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811Jlll J 8
Angela Kleiman
Fbntes
Angela Kleiman
3-- EID.Ç~C»-
Pontes
2008
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CJP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Bra 11)
Kleiman, Angela
Leitura: ensino e pesquisa / Angela Kleiman -
Campinas, SP : Pontes Editores. - 311 edição - 2008.
Bibl iografia.
ISBN 978-85-7113-0173
PONTES EDITORES
Av. Dr. Arlindo Joaquim de Lemos, 1333
Jardim Proença
13095-001 Campinas SP Brasil
Fone (019) 3252.6011
Fax (019) 3253.0769
E-Mail: ponteseditores@ponteseditores.com.br
wwW·r)OrltE~seditores.com.br
Impresso no Brasil
íNDICE
Apresentação t......................................... 7
PARTE I - TEORIA
Descrevendo a leitura . 13
Modelos teóricos: fundamentos para o exame da relação
teoria e prática na área de leitura 21
Sobre o sujeito na interação 37
.PARTE II - PESQUISA
Pesquisando a leitura . 49
Estratégias de abordagem textual: ou procura-se estrutura,
coesão e coerência .. 55
Fatores determinantes na elaboração dos resumos: maturação
ou condições da tarefa? . 75
Extraindo informações do texto _. algumas considerações
sobre marcação formal do tema , legibilidade . 91
Estratégias de inferência lexical na leitura de segunda língua 117
Percepção da função discursiva do léxico 131
PARTE IH - ENSINO
Ensinando a leitura 151
Leitura e legibilidade: reflexões sobre o texto didático 157
A coerência e legibilidade do texto didático 177
o ensino do léxico através da leitura 191
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 207
APRESENTAÇAO
7
Hoje em dia, dado o papel fundamental da escola e da escola-
rização no letramento, na aprendizagem e no desenvolvimento da
criança, ninguém admite que o professor, figura central nessa escola.
não tem aí um papel a assumir. Entretanto, esse papel se reduz
muitas vezes ao de fornecedor de estímulos para a elicítação de auto-
matismos, dentro das mais pobres das concepções behavioristas. O
professor, visto como modelo ideal a ser imitado pela criança na
resolução de tarefas cognitivas complexas que estão além da capa-
cidade real da criança, é uma figura que nessa perspectiva não se
f az presente na escola.
Da mesma forma, ninguém diria que o aluno é incapaz de
aprender. Entretanto, o aluno enquanto sujeito que, dada uma chan-
ce, usaria nas tarefas da escola, capacidades já desenvolvidas em
outros contextos, que procuraria dar sentido e coerência a essas tare-
fas, e que a partir da aprendizagem chegaria ao desenvolvimento de
outras capacidades, esse aluno não encontra espaço de ação na escola,
nem mesmo na aula de leitura, dada a banalidade das atividades que
são inventadas para preencher seu tempo de leitura nesse contexto.
8
história de fracassos; entretanto, esperamos que a criança que já tem
uma história de fracassos em relação ao texto escrito, leia e goste
de ler. O conhecimento torna uma tarefa mais fácil: quando temos
esquemas de expectativas em relação à estrutura de um evento, por
exemplo, esse evento se torna menos assustador, mais acessível, e faz
sentido mais facilmente. :e. de se esperar que a existência de esquemas
de expectativa em relação à estrutura de texto tornem o texto mais
acessível, mais compreensível. Entretanto, insiste-se, na escola, na utili-
zação de apenas um tipo de texto, o texto didático, assim expondo
à criança ao que há de mais inconsistente, incoerente e incompreensí-
vel em matéria de textos.
A coerência entre fundamentação teórica e a ação prática no
ensino de leitura, o reconhecimento do aluno enquanto sujeito leitor.
e não como mero decodificador, o reconhecimento do professor en-
quanto adulto modelo desse leitor, o ensino de leitura coerente com
uma postura interacionista e crítica são tópicos abordados nesta cole-
tânea, com a qual espero contribuir para uma reflexão e debate que
nos leve a reavaliar o que está sendo proposto nas escolas na área
de leitura.
Esta coletânea incorpora artigos já publicados - a maioria -
bem como artigos com resultados de pesquisa inéditos, que foram
publicados ou elaborados num período de seis anos, desde 1981 até
1986. Os artigos estão agrupados por tópicos: Teoria, Pesquisa, En-
sino. Obviamente, as divisões não são estanques - particularmente
no caso da pesquisa, na segunda parte, pois muitas vezes esta teve
por objetivo avaliar as conseqüências de práticas de ensino genera-
lizadas, e explorar as possíveis conseqüências de mudanças nessas
práticas. As divisões, então, refletem mais uma tendência do que
uma preocupação exclusiva. Em cada parte a agrupação é cronológi-
ca, tentando retratar a emergência de interesses e preocupações em
cada um dos assuntos abordados, que muitas vezes coincidiu com
os interesses de outros pesquisadores da área de leitura no país. Os
trabalhos elaborados durante os anos 1984-1986 foram produto de
pesquisa financiada pela FAPESP e pelo INEP, parte do Projeto Inter-
relação de fatores determinantes na compreensão de textos no 1. grau.
0
9
Finalmente, gostaria de aproveitar este espaço para agradecer a
meus colegas e alunos, que com sua valiosa e entusiasta colaboração,
com seus comentários enriquecedores influenciavam positivamente
vários dos artigos desta coletânea: à Sylvia Terzi, Ivani Ratto, Ana
Silvia Couto de Abreu, Marilda Cavalcanti, Mary Kato, Eni Orlandi
e Míchael Scott meus agradecimentos especiais
Campinas, junho de 1988.
ANGELA KLEIMAN
10
Parte I
Teoria
DESCREVENDO A LEITURA *
Read not to contradict and coniute, nor to believe and
take for granted, nor to iind talk and discourse, but to
weigh and consider.
(Leia, não para contradizer e refutar, nem para crer e
pressupor, nem para achar assunto e conversa, mas para
pensar e considerar).
(Prancis Bacon, oi Studies)
13
visão) mas é sacádico, isto é, o olho se fixa num lugar do texto e
logo fl1z um pulo, ou sacada, até se fixar novamente mais adiante.
No momento em que o olho faz uma fixação ou pausa, há uma área
de visão clara e uma área de visão periférica, sendo que aparente-
mente a visão periférica ajudaria a decidir onde fazer a fixação se-
guinte. A duração da pausa é variável, dependendo, novamente, da
dificuldade do material. O movimento dos olhos, por outro lado,
não é apenas progressivo mas também regressivo (provavelmente o
leitor estaria relendo material que lhe pareceu inconsistente com o
material que leu mais à frente).
- O leitor adulto proficiente lê sem movimentos labiais per-
ceptíveis, isto é, sem subvocalização. Não há evidências incontestá-
veis de que não haja algum tipo de vocalização interna, ainda que
imperceptível quando lemos; provavelmente o input visual não é tra-
duzido numa imagem acústica, quando o material é muito fácil, mas
haveria algum tipo de mediação fonológica quando o material for
difícil (o caso extremo seria o da leitura numa língua estrangeira).
-- Na leitura em voz alta, percebe-se uma distância entre a velo-
cidade da voz e a do olho sendo este mais rápido: as experiência
mostram que se retirarmos o texto durante uma leitura em voz alta,
o Jeitor continuará "lendo" (sem o texto, com o texto tapado, com
a luz apagada) mais ou menos seis palavras além da palavra onde
estava quando da retirada, o que mostra que seus olhos já haviam
ido além da fala.
- Por volta dos 10 anos, ou após 4 anos de escolarização, o
aluno que é bom leitor já apresenta todas as características do com-
portamento observável do leitor proficiente, com apenas diferenças
quantitativas: a distância entre as sacadas é menor, a pausa da fixa-
ção é um pouco mais longa, há mais movimentos regressivos, a dis-
tância entre o olho e a voz é um pouco menor. Mas a flexibilidade.
ou capacidade de adaptar esses mecanismos à dificuldade do material
lido já se acha desenvolvida no pequeno leitor. Em outras palavras,
ele está preparado para enfrentar as demandas cada vez maiores
da escola, que fundamenta todo o processo educacional na leitura.
Os mecanismos observáveis do leitor proficiente são um reflexo
de estratégias de ordem superior e são essas estratégias as que carac-
terizam o bom leitor. Para melhor entendermos essas estratégias pen-
semos agora no que acontece com o leitor após a imediata percepção
14
do material. Este precisa ser processado, de alguma forma, para que
traços no papel sejam convertidos em significados. Com base nessas
noções preliminares, apresentaremos a seguir um modelo extrema-
mente simplificado dos processos envolvidos na leitura.
Uma vez que o traço é reconhecido como uma letra, ou uma
palavra, ele é transformado numa imagem acústica ou visual. En-
quanto o leitor está lendo sílaba por sílaba por exemplo, é preciso
manter essa imagem em algum lugar enquanto outras sílabas são pro-
cessadas, até formar uma unidade reconhecível. De fato, o comporta-
mento da criança no início da alfabetização parece mostrar isso,
quando a criança, após silabar a palavra, repete a palavra inteira, até
com uma entoação diferente. Ao ler a frase "a menina era muito
bonita", a criança muitas vezes procede da seguinte forma: a-me-ni-na
a menina / e-ra era / mu-i-to muito / bo-ni-ta muito bonita /. Esse
depósito para o armazenamento das unidades que vão entrando é
chamado de memória a curto prazo ou mem6ria imediata (ou ainda
mem6ria de trabalho).
A memória imediata caracteriza-se por ter uma capacidade limi-
tada. Ela pode guardar entre 5 e 9 elementos (5 a 9 letras, por
exemplo), e logo deve ser esvaziada para a entrada de outros ele-
mentos, caso contrário ficará sobrecarregada. Se, por exemplo, ten-
tarmos manter na mem6ria uma lista de números que vão aparecendo
numa tela ou que alguém nos dita, ao lermos ou ouvirmos o décimo
número, por exemplo, esquecemos o primeiro, ou, alternativamente,
se continuarmos repetindo para nós mesmos os nove primeiros para
não esquecê-los, nem sequer ouviremos o décimo, quer dizer, este
nem chegou à memória imediata porque toda sua capacidade já es-
tava voltada para a memorização dos nove primeiros dígitos. Porém,
a memória imediata não faz nenhuma discriminação em relação ao
tipo de unidade que é armazenada, contanto que sejam unidades signi-
ficativas: as unidades podem ser sete letras, sete palavras, sete frases.
Assim, se lermos uma lista de letras como:
m-n-t-o-e-e-l-s-e
quando chegarmos à última a memória imediata será esvaziada para
permitir a entrada e armazenamento de mais unidades. Se, por outro
lado, as mesmas letras forem recombinadas na seqüência
e-l-e-m-e-n-t-o-s
15
elas serão reconhecidas como um outro tipo de unidade, como uma
palavra da língua; então o armazenamento de mais outras cinco, seis,
sete unidades é possível. Imaginemos que as outras unidades sejam
as seguintes:
esquecem- os- os- mais- que- sujeitos
Até aí, poderemos mantê-las na memória imediata sem problemas (e
recitá-las de volta, por exemplo) porque não estamos ultrapassando
a capacidade de armazenamento dessa mem6ria. Se 'precisarmos me-
morizar e lembrar mais palavras, algumas serão esquecidas, porque
novamente deveremos esvaziar a memória para dar lugar para o novo
material. Mas, se as palavras são reconhecíveis como outro tipo de
unidades, por exemplo, como uma frase, conseguiremos ampliar nova-
mente essa capacidade: se agruparmos as palavras em frases, as sete
unidades passam a ser
(os elementos) (que) (os sujeitos mais esquecem)
e poderemos manter ainda mais material nessa memória. Daí a im-
portância do reconhecimento rápido de expressões e frases na leitura.
Uma vez que a memória é esvaziada, se não conseguirmos reco-
nhecer o material como unidade significativa ele será imediatamente
esquecido. Mas, se o material for significativo, ele passa a receber a
ação de um outro tipo de memória, cuja capacidade não é limitada:
memória profunda ou memória a longo prazo, onde ficaria organi-
zado todo o nosso conhecimento: o conhecimento da língua, nossas
experiências, nossas convicções, nossos hábitos, etc. Por exemplo, as
regras que nos permitem reconhecer /I os elementos que os sujeitos
mais esquecem" como uma seqüência possível do português, e rejeitar
elementos esquecem os os mais que sujeitos" estariam aí organi-
/I
16
para a análise das unidades. E a extrema eficiência do sistema Indica
que essa busca não é aleatória: uma vez que começamos a ler sobre
um assunto, ficamos num estado de alerta na espera de mais material
relacionado a esse assunto; isto é, o material que acabamos de ler
fica mais acessível do que outros conhecimentos de nossa memória
profunda. Pensemos na leitura deste texto sobre o ensino da leitura.
Há muitas frases que já apareceram repetidas vezes, tais como "estra-
. " , 111'eítura","" texto, "" escrita,
tégia ." que provave Imente sao
'" recon h e·
cidas pelo leitor. Há outras que não apareceram, tais como "associa-
ção de som e grafia", "letramento", etc. mas que não causariam sur-
presa num texto sobre o assunto. Entretanto, a seqüência "0 progra-
ma de informática implantado pelo governo" nos faria parar, e reler.
Ela é inesperada. Mas não teria razão ser inesperada se o material
que estamos lendo não fosse mantido num nível diferente, menos
profundo do que outras informações que guardamos na memória a
longo prazo. ~ por isso que os modelos de processamento incluem
um terceiro tipo de memória, chamada de memória rasa ou memória
intermediária, cuja função é a de manter a informação num estado
de ciência, ou de alerta, mais acessível.
Assim, a seqüência "0 programa de informática implantado pelo
governo", ao contrário do material até agora lido, é totalmente nova,
e portanto inesperada, enquanto que a informação que mantemos na
memória intermediária já adquiriu o caráter de informação conhe-
cida, velha, caráter próprio das informações que guardamos na me-
mória profunda, mas ao mesmo tempo permanecendo num estado de
ciência, ou alerta, que não é próprio da memória profunda.
Ao refletir sobre a complexidade dos processos envolvidos na
leitura, seria surpreendente se conseguíssemos ler se pressupusermos
que o processo é linear e serial, passo a passo, desde o olho até a
memória que estaria aguardando a chegada do material para começar
a processá-lo. Não é isso o que acontece. O leitor está engajado,
antecipando o material até a formulação de uma imagem, pois a deci-
são sobre a pausa ou fixação está determinada não só pelo que ele
acaba de ler na página, mas também por seu conhecimento dos pa-
drões ortográficos, da estrutura da língua, do assunto, etc. ~ por isso
que a leitura é considerada um processo interativo, no sentido de
que os diversos conhecimentos do leitor interagem em todo momento
com o que vem da página para chegar a compreensão. A leitura não
é apenas a análise das unidades que são percebidas para, a partir daí,
17
chegar a uma síntese. Também a partir da síntese ele procede à aná-
lise para verificar suas hipóteses, num processo em que, repetimos,
tanto os dados da página como o conhecimento do leitor interagem
como fontes de dados necessários à compreensão.
Contudo, há modelos que propõem justamente a linearidade e
serialidade, bem como há práticas de ensino (a maioria, aliás) que
pressupõem esse tipo de processamento.
Existe, muitas vezes, uma incoerência entre a declaração de prin-
cípios do professor e a caracterização desses princípios em prática
de sala de aula. Assim como essa incoerência é observável em relação
à leitura enquanto processo cognitivo, ela também é observável em
relação à leitura enquanto atividade entre o sujeito leitor e o autor.
