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Seropédica
2020
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO – UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA
Orientador:
Aprovada por:
AGRADECIMENTOS
A primeira pessoa que devo agradecer é aquela que me carregou desde o ventre, minha
mãe Ana, minha primeira casa. Obrigado por ser minha mãe, tia e avó, você é minha mãe três
vezes. Sem você nada disso seria possível, no fim das contas - literalmente. Obrigado por me
dar aquilo que mais me é precioso: a minha vida. Obrigado por todo o esforço e carinho, que
também se estende ao meu pai Gilson e também ao meu irmão Igor.
Eu queria agradecer a tudo que a rural me proporcionou. O título de licenciado em
História é só uma das coisas que vou levar desse lugar mágico, magnífico, magnânimo e
maravilhoso - pra terminar tudo com “m”. Entrei como um menino, saio como um homem. E
entre tantas andanças de bicicletas e conversas pelo campus, eu aprendi a ver beleza no
simples coditiano, aqui me sinto em casa. E como eu não vivi só de estudos, as voltas das
festas pela ciclovia me reservam as melhores lembranças da vida. O céu estrelado na noite de
Seropédica - a melhor cidade bucólica do mundo - ainda me diz muita coisa.
Uma parte de todo esse todo certamente de dirige aos meus amigos. A maior república
que este pitoresco município baixadense já viu: A república ZZZ. Gabriel, Vitor, Hugo’s
(sim, temos dois), Yago, Thales, Paulinho, Pancho e Pé de Pano. Eu poderia escrever uma
parárafo pra cada um de vocês, mas não tem como. Fica o meu imenso agradecimento a tudo
que vivi com vocês, a cada momento, risada, música e conselhos. Eu levo vocês pra vida
inteira. Aquela república vive e resiste no nosso coração. Fomos os suseranos do nosso
próprio mundinho, fizemos dali o nosso aconchego, ou como preferíamos chamar: o nosso
château, levando a vida a 220v ao som de deftones.
Quero agradecer a todo mundo que cruzou o meu caminho nesse curso de História
que, apesar de meio ingrato, é a melhor escolha que poderia ter feito. Matheus José, meu
amigo de turma, rural e vida desde o primeiro dia de aula, naquela ensolarada segunda-feira
no P1, obrigado pela sua amizade, quero você pra vida. Ao professor Luis Eduardo Lobianco,
nada disso seria possível sem você. Obrigado pela atenção. Ao Lucas Guedes, vulgo Greg,
que tornou a péssima experiência da minha última república um pouco menos desgraçada. O
maior biólogo que conheço. Ao Time do Fracasso, a vida é melhor com a insanidade de
vocês. A gente vai longe, apesar do nome que adotamos.
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO – UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA
Orientador:
Orientador:
This monograph aims to analyze the manner and intensity with which
Romanization took place over egyptian material culture, through the use numismatic
and funerary iconographic sources, from the annexation of Egypt to the Roman Empire
as a Province until the promulgation of the Edict of Caracalla. It is in this way that I
intend to analyze the process of Cultural Hybridism that occurred in Roman Egypt
observing the way in which pharaonic culture remained strongly aligned with greek and
roman elements in coffins, funerary stelae, death masks, sarcophagi and coins.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
INTRODUÇÃO
divindade puramente sincrética, na medida em que no capítulo II irei refletir apenas sobre
artefatos mortuários e suas utilizações balizadas pela pirâmide social romana.
De maneira geral, busco traçar os mecanismos de legitimação que permearam a
cultural material, seja ela numismática ou mortuária, fazendo da mesma um veículo de
propagação de simbolismo, artefatos e crenças que remetiam a uma pretensa “elite” da
civilização egipto-romana, elementos estes marcadores de pertencimento a uma determinada
categoria. A Romanização, então, adentrou pelas mais diversas instâncias desta sociedade
híbrida, extrapolando os assentamentos militar e fronteiriços, abarcando a cultura material.
Este processo assistiu a hibridização de diversos elementos nativos egípcios para uso de seus
próprios interesses. Dessa maneira, pretendo mostrar que a dominação romana se estendeu e
se propagou de maneira crucial na religião, não havendo necessariamente a renúncia da
cultura nativa, mas ao contrário, utilizando-se da mesma, ainda que os pressupostos
imperialistas de dominação militar existissem, as nuances culturais permaneceram híbridas e
sobrepostas.
Os recortes temporais deste estudo visam, como já proposto aqui, apresentar apenas as
peculiaridades culturais e religiosas do Egito Romano, ou seja, apenas uma pequena parte que
abarca toda a existência desta civilização data de mais de cinco milênios atrás. Com isso, trato
de estabelecer como ponto de partida a dominação do território como parte do Império
Romano, ou seja, como sua província, controlada a mando direto de Otaviano, primeiro
Imperador, em 27 a.C. Assim, estende-se até o édito imposto por Caracala, fazendo com que
todos os cidadãos de todas as províncias fossem considerados livres, recorte este que será
explicado de maneira mais detalhada no primeiro capítulo.
Sobre os recortes espaciais ou geográficos, tomo como balizamento os critérios1 de
Ciro Cardoso, dividindo o território egípcio em três grandes regiões. A primeira, o Delta,
região de extrema importância pelos inúmeros leitos do rio Nilo, desaguando no
Mediterrâneo. Caracterizando-se por ser uma área pantanosa e de grande cultivo e pecuária.
Depois, tem-se a região chamada Vale. Uma longa margem cultivável próxima às margens do
rio, distante dos desertos. Por último, trata-se dos desertos, regiões infrutíferas e com solos
fracos localizadas de maneira mais afastadas do Delta e do Vale. Estas três regiões
compunham o que caracterizo aqui como Egito Romano.
Optei por dividir o estudo em três partes. Na primeira, traçarei as questões
metodológicas e de análise de conteúdo que será usada para utilizar as fontes das duas
naturezas, explicando como a mesma funciona e como serão suas divisões. Além disso,
1
CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito Antigo. São Paulo: Brasiliense, 1992, pp. 17 e 18.
11
Essa teoria visa quebrar os paradigmas impostos pelo pensamento colonial. Estes, por
sua vez, têm a tendência de impor uma dominação realizada por meio de uma hierarquização
das relações sociais entre povos e raças, partindo do pressuposto de que deveriam ser
dominados para que pudessem ser “civilizados”. Dessa forma, esse processo de colonização
operou por meio de uma chave de conceitos duais, como sendo dominador/dominado,
civilizado/selvagem, colonizador/colonizado e metrópole/colônia. Aimé Césaire, um dos
grandes expoentes dos estudos pós-coloniais, explicita bem o que significa o empreendimento
em sua forma mais pura e torpe:
destaca-se Franz Fanon, com sua obra Os Condenados da Terra (1961), no qual o autor
denuncia os graves ocorridos proporcionados pelo imperialismo francês na Argélia. A obra de
Fanon se constituiu como um grande ponto de partida para a propulsão e popularização dos
estudos pós-coloniais em todo o mundo.
Depois de seu surgimento, as teorias pós-coloniais desvelaram-se como heterogêneas e
diversificadas em alguns aspectos entre si. Apesar de suas diferenças pontuais e centrais entre
as correntes, elas carregam em si pontos cruciais e comuns a todas elas. Todas têm como
ponto principal reescrever a história única que vigorava até então, mantida pelo viés ocidental.
como elucidado pela autora Jane Webster. Para ela, todas convergiam no sentido de subverter
a ordem imposta pelo imperialismo colonial, focando em três principais pontos:
3
WEBSTER, Jane. “Roman Imperialism and the “Post Imperial Age”, In: WEBSTER, Jane e COOPER, Nick (eds). Roman
Imperialism: Post - Colonial Perspectives. Leicester: School of .Archaeological Studies - University of Leicester, 1996, p.7.
