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Capítulo 4

Diretrizes de projeto

Introdução

Após a apresentação dos principais conceitos de dinâmica veicular e mecânica dos


fluidos, podemos começar a discutir com mais profundidade as etapas, conceitos e
metodologias de projeto na área de aerodinâmica.

Existem vários fatores relevantes nas decisões de projeto, o objetivo do capitulo é


fornecer uma orientação a respeito do que deve ser priorizado ou deixado de lado, para
otimizar o tempo, dinheiro e demais recursos da equipe, para que seja possível obtermos o
melhor resultado.

Esse capítulo apresenta uma abordagem mais direta com relação as decisões de
projeto. Para não ficar muito extenso, leituras prévias ou complementares são recomendadas
ao longo do capítulo.

Critérios de projeto

Por conta das características da competição, um projeto de Formula SAE deve atender
principalmente os seguintes requisitos:

Confiabilidade

Alta performance

Baixo custo

Esses requisitos costumam ser contraditórios entre si, portanto, é necessário fazer
sacrifícios e tentar buscar um equilíbrio entre eles para que o projeto possa ser feito dentro do
tempo e recursos estimados.

No que se refere a competição, a pontuação da equipe é avaliada pelas seguintes


provas:

Provas Pontuação
Aceleração 100
Skidpad 75
Dinâmicas Autocross 125
Enduro 275
Eficiência 100
Design 150
Estáticas Custos e manufatura 100
Apresentação 75
Total 1000
Quando se fala em aerodinâmica em FSAE, o maior objetivo do projeto é melhorar a
performance do carro nas provas dinâmicas, que compõe a maior parcela da pontuação.
Entretanto, é preciso analisar as consequências do projeto como um todo, emtodas as provas
da competição.

Ao projetar o melhor pacote aerodinâmico possível, pode-se ganhar muitos pontos nas
provas de autocross, enduro, skidpad e até mesmo design ou apresentação. Entretanto, com
certeza essa modificação no carro resultará em perdas de pontos nas provas de custos,
eficiência, e aceleração, por conta do aumento do arrasto, que causa aumento no consumo de
combustível e por conta do alto custo que a construção do pacote aerodinâmico representa.

A melhor maneira de analisar esse balanço entre a pontuação obtida/perdida é através


de simuladores de tempo volta em conjunto com uma planilha que simula a pontuação da
competição. Assim, é possível estimar a consequência de cada decisão de projeto com
propriedade, avaliando o custo/benefício de cada projeto.

Atualmente a equipe utiliza o programa OptimumLap para simular os tempos de volta


do protótipo e um conjunto de planilhas em Excel para analisar a pontuação com base em
tempo de volta, consumo de combustível e custo do projeto.

Algumas referências a respeito dessa metodologia podem ser encontradas nos


seguintes trabalhos de outras equipes FSAE:

https://www.dropbox.com/s/u5k91ddmrqjtj9p/Simula%C3%A7%C3%A3o-de-Tempo-
de-Volta-de-Ve%C3%ADculo-F%C3%B3rmula-SAE-com-Modelo-Quasi-Steady-State-Rodrigo-P.-
Costa.pdf?dl=0

https://www.dropbox.com/s/fnnd1unb2jaqhyx/aero%20sta%20maria.pdf?dl=0

https://www.dropbox.com/s/s2jvxzsohxm9qjo/MONASH%20FSAE-Aero-Initial-
Performance-Predictions.pdf?dl=0
Projeto de asas

Considerações iniciais

Antes de começarmos a tratar do projeto de asas é necessário ter um domínio dos


principais termos empregados no projeto desses componentes. Esse assunto é tratado no
capítulo 4 do livro do Katz, cuja leitura é recomendada antes de prosseguirmos aqui. Os
termos mais importantes seriam: Ângulo de ataque, camber, espessura, corda, endplates,
elementos, flaps, etc.

Começando um projeto de asas, o objetivo é que ela produza a maior quantidade de


downforce e a menor quantidade de arrasto de acordo com o limite imposto pelas regras.
Para não haver problemas com o regulamento, é extremamente necessário a construção de
um modelo em 3D que delimite claramente as áreas permitidas para os dispositivos
aerodinâmicos, assim, é possível ter estimativas e referências para o tamanho de cada
componente.

Por conta de dificuldades de fabricação é recomendável utilizar uma margem de folga


de no mínimo 10mm para todas as limitaçãoes do regulamento. Em 2016 grandes equipes
foram desclassificadas na FSUK ao serem verificadas após o enduro irregularidades de poucos
milímetros nas regras de aerodinâmica.

Modelo 3D com as regiões limitadas pelo regulamento


Projeto em 2D

Com uma noção de qual deve ser o tamanho máximo, pode-se iniciar o projeto
propriamente dito das asas.