De fato, tem-se tornado lugar comum entre professores declarar
a adoção de enfoques interacionistas para o ensino de língua oral c
escrita. Entretanto, a explicitação dos fundamentos lingüísticos, so-
ciais, pedagógicos desses enfoques, é muitas vezes uma tarefa que
o professor parece não exercer. Coisa semelhante acontece quando
se trata de argumentar a favor dessa postura, talvez polêmica, com
professores mais tradicionais; em qualquer atividade de ensino que
não seja o diálogo informal com os alunos, o professor não adota a
postura que faria da criança um interlocutor.
Se, como de fato acreditamos, enfoques que partem do princípio
de que a linguagem é interação trazem resultados positivos válidos.
defensáveis, então torna-se importante complementar a formação do
professor para ele compreender os fundamentos teóricos de uma pro-
posta nessa linha, tomar decisões com base em sua avaliação de um
problema ou de uma situação, e se tornar num professor que se faça
gerador e irradiador de mudanças.
Entretanto, a leitura, a julgar pelos exercícios de compreensão
e interpretação dos livros didáticos e da sala de aula, fica reduzida,
quase sem exceções, à manipulação mecanicista de seqüências discre-
tas de sentenças, não havendo preocupação pela depreensão do signi-
ficado global do texto.
Essas abordagens são apenas uma instância de uma atitude gene-
ralizada do professor frente à linguagem escrita: a linguagem perde
a sua natureza de ação entre interlocutores e passa a ser objeto de
manipulação e transformação estrutural. O texto escrito não se cons-
titui, então, no meio através do qual autor e leitor interagem, onde
o autor constrói um texto, e portanto propõe uma leitura, através do
18
quadro referencial selecionado, enquanto o leitor aceita, refuta, cri-
tica, também apoiado num processo seletivo que determina a de-
preensão da linha temática, a integração das informações num signi-
ficado único e abrangente, e uma reação intersubjetiva. Raras vezes
é essa a leitura na escola.
Se o professor não perceber a complexidade do processo ae lei-
tura, e da interação, ele estará, a maioria das vezes, ecoando acrití-
camente comentários alheios, sem conseguir implementar essa visão,
verbalizando sem agir. Também não é possível avaliar de maneira
coerente as vantagens das propostas de ensino baseadas na interação
se de fato o professor não conhecer nenhuma outra proposta. 1! na
comparação que a opção consciente, com efeitos duradouros, origi-
nários na mudança de pressupostos, pode se dar. Para permitir essa
comparação, nessa seção selecionamos dois artigos sobre modelos e
enfoques de leitura que, na minha consideração, deixam entrever a
complexidade da questão. Em "Modelos te6ricos: fundamentos para
o exame da relação teoria e prática na área de leitura" defendemos
a tese de bidirecionalidade entre teoria e prática, e apresentamos uma
seleção representativa de modelos de leitura e suas implicações para a
prática. Estes modelos vão desde os modelos de percepção visual e
processamento das letras, que nos ensinam muito sobre os mecanis-
mos da leitura, mas dizem pouquíssimo, ou nada, sobre a compreen-
são, passando pelos modelos de adivinhação, que focalizam o processo
de compreensão sem explicitar como chegamos a essa compreensão,
até chegar a um esboço de modelos interacionistas, de base discursiva,
que focalizam não apenas o processo cognitivo da compreensão mas
também o processo cooperativo da produção de um texto durante a
leitura. O valor do texto reside principalmente no fato de ele reunir,
num texto sé, variados enfoques e modelos descritivos e explicativos
do processo de leitura, tornando assim possível o acesso ao pensa-
mento de te6ricos de áreas de processamento da informação, da psi-
colingüística, da psicologia cognitiva. Em Sobre o sujeito na intera-
(I
19
MODELOS TEÓRICOS: FUNDAMENTOS
PARA O EXAME DA RELAÇAO TEORIA E
PRATICA NA AREA DE LEITURA*
21
o surgimento de teorias e investigações empíricas isoladas dentro do
próprio campo de investigação (Píaget, op. cit.).
Perante a necessidade de aplicação apesar de orientações confli-
tantes, surgem então propostas metodológicas diversas, em torno das
quais está se centrando uma' discussão que deveria, a rigor, estar cen-
tralizada nas contribuições da pesquisa básica, dos modelos teéricos
e suas predições empíricas.
Até pouco tempo atrás, essa discussão era impensável, pois havia
pouco desenvolvimento teórico, apesar dos grandes investimentos na
área. Escrevia Weaver (1977):
22
ramos representam concepções opostas do processo de leitura, junta-
mente com as propostas teóricas mais recentes, que, ao incorporar
ambas as concepções, as expandem e enriquecem. Ao delinear este
quadro, apontaremos tanto para a adequação do modelo para descre-
ver a totalidade do fenômeno, quanto para as contribuições para o
trabalho prático, a fim de, posteriormente, retomar esta discussão
inicial da relação entre teoria e aplicação.
23
Também ele pretende relacionar essa descrição a aspectos relativos
.
ao processo de aquisição da leitura .
Os eventos que Gough focaliza são: fixação ocular e movimento
sacédíco, representação icôníca do percepto visual, identificação da
letra, (através de um processo serial, discreto), mapeamento das letras
com a representação fonêmica abstrata da palavra, busca da entrada
lexical (acessível mediante a representação fonêmica abstrata dos ca-
racteres), também serialmente, palavra por palavra, (da esquerda à
direita). Postulam-se em seguida processos de natureza menos espe-
cífica, que vão desde o armazenamento das entradas lexicais na me-
m6ria primária, na qual os mecanismos de compreensão (" compre-
hension device") operam, utilizando a informação fonêmica, sintática
e semântica das entradas lexicais. Ap6s o processamento, que estaria
constituído de duas etapas, algum mecanismo, desconhecido, opera
na informação da mem6ria primária tentando descobrir a estrutura
profunda do fragmento, as relações gramaticais e, se há sucesso então
uma interpretação semântica é realizada (op. cit.: 519). Posterior-
mente os fragmentos, de natureza não especificada (constituintes fra-
sais?, sentenças?) passariam a um registro final, presumivelmente a
mem6ria secundária (op. cit.: 513-519). Um modelo seqüencial separa
os processamentos de primeira ordem (low-level processing) dos pro-
cessamentos de ordem superior (higher-level processing). Assim, em-
bora o modelo recapture a complexidade de um segundo de leitura,
a natureza da leitura fica desvirtuada, até no fato observável de que
há interação entre o processamento visual e processamentos lingüís-
tico-cognitivos: o padrão ocular não é uniformizado; diferentes leito-
res exibem padrões oculares diferentes na leitura de um mesmo texto.
Entre outras conseqüências específicas dessa ausência de interação,
podemos citar que Gough não prevê o papel desembiguador do
contexto (cí. "a representação fonêmica abstrata é atribuída à primeira
entrada lexical que é encontrada ( ... ). Quando essa primeira entrada
é localizada, essa entrada é aceita como a leitura da palavra até essa
leitura se provar incompatível com dados subseqüentes", op. cit.:
517); nem o papel desambiguador do conhecimento prévio (" no caso
de uma palavra ambígua, a sua categoria gramatical pode permane-
cer sem especificações até que essa informação seja processada", op.
cit.: 517); nem o efeito da informação já processada nos diversos pro-
cessos, desde a identificação de letras até a interpretação sintática e
semântica.
24
Pela sua especificidade, o modelo tem a vantagem de que as
predicções que ele faz podem ser facilmente testadas. Contudo, na
investigação empírica fazem sentido tarefas de latência e de reconheci-
mento de letras, sílabas, palavras, e até sentenças isoladas, que não
são tarefas de leitura propriamente ditas, e, portanto, têm escassa
pertinência às questões aplicadas. A contribuição do modelo nessa
área de aplicação é seu posicionamento inequívoco, com respeito à
necessidade de adquirir o código, contra os métodos globais de alfa-
betização e junto aos métodos fônícos e lingüísticos.
25
relevantes para a discriminação de traços distintivos (abertura, orien-
tação espacial, da letra, etc.); esta busca se tornará automática
quando o leitor tiver realizado muitas tarefas discriminatórias. Num
segundo estágio, o aprendiz constrói um código das letras mediante
a organização dos traços relevantes numa unidade maior, processo
este que precisa da atenção do aprendiz. Num terceiro estágio, o pro-
cesso de organização dos traços relevantes (" unitízíng") se torna auto-
mático. O procedimento visual pelo qual o sujeito alcança o estágio
de unificação, "scanníng", pode também se tornar automático com a
prática, o que constituiria o quarto estágio de aprendizagem. No
leitor experiente, o processo de unificação se estende até o nível fra-
sal (word groups).
Outros sistemas de processamento operam nos inputs do código
visual. Este pode ser recodificado, por um processo associativo, no
sistema fonológico (que também opera com unidades de outros códi-
gos, como o semântico, por exemplo), cuja organização seria semelhan-
te à do código visual (traços distintivos, fonemas, sílabas, palavras),
ativando os processos de organização de unidades sucessivamente
maiores, dependendo da experiência do leitor. O leitor experiente tem
opções relativas ao sistema em que se efetuará a organização: se a
leitura for fácil, e portanto lê rapidamente, poderá selecionar uni-
dades visuais maiores; se estiver lendo material difícil, lentamente,
poderá selecionar padrões ortográficos para organização no nível
fonológico.
O significado da palavra é ativado mediante uma associação
direta entre a unidade fonológica e a unidade semântica, que já é
automática pela experiência com a fala, mas que talvez na criança
seja mediada pela memória episódica (memória de eventos físicos e
temporais) até as associações se tornarem diretas. O leitor experiente
tem várias opções de reconhecimento dependendo da familiaridade
com o estímulo grafêmico: desde o reconhecimento instantâneo, do
código visual imediatamente ao código semântico (palavras muito
comuns, por exemplo) até o reconhecimento não automático com
mediação da memória episódica, do código visual ao código semân-
tico (por exemplo, nomes estrangeiros dos protagonistas de um
romance).
O modelo faz predições sobre o desenvolvimento de automatis-
mos no processo de alfabetização. Fica claro, em primeiro lugar, que
26
pela prática e repetição, os automatismos são desenvolvidos. A fim
de reorganizar o material em unidades superiores (grupos frasais, por
exemplo), a criança precisa atender a essa tarefa. Para ajudar a crian-
ça nesse processo de reorganização, deverão ser relaxadas as exigên-
cias de precisão: a insistência na leitura "correta " pode impedir o
desenvolvimento de estratégias de reconhecimento mais sofisticadas.
Pela autolimitação do modelo, que objetiva apenas a explicação
de processos de organização em níveis inferiores, a investigação em-
pírica a partir das predições limitou-se a micro-unidades (í.e., latência
na percepção e associação de letras em diversas condições de aten-
ção) e, portanto, tal como o modelo de Gough, sua relevância a
problemas aplicados é limitadíssima.
Diminuindo em especificidade, e já com característica dos mo-
delos de interação, temos os modelos psícolingüísticos, e.g. o modelo
de sistemas de comunicação de Ruddell (1976) e o modelo de testa-
gem de hipóteses de Goodman (1970, 1976). Estes modelos, que
foram considerados demais vagos (cf. Gibson e Levin, op. cito e Ve·
nezky, et alii, 1975) para o estabelecimento de hipóteses preditivas,
constituem um grupo importante na reflexão em torno da leitura, já
que eles tencionam caracterizar a totalidade dos processos envolvidos
na leitura, se bem que a relação entre os processos fica, de fato.
obscura.
27
"Após a transformação e reescritura da sentença na forma mais
básica, chega-se ao aspecto semântico; os signíficados dos vários
'morfemes são considerados através de uma leitura semântica
que utiliza componentes denotativos, conotativos e não lingüís-
ticos do léxico mental. Os significados semânticos e estruturais
são em seguida interpretados pelas regras de interpretação se-
mântica, e o significado é estabelecido. Simultaneamente, os mar-
cadores semânticos apropriados e os contextos estruturais pas-
sam à memória a longo prazo" (op. cit.: 466).
28
2 .4. O modelo de testagem de hipóteses de Goodman
29
informação durante o processo. Também não se esclarece o valor dos
mesmcs com relação à dificuldade do material lido e ao material já
processado, assim como o grau de interdependência dessas habilida-
des, excetuando seleção e predição por um lado, e testagem, retesta-
gem, e regresso, por outro.
Com respeito ao ensino de leitura, Goodman apresenta argu-
mentos convincentes, utilizando a leitura oral, de que a leitura não
é um processo serializado de percepção e identidade seqüencial, mas
um processo que envolve seletividade e a capacidade de antecipar a
informação. Pela análise que ele propõe dos desvios que as crianças
fazem na leitura oral, (li miscue analysis"), seria possível ter acesso
ao processo de reconstrução do significado em que a criança está en-
volvida durante a leitura. Também as experiências em que a dificul-
dade de leitura de uma palavra é removida uma vez que ela é inserida
num contexto são úteis para alertar o professor contra exigências des-
mesuradas de precisão durante a leitura em voz alta.
Como vimos, o modelo psícolíngüístíco de Goodman partilha de
algumas características dos modelos interativos: a leitura é um pro-
cesso não linear, dinâmico na interrelação de vários componentes
utilizados para o acesso ao sentido, e é uma atividade essencialmente
preditiva, de formulação de hipóteses, para a qual o leitor precisa
utilizar seu conhecimento lingüístico, conceitual, e sua experiência.
30
Essas propostas consideram a leitura como uma atividade essen-
.
cialmente construtiva. Kintsch (1978) caracteriza bem essa dimensão,
quando diz, com respeito ao significado do texto:
31
informação nova ou inconsistente com suas hipóteses preditivas
. do momento sobre o conteúdo do texto; o processamento "top-
down" ajuda o leitor a resolver ambigüidades ou a selecionar
entre várias possíveis interpretações dos dados" (op. cit.: 5).
32
se estabelece entre sujeito e objeto, e é essa relação que continua
sendo. o foco da investigação. Surgem porém, na área, reflexões ba-
seadas na pragmática sobre a relação entre autor e leitor através do
texto 4. Tierney e LaZansky (1980) definem a relação entre autor e
leitor como uma de responsabilidade mútua relativa aos objetivos da
comunicação, responsabilidade esta que implica o estabelecimento de
pontos de contato entre ambos, mantendo, ao mesmo tempo, o direito
do leitor de se afastar dos objetivos do autor. Steinberg e Bruce (1980)
propõem que se considere a interação social entre autor e leitor na
leitura de narrativa, .que se manifestaria formalmente no texto pela
estruturação retórica do mesmo. Também a caracterização de leitura
como interlcculação de Orlandi (1982) implica que na leitura se
estabelece uma relação não entre o objeto e o leitor, mas entre o
leitor e o autor, sujeitos sociais, num processo que será necessaria-
mente dinâmico e mutável.
33
num processo que requer sua atenção constante a fim de estender
certos automatismos à compreensão de unidades cada vez maiores.
Essa predição e a prática, bastante generalizada, de avaliar a leitura
em voz alta, que requer que o aprendiz atenda a associações de uni-
dades mínimas entre o c6digo visual e o fonol6gico, são incompatí-
veis. A responsabilidade do professor de se manter atualizado não
implica a reduplicação do trabalho do investigador na área, mas im-
plica numa abertura de parte do professor e uma responsabilidade
do investigador de dar a conhecer esses resultados e de ampliar a
sua área de conhecimento àquela que é do domínio do professor.