14
descentralizar os estudos coloniais nos permite enxergar as diversas nuanças que compõem
estes contatos.
Afiirma Millet que o mesmo não ocorreu apenas de maneira coercitiva, mas
cooperativa e cooptativa com as elite locais8, assim como afirma Richard Hingley, ressaltando
que os mecanismos de poder assistidos nas províncias precediam a chegada dos romanos na
mesma.9 Dessa forma, as estruturas fiscais e de organização romana nas províncias tiveram
como base as condições “tribais” de organização. Esses fatores, então, vão de encontro à ideia
de que os “colonizadores” foram incisivos em impor todos seus mecanismos aos
“colonizados”, pois afirma que estes também tiveram sua agência histórica, na medida em que
suas características foram incorporadas ao modus operandi romano.
Apesar disso, autores como Alan Bowman atestam que em alguns casos, como no
Egito, as estruturas de poder nativas foram especialmente modificadas de acordo com a
vontade romana.10 O Egito foi exatamente um destes casos peculiares, no qual o responsável
pela administração romana não era um membro da ordem senatorial, como em outras
províncias, mas um funcionário oficial intitulado como Prefeito, diretamente apontado pelo
Imperador e pertencente à ordem equestre.
Antes da romanização, ocorreu o contato das culturas grega e egípcia. Para tratar
exclusivamente da interação da cultura grega com as orientais, devemos conceituá-la como
Helenização. Com a expansão do grande Império de Alexandre Magno para as terras egípcias,
processo este que teve seu início no ano de 332 a.C. Uma localidade crucial para ilustrar esse
processo é a cidade de Alexandria, fundada pelo mesmo, mais tarde tornando-se capital do
Egito Ptolomaico (306 - 30 a.C.) e do Egito Romano (30 a.C. - 395 d.C.).
O Egito Romano, além de apresentar a já marcada presença da Romanização, atestou
também, especificamente em Alexandria, a presença eminente do Helenismo, somadas às
imbricações culturais do judaísmo e dos já presentes elementos faraônicos. Tomo como
definição deste conceito originado com a conquista de Alexandre a resolução de Johann
8
MILLET, Martin. The Romanization of Britain. An essay in archaeological interpretation. Cambridge: Cambridge University Press,
1990 apud WEBSTER, Jane. “Roman Imperialism and the “Post Imperial Age”, In WEBSTER, Jane e COOPER, Nick (eds). Roman
Imperialism: Post - Colonial Perspectives. Leicester: School of .Archaeological Studies - University of Leicester, 1996, p.8.
9
HINGLEY, Richard. The “legacy” of Rome: the rise, decline, and fall of the theory of Romanization, In: WEBSTER, Jane e
COOPER, Nick (eds), Roman Imperialism: Post - Colonial Perspectives. Leicester: School of .Archaeological Studies - University
of Leicester, 1996, p.41.
10
BOWMAN, Alan.. Egypt after the Pharaohs 332 BC – AD 642: From Alexander to the Arab Conquest. L ondres: British Museum
Publications, 1986, p.37.
16
Droysen, analisando o Helenismo como um fenômeno que contemplava a mescla das culturas
helênicas e as orientais, como por exemplo a faraônica.11
A cidade de Alexandria se tornou um centro de bastante incidência da cultura grega.
Mudanças e assimilações foram assistidas em campos como religião, mitologia e
indumentária. Alguns serão vistos com detalhes e analisados junto às fontes no capítulo 2.
Neste momento, irei me ater às questões mais gerais que não envolvem a análise das
iconografias. No âmbito mitológico, algumas divindades conceberam diferentes
representações, algumas até mantendo o próprio nome original faraônico, que é o caso de Ísis
Týchë e Ísis Pharia. Segundo Luis Eduardo Lobianco, estas duas variações da divindade são
exclusivamente surgidas no seio do Helenismo no Egito, com representações muito
particulares12. Na primeira, é possível perceber a presença de artefatos próprios da cultura
grega, como a cornucópia, junto a um timão. Já a segunda, por sua vez, como salienta Soheir
Bakhoum, é própria de Alexandria, cujo porto era protegido por um farol, e que, portanto,
representava-se como a divindade responsável por guardar e proteger os marinheiros.
O filho da divindade em questão, Hórus, passou a ser representado e conhecido como
Harpócrates em Alexandria, sendo representado diferentemente das suas iconografias
faraônicas antropozoomórfica ou zoomórficas. Segundo Lobianco, era ilustrado como um
bebê com um dedo na boca, assumindo uma postura completamente diferente da tradicional13,
sem seu corpo de falcão - ou apenas a cabeça, na representação antropozoomórfica.
1.3. ETNIA
14
CARDOSO, Ciro. Apud LOBIANCO, Luis Eduardo. A Romanização no Egito: Direito e Religião (séculos I a.C. – III d.C.).
Niterói, 2006, 429 f. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense,
2006, p.22.
15
BURKE, Peter. Hibridismo cultural. São Leopoldo:. Unisinos, 2006, p.42.
16
SAID. Edward. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.339.
18
qualquer dimensão de seu vasto império, direcionada àqueles que comungavam de valores,
religião e costumes próprios de Roma, independentemente de sua origem. A flexibilidade das
condições étnicas que os componentes do Império experimentavam desnudava, por si só, o
status q ue cada uma poderia oferecer.
A etnicidade, neste caso, servia aos interesses exclusivos das elites romanas e das
elites gregas locais. Estas, totalmente forjadas pelos interesses daquelas, acirrando as
fronteiras étnicas, eram feitas até mesmo de acordo com seus próprios critérios e deliberações.
Desenrolava-se como um processo balizado de acordo com o nível de Helenização dos povos
locais que, segundo Von Seehausen, dependiam de estrutura fundiária, letramento grego e
habitar o centro urbano19. Estes privilégios, então, instituídos no início da dominação romana
“...por Augusto para dividir a sociedade egípcia fizeram revigorar o sentimento de etnicidade
dos habitantes do Egito Romano. O pertencer à etnia grega passou a ser enormemente
valorizado e almejado por muitos”20.
A cultura material não poderia ser diferente, e refletia todas as nuances que
perpetravam as misturas e relações de poder que a acompanhavam. No capítulo seguinte,
analiso profundamente iconografias funerárias que revelam com detalhes os aspectos
culturais. Dessa forma, a cultura material expressa de maneira singular a crucial simbiose
entre etnicidade e as relações de poder e status q ue determinados elementos culturais
protagonizavam e demonstravam. Artefatos como estelas, santuários, sudários, mantos,
penteados, mortalhas, tumbas e retratos tinham a pretensão de representar aspectos culturais
próprios de uma identidade que poderia remeter os indivíduos a uma camada social de elite.
Remeter e representar as categorias culturais romanas era um fator positivo neste âmbito de
poder.
e convivendo com essas novas interações, criando aspectos duais de assimilação e resistência,
na medida em que alguns aspectos eram mantidos e outros suprimidos.