A imensa maioria das asas projetadas na FSAE são do tipo multi-elemento, que permite
grandes valores de downforce, com ângulos de ataque agressivos com valores aceitáveis de
arrasto.

Para projetar uma asa multi-elemento o primeiro passo é escolha dos perfis
aerodinâmicos que serão usados. Boas recomendações podem ser obtidas com pdfs de
trabalhos de outras equipes de FSAE. Além disso, é recomendável pesquisar em bancos de
dados de aerofólios por perfis com altos valores de lift/downforce para baixos números de
Reynolds (Reynolds típicos para FSAE são considerados baixos para projetos de aerofólios, pois
a maioria das aplicações de aerofólios são nas áreas aeronáutica ou corridas com velocidades
mais altas).

Um desses bancos de dados com informações sobre os perfis é o seguinte:

http://airfoiltools.com/

Após uma seleção inicial dos perfis de interesse, deve-se decidir quantos elementos a
asa terá, qual o melhor ângulo de ataque para cada elemento, qual a melhor distância entre os
elementos, etc.

No projeto do pacote aerodinâmico de 2017, essas decisões foram feitas com base em
simulações CFD em 3D do carro completo. Essa prática não é recomendada nessa etapa do
projeto, pois consume um tempo muito grande para cada variação de design.

Assim, é recomendável utilizar simulações em 2D para seleção e posicionamento inicial


dos perfis, pois permitem um número muito maior interações num curto espaço de tempo.
Essas simulações podem ser feitas em softwares de CFD como Ansys ou StarCCM+, ou com
softwares que utilizem outros métodos como método dos painéis. Um software bastante
recomendado nessa área é o XFLR5.

www.xflr5.com/
Simulação 3D

Ao final da etapa de simulação 2D, as melhores geometrias de aerofólios selecionadas


são usadas para construir modelos em 3D das asas para que sejam realizadas simulações mais
detalhadas que possibilitem uma previsão mais próxima da realidade para os valores de
interesse do projeto.

As simulações de CFD serão abordadas com mais detalhes no capítulo 5, mas por hora,
pode-se comentar que elas demandam muito tempo considerando geração de malha, solução
do caso, e análise dos resultados. Assim, seu uso costuma ficar limitado por conta do
cronograma de projeto.

A principal aplicação das simulações 3D é que ela permite avaliar com certa precisão o
efeito de grandes mudanças no projeto como fixações, geometrias variações de geometria e
setup das asas, interações entre diferentes partes do carro (pneus, asas, undertray, piloto,
motor), arrefecimento do motor, balanceamento das cargas aerodinâmicas, etc.

Alguns desses quesitos do projeto serão discutidos nas páginas seguintes.

Malha para simulação 3D


Montagem e fixação das asas

Uma parte importante do projeto que muitas vezes é deixada de lado é a montagem e
fixação das asas no carro. Existem várias formas de fazer isso, cada uma com suas vantagens e
desvantagens. Algumas dessas formas serão descritas aqui.

Fixações na parte de baixo da asa: Muito comuns nos primeiros projetos de


aerodinâmica, e permanceram como padrão até meados de 2014 e 2015 para a maioria das
equipes. Apresentam a desvantagem de pertubar o fluxo de ar na parte de baixo da asa,
podendo diminuir sua performance.

Fixação no lado inferior da asa

Fixações na parte de cima da asa (swan neck): Começaram a ficar populares nos
últimos anos. São relativamente mais simples de fazer e perturbam o fluxo no lado superior da
asa, onde é menos importante.
Fixação nos endplates: Popularizada também nos últimos anos, apresenta poucas
perturbações no fluxo de ar em ambos os lados da asa, porém adiciona complexidade no
projeto dos endplates para suportar e transmitir as cargas aerodinâmicas aos pneus.

Unsprung vs Sprung

Todas as configurações apresentadas anteriormente tem a característica de serem


“sprung” ou montadas sob a massa suspensa do carro. Isso faz com que as asas sofram
influência dos movimentos do chassi, alterando sua posição enquanto o carro se desloca nos
movimentos de roll, pitch, yaw, etc. Isso é ruim pois o projeto aerodinâmico é feito em sua
maior parte considerando a posição reta das asas, e ao sofrer qualquer inclinação, as forças
produzidas pelos elementos do pacote aerodinâmico podem ser diferentes do previsto nas
simulações. Geralmente o desempenho das asas piora com os efeitos das inclinações do
veículo.

Além disso, montar as asas no chassi diminui a eficiência da transmissão das cargas
aerodinâmicas até os pneus, por conta de folgas e deformações no carro do ponto onde as
asas estão fixadas até o ponto de contato dos pneus com o solo.