Por outro lado, o papel do professor não é apenas receptivo: a
sua contribuição não está limitada a adequar sua prática às desco-
bertas na área. Ele produz conhecimento na medida em que iden-
tifica e avalia resultados e efeitos não previstos. Por exemplo: se,
primeiro, te6ricos cognitivistas predizem que a importância de diver-
sos aspectos do texto é, essencialmente um derivado do esquema ou
estrutura de conhecimento que o leitor impõe ao texto (i.e., o esque-
ma conteria uma hierarquia de impcrtâncía dos elementos: no esque-
ma de festinha de aniversário, por exemplo, convidados, presentes,
bolos, seriam mais importantes do que ordem de chegada dos convi-
dados, enfeites, música); se, segundo, numa prática conseqüente com
essa predição o professor desenvolvesse atividades prévias à leitura
que orientassem o aluno à ativação das estruturas de conhecimento
relevantes (i.e., verificação de conhecimento prévio, orientação na
formulação de hipóteses de leitura, perguntas orientadoras); e se, ter-
ceiro, o aluno ainda tivesse dificuldades para inferir elementos do
texto que deveriam ser acessíveis dada essa ativação, o professor de-
veré ser sensível a esse efeito peculiar, senão para explicá-lo para
modificar a sua prática a partir de hip6teses baseadas no seu rnelhor
conhecimento de contexto (i.e., conhecimento do aluno, análise con-
textualizada de legibilidade do texto). Estas hípôteses, que incorporam
o contexto, s6 poderão enriquecer a investigação básica.
Para o enriquecimento ser mútuo deve haver uma estreita cola-
boração entre a universidade e o professor do ensino primário e
médio. No entanto, existe essa colaboração apenas entre o investiga-
dor e o professor no curso superior que, tendo melhor e maior opor-
tunidade de ação, muitas vezes se constitui em investigador.
Acreditamos que esse professor investigador está numa posição
ideal em relação à pesquisa básica. Se pensamos no desenvolvimento
34
da área de investigação da leitura, foi depois de uma longa história
de experiência com o objeto errado que se chegou ao consenso de
que o objeto de estudo deve ser o texto, não unidades menores. Tam-
bém foi demorado o consenso de que experiências de leitura de um
tipo de texto não são transferíveis a outros tipos. Precisou tempo,
também, a inclusão de aspectos outros que o léxico ou a complexi-
dade sintática nos estudos de legibilidade, e provavelmente será pre-
cisa a reduplicação de experiências e a análise qualitativa antes que
aspectos além daqueles relativos à estrutura do texto e à estrutura
cognitiva do sujeito sejam cogitados. Essas mudanças são conseqüên-
cias da investigação empírica, da análise e reanálise, e por isso acha-
mos que a coleta de dados é crucial ao desenvolvimento da área.
Devido à complexidade do fenômeno, a teorização que ocorre cedo
demais é empobrecedora. Mas o acúmulo aleatório de dados não é
interessante do ponto de vista de caracterização do fenômeno. 1! por
isso que o investigador que também age na prática é privilegiado: ele
pode incorporar na sua investigação aqueles parâmetros que se mani-
festam pela observação, no contexto, do fenômeno.
Há ainda uma outra dimensão de ação desse professor de lei-
tura no curso superior. Ele inova mediante propostas metodológicas
específicas para o ensino de leitura nesse nível. Na comparação com
os modelos examinados fica claro o desnível em grau de adequação
entre estes e a proposta metodológica, que opomos à prática ímedía-
tista, já que por definição o método é flexível, pode ser mudado
segundo as circunstâncias. A proposta metodológica surge de uma
percepção e avaliação da realidade, visando incorporar todos aqueles
aspectos relevantes para a modificação e mudança numa perspectiva
global. Por isso, a investigação básica deveria incorporar cada vez
mais as observações que surgem de uma boa prática, observações
que incluíram os efeitos da continuidade do processo, os efeitos que
surgem não de condicionamentos para fins empíricos mas da orien-
tação global da tarefa, os efeitos devidos ao conhecimento pelo
contexto.
Assim, a prática, pela formulação de propostas pedagógicas fle-
xíveis, conseqüentes não com um modelo específico de leitura, mas
com uma postura em relação ao processo, pode levar à descoberta
de fenômenos e efeitos específicos que podem gerar, numa revirada
do processo, investigação básica.
35
SOBRE O SUJEITO NA INTERAÇAO *
1. O PROBLEMA
.•. Este trabalho é uma versão revisada de "Sobre o sujeito e seu papel numa
proposta de leitura" publicado em Série Estudos 10, pp. 60-66, 1984.
37
(1982), por exemplo, consegue manter o papel do sujeito leitor no
complexo de relações autor-aluno leitor-professor.
Essa proposta, numa breve caracterização para referência ape-
nas, consiste na identificação dos problemas específicos do aluno na
leitura de textos dissertativos, como ponto de partida para uma pro-
posta de ensino daqueles aspectos formais do texto tido como uma
unidade pragmática, que, na intuição das autoras, intuição esta apoiada
na competência discursiva, seriam aspectos constitutivos desse tipo
de discurso. Os aspectos formais selecionados para o ensino são os
marcadores da estruturação e organização textual; os aspectos prag-
máticos são a modalidade e a polifonia.
2. INTERAÇÃO E INDETERMINAÇÃO
38
Embora nesta versão de leitura interativa (isto é, interação dos
níveis de processamento da escrita) o leitor seja apenas caracterizado
como sujeito cognitivo e o texto apenas como objeto formal, a relação
que se estabelece entre leitor e texto é importante porque ela deter-
mina maneiras de leitura diferentes, e porque tenta resolver o pro-
blema da indeterminação do texto do ponto de vista referencial, pro-
curando estabelecer um equilíbrio entre a informação que o leitor
deveria trazer e aquela que o texto deveria trazer. Nessa definição
tanto sujeito como texto delimitam o leque de possíveis leituras de
um texto: não há abertura total, porque hipóteses de leitura devem
ser verificadas mediante a depreensão de aspectos formais, nem há
apenas uma leitura porque cada sujeito impõe a sua estrutura de
conhecimento ao texto.
Mais rico é o conceito de interação que vem da pragmática,
retomado e ampliado por Orlandi (1981, 1983), Prat (1977), Tierney
e LaZanski (1980), para descrever o processo da leitura. Neste pro-
cesso são cruciais a relação do locutor com o interlocutor através do
texto e a determinação de ambos pelo contexto num processo que se
institui na leitura. Para Orlandi estas relações determinariam as "con-
dições de produção" da leitura e seria através delas que o texto
recupera seu caráter aberto. Numa perspectiva social o papel do inter-
locutor se esvazia toda vez que o leitor aceita o texto como objeto
acabado, toda vez que ele não exerce seu direito de interlocução,
privilegiando com isso o autor no processo. :e a partir daqui que
surge o paradoxo do "ensino" de leitura: como é possível que o
leitor recupere sua condição de interlocutor se é através do profes-
sor que se institui a interação, seja porque ele utiliza sua competên-
cia discursiva para selecionar aspectos formais relevantes (como na
proposta de Garcia et alii) seja porque ele utiliza o seu conjunto de
J
39"
a um objetivo específico. Nessa dimensão, a ação do professor não
pode ser diluída, e passa a ser constitutiva, portanto, da relação entre
autor eleitor, na qual, além dos interesses e capacidades específicas
do;' leitor jogam um papel importante os objetivos da leitura. Nessa
dimensão, também, o papel do professor pode ser não o de mediador
entre autor eleitor, mas o de fornecedor de condições para que se
estabeleça a interloculação. Do ponto de vista da relação autor-leitor,
esquece-se muitas vezes que as dificuldades que o aluno tem para
depreender o significado do texto são tão agudas que o papel do
locutor se esvazia: o leitor não consegue recuperar nem o quadro
referencial proposto pelo autor. Nessa dimensão também, o profes-
sor pode, pela sua ação no contexto, isto é, ensino de leitura, reesta-
belecer as condições para a interação.
As dificuldades que o aluno tem na leitura e sua passividade
frente ao texto não são, nesta perspectiva, problemas independentes.
A passividade não é conseqüência da ação do professor no contexto,
mas da inação, do ponto de vista de ensino de leitura, pois a passi-
vidade é produto da intervenção do professor como único interlo-
cutor. Ela decorre de práticas pedag6gicas que começam pela utili-
zação do texto para o ensino de normas gramaticais e do léxico, até
chegar à utilização do texto didático, texto escrito especialmente para
veicular informações ao escolar, como apoio visual do material apre-
sentado em sala de aula, e fornecedor de perguntas para o mesmo.
Basta considerar o seguinte exemplo (os exemplos a seguir foram
gravados por L6pes (1981), no qual o professor, ap6s indicar o
assunto da aula "nós vamos estudar hoje como surgiu o universo",
responde "g na página catorze" ao aluno que, conhecendo a função
do texto didático, imediatamente pergunta "Que página que é?".
Se o texto didático fosse apenas utilizado, para fornecer as per-
guntas de revisão, de estudo, para o aluno (verificamos nos dados
afirmações como "no texto vêm umas perguntinhas de revisão, quer
dizer vocês vão olhar as perguntas e procurar respostas no texto. };:
como se fosse questionário"), o aluno talvez não transferisse maneio
ras de manipulação desse tipo de texto a outros textos, a outras lei·
turas. Mas o professor também utiliza técnicas de leitura e explica
ção linear, técnicas estas que combinam certos procedimentos mecâ
nicos de leitura e decodificação com processos pr6prios da leitura
como inferência lexical: o professor solicita, por exemplo, o sinônimc
de "maciças", ap6s corrigir a leitura do aluno "Os átomos são par
40
tículas cheias e não podem ser divididas em outras menores ou ...
ou os átomos são partículas maciças e indivisíveis", aceitando ape-
nas, como sínônímo aquele que é inferível pelo contexto "cheias,
não ocas", rejeitando outros inadequados ao contexto. g a combina-
ção de práticas manipulativas com estratégias de leitura a que conduz
o aluno a adotar a manipulação, a identificação de informações para
retenção como um tipo de leitura, a leitura sinônimo de recepção
passiva de informação.
Aponta-se geralmente que uma conseqüência dessa passividade,
produto de um tipo de ação do professor no contexto, é a imposição
de uma leitura única, que privilegia ou o autor, ou o professor intér-
prete do autor, e que leva o aluno a aceitar sem questionar a palavra
escrita, em vez de conscientizá-lo de que é possível fazer leituras
múltiplas de um mesmo texto. Daí é fácil a falácia de a impossibili-
dade de se ensinar a leitura, e, conseqüentemente, da inadequação das
propostas de ensino de leitura de base analítico-formal, mediante a
identificação e seleção prévia de aspectos formais do texto. Tais pro-
postas pré-determinariam o caminho a ser percorrido pelo leitor. Na
proposta de Garcia et alii entretanto, a multiplicidade de leituras
deve ser contraposta à adequação da leitura a objetivos específicos.
Nesse sentido, e considerando as severas dificuldades do leitor, elas
propõem que o ensino de aspectos formais do texto possibilita mais
uma leitura, aquela que leva em conta "processos de decodificação
socialmente cristalizados". Na prática escolar típica, os problemas
específicos do aluno não são levados em conta, daí que a única lei-
tura possível seja a do professor mediador. Considere-se, como exem-
plo, a seguinte situação em que o professor solicita a explicação de
um trecho que o aluno acaba de ler:
Aluno (lendo): Todos os materiais de natureza são formados por
partículas infi... infinitamente pequenas de-no-mí
na-das 6tomos.
Proia.: Isso. Muito bem. Reinaldo, me explica o que o Ricardo falou.
Aluno: Que todas às coisas... as... as... os materiais da natu-
reza nê ...
Proja.: Todas as coisas da natureza eram formadas de ... ?
Aluno: São formadas de partículas ...
Proia.: De partículas ?
Aluno: Infinitamente ? (Lopes, op. cit.: 67)
41
o professor acaba explicando ele mesmo o significado do trecho.
Obviamente, é a incapacidade do aluno de estabelecer relações alter-
nativas que determina a univocidade na sítuação. Consideramos que
propostas que partem, para a seleção de conteúdos, do cotejo da
competência discursiva do professor com a do aluno, garantem na
medida do possível, que a leitura não se fará "por cima" do aluno,
prática esta que se determina que a única leitura seja a do professor
mediador.
42
A proposta em discussão focaliza tanto elementos formais de
estruturação do texto, quanto elementos pragmáticos relativos aos
conteúdos do texto. Dentre os primeiros, as autoras selecionam para
o ensino, além de aspectos ligados à estruturação semântica global
do texto, duas maneiras de articular a estruturação, isto é, constru-
ção de conexões légícas, e marcação das mesmas. Em relação aos
conteúdos, as autoras selecionam a modalidade de expressão dos con-
teúdos, e os focos da enunciação, a "polifonia" do texto.
Quanto ao diagnóstico relativo à capacidade do aluno de per-
ceber as maneiras de organizar e hierarquizar a informação, o estudo
de Kleiman (neste volume, p. 157) mostra que a aderência do escolar
a procedimentos de identificação de elementos explícitos no texto
didático como índices do processo de estruturação percorrido pelo
autor leva à incompreensão de elementos que fogem de estruturações
explicitamente marcadas a nível superficial, bem como leva a pro-
blemas de diferenciação entre ínformaçãc relevante e informação de
detalhe. Podemos dizer, então, que a' preocupação de Garcia et alii
em levar o aluno a perceber "a coerência global do texto", e a "cons-
truir para esse texto, uma macroestrutura semântica" com o objetivo
de permitir ao aluno uma leitura do texto que leve em consideração
a proposta do autor quanto à relevância dos elementos textuais por
ele selecionados, fundamenta-se no diagn6stico de um problema gene-
ralizado, já arraigado, que provavelmente remonta às primeiras inte-
rações do aluno com textos não narrativos. Note-se que a proposta é
aberta quanto às projeções práticas na sala de aula: ela pode levar
a uma prática autoritária, na qual o professor reproduz a estruturação
para o aluno, ou pode levar a uma prática que permite a que o
aluno reconstrua a estruturação: por exemplo, as hip6teses dos alunos
prévias à leitura do texto permitem a abstração posterior das rela-
ções estruturais desse texto.
São selecionadas também, na proposta, as maneiras de relacionar
os t6picos do texto. A incapacidade do aluno de reconstruir conexões
que não estejam garantidas pela temporalidade ou a causatividade,
como na narração, leva, segundo as autoras, a "tomar uma justifica-
tiva ou premissa como elemento central; à dificuldade de compreen-
der o objetivo do texto, por não perceber o encaixamento das estru-
turas 16gicas na argumentação concatenada; à dificuldade de avaliar
a consistência do texto, por não conseguir recuperar adequadamente
os seus pressupostos e realizar as inferências possíveis a partir do
43
raciocínio do autor". O problema central que se coloca aqui, decor-
rente- dessa falta de domínio nas articulações das relações légicas,
é &-- limitação dos processos inferenciais do leitor. A nível de obser-
vação do problema, a proposta é adequada. Note-se, novamente, que
não são apontadas práticas de ensino específicas, poderíamos pensar
numa situação em que é o professor: intérprete que determina quais
as possíveis inferências, mas é difícil manter essa imagem ao consi-
derar que uma vez que o aluno é capaz de entender, pelo menos do
ponto de vista da recriação, os princípios organizantes que garantem
a conexão do texto, ele já não precisa do professor para o processo
inferencial, de natureza intrinsicamente subjetiva.
Garcia et ali! propõem, como terceiro elemento formal, o ensi-
no do papel dos marcadores das conexões no texto, porque "a difi-
culdade que o aluno tem de perceber no texto as relações básicas
entre sentenças e seqüências textuais, assim como a função coesiva
dos operadores, leva, na leitura, à não percepção de articuladores
microsintáticos do texto". Do ponto de vista de diagn6stico do pro-
blema, achamos que a proposta é, novamente, adequada. A estratégia
de leitura linear que os escolares adotam na leitura impede, ou atrasa,
o desenvolvimento de estratégias que funcionem a nível do contexto
não imediato na depreensão de sentido. De fato, é provável que o
problema remonte às práticas escolares que privilegiam essa leitura
linear, práticas que veiculam a concepção de texto como seqüência
de sentenças independentes cuja significação pode ser determinada
dentro dos limites sentenciais. No exemplo a seguir, (Lopes, op. cit.) ,
uma relação coesiva elementar de tipo anaf6rico não pode ser recons-
truída pelo aluno, devido à estratégia de leitura linear favorecida.