Dadas essas condições anteriores, é possível, por meio da análise dos elementos
iconográficos do Egito Romano, inferir sob quais aspectos a religião faraônica protagonizou
representações tanto de resistência quanto de assimilação. É possível inferir, segundo Alan
Bowman, que durante os períodos ptolomaico e romano as inscrições templárias continuaram
a fazer alusão às religiões nativas. O culto aos principais deuses e divindades da mitologia
faraônica permaneceu em alta - como Ísis, Anúbis, Seth, Amon, Hórus e Osíris -, inclusive se
expandindo para outros lugares. O mesmo autor em questão ressalta a magnitude que o culto a
Ísis, cujos rituais e veneração extrapolaram as fronteiras do Egito, sendo assistido até mesmo
em localidades do Mar Mediterrâneo:
The goddess Ísis, wife of Osíris and mother of Horus. Was excepcional in
that her cult (in a form broadly describable as a mystery religion) aroused
widespread interest outside Egypt, reaching all parts of the Mediterranean
world during the Roman period and making a notable on art and literature.
Plutarch wrote a learned monograph on the subject of Ísis and Osíris and in
The Golden Ass, a racy novel set in northern Greece in the middle of the
second century A.D, the autor Apuleius describe how his hero, Lucius, was
redeemed through initiation into the mysteries of Ísis.22
22
ondres: British Museum
BOWMAN, Alan.. Egypt after the Pharaohs 332 BC – AD 642: From Alexander to the Arab Conquest. L
Publications, 1986, p.170.
21
ressalta os dois templos de Karanis, aldeia localizada em Fayum. Com apenas 4.000 pessoas
contabilizadas no segundo século d.C, os dois templos eram unânimes e com uma forte
presença de elementos religiosos faraônicos, dedicadas à adoração e culto ao deus Sobek23,
cultuado não apenas em Karanis, mas em muitas outras aldeias de Fayum.
O culto a Sobek nos ilustra uma outra faceta da resistência, que é a permanência das
características zoomórficas das divindades. Sobek, sendo si mesmo um deus crocodilo, não
estava sozinho no que diz respeito aos cultos assistidos pelo vale do Egito. Inclusive os
próprios animais tornavam a ser mumificados nas necrópolis próximas aos templos, um
costume religioso que permaneceu em voga:
Dentre toda a grande extensão do Império Romano, o Egito se mostrava como uma das
principais províncias do mesmo, devido ao potencial de abastecimento de trigo que poderia
prover a todo o Império. Assim, sua importância logística e estratégica se traduzia em seu
contingente militar, como elucidado por Bowman. Segundo o mesmo, possuía três legiões até
o ano de 23 d.C, quando passou a ter duas. Todo seu corpo militar possuía 5.000 soldados em
cada legião, além de possuírem três alas de cavalarias com 1.500 soldados cada, e nove tropas
auxiliares, contabilizando um total de 5.000 homens26. Era um exército majoritariamente de
soldados não egípcios, na intenção de conter possíveis rebeliões. Estes protagonizavam não
apenas a proteção das fronteiras do Império, mas fiscalizavam alguns trabalhos, como nas
minas.
A organização territorial do Egito consistia nos chamados Nomos, repartições
administrativas que abarcavam todo o território e que foram herdadas pela administração e
mantidas na dominação romana. Seus números variavam conforme a época. Durante o século
II d.C., segundo Bagnall e Frier, era possível inferir a presença de um total de 50 Nomos27,
sendo divididos em 28 no delta e 22 no Alto Egito.
Além da imposição e formação do exército, a manutenção da integridade e coesão
territorial também perpassava por outras estratégias políticas, como, por exemplo, a cooptação
de uma pretensa elite local. Segundo Ramsey Macmullen, era uma estratégia de facilitação do
domínio romano e que se estendeu por todo o Império, abarcando todas as províncias28.
Contudo, o Egito carregou algumas particularidades que o diferenciava das demais. Como
sugere Pedro Von Seehausen, o critério para que a elite local fosse cooptado era escolhida
pelo próprio governo Imperial e, neste caso, recrutando uma pretensa “elite grega”29, algo que,
por sua vez, se tornava complicado e extremamente criterioso, na medida em que, devido ao
domínio ptolomaico anterior, a população era eminentemente miscigenada.
O hibridismo cultural assistido no período ptlomaico foi uma indigesta herança para o
Império Romano, no que diz respeito a estabelecer as divisões e os critérios para que as
categorias de etnia e identidade fossem criadas. Dessa forma, foram construídos critérios
26
Idem, p.78.
27
BAGNALL, R. S. The Fayum and its People, in WALKER, Susan e BIERBRIER, Morris. Ancient Faces, Mummy portraits from
Roman Egypt. Londres: British Museum Press, 1997, p.55.
28
MACMULLEN, Ramsay. Romanization in the Time of Augustus. New Haven e London: Yale Universty Press. 2000, p.2.
29
SEEHAUSEN, Pedro Von. Op.cit. p.26.
23
jurídicos para que estas fossem estabelecidas e colocadas em prática. Sendo assim, a elite
“grega” passou a gozar de mais privilégios que os considerados “egípcios” escolhidos pelo
Império.
Dadas as condições supracitadas, o governo criou e estabeleceu três condições30 para
enquadrar os cidadãos, sendo estas as seguinte: cives romani, cives peregrini e peregrini
Aegyptii. O primeiro grupo consistia em altos funcionários do império romano, bem como
veteranos do exército, legionários e cidadãos eminentes de Alexandria. O segundo, por sua
vez, englobava os gregos das quatro cidades gregas do Egito - Alexandria, Antinoópolis,
Náucratis e Ptolemaida - e judeus. E em último, os egícpios nativos.
Com a tomada do Egito por Augusto - que viria a ser o primeiro Imperador de Roma -
frente Marco Antônio e Cleópatra, tem-se a alteração da condição do mesmo para a de uma
província romana. Como salienta Nathtali Lewis e já mencionado anteriormente, o Egito
assistiu uma logística de administração diferente31, sendo concebido de forma mais particular
e tratado como uma possessão mais próxima e pessoal do Imperador Augusto.
Dessa forma, o Egito Romano concebeu diferentes políticas de integração em relação
às outras províncias. Tendo início com a anexação do mesmo ao Império em 30 a.C, ainda
com Otaviano como líder republicano, esta pesquisa tem sua data de partida em 27 a.C. -
quando o mesmo se torna primeiro Imperador e é nomeado Augusto - e sua data limite em
212 d.C., quando Caracacala concedeu cidadania romana a todos os homens livres de todo o
Império, acabando assim com a tensão étnia e com a relação de poder que as categorizações
em relação a gregos, romanos ou egípcios ocasionavam perante à lei. Ao longo de todo o
recorte cronológico realizado neste estudo (27 a.C. - 212 d.C.) um total de cinco dinastias
comandou o Egito Romano, como salienta Tim Cornell e John Matthews, sendo estas:
Julio-Claudiana, Flaviana, Nerva-Trajana, Antonina e Severa, em sequência32. Todas estas,
ainda que em diferentes medidas temporais e locais, protagonizaram e eram responsáveis pela
política étnica que segregava gregos, romanos e egípcios.
30
Ibidem, p.54.
31
LEWIS, Nathtali. Life in Egypt Under Roman Rule. Oxford: Oxford University Press, 1985, p.9.
32
CORNELL, Tim ; MATTHEWS, John. Roma.: L egado de um Império. Madrid: Edições del Prado, 1996, p. 98.
24
33
CARDOSO, Ciro Flamarion. Deuses, Múmias e Zigurates: Uma comparação das religiões antigas do Egito e da Mesopotâmia.
Coleção História 27. Edipucrgs. Porto Alegre, 1999, p.24.
