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A felicidade de um ensaísmo trágico

Luís Miguel Queirós


6 de Janeiro de 2012, 0:00

Eduardo Lourenço acabou o ano de 2010 a receber o Prémio Pessoa e a ver sair o
primeiro volume das suas obras completas na Gulbenkian ADRIANO MIRANDA

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Apreciador de "westerns", Eduardo Lourenço será sempre, no pensamento português,


um "lonesome rider", intervindo, ao sabor das circunstâncias e segundo os ditames da
sua consciência, no mundo que o rodeia, mas incapaz de procurar refúgio e descanso
mesmo entre os "bons da fita", e partindo sempre, no final do filme, rumo a paragens
que ele próprio ignora. A Gulbenkian acaba de lançar o primeiro volume das suas obras
completas. Oportunidade para lembrar como se iniciou, há mais de 60 anos, o singular
trajecto intelectual agora consagrado com o Prémio Pessoa.

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Eduardo Lourenço acabou o ano de 2010 a receber o Prémio Pessoa e a ver sair o
primeiro volume das suas obras completas na Gulbenkian. No final de 2008, a mesma
fundação dedicara-lhe um colóquio internacional, cujas actas foram reunidas num
número especial da revista "Colóquio Letras". Nestes tempos de consagração e
consenso, o livro agora publicado pela Gulbenkian - que recolhe "Heterodoxia I"
(1949), "Heterodoxia II" (1967), ambos acrescidos de textos dispersos escritos na
mesma época, e ainda um conjunto de ensaios reunidos sob o título de Heterodoxia III -
vem chamar a atenção para um percurso que se iniciou há mais de 60 anos e que tardou
mais do que tende a ser lembrado a recolher o aplauso unânime de que hoje desfruta.

Apesar de todas as reservas que o próprio Lourenço coloca a essa sua obra de juventude,
publicada aos 20 e poucos anos, "Heterodoxia I" não é uma dessas estreias precipitadas
que o próprio autor desejaria esquecer. Pelo contrário, Lourenço regressará a ela em
1967, quando publica "Heterodoxia II", que já estava escrito desde o início da década.
Ao "Prólogo sobre o Espírito e Heterodoxia", que abria o volume de 1949, acrescentará
então um "Segundo Prólogo sobre o Espírito de Heterodoxia"; ou, na verdade, dois
segundos prólogos, já que o que virá a aparecer na edição de 1967 não é o que
originalmente tinha escrito em 1960, quando dera o livro como concluído. Só na
reedição conjunta "Heterodoxia I e II" (Assírio e Alvim, 1987) será finalmente possível
ler os três textos em sequência.

Comparado com muito do que veio a escrever - as fulgurantes análises de "Fernando


Pessoa Revisitado" (1973) ou "Fernando, Rei da Nossa Baviera" (1986), as páginas que
dedicou a Antero de Quental, a identificação e crítica, em "O Labirinto da Saudade"
(1978), das imagens que os portugueses foram historicamente construindo de si
mesmos, ou ainda os muitos ensaios em que foi pensando a relação de Portugal com a
Europa -, é possível que esse livro de 1949 pareça emitir um brilho mais pálido. No
entanto, talvez seja útil regressar a ele para tentar encontrar um início de resposta a essa
pergunta que talvez nunca venha a ter uma elucidação satisfatória: o que é, e que lugar
ocupa (e face a quê?), a obra de Lourenço?

O próprio género que escolheu, o ensaio, que nem se confunde com a filosofia, nem
com o estudo de tipo académico, nem com a criação literária em sentido estrito, embora
mantenha fonteiras difusas com todos eles, contribui para que não seja fácil definir e
enquadrar a sua obra. É possível confrontá-la com a escassa tradição ensaística
portuguesa - e o próprio Lourenço se encarregou disso, por exemplo nos textos sobre
António Sérgio -, ou com os mestres estrangeiros do ensaio, desde Montaigne, mas já
não é tão claro, e desde logo pelas próprias características do género, que seja possível
situá-lo na história do ensaísmo no mesmo sentido em que se situa um filósofo na
história da filosofia, ou mesmo um poeta ou um romancista na história da literatura.