Ap6s a leitura do trecho "Os cientistas já deram várias explicações
os fil6sofos imaginaram outras, os livros religiosos apresentam uma
versão", o professor pergunta "Que significa isso: os fil6sofos imagi-
naram outras?" e o aluno responde Ah, eu num sei", evidenciando-
11
44
Os três aspectos delineados acima, selecionados para o ensino,
restituem, no momento da leitura, a voz do autor na interação. Trata-
se de propostas que permitiriam ao aluno uma leitura que leva em
consideração o caminho percorrido pelo autor para analizar a rele-
vância dos conteúdos selecionados, e para delimitar projeções infe-
renciais a partir do quadro referencial. O ensino dos outros dois ele-
mentos selecionados pelas autoras alertará o aluno sobre os diversos
recursos que podem ser utilizados pelo autor para direcionar o leitor
a percorrer o seu caminho e não outro. Nesse sentido elas podem
ser consideradas como tentativas de reestabelecer o equilíbrio no pro-
cesso: o texto enquanto objeto formal tem uma realidade formal que
deve ser não somente percebida mas também avaliada.
A preocupação de Garcia et alii com a modalidade e a polifonia
deve ser remontada a uma preocupação de caracterizar o texto como
uma unidade pragmática: "a partir, então, de uma abordagem pragmá-
tica do ato de ler e do ato de escrever como atos comunicativos, pro-
curou-se considerar o texto como uma totalidade (a ser produzida ou
compreendida) e procurou-se determinar, do ponto de vista da realiza-
ção desses atos comunicativos, os aspectos lingüísticos fundamentais
capazes de garantir a adequação da compreensão e da produção es-
crita de textos dissertativos". As autoras põem em relevo a incapa-
cidade do aluno de perceber a função dos modalizadores, o que leva,
na leitura, "a uma espécie de redução referencial do texto". Isto é,
nessa leitura consideram-se apenas as proposições que expressam os
conteúdos informacionais, sem levar em conta "elementos que per-
mitem ao locutor expressar modos de representação e avaliação diver-
sos quanto ao conteúdo semântico de seus enunciados". Também pri-
vilegia-se nessa leitura o ponto de vista do autor, sendo que quando
ele remete um enunciado a outro, o aluno é incapaz de perceber o
novo foco enunciativo.
A proposta de ensino se fundamenta na observação acurada de
um problema geral na área de domínio da escrita, onde nos depara-
mos com o fato de que sujeitos que são perfeitamente capazes de
entender uma mensagem paralela quando o visual complementa, con-
trasta ou desmente a mensagem percebida pelos meios auditivos, são
incapazes de perceber, não têm acesso, a uma segunda mensagem
quando apenas o meio visual é utilizado. A proposta de ensino vai
na direção de habilitar o aluno para apreender e avaliar essa segunda
mensagem, a posição do autor com respeito ao conteúdo referencial.
45
A proposta não especifica a prática de ensino; podemos pensar
em práticas que incorporem até considerações do contexto mais lato
em que o autor e seu texto funcionam, e como elas se manifestam
no texto.
As únicas especificações quanto à prática de ensino que as auto-
ras fazem dizem respeito à seqüência na abordagem dos cinco ele-
mentos, e à gradação de textos. As autoras indicam que os três pri-
meiros aspectos discutidos são apresentados num primeiro momento,
sendo que os dois últimos ficam para um trabalho posterior. Não
fica claro, na proposta, se para cada texto selecionado essa seqüência
é adotada, ou se os textos são selecionados visando trabalhar apenas
em alguns, os três aspectos formais, nos outros, os cinco aspectos. Esta
última prática, questionável já que muda a natureza da atividade de
leitura, poderia ser entendida como atividade preparatória à leitura,
para sujeitos que têm uma longa história de dificuldades com a escri-
ta. Ainda se limitadas desta maneira, as atividades propostas visam
a criação de condições para uma leitura, aquela que recupera o qua-
dro referencial construído pelo autor, que, se não pode ser caracte-
rizada como interação entre autor e leitor, é um passo nessa direção.
Parece-me que a pertinência do ensino dos elementos selecionados
pelas autoras para restituir ao aluno o seu caráter de interlocutor não
está em questão. O que é geralmente suspeito neste tipo de enfoque,
muitas vezes implícito nas críticas ao ensino de leitura, é o papel do
sujeito na aula de leitura, papel que, como mostramos, não precisa
ser pré-determinado nas propostas de ensino de leitura. Julga-se que
o aluno que é capaz de perceber e avaliar o texto do ponto de vista
formal é capaz de interagir com o autor do texto; suspeita-se que o
aluno é mais uma vez manipulador, mais sofisticado talvez, mas não
ainda leitor. Parece-me que tal pressuposto concebe o aluno como sujei-
to irremediavelmente destinado à qualidade de receptor passivo, esque-
cendo-se o fato de que o sujeito estar, em toda atividade, em busca de
princípios que lhe permitam organizar e avaliar a experiência. Daí que
consideremos importantes os enfoques metodológicos que procuram
habilitar o aluno, criar condições para que ele recupere sua condição
de sujeito avaliador, enfoques que embora privilegiem o locutor pela
análise do texto em que eles se fundamentam, fazem concomitantemen-
te uma análise do sujeito, de suas capacidades de leitura específicas
para lhe permitir fazer, dentre as muitas, mais uma leitura, privile-
giando mediante essa análise, o sujeito leitor.
46
Parte II
Pesquisa
PESQUISANDO A LEITURA '"
Comprensidn es ejercicio espiritual.
(Octavio Paz, Corriente Alterna)
49
cionar; a criança apresenta falhas em relação a uma capacidade qual-
quer; o desempenho da criança é deficitário quando comparado ao
do adulto ou de outras crianças em outros níveis de desenvolvimento.
Considerando apenas a incrível capacidade de aprendizagem e o nível
de desenvolvimento atingido pela criança nos seus primeiros anos de
vida, essa hipótese torna-se, no mínimo, questionável. A idéia de
que uma criança, que atingiu o desenvolvimento intelectual, tanto
prático como abstrato, que lhe permite, entre outras conquistas, a
aquisição da escrita, seja incapaz de desenvolver as tarefas relativa-
mente mais simples que estamos discutindo, fica, nesse contexto com-
parativo, suspeita e difícil de ser aceita.
Por outro lado, ainda aceitando os pressupostos da hipótese de-
senvolvímental, os dados colhidos no momento de testagem, que mos-
tram o que a criança é capaz de fazer nesse momento, são relevantes
apenas para determinar onde o ensino deve começar. Do ponto de
vista aplicado, o que realmente interessa é o que a criança é capaz
de aprender .• a partir desse momento, isto é, o desenvolvimento poten-
cial da criança a partir do qual possa se programar um ensino ade-
quado que a levará, com a orientação do adulto, a resolver o pro-
blema solicitado na tarefa (vide Vigotsky, 1978).
Essa hipótese é, portanto, também limitadora se pensarmos em
uma ação de ensino baseada numa concepção de aprendizagem
orientada para níveis de desenvolvimento ainda não atingidos, pois
sendo uma hipótese estática, ela retrata um momento circunstancial
e não prevê um momento posterior, que pode ser atingido pela ação
do adulto ao criar condições para o aprendizado .
Adotando a tese de Vigotsky, o nível de interesse para o ensino
é o nível de desenvolvimento potencial do aluno, aquele determinado
pelas tarefas que a criança pode fazer sob a orientação de um adulto.
Em dois dos trabalhos incluídos nesta seção questionamos trabalhos
apoiados em hipóteses de cunho desenvolvimental que retratam o mo-
mento de desenvolvimento do aluno, e não sua capacidade potencial,
e medem esse desenvolvimento real em relação a um adulto ou aluno
avançado. A comprovação da incapacidade do aluno para realizar
diversas tarefas consideradas constitutivas da leitura, como perceber
a estrutura do texto, ou perceber a intenção do autor (desde que lín-
güisticamente materializada), é preocupante, pois a grande maioria de
nossos alunos não chega aos níveis de escolarização, momento em que
30
a utilização de tais estratégias se dá naturalmente, de maneira espon-
tânea e. até em condições adversas.
e desmotivadora a idéia de que a grande maioria de nossos alu-
nos, que não chegará à universidade, estaria condenada a sair da
escola sem ter desenvolvido as habilidades necessárias para compreen-
der um texto de modo a expressar o mais importante dele num resu-
mo ou a perceber a atitude do autor. Se se crê que essas habilidades
são adquiridas tão tardiamente no processo escolar, essa crença é
apenas um passo para o abandono do exercício das estratégias que
desenvolveriam essas capacidades e habilidades.
Perguntamo-nos, então, se testagens que fornecessem pistas, que
mostrassem uma maneira de abordar o problema, que pré-dirigissem
o aluno para uma solução apenas, não forneceriam outros resultados,
mostrando que a criança, sob orientação adequada para a resolução
de um problema, o resolveria utilizando estratégias semelhantes às do
adulto proficiente. Essa hipótese foi comprovada. Em "Fatores deter-
minantes na elaboração de resumos: maturação ou condições da tare-
fa?" tanto a capacidade para perceber a estrutura do texto quanto
a capacidade para utilizar regras de redução semântica são comprova-
das em crianças em faixas etárias muito anteriores àquelas atestadas
na literatura, justamente em condições de testagem que forçavam o
aluno levar em conta a estrutura hierárquica do texto e exigiam o uso
de regras de redução da informação. Em "Percepção da função dis-
cursiva do léxico", a incapacidade generalizada do aluno de per-
ceber que os itens lexicais são a materialização lingüística de signi-
ficado e intenção é desmentida em relação à percepção da atitude
proposicional do autor, em uma testagem que obriga o aluno a per-
ceber as diferenças lexicais entre dois textos e as conseqüências dessas
diferenças para o significado global.
Os outros três textos incluídos nesta seção lidam com um outro
aspecto da questão da suposta incapacidade da criança de resolver
tarefas de leitura utilizando estratégias de leitura proficientes. Bar-
tlett (1932), em seus estudos sobre mem6ria, apontou para o fato de
que as operações cognitivas inferiores (como a memorização) são
apenas a repetição de mecanismos e reações que englobam uma ati-
tude do indivíduo para com o meio ambiente, quando ele os sente
adequados e satisfat6rios. Muitas das reações do sujeito à tarefa são
aquelas que a tornam mais simples, mais fácil. Então, se o que solí-
51
citamos ao aluno pode ser resolvido satisfatoriamente mediante auto-
matismos, porque o aluno iria, no caso em questão, utilizar estraté-
gias que tornam a tarefa de ler mais complexa, que requerem opera-
ções cognitivas superiores, como a síntese e a inferência?
Perguntamo-nos, então, até que ponto a escola ensina o aluno a
resolver mecanicamente, através de operações associativas das mais
elementares, tarefas de leitura que, em princípio, requerem o enga-
jamento de processos cognitivos de ordem superior. Achamos, nos três
trabalhos que aqui incluímos, que a tendência natural do aluno para
resolver as tarefas fazendo apelo ao sentido (tal qual ele resolve os
problemas do mundo fora da escola) vê-se frustrada pela ausência
das estratégias "rnetacognitivas" na leitura, que permitem e guiam o
raciocínio, a inferência, a procura de sentido.
E possível inferir, portanto, a ausência do modelo que o próprio
professor deveria estar fornecendo na aula para que o aluno passe,
após um primeiro estágio imitativo das estratégias do adulto, a se
apropriar delas (cf. Vigotsky, op. cit.). Nos artigos fica claro que os
alunos, nos diversos níveis de desenvolvimento e escolarização, estão
à procura de sentido e significação no texto, mas as estratégias por
eles- utilizadas não são senão automatismos fora do seu controle cons-
ciente. Em "Extraindo informações do texto. Algumas considerações
sobre marcação formal do tema e legibilidade" mostramos que o
aluno é sensível à estruturação sintática como marcador da saliência
temática, mas ele consegue perceber apenas estruturas de contraste
(sintático e lexícal) que já são completamente automáticas a nível de
processamento lingüístico, sem conseguir perceber estruturas cuja
apreensão depende de uma análise de aspectos discursivos, da intera-
ção via texto escrito. Em "Estratégias de abordagem textual, ou pro-
cura-se estrutura, coesão e coerência" percebe-se que, face a uma
tarefa tipo c1oze, que requer que o aluno devolva a textualídade a
um trecho com elementos apagados, o aluno tenta restabelecer a
coesão e a coerência através de estratégias de reestruturação da uni-
dade frasal, inadequadas para a reestruturação textual, mas obvia-
mente as ünícas focalizadas no contexto escolar que utiliza o texto
predominante, ou exclusivamente, para análise sintática e lexical. Fi-
nalmente, no único artigo sobre leitura em língua estrangeira que
incluimos, "Estratégias de inferência lexical na leitura da segunda
língua" mostramos como o aluno universitário neste caso, mostra-se
incapaz de trazer ao nível metaprocedimental as estratégias de infe-
'2
rência lexícal que ele utiliza na leitura. Esses dois últimos artigos,
sobre inferência lexical sem a orientação de um adulto para tornar a
estratégia consciente, sob o controle do aluno, fornecem um contra-
ponto iluminador para o trabalho que examina as estratégias, tam-
bém inferenciais em relação ao léxico, para perceber atitude proposi-
cíonal, tarefa mais difícil mas comprovadamente exeqüível para os
alunos sob a orientação de um adulto.
Uma questão que sempre é levantada em relação à pesquisa ex-
perimental é a questão sobre a legitimidade da tarefa experimental,
isto é, até que ponto as tarefas propostas pelo investigador recuperam
as relações que' se estabelecem entre o sujeito e seu meio na ativi-
dade natural; até que ponto a tarefa proposta investiga a compreen-
são do texto e não um outro aspecto. Há duas facetas dessa questão,
uma relativa ao contexto de testagem, uma outra relativa ao instru-
mento ou tarefa específica solicitada. Em relação ao contexto, con-
sideramos que, na medida em que os experimentos são desenvolvidos
em sala de aula, na maioria das vezes com a supervisão do professor
da classe no contexto escolar, eles reproduzem condições de testagem
familiares ao aluno, conferindo legitimidade aos mesmos uma vez
que é também numa situação de testagem que a criança deve com-
provar a um adulto que ela entendeu um texto. Não é uma atividade
natural, se comparada à leitura extensiva que o aluno faz fora do
contexto escolar, mas é uma atividade natural neste contexto, que
requer verificação do grau de compreensão atingido pelo aluno.
Já em relação ao instrumento há maiores diferenças com a tarefa
característica do contexto escolar, uma vez que o método mais comu-
mente usado pelo professor para verificar se houve compreensão é a
formulação de perguntas sobre o texto, especialmente sobre Informa-
ções explícitas no mesmo. Neste aspecto, optamos pela naturalidade
que provém do fato de uma tarefa ser constitutiva ou não do pro-
cesso de compreensão. Assim, teremos um gradiente de legitimidade
no qual aquelas tarefas que são constitutivas do processo, como fazer
uma paráfrase ou um resumo do texto ocupam o ponto alto, enquanto
que tarefas que mais se aproximam daquelas exigidas no contexto da
escola ocupam o ponto mais baixo. As tarefas que consideramos mais
legítimas, porque sem elas não se pode dizer com nenhuma certeza
que houve compreensão, podem ser intrinsicamente mais complexas
do que a leitura, já que requerem planejamento inerente à produção
de texto escrito. Mas essa desvantagem assume uma dimensão menor
53
quando consideramos que, em última instância, quando o aluno re-
conta ou resume o texto podemos dizer que ele o compreendeu.
