também fazer o mesmo com as categorias, o que possibilita perceber
qual a predominância temática na análise da fonte em questão, ou seja, se suas recorrências
predominantes são de natureza religiosa, indumentária, arquitetônica, etc.
32

2.6 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 1

Figura 1: Múmia de Artemídore (WALKER, Susan; BIERBRIER, Morris; ROBERTS,


TAYLOR, John. ​Ancient Faces. Mummy Portraits From Roman Egypt. Londres: The trustees
of the British Museum - British Museum Press, 1997).
33

2.6.1 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 1​49

Título: Múmia de Artemídore.

Data: Aproximadamente 100 – 120 d.C.

Localização de origem : Hawara, Sudeste de Fayum.

Localização atual: British Museum/Reino Unido.

Material: Múmia em estuque pintado, com um retrato em pintura, com retrato feito em
encáustica em madeira de tília, coberto por folhas de ouro em camadas específicas.

Temáticas: Fonte Iconográfica Mortuária com elementos híbridos, abordando


majoritariamente aspectos faraônicos, com elementos pontuais de romanização.

2.6.2 - RETRATOS FUNERÁRIOS

As mudanças políticas, administrativas e econômicas perpetradas pela dominação


romana no Egito se alargaram, inerentemente, ao campo cultural - como já observado e
mencionado. A cultura material sofreu grandes mudanças, nas quais elementos faraônicos e
romanos foram misturados.

A mudança nas máscaras funerárias, com a consequente adição dos retratos romanos,
foi um grande fator de mudança que se percebeu no Egito Romano, no que tange à categoria
dos artefatos mortuários. As tradicionais máscaras mortuárias egípcias foram paulatinamente
substituídas, em alguns casos, pelos retratos funerários de características romanas que,
segundo Susan Walker e Morris Bierbrier, se consolidou como um dos aspectos artísticos
mais influentes e permanentes da cultura romana.​50 Contudo, as máscaras continuavam a
carregar seu simbolismo religioso e relativo à vida após a morte, como de praxe na religião
faraônica.

49
​Ibidem, pp.56-57.
50
​Ibidem, p. 14.
34

Assim, os retratos pintados causavam uma mudança substancial na estética dos


artefatos. O rosto do morto era feito com base na arte naturalista​51​, segundo a autora Márcia
Severina Vasques, no texto “Egito Romano: Entre tradição, memória e renovação”,
substituindo os traços culturais egípcios característicos por retratos de pintura. Eram feitos
normalmente em linho ou madeira, poderiam ser feitos sob técnicas como encáustica ou sob
têmpera.

Os rostos dos mortos nem sempre representavam fielmente as feições e características


do morto em questão, ainda que retratados sob a ótica da arte naturalista. Ainda segundo
Vasques, não se preconizava representar fielmente o retrato do indivíduo, mas reproduzir uma
forma peculiar de arte, um modelo ideal direcionado especificamente a ressaltar aquilo que a
autora chama de “retrato honorífico” do morto, em detrimento de sua aparência real​52​. Dessa
forma, os retratos cumpriam uma função pública e social, pois demonstrando seus aspectos
sociais gregos ou romanos também significaria, consequentemente, ressaltar seus ​status social
diferenciado e pertencimento a uma camada mais elevada da sociedade romana

51
​VASQUES, Márcia Severina. Egito Romano: Entre tradição, memória e renovação. ​Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia​.
São Paulo: v.32, p.120 - 130, 2019, p.123.
52
​Ibidem, p.124.
35

2.6.3 - GRADE DE LEITURA E ANÁLISE - FIGURA 1

CULTURAS CATEGORIAS UNIDADES DE REFERÊNCIA UNID.


DE TEMÁTICAS
DE NUM.
REFERÊNCIA

Faraônica Simbologia/ Em cada ponta da gola dourada, é


possível perceber a presença do
Divindades/
deus Hórus, em cada uma há uma
Poder coroa, do Alto e Baixo Egito.

Duas divindades portando


vestuário egípcio próximas a um
vaso de planta, as quais portam
4
em si dois amuletos que tem como
utilidade a restituição da ordem
cósmica.

Presença do disco solar alado.

A presença da coroa Atef.

Cultos Thot e Hórus na presença do


amuleto de Osíris, próprio de seu
1
culto em Abydos.

Rituais Presença de Anúbis observando a


Funerários múmia em formato leonino,
próximo às divindades Néftis e
Ísis. 2

O despertar de Osíris para a vida,


sobre um esquife
36

Romana Pintura A peça mortuária encontra-se em


um estado bem preservado,
emoldurada em um invólucro
vermelho, com bordas baixas e 1
molduras de forma a aparentar um
busto contemporâneo de metal ou
pedra.

Indumentária No retrato, há a presença de uma


túnica branca sob o corpo do
morto.
2
A presença de um manto branco
sobre o ombro esquerdo do morto.
Penteado O penteado característico, com a
presença do cabelo preto penteado
para a frente, alinhado com as
sobrancelhas, própria de um estilo 1
trajano de representação.

Grega Inscrição de A inscrição do nome do morto


saudação ao “Artemídore”, em grego.
1
morto

Indumentária As sandálias em forma de tira de


couro, postadas de frente.
1

LOBIANCO. Op. Cit. 287.


2.6.4 - COMENTÁRIOS DA FIGURA 1

Categorias Temáticas: ​Divide-se as “Culturas de Referência” em três, sendo a


primeira delas a cultura faraônica. As categorias temáticas desta se dividem também em três,
sendo a primeira intitulada “Simbologia/Divindades/Poder”. Esta, por sua vez, se trata de uma
fração mais geral da análise, abarcando aspectos mais variados que têm como aspecto comum
e critério para serem colocados de maneira conjunta a sua ligação estrita com a religião
37

faraônica e suas simbologias, bem como divindades da mesma. Assim, decidi incluí-las
juntamente aos amuletos faraônicos representados na imagem, como na representação da
coroa Atef, pois apesar de ser representada de maneira isolada como um amuleto, a mesma
tem em si a representação eminente de poder no Antigo Egito. As coroas do Alto e do Baixo
Egito também são amuletos e ornamentos que representam a detenção do poder, as quais, por
sua vez, são indissociáveis representações de uma simbologia que nos remete à religião
faraônica. Dessa forma, essa se trata de uma seleção mais geral dos aspectos analisados.
As duas categorias seguintes carregam em si elementos mais específicos, sendo estas
“Cultos” e “Rituais Funerários”. A parte que referente à cultura grega se divide em duas
partes apenas: “Inscrição de saudação ao morto” e “Indumentária”. A última “Cultura de
Referência”, a romana, também se divide em duas frações, sendo elas “”Pintura” e
“Indumentária”, se referindo a aspectos.
Unidades de Registro: ​A primeira unidade de registro sobre o tópico
“Simbologia/Religião/Poder” se dá sobre as extremidades da gola dourada vista na múmia.
Em cada extremidade é possível ver metade do rosto de Hórus e, também, as coroas do Alto e
do Baixo Egito, chamadas de Pschent, a qual representa o poder religioso e político exercido
tanto no Delta quanto no Vale do Egito. Outra coroa que é possível identificar na fonte e que
foi citada na grade de análise é a coroa Atef, a coroa de Osíris. Outro objeto a ser identificado
que merece maior menção é a presença de duas divindades bem próximas a um vaso de
planta, as quais carregam cada uma um amuleto que tem como função a ordenação cósmica.
No segundo tópico, intitulado “Cultos”, faz-se necessário ressaltar sua única Unidade
de Registro. Nela, é possível ver Thot e Hórus juntos com o amuleto de Osíris próprio de seu
culto na região de Abydos. No tópico “Rituais Funerários” há duas Unidades de Registro, que
seguem uma certa lógica sequencial. Assim, no primeiro é possível assistir Anúbis
observando Osíris enquanto este se deita sobre um esquife, e em suas duas extremidades Ísis e
Nephthys. No segundo, Osíris desperta de seu sono.
As Unidades de Registro referentes às Categorias Temáticas sobre a cultura grega
fazem-se desnecessárias, na medida em que se explica por si só apenas com a leitura da grade
de análise. Analisando as referentes à Cultura Romana, percebe-se que a técnica de pintura e
de conservação próprias dos romanos. Sobre a parte temática que versa sobre a indumentária
do morto, a túnica branca poderia ser naturalmente elencada como um aspecto helênico/grego,
assim como ressalta Liddell e Scott​53​, como o chamado ​Chitón, ​em grego, diferentemente da
“Túnica”, seu equivalente em latim. O manto sob o ombro do morto também pode ser
53
​LIDDELL e SCOTT. ​An Intermediate Greek-English Lexicon. ​Oxford: Oxford University Press, 1997, p.889.
38

elencado da mesma maneira, o chamado ​himátion, ​em grego. Contudo, opta-se por tratá-la
como uma característica grega na medida em que a realização de retratos do morto ainda em
vida é majoritariamente uma característica romana, assim, mantém-se a preferência pelos
nomes latinos dos ditos vestuários, como “Túnica” e “Manto”.
Um fato interessante desta análise é que podemos perceber que, apesar da grande
incidência de elementos romanos, é possível compreender que há uma inscrição em grego do
jovem Artemídore. Um indivíduo de nome grego, que é embalsamado de forma faraônica,
ainda que não seja comprovadamente de etnia grega, como observado por Luis Eduardo
Lobianco.
A última Unidade de registro referente à última Categoria Temática romana versa
sobre o tipo de penteado que o morto apresenta no retrato. O tipo de penteado escovado a fim
de realçar o conjunto com a sobrancelha é tipicamente trajânico, fazendo referência ao
Imperador contemporâneo Trajano, visto que o mesmo teve o poder sobre o Império Romano
de 97 a 117 d.C e a imagem data de 100 a 120 d.C.
Unidades de Numeração: A fonte é majoritariamente faraônica, na medida em que é
nesta Cultura de Referência que se encontra o maior número de ocorrência de Unidades de
Registro, ou seja, “7” ocorrências. A romanização se desenrola como um fator importante na
mesma fonte, visto que “4” ocorrências podem ser vistas. As Unidades de Numeração
referentes à Cultura Grega são praticamente irrelevantes frente às demais, visto que apresenta
apenas “2” ocorrências.
39

2.7 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 2

Figura 2: Máscara Mortuária de Titos Flavios Demetrios (WALKER, Susan; BIERBRIER,


Morris; ROBERTS, Paul; TAYLOR, John. Op.Cit).
40

2.7.1 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 2​54

Título: Máscara com pintura sobre cartonagem dourada, grafada com o nome “TITOS
FLAVIOS DEMETRIOS” em grego.