Mas em 1949, não é ainda evidente o caminho que Lourenço irá seguir. Daí que o
ensaísta Luís Mourão veja "Heterodoxia I" como "um livro de ruptura" - quer por
romper com as duas ortodoxias então dominantes no país, quer por se "demarcar, com
um certo arrojo, do que era então a linguagem do meio académico de Coimbra" -, mas
também "um livro de passagem". É uma obra, argumenta Mourão, "ainda ligada à
Faculdade, com referências a leituras", mas apontando já para "um tipo de escrita que
será depois muito mais livre". Ou seja, resume, "já não era académico, mas tem marcas
disso, e ainda não era essa outra coisa que a obra de Lourenço veio a ser".

O filósofo José Gil, co-autor, com Fernando Catroga, de "O Ensaísmo Trágico de
Eduardo Lourenço", acredita que o autor "começou por ter uma pulsão filosófica" e que
textos como o que dedica à dialéctica hegeliana em "Heterodoxia I" ou a Kierkegaard
em "Heterodoxia II", ou ainda os vários outros em que se confronta com o
existencialismo, sugerem que Lourenço teria o projecto de constituir "um corpo de
pensamento próprio de tipo filosófico, conceptual". Depois, diz Gil, "aconteceu
qualquer coisa, que já está refelectida nos ensaios agora reunidos em Heterodoxia III, e
que passa por uma impossibilidade de pensar o que queria pensar, como a cultura
portuguesa, segundo conceitos no interior de um sistema". Lourenço tem "uma grande
capacidade especulativa" e "estava destinado a ser um filósofo", mas "o seu apetite de
real", sugere José Gil, levou-o a "abdicar de um pensamento puramente conceptual".

Duas querelas desiguais

O próprio Lourenço lembra que o texto que encerra "Heterodoxia I", "O Segredo de
Hegel ou O Equívoco da Dialéctica" correspondia à sua tese de licenciatura, que
apresentara em 1946 com o título "O Sentido da Dialéctica no Idealismo Absoluto". E
acrescenta agora: "O único que se deu conta disso foi Vitorino Nemésio, que escreveu
que o livro "cheirava a banco de escola"; e tinha razão".

Publicado em Coimbra, quando Lourenço estava de partida para Bordéus, em cuja


universidade estagiaria com uma bolsa da Fundação Fullbright, "Heterodoxia I", di-lo o
próprio autor em várias entrevistas, nasceu do seu desejo de se demarcar das duas
ortodoxias que monopolizavam os meios intelectuais portugueses do tempo: o
catolicismo, do qual provinha por formação - o que o levou a frequentar, já em
Coimbra, o Centro Académico de Democracia Cristã -, e o marxismo, com o qual se
familiarizara no convívio com alguns dos principais nomes da geração neo-realista,
como Carlos de Oliveira, Rui Feijó ou Joaquim Namorado, primeiro na Faculdade de
Letras coimbrã e depois na redacção da revista Vértice. "Heterodoxia I", diz numa
entrevista, foi "uma audácia" que o deixou "isolado" e "sem família". Lourenço soube
mais tarde que o livro fora muito mal recebido pelos seus antigos camaradas de
Coimbra, muitos deles já então ligados ao PCP. "Andaram por lá a chamar-me traidor".
Sintomaticamente, não há registo de que a obra tenha provocado reacções na
"barricada" católica.

Esta recepção da sua obra de estreia nos dois campos que nela eram visados, não deixa
de ser paradoxal. Quando escreveu o livro, Lourenço acamaradava genuinamente com
os seus amigos neo-realistas na oposição ao salzarismo e, sobretudo, na crítica ao
discurso cultural do Estado Novo. Mas acontecera-lhe ler, ainda antes de acabar o curso,
uma tradução italiana de "Assignment in Utopia", que o jornalista americano Eugene
Lyons publicara em 1937 e que, diz, "descrevia com todos os pormenores aquela
tragédia que foram os processos de Moscovo". Em meados dos anos 40 já tinha, pois,
como evidente que "a revolução russa estava a descarrilar" e que Estaline impusera "um
sistema de terror".