Em relação às perguntas sobre o texto, formular perguntas é
também constitutivo da leitura uma vez que elas são próprias das
estratégias de monitoração da compreensão e de estabelecimento de
objetivos, estratégias estas necessárias à compreensão e, portanto, ne-
cessariamente utilizadas pelo leitor proficiente. Contudo, a interven-
ção do investigador orienta a atenção do aluno para um tipo de infor-
mação; em se tratando de perguntas sobre informações mais altas
na hierarquia de conteúdo, isto é, sobre idéias principais, essa inter-
venção é menos comprometedora da legitimidade da tarefa pois aí
ela se aproxima mais das atividades próprias da leitura como meio
de aquisição de conhecimento natural, no contexto escolar.
O mesmo é válido para a tarefa de sublinhar informações im-
portantes, uma tarefa que, na testagem, é pré-direcionada pelo adulto,
mas que é espontânea no leitor proficiente na leitura com o objetivo
de estudo e aprendizagem.
No caso da coleta de dados através da técnica cloze, a tarefa é
a mais distante da leitura, e a mais próxima daquelas de fato utiliza-
das em sala de aula, tarefas estas que muitas vezes reduzem o texto
a uma coleção de sentenças nas quais devem ser identificados sujei-
tos e predicados, antônimos e sínônímos, encontros vocálicos e en-
contros consonantais e outras peculiaridades do programa de ensino
de língua portuguesa. Observa-se nessa testagem que a maioria das
crianças é incapaz de perceber a unidade textual, constituindo este
fato uma das conseqüências mais sérias das abordagens atomicistas
para o ensino de leitura.
54
ESTRATÊGIAS DE ABORDAGEM TEXTUAL
(ou procura-se estrutura, coesão e coerência) *
1. INTRODUÇÃO
55
Justapõem-se a modelos associativos de alfabetização práticas de-
correntes da incorporação, no currículo, de programas que deveriam
objetivar a reflexão sobre a própria língua mas que, de fato, limitam-
se ao treinamento de técnicas de agrupamento e identificação dos
constituintes da sentença, desrespeitando as estratégias sofisticadas
que a criança já utiliza no reconhecimento e processamento das uni-
dades significativas do discurso oral. Visando a esse treinamento estru-
tural, o texto que geralmente encabeça as unidades didáticas dos livros
de comunicação e expressão é transformado num pretexto para "mo-
tivar" a aula de gramática: tipicamente tanto itens lexicais como
sentenças que nele aparecem servem de ponto de partida para o
ensino de regras de ortografia, classes de palavras, partes da oração.
Se o aluno é capaz de decodificar o texto escrito, se ele é capaz
de utilizar a informação sintática do texto na leitura, e se, ademais,
ele já completou a aquisição da língua materna, as dificuldades que
ele revela na compreensão do texto escrito são decorrentes de estra-
tégias inadequadas de leitura. A prática mencionada, a utilização do
texto como pretexto da aula de gramática, certamente contribui para
à formação de estratégias de leitura inadequadas, pela ênfase que
coloca nos aspectos seqüenciais e distribucionais dos elementos lin-
güísticos do texto, justamente aqueles elementos que não são consti-
tutivos do texto enquanto unidade de significação. Entretanto, encon-
tramos que até articuladores e modalizadores são analisados local-
mente, no nível da sentença. Abundam nos textos escolares os exer-
cícios que solicitam ao aluno manipulações (í.e., "Modifique, como
no exemplo: 'Terminando a carta escrevi outra ~ Quando terminei
a carta, escrevi outra' ") que em nenhum momento mostram ao aluno
que a significação do texto depende da função dos diversos elemen-
tos lingüísticos no texto, não na sentença.
Ainda quando a- atenção do aluno é dirigida ao texto propria-
mente dito, não apenas a estruturas nele contidas, este é tratado como
um mero repositório de informações. Essa concepção pode ser cons-
tatada pela abundância de perguntas que servem de estímulo para a
extração ou evocação de informações explícitas que seguem o texto
no livro didático: explica-se então porque, para a criança, ler passa
a significar" achar a informação" e "decorar a informação", em vez
de reconstruir a informação mediante a utilização do conhecimento
prévio, ou reestruturar o conhecimento prévio graças à nova infor-
36
mação, num processo de influências mútuas entre leitor e autor, prõ-
prio e característico da atividade de ler.
g justamente através de informações que não estio explícitas,
que o aluno pode compreender o texto; compreendendo o implícito
ele passa a compreender melhor o explícito. Consideremos, por exem-
plo, a seguinte fábula, extraída de um livro didático em U80 na quarta
série. Na fábula, um galo sobe em uma árvore ao ver a raposa se
aproximando. O diálogo:
57
mais geral e abstrato até o mais específico; estes permitiriam, na
leitura, impor uma estrutura ao texto mediante uma série de infe-
rências complexas, pois um pressuposto básico desses enfoques é que
o texto em si não carrega significado. Ele apenas aponta caminhos
para a construção do significado pelo leitor a partir de seu próprio
conhecimento. Os esquemas seriam cruciais para a construção, ou re-
construção do significado do texto, pois eles são estruturas de conhe-
cimento genéricas cujas varíãveís específicas podem ser preenchidas
com elementos do texto, ao mesmo tempo que podem servir como
constantes para a inferência de elementos não explicitados pelo autor.
Segundo Tannen (1979), por exemplo, o leitor utiliza o esque-
ma para duas funções: inferir os elementos que estão faltando na
estrutura, e conectar eventos primários dessa estrutura com outros
eventos a fim de alcançar uma reorganização num nível superior, isto
é, mais abstrato e mais geral. Seriam essas as funções que permitem
a referência a "0 poleiro", como se esse objeto tivesse sido mencio-
nado: foi introduzido implicitamente uma vez que os esquemas "galo"
e "árvore" foram introduzidos pelas referências explícitas 1.
O modelo associativo que subjaz as práticas da aula de leitura
não condiz com uma concepção construtiva, de base inferencial, da
leitura. O conhecimento prévio da criança, tanto lingüístico como
extralíngüístíco, não recebe demandas cuja natureza permita o desen-
volvimento de outros processos cognitivos, como o inferencial. E isto,
apesar de a função primordial da escola ser a promoção de situações
de aprendizagem que permitam o desenvolvimento de processos cog-
nitivos ainda não totalmente desenvolvidos na criança. Vigotzky
(1978) caracteriza aptamente a diferença entre nível maturacional e
desenvolvimento potencial da criança ao postular a 11 zona de desen-
volvimento proxímal", partindo para essa caracterização do fato, am-
plamente observado, de que crianças com uma mesma idade matu-
racional (medida experimentalmente pelo tipo de tarefa que a criança
consegue resolver por si mesma) variam enormemente nas soluções
58
que dão a tarefas quando orientadas por um adulto. A zona de de-
senvolyimento proximal ("zone of proximal development") devolve
ao ensino a figura fulcral do adulto enquanto modelo de estratégias;
o ensino de leitura na nossa escola reduz essa figura ao nível mais
elementar de treinador de respostas.
Neste trabalho examinaremos as estratégias de abordagem ao
texto que a criança utiliza numa tarefa que faz muitas demandas à
capacidade inferencial e quase nenhuma à capacidade de retenção.
Partimos da hipótese que as práticas escolares mais comumente ado-
tadas não permitem o desenvolvimento de habilidades outras que as
que a criança adquiriu ou na situação comunicativa ou durante o
período de alfabetização, cujo índice de sucesso é bastante elevado
se o limitarmos ao domínio da decodificação. Nesta hipótese, os alu-
nos testados enfrentariam a tarefa inferencial a eles solicitada fazendo
apelo, por um lado, a seu conhecimento sobre a estrutura da frase
e da sentença, e, por outro, ao esquema escolar de texto como enca-
deiamento de sentenças e repositório de informações, na incapacidade
de inferir a elementos próprios da unidade discursiva isto é, de infe-
rir elementos que funcionem a nível temático global.
2. DADOS METODOLÓGICOS
A tarefa solicitada às crianças consistia em dois testes cloze
modificados. O teste cloze exibe alta correlação com testes de leitura
tradicionais (i.e., respostas a perguntas baseadas no texto), fazendo
demandas à capacidade inferencial da criança mas não à retenção, e
proporcionando uma medida da 11 gramática de expectativas" do sujei-
to (" gramar of expectancy", Streiff, (1978». O teste consiste na infe-
rência de palavras aleatoriamente apagadas a intervalos fixos.
Os textos utilizados, extraídos de um livro didático para sexta
série tipificam o material que a criança lê no contexto escolar. Para
a resolução da tarefa, procuramos atenuar o desempenho automático
em favor da reflexão instruindo os alunos a preencher os espaços
apenas com palavras que fizessem sentido no texto.
Os testes foram aplicados sucessivamente. Dado o nosso inte-
resse em verificar se o apagamento de diversos elementos causaria
ordens de dificuldade diferentes, no primeiro texto foram apagadas
palavras membros de categorias lexicais maiores, isto é, nomes, adje-
tivos e verbos; no segundo foram apagadas palavras invariáveis de
59
classe fechada: preposições, pronomes, conectivos, artigos e verbos
auxiliares.
•
Os textos foram ligeiramente modificados afim de unífor-
mizar o número de palavras entre cada apagamento.
Ambos os textos descreviam procedimentos usados na televisão:
para a montagem de uma novela, no caso do texto com apagamento
de léxico (TL) e para a montagem de uma entrevista, no caso do
texto com apagamento de vocábulos de relação (TR). Cada texto
continha 32 apagamentos.
Os testes foram corrigidos independentemente por duas pessoas,
e foram aceitas todas as respostas que obedecessem as instruções de
preencher com apenas uma palavra que fizesse sentido no texto.
60
1. (531-11-8)2 O produtor faz a seleção de perguntas que deve-
rão realizar feitas ao entrevistado (ser)
2. (56-8-10) que tenha realizado alguma coisa extraordinária
ou então conheça um assunto para curioso que
desperte muita atenção (muito)
3. (58-7-12) e comum ter produtor descobrir essa pessoa (o)
4. (52-4-4) para que ele fique à vontade e fale apresente sem
muita inibição (se)
2 .2. As respostas mostram que a criança presta atenção as limi-
tações distribucionais no nível da frase. As respostas podem consistir
em simples preenchimento, ou em preenchimentos múltiplos, ou ainda,
tomar a forma de manipulações do texto original, sem necessariamen-
te conseguir uma sentença aceitãvel: Exemplos:
(a) Preenchimento simples
5. (542-13-18) O produtor desses programas faz esquema da TV
é muito importante, pois (no)
(b) Preenchimentos múltiplos
6. (522-10-9) descobrir uma pessoa interessante que o deixa rea-
lizado uma coisa (tenha)
7. (525-10-8) pois é ele quem procura os personagens, prepara
todas as coisas (e)
(e) Pontuação
8. (626-11-11) Durante todo o programa o produtor acompanha,
tenta desenrolar do mesmo dos bastidores (o)
(d) Tempo verbal
9. (619-9-13) pois é ele quem procura saber prepara r todas as
coisas (e)
61
2 . 3. As respostas mostram uma percepção das limitações im-
postes pelo contexto lingüístico, à nível do parágrafo ou mesmo, do
texto, sem que o aluno consiga produzir um preenchimento adequado.
Este seria o caso das respostas em branco. Se consideramos as res-
postas dos alunos no 25 % inferior, apenas três deles conseguem
baixos resultados devido a não preenchimentos. No quartil superior,
por outro lado, quatorze crianças deixam de preencher certos item,
de alto grau de incerteza. Por exemplo, a metade dos não preenchi-
mentos ocorrem na seqüência
62
que a classe de palavra do texto original nem sempre corresponde
à que o aluno coloca na sua resposta; mudanças desse tipo foram
muito mais freqüentes no TR (880, ou 30,4%) que no TL (118, ou
4,0°10). Exemplos:
Prep ~ Adj
12. (653-15-15) :e comum o produtor descobrir essa pessoa reali-
zada de pesquisas ou de outros meios de comuni-
cação: tatravés)
coni. -+ Nome
14. (566-17-16) Há casos em que o entrevistado recebe um ca- 11
3. ESTRATaOIAS
J . 1. Estratégias microestruturais
63
3.1 . 1. A superímposíção da canonicidade (ou a procura de
estrutura)
importante).
64
(ii) Seqüências com objeto apagado, relativizado ou nominalizado
.são interpretadas sem considerar a possibilidade do original,
como "pois é ele quem procura (e) prepara todas as coisas que
as câmaras ... " em que 42 crianças (44,2%) colocaram algum
nome (por ex.: 1# nottcias" , "pessoas ", "novidades" , "detalhes" )"
11todas as coisas que as câmaras vão mostrar (durante) a entre-
vista" que 9,40/0 preencheram com N (por ex.: "imagens", "0
trabalho", "o entrevistado"),' o produtor acompanha (o) desen-
11
65
19. (653-15-15) enquanto o iluminador colaborador da luz,
(iv) respostas em, que inequivocamente houve uma interpretação
de "da" como forma finita de "dar" (3,8%):
Exemplos:
20. (511-7-8) enquanto o iluminador que da luz,
21 . (517-8-9) enquanto o iluminador não da luz,
66
li antes", "que", "qual", "cujo"). Dispersão semelhante se dá apenas
num caso no TL. Não se pode aduzir que a maior incerteza é decor-
rente da posição na frase dos elementos apagados, já que o fenômeno
se estende a elementos intrafrasais, nem podemos atribuir a diferença
à maior redundância distribucional do TL: embora haja menos mu-
danças de classes de palavras nos contextos [-]N, N[-]N, e
N[-]V-do no TR, ainda neles encontramos preenchimentos múlti-
plos e mudança de classe. Exemplos:
29. (551·14·17) g comum que produtor possa descobrir essa
pessoa (o)
30. (575·18·16) meios de comunicação; jornais, rádio e revista,
televisão (mesmo)
31. (511-7-8) o produtor entrega a ficha e faz as perguntas ao
apresentador (com)
32. (54-5-9) O trabalho inicial começa com o produtor é tentar
(do)
33. (516-8-11) ou que trabalha realizado alguma coisa extraor-
dinária (tenha)
Uma questão que surge a partir do exame das respostas é o por-
quê da obtenção de diversos padrões de respostas nas duas tarefas,
i.e., por quê não há também preenchimentos múltiplos e modifica-
ções do texto original no TL?
Tomando em consideração os dois itens do TL que provocaram,
ou preenchimentos múltiplos, ou grande dispersão quanto à categoria
lexical a ser preenchida, ou, ainda, tentativas de modificar o texto
para que este se adequasse à resposta, percebemos que essas res-
postas ocorrem ou na incerteza, pela falta de redundância, ou pouca
informação do texto, ou quando a expectativa do aluno com respeito
ao que, na sua opinião, deveria ir no espaço não se adequa às res-
trições impostas pelo contexto. Obviamente, a maioria dos itens do
TL é redundante, informativa, e compatível com as expectativas do
aluno: já identificamos uma expectativa partilhada por eles, que as
sentenças do texto devem exibir a ordem canônica.
Um outro elemento de apoio para a inferência pareceria ser o
sistema de relações estruturais e coesivas estabelecidas mediante o
uso de artigos, conjunções e pronomes e preposições. Há, entretanto
algumas diferenças entre as tarefas, TR e TL quanto ao sistema de
67
relações coesivas. Na tarefa TR a informação que provém da ordem
e da flexão é mantida, mas aquela que provém do conjunto de ele-
mentos de ligação interfrasais, bem como inter- e intrasentenciais
deve ser reconstruída, não apenas reconhecida e utilizada como na
tarefa TL.