Data: Aproximadamente 80 - 120 d.C.

Localização de Origem: Hawara.

Localização atual: Ipswich Museum/Reino Unido.

Material: Cartonagem dourada e pinturas.

Temática: Aporte funerário de origem faraônica munido de inscrições gregas de um cidadão


romano morto.

2.7.2 - MÁSCARAS MORTUÁRIAS

A confecção e utilização das máscaras mortuárias no Egito Antigo foi uma constante
em praticamente todo o território egípcio. Contudo, como salienta Márcia Severina Vasques
em “A Chora egípcia e as identidades culturais no Egito Romano: uma abordagem
arqueológica.”, a maioria do acervo de máscaras é oriundo de regiões como Fayum, Alto e
Médio Egito, Kharga e Bahariya, já que naturalmente as condições de regiões do delta do
Egito - como Alexandria - não facilitavam a manutenção dos artefatos arqueológicos,
impossibilitando sua análise.​55
A máscara mortuária cumpria uma função religiosa e ritual. Tinha a pretensão de não
apresentar a identidade real do indivíduo, ao passo que passava a representar e identificar o
morto com divindades, em um modelo culturalmente idealizado na sociedade egípcia. As
motivações eram todas ancoradas no Livros dos Mortos e tinham a pretensão de aproximar os
defuntos das divindades, principalmente Osíris e Rá. Assim, é possível que ele mantenha uma
das partes integrantes mais importantes de seu ​Ba, ​constituinte de seu corpo físico.
Segundo Vasques, as primeiras Máscaras Mortuárias surgiram entre o final do
54
​Ibidem, p.84.
​ ASQUES, Márcia Severina. A chora egípcia e as identidades culturais no Egito Romano: uma abordagem arqueológica. ​Anais do
55
V
XXIV Simpósio Nacional de História.​ História e Multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos. São Leopoldo: Anpuh, 2007, ​p.5.
41

Primeiro Período Intermediário e o Início do Médio Império (séc. XX e/ou XXI a.C).​56
Primeiramente, o rosto era pintado diretamente na múmia, ou no gesso que a envolvia, com o
crânio praticamente nu. No Médio Império (2.181-1.650 a.C.), é possível perceber uma maior
sofisticação em sua confecção. O Crânio passa a receber mais atenção, sendo feito em sua
maioria e, em alguns casos, em cartonagem, recebendo mais detalhes no rosto, como por
exemplo as orelhas. Cores como o azul e o amarelo eram adicionados aos cabelos (em listras)
e ao o rosto, respectivamente. No Novo Império (1.550 - 1069 a.C.), algumas máscaras eram
compostas de metal, aumentando o leque de materiais das quais poderia ser construída.
No Egito Romano, é perceptível o acontecimento do “Empréstimo Cultural”,
conceito já abordado no primeiro capítulo. Nas máscaras desse período - incluindo a Figura 2
- há a inferência de ambas as culturas. O arcabouço divino e direcionado ao ​postmortem
permanecia em voga. Sua função, junto ao acabamento artístico em cartonagem e seus
envoltórios, se juntavam, então, aos elementos artísticos romanos. Assim como nos retratos
analisados na Figura 1, observamos uma tendência mais realista de um tipo ideal que remete
ao elevado ​status​ social egipto-romano.

56
VASQUES, Márcia Severina​. ​Crenças Funerárias e Identidade Cultural no Egito Romano​: M
​ áscaras de Múmia. São Paulo,2005,
161 f, ​Tese (Doutorado em Arqueologia)​. Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia, USP.
2005, p.24.
42

2.7.3 - GRADE DE LEITURA E ANÁLISE - FIGURA 2

CULTURAS CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTRO UNID. DE


DE TEMÁTICAS NUM.
REFERÊNCIA
Faraônica Simbologia/ Ao redor do rosto observado sob a
Divindades/ cartonagem dourada, infere-se a
Poder presença de divindades como Osíris
em seu trono, rodeado das presenças
de Ísis e Néphtys, bem como de outras
divindades femininas de um falcão
arqueando suas asas em sinal de
acolhimento/proteção.

Discos solares alados ao redor da


máscara.
5
Presença dos Olhos Udjat (Hórus).

Anúbis assistindo o morto sobre uma


esquife-leão, rodeado por divindades
protetoras, munido da imagem de
alguma divindade colocada ao redor
do pescoço, muito provavelmente
sendo Maat.

Um falcão segurando a cabeça do


defunto junto a um pássaro-ba com
cabeça humana.
Rituais Na parte posterior da máscara é
Funerários possível observar cenas próprias de 1
rituais funerários faraônicos.
43

Estética Facial A silhueta da máscara possui um


contorno inteiramente faraônico, sem
sinais de romanização. 2

A altura das orelhas na máscara em


relação ao plano ocular denuncia um
eminente caráter estético faraônico.
Grega Inscrição de O nome do defunto está grafado
saudação ao
em grego em faixa pintada.
morto.

A estética e a forma da grafia do nome


“Titos Flavios Demetrios” na faixa 2
sustenta a presença de um padrão de
escrita próprio de fins do século I d.C.
e início do século II d.C.
Romana Identidade do A identidade de “Titos Flavios
defunto 1
Demetrios” infere a ocorrência de um
nome romano bem característico.
Estética facial A largura do nariz denota um padrão
um pouco diferente das máscaras
tipicamente faraônicas, 1
assemelhando-se mais aos modelos
flavianos.

LOBIANCO. Op. Cit. 303.

2.7.4 - COMENTÁRIOS DA FIGURA 2

A Figura 2 se trata de uma iconografia mortuária especial e diferenciada das demais


que já foram ou que serão, ainda, analisadas neste trabalho. Sua peculiaridade se deve ao fato
de que se trata de um cidadão romano - apesar do nome “Titos Flavios Demetrios” grafado
em grego - rodeado de inúmeros elementos faraônicos em seu monumento mortuário. Assim
sendo, trata-se de um processo contrário ao usualmente constatado nos estudos dos contatos
entre as culturas romana e faraônica, nos quais os estudos coloniais alçavam a primeira em
44

uma posição preponderante frente à segunda, desembocando no processo chamado de


romanização assisto no domínio romano sobre o Egito - neste caso, mais especificamente
ocorrido na região de Hawara, sudeste do Fayum.

Dados esses fatos, tem-se a ideia de que é um fato que vai na contramão do processo
de romanização: um cidadão romano que se “faraonizou”, tendo incorporado em si diversos
elementos da cultura egípcia, em suas mais diversas naturezas, características e aspectos,
processo este relatado por Luis Eduardo Lobianco em “A Egipcianização/Faraonização” de
Gregos e Romanos”.​57 Tal fato mostra que o hibridismo cultural, neste caso, não é um
elemento exclusivamente presente em monumentos mortuários de indivíduos egípcios,
podendo ocorrer também em monumentos de romanos. A faraonização, portanto, se mostra
como um ponto em comum entre as Figuras I e II. A figura I, de Artemídore, analisada
anteriormente, mostra um indivíduo grego com elementos faraônicos, já a segunda, como já
mencionado, um indivíduo romano.

Categorias Temáticas: ​Como de praxe, a Cultura de Referência que predomina nesta


análise da Figura 2 é a Faraônica, exprimindo-se sobre três diferentes Categorias Temáticas.
Portanto, extrapola elementos apenas religiosos, como os da “Simbologia/Divindades/Poder”,
mas apresenta aspectos eminentemente culturais, estéticos e artísticos próprios da cultura
faraônica. A cultura grega, por sua vez, apresenta-se como um elemento secundário na
análise. Já a terceira e última, a romana, aparece do número inferior à faraônica, assume uma
posição de destaque, já que a mesma desvela a origem romana do defunto.

Unidades de Registro: ​As unidades de Registro predominantes se dão no campo


religioso, com a “Simbologia/Divindades/Poder” aparecendo de maneira exorbitante.
Contudo, a cultura faraônica se exprime por outros fatores dentro da análise, como na cultura
de uma forma geral. É importante ressaltar aqui que as Unidades de Registro da cultura
faraônica nos permite inferir, não obstante sua proeminência frente às outras duas Culturas de
Referência, mas também a ausência de quaisquer sinais de romanização. Pelo contrário, todos
os aspectos, além do já mencionado nome do morto - revelando sua origem e identidade - nos
remetem à cultura faraônica, com a exceção de uma simples e isolada Unidade de Registro
que nos remete a uma estética romana, quando mencionado “A largura do nariz denota um
padrão um pouco diferente das máscaras tipicamente faraônicas, assemelhando-se mais aos
modelos flavianos”. Além dos símbolos religiosos e suas deidades, os “Ritos Funerários”
57
​L​OBIANCO, Luis Eduardo. A “Egipcianização”/”Faraonização” de gregos e romanos. ​Ciências Humanas e Sociais em Revista.​
Rio de Janeiro, 2013, v.35, n.1, p.25-41, jan/jun, p.26.
45

revelam sua presença, bem como quase todos os adornos estéticos e artísticos também são
eminentemente egípcios, destaque para as Unidades de Registro ancoradas na Categoria
Temática de “Estética Facial”, onde registrei “A silhueta da máscara possui um contorno
inteiramente faraônico, sem sinais de romanização” e “A altura das orelhas na máscara em
relação ao plano ocular denuncia um eminente caráter estético faraônico.” Esses dois registros
exprimem, portanto, a predominância da arte faraônica no monumento.
Unidades de Numeração: ​As Unidades de Numeração apenas atestam tudo aquilo
que já foi dito anteriormente nesta mesma análise: com um número de “8” ocorrências, a
religião faraônica predomina em larga vantagem numérica frente às demais, tendo cada uma
apenas “2” ocorrências registradas; Sendo assim, este aspecto da análise é importante para
confirmar e inferir, de maneira quantitativa, o aspecto predominante de uma cultura sobre
outras.
46

2.8 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 3

Figura 3: Estela Mortuária do jovem Tryphon (WALKER, Susan; BIERBRIER, Morris;


ROBERTS, Paul; TAYLOR, John. Op.Cit).
47

2.8.1 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 3​58

Título: Estela Funerária de Tryphon flanqueada por dois Chacais construída em calcário.