34
Ibidem.
25
Baixo Egito, gerida da mesma forma pelo Faraó, bem como a luta de Seth e Hórus pela
herança osiríaca.
Segundo Cardoso, a noção que permeia todos os elementos constituintes desse
processo orgânico se define como Vida. Nela, todas as dualidades se encontram e se
completam, na medida em que não são opostas, mas atuam de maneira dinâmica e não
estanque35. Sua energia perpetua todos os elementos deste processo, como homens vivos e
mortos. É percebida invariavelmente em animais e na terra, como na fertilidade, também. A
morte terrena não impede que a Vida permaneça em voga, pois o defunto também a carrega.
Ou seja, todos os elementos fazem parte deste coletivo, atribuindo sua Vida de maneira
individual, formando o todo que compõe o Modus vivendi egípcio.
Segundo David P. Silverman, as cosmogonias e as noções do divino do Egito não
eram consideradas como constante ao longo da história do Egito36, na medida em que não
possuíam um “Livro Sagrado” do qual poderiam usufruir de seus ensinamentos e suas
liturgias. Além disso, como sugere Cardoso em seu livro “O Egito Antigo”, antes de uma
unificação do poder em todo o território, os diversos nomos - unidades de poder - que o
compunham possuíam, cada um, cosmogonias e divindades singulares, como por exemplo Rá
em Heliópolis e Ptah em Mênfis37. No processo de unificação dos nomos, então, fazia-se
necessário congregar todos estes mitos cosmogônicos e, com isso, alguns cultos foram
elevados ao patamar de cultos abrangentes por todo o território, assim como alguns
permaneceram meramente regionais e isolados em suas cidades de origem.
Ao longo do estudo de antropólogos, arqueólogos e historiadores, concluiu-se que a
cosmogonia do Egito Antigo que prevalecia nos ritos e nas fontes era a que considerava o
deus Rá como o prenúncio e origem de tudo que existe, o que foi acusado ao longo das
análises do Texto das Pirâmides. Dessa forma, segundo Michelle de Kássia Fonseca Barbosa
em seu artigo, o deus criador teria feito surgir o mundo por sua energia, revertido a escuridão
eminente e as águas ilimitadas que a inundavam e, assim, criado tudo que existia38. Esta ação
inicial ficou conhecida por reverter todo o caos antes que o mundo, como o conhecemos,
surgisse, assim tendo início a vida nas formas das plantas, animais objetos e os demais
fenômenos.
Toda a reversão do caos infindável era mantida pela deusa Maat. Esta era a
35
Ibidem, p.25,
36
SILVERMAN, David P, Cosmogonias e Cosmologia do Egito Antigo. In: SHAFER, Byron E. (org.). As religiões no Egito antigo:
deuses, mitos e rituais domésticos. Tradução de Luis S. Krausz. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. p.108.
37
CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito Antigo. S ão Paulo: Brasiliense, 1992, p.88.
38
BARBOSA, Michelle de Kássia Fonseca. O Sagrado no Egito Antigo. Disponível em:
<periodicos.ufpb.br/ojs.php/dr/article/download/15376/8737>. Acesso em: 18. jun.. 2019, p.9.
26
representação divina dos conceitos e arquétipos de Justiça, Equilíbrio e Verdade, que , por sua
vez, impediriam que o Caos inicial fosse retomado no cotidiano egípcio. Maat era a divindade
responsável por impedir que as forças ruins e que representassem tudo aquilo diferente do
equilíbrio não adentrassem nos domínios egípcios. No julgamento da psicostasia, a pluma da
deusa era a unidade de medida que decidiria, na pesagem da balança, o veredito daqueles que
seriam, ou não, dignos de conviver ao lado do deus Osíris no mundo dos mortos. Dessa
forma, segundo Cardoso:
Segundo Soheir Bakhoum, em seu livro Dieux Égyptiens à Alexandrie sous les
Antoninins - Recherches Numismatiques e Historiques, h á algumas mudanças na
representação e culto às divindades egípcias no Egito Romano. Uma grande novidade é em
relação a Osíris, cuja representação passa a ser realizada em forma de Canopo. Além da
“tríade de Alexandria” - as três divindades com culto proeminente em Alexandria”, incluindo
39
CARDOSO, Ciro Flamarion. Deuses, Múmias e Zigurates: Uma comparação das religiões antigas do Egito e da Mesopotâmia.
Coleção História 27. Edipucrgs. Porto Alegre, 1999, p.26.
27
40
echerches Numismatiques et Historiques. P
BAKHOUM, Soheir. Dieux Égyptiens à Alexandrie sous les Antonins: R aris: CNRS
Éditions, 1999, p.24.
41
DUNAND, Françoise. ZIVIE-COCHE, Christiane. Dieux et Hommes en Égypte 3000 av. J.-C. 395 apr. J.C. P aris: Armand Colin,
1991, p.268.
42
LOBIANCO, Luis Eduardo. A Romanização no Egito: Direito e Religião (séculos I a.C. – III d.C.). Niterói, 2006, 429 f. Tese
(Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, 2006, p.257.
43
BEARD, Mary; NORTH, John; PRICE, Simon. Religions of Rome. Vol. 1. A history. Cambridge: Cambridge University Press,
1998, p.314.
28
44
VASQUES, Márcia Severina. Os epitáfios funerários como suporte para as crenças e práticas mortuárias do Egito Romano:
exemplares de Terenuthis e Ábidos. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo: Anpuh, 2011, p.3.
45
BOWMAN, Alan.. Op.Cit, p.180.
46
VASQUES, Márcia Severina. Crenças Funerárias e Identidade Cultural no Egito Romano: Máscaras de Múmia. São Paulo, 2005,
161 f, Tese (Doutorado em Arqueologia). Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia, USP,
2005, p.27.
29
diz respeito a estes artefatos. Alguns fatores, contudo, podem explicá-lo, como por exemplo,
ao claro empobrecimento da população egípcia gerada no seio da mesma dominação romana,
fazendo com que os recursos para as ornamentações funerárias se tornassem ainda mais
escassos. Neste período, portanto, existia uma maior atenção ao corpo do defunto em si, por
ele mesmo, em detrimento de seu envoltório, concentrando as atenções em seu estado de
conservação. Uma prova disso é a utilização meramente ornamental dos vasos canópicos ao
longo do domínio romano.
As significações e o objetivo pelos quais os rituais funerários eram realizados
permaneciam, em sua essência, eminentemente faraônicos. A mumificação continuava sendo
utilizada para preservar o corpo do morto, diante da crença de que a mesma deveria ser feita
para que a vida eterna só poderia ser atingida com o corpo intacto e não degradado.47 Um
grande recurso estilístico mortuário observado no Egito, que convive com as clássicas estelas
funerárias, máscaras mortuárias e mumificações - a serem analisadas como fontes primárias
nas Grades de Análise elaboradas ainda neste capítulo -, se dá por exemplo no surgimento dos
retratos em encáustica ou têmpera sobre linho ou madeira, como é o caso das Figuras 5 e 7,
que são próprias da arte helenística. A cultura romana influencia mais no que diz respeito a
vestuários, joias, adereços e penteados dos defuntos, devido ao já atestado elevado grau social
que os aspectos da cultura romana propiciavam na dinâmica da sociedade do Egito Romano,
como um sinal de status, c omo já elencado no primeiro capítulo.