Pareceria que esse sistema de relações, no discurso escrito, está
ainda num nível intermediário entre reconhecimento e produção: a
criança é capaz de reconhecer as funções desse sistema quando esta-
belecidas pelo escritor e quando apoiadas pela informação proveniente
de outros índices, mas é incapaz de estabelecer, mediante a recons-
trução interna, uma rede de relações cujas funções não só são deter-
minadas por elementos não contíguos no texto; mas cuja reconstru-
ção, em alguns casos (í.e., as expressas pelos conectivos) precisa da
reelaboração de uma dimensão intersubjetiva na medida em que eles
marcam a estruturação que o autor pretendeu. Na incapacidade de
reconstruir esse sistema, e, dada a insistência em "interpretar qual-
quer passagem como texto se houver mais remota possibilidade de
assim fazê-lo" (Halliday e Hasan, 1976: 23-24), o aluno resolve a
tarefa mediante a superposição, por assim dizer, de um novo texto.
68
título e do primeiro parágrafo, que, como em todo cloze, não é medi-
ficado. Estas mesmas crianças evidenciam outros comportamentos em
•
comum:
(i) O número absoluto de itens lexícals utilizados é maior; na média,
29,8 palavras, comparado com uma média de 22,3 das crianças
do quartil inferior.
(ii) Alto grau de coincidência nos itens selecionados para os preen-
chimentos, apesar de estas crianças do grupo superior terem um
leque lexical maior. Por exemplo, a primeira seqüência do teste
"Ela nasce da imaginação do. . . . . . . . ." é preenchida ou com
11autor" ou com 11 escritor" por elas, enquanto que o grupo infe-
· preenc h e com " autor, "14 escritor,
flor • " "dilretor, "" pro d utor " ,
" cna. dor," " artista",
. ""h ornem,"" escnvao
. - " e at é " programa " e
"colégio". Essa coincidência se manifesta, com uma variação de
até quatro palavras, em 23 instâncias.
(iii) Essas crianças, na incerteza, optam pela resposta em branco ao
contrário das crianças dos grupos médio e inferior, que não hesí-
tam em preencher com itens inapropriados do ponto de vista do
desenvolvimento temático - da coerência no desenvolvimento
do tema.
Exemplos:
34. (371-18-21) marcas de giz no quadro negro (chão)
35. (520-9-18) o engenheiro de obras opera os microfones (som)
36. (514-8-14) para que possam decorar as lições (falas)
37. (525-11-8) o iluminador enxerga da luz (cuida)
38. (58-7-12) são distribuídos aos vários paises que colaboram
na novela (setores)
Outras crianças (68 %) parecem tomar consciência do tópico discur-
sivo a partir do terceiro parágrafo, que começa "Os atores convi-
dados a .. " depois do aparecimento dos itens li departamento musi-
cal" "departamento de cenografia". Consideremos apenas um exem-
I
69
Parágrafo segundo: slo distribuídos aos vários jornaleiros que cola-
boraram na novela: Educação artística, departa-
mento de cenografia, que fazem os cenários, e
departamento musical que fazem as músicas.
Parágrafo terceiro: Os atores convidados a televisão, recebem dias
antes da apresentação .
Porém o tópico discursivo parece ser, em muitos casos nesse grupo
(55,5%) bem mais vago: "qualquer assunto que tenha a ver com
atores e público", e usam, indiscriminadamente, "filme ", peça tea- 11
70
44. (618-9-4) · .. que escreve um texto filmado. . . .. Os atores
convidados a filmagem, recebem, dias antes da fil-
magem. . . .. São realizados muitos ensaios antes
da filmagem. . . .. O 11 camera man" filma a ima-
gem que
45. (59-7-7) · .. que depois é programado. . .. muitos ensaios
antes da programação.. . .. programa a imagem
· ... iluminador programa da luz
46 . (51 7-11-8) . . . os vinte primeiros escolhidos mimeografados. . .
que escolhe os cenários que escolhe as mú-
sicas podem escolher as personagens.
Nestes testes abundam também os adjetivos sincategoremáticos e
de expressões que adquirem sua especificidade no contexto (' con-
textuais") :
47. (513-8-15) Os atores convidados a fazer, recebem, dias antes
da gravação,
48. (56-6-8) para que possam decorar as coisas
49. (515-8-8) uma atividade feita em equipe e muito boa
30. (513-8-13) detalhe muito bem na TV
51. (56-6-8) já devem fazer suas falas de cor
O uso de adjetivos sincategoremáticos é bastante comum. O aluno
prefere usar elementos mais seguros, embora vagos, em vez de arris-
car um termo descritivo mais específico. No TR, por ·outro lado, os
adjetivos descritivos são superutilizados na criação do novo texto: o
mesmo acontece nas passagens que provocam mais incerteza no TL.
Exemplos:
52. (525-10-8) diferente segundo as marcações (andar)
71
57. (531-11-8) fique à vontade e comunicante apresente sem mui-
ta inibição (se)
58. (625-11-11) descobrir essa pessoa talentosa de pesquisas
(através)
Nas crianças no quartil superior no TL, isto é, crianças que
identificam logo o tópico discursivo, há uma tendência (680/0 das
crianças) a conseguir resultados mais baixos no TR, (Média TL =
22,S, TR: 19,1) enquanto que as crianças que, pelo seu desempenho
global no TL, parecem não ter identificado alguma unidade temática
no texto, tendem (60%) a obter melhores resultados no TR, (MTL:
7,64, TR: 9,2). Explica-se este fato porque, no TL, algumas respostas
que dependem apenas de informação distribucional estão garantidas
para as crianças. Já no TR, as respostas que dependem da reinstaura-
ção de articuladores do discurso estão além da capacidade de todas
as crianças. Daí as diferenças no desempenho em cada tarefa: na
primeira, a identificação da unidade temática, a recuperação das fun-
ções da ordem e o reconhecimento das relações estabelecidas pelo
autor são condições necessárias e suficientes para resolver a tarefa;
na segunda é preciso também reconstruir uma rede de relações que
envolve também o uso de conectivos.
4. CONCLUSOES
72
o segundo momento de desenvolvimento de estratégias de abor-
dagem ao texto está caracterizado pela ativação e utilização do conhe-
cimento da carga funcional da ordem e a flexão e pelo reconhecimen-
to -da carga funcional dos vocábulos de relação e conjunções enquanto
as-funções destes são estabelecidas pelo escritor. g índice deste mo-
mento a segurança que a criança mostra sobre a classe de palavra
que deve ser colocada no TL, onde as relações configuradas pelos
elementos de relação são mantidas. A identificação de uma unidade
temática, embora as vezes vaga e tardiamente, é evidência também de
que a criança está atenta a relações em unidades maiores que a frase.
Na segunda tarefa (TR) por outro lado, a criança, mistificada perante
a perda das relações coesivas, ao se deparar com esse non-texto, com
uma coleção de palavras, parte para a criação de um (novo) texto a
partir dos elementos dados, mediante o preenchimento com catego-
rias lexicais maiores. Ainda nos casos em que encontramos as solu-
ções esperadas, isto é, o preenchimento com elementos de relação, os
alunos não conseguem reconstruir o tipo de relação, e sua função,
mediante a utilização de índices contextuais.
O terceiro momento no desenvolvimento de estratégias estaria
caracterizado por um elemento a mais nesta progressão: o aluno é
capaz de reconstruir o texto mediante a inferência de elementos de
relação. O domínio dessa estratégia é característico de poucas crian-
ças no grupo, e é extremamente precário e incerto ainda, pois quan-
do entra em conflito com outras estratégias (como a procura da cano-
nicidade) ela é logo abandonada, até pelas crianças com altos resul-
tados nos dois testes.
Retomando a hip6tese inicial deste trabalho de que a escola não
fornece situações de aprendizagem que permitam o desenvolvimento
de capacidades potenciais na criança, vemos que a grande maioria
das crianças recorre a conhecimento lingüístico já desenvolvido antes
da escolarização para resolver a tarefa, excetuando, é claro, os meca-
nismos de decodificação, cujo domínio se dá nos dois primeiros anos
na escola. Ainda se aceitarmos que a capacidade de utilizar a estru-
tura gramatical do texto é decorrente da escolarização, para um gran-
de grupo esta capacidade é demonstrada apenas na microestrutura. g
através de atividades de leitura que visem a fazer sentido do texto
enquanto unidade semântica que o terceiro momento acima descrito
poderia ser desenvolvido.
73
Das soluções das crianças transparece um outro tipo de treina-
m~to. para a criança aprender: há formas certas e formas erradas no
uso da língua, daí a cautela das crianças da sexta série de não arris-
car um possível erro e o uso generalizado de elementos seguros,
neutros: as formas certas são aquelas que estão legltímízadas pela
escrita, daí a preocupação das crianças de preencher com elementos
já dados no texto: ler é decodificar e reter o explícito, daí a confusão
das crianças na inferência; a unidade significativa no texto é a sen-
tença, daí a incapacidade de reconstruir a unidade discursiva.
74
FATORES DETERMINANTES NA
ELABORAÇAO DOS RESUMOS: MATURAÇAO
OU CONDIÇõES DA TAREFA? *
1. INTRODUÇÃO
A capacidade de resumir textos, considerada como manifestação
do processo de compreensão de textos (Kintsch e van Dijk, 1975) e
como estratégia de estudo (Brown e Day, 1983) é também indicativa
da competência discursiva do leitor-resumidor, uma vez que o su-
cesso deste na utilização das diversas regras de redução semântica
depende crucialmente de sua capacidade de avaliar as informações do
texto em termos da estrutura global do mesmo. Uma determinada
informação será trivial, redundante, importante, em relação ao qua-
dro referencial total e não apenas a nível de parágrafo ou sentença.
Neste trabalho re-examinamos questões relativas ao desenvolvi-
mento dessa capacidade de resumir no escolar, mediante uma tarefa
experimental com crianças da 8.a série. Focalizamos especificamente a
hierarquia de dificuldades em relação à aquisição das regras de redu-
ção semântica que Brown e Day (op. cit.) postulam, hierarquia esta
que estaria caracterizada, no limite superior, pela dificuldade maior
das regras que funcionam a nível propriamente textual exigindo
abstração de informações para a construção de macroproposições ou
sentenças-tópico.
75
de por crianças a partir da s.a série do 1.0 grau, cuja estratégia é ler
o texto sequencialmente apagando ou copiando os segmentos. Já a
regra de supraordenação (generalização para Kintsch e van Dijk) ou
seja, a substituição de elementos ou ações pelo nome da categoria
superordenada a que pertencem, se apresenta um pouco mais dífícíl
que as de apagamento, visto que a criança deve acrescentar um termo
em lugar do segmento apagado. Seu domínio satisfatório, segundo as
autoras, se daria por volta do início do 2.° grau. Logo a seguir na
hierarquia de dificuldade viriam a regra de seleção, isto é, identifica-
ção da sentença tópico presente no texto, e a regra de invenção (cons-
trução para Kintsch e van Dijk) pela qual o leitor deverá criar uma
sentença-tõpíco, não explícita no texto. Estas duas regras exigem um
trabalho maior com o texto - o aluno deverá abandonar a ordem
seqüencial e a partir do conceito de sentenças-tépico deverá localizá-
las (ou criá-las) e utilizá-las na estruturação do resumo. A regra de
invenção apresenta um grau de dificuldade maior pois exige que o
aluno acrescente algo de seu - uma síntese, em suas pr6prias pala-
vras, do significado do parágrafo. Dadas as dificuldades destas regras,
Brown e Day concluem que o domínio satisfat6rio das mesmas s6
ocorre no curso universitário.
Estes resultados das pesquisas de Brown e Day mostram, sem
dúvida, uma relação entre a maturidade do aluno e sua capacidade
de resumir informações de um texto.
Entretanto, se, como afirma van Dijk, (1977) estas regras não
eão apenas regras de resumo mas também regras gerais que subjazem
à compreensão, o não domínio das mesmas implicaria na não com-
preensão? Por outro lado, qual seria o resultado da prática de resu-
mir, tão difundida nas escolas de 1.0 grau, onde os alunos ainda são
imaturos? Estar-se-ia, com esta prática, reforçando certas operações
que, em vez de se configurarem como etapas preparat6rias, necessárias
à capacidade de integrar semanticamente o texto, se configurariam
pela sua natureza tio divergente das regras integrativas num obstá-
culo à aquisição destas últimas?
Questionamos também a posição implícita nos trabalhos de
Brown e Day, comum aos trabalhos comprometidos com uma visão
slncrôníca do processo de leitura, que consideram que o processo da
criança é um modelo imperfeito, inacabado daquele do adulto. Colo-
camos então a hipótese de que as condições em que se deu a tarefa
76
de leitura e resumo nos experimentos de Brow e Day, que permitiam
a consulta ao texto, poderiam ser a causa da aparente incapacidade da
criança de utilizar regras que integrassem o texto como um todo; a
presença do texto, em outras palavras, favoreceria o seguimento da
ordem seqüencial, atomista das informações nele contidas, não sendo
isto então uma manifestação de imaturidade na aquisição das regras
de redução semântica, mas apenas uma manifestação de um maior
grau de dependência do objeto, cujo acesso era permitido ao longo
da tarefa.
Por outro lado, a elaboração do resumo sem o apoio do texto
presente, deveria levar o aluno à consideração global do texto e a
uma integração das informações. Esta é a hip6tese que norteia este
trabalho e que, se confirmada, indicará que o tipo de regras utilizado
pelo aluno é determinado também pelo tipo de tarefa a ser executada,
no caso, resumir com a presença do texto ou sem ela.
2. METODOLOGIA
77
Não apresentaremos, neste trabalho, um levantamento das regras
de reduçêo semântica utilizadas pela criança visto que o objetivo
desta análise é detectar, através do grau de coerência e coesão do
resumo, evidências da utilização de regras mais altas na hierarquia:
invenção, construção 1 e combinação, isto é, evidências da capacidade
de integrar as informações do texto face a duas tarefas diferentes.
78
TABELA 1
--
Grupo Controle ! Grupo Experimental
A tabela mostra para cada paráarafo do resumo (PI' PI) quais as informa-
ções do texto original que foram utilizadas (1.2 = 2.a proposiçlo do 1.0
parágrafo) .
79
A divergência entre os dois grupos com respeito aos procedimen-
tos .para reduzir a informação se estabelece qualitativamente tam-
bém, desde os parágrafos iniciais do resumo. Compare-se o exemplo
(1), parágrafo introdut6rio do resumo de um leitor do grupo con-
trole, com o exemplo (2), também introdut6rio num resumo do grupo
experimental (cf. o original, no apêndice).
(1) A época de ter "nojo" do lixo foi-se. Agora o lixo está sendo
visto como matéria-prima valiosa, que com a ajuda de germes,
fornece um combustível mais limpo e barato que o petróleo.
(2) Pelos testes feitos até agora, o gás metano provou ser mais
barato que o petróleo, tanto para consumo industrial como para
uso em casa e automóveis.
80
Já existe em São Paulo um Ônibus, funcionando com este
método, e esperam-se muito mais até o final do ano.
(4) O metano tem várias utilidades, pode ser usado nos motores
convencionais de gasolina ou óleo diesel, sem exigir grandes alte-
rações mecânicas. (Parágrafo 2).
O motor comum praticamente não é alterado para receber
o metano (Parágrafo 11).
(5) O metano não tem cheiro e é mais barato que o diesel 40%,
provocando menor desgaste 110 motor. Isso não deixa de ser um
currículo expressivo (Parágrafo 8).