Data: Aproximadamente 55 - 70 d.C.

Localização de Origem: Desconhecida.

Localização atual: British Museum/Reino Unido.

Material: Calcário puro.

Temática: Hibridismo Cultural presente em Estela Funerária de Tryphon feita em calcário


puro, com a presença de incrições em grego.

58
​Ibidem, pp.151 - 152.
48

2.8.2 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 4

Figura 4: Estela Funerária de Mulher Recostada com Anúbis .(WALKER, Susan;


BIERBRIER, Morris; ROBERTS, Paul; TAYLOR, John. Op.Cit).
49

2.8.3 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 4​59

Título : Estela Funerária de Mulher Recostada acompanhada de Anúbis construída em arenito.

Data: Aproxidamente 100 - 120 d.C.

Localização de Origem: Desconhecida.

Localizaçãao Atual: British Museum/Reino Unido.

Material: Arenito puro.

Temática: Estela Funerária culturalmente híbrida de Mulher Recostada acompanhada de


Anúbis, construída em Arenito.

2.8.4 - ESTELAS FUNERÁRIAS

A presença das estelas funerárias percorre não só a história de todo o Antigo Egito,
mas também a do Império Romano e da Grécia. A origem de sua palavra significa “pedra
erguida”, dessa forma, elas se constituíam como epitáfios dedicados aos mortos com seus
nomes grafados, bem como monumentos dedicados comemorativos a determinados eventos
ou pessoas. Como indica Pedro Von Seehausen, em sua dissertação de mestrado, era colocada
e construída em muitos templos com a finalidade de glorificação a deuses, ou para comemorar
a vitória sobre um determinado povo estrangeiro.​60
Assim como as técnicas de mumificação e as máscaras funerárias, também sofreram
algumas adaptações ao longo do tempo, como ressalta Márcia Severina Vasques em seu artigo
“Os epitáfios funerários como suporte para as crenças e práticas mortuárias do Egito Romano:
exemplares de Terenuthis e Ábidos”, também foram resultantes de um grande Empréstimo
Cultural promovido pela junção das culturas grega, romana e faraônica na cultura material do
período.
Ainda que algumas mudanças fossem observadas ao longo do percurso histórico
egípcio, Vasques ressalta que alguns padrões eram observados em sua confecção, como por
59
​Ibidem, pp. 152 - 153.
60
​SEEHAUSEN, Pedro Von. Etnia e Identidade nas Estelas Funerárias do Egito Romano. Rio de Janeiro, 2014, 360 f , ​Dissertação
(Mestrado em Arqueologia).​ Programa de Pós Graduação em Arqueologia do Museu Nacional, UFRJ, 2014, p.65.
50

exemplo seu topo em formato arredondado e sendo entalhadas por técnica de baixo relevo.​61
Não cabe a este trabalho estabelecer um panorama detalhado sobre todas épocas que tiveram
Estelas Funerárias como cultura material de grande importância, devido a sua pontual
intenção de apontar o Hibridismo Cultural presente nos artefatos mortuários.
Posto os fatores anteriores, cabe a mim apontar as mudanças de maneira geral
simbolizadas pelas mesmas. Dessa forma, é possível inferir que a grande diferença observada
se dá no fato de que no período romano é comum que o morto apareça sendo conduzido por
Anúbis até Osíris, especificamente estas duas divindades.​62 Em períodos anteriores, podemos
perceber que o defunto permanece sentado em meio a diversos oferendas e divindades, como
ressalta Vasques.

61
​VASQUES, Márcia Severina. Os epitáfios funerários como suporte para as crenças e práticas mortuárias do Egito Romano:
exemplares de Terenuthis e Ábidos. ​Anais do XXVI Simpósio Nacional de História​. São Paulo: Anpuh, 2011, p 4.
62
​Ibidem.
51

2.8.5 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 5

Figura 5: Retrato de Mulher em Mortalha (WALKER, Susan; BIERBRIER, Morris;


ROBERTS, Paul; TAYLOR, John. Op.Cit).
52

2.8.6 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 5​63

Título : Retrato Pintado de Mulher sobre Mortalha de Linho.

Data: Aproxidamente 80 - 120 d.C.

Localização de Origem: Hawara.

Localização Atual: The Metropolitan Museum of New York/Estados Unidos Da América.

Material: Linho.

Temática: Presença de Rituais Funerários com elementos híbridos, tendo como predominante
a cultura faraônica.

63
​Ibidem, p.107.
53

2.8.7 - GRADE DE LEITURA E ANÁLISE - FIGURAS 3, 4 e 5

CULTURAS DE CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTRO UNID. DE


REFERÊNCIA TEMÁTICAS NUM.

Faraônica Amuletos Dois Anúbis portando trajes


egípcios, empunhando o cetro Was.
(Fig.5)
2
O Anúbis situado à esquerda porta a
coroa Pschent, juntamente à cruz
Ankh. (Fig. 5)
Rituais Vê-se Anúbis e Upuaut na altura do
Funerários cotovelo do defunto. (Fig.5)

Ao lado da morta tem-se um Anúbis


em uma prateleira, ancorando a
mesma. (Fig. 4)

Os braços levantados do morto com


as mãos para fora podem indicar
uma pretensa aceitação por Osíris 5
após a morte. (Fig.3)

Observado por Anúbis e Upuaut, um


em cada lado seu. (Fig.3)

Os dois chacais representam os deus


Anúbis e Upuaut. (Fig. 3)
Arquitetura Capitéis de Lótus. (Fig.4)
1
Penteado Penteado eminentemente em estilo
egípcio. (Fig.4) 1
Romana Penteado O cabelo preso nos remete a uma
possível origem de Antinoópolis.
54

(Fig.5)
2
Formato de penteado franjado que
remete possivelmente ao período
neroniano. (Fig.3)
Indumentária A túnica branca com detalhes de
clavi. (Fig.5)

Sub-túnica no pescoço. (Fig.5)

Túnica branca drapeada pelo braço


direito, estendida sobre o corpo, com
uma dobra em seu caimento na mão
esquerda. (Fig.4)

A disposição triangular na qual a


sub-túnica está colocada sugere que
tenha sido originária de 7
Antinoópolis. (Fig.5)

Usa um manto pregado de manga


curta, preso por seu ombro esquerdo.
(Fig.3)

A ornamentação da roupa sugere que


a mesma tenha se dado na época da
dinastia Julio-claudiana. (Fig.3)

Além da túnica, há um manto


dobrado na cintura. (Fig.4)
Ornamento/ Há braceletes em ambos braços
Jóias (Fig.5)

Há anéis em ambas as mãos. (Fig.5)


55

Há brincos de barras de ouros e


colares também feitos de ouro, uns 4
em pérolas e outros em ouro
retorcido. (Fig.5)

As jóias supõem um padrão


encontrado na dinastia antonina.
(Fig.5)
Grega Inscrição de A seguinte inscrição em grego:
saudação ao “Tryphon que morreu jovem”. 1
morto (Fig.3)
Arquitetura Frontão triangular. (Figs.3 e 4) 1

LOBIANCO. Op. Cit. 316.


2.8.8- COMENTÁRIOS DAS FIGURAS 3,4 E 5

Diferentemente das figuras analisadas anteriormente, decidi colocar as figuras 3,4 e 5


e analisá-las de maneira conjunta. Apesar das diferenças estéticas, artísticas, estilísticas,
temporais e até de material utilizado, todas as três imagens carregam em si um fato de
similaridade que faz com que a análise conjunta seja mais interessante, profícuo e elucidativa:
.a presença das divindades Anúbis e Upuaut, ainda que as mesmas sejam observadas em
ambas formas recorrentes nas representações do Egito Faraônico ou do Egito Romano, ou
seja, sendo colocado tanto em sua figura zoomórfica quanto antropozoormórfica.
Categorias Temáticas: ​Nesta etapa, as categorias temáticas presentes nas imagens já
denunciam a defasagem de ocorrências da cultura grega frente às romana e faraônica, algo
que ficou marcado e atestado nas análises das imagens anteriores.
É possível inferir, analisando as categorias temáticas, que os aspectos romanos são
predominantes no que diz respeito à aparência dos mortos e à forma como se vestem. Essa
assertiva se dá ao constatarmos a natureza das três categorias referentes à cultura romana,
sendo elas “Ornamento/Jóias”, “Penteado” e “Indumentária”. Faz-se necessário, contudo,
ressaltar a exceção na Figura 4, particularmente. Nesta análise, constatou-se a presença de um
penteado em estilo faraônico, destoando, portanto, das figuras 3 e 5, as quais serão mais bem
56

detalhadas no próximo tópico.