Dividirei as fontes a serem utilizadas em dois grupos, concernentes com sua natureza
material, sendo estas: iconografias funerárias e numismáticas. O primeiro grupo se constitui
de sete imagens, a ser analisado neste capítulo. Todas foram escolhidas e agrupadas por
conceberem a presença do deus Anúbis, o que evidencia ainda mais a ligação dos artefatos
funerários com a crença faraônica. Três delas são estelas funerárias. A primeira delas
demonstra o morto sendo conduzido por Anúbis até Osíris com inscrições em hieróglifos. A
segunda demonstra um filho bebê de um soldado romano no Egito, constando um epitáfio
com uma inscrição em latim. A terceira, é uma estela funerária de uma mulher desconhecida
inclinada.
Além das estelas funerárias, temos as mortalhas (ou sudários), que são duas
unidades. A primeira delas demonstra um jovem situado entre Osíris e Anúbis. A segunda,
47
Ibidem, p.26.
30
por sua vez, demonstra uma jovem mulher que, assim com o jovem da primeira mortalha,
também se situa entre duas divindades faraônicas, dessa vez Anúbis e Upuaut.
Em cada categoria, que, por sua, se enquadra nos três grupos já ditos anteriormente,
serão colocadas as “unidades de registro”. Estas, por sua vez, nada mais são que o registro,
descrição e constatação do objeto de análise cuja menção dentro de uma determinada
categoria se tornou necessária. O conteúdo de tal unidade deve se enquadrar no recorte
delimitado pela categoria.
48
CARDOSO, Ciro Flamarion. Análise de Conteúdo: Método Básico. (Notas de Aula). Texto do curso História Antiga I, ministrado
pelo professor Luis Eduardo Lobianco no 1º semestre de 2015, no Departamento de História e Relações Internacionais da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
31
Material: Múmia em estuque pintado, com um retrato em pintura, com retrato feito em
encáustica em madeira de tília, coberto por folhas de ouro em camadas específicas.
A mudança nas máscaras funerárias, com a consequente adição dos retratos romanos,
foi um grande fator de mudança que se percebeu no Egito Romano, no que tange à categoria
dos artefatos mortuários. As tradicionais máscaras mortuárias egípcias foram paulatinamente
substituídas, em alguns casos, pelos retratos funerários de características romanas que,
segundo Susan Walker e Morris Bierbrier, se consolidou como um dos aspectos artísticos
mais influentes e permanentes da cultura romana.50 Contudo, as máscaras continuavam a
carregar seu simbolismo religioso e relativo à vida após a morte, como de praxe na religião
faraônica.
49
Ibidem, pp.56-57.
50
Ibidem, p. 14.
34
51
VASQUES, Márcia Severina. Egito Romano: Entre tradição, memória e renovação. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia.
São Paulo: v.32, p.120 - 130, 2019, p.123.
52
Ibidem, p.124.
35
faraônica e suas simbologias, bem como divindades da mesma. Assim, decidi incluí-las
juntamente aos amuletos faraônicos representados na imagem, como na representação da
coroa Atef, pois apesar de ser representada de maneira isolada como um amuleto, a mesma
tem em si a representação eminente de poder no Antigo Egito. As coroas do Alto e do Baixo
Egito também são amuletos e ornamentos que representam a detenção do poder, as quais, por
sua vez, são indissociáveis representações de uma simbologia que nos remete à religião
faraônica. Dessa forma, essa se trata de uma seleção mais geral dos aspectos analisados.
As duas categorias seguintes carregam em si elementos mais específicos, sendo estas
“Cultos” e “Rituais Funerários”. A parte que referente à cultura grega se divide em duas
partes apenas: “Inscrição de saudação ao morto” e “Indumentária”. A última “Cultura de
Referência”, a romana, também se divide em duas frações, sendo elas “”Pintura” e
“Indumentária”, se referindo a aspectos.
Unidades de Registro: A primeira unidade de registro sobre o tópico
“Simbologia/Religião/Poder” se dá sobre as extremidades da gola dourada vista na múmia.
Em cada extremidade é possível ver metade do rosto de Hórus e, também, as coroas do Alto e
do Baixo Egito, chamadas de Pschent, a qual representa o poder religioso e político exercido
tanto no Delta quanto no Vale do Egito. Outra coroa que é possível identificar na fonte e que
foi citada na grade de análise é a coroa Atef, a coroa de Osíris. Outro objeto a ser identificado
que merece maior menção é a presença de duas divindades bem próximas a um vaso de
planta, as quais carregam cada uma um amuleto que tem como função a ordenação cósmica.
No segundo tópico, intitulado “Cultos”, faz-se necessário ressaltar sua única Unidade
de Registro. Nela, é possível ver Thot e Hórus juntos com o amuleto de Osíris próprio de seu
culto na região de Abydos. No tópico “Rituais Funerários” há duas Unidades de Registro, que
seguem uma certa lógica sequencial. Assim, no primeiro é possível assistir Anúbis
observando Osíris enquanto este se deita sobre um esquife, e em suas duas extremidades Ísis e
Nephthys. No segundo, Osíris desperta de seu sono.
As Unidades de Registro referentes às Categorias Temáticas sobre a cultura grega
fazem-se desnecessárias, na medida em que se explica por si só apenas com a leitura da grade
de análise. Analisando as referentes à Cultura Romana, percebe-se que a técnica de pintura e
de conservação próprias dos romanos. Sobre a parte temática que versa sobre a indumentária
do morto, a túnica branca poderia ser naturalmente elencada como um aspecto helênico/grego,
assim como ressalta Liddell e Scott53, como o chamado Chitón, em grego, diferentemente da
“Túnica”, seu equivalente em latim. O manto sob o ombro do morto também pode ser
53
LIDDELL e SCOTT. An Intermediate Greek-English Lexicon. Oxford: Oxford University Press, 1997, p.889.
38
elencado da mesma maneira, o chamado himátion, em grego. Contudo, opta-se por tratá-la
como uma característica grega na medida em que a realização de retratos do morto ainda em
vida é majoritariamente uma característica romana, assim, mantém-se a preferência pelos
nomes latinos dos ditos vestuários, como “Túnica” e “Manto”.
Um fato interessante desta análise é que podemos perceber que, apesar da grande
incidência de elementos romanos, é possível compreender que há uma inscrição em grego do
jovem Artemídore. Um indivíduo de nome grego, que é embalsamado de forma faraônica,
ainda que não seja comprovadamente de etnia grega, como observado por Luis Eduardo
Lobianco.
A última Unidade de registro referente à última Categoria Temática romana versa
sobre o tipo de penteado que o morto apresenta no retrato. O tipo de penteado escovado a fim
de realçar o conjunto com a sobrancelha é tipicamente trajânico, fazendo referência ao
Imperador contemporâneo Trajano, visto que o mesmo teve o poder sobre o Império Romano
de 97 a 117 d.C e a imagem data de 100 a 120 d.C.
Unidades de Numeração: A fonte é majoritariamente faraônica, na medida em que é
nesta Cultura de Referência que se encontra o maior número de ocorrência de Unidades de
Registro, ou seja, “7” ocorrências. A romanização se desenrola como um fator importante na
mesma fonte, visto que “4” ocorrências podem ser vistas. As Unidades de Numeração
referentes à Cultura Grega são praticamente irrelevantes frente às demais, visto que apresenta
apenas “2” ocorrências.
39
Título: Máscara com pintura sobre cartonagem dourada, grafada com o nome “TITOS
FLAVIOS DEMETRIOS” em grego.