Já a sua resistência ao catolicismo era, em certo sentido, inversa. Distanciara-se dos


meios católicos portugueses e de uma Igreja que dava cobertura ao regime, mas era
bastante menos óbvio que tivesse desertado definitivamente do cristianismo. Na
verdade, era essa a verdadeira questão já em "Heterodoxia I", e ainda mais claramente
em "Heterodoxia II". É o que pensa José Gil, que acredita que "a relação de Eduardo
Lourenço com o cristianismo é um assunto muitíssimo por explorar e por ser
compreendido".

O próprio Lourenço confirma hoje o que já deixara claro em "Heterodoxia II": "A
minha crise não era da mesma ordem num e noutro caso". Defendendo que "o próprio
conceito de heterodoxia só tem um significado preciso se for pensado na esfera
religiosa", e que "empregá-lo no domínio da ideologia já implica uma translação",
Lourenço admite que a sua "querela fundamental" nesses primeiros livros "é religiosa".
Mas sugere também que não se tratava apenas de um mero debate intelectual: "se um
sujeito perde uma fé profunda, fica descalço, sem alternativa". Para quem teve "uma
educação católica", afirma, "discutir seriamente o catolicismo nos seus efeitos políticos
e ideológicos era como assassinar moralmente toda a família".

É aqui que tem a sua verdadeira origem esse sentimento de "uma deserção sem fim",
para usar a expressão de que se servirá em "Heterodoxia II". Comparada com este
afastamento inicial, a sua recusa das primeiras encarnações históricas do marxismo,
mais do que da doutrina, era, pelo menos no foro íntimo, uma controvérsia
comparativamente menor. "Fui um bocadinho dissidente", admite. "E, de resto, não
descobri a pólvora: vendo bem, o discurso de "Heterodoxia I" já estava quase implícito
naquela malta da "presença", e também no Torga, que eu frequentava na altura".

É provável, no entanto, que esteja a subestimar o que o livro trazia de efectivamente


novo: "Não sei onde onde ele foi buscar forças para se demarcar naquela época, em
termos de pensamento, de ambas as barricadas", diz Luís Mourão, acrescentando:
"mesmo dez anos mais tarde, na polémica provocada pelo romance "Aparição" [1959], a
grande preocupação de Vergílio Ferreira era a de mostrar que, de qualquer modo, estava
na esquerda".

Na companhia dos sós

Nos quase 20 anos que medeiam entre as "Heterodoxia" I e II, Lourenço, embora
colabore assiduamente nos suplementos culturais da imprensa portuguesa, publica
apenas um livro, mais tarde recolhido em "Tempo e Poesia": "O Desespero Humanista
de Miguel Torga e o das Novas Gerações", de 1955. Mais ainda do que as considerações
que nele tece sobre Torga e outros poetas do tempo, o que surpreende neste volume um
tanto esquecido é a desconfiança com que o autor já então olha para essa grande e
consensual tradição humanista na qual à época (se não hoje) quase todos afirmavam
rever-se. "Lourenço nunca fez aquilo que depois fez a esquerda, que foi ficar com o
humanismo da Igreja, tirando-lhe apenas a parte clerical", nota Luís Mourão.

A discussão sobre o humanismo, apesar do precedente de Heidegger, só chegaria


realmente a Portugal, integrada na polémica sobre o estruturalismo, uma dúzia de anos
mais tarde, quando é publicada a tradução de António Ramos Rosa de "As Palavras e as
Coisas", de Michel Foucault. A edição veio acompanhada de um prefácio de Vergílio
Ferreira, francamente crítico do estruturalismo - texto que dará origem a uma acesa
polémica com Eduardo Prado Coelho - e de outro de Eduado Lourenço, "Michel
Foucault ou o Fim do Humanismo", agora recolhido neste primeiro tomo das suas obras
completas. Lourenço, diz Mourão, "fica um bocado pendurado", uma vez que "não tinha
a visão humanista de Vergílio Ferreira, mas também não era um estruturalista". A sua
reacção, afirma, "foi a de dizer que não estávamos completamente preparados para que
Foucault nos viesse dizer isto, mas sem nunca afirmar que não é assim como ele diz".