Os fatores religiosos, divinos e sagrados que são constatados nas três imagens são
integralmente registrados como faraônicos. Como já ressaltado no início dessa análise, a razão
pela qual as três imagens foram registradas juntas já é um forte indício da abundância de
registros religiosos de natureza e origem faraônica. Essa assertiva se torna ainda mais forte
quando constatamos a Categoria Temática dos “Amuletos”, plenamente imbuídos e
significados de maneira sagrada, em especial na Figura 5.
Unidades de Registro: ​Como já mencionado por mim anteriormente, a grande marca
desta análise conjunta é a presença massiva de Anúbis, sobretudo, mas também de Upuaut,
nas Iconografias Mortuárias. Destaco as ocorrências de Anúbis nas Figuras 3 e 5, na medida
em que temos dois chacais, de um lado, Anúbis, do outro, Upuaut. Na figura 4 temos apenas a
presença de um chacal, Anúbis. Esse fator se explica quando elucidamos qual lugar Anúbis
ocupa, como divindade, no seio da mitologia faraônica: é o deus responsável por levar os
mortos até o mundo de Osíris.
Quanto às Unidades de Registro presente nas Categorias Temáticas da cultura romana,
irei me ater às de “Indumentária” e “Penteado”. Na primeira, os diversos tecidos, bem como
seus formatos e modelos, são caracterizados como romanos, por isso a nomenclatura de
alguns como “túnicas”, seu nome latino, e não seu equivalente grego - ​Chitón ​ou ​Himatión ​-,
como já mencionado na Figura 1 de Artemídore, no início deste capítulo.
Os penteados, mais uma vez, surgem como características marcantes dos traços
romanos nestas iconografias funerárias. O recurso estilístico do cabelo nos permite perceber
sua localidade, como na Figura 5, e também sua datação, ainda que aproximada - como na
figura 3, acusando um pretenso pertencimento ao periodo neroniano, assim como o observado
na Figura 1, de Artemídore, na qual pudemos perceber sua origem trajânica.
Quanto às Unidades de Registro gregas, podemos perceber, principalmente na Figura
3, de Tryphon, uma similaridade também com as Figuras 1 e 2, no que diz respeito às
Inscrições Funerárias, todas grafadas em grego. Uma novidade presente nas Unidades de
Registro grega, dessa vez, é a arquitetura, presente nas Figuras 3 e 4, por meio do registro do
Frontão triangular.
Unidades de Numeração: ​Dessa vez, esta parte da análise revela uma nova imposição
frente às Figuras 1 e 2. Podemos inferir que predominam as ocorrências de Unidades de
Registro romanas, contabilizadas em “13”. Já a faraônica, por sua vez, aparece em segunda
instância, assumindo uma posição numérica menor, com “11” ocorrências, porém não menos
importante em minha análise.
57

2.9 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 6

Figura 6: Defunto sendo conduzido a Osíris por Anúbis (WALKER, Susan; BIERBRIER,
Morris; ROBERTS, Paul; TAYLOR, John. Op.Cit).
58

2.9.1 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 6​64

Título: Estela Funerária com cena de condução do defunto a Osíris por Anúbis, feita em
calcário puro.

Data: Aproxidamente 90 - 120 d.C.

Localização de Origem: Abydos.

Localização Atual: Liverpool School of Archeology, Classical and Oriental Studies.

Material: Calcário puro.

Temática: Hibrismo Cultural em Cena Funerária de Anúbis e Osíris.

64
​Ibidem, p.153 - 154.
59

2.9.2 - FONTE ICONOGRÁFICA MORTUÁRIA - FIGURA 7

Figura 7: Retrato de defunto acompanhado de Osíris e Anúbis (WALKER, Susan;


BIERBRIER, Morris; ROBERTS, Paul; TAYLOR, John. Op.Cit).
60

2.9.3 - DESCRIÇÃO DA FIGURA 7​65

Título: Retrato de defunto acompanhado de Osíris e Anúbis, pintado sobre mortalha de


linho.

Data: Aproximadamente 140 - 180 d.C.

Localização de Origem: Provavelmente Saqqara.

Localização Atual: Musée du Louvre/França.

Material: Mortalha em linho.

Temática: Cenas Funerárias Híbridas em mortalha de linho.

65
​Ibidem, pp.110 - 111.
61

2.9.4 - GRADE DE LEITURA E ANÁLISE - FIGURA 6 E 7

CULTURAS DE CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTRO UNID. DE


REFERÊNCIA TEMÁTICAS NUM.
Faraônica Simbologia/ Disco Solar alado no tipo da
Divindade/ iconografia, acompanhado por um
Poder Uraeus​, em ambos lados. (Fig.6)

Osíris é a principal divindade


presente na imagem. Portando três 2
diferentes objetos faraônicos
sagrados: A coroa ​atef​; o cetro
heqa​; e o chicote flagellum.
(Fig.6)
Cenas Funerárias O defunto tem sua retaguarda
protegida por Néphthys. (Fig.6)

Anúbis, por sua vez, conduz o


defunto ao encontro de Osíris.
(Fig.6)

Ísis marca sua presença com a mão


sobre o ombro de Osíris. (Fig.6)
6
É possível observar a presença de
uma mesa repleta de alimentos,
situada entre Osíris e Anúbis.
(Fig.6)

Anúbis acompanha o morto no


retrato, em seu lado direito. (Fig.7)

Osíris, por sua vez, é retratado na


esquerda, de maneira estilística
62

bem diferente da usual e de


maneira frontal. (Fig. 7)
Inscrições Acima de cada uma das divindades
Hieroglíficas representadas na Estela Funerária -
exceto Osíris, na medida de em que
acima do mesmo há uma grande
parte danificada -, é possível
observar uma inscrição
hieroglífica, referente ao que cada
uma delas disse na Cena Funerária.
Contudo, não se tem o conteúdo 2
destes discursos. (Fig.6)

Abaixo da imagem, é possível


inferir a presença de outra
inscrição hieroglífica. Dessa vez,
trata-se de um discurso realizado
por Thot, Rá e Hórus-In-Pe. (Fig.6)
Romana Representação A representação do morto por meio
(imagética de retratos como este sugerem uma
estilística) do datação típicos dos finais do século
defunto. I d.C e inícios do século II d.C.
(Fig.7)

A representação em busto do
retrato por si só é uma atribuição 3
cultural eminentemente romana.
(Fig.7)

A representação do retrato dos


ombros à cabeça é uma concepção
típica da época dinástica antonina.
(Fig.7)
63

Indumentária Ele veste uma túnica branca com


clavi​ preto. (Fig.7)

O defunto tem envolto em seu


ombro um manto branco. (Fig.7)
4
O defunto veste uma túnica branca
tipicamente romana (Fig.6)

Há envolto em seu braço esquerdo


um manto branco. (Fig.6)
Grega Representação A forma como o defunto realiza
do defunto sua pose - em cima de um pedestal
- denuncia uma prática grega. 1
(Fig.7)

LOBIANCO. Op. Cit. p. 325.

2.9.5 - COMENTÁRIOS DAS FIGURAS 6 E 7

Assim como na análise anterior, nas quais analisei as imagens 3,4 e 5 de forma
conjunta com o critério de que nas três imagens era possível observar a aparição de Anúbis
como principal divindade faraônica nas iconografias, dessa forma o faço com as imagens 6 e
7. Desta vez, optei por analisar ambas pois apresentam a mesma divindade Anúbis, porém,
dessa vez, de forma secundária, levando o defunto na imagem ao encontro do deus Osíris,
apesar de ser possível observar que o material e recursos estilísticos e artísticos de ambas são
notoriamente diferentes.
Categorias Temáticas: ​As Categorias Temáticas sugerem poucas novidades diante
das imagens analisadas anteriormente, contudo ainda podemos perceber importantes
inferências. Mais uma vez percebemos a predominância de elementos faraônicos no que diz
respeito às características religiosas em ambas figuras. Todas as divindades e respectivos
símbolos sagrados e religiosos pertencem à religião faraônica, tanto as deidades quanto seus
artefatos, em ambas as imagens. As inscrições hieroglíficas também são exemplos do caráter
faraônico das mesmas, principalmente da Figura 6.
64

As características romanas, como já observado em figuras anteriormente analisadas,


encontram maior incidência nas indumentárias, como de praxe. Além disso, é possível inferir
que não se restringe somente a isso, mas também à maneira como a representação do defunto
é realizada, como as técnicas iconográficas de retrato e busto foram realizadas, sendo todas
romanas, com exceção da pose do morto na Figura 7, sendo esta uma inferência grega.
Unidades de Registro: ​Assim como na Figura 1, temos novamente a ocorrência do
Disco Solar Alado, representando a presença do deus Rá. Dessa vez, diferentemente da
iconografia de Artemídore, podemos perceber a presença de um ​Uraeus.
A principal divindade presente em ambas imagens é Osíris, contudo, analisando
especificamente a Figura 6, é possível perceber que, diferentemente da Figura 7, Osíris porta
três objetos sagrados no culto faraônico, sendo eles o ​flagellum​, o heqa e a ​atef.
Acompanhando este, é possível observar Anúbis em ambas, também. Contudo, a Figura 6 tem
a presença de outras duas divindades além dos dois já citados, sendo possível observar Ísis e
Néphthys, sendo aquela representada com a mão no ombro de Osíris. A grande
particularidade desta grade de análise com relação às anteriores, no que diz respeito à cultura
faraônica, fica por conta de uma inferência inédita em uma Unidade de Registro de Inscrições
Hieroglíficas, antes ausentes. Além da inscrição acima, que abarca toda a estela na Figura 6,
temos uma inscrição acima de cada divindade, sendo o discurso de Thot, Rá e Hórus.
Quanto às Unidades de Registro concernentes à cultura romana, no que diz respeito
às referentes à Indumentária, nenhuma delas é novidade neste capítulo do estudo, na medida
em que as vestes de ambos defuntos são romanas. Contudo, destaco, então, as Unidades de
Registro da Representação (Imagética Estilística) do Defunto. Na figura 7, especificamente, é
possível, observar claramente o estilo artístico demandado socialmente e recorrentemente
utilizado pelos romanos, bem como já observado, por exemplo, no retrato presente na Múmia
de Artemídore, na Figura 1.
Unidades de Numeração: ​Como de praxe, a cultura faraônica revela mais uma vez
sua proeminência diante da cultura romana, com números, respectivamente de “10” e “7”
ocorrências nas Unidades de Registro. A cultura grega, mais uma vez, é citada aqui e aparece
de maneira secundária, tendo apenas uma ocorrência.