A confecção e utilização das máscaras mortuárias no Egito Antigo foi uma constante
em praticamente todo o território egípcio. Contudo, como salienta Márcia Severina Vasques
em “A Chora egípcia e as identidades culturais no Egito Romano: uma abordagem
arqueológica.”, a maioria do acervo de máscaras é oriundo de regiões como Fayum, Alto e
Médio Egito, Kharga e Bahariya, já que naturalmente as condições de regiões do delta do
Egito - como Alexandria - não facilitavam a manutenção dos artefatos arqueológicos,
impossibilitando sua análise.55
A máscara mortuária cumpria uma função religiosa e ritual. Tinha a pretensão de não
apresentar a identidade real do indivíduo, ao passo que passava a representar e identificar o
morto com divindades, em um modelo culturalmente idealizado na sociedade egípcia. As
motivações eram todas ancoradas no Livros dos Mortos e tinham a pretensão de aproximar os
defuntos das divindades, principalmente Osíris e Rá. Assim, é possível que ele mantenha uma
das partes integrantes mais importantes de seu Ba, constituinte de seu corpo físico.
Segundo Vasques, as primeiras Máscaras Mortuárias surgiram entre o final do
54
Ibidem, p.84.
ASQUES, Márcia Severina. A chora egípcia e as identidades culturais no Egito Romano: uma abordagem arqueológica. Anais do
55
V
XXIV Simpósio Nacional de História. História e Multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos. São Leopoldo: Anpuh, 2007, p.5.
41
Primeiro Período Intermediário e o Início do Médio Império (séc. XX e/ou XXI a.C).56
Primeiramente, o rosto era pintado diretamente na múmia, ou no gesso que a envolvia, com o
crânio praticamente nu. No Médio Império (2.181-1.650 a.C.), é possível perceber uma maior
sofisticação em sua confecção. O Crânio passa a receber mais atenção, sendo feito em sua
maioria e, em alguns casos, em cartonagem, recebendo mais detalhes no rosto, como por
exemplo as orelhas. Cores como o azul e o amarelo eram adicionados aos cabelos (em listras)
e ao o rosto, respectivamente. No Novo Império (1.550 - 1069 a.C.), algumas máscaras eram
compostas de metal, aumentando o leque de materiais das quais poderia ser construída.
No Egito Romano, é perceptível o acontecimento do “Empréstimo Cultural”,
conceito já abordado no primeiro capítulo. Nas máscaras desse período - incluindo a Figura 2
- há a inferência de ambas as culturas. O arcabouço divino e direcionado ao postmortem
permanecia em voga. Sua função, junto ao acabamento artístico em cartonagem e seus
envoltórios, se juntavam, então, aos elementos artísticos romanos. Assim como nos retratos
analisados na Figura 1, observamos uma tendência mais realista de um tipo ideal que remete
ao elevado status social egipto-romano.
56
VASQUES, Márcia Severina. Crenças Funerárias e Identidade Cultural no Egito Romano: M
áscaras de Múmia. São Paulo,2005,
161 f, Tese (Doutorado em Arqueologia). Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia, USP.
2005, p.24.
42
Dados esses fatos, tem-se a ideia de que é um fato que vai na contramão do processo
de romanização: um cidadão romano que se “faraonizou”, tendo incorporado em si diversos
elementos da cultura egípcia, em suas mais diversas naturezas, características e aspectos,
processo este relatado por Luis Eduardo Lobianco em “A Egipcianização/Faraonização” de
Gregos e Romanos”.57 Tal fato mostra que o hibridismo cultural, neste caso, não é um
elemento exclusivamente presente em monumentos mortuários de indivíduos egípcios,
podendo ocorrer também em monumentos de romanos. A faraonização, portanto, se mostra
como um ponto em comum entre as Figuras I e II. A figura I, de Artemídore, analisada
anteriormente, mostra um indivíduo grego com elementos faraônicos, já a segunda, como já
mencionado, um indivíduo romano.
revelam sua presença, bem como quase todos os adornos estéticos e artísticos também são
eminentemente egípcios, destaque para as Unidades de Registro ancoradas na Categoria
Temática de “Estética Facial”, onde registrei “A silhueta da máscara possui um contorno
inteiramente faraônico, sem sinais de romanização” e “A altura das orelhas na máscara em
relação ao plano ocular denuncia um eminente caráter estético faraônico.” Esses dois registros
exprimem, portanto, a predominância da arte faraônica no monumento.
Unidades de Numeração: As Unidades de Numeração apenas atestam tudo aquilo
que já foi dito anteriormente nesta mesma análise: com um número de “8” ocorrências, a
religião faraônica predomina em larga vantagem numérica frente às demais, tendo cada uma
apenas “2” ocorrências registradas; Sendo assim, este aspecto da análise é importante para
confirmar e inferir, de maneira quantitativa, o aspecto predominante de uma cultura sobre
outras.
46
Título: Estela Funerária de Tryphon flanqueada por dois Chacais construída em calcário.
58
Ibidem, pp.151 - 152.
48
A presença das estelas funerárias percorre não só a história de todo o Antigo Egito,
mas também a do Império Romano e da Grécia. A origem de sua palavra significa “pedra
erguida”, dessa forma, elas se constituíam como epitáfios dedicados aos mortos com seus
nomes grafados, bem como monumentos dedicados comemorativos a determinados eventos
ou pessoas. Como indica Pedro Von Seehausen, em sua dissertação de mestrado, era colocada
e construída em muitos templos com a finalidade de glorificação a deuses, ou para comemorar
a vitória sobre um determinado povo estrangeiro.60
Assim como as técnicas de mumificação e as máscaras funerárias, também sofreram
algumas adaptações ao longo do tempo, como ressalta Márcia Severina Vasques em seu artigo
“Os epitáfios funerários como suporte para as crenças e práticas mortuárias do Egito Romano:
exemplares de Terenuthis e Ábidos”, também foram resultantes de um grande Empréstimo
Cultural promovido pela junção das culturas grega, romana e faraônica na cultura material do
período.
Ainda que algumas mudanças fossem observadas ao longo do percurso histórico
egípcio, Vasques ressalta que alguns padrões eram observados em sua confecção, como por
59
Ibidem, pp. 152 - 153.
60
SEEHAUSEN, Pedro Von. Etnia e Identidade nas Estelas Funerárias do Egito Romano. Rio de Janeiro, 2014, 360 f , Dissertação
(Mestrado em Arqueologia). Programa de Pós Graduação em Arqueologia do Museu Nacional, UFRJ, 2014, p.65.
50
exemplo seu topo em formato arredondado e sendo entalhadas por técnica de baixo relevo.61
Não cabe a este trabalho estabelecer um panorama detalhado sobre todas épocas que tiveram
Estelas Funerárias como cultura material de grande importância, devido a sua pontual
intenção de apontar o Hibridismo Cultural presente nos artefatos mortuários.
Posto os fatores anteriores, cabe a mim apontar as mudanças de maneira geral
simbolizadas pelas mesmas. Dessa forma, é possível inferir que a grande diferença observada
se dá no fato de que no período romano é comum que o morto apareça sendo conduzido por
Anúbis até Osíris, especificamente estas duas divindades.62 Em períodos anteriores, podemos
perceber que o defunto permanece sentado em meio a diversos oferendas e divindades, como
ressalta Vasques.
61
VASQUES, Márcia Severina. Os epitáfios funerários como suporte para as crenças e práticas mortuárias do Egito Romano:
exemplares de Terenuthis e Ábidos. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo: Anpuh, 2011, p 4.
62
Ibidem.