Quando publica Heterodoxia II, em 1967, Lourenço afirma que "os poucos aplausos"
que o seu livro de 1949 tinha merecido de "alguns jovens leitores" ficara decerto a
dever-se à "assimilação apaixonada" que nele se fazia, "num tempo de obrigados e
opostos silêncios", da "liberdade do espírito" à "heterodoxia". Mas esse é justamente um
dos aspectos que corrigirá em 1967, admitindo que heterodoxia e liberdade não são
necessariamente sinónimos, ao mesmo tempo que precisa a sua crítica às duas
ortodoxias então visadas, afirmando que a recusa "da imagem que Catolicismo e
Marxismo assumiam sociologicamente nos anos 40" não supunham a recusa liminar dos
respectivos conteúdos, que, pelo contrário, constituíam para o autor referência
indispensável e fonte de permanente interrogação".

Mas o que mais o preocupava nessa obra de juventude era que ela pudesse sugerir uma
heterodoxia tão racionalista e de tão boa consciência consigo própria como as
ortodoxias que criticava. "A segunda Heterodoxia", diz agora Lourenço, "com os seus
textos sobre Camus, e mais do que tudo com o ensaio sobre Kierkegaard, já não tem
nada a ver com aquela ideia de me distanciar dos discursos ortodoxos que dominavam
em Portugal". O último texto reunido nesse volume de 1967, "Ideologia e Dogmatismo -
À Margem de Quatro Livros e Uma Só Canção" será ainda dedicado àquilo a que chama
a sua "guerrilha cultural" com o neo-realismo, mas

logo no ano seguinte publicará "Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista", que ele
próprio depois assumirá ter sido uma tentativa de se reconciliar com Carlos de Oliveira
e, mais genericamente, com o grupo neo-realista de Coimbra.

Lourenço precisa ainda que a sua polémica com o neo-realismo "passava sobretudo
pelas coisas literárias" e que "era na ordem da crítica que rejeitava aquele maniqueísmo
dos juízos culturais, literários e históricos". De resto, acrescenta, "a filosofia, assim
directa, não tem grande eficácia junto do público português, se os filósofos não são bons
escritores, as coisas não passam; se o Antero não fosse um grande poeta, as suas
elocubrações não teriam tido o mesmo eco". E conclui com uma dessas sínteses
tipicamente lourencianas: "Os nossos Platões são todos Homeros".

Mas as polémicas com Augusto da Costa Dias ou Victor de Sá são a periferia de


"Heterodoxia II". O ensaio central do livro é "Sören Kierkegaard", espião de Deus". O
filósofo e teólogo dinamarquês, que ousara confrontar sem piedade os que se diziam
cristãos com os fundamentos do cristianismo, e pagara o preço de uma radical solidão
intelectual, terá sido o primeiro desses cavaleiros solitários do espírito que constituem
os verdadeiros modelos, se não os heróis, de Lourenço. Nietzsche, Pessoa ou Antero
serão outros exemplos óbvios. Gente que não nasceu para confortar, mas para
desamparar. Assumido apreciador de "westerns" - e quem sabe que misteriosas
influências confluem para gerar uma personalidade -, o próprio Eduardo Lourenço será
sempre, no pensamento português, uma espécie de "lonesome rider", intervindo, ao
sabor das circunstâncias e segundo os ditames da sua consciência, no mundo que o
rodeia, mas incapaz de procurar refúgio e descanso mesmo entre os "bons da fita", e
partindo sempre, no final do filme, rumo a paragens que ele próprio ignora.