CAPITULO III - SERÁPIS E A LEGITIMAÇÃO DO PODER IMPERIAL

3.1 - SERÁPIS: A DIVINDADE SINCRÉTICA


65

Para estudar o hibridismo cultural e seus percursos e imbricações é necessário que


revisitemos e dissertemos sobre as influências de Serápis no Egito Romano. Ele próprio, uma
divindade que é consequência deste processo multifacetado. Segundo a corrente
historiográfica, como afirma Soheir Bakhoum, foi uma divindade forjada no seio da dinastia
Ptolomaica, com seus primeiros monarcas.​66 Na busca por uma maior exatidão sobre a real
origem da divindade em questão, bem como sua etimologia, o estudo que mais esclarece é o
de Françoise Dunand e de Christiane Zivie-Coche, intitulado ​Dieux et Hommes en Égypte -
3000 av. J.-C. – 395 apr. J.-C.: Anthropologie religieuse​.
No estudo supracitado se esclarece que a origem de Serápis nos remete a figura de
Plutão (Hades), o deus grego do Inferno, na medida em que Ptolomeu I,​67 segundo a obra ​De
Iside e Osiride d​ e Plutarco, teria sonhado com uma estátua grega situada em Sinope. Esta,
quando trazida para Alexandria, teria sido reconhecida por seus conselheiros como referente
ao deus grego em questão.
O estudo da etimologia do nome Serápis nos mostra que sua origem é
eminentemente egípcia. Segundo Dunand e Zivie-Coche, seu nome seria constituído por uma
junção entre Osíris e Ápis - Osor-Hapi -, sendo esta uma divindade fortemente cultuada em
Memphis, inclusive por gregos, antes da dominação macedônica. com características
zoomórficas de um touro com um disco solar situado entre seus chifres e que, quando morto,
assemelhava-se a Osíris.​68 Assim, Serápis seria a transliteração grega dos nomes egípcios
destas duas divindades.
Assim, dessa forma, Serápis muitas vezes, mesmo depois de sua helenização, era
representado em sua representação zoomórfica, como elucida Rogério Sousa, no capítulo “O
Culto de Serápis: Origem e Difusão”. Nele, o autor ressalta que, mesmo no ​Serapeum​, templo
dedicado a Serápis, nas escavações subterrâneas eram notáveis as representações do deus em
seu formato de touro.​69 O formato de touro, por sua vez, era a representação zoomórfica de
Ptah, com características que o remetiam ao epíteto de “Belo”. Dessa forma, assim
encontramos as referências que o aproximam ao culto de Serápis em sua condição já
helenizada, na medida em que suas característcas físicas podem nos remeter a figuras como
Zeus e Hades.
A representação de Serápis versa, então, sobre o arquétipo de beleza das divindades
gregas. Serápis é representado como um homem de barba grande, brigode e cabelos grandes
66
BAKHOUM, Soheir.Op.Cit. p.31.
67
LOBIANCO, Luis Eduardo. A Romanização no Egito: Direito e Religião (séculos I a.C. – III d.C.). Niterói, 2006, 429 f. ​Tese
(Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História​, Universidade Federal Fluminense, 2006, p.239.
68
DUNAND, Françoise e ZIVIE-COCHE, Christiane. ​Op. cit., ​p.214 - 215.
69
SOUSA, Rogério. As origens do culto alexandrino de Serápis. ​Hapi.​ Lisboa: n.5, pp.183 - 195, nov. 2017, p.192.
66

enrolados. A sua indumentária não foge a esta regra: o deus aparece vestindo o ​chitón e o
himátion. ​Em sua cabeça, é possível visualizar o ​Kálathos. ​Este artefato, por sua vez, como
elucida José das Candeias Sales em seu artigo “O culto a Serápis e a coexistência
helénico-egípcia na Alexandria ptolomaica”, representa o simbolismo de fertilidade,
prosperidade e abundância,​70 principalmente no que diz respeito à produção agrícola, tendo
em vista que se assemelhava a um vaso que era utilizado como medidor na coleta de cereais.
Além disso, a divindade acumula diversas outras características e atribuições, como suas
aparições acompanhado de raios solares que nos remetiam à concepção do deus Hélio, ou
como quando aparecia sobre a cabeça do guardião do Inferno, Cérbero, retratando-o como
senhor da eternidade.
A imponência de Serápis como divindade sincrética de Alexandria era tão evidente
que, surpreendentemente, substituiu Osíris como deus tutelar no Egito. Assumia seu lugar ao
lado de divindades como Ísis e Harpócrates nas representações iconográficas. Segundo
Caroline Oliva Neiva, Osíris começou a ter suas antigas funções descartadas, fora de suas
representações de poder, sem seu ​heqa e ​flagellum, ​assim, passa a ser representado como uma
divindade canópica.​71 Dessa forma, Osíris foi perdendo importância que outrora tivera no
período faraônico, mantendo sua representação nos processos funerários. Contudo, em
contrapartida, com a proeminência de Serápis, este passa a ser utilizado como o principal deus
no que diz respeito à legitimação de poder por parte das Ptolomeus, contando com o empenho
irrestrito dos sacerdotes na difusão destes anseios. Aliado a estes três deuses, Anúbis também
teve seu lugar no culto realizado no ​Serapeum, t​ endo em vista que também se tratava de um
importante deus dentro da composição do culto funerário, como analisa José das Candeias
Sales.​72
Este processo mostra, como já ilustrado no segundo capítulo, um certo grau de
“faraonização” dos gregos, na medida em que prestavam culto a uma divindade
eminentemente egípcia, sendo esta Osor-Hapi. Assim, este processo também acontece em
dupla chave, na medida em que os egípcios também começam a cultuar um deus cujas
características são “emprestadas” diretamente de arquétipos da cultura grega, assim,
caracterizando o processo de “helenização”, também já abordado.
A criação e adoção de um deus extremamente sincrético, híbrido, universal e

70
​SALES, José das Candeias. O culto a Serápis e a coexistência helénico-egípcia na Alexandria ptolomaica. ​Revista Lusófona de
Ciência das Religiões.​ Lisboa: n.12, pp.309 - 322, 2007, p.314.
71
​NEIVA, Caroline Oliva. O Poder Legitimador de Serápis em Disputa na Época Antonina (96-192): Um estudo comparado entre a
iconografia monetária alexandrina e os ​Acta Alexandrinorum. ​Rio de Janeiro, 2017, 177 f, ​Mestrado (Mestrado em História) -
Programa de Pós-Graduação em História Comparada,​ Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017, p.29.
72
​SALES, José das Candeias. Op.Cit. p. 318.
67

multifacetado e artificial por Ptolomeu I desnuda por si só a intenção de colocá-lo como o


catalisador e elo que poderia ser assimilado e compreendido por todo o tecido social
heterogêneo que habitava a região egípcia - especialmente Alexandria. Dessa forma, a
interpretatio graeca ​se faz valer na medida em que os arquétipos e estética gregos são
realçados e alçados a uma determinada divindade na intenção de conciliação de todas as
etnias, tanto helênicas quanto egípcias. Caso Serápis portasse apenas características que o
remetessem aos arquétipos gregos - por exemplo Hades - como mencionado por Caroline
Oliva Neiva, a assimilação por parte dos egípcios seria dificultada, na medida em que não o
reconheceriam de forma a cultuá-lo.​73
O dualismo presente no Egito daquele momento era paulatinamente solapado pela
sobreposição cultural, que surgira com o hibridismo cultural. Assim, superava-se as
dicotomias que colocavam os egípcios e gregos como vencedores/vencidos e
nativos/imigrantes. Dessa, forma, todos os povos que ali habitavam, dentro de suas diferentes
etnias e culturas, poderiam se sentir identificados com o culto a Serápis. Como ressaltado por
José das Candeias Sales, a geografia da construção dos templos por si mesmo já denota os
interesses dos monarcas ptolomaicos. Construiu-se um grande templo dedicado ao culto da
divindade exatamente na mesma localidade onde outrora se realizavam os cultos aos deuses
faraônicos, na colina de Rakotis (atual Amud es-Sawari).​74
A criação de um deus artificial e sincrético não carrega em si apenas a premissa de
perpetuar a harmonização dos diferentes povos, mas também carregava motivações políticas
que permeavam a noção de legitimidade. Viver identificados com as divindades cultuados
também significaria consentir com a autoridade que tutelava o domínio egípcio.

3.1.1 - SERÁPIS E O DOMÍNIO ROMANO SOBRE O EGITO

Assim como os governantes ptolomaicos utilizaram Serápis na intenção de legitimar


seus poderes e tutela sobre o Egito, essa tendência permaneceu em voga durante o domínio
romano. Além do já citado domínio militar e político exercido pelo Império Romano, como já
mencionado no primeiro capítulo deste estudo, a coerção também se deu no âmbito cultural e
religioso, ou seja, na utilização das diferentes divindades a seu favor no que diz respeito à
legitimação.
A relação com Serápis pelos Imperadores nunca se deu de maneira constante,

73
´​NEIVA, Caroline Oliva. Op.Cit. p. 18.
74
SALES, José das Candeias. Op. Cit. p. 315.
68

variando assim de acordo com as diferentes dinastias que tutelavam o Egito. A dinastia
flaviana, relata Neiva, foi a primeira a utilizar a imagem de Serápis.​75 Contudo, só começou a
ser representado de maneira mais contundente na dinastia dos Antoninos e dos Severos. Isto
porque pelo governo destes primeiros observou-se uma maior atenção à província egípcia, na
medida em que Imperadores como Adriano foram os que mais realizaram ações referentes a
esta, incluindo até mesmo a reconstrução do ​Serapeum de Alexandria. Nessa mesma época
Serápis alçou o status de “deus universal”, sendo cultuado em diversas localidades fora de
Alexandria e ao longo de todo o Império Romano, até mesmo na Península Ibérica.
A aparição d​e Serapeum n​ os reversos das moedas começa até mesmo no reinado de
Trajano. Segundo Soheir Bakhoum, é possível atestar então a presença do templo nas
representações numismáticas deste período​76 - tema a ser analisado neste capítulo. Assim, o
reinado do Imperador em questão foi repleto de representações deste tipo, tendo sido
continuadas em períodos posteriores. Importante ressaltar o hibridismo presente até mesmo na
construção do templo, na medida em que o mesmo é feito de modo a representar o padrão
arquitetônico coríntio de suas colunas. A forte relação dos Imperador com o ​Serapeum é​ mais
nítida ainda quando observamos os reversos das moedas da época do Imperador Adriano. Em
uma das moedas a serem analisadas ainda neste capítulo, é possível analisar o ​Hadrianeion.
Templo anexo ao supracitado templo de Serápis, representado pela estela que é tocada pela
mão direita de Serápis.
A utilização recorrente de Serápis nas representações numismáticas em diferentes
dinastias do Império Romano e até mesmo da época ptolomaica, nos remete à ideia de que era
recorrente a política de vinculação a uma determinada divindade a fim de legitimar um
pretenso poder de forma religiosa. Mostra-se, portanto, como uma ação plenamente
consolidada dos governantes, bem como mostra o valor ideológico que Serápis possuía, a
ponto de continuar tendo seu valor sob a tutela de diferentes Imperadores.