51
Material: Linho.
Temática: Presença de Rituais Funerários com elementos híbridos, tendo como predominante
a cultura faraônica.
63
Ibidem, p.107.
53
(Fig.5)
2
Formato de penteado franjado que
remete possivelmente ao período
neroniano. (Fig.3)
Indumentária A túnica branca com detalhes de
clavi. (Fig.5)
Figura 6: Defunto sendo conduzido a Osíris por Anúbis (WALKER, Susan; BIERBRIER,
Morris; ROBERTS, Paul; TAYLOR, John. Op.Cit).
58
Título: Estela Funerária com cena de condução do defunto a Osíris por Anúbis, feita em
calcário puro.
64
Ibidem, p.153 - 154.
59
65
Ibidem, pp.110 - 111.
61
A representação em busto do
retrato por si só é uma atribuição 3
cultural eminentemente romana.
(Fig.7)
Assim como na análise anterior, nas quais analisei as imagens 3,4 e 5 de forma
conjunta com o critério de que nas três imagens era possível observar a aparição de Anúbis
como principal divindade faraônica nas iconografias, dessa forma o faço com as imagens 6 e
7. Desta vez, optei por analisar ambas pois apresentam a mesma divindade Anúbis, porém,
dessa vez, de forma secundária, levando o defunto na imagem ao encontro do deus Osíris,
apesar de ser possível observar que o material e recursos estilísticos e artísticos de ambas são
notoriamente diferentes.
Categorias Temáticas: As Categorias Temáticas sugerem poucas novidades diante
das imagens analisadas anteriormente, contudo ainda podemos perceber importantes
inferências. Mais uma vez percebemos a predominância de elementos faraônicos no que diz
respeito às características religiosas em ambas figuras. Todas as divindades e respectivos
símbolos sagrados e religiosos pertencem à religião faraônica, tanto as deidades quanto seus
artefatos, em ambas as imagens. As inscrições hieroglíficas também são exemplos do caráter
faraônico das mesmas, principalmente da Figura 6.
64
enrolados. A sua indumentária não foge a esta regra: o deus aparece vestindo o chitón e o
himátion. Em sua cabeça, é possível visualizar o Kálathos. Este artefato, por sua vez, como
elucida José das Candeias Sales em seu artigo “O culto a Serápis e a coexistência
helénico-egípcia na Alexandria ptolomaica”, representa o simbolismo de fertilidade,
prosperidade e abundância,70 principalmente no que diz respeito à produção agrícola, tendo
em vista que se assemelhava a um vaso que era utilizado como medidor na coleta de cereais.
Além disso, a divindade acumula diversas outras características e atribuições, como suas
aparições acompanhado de raios solares que nos remetiam à concepção do deus Hélio, ou
como quando aparecia sobre a cabeça do guardião do Inferno, Cérbero, retratando-o como
senhor da eternidade.
A imponência de Serápis como divindade sincrética de Alexandria era tão evidente
que, surpreendentemente, substituiu Osíris como deus tutelar no Egito. Assumia seu lugar ao
lado de divindades como Ísis e Harpócrates nas representações iconográficas. Segundo
Caroline Oliva Neiva, Osíris começou a ter suas antigas funções descartadas, fora de suas
representações de poder, sem seu heqa e flagellum, assim, passa a ser representado como uma
divindade canópica.71 Dessa forma, Osíris foi perdendo importância que outrora tivera no
período faraônico, mantendo sua representação nos processos funerários. Contudo, em
contrapartida, com a proeminência de Serápis, este passa a ser utilizado como o principal deus
no que diz respeito à legitimação de poder por parte das Ptolomeus, contando com o empenho
irrestrito dos sacerdotes na difusão destes anseios. Aliado a estes três deuses, Anúbis também
teve seu lugar no culto realizado no Serapeum, t endo em vista que também se tratava de um
importante deus dentro da composição do culto funerário, como analisa José das Candeias
Sales.72
Este processo mostra, como já ilustrado no segundo capítulo, um certo grau de
“faraonização” dos gregos, na medida em que prestavam culto a uma divindade
eminentemente egípcia, sendo esta Osor-Hapi. Assim, este processo também acontece em
dupla chave, na medida em que os egípcios também começam a cultuar um deus cujas
características são “emprestadas” diretamente de arquétipos da cultura grega, assim,
caracterizando o processo de “helenização”, também já abordado.
A criação e adoção de um deus extremamente sincrético, híbrido, universal e
70
SALES, José das Candeias. O culto a Serápis e a coexistência helénico-egípcia na Alexandria ptolomaica. Revista Lusófona de
Ciência das Religiões. Lisboa: n.12, pp.309 - 322, 2007, p.314.
71
NEIVA, Caroline Oliva. O Poder Legitimador de Serápis em Disputa na Época Antonina (96-192): Um estudo comparado entre a
iconografia monetária alexandrina e os Acta Alexandrinorum. Rio de Janeiro, 2017, 177 f, Mestrado (Mestrado em História) -
Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017, p.29.
72
SALES, José das Candeias. Op.Cit. p. 318.
67
73
´NEIVA, Caroline Oliva. Op.Cit. p. 18.
74
SALES, José das Candeias. Op. Cit. p. 315.
68
variando assim de acordo com as diferentes dinastias que tutelavam o Egito. A dinastia
flaviana, relata Neiva, foi a primeira a utilizar a imagem de Serápis.75 Contudo, só começou a
ser representado de maneira mais contundente na dinastia dos Antoninos e dos Severos. Isto
porque pelo governo destes primeiros observou-se uma maior atenção à província egípcia, na
medida em que Imperadores como Adriano foram os que mais realizaram ações referentes a
esta, incluindo até mesmo a reconstrução do Serapeum de Alexandria. Nessa mesma época
Serápis alçou o status de “deus universal”, sendo cultuado em diversas localidades fora de
Alexandria e ao longo de todo o Império Romano, até mesmo na Península Ibérica.
A aparição de Serapeum n os reversos das moedas começa até mesmo no reinado de
Trajano. Segundo Soheir Bakhoum, é possível atestar então a presença do templo nas
representações numismáticas deste período76 - tema a ser analisado neste capítulo. Assim, o
reinado do Imperador em questão foi repleto de representações deste tipo, tendo sido
continuadas em períodos posteriores. Importante ressaltar o hibridismo presente até mesmo na
construção do templo, na medida em que o mesmo é feito de modo a representar o padrão
arquitetônico coríntio de suas colunas. A forte relação dos Imperador com o Serapeum é mais
nítida ainda quando observamos os reversos das moedas da época do Imperador Adriano. Em
uma das moedas a serem analisadas ainda neste capítulo, é possível analisar o Hadrianeion.
Templo anexo ao supracitado templo de Serápis, representado pela estela que é tocada pela
mão direita de Serápis.
A utilização recorrente de Serápis nas representações numismáticas em diferentes
dinastias do Império Romano e até mesmo da época ptolomaica, nos remete à ideia de que era
recorrente a política de vinculação a uma determinada divindade a fim de legitimar um
pretenso poder de forma religiosa. Mostra-se, portanto, como uma ação plenamente
consolidada dos governantes, bem como mostra o valor ideológico que Serápis possuía, a
ponto de continuar tendo seu valor sob a tutela de diferentes Imperadores.
75
NEIVA, Caroline Oliva. Op. Cit. p.19.
76
BAKHOUM, Soheir.Op.Cit. p.37.