81
(6) O gás também é usado em residências e indústrias, dados
fornecidos pela CESP apresentam estatísticas impressionantes da
quantidade de gás já produzido por São Paulo. Muitas residên-
cias e uma indústria já usam o gás, mas ele já apresentou defei-
tos. Ela usou o gás durante um ano, até que um dia o gás acabou,
e quando voltou pegou fogo, mas ela não desistiu, e quer con-
tinuar usando.
(7) A maior parte do lixo da cidade são depositados em aterros
sanitários e daí saem cerca de 250.000 metros cúbicos diários,
principalmente do metano.
82
De início, poderíamos pensar numa hipótese explicativa para a
integração ou não de informações que postulasse uma diferença na
unidade de significado que a criança utiliza para condensar as infor-
mações. Isto é, poderíamos pensar que, na tarefa que permite a con-
sulta ao texto, a unidade significativa é o parágrafo, ao contrário da
tarefa que não permite essa consulta, onde a unidade seria dada pelo
texto em sua totalidade. Esta hipótese de segmentação divergente
prediz essencialmente, que no primeiro caso há compreensão de li sub-
textos" enquanto que no segundo caso há compreensão global, sendo
que a própria tarefa estaria determinando uma abordagem localizada
ou uma abordagem global.
Há evidências, porém, de que a diferença é mais radical do que
estaria implicada numa diferença com respeito à unidade mínima de
significado utilizada no processamento para cada parágrafo, pois nesse
caso, esperar-se-ia que o aluno estabelecesse um tópico discursivo para
esse parágrafo; que houvesse, em outras palavras, integração de infor-
mações ao nível do parágrafo. Porém não há. Encontramos, em vez
disso, paráfrase de sentenças contidas no parágrafo. O procedimento
parece ser, na verdade, que para cada sentença decide-se se ela é
incluída ou não, e quais elementos dela serão incluídos. Note-se, como
no exemplo, as sentenças (11) e (12) a seguir, onde a diferença com
o texto original consiste apenas na omissão de um elemento ou frase,
fornecido aqui entre parênteses:
83
biodigestor, um recipiente especial onde os resíduos. são mistura-
dos com os germes que vão digeri-los. Os biodigestores usam
vários tipos de bactérias).
84
(15) Com dados fornecidos pela Companhia Energética de S.P.,
é grande o número de lixo depositado em aterros sanitários por
'dia, e ap6s a queima desse lixo, sua energia equivale a. 1.365
barris de petróleo (li Segundo dados fornecidos pela Companhia
Energética de São Paulo (CESP), 85°IÓ do lixo da cidade são
depositados em aterros sanitários, a uma taxa de 6.000 toneladas
por dia (700 gramas por habitante). Dal saem cerca de 250.000
metros cúbicos diários de gás, principalmente metano. Após a
queima, sua energia equivale a 1.365 barris de petr6leo ... ")
85
leitor do grupo experimental, não com um objeto meramente formal,
mas com um objeto significativo. Seria essa relação a que determina
as diferentes estratégias, e não o fator maturacíonal, como propõem
Brown e Day, já que crianças de 8.- série demonstraram domínio das
regras de seleção e invenção de sentença tópico, indo além delas na
medida que elas constroem um tópico discursivo' através da combi-
nação de parágrafos.
5. IMPLICAÇOES PEDAGOGICAS
86
mas de uma diferença quanto ao grau de independência que a criança
e o adulto mantêm na sua relação com a escrita. Assim, enquanto o
leitor mais experiente mantém o domínio das regras, e portanto, a
sua relação com o texto independentemente das condições da tarefa,
para o escolar menos experiente em leitura, a tarefa determina o tipo
de relação que será estabelecida com o texto escrito. A importância
de o professor propiciar condições que exijam o envolvimento do
leitor não com o objeto mas com o significado do mesmo merece
nossa reflexão.
AP~NDICE
A tecnologia do entulho
87
em aterros sanitários, a uma taxa de 6.000 toneladas por dia
(700 gramas por habitante). Daí saem cerca de 250.000 me-
tros cúbicos diários de gás, principalmente metano. Apés a
queima, sua energia equivale a 1.365 barris de petróleo e pode
ser empregada para girar máquinas industriais ou simples-
mente para cozinhar.
§ 5 Já há gente usando o lixo como energia. Uma empresa
de fertilizantes e 34 residências vêm recebendo gratuitamente,
desde 1978, o metano captado pela Companhia de Gás de São
Paulo (Comgás) no aterro sanitário da Rodovia Raposo Tava-
res. A experiência permitiu detectar um problema: o volume
de gás gerado pelo lixo não é regular. Uma das pessoas que
participaram do teste foi dona Maria de Lourdes Cutevero, do
bairro Butantã.
§ 6 "Usei o gás encanado desde o início da experiência", diz
ela. "Fiquei mais de um ano e foi muito bom. Mas, um dia,
acabou o gás e eu tive que fazer comida na vizinha. Numa
outra vez, o gás voltou e pegou fogo. Meu marido disse que
agora o gás tem uma qualidade melhor. Se me garantirem que
de manhã, quando a gente levanta para fazer o café, o gás
vai estar no fogão, eu volto ... ",
§ 7 Se depender do entusiasmo dos técnicos, esses problemas
- menores - serão resolvidos sem maiores dificuldades.
§ 8 O método de tratamento do lixo requer um biodigestor,
um recipiente especial onde os resíduos são misturados com
os germes que vão digeri-los. Os biodigestores usam vários
tipos de bactérias. São seres' mlcroscõpícos, de uma única célu-
la, que "se alimentam" dos resíduos; esse processo é chamado
de "digestão anaer6bica", porque é feito na ausência de oxi-
gênio do ar. Os resíduos são atacados pelas bactérias, que
desmontam suas moléculas e provocam a liberação de metano
e de outros gases sendo que o metano perfaz 62 % do total
dos gases produzidos.
§ 9 Nos EUA, utiliza-se ainda de um processo de queima -'
a pir6lise -, que força o lixo a liberar metano; os resíduos
no Brasil são mais úmidos que os americanos, tornando esse
método pouco econômico entre nós.
88
§ 10 O metano ainda precisa ser quimicamente purificado
para se livrar dos outros gases e do vapor de água que o
acompanham; depois, é armazenado em reservatórios especiais
de aço sob alta pressão.
§ 11 O motor comum praticamente não é alterado para rece-
ber o metano. Apenas o sistema de entrada de combustível
precisa de modificações. A própria pressão dos cilindros "em-
purra" o gás para o tanque do veículo, onde ele permanece
ligeiramente menos comprimido, mas a uma pressão 180 vezes
maior que a pressão atmosférica. A rápida queda de pressão.
de 200 para 180 atmosferas, reduz a temperatura do gás e
pode congelar as canalizações. g preciso, por isso, montar um
aquecedor no conjunto de abastecimento. A situação é ainda
mais delicada na passagem de gás dos tanque de combustível
para o carburador, onde a pressão é igual a 1 atmosfera. Isso
exige uma válvula, o dosador, que controla o fluxo de gás,
mantendo constante a mistura de ar e metano para a queima.
Também há dispositivos de segurança para desviar eventuais
vazamentos para fora do Ônibus (note-se que o metano não
tem cheiro e pode-se inalar o gás sem perceber- por seguran-
ça, ele é artificialmente "odorizado").
§ 12 Uma das maiores desvantagens do metano é o peso dos
tanques de alta pressão. Para um Ônibus será "como colocar
um Opala na carroceria", comenta o engenheiro Luso Ventura,
da Engenharia Experimental da Mercedes-Benz.
§ 13 Ainda assim, suas vantagens são consideradas largamente
compensadoras. O governo de São Paulo, pelo menos, tem
muita confiança no gás de lixo. Como diz o ex-secretário de
Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo, José Luiz Por-
tella, 11 o menícípío espera baratear os custos do combustível e
assim reduzir o preço das tarifas de transportes de massa".
Além de resolver o problema do lixo de São Paulo, o metano
é 40% mais barato que o diesel, provoca menos desgaste do
motor, é muito mais difícil de explodir que a gasolina e não
polui. Não deixa de ser um currículo expressivo. Portella lista
um trinômio de aspectos positivos, que se pode resumir assim:
com o metano, reduz-se a dependência do petróleo importado
e aproveita-se matéria-prima barata, tudo isso aliado à aplica-
ção de tecnologia brasileira.
89
EXTRAINDO INFORMAçoES DO TEXTO
Algumas considerações sobre marcação formal
do tema e legibilidade *
1. INTRODUÇÃO
Basta examinar qualquer manual de ensino do português, per-
guntar a qualquer professor de língua, ler qualquer trabalho especia-
lizado sobre o assunto para logo perceber que a capacidade de o
leitor extrair informações do texto tem sido considerada uma das ha-
bilidades mais importantes na leitura, o que implica, entre outras
coisas, a capacidade de distinguir idéias principais de informações de
detalhe.
~ claro que quando a complexidade relativa das diversas habi-
lidades é considerada, a capacidade de perceber uma idéia principal
é uma das menos complexas. Porém, processos cognitivos e ordem
superior estão apoiados numa base sólida de informação factual: che-
gamos a uma generalização, tiramos uma conclusão, fazemos uma
comparação a partir de dados factuais: lemos nas entrelinhas por que
somos capazes de perceber o que está na linha.
Vários trabalhos recentes na área de leitura (Marcuschí, 1984,
e.g.) deixam evidente que o leitor adulto, mas não proficiente, com-
pensa. sua incapacidade de extrair informação do texto com a utili-
zação exclusiva de seu conhecimento prévio. Embora essencial, o seu
uso privilegiado, sem se levar em conta outras fontes de informação,
91
pode favorecer uma arbitrariedade que permite produzir versões ex-
t~mamente divergentes de um mesmo texto. A inadequação dessa
estratégia compensatória está evidente nos exemplos de dissertações
abaixo (extraídos de Marcuschí), elaboradas a partir de um mesmo
texto, onde os leitores expressam "por escrito o que compreenderam
e como" (op. cit.: 29-31):
92
na aula de estudos sociais o indivíduo não consegue relacionar um
evento às condições que o causaram porque o texto é para ele ina-
cessível, e não porque ele seja incapaz de perceber relações.
Na medida em que a defasagem entre as demandas da escola
e a capacidade de leitura da criança vai aumentando, mais difícil será
tornar o escolar um leitor proficiente, pois o fracasso traz como conse-
qüência a desmotivação pela leitura, criando um círculo vicioso, já
que o desinteresse e a falta de motivação, por sua vez, inibem o de-
senvolvimento da capacidade de leitura. Daí que um dos problemas
relevantes ao ensino de leitura e, de maneira mais geral, ao ensino
de qualquer matéria cuja aprendizagem se dá através do texto escrito,
seja a legibilidade do texto, e a investigação dos aspectos que tornam
um texto mais legível que outro.
Vários são os aspectos considerados relevantes à legibilidade de
um texto, que vão desde os seus aspectos gráficos (tamanho da letra,
ilustrações, uso de negrito), até à sua carga conceitual. Nesse quadro
de elementos que podem tornar um texto mais ou menos difícil, os
elementos sintáticos têm em geral sido considerados relevantes apenas
na dimensão microestrutural relativa à complexidade da sentença.
Assim é a base de fórmulas de legibilidade como as de Dale e Chall
(1948), ainda utilizadas, que estabelece que uma sentença complexa,
com várias subordinações por exemplo, é considerada mais difícil do
que uma sentença simples.
Entretanto, podemos pensar também essa dimensão sintática da
legibilidade já não do ponto de vista da unidade sentencial, mas
tomando como ponto de partida a unidade textual; nesse caso, esta-
ríamos considerando os 'elementos sintáticos na sua relação com outros
elementos textuais, sejam estes sintáticos ou semântico-pragmáticos.
Nessa visão, o grau de complexidade de uma unidade sentencial já
não é importante. Mais importante é a interrelação dessa unidade
com outros níveis textuais, incluindo-se o nível temático.
Uma pergunta relevante nessa perspectiva, não é então o fato de
uma sentença simples tornar o texto mais compreensível para o esco-
lar, mas o fato de que podem haver estruturas sintáticas que, no con-
junto de elementos textuaís, sejam mais salientes, dando proeminên-
cia às informações que elas veiculam. De modo que, informações
temáticas, formalmente marcadas, podem tornar o texto mais acessível.
93
Nesse trabalho pretendemos investigar a seguinte questão: se os
aspectos formais do texto são usados pelo escolar para determinar
quais as informações mais importantes do texto, dessa forma fací-
litando a depreensão do tema.
94
A noção de macroestrutura -postulada por van Dijk ( 1977),
Kíntseh e van Dijk (1975), van Dijk e Kintsch (1983) também surgiu
da constatação do grande grau de concordância entre leitores pro-
ficientes ao fazerem o resumo de um texto. Para os autores, a macro-
estrutura de um texto é o produto de um processo inferencial que
envolve a redução da informação do texto, e cuja função é "reduzir
o texto à sua mensagem comunicativa essencial " (1983: 52). A ma-
croestrutura é também de base proposicional e hierárquica, sendo
que quanto mais alto o nível, mais reduzida a informação. Uma vez
que a macroestrutura de um texto resulta de um processo inferencial
do leitor, podem haver diferentes macroestruturas de um texto, mas
haverá também um alto grau de concordância, também devido à mar-
cação dos níveis mais altos, tais como títulos, sub-títulos. O grau de
convergência nos resumos de leitores proficientes tem sido repetidas
vezes comprovado em adultos (Kintsch e van Dijk (1975), Paes de
Barros e Rojo (1985»; não foi comprovado por Brown e Day (1983)
em crianças e foi comprovado em escolares por Terzi e Kleiman
(neste volume).
Embora os aspectos mencionados sejam importantes, também
são importantes as questões relativas aos aspectos de microestrutura
textual que servem como facilitadores para a depreensão do tema.
Estes têm sido objeto de menos estudo. Além do título e sub-títulos,
encontramos poucos candidatos a marcadores formais do tema na
leitura. Van Dijk e Kintsch (1983) mencionam, entre outros, os tra-
balhos de Meyer (1977), Kieras (1980), que confirmam a função
marcadora de tema do início da sentença, e os trabalhos de Kieras
( 1981) que mostram que a freqüência de um determinado item lexi-
cal também tem essa função. Pouquíssimos trabalhos têm se preo-
cupado com a função da estrutura sintática na veiculação de idéias
principais. Para van Dijk e Kintsch (op. cit.), por exemplo, os meca-
nismos sintáticos da língua influenciam, de maneira típica, a depreen-
são da informação local apenas; s6 quando o item é usado freqüen-
temente ele pode chegar a ter uma função na depreensão do tema a
nível da informação global, isto é, seria a freqüência e não a forma
o fator relevante à extração de informações mais importantes.
Uma exceção neste quadro é o trabalho de J ones (1977).
Para Ienes, a noção de tema está ligada à noção de hierar-
quia textual, consideradas as relações e interdependência das híe-
95
rarquias referencial 1, gramatical e fonol6gica. Cada nível de cada
hierarquía produz os seus mecanismos de saliência de informação e
todos eles participam, numa relação de interdependência, de uma uni-
dade de comunicação. Dessa forma, o tema, que seria o constituinte
mais importante da hierarquia referencial não se realiza independen-
temente mas se manifesta nas hierarquias gramatical e fonol6gica. O
texto apresenta uma hierarquia temática representada por temas pri-
mário, secundário, terciário, etc .. O tema primário ou a generalização
mínima do texto, corresponde ao tema mais geral e aos níveis mais
altos da hierarquia referencial, definindo a estrutura conceitual do
texto, onde todo o texto se encaixa. A ele seguem-se os temas secun-
dário, terciário, etc., estabelecendo um grau decrescente de generali-
dade. Quanto mais baixo o nível temático, maior grau de especifici-
dade ele apresenta.
