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1 INTRODUÇÃO
* Professora do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Santa Catarina. Doutoranda em Lingüística Aplicada
na mesma universidade. E-mail: <nacaetano@yahoo.com.br >.
relaciona o ato de ler à dimensão de prática cultural. O leitor como ser histórico-
social atribui sentido ao texto não só pelas questões cognitivas implicadas no ato,
mas (muito mais) pela sua história de leitura e de vida. Para o autor (2001, p. 113),
ler é “fazer emergir a biblioteca vivida, quer dizer, a memória de leituras anteriores
e de dados culturais”. Ele discute a leitura a partir de três aspectos constitutivos do
ato de ler, ignorados pela maioria dos estudiosos do tema: a posição do corpo do
leitor, os ritos praticados na leitura (antes, durante e/ou depois) e a importância da
história cultural para a atribuição de sentido ao texto lido.
O autor traz a noção de biblioteca do texto lido para referir-se a uma cultura
coletiva, a um sistema de valores que entram em jogo na atribuição do sentido, o
qual “nasce, em grande parte, tanto desse exterior cultural quanto do próprio texto
e é bastante certo que seja de sentidos já adquiridos que nasça o sentido a ser
adquirido”. Assim, a biblioteca cultural chega a ser uma condição para a construção
do sentido, pois não “há jamais compreensão autônoma, sentido construído, imposto
pelo livro em leitura” (GOULEMOT, 2001, p. 114-115).
Foucambert (1994, p. 4) faz uma distinção entre o saber-decifrar e o saber-
ler como característicos de momentos diferentes: “Vinte anos atrás, o saber-decifrar
ainda podia parecer eficiente para 80% da população; os outros, que continuavam
estudando, tornavam-se (ou melhor, tornaram-se) leitores por motivos alheios ao
ensino a que foram submetidos”. O aumento nas exigências da comunicação
provocou a necessidade de se repensar o ensino da leitura, mas, segundo o autor,
“Procurou-se a solução no aperfeiçoamento dos métodos existentes, quando ela
estava no abandono desses métodos!” (FOUCAMBERT, 1994, p. 4).
Com uma asserção aparentemente simples, Foucambert (1994, p. 5) toca
na essência do trabalho com leitura na escola, quando diz que a escola “precisa
entender o que é a leitura”. Enfatizando a diferença entre ler e oralizar o escrito,
o autor assim define a leitura: “Ler significa ser questionado pelo mundo e por si
mesmo, significa que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa
poder ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte
das novas informações ao que já se é”.
Para além da ampliação do conceito de leitura, o autor explicita e enfatiza
a diferença abismal que há entre ser alfabetizado nos moldes do processo
tradicional desenvolvido nos últimos cem anos e ser leitor nos moldes exigidos
pela demanda social hoje. A alfabetização em massa, imposta pela obrigatoriedade
da escola primária no final do século XIX (na França), tinha por objetivo que o
Assim, uma vez que o texto a ser lido é um enunciado e não desconsiderando
as noções anteriores do conceito de leitura, também poderíamos dizer que ler
um texto é assumir diante dele uma atitude de “compreensão responsiva ativa” na
totalidade da acepção dada por Bakhtin a essa expressão. É o próprio autor que
explica seu entendimento da obra [texto, livro] como enunciado:
4 METODOLOGIA
1
Ao longo de toda a análise, as atividades propostas serão identificadas por AP, seguidas do número que representa
a ordem em que aparecem na revista.
AP. 15 – Esses dois textos fazem parte do livro “Grandes fábulas escritas por
pequenas pessoas”, fruto de um trabalho voltado para o estudo do gênero
discursivo – Fábula, promovido ao longo das aulas da disciplina de Língua
Portuguesa, na 5ª série C, visando ao exercício da leitura e da escritura do
texto literário na sala de aula, para a promoção do aluno nessas habilidades.
O projeto desse trabalho também foi pensado, levando em conta a importância
que tem para o aluno a circulação do material produzido por ele próprio.