69
via “[...] não como uma expressão de lealdade ao imperador ou uma simples homenagem, mas
como um complexo sistema simbólico, cujos significados definiam a natureza e legitimavam
o monarca, assim como, a verticalidade da estratificação social no Alto Império”.77
Ainda de acordo com esta autora, o Culto Imperial inferia majoritariamente um
substrato político e legitimação, ainda que tivesse elementos primordiais próprios da religião
romana. Os imperadores eram concebidos, ainda em vida, de forma divinizada, fato que
perdurou ao longo de todo o período imperial. Contudo, é importante ressaltar a substancial
diferença que os distanciava do culto aos faraós. Enquanto estes eram cultuados literalmente
como os próprios deuses para os nativos egípcios, os Imperadores Romanos representados no
Culto Imperial eram cultuados por meio da celebração de seu Gênio, conceito amplamente
difundido a fim de caracterizar suas virtudes, podendo ser cultuados como deuses após sua
morte, como não entrassem em estado de damnatio memoriae.78
Além disso, não apenas o
próprio Imperador era o alvo do Culto Imperial, mas seus sucessores e toda sua domus
augusta.
A partir de Augusto, primeiro Imperador, tem-se início as representações do mesmo
como primeiro que se sacrificou por Roma, tendo sua imagem colocada em iconografias das
mais diversas naturezas, como moedas - tema deste capítulo -, frisos de templos e estátuas. A
representação pública do Imperador não visava apenas atribuí-lo a honrarias, mas fincar sua
posição proeminente dentro da estratificação social romana, estabelecendo-se como o elo
unívoco entre deuses e a plebe romana Segundo Vagner Porto, uma parte primordial do Culto
Imperial era entender como funcionavam o esquema iconográfico de alguns signa imperii.
Alguns eram representados pelo Escudo da Virtudo79, elemento eminentemente ligado aos
deuses Apolo e Niké, responsáveis pela pax romana, os quais foram recorrentemente
cunhados em moedas posteriores ao Império de Augusto. Cópias deste escudo, segundo o
próprio Porto, eram colocadas nas novas cidades que eram erigidas pelo Império Romano, na
intenção não apenas de estabelecer sua autoridade, mas ressaltar sua virtude e seus feitos,
sendo a própria fundação da cidade um destes.80
.A posição de princeps foi aos poucos calcada pela elite governamental e a
imposição das cerimônias públicas se mostrou como um elemento importante dessa
composição simbólica. Dessa forma, se tratava ainda mais que um ritual político que
propriamente religioso, tendo como aspiração a legitimação do poder imperial, pois, como já
77
MENDES, Norma Musco. O Culto imperial como “transcrito público”. Revista Maracanan, Rio de Janeiro, v. 9, n. 9, p. 144–166,
2013, p.145.
78
Ibidem, p.153.
79
PORTO, Vagner Carvalheiro. O culto imperial e as moedas do império romano. Phoînix, Rio de Janeiro, v.24, n.1, 2018. p.140.
80
Ibidem.
70
81
MENDES, Norma Musco. O Culto imperial como “transcrito público”. Revista Maracanan, Rio de Janeiro, v. 9, n. 9, p. 144–166,
2013, p.154.
82
HUSSON, Geneviève e VALBELLE, Dominique. L’État et lês Institutions en Égypte des premiers pharaons aux empereurs
romains. Paris: Armand Colin, 1992, pp.202 - 204.
71
Ainda que tivesse substratos das culturas faraônica e grega, o Culto Imperial denota
ainda um forte aparato de aspectos romanos. Isso é reforçado pelo fato de que a mescla
cultural já era percebida antes mesmo do domínio romano, na medida em que gregos e
egípcios conviviam com suas culturas consonante no Egito Ptolomaico. Podemos inferir,
então, que o Culto Imperial era um fenômeno tanto de caráter religioso quanto político -
principalmente, na medida em que legitimava o governante - que encontrou algumas
particularidades de acordo com sua localidade, mas sempre direcionado de acordo com o
costume romano de culto ao Imperador, mantenho a afinidade com a religião romana.
Para Funari, é possível inferir que a utilização das moedas como fonte historiográfica
e da numismática como sua prática científica foram processos bem tardios no estudo da
historiografia. Segundo o mesmo, a numismática no começo de seus estudos privilegiava
apenas o valor do metal da moeda como mercadoria e como a mesma se inseria no escopo
econômico e monetário da sociedade estudada em questão, como as relações com estas e
outras sociedades.84
Atualmente, a numismática enfrentou uma grande mudança de comportamental no
que diz respeito à forma de utilização das moedas no estudo da historiografia. Assim como
ideias, pessoas e mercadorias, as moedas circulavam e extrapolavam, consequentemente, as
fronteiras pertencentes ao Império Romano. Dessa forma, era necessário entender as
imbricações que estas perpetuavam no tecido social do Egito Romano.
A circulação das moedas carregava uma especificidade bem grande: tinha a
incumbência de circular e atingir as camadas sociais mais diversas e mais baixas da população
do vasto império romano. Grande parte da população - sua maioria - era analfabeta, por este
mesmo momento, a iconografia numismática cumpria a pretensão de angariar toda a massa e
fazer com que todos se sentissem identificados com a propagação de uma mensagem política
imperial cunhada na moeda.85
A iconografia e as legendas contidas são os elementos mais importantes e que serão
prezados nesta análise. A parte artística que compõe a moeda sobressai pois é ela que contém
a mensagem que deve ser transpassada em seu meio. O nível de sofisticação poderia
83
Ibidem, pp.203 - 204.
84
CARLAN, Claudio Umpierre; FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Moedas: a numismática e o estudo da história. São Paulo:
Annablume, 2012 p.18.
85
Ibidem, p.66.
72
86
Ibidem, p.71.
87
NEIVA, Caroline Oliva. Op.Cit. p.114 - 115.
73
88
Ibidem.
78
A escolha das quatro imagens e a posterior análise conjunta delas se dá pelo fato de
que todas elas possuem em comum a presença, em seu reverso, a presença do deus Serápis.
Além disso, em seus anversos - exceto a Imagem 4 -, é possível observar os Imperadores
Adriano (117 - 138 d.C) e Cômodo (180 - 192 d.C), os quais pertenciam à dinastia Antonina
(96 - 192 d.C). Outro ponto comum das três imagens (1, 2 e 3) é que elas expressam a
legitimação do poder por intermédio de uma divindade, Serápis, seja esta recebendo ou
outorgando o poder. Assim, como já observado no debate posto anteriormente neste mesmo
capítulo, a escolha pelas fontes numismáticas se dá também pelo caráter legitimador que a
mesma possui dentro do contexto político e religioso do Egito Romano, realizado, por sua
vez, por uma divindade eminentemente sincrética.
Dessa forma, podemos observar que o Empréstimo Cultural perpetrado neste recorte
não apenas foi realizado em atividades mortuárias em rituais de mumificação de cidadãos
comuns, nem elementos relacionados à mesma - como visto no segundo capítulo -, como as
estelas, sudários ou máscaras mortuárias. Extrapolando a análise das fontes mortuárias,
percebemos, por meio do estudo numismático, que os frutos deste processo de assimilação
cultural - o caso do deus Serápis, em particular - foram, inclusive, responsáveis por conferir
poder e legitimidade ao Imperador romano em exercício. Desenhava-se, portanto, como um
mecanismo usado pelas próprias autoridades, a fim de utilizá-los com base em sua própria
lógica de poder.
Categorias Temáticas: Ao olhar esta grade de análise, no salta aos olhos, à primeira
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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