Um pensamento paradoxal

O livros de charneira entre o período das "Heterodoxias" - para usar o plural que o
volume agora lançado pela Gulbenkian, organizado por João Tiago Pedroso de Lima,
consagra no título de capa - e a obra que Lourenço irá desenolver após o 25 de Abril de
1974 é "Pessoa Revisitado", uma obra a vários títulos singular. "Foi um momento muito
especial da minha vida", reconhece Lourenço, que afirma ter escrito o livro em 23 dias,
durante uma estadia que passou com a mulher, Annie Salamon, numas termas nos
Pirinéus. "Entrei em transe com essa ideia de que o centro daquela maquinaria era uma
espécie de troca de personagens entre o Caeiro e o Whitman, e escrevi o livro como se
fosse um policial, para resolver o enigma".

É também, até pelo breve intervalo de tempo em que foi escrito, o livro de Lourenço
que mais se afasta do modelo da recolha de ensaios unidos por fios temáticos. Uma
característica da sua obra que coloca o leitor que queira ler a sua obra completa perante
duas opções, ambas com desvantagens: ou se dá ao trabalho de ler o que Lourenço
escreveu por ordem cronólogica, e vê-se forçado a um permanente ziguezague entre os
seus livros, e a saltar de assunto para assunto, ou lê-os por núcleos temáticos, e os
constantes saltos cronológicos, às vezes bastante significativos, entre um texto e o
seguinte podem dificultar uma correcta apreensão do modo como o seu pensamento se
foi desenvolvendo.

Mas este "saltar de assunto" é justamente uma das marcas do ensaísmo. "Montaigne",
diz Lourenço, "dissertava sobre tudo, falava de livros, do que se passava à sua volta, dos
animais, de qualquer assunto - o ensaio não tem objecto, se não o prazer de dialogar
com tudo o que parece interessante ou que suscita espanto".

No entanto, o que distingue o ensaísmo de Lourenço não é tanto a multiplicidade dos


tópicos que indaga, mas uma unidade que ultrapassa a mera posse de um estilo próprio.
"Eduardo Lourenço", diz José Gil, "tem um pensamento, o que é uma coisa raríssima;
dizemos o pensamento deste ou daquele, mas quase não há pessoas que tenham um
pensamento". E precisa que, ao falar de pensamento, quer "designar uma coerência, essa
sim sistemática, que faz com que a perspectiva lançada, por exemplo, sobre o romance
português da década de 70, ou o ensaísmo de Montaige, ou a atitude dos militares no 25
de Abril ou a obra de Kierkegaard, seja fundamentalmente a mesma". E pergunta:
"Quem é que faz isto em Portugal? Ninguém."

O que o singulariza, diz Gil, é "uma certa maneira de desenolver o pensamento". E


acrescenta que, "como todo o grande pensamento", o de Lourenço é "um pensamento
paradoxal por excelência". E também "um pensamento auto-proliferante, que se auto-
cria a si próprio, sempre o mesmo e sempre diferente, único e ao mesmo tempo plural".

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Daí que, argumente, com "tanto que se passou desde o tempo das "Heterodoxias", com
tanto novo pensamento filosófico, o pensamento de Eduardo Lourenço se mantenha
pertinente". Gil reconhece que "há quem ache que Lourenço está datado, que as coisas
já não se fazem assim", mas argumenta que o seu pensamento "tem uma virtude que lhe
dá uma actualidade extraordinária, que é a de, ao mesmo tempo que se auto-cria, ir
criando novos campos". A própria "lógica do seu pensamento", diz, "produz
necessariamente o novo", e a sua obra "fervilha de novos campos que ele não explorou,
e que em alguns casos nem saberá que abriu, mas que podem depois ser explorados".

José Gil defende, como se sabe, que este é um pensamento trágico. Num texto
originalmente escrito para o congresso que a Gulbenkian dedicou a Eduardo Lourenço,
João Barrento, sem negar estes pressupostos trágicos, sugere que "o júbilo do pensar a
fazer-se e a euforia da linguagem que se lhe ajusta" dão a este ensaísmo um "dizer"
feliz. Uma contradição talvez apenas aparente, que o próprio Lourenço resolve assim.
"As minhas ideias são negríssimas, mas eu não sou negríssimo".

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