Em função disso, os textos foram reunidos em um exemplar, deixado à
disposição na biblioteca do colégio, do qual foi feita uma cópia para cada
aluno. (p. 38)
AP. 25 – A crônica foi apresentada inicialmente como atividade de leitura
semanal em sala. Posteriormente foi feito um trabalho de análise de algumas
crônicas. Como fechamento, foi solicitada uma produção em dupla, seguida
da revisão do texto por outra dupla, com sugestões para melhorar a produção,
adequando-a à proposta. (p. 54)
AP. 38 – O Modernismo oferece ampla variedade de opções de atividades de
leitura e produção de textos. Entre elas, propus aos alunos a atividade de
produção de seus próprios manifestos, após a leitura, contextualização e
discussão dos fragmentos dos manifestos dos grupos modernistas de 1922,
no Brasil, seguindo o estilo de um dos fragmentos lidos. (p. 90)
AP. 20 – Após leitura de “O tio que flutuava” de Moacyr Scliar, que trata de
maneira secundária as dificuldades de relacionamento entre pais e filhos,
assistimos ao filme “Bicho de sete cabeças” que também traz o tema
“relacionamento familiar” à tona, porém em primeiro plano. Feito isso, a
turma sentiu-se com argumentos para uma boa discussão oral, regada
naturalmente com suas próprias experiências pessoais. O texto a ser escrito,
em razão disto, ficou fácil de redigir. (p. 44)
AP. 22 – O tema norteador do segundo trimestre foi “Adolescência”.
Realizamos a leitura do livro “Esmeralda” de Esmeralda do Carmo Ortiz, em
que retrata as dificuldades de uma adolescente para vencer as drogas e
reabilitar-se socialmente. Na seqüência assistimos ao filme “Encontrando
Forestier”, onde acompanhamos o percurso de um rapaz adolescente, lutando
contra o racismo, o preconceito social e ao mesmo tempo lutando com as
palavras: queria ser escritor. Num caso e noutro, tiveram sorte, encontraram
alguém e uma porta aberta. (p. 48)
AP. 26 – No primeiro trimestre, foi indicada a leitura de obras autobiográficas;
no caso, os textos dos alunos referem-se, respectivamente, ao “Diário de
Anne Frank” e “Depois daquela viagem” (este de Valéria Piassa Polizzi). Os
alunos poderiam optar por escrever um texto em sala no final da leitura ou
fazer um DIÁRIO DE LEITURA, registrando e comentando o seu processo de
leitura do livro. (p. 56)
AP. 37 – Entre as atividades de leitura e produção textual, destaca-se uma que
teve como texto motivador o livro de poesias Os melhores poemas de Mário
Quintana. Após uma série de atividades de leitura e expressão oral sobre
compreensão e interpretação de muitos dos poemas do livro, os alunos
foram instigados a produzir parodicamente um texto poético individual a
partir do poema O auto-retrato, de Mário Quintana. (p. 88)
AP. 30 – Em 2003, nos 1ºs anos do Ensino Médio, iniciamos o ano letivo
com um trabalho em torno das memórias de leituras dos alunos. Das tantas
apaixonou por uma moça rica, sendo que seu pai não aprovava o namoro.
Como tarefa, os alunos perguntaram para os pais se eles mandavam muitas
cartas e como eles viam esse processo de escrita.
Após os alunos assistirem ao filme Central do Brasil, houve um debate entre
os alunos sobre a escritura de cartas. A professora ensinou todos os passos e
toda a estrutura de uma carta. Todos os alunos assumiram o papel de um
escritor de cartas, após terem recebido uma tira de fotos com alguns retirantes,
digo, figurantes do filme. (p. 35)
AP. 6 – Texto coletivo elaborado após a visita que fizemos ao Ribeirão da Ilha.
Essa atividade é parte do Projeto Conhecendo Florianópolis, que a turma da
3ª série C desenvolveu no decorrer de 2003. (p. 23)
AP. 8 – Durante o ano letivo 2003, trabalhamos o tema gerador: “Você tem
fome de quê?” escolhido pela escola. Nesta caminhada, foram abordados
vários gêneros textuais, onde os alunos pesquisaram e construíram seus
próprios textos.