3.2 - CULTO IMPERIAL ROMANO

A compreensão da legitimação do poder dos Imperadores romanos perpetuada por


Serápis e sua posterior representação no aporte numismático deste estudo passam diretamente
pelo entendimento do conceito de “Culto Imperial”. Tomo como a definição deste conceito a
elaborada por Norma Mendes, no artigo “O Culto Imperial Como Transcrito Público”, que o

75
​NEIVA, Caroline Oliva. Op. Cit. p.19.
76
​BAKHOUM, Soheir.Op.Cit. p.37.
69

via “[...] não como uma expressão de lealdade ao imperador ou uma simples homenagem, mas
como um complexo sistema simbólico, cujos significados definiam a natureza e legitimavam
o monarca, assim como, a verticalidade da estratificação social no Alto Império”.​77
Ainda de acordo com esta autora, o Culto Imperial inferia majoritariamente um
substrato político e legitimação, ainda que tivesse elementos primordiais próprios da religião
romana. Os imperadores eram concebidos, ainda em vida, de forma divinizada, fato que
perdurou ao longo de todo o período imperial. Contudo, é importante ressaltar a substancial
diferença que os distanciava do culto aos faraós. Enquanto estes eram cultuados literalmente
como os próprios deuses para os nativos egípcios, os Imperadores Romanos representados no
Culto Imperial eram cultuados por meio da celebração de seu Gênio, conceito amplamente
difundido a fim de caracterizar suas virtudes, podendo ser cultuados como deuses após sua
morte, como não entrassem em estado de ​damnatio memoriae​.78
​ Além disso, não apenas o
próprio Imperador era o alvo do Culto Imperial, mas seus sucessores e toda sua ​domus
augusta.
A partir de Augusto, primeiro Imperador, tem-se início as representações do mesmo
como primeiro que se sacrificou por Roma, tendo sua imagem colocada em iconografias das
mais diversas naturezas, como moedas - tema deste capítulo -, frisos de templos e estátuas. A
representação pública do Imperador não visava apenas atribuí-lo a honrarias, mas fincar sua
posição proeminente dentro da estratificação social romana, estabelecendo-se como o elo
unívoco entre deuses e a plebe romana Segundo Vagner Porto, uma parte primordial do Culto
Imperial era entender como funcionavam o esquema iconográfico de alguns ​signa imperii.
Alguns eram representados pelo Escudo da Virtudo​79​, elemento eminentemente ligado aos
deuses Apolo e Niké, responsáveis pela ​pax romana​, os quais foram recorrentemente
cunhados em moedas posteriores ao Império de Augusto. Cópias deste escudo, segundo o
próprio Porto, eram colocadas nas novas cidades que eram erigidas pelo Império Romano, na
intenção não apenas de estabelecer sua autoridade, mas ressaltar sua virtude e seus feitos,
sendo a própria fundação da cidade um destes.​80
.A posição de ​princeps ​foi aos poucos calcada pela elite governamental e a
imposição das cerimônias públicas se mostrou como um elemento importante dessa
composição simbólica. Dessa forma, se tratava ainda mais que um ritual político que
propriamente religioso, tendo como aspiração a legitimação do poder imperial, pois, como já
77
​MENDES, Norma Musco. O Culto imperial como “transcrito público”. ​Revista Maracanan, Rio de Janeiro, v. 9, n. 9, p. 144–166,
2013, p.145.
78
​Ibidem, p.153.
79
​PORTO, Vagner Carvalheiro. O culto imperial e as moedas do império romano. ​Phoînix​, Rio de Janeiro, v.24, n.1, 2018. ​p.140.
80
​Ibidem.
70

mencionado, na fundação de uma nova cidade a configuração do Culto Imperial na


representação do Imperador era um elemento de primordial importância na reprodução deste
sistema de poder.
Assim como na porção ocidental do Império, o Culto Imperial também tinha seu
lugar nas províncias de outras porções mais afastadas de Roma. Segundo Mendes, este
processo foi facilitado no Egito, na medida em que as estruturas de divinização e culto aos
reis helenísticos já fortaleciam a posterior instauração do Culto Imperial imposto pelos
romanos.​81 A inserção desse processo nas províncias romanas dependiam de diversas
variáveis, referentes às especificidades locais que cada uma carregava entre si e em relação à
Roma. Portanto, a relação jurídica e política com a sede do Império, bem como as formas
nativas tradicionais de religião já existentes no local (como suas divindades) ditavam a forma
como se dariam as imbricações do Culto Imperial aos elementos religiosos nativos e como
este processo tomaria corpo diante das particularidades locais. Essa constatação pressupõe as
diferentes formas que o Culto Imperial poderia ser concebido nas diferentes províncias, não
havendo, então, uma unificação a ser corroborada e seguida em toda a extensão imperial.
Geneviève Husson e Dominique Valbelle, em seu livro “​L’État et les Institutions en
Égypte des Premiers Pharaons aux Empereurs Romains” ​tratam especificamente dos
elementos que dizem respeito ao Culto Imperial no Egito. Algumas continuidades são
perceptíveis no que diz respeito aos elementos faraônicos presentes nesse processo, como na
representação hieroglífica dos nomes dos imperadores que governavam, tal como os faraós
eram representados também no Antigo Egito.​82 Ainda que os elementos faraônicos que
constituíssem o culto não fossem totalmente elaborados pelos Imperadores, estes consentiam
com a maneira com que eram tratados pelo nativos.
Apesar dessa manutenção pontual do que chama de “ideologia egípcia de poder”,
elencado no parágrafo anterior, os principais elementos fomentadores do Culto Imperial no
Egito Romano eram, majoritariamente, romanos. Não era correto visualizar o mesmo como
uma mera continuidade do culto prestado às autoridades ptolomaicas ou até mesmo
faraônicas. As autoras sustentam a tese de que sua origem remonta às homenagens e honrarias
prestadas às autoridades que formavam o corpo político romano, na personificação da deusa
Roma, bem como Augusto que teria seu culto prestado como um deus ainda em vida, ainda
que Roma também fosse cultuada de forma conjunta a ele, como já mencionado.​83

81
​MENDES, Norma Musco. O Culto imperial como “transcrito público”. ​Revista Maracanan, Rio de Janeiro, v. 9, n. 9, p. 144–166,
2013, p.154.
82
​HUSSON, Geneviève e VALBELLE, Dominique. ​L’État et lês Institutions en Égypte des premiers pharaons aux empereurs
romains. ​Paris: Armand Colin, 1992, pp.202 - 204.
71

Ainda que tivesse substratos das culturas faraônica e grega, o Culto Imperial denota
ainda um forte aparato de aspectos romanos. Isso é reforçado pelo fato de que a mescla
cultural já era percebida antes mesmo do domínio romano, na medida em que gregos e
egípcios conviviam com suas culturas consonante no Egito Ptolomaico. Podemos inferir,
então, que o Culto Imperial era um fenômeno tanto de caráter religioso quanto político -
principalmente, na medida em que legitimava o governante - que encontrou algumas
particularidades de acordo com sua localidade, mas sempre direcionado de acordo com o
costume romano de culto ao Imperador, mantenho a afinidade com a religião romana.

3.3 - NUMISMÁTICA E HISTÓRIA

Para Funari, é possível inferir que a utilização das moedas como fonte historiográfica
e da numismática como sua prática científica foram processos bem tardios no estudo da
historiografia. Segundo o mesmo, a numismática no começo de seus estudos privilegiava
apenas o valor do metal da moeda como mercadoria e como a mesma se inseria no escopo
econômico e monetário da sociedade estudada em questão, como as relações com estas e
outras sociedades.​84
Atualmente, a numismática enfrentou uma grande mudança de comportamental no
que diz respeito à forma de utilização das moedas no estudo da historiografia. Assim como
ideias, pessoas e mercadorias, as moedas circulavam e extrapolavam, consequentemente, as
fronteiras pertencentes ao Império Romano. Dessa forma, era necessário entender as
imbricações que estas perpetuavam no tecido social do Egito Romano.
A circulação das moedas carregava uma especificidade bem grande: tinha a
incumbência de circular e atingir as camadas sociais mais diversas e mais baixas da população
do vasto império romano. Grande parte da população - sua maioria - era analfabeta, por este
mesmo momento, a iconografia numismática cumpria a pretensão de angariar toda a massa e
fazer com que todos se sentissem identificados com a propagação de uma mensagem política
imperial cunhada na moeda.​85
A iconografia e as legendas contidas são os elementos mais importantes e que serão
prezados nesta análise. A parte artística que compõe a moeda sobressai pois é ela que contém
a mensagem que deve ser transpassada em seu meio. O nível de sofisticação poderia

83
​Ibidem, pp.203 - 204.
84
​CARLAN, Claudio Umpierre; FUNARI, Pedro Paulo Abreu. ​Moedas: a numismática e o estudo da história. São Paulo:
Annablume, 2012 p.18.
85
Ibidem, p.66.
72

significar, em proporção, o poderio e a influência que seus emissores exerciam.


A iconografia, portanto, é crucial para que entendamos a mensagem emitida nas
moedas e, com isso, seus objetivos. Estes, portanto, consistiam em realizar propagandas e
legitimar o poder do imperador vigente por meio de seus reversos e anversos. As imagens
contidas nas moedas é processo de um grande esquema de simbologia, que visa expressar ao
mesmo poder da autoridade, como um conjunto de elementos que possibilitem a este ser
reconhecido e considerado como tal, nomeando este aglomerado de elementos de “Signos de
Poder”, de maneira com que diversas insígnias sejam alçadas como marcadoras de
identificação dos reis ou do Estado, sejam estes monumentos, selos, vestes, cetros, coroas, etc,
os representando simbolicamente por meio da cultura material.​86
A iconografia numismática, como já elucidado em um tópico anterior deste capítulo,
é extremamente importante na composição do Culto Imperial. Ds inscrições contidas nas
moedas eram motivadas por uma pretensão de propagandear o governo vigente. As virtudes e
os feitos do Imperador eram fatores que legitimavam sua autoridade sempre o exaltando de
maneira positiva frente aos súditos. A difusão das iconografias fazia com que as conquistas do
Imperador, bem como seu poder, pudessem ser espalhados por todo o Império, tornando-se
como uma mensagem de fácil acepção e de grande alcance.​87 Os gestos protagonizados pelo
deus Serápis junto aos imperadores seria crucial para que a representação simbólica
alcançasse seu objetivo de representar que o Imperador era o detentor do poder do ​orbis
terrarum.
Decidi por dedicar este capítulo à análise do reverso de quatro moedas, optando por
deixar de lado seus anversos, já que não apresentam as mudanças culturais iconográficas que
escolhi analisar. As quatro imagens se encontram em um acervo de 119 moedas organizado
por Soheir Bakhoum em seu livro ​Dieux Égyptiens à Alexandrie sous Les Antoninins -
Recherches Numismatiques e Historiques​. Todas são oriundas do período de dinastia
Antonina e foram escolhidas por representar de maneira singular a relação do Culto Imperial
com o deus sincrético Serápis, utilizando este de maneira propagandística e legitimatória do
poder vigente. O modelo de análise segue o que foi abordado no segundo capítulo, na análise
das iconografias funerárias.

