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As Graças de Cabrita no Jardim das

Tulherias
Artista português concebeu um conjunto escultórico em cortiça, com 4,20 metros de
altura, destinado a inaugurar em Paris, no dia 13 de fevereiro, a programação da
Temporada Cruzada França-Portugal

Pedro Cabrita Reis, 65 anos, gostaria de ter dado o nome de “As Minhas Três Graças”
ao conjunto escultórico em cortiça concebido para inaugurar no próximo dia 13 de
fevereiro, em Paris, a iniciativa bilateral da Temporada Cruzada França-Portugal, com
iniciativas em vários domínios da arte e da cultura. Pensou melhor e acabou por deixar
de lado o que seria uma graça com um cunho muito pessoal. As piadas, diz ao Expresso,
“têm sempre um destino infeliz na arte”.

“Não é só Picasso que pinta coisas do Goya e do Velasquez. Outros artistas fizeram o
mesmo – e eu não sou diferente”

Em resposta ao convite dirigido por Laurence des Cars, presidente do Museu do Louvre,
no verão do ano passado, Cabrita concebeu uma obra cuja força maior residirá no
diálogo, na conversação mantida em aberto, não apenas com a simbologia originária da
mitologia grega das três deusas da beleza (Tália, Eufrosina e Aglaia), e de que existem
no Museu do Louvre várias representações, mas também com o legado deixado por
inúmeros artistas que ao longo dos séculos as pintaram ou esculpiram.
Trata-se de um piscar de olhos recorrente na história da arte. Como diz Cabrita, “não é
só Picasso que pinta coisas do Goya e do Velasquez. Outros artistas fizeram o mesmo –
e eu não sou diferente”. Em sua opinião, uma das melhores interpretações da “Via
Sacra”, uma obra que vê e revê, é assinada pelo “incontornavelmente judeu Barnett
Newman, um extraordinário artista norte-americano dos anos de 1950 em Nova Iorque”.

Concebida na corticeira Amorim, em Mozelos, Santa Maria da Feira, a versão de


Cabrita Reis de “As Três Graças” é composta de três elementos autónomos, todos em
cortiça. Com 4,20 metros de altura e meia tonelada de peso cada  um, estão apoiados
numa base de ferro com perto de 400 kg cada.


São três figuras antropomórficas, no sentido em que a forma evoca uma figura humana,
sem que, todavia, se consiga distinguir qualquer parte do corpo. Há como que uma
deliberada vontade de suscitar a interrogação e a perplexidade na busca de um sentido
apenas detetável no todo formado pelo discurso ali construído pelo escultor.

Imagens da Virgem escavacadas a serra e martelo


O resultado final tem a curiosidade de ser, antes de mais, a consequência de uma
impossibilidade. Após o trabalho inicial de múltiplos desenhos e apontamentos, começa
a fazer maquetas a partir de imagens religiosas compradas nas lojas onde se vendem
estatuetas de santas. Cabrita comprou uma meia dúzia de representações da Virgem
Maria, escavacou-as com serra e martelo e de seguida voltou a colá-las. Assim lhe nasce
a génese do conjunto agora em fase de conclusão. Nessa fase dirige-se à corticeira
Amorim e é informado da existência de um protocolo entre o grupo corticeiro e uma
“start up” da Universidade de Aveiro cuja especialidade é fazer moldes com o auxílio de
um robot.

Apresentada a maqueta na jovem empresa, o objeto é digitalizado e transformado em


desenho de computador. De seguida passa para um programa a partir do qual dão dadas
ordens a um braço robótico preparado para trabalhar sobre blocos de cortiça,
compactados de propósito para estas esculturas.

“Tragam-me os bocados, que eu vou tirar partido disso na remontagem da peça”

Nasce aí a impossibilidade da qual resultam as “Graças” finais. O robot era pequeno e o


espaço era escasso. Então, o trabalho de meses só era possível caso as peças fossem
compartimentadas. “Ainda bem”, respondeu Cabrita, para logo acrescentar: “Tragam-
me os bocados, que eu vou tirar partido disso na remontagem da peça”. Então, se a
maqueta era una, o que os olhos agora veem é uma desconstrução.

Ao fim da manhã desta terça-feira os habituais colaboradores de Pedro Cabrita Reis


andavam ainda em volta daquelas Graças para as pintarem de branco. Há uma certa
nudez percetível no modo como as peças expõem de forma crua o processo construtivo.
As partes principais surgem separadas por blocos em bruto, na sua forma intocada,
encontrados na sala de montagem. O escultor coloca-os “para acentuar essa
desconstrução, e para incluir dois tempos. O tempo da peça na sua construção em
pensamento, e o tempo da peça acabada. Os blocos trazem o tempo da conceção da
pedra ainda não trabalhada, enquanto os outros já estão trabalhados, mas o processo é
indissociável do processo de criação”.

Um branco amarelado para “dialogar” com muitas


outras esculturas
Em boa verdade, aqueles corpos, ou hipóteses de corpos, trazem todos os sintomas de
crescimento. Trazem as feridas e a cura, o que, como diz Cabrita, “vem dilatar o entorno
temporal da construção no sentido do objeto”.

O branco um tanto amarelado foi especialmente concebido pelas Tintas Barbot. O


branco, aquele branco, tem uma explicação. Cabrita queria dar continuidade a uma
conversação que pretende manter “com muitas outras esculturas em mármore
espalhadas pelas Tulherias”.

Há uma linha do tempo, um grande traço de continuidade entre a visão histórica


daquelas três figuras femininas sempre juntas nas múltiplas figurações feitas por
diferentes artistas. Na proposta de Cabrita estão separadas. Liga-as o vazio criado entre
elas. Coloca-as suficientemente próximas para serem algo de uno, e suficientemente
distantes para se diferenciarem como indivíduos. E isso, diz Pedro Cabrita Reis, “é uma
das coisas mais interessantes que trouxe nesta reinterpretação do tema”.

Texto e fotos: Valdemar Cruz

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