Uma solução para esse problema é monta as asas numa configuração “unsprung” ou
não suspensa. Dessa forma, os dispositivos aerodinâmicos ficam isolados dos efeitos da
suspensão e de qualquer inclinação do carro e também com uma transmissão de cargas mais
eficiente, com menos perdas até os pneus. Geralmente isso é feito fixando os componentes
diretamente nos arms ou amortecedores do carro. Tem a desvantagem de ser um sistema bem
mais complexo e como os dispositivos ficam ligados diretamente as rodas, sua rigidez
influencia no comportamento do carro (as asas podem se comportar como anti-roll bars).

Algumas discussões muito interessantes podem ser encontradas aqui:

https://www.reddit.com/r/FSAE/comments/7kw9uk/what_seems_to_be_the_general
_consensus_about_an/

https://www.reddit.com/r/FSAE/comments/5u8q6s/unsprung_front_wing/
Fixação Unsprung da DUT em 2016

Diferentes detalhes de geometria

O desenvolvimento da aerodinâmica na FSAE é relativamente recente e nos últimos


anos, diversas equipes tem apresentado componentes com pequenos detalhes que
aparentemente produzem benefícios na performance.

Alguns exemplos são, footplates, rasgos e detalhes nos endplates, gurney flaps,
asas/sidepods/undertray nas laterais, etc.

Como os projetos de aerodinâmica da equipe sempre foram muito simples até hoje, é
recomendável investigar os benefícios desses detalhes na construção dos componentes.
Exemplos de detalhes nos componentes que

valem a pena serem investigados.


Balanceamento do CP

As forças aerodinâmicas são produzidas por todos os componentes do carro, incluindo


os pneus e a carenagem. Todas essas forças produzem momentos que resultam nas cargas
aerodinâmicas nos pneus. Por estarem localizados em diferentes partes do carro, cada
dispositivo aerodinâmico produzirá momentos relativos aos eixos traseiro e dianteiro do carro,
de maneira que as cargas aerodinâmicas podem ser diferentes em cada eixo. Em altas
velocidades isso pode desequilibrar o comportamento do carro, tornando ele over ou
understeer.

Para que isso não aconteça e o carro apresente um comportamento neutro, é preciso
balancear as cargas aerodinâmicas do carro em relação aos dois eixos dos pneus. Em outras
palavras, posicionar o centro de pressão próximo ao centro de gravidade do carro.

Isso é feito através de um diagrama de corpo livre como o da figura abaixo, que
representa as principais cargas atuando no veículo e suas distâncias em relação ao centro de
gravidade:

Principais forças atuantes no veículo

Esse balanceamento é feito principalmente com relação a downforce produzida pelos


componentes, entretanto as forças de arrasto e forças laterais produzidas também podem
causar desequilíbrios no carro.

Uma constatação que pode ser feita é que como a asa traseira costuma estar mais
próxima do cg do carro do que a asa dianteira, é preciso que a traseira produza uma força
muito maior para que ambas tenham o mesmo momento em relação ao cg.
Condições de operação do protótipo

Como foi dito anteriormente, caso as asas sejam montadas no chassi, elas sofrerão
perturbações devido aos movimentos do carro, prejudicando sua performance. É
extremamente recomendável realizar simulações com o carro inclinado, ou fazendo curvas
para que esses efeitos possam ser quantificados.

Mudanças na distribuição de pressão em situações de curvas

O momento em que as forças aerodinâmicas são mais necessárias é durante as curvas,


portanto, não adiante simular o carro apenas em linha reta, já que os valores obtidos não
refletiriam os valores numa condição real de operação do carro.

Outra vantagem dessas simulações é que sabendo quanto de força o carro perde ao
inclinar-se podemos projetar as asas com um ângulo de ataque mais conservador, para evitar o
efeito de stall (perda de downforce a partir de um alto ângulo de ataque).
Observando a imagem acima podemos ver que caso o ângulo de ataque padrão das
asas seja no ponto de máxima downforce, em uma situação de frenagem o carro aumentaria o
ângulo de ataque e asa entraria na região de stall, onde ocorre queda na força produzida, isso
resulta em um desequilíbrio repentino nas forças atuando no carro, o que prejudica a
pilotagem numa situação muito crítica.

Para que isso não ocorra, deve-se projetar a posição padrão das asas um pouco abaixo
do ponto de máxima downforce.
Considerações gerais de projeto

Finalizando o capítulo, algumas considerações e lembretes a respeito do projeto de


aerodinâmica são:

Não deixar de lado o projeto das fixações.

Não deixar de lado análises de arrefecimento do motor e dos freios.

Balancear as cargas aerodinâmicas para um comportamento neutro do carro.

Prever perda de performance em curvas/movimentos do carro.

Relacionar ganhos/perdas na pontuação da competição com as mudanças no projeto.

Projeto visando a simplificação da manufatura.

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