86
Ibidem, p.71.
87
NEIVA, Caroline Oliva. Op.Cit. p.114 - 115.
73

3.4 - FONTE ICONOGRÁFICA NUMISMÁTICA - FIGURA 1

Figura I: Anverso (acima) e Reverso (abaixo) da moeda de Serápis e Adriano. (BAKHOUM,


Soheir. Op cit​ ,​ pp. 175 – 207)
74

3.4.1 - FONTE ICONOGRÁFICA NUMISMÁTICA - FIGURA 2

Figura 2: Anverso (acima) e Reverso (abaixo) da moeda de Serápis e Adriano (Ibidem).


75

3.4.2 - FONTE ICONOGRÁFICA NUMISMÁTICA - FIGURA 3

Figura 3: Anverso (acima) e Reverso (abaixo) da moeda de Serápis e Cômodo (Ibidem).


76

3.4.3 - FONTE ICONOGRÁFICA NUMISMÁTICA - FIGURA 4

Figura 4: Anverso (acima) e Reverso (abaixo) da moeda de Serápis Sozinho (Ibidem).


77

3.4.4 - DESCRIÇÃO DOS REVERSOS DAS MOEDAS 1,2,3 e 4​88

REVERSO DA MOEDA 1: ​Templo de arquitetura coríntia, ornamentado com um frontão


​ erápis pode ser observado entre as duas colunas, de
triangular, acompanhado de duas ​Niké. S
pé, adornado com o Kálathos na cabeça e vestindo um ​Himátion sobre o ombro esquerdo.
Além disso, é possível observar que ele porta um cetro em sua mão esquerda. Já em sua mão
direita, pousa a mesma em uma estela em formato de templo grego, cuja parte de cima é
possível observar a presença de três linhas pontilhadas, no lugar de uma possível inscrição.
Esta estela tem a pretensão de representar o ​Hadrianeion​.

REVERSO DA MOEDA 2: ​Templo de arquitetura coríntia, com frontão triangular e disco.


É possível observar Serápis entre as duas colunas, de pé, com o ​kálathos. ​Aparece com sua
mão direita levantada, reverenciando Adriano. Já em sua mão esquerda é possível observar
um cetro. Em frente a ele, há a presença do Imperador Adriano, aparecendo laureado e
segurando um cetro em sua mão esquerda e uma estela com os dizeres “​Adrianon”​ na direita.

REVERSO DA MOEDA 3: ​O Imperador Cômodo se apresenta de frente, em pé, com a


cabeça voltada para a esquerda, vestido em com indumentária sacerdotal. Em sua mão direita,
podemos observar que segura um incenso, colocando-o sobre um altar. Um busto de Serápis
pode ser observado em frente ao mesmo altar, portando um ​kálathos ​na cabeça.

REVERSO DA MOEDA 4: ​As referências ao Imperador em questão, Cômodo, reduzem-se


ao anverso da moeda. No reverso, percebemos Serápis em busto, como de praxe, portanto seu
já habitual ornamento constituído de seu ​kálathos ​e vestido com seu ​himátion.

88
​Ibidem.
78

3.4.5 - GRADE DE LEITURA E ANÁLISE - FIGURAS 1,2, 3 e 4

CULTURAS CATEGORIAS UNIDADES DE UNID.


DE TEMÁTICAS REGISTRO DE
REFERÊNCIA NUM.
Faraônica 0
Grega Indumentária Serápis veste um ​himátion
sobre seu ombro esquerdo. 2
(Fig. 1 e 4)
Arquitetura Frontão triangular (Fig.1 e 2)
Uma ​Niké d​ e cada lado do 3
frontão triangular. (Fig.1)
Simbologia/ Serápis ornamentado com o
Divindades/ kálathos em sua cabeça. (Figs. 4
Poder 1,2,3 e 4)
Romana Indumentária O Imperador Cômodo aparece
em traje sacerdotal. (Fig.3) 1

Legitimação Imperador Podemos observar um cetro


de poder Adriano na mão esquerda de Serápis.
por (Fig.1 e 2)
Serápis
Serápis aparece à frente de
Adriano laureado. (Fig.2)
5
Serápis aparece portando uma
estela que simboliza o
Hadrianeion​. (Fig. 1)

Adriano aparece portando


79

uma estela com os dizeres


“Adrianon” na mão direita.
(Fig. 2).
Serápis O imperador Cômodo entorna
pelo incenso sobre o altar. (Fig. 3)
Imperador 2
Cômodo Cômodo se apresenta em
posição de sacrífico na frente
de Serápis. (Fig. 3)
LOBIANCO. Op. Cit. p. 344.

3.4.6 - COMENTÁRIOS DAS FIGURAS 1, 2,3 E 4

A escolha das quatro imagens e a posterior análise conjunta delas se dá pelo fato de
que todas elas possuem em comum a presença, em seu reverso, a presença do deus Serápis.
Além disso, em seus anversos - exceto a Imagem 4 -, é possível observar os Imperadores
Adriano (117 - 138 d.C) e Cômodo (180 - 192 d.C), os quais pertenciam à dinastia Antonina
(96 - 192 d.C). Outro ponto comum das três imagens (1, 2 e 3) é que elas expressam a
legitimação do poder por intermédio de uma divindade, Serápis, seja esta recebendo ou
outorgando o poder. Assim, como já observado no debate posto anteriormente neste mesmo
capítulo, a escolha pelas fontes numismáticas se dá também pelo caráter legitimador que a
mesma possui dentro do contexto político e religioso do Egito Romano, realizado, por sua
vez, por uma divindade eminentemente sincrética.
Dessa forma, podemos observar que o Empréstimo Cultural perpetrado neste recorte
não apenas foi realizado em atividades mortuárias em rituais de mumificação de cidadãos
comuns, nem elementos relacionados à mesma - como visto no segundo capítulo -, como as
estelas, sudários ou máscaras mortuárias. Extrapolando a análise das fontes mortuárias,
percebemos, por meio do estudo numismático, que os frutos deste processo de assimilação
cultural - o caso do deus Serápis, em particular - foram, inclusive, responsáveis por conferir
poder e legitimidade ao Imperador romano em exercício. Desenhava-se, portanto, como um
mecanismo usado pelas próprias autoridades, a fim de utilizá-los com base em sua própria
lógica de poder.
Categorias Temáticas: ​Ao olhar esta grade de análise, no salta aos olhos, à primeira
80

vista, a ausência de quaisquer inferências faraônicas. Trata-se, portanto de uma análise de


fontes numismáticas com características exclusivamente greco-romanas.
As Categorias Temáticas referentes à cultura grega não nos parecem representar
muita diferença aos elementos observados no capítulo dois. A arquitetura grega se impõe
novamente nesta análise, especialmente nas Figuras 1 e 2. A Indumentária grega também
aparece. Em termo de “Simbologia/Divindades/Poder”, o único elemento que aparece
referente ao aspecto simbólico é grego.
O destaque para as Categorias Temáticas referentes à cultura romana ficam por conta
da “Legitimação do Poder”, uma inferência exclusiva desse capítulo, tendo em vista o já
mencionado caráter legitimador do uso das moedas no Egito Romano. Posteriormente,
realizarei uma divisão referente aos dois Imperadores em questão. Adriano, nas Figuras 1 e 2,
os quais são legitimados por Serápis, e Cômodo, na Figura 3, legitimando Serápis,
diferentemente das duas primeiras.
Unidades de Registro: ​Cabe aqui destacar as ocorrências referência à legitimação
de Adriano por Serápis, o qual, por sua vez, legitima não apenas o próprio Imperador, mas o
templo que o representa, o ​Hadrianeion, n​ a Figura 1, carregado pela divindade em formato de
estela. Já na Figura 2, na qual Adriano aparece portando uma estela que carrega os dizeres de
“Adrianon”, r​ ecebendo as honrarias e louros diante de Serápis.
Na Figura 3, no que diz respeito às Unidades de Registro romanas, cabe ressaltar
inversão de papéis que esta representa em relação às Figuras 1 e 2. Na Figura 3, temos Serápis
sendo legitimado por Cômodo, na medida em que, dessa vez, é a divindade quem recebe as
honrarias e sacrifícios, observando com seu busto o incenso derramado pelo Imperador no
altar. Este é, portanto, o grande ponto de virada e diferença entre as três imagens, suas
inversões denunciam as diferentes maneiras com as quais a divindade é colocada dentro deste
sistema de legitimação. Diferentemente destas três, portanto, a figura 4 destoa pois Serápis
aparece só, sem a presença legitimatória de algum Imperador no reverso da moeda.
O destaque por conta das ocorrências de cultura grega recaem sobre a aparição do
kálathos, ​presente em todas as quatro imagens.
Unidades de Numeração: ​Como já mencionado, não há qualquer referência à
cultura faraônica. A cultura grega predomina com nove ocorrências, ao passo que a romana
aparece com seis.
81