Ao término das atividades letivas, solicitamos que cada aluno escolhesse o
gênero com o qual mais se identificou e escrevesse algo que permitisse ao
leitor, observar o tipo de fome que sentiu e que fome ainda está por ser
saciada. (p. 27)
AP. 11 – Um grupo interdisciplinar de professores propôs iniciar o ano letivo
de 2003 com o tema “Você tem fome de quê?” por ser representativo do
momento histórico que estávamos vivendo. Esse tema resultou no envolvimento
de todos os segmentos do Colégio [...]. Das várias atividades desenvolvidas
com os alunos da 4ª série C, uma realizada com mandalas e a busca do
equilíbrio foi bastante significativa para a turma. Como produção, os alunos
elaboraram mandalas e nelas escreveram sua reflexão sobre a fome. (p. 31)
gerador discutido na escola, Olimpíada da escola. Abrir espaço na sala de aula para
que os alunos tragam a sua realidade, como mais um texto a ser lido e significado
junto às leituras propostas pela escola, é entender o processo educativo como um
ato político (FREIRE, 1990), que pode contribuir para formar não só leitores de
textos escolares, mas cidadãos mais conscientes de seu papel na sociedade.
Também aparece, no segundo grupo, o trabalho com gêneros específicos,
principalmente da esfera jornalística, como notícia, resenha e carta do leitor.
Podemos destacar alguns aspectos extremamente relevantes desse trabalho: a
leitura dos textos nos suportes reais nos quais eles circulam socialmente e a
discussão das condições reais de produção dos textos, além de os alunos poderem
se constituir como interlocutores concretos dos textos, tendo inclusive a
possibilidade de manifestar sua “compreensão responsiva ativa” no mesmo veículo
– jornal ou revista – no qual o texto lido foi publicado.
Por mais que a entrada do texto da esfera do jornalismo na sala de aula
não seja propriamente uma novidade, a leitura dos textos em seus suportes
originais, a análise das condições de produção e circulação e a produção de
textos desta esfera com vistas a uma possível circulação real podem significar o
diferencial na leitura de textos jornalísticos como prática social, para além do
exercício escolar. Se o texto jornalístico não é lido como enunciado e gênero,
dificilmente a atividade de leitura contribuirá para a formação de leitores capazes
de extrapolar as tarefas escolares de compreensão de textos, chegando à leitura
atribuição de significados.
Vale ressaltar, ainda, que foram trabalhados outros gêneros, como carta
pessoal e filmes de vários gêneros. O que evidencia que as atividades propostas não
envolvem só o diálogo entre diferentes livros ou entre a vivência pessoal do leitor e
o livro, mas entre textos (enunciados) com linguagens diversas; os filmes, por
exemplo, são muito utilizados para enriquecer discussões sobre temas abordados
em obras literárias, para que os leitores estabeleçam comparações, contraposições.
6 CONCLUSÃO
tanto por aspectos cognitivos individuais como por aspectos de fora de texto,
como a história, a cultura, a ideologia; a compreensão que se tem do mundo e do
que se vive; o diálogo que se estabelece com o texto lido. Enfim, aprender a ler é
um processo permanente que não se inicia na escola, mas que não pode deixar
de ser desenvolvido no espaço escolar, uma vez que pressupõe também habilidades
(conteúdos) que são da competência da escola.
Os autores lidos apontaram aspectos extremamente relevantes para serem
ensinados na sala de aula, evidenciando que leitura se ensina na escola, sim.
Aspectos esses que podem e devem preencher boa parte do currículo da disciplina
de Língua Portuguesa, o que, pela análise das atividades de leitura/escrita,
publicadas na Revista Sobre Tudo, parece ter sido assumido – em maior ou
menor grau – pelos/as professores/as da escola em questão.