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final do presente estudo, considero que apresentei, mostrei e debati a maneira


como os pressupostos teóricos dos autores acerca da romanização se aplicam nas fontes
iconográficas estudadas. No primeiro capítulo apresentei as mudanças na cultura material
funerária nativa oriunda do contato e hibridização ocorrida no contexto do Egito Romano.
Assim, é plausível que se desconsidere as noções de Romanização que remetem o Império
Romano e sua cultura como superiores ante os egípcios. Ficou claro, em todas as imagens
estudadas, que a utilização dos artefatos hibridizados fizeram com que estes se incluíssem em
todo o complexo e extenso aporte religioso da religião egípcia.
Além disso, fica latente a utilização destes mesmos artefatos nas representações
funerárias como meio de um sistema hierárquico e de aquisição de ​status social, na medida
em que, como já explicado, nem todos os habitantes do Egito Romano possuíam condições
financeiras de terem artefatos tão onerosos. Com isso, é perceptível o uso destes elementos,
como retratos, representações de divindades nativas ou híbridas ou indumentárias específicas
na representação do morto.
No terceiro capítulo, apresento a peculiar situação do deus Serápis. Seu sincretismo
reuniu arquétipos próprios das três culturas, resultando em um deus em forma humana e que
herdava as características da divindade egípcia Ápis. Assim, neste capítulo também podemos
inferir que, mais uma vez, a legitimação perpassa por elementos hibridizados, só que,
especialmente neste capítulo, o estudo da numismática representava uma legitimação de poder
com cunho político, na medida em que estes mecanismos faziam parte da estrutura de poder
utilizada pelos Imperadores romanos.
Concluo, mais uma vez, diante das evidências extraídas das fontes iconográficas de
ambas naturezas que, a ocupação romana no Egito passou longe de apresentar aspectos
militares e legionários, somente. Os séculos de domínio propiciaram a hibridização cultural
no cerne da religião nativa faraônica, florescendo uma cultura diferente e com novos
mecanismos e representações que, por sua vez, foram utilizados de acordo com a vontade das
elites.
82

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

BAGNALL, R. S. The Fayum and its People, in WALKER, Susan e BIERBRIER, Morris.
Ancient Faces, Mummy portraits from Roman Egypt.​ Londres: British Museum Press, 1997.

BAKHOUM, Soheir. ​Dieux Égyptiens à Alexandrie sous les Antonins: ​Recherches


Numismatiques et Historiques​. ​Paris: CNRS Éditions, 1999.

BARBOSA, Michelle de Kássia Fonseca. O Sagrado no Egito Antigo. Disponível em:


<periodicos.ufpb.br/ojs.php/dr/article/download/15376/8737>. Acesso em: 18. jun.. 2019.

BEARD, Mary; NORTH, John; PRICE, Simon. ​Religions of Rome​. Vol. 1. A history.
Cambridge: Cambridge University Press, 1998.

BOWMAN, Alan.. ​Egypt after the Pharaohs 332 BC – AD 642: From Alexander to the Arab
​ ondres: British Museum Publications, 1986.
Conquest.​ L

BURKE, Peter. ​Hibridismo cultural.​ São Leopoldo:. Unisinos, 2006.

CARDOSO, Ciro. Apud LOBIANCO, Luis Eduardo. A Romanização no Egito: Direito e


Religião (séculos I a.C. – III d.C.). Niterói, 2006, 429 f. ​Tese (Doutorado em História) -
Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, 2006.

_____. ​Deuses, Múmias e Zigurates:​ Uma comparação das religiões antigas do Egito e da
Mesopotâmia. Coleção História 27. Edipucrgs. Porto Alegre, 1999.

_____. ​O Egito Antigo. ​São Paulo: Brasiliense, 1992.

_____. Análise de Conteúdo: Método Básico. (Notas de Aula). Texto do curso História
Antiga I, ministrado pelo professor Luis Eduardo Lobianco no 1º semestre de 2015, no
Departamento de História e Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro.

CARLAN, Claudio Umpierre; FUNARI, Pedro Paulo Abreu. ​Moedas: a numismática e o


estudo da história. São Paulo: Annablume, 2012.

CÉSAIRE, Aimé. ​Discurso sobre o colonialismo​. Blumenau: Letras Contemporâneas, 2010.

​ egado de um Império. Madrid: Edições


CORNELL, Tim; MATTHEWS, John. ​Roma.: L
del Prado, 1996.

DROYSEN, Johann apud PAUL, André. ​O Judaísmo Tardio. História Política.​ São Paulo:
Paulinas, 1983.

DUNAND, Françoise; ZIVIE-COCHE, Christiane. ​Dieux et Hommes en Égypte 3000 av.


83

J.-C. 395 apr. J.C. ​Paris: Armand Colin, 1991.

GARNSEY, Peter; SALLER, Richard. ​The Roman Empire. Economy, Society and Culture.
Berkeley e Los Angeles: University of California Press, 1987.

HAVERFIELD, FJ. ​The Romanization of Britain.​. Oxford: Oxford Clarendon Press, 1912.

HINGLEY, Richard. The “legacy” of Rome: the rise, decline, and fall of the theory of
Romanization, In: WEBSTER, Jane e COOPER, Nick (eds), ​Roman Imperialism: Post -
Colonial Perspectives. Leicester: School of .Archaeological Studies - University of Leicester,
1996.

HUSSON, Geneviève; VALBELLE, Dominique. ​L’État et les Institutions en Égypte des


premiers pharaons aux empereurs romains. ​Paris: Armand Colin, 1992.

LESKO, Leonard. H. Cosmogonias e Cosmologia do Egito Antigo. In: SHAFER, Byron E.


(org.). ​As religiões no Egito antigo: deuses, mitos e rituais domésticos. Tradução de Luis S.
Krausz. São Paulo: Nova Alexandria, 2002.

LEWIS, Nathtali.​ Life in Egypt Under Roman Rule​. Oxford: Oxford University Press, 1985.

LIDDELL e SCOTT. ​An Intermediate Greek-English Lexicon. O ​ xford: Oxford University


Press, 1997.
LOBIANCO, Luis Eduardo. A Romanização no Egito: Direito e Religião (séculos I a.C. – III
d.C.). Niterói, 2006, 429 f. ​Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em
História​, Universidade Federal Fluminense, 2006.

_____.Alexandria no Egito: a luz do helenismo no antigo Oriente Próximo. In: Seminário


Representações, Poder E Práticas Discursivas, 2010, Nova Iguaçu. ​Anais,​ Nova Iguaçu:
UFRRJ, 2010. Disponível:
<http://www.ufrrj.br/graduacao/prodocencia/publicacoes/praticas-discursivas/alexandria.pdf>
Acesso em 18. mai. 2019.

_____. A “Egipcianização”/”Faraonização” de gregos e romanos. ​Ciências Humanas e


Sociais em Revista​. Rio de Janeiro, 2013, v.35, n.1, p.25-41, jan/jun.

MACMULLEN, Ramsay. ​Romanization in the Time of Augustus.​ New Haven e London: Yale
Universty Press. 2000.

MATTINGLY, D. ​Imperialism, power, and identity:​ Experiencing the Roman Empire.


Princeton: Princeton University Press, 2011.

MILLET, Martin. The Romanization of Britain.: An Essay in Archaeological Interpretation.


Cambridge, Cambridge University Press,1990, apud CLARKE, Simon. “Acculturation and
Continuity: Re-assessing the Significance of Romanization in the Hinterlands of Gloucester
and Cirencester”, In: WEBSTER, Jane e COOPER, Nick. (eds) ​Roman Imperialism: Post -
Colonial Perspectives​. Leicester: School of .Archaeological Studies - University of Leicester,
1996.
84

MENDES, Norma Musco. O Culto imperial como “transcrito público”. ​Revista Maracanan,
Rio de Janeiro, v. 9, n. 9, p. 144–166, 2013.

_____; ARAUJO, Yuri Corrêa. Epigrafia, Sociedade e Religião: o Caso da Lusitânia. In:
Phoînix Laboratório de História Antiga / UFRJ. Rio de Janeiro: ​Mauad Editora​, ano 13, 2007,
pp. 258-260.

NEIVA, Caroline Oliva. O Poder Legitimador de Serápis em Disputa na Época Antonina


(96-192): Um estudo comparado entre a iconografia monetária alexandrina e os ​Acta
​ io de Janeiro, 2017, 177 f, ​Mestrado (Mestrado em História) - Programa
Alexandrinorum. R
de Pós-Graduação em História Comparada​, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.

PORTO, Vagner Carvalheiro. O culto imperial e as moedas do império romano. ​Phoînix​, Rio
de Janeiro, v.24, n.1, 2018.

SAID. Edward. ​Cultura e Imperialismo​. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
SALES, José das Candeias. O culto a Serápis e a coexistência helénico-egípcia na Alexandria
ptolomaica. ​Revista Lusófona de Ciência das Religiões​. Lisboa: n.12, pp.309 - 322, 2007.

SOUSA, Rogério. As origens do culto alexandrino de Serápis. ​Hapi​. Lisboa: n.5, pp.183 -
195, nov. 2017.

SEEHAUSEN, Pedro Von. Etnia e Identidade nas Estelas Funerátias do Egito Romano. Rio
de Janeiro, 2014, 360 f , ​Dissertação (Mestrado em Arqueologia).​ Programa de Pós
Graduação em Arqueologia do Museu Nacional, UFRJ, 2014.

WALKER, Susan; BIERBRIER, Morris; ROBERTS, Paul ; TAYLOR, John. ​Ancient Faces.
Mummy Portraits From Roman Egypt. Londres: The trustees of the British Museum - British
Museum Press, 1997.

WEBSTER, Jane. “Roman Imperialism and the “Post Imperial Age”, In: WEBSTER, Jane e
COOPER, Nick (eds). ​Roman Imperialism: Post - Colonial Perspectives.​ Leicester: School of
.Archaeological Studies - University of Leicester, 1996.

VASQUES, Márcia Severina​. C​ renças Funerárias e Identidade Cultural no Egito Romano​:


Máscaras de Múmia. São Paulo,2005, 161 f, ​Tese (Doutorado em Arqueologia).​ Programa de
Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia, USP. 2005.

_____.​ A chora egípcia e as identidades culturais no Egito Romano: uma abordagem


arqueológica. ​Anais do XXIV Simpósio Nacional de História. História e Multidisciplinaridade:
territórios e deslocamentos. São Leopoldo: Anpuh, 2007.

_____. Os epitáfios funerários como suporte para as crenças e práticas mortuárias do Egito
Romano: exemplares de Terenuthis e Ábidos. A​ nais do XXVI Simpósio Nacional de História.​
São Paulo: Anpuh, 2011.

Você também pode gostar