Não obstante, vale lembrar que a escola é uma agência de letramento,
dentre outras, e que o trabalho desenvolvido nessa esfera não pode ignorar as
práticas de uso da escrita de fora da escola, isto é, as práticas sociais e culturais do
grupo/comunidade a que pertence o aluno. A formação do sujeito-leitor crítico
passa necessariamente por essa possibilidade de produzir sentido para as leituras
propostas na escola, associando-as às práticas de letramento que se realizam na
e fora da escola.
A partir da análise feita, o que se pode perceber é que as atividades
propostas pelos/as professores/as estão relacionadas não só à leitura de textos
específicos da esfera escolar – letramento autônomo –, mas a situações variadas
de leitura, ou seja, eventos de letramento tanto escolares, quanto práticas sociais
de leitura/uso da escrita – letramento ideológico.
REFERÊNCIAS
secondary school situated in Florianópolis. In order to do that, we will firstly present a general
overview of the reading/literacy concepts on which our analysis is based. Secondly, we will present
the results of the research through 40 contextualizations of reading/writing activities, developed
by teachers and published in a school’s magazine which aims to circulate the texts produced by the
students. After a initial analyses, we divided the activities into two groups (literature reading and
other literacy practices), which, in a second moment, were subdivided into nine categories,
according to the objectives, reading procedures and diversity of literacy events. We hope, through
the analyses, to make public the some language practices used at this particular school, and their
relation with the concepts of reading and literacy.
Keywords: teaching-learning; reading; literacy.
Tìtre: Lecture dans les Enseignements Fondamental et Secondaire: réflexions sur quelques pratiques
Auteur: Nara Caetano Rodrigues
Résumé: Dans cet article, notre objectif est celui de présenter et discuter les conceptions de
lecture/ littératie sous-jacentes aux pratiques de lecture/écriture proposées par les enseignants
dans une école de l’Enseignement Fondamental et Secondaire, située à Florianópolis. Ce but en
vue, tout d’abord, on a tracé un panorama des conceptions de lecture/ littératie qui ont fourni des
subsides théoriques à l’analyse. Ensuite, on a présenté le résultat de la recherche avec 40
contextures d’activités de lecture/écriture, établies par les professeurs et publiées dans une revue
de l’école, dont le but est celui de diffuser les textes produits par les élèves. Après une première
analyse, les activités sont partagées dans deux groupes (lecture de littérature et d’autres pratiques
de la littératie), lesquelles, dans un deuxième moment, sont subdivisées en neuf catégories, selon
les objectifs, procédés de lecture et diversité d’évenements de la littératie. On espère, à travers
l’analyse, faire connaître quelques pratiques de l’usage du langage travaillées à l’école et leur
rapport avec les conceptions de lecture et littératie.
Mots-clés: lecture; enseignement-apprentissage; littératie.
Título: Lectura en las Enseñanzas Fundamental y Media: reflexiones sobre algunas prácticas
Autor: Nara Caetano Rodrigues
Resumen: Nuestro objetivo es presentar y discutir las concepciones de lectura/ literacia que
guían las prácticas de lectura/escrita propuestas por los/las profesores/as en una escuela de
Enseñanza Fundamental y Media, ubicada en Florianópolis. Para eso, trazaremos un panorama de
las concepciones de lectura/ literacia que subsidiaron teóricamente el análisis. A seguir, presentamos
el resultado de la investigación con 40 contextualizaciones de actividades de lectura/escrita,
elaboradas por los profesores/as y publicadas en una revista de la escuela, cuya finalidad es la
divulgación de textos producidos por alumnos/as. Después de un primer análisis, dividimos las
actividades en dos grupos (lectura de la literatura y otras prácticas de literacia), los cuales, en
un segundo momento subdividimos en nueve categorías, de acuerdo con los objetivos, procedimientos
de lectura y diversidad de eventos de literacia. Esperamos, a través del análisis, mostrar algunas
prácticas de uso del lenguaje trabajadas en la escuela y su relación con las concepciones de
lectura y literacia.
Palabras-clave: lectura; enseñanza-aprendizaje; literacia.