Nesse processo de interrelação de constituintes, Ienes postula
que há uma sobreposição bastante significativa das hierarquias gra-
matical e referencial, principalmente no que diz respeito à veiculação
dos temas dos níveis mais altos desses componentes. Isso se justifica
pelo fato de os níveis mais altos dessas hierarquias permitirem um
maior movimento dos seus constituintes como os parágrafos, por exem-
plo, onde as sentenças se distribuem de modo a refletir a natureza reti-
culada da configuração referencial, o que não acontece nos níveis mais
baixos, onde há posições fixas dos constituintes, como numa frase
nominal, onde o artigo sempre precede o nome. De maneira que, dado
que o componente gramatical manifesta o componente referencial,
havendo então uma estreita ligação principalmente nos níveis mais
altos dessas hierarquias, Ienes propõe que determinados mecanismos
sintáticos podem desempenhar papéis mais ou menos facilitadores da
percepção do tema.
Com base nessa proposta, e a partir da hipótese de que o texto
apresenta mecanismos formais especiais com funções particularmente
discursivas que refletem diretamente os constituintes mais importantes
do componente referencial, Ratto (1984), usando a tipologia textual
de Longacre (1983), desenvolveu um trabalho com textos expositivos
em inglês.
1. Não se atribui aqui o sentido usual de rejerência, ou seja, "as coisas, even-
tos, etc", que estão por trás do enunciado, mas sim o significado da relação
explícita do observador e o que ele quer comunicar à respeito das coisas,
eventos, estados, etc..
96
Partindo de uma análise distribucional <ias sentenças no texto,
Ratto procurou verificar o valor temático das informações a nível
textual e concluiu que vários parâmetros formais se interagem na
determinação do valor temático das informações no texto.
A autora observou que as relações predicativas de causa e efeito,
condicionais, de contra-expectativa, simultaneidade, etc., nitidamente
foram consideradas temáticas, refletindo a estrutura referencial do
texto expositivo. A saliência de tais relações predicativas deve-se ao
pré-posicionamento da cláusula dependente em relação ao núcleo sen-
tencial, uma vez que essas mesmas relações veiculadas através da
construção envolvendo cláusulas dependentes p6s posicionadas ao
núcleo não foram consideradas igualmente temáticas. Ratto postula
que o pré-posicionamento da cláusula dependente, de certa forma,
quebra a tendência posicional das cláusulas, que em geral é posterior
ao núcleo, criando com isso a tematicidade.
97
formais na depreensão do tema em português. Os mecanismos for-
mais selecionados serão apresentados na seção 3.
3. METODOLOGIA
98
dade, tentamos verificar se a criança percebe esse contraste como
temático. A fim de determinar se é de fato a quebra da regularidade,
e nã~ apenas a forma de uma unidade sentencial o que determina
saliência, escolhemos dois pontos psra efetuar esse tipo de modifica-
ção, ambos em estruturas que contribuem para a construção da macro-
proposição ímplícíta "A energia nuclear pode ser usada para destruir
a humanidade", que no conjunto total, equivale ao tópico do texto
e ao primeiro termo de um comentário biproposicional sobre esse
tópico.
No primeiro parágrafo do texto, antes que o leitor tivesse opor-
tunidade de perceber qualquer tipo de regularidade estrutural, intro-
duzimos a primeira modificação (predicação 1, a seguir): a segunda
modificação foi introduzida no terceiro parágrafo do texto, quando
o leitor poderia já fer detectado regularidades e contrastes estruturais
(predicação 2, a seguir):
3.1.1 - Predicação simples 1 (grupo controle)
"A explosão da bomba de hidrogênio, ou bomba nuclear,
provoca a formação de uma imensa nuvem incandescente
em forma de cogumelo. Essa nuvem parece estar ilumi-
nada por mil sóis. Ela pode ser vista - dois minutos após
a detonação - num raio de 80 quilômetros."
99
aquela nuvem em forma de cogumelo que resulta da ex-
plosão, cuja chuva e poeira radiativas são espalhadas na-
turalmente pelo vento."
Predicação complexa de relativa indireta (grupo experi-
mental)
"Na verdade, os efeitos mais letais e duradouros da bomba
não ocorrem imediatamente. E seu causador direto é aquela
nuvem em forma de cogumelo que resulta da explosão e
que se transforma em chuva e poeira radiativa as quais os
ventos se encarregam naturalmente de espalhar."
(Houve aqui também uma mudança de voz, uma vez que a cons-
trução genitiva favorecia o uso da construção passiva. Porém, nas
testagens experimentais em construções relativas, manteve-se a predi-
cação complexa e a voz ativa, a fim de se estabelecer qual o mar-
cador síntãtíco relevante ao caso).
100
resultados das primeiras experiências com essa fonte de
energia que pode tornar a vida humana fantasticamente
mais confortável."
Declarativa (experimental)
"A mesma energia que permite a explosão da bomba de
hidrogênio pode tornar a vida humana fantasticamente
mais confortável. Algumas indicações nesse sentido já fo-
ram percebidas nos resultados das primeiras experiências
com essa fonte de energia que pode tornar a vida humana
fantasticamente mais confortável."
101
:s .4.1 - Com modalizador (controle)
As conseqüências da explosão de uma bomba nuclear são
fi
QUADRO 1
---
Texto 1 Texto 2 Tcxto 3 Texto 4 Texto' Texto 6
Prcd. Pred, Pred. Prcd. Pred, Pred.
Simples Compl. Simples Simples Compl. Compl.
1 1 1 1 1 1
adv.
102
Todas as versões do texto foram pré-testadas com leitores adul-
tos proíícíentes para estabelecer um parâmetro de comparação e valí-
dez em relação à saliência e relevância dos marcadores formais sele-
cionados.
QUADRO 2
% de crianças
Predicaçlo Predicação Complexa
Alteração Simples (Experimental)
na (controle)
Predícação N=40 Oenitiva Relativa
N='4 N='3
Pred. 1 15% 15% 18%
Pred. 2 45% 12% 18%
103
sístentee. Porém, se considerarmos a hip6tese inicial de que o escolar
percebe a predicação simples como veiculadora de informação temá-
tica devido a quebras nos padrões estruturais, então os resultados con-
firmam a hipótese. Outro fator que nos leva à confirmação dessa
hipótese é a percentagem absoluta de destaques de cada seqüência
em cada uma das versões modificadas no Quadro J a seguir:
QUADRO 3
Alteração na % de crianças
predícação Controle Experimental
Predicaçlo Predicação Complexa
11 Simples 1 N=88
N=64
(A explosão .. ) 31,0% 23,0%
Sentença 1 111
9,4% 21,0%
Sentença 2 12,0% 27,0%
Sentença 3
Predicação Compl. Genit. Compl. Relat.
12 Simples 2 N=54 N=53
N=40
(Na Verdade .. ) 40% 24% 34%
Sentença 1 S5% 26% 35%
Sentença 2 70% 24% 28%
Sentença 3 60% 28% 37%
Sentença 4··
Sentença S··· - - 30%
Os dados acima indicam que o escolar de 8.a série que foi tes-
tado utiliza elementos formais para depreender o tema. Sabemos que
uma das estratégias mais utilizadas pelos escolares para a depreensão
do tema é a busca de elementos formais ligados ao título (Kleíman,
neste volume). Esta estratégia facilita a depreensão do tema quando o
título coincide com o tópico mas leva à compreensão parcial, ou a ía-
104
lhas na compreensão quando não existe tal coincidência. Nesta testa-
gem, esea estratégia poderia estar facilitando a depreenslo do tema, uma
vez que o título equivale ao tópico. Contudo, não há nenhuma estru-
tura no texto que explicite o primeiro termo do comentário; o escolar
deverá inferi-lo. Quaisquer das duas passagens que foram objeto de
modificação poderiam, em princípio, ser destacadas como elementos
principais pelos escolares, uma vez que ambas contêm informações
sobre a bomba nuclear (descrição da explosão e conseqüências da
mesma). Isso é, de fato, o que ocorre quando não há elementos outros
que os referenciais em que se apoiar; a situação ainda muda quando
há marcadores formais que interagem com os elementos referenciais:
nesse caso, a predicação simples é percebida como saliente. Podemos
dizer, então, que o escolar é sensível ao uso de marcadores formais
na veiculação do tema.
Em relação à modificação da construção interrogativa para a
declarativa, houve diferenças entre os dois grupos quanto às infor-
mações subseqüentes de caráter específico, mas a pergunta não teve
o efeito esperado de salientar a informação mais genérica imediata-
mente subseqüentes.
QUADRO 4
% do criança.
Intorrolativa I Declarativa
N=34 N=35
Persunta- resposta sen6rica 54% 65%
105
um papel na depreensãc do tema ao salientar informações subseqüen-
tes., resultado este que serviu de base à nossa hip6tese.
Há, nesta experiência, outras variáveis envolvidas que podem
estar interferindo nos resultados. Na elaboração do teste, considera-
mos que haveria equivalência semântica entre as versões controle e
experimental apresentadas na Seção 3.2, com apenas uma diferença
formal: aquela presente nos dois tipos de construção-interrogativa vs.
declarativa. Tentando manter o conteúdo referencial equivalente nas
duas versões, permutamos a ordem de apresentação das informações:
na versão controle a interrogativa expressa o segundo termo do co-
mentário da macroproposição temática, seguido pela resposta afirma ..
tiva: na versão experimental, o conteúdo dessa resposta afirmativa
passou a ser apresentado em primeiro lugar, seguido do conteúdo da
pergunta-ret6rica. Portanto, os resultados podem estar sendo causados
pelo fator organização interna, que não foi considerado relevante
quando da montagem do experimento. Há ainda uma segunda dife-
rença, também formal, envolvida: a versão experimental foi reescrita
usando o adjetivo "mesma", elemento de ligação este que poderia
tornar a seqüência mais perceptível. A evidência dos resumos parece
indicar a relevância do primeiro aspecto, organização interna. Esses
resultados são apresentados no Quadro 5, a seguir:
QUADRO s
% de crianças
106
temático, ela contrasta os fins bélicos com os fins pacíficos dos usos
da energia nuclear, como nos exemplos (1) e (2) de resumos, a seguir:
107
pode tomar a vida humana mais confottdvel. Futuramente mui-
o tas casas serio iluminadas por centrais atômicas.
Embora a hipótese específica nlo tenha sido confirmada, podemos
afirmar que o quadro teórico em que este trabalho se insere, que
afirma a relevância de aspectos formais para a depreensão do tema,
é válido.
Em relação à explicitaçio do articulador de contraste, nota-se, no
Quadro 6, uma tendência a destacar mais a construção com o con-
trastivo explícito. As diferenças mais marcadas, contudo, encontram-
se nos resumos:
QUADRO 6
% de crianças
Sem articulador Com articulador
N=35 N=40
que destacaram
a informação 54% 65%.
que reproduziram
o contraste
I 52% 90%
108
(8) As conseqüências da explosão de uma bomba nuclear sio
~errorizadoras. Os efeitos mais letais e duradouros da bomba
não ocorrem imediatamente. A idéia de uma guerra nuclear. Os
dois chamados sócios do assim chamado clube nuclear.
(9) Conseqüências aterrorizadoras: destruição completa de cons-
truções, pulverizações de vidros, incêndios. Efeitos mais letais e
aterrorizadores não acontecem imediatamente.
O tratado de proscrição de experiências nucleares.
Utilização da energia nuclear para fins pacíficos.
Os resultados das testagens mostram, então, a importância do
marcador formal contrastivo para a depreensão do tema.
Em relação à presença ou ausência da expressão na verdade
introduzindo a seqüência "os efeitos mais letais e duradouros na
bomba não ocorrem imediatamente", a hipótese não foi confirmada.
Neste caso houve diferença entre o grupo de adultos e de escolares,
pois os adultos destacaram mais a versão modalízada, enquanto que
os escolares não o fizeram.
No Quadro 7, a seguir, apresentamos os resultados incluindo aí
também a percentagem de crianças que destacaram o parágrafo ime-
diatamente anterior (segundo parágrafo do texto) cuja saliência, espe-
rava-se, seria menor que aquela da seqüência introduzida pelo moda-
lízador, uma vez que este, ao enfatizar essa seqüência, relativiza a
anterior:
QUADRO 7
% de crianças
Sem modalizador I Com modalfzador
N=69 N=53
§2 75% 86%
13 30% 37%
109
que esse resultado não demonstra que tenha havido sensibilidade ao
mascador formal em questão (como houve nos adultos, onde a versão
modalizada foi destacada por 65% do grupo). Podemos dizer então,
que esse marcador não é fator de saliência de informação para o
escolar testado.
Recapitulando a análise, vimos que o parâmetro - predicação
simples vs. predicação complexa tem uma função na veiculação do
tema, uma vez que o leitor percebe a predicação simples como veí-
culadora de idéia principal quando esta interrompe um padrão de
regularidade estrutural. Também o articulador lõgíco de contraste
tem um papel importante, pois, pela evidência dos resumos (e tam-
bém, embora de forma menos marcada, pela tarefa de sublinhar idéias
principais), o contraste temático é reproduzido por quase todas as
crianças que leram a versão com esse marcador explícito. O conhe-
cimento lingüístico faz parte constitutiva da competência discursiva;
queremos, contudo, marcar o fato de que a capacidade de usar a
estrutura lingüística na leitura é uma estratégia que depende de co-
nhecimento tão enraizado que, na área de leitura, é considerado um
processo inconsciente 8 do leitor, perfeitamente desenvolvido ap6s mais
ou menos quatro anos de escolarização. No caso do articulador mas,
sabemos que a escola ensina o valor absoluto de conectivos, de ma-.
neira que, apoiado no conhecimento lexical apenas, o leitor pode
recuperar a função do articulador com maior facilidade.
110
a fim de perceber a função da pergunta-retõríca. Não se trata aqui,
como nos dois casos anteriores, de usar automatismos lingüísticos nem
de Ilsaber" o significado de uma palavra, pois não há uma estrutura
formal que defina a pergunta-retórica, isto é, ela não é diferente, for-
malmente, de qualquer outra pergunta; apenas o contexto de situa-
ção a define como retórica. Ora, a fim de perceber funções temáticas
de elementos que são contextualmente definidos é preciso, em pri-
meiro lugar, que o leitor esteja ciente de que o texto é uma unidade
semântica no discurso cujos elementos discretos adquirem valores na
relação com outros elementos. Assim, uma seqüência interrogativa é
uma pergunta-retórica porque o contexto total indica que não haverá
oportunidade para o interlocutor responder; daí que, sabendo que a
informação se constrói no par pergunta-resposta, esperamos uma res-
posta, fornecida pelo próprio autor, e a procuramos durante a leitura.
Em outras palavras, só se pressupondo que o .texto é coerente e con-
sistente internamente a pergunta-retórica nos alertará para a resposta
que ela antecipa.
Para tal, o conhecimento lingüístico internalizado não é sufi-
ciente; faz-se necessário que pressupostos que utilizamos na comuni-
cação oral sejam também utilizados na escrita. Entretanto, sabemos
que a escola faz da linguagem um objeto de estudo, relegando, neste
processo, a sua função comunicativa ao último plano. Sabemos tam-
bém que é através da leitura que a dicotomia "linguagem na escola"
e "linguagem fora da escola" é ensinada ao escolar, uma vez que
raramente o texto é enfocado como algo a mais do que uma seqüên-
cia de elementos discretos cujos valores absolutos independem de
outros elementos. Nessa perspectiva, não é tão surpreendente que
para o leitor passasse desapercebida uma forma cujo valor temático
não está na forma propríaménte dita mas na sua relação com outros
elementos, relação esta que por sua vez é percebida quando consi-
deramos o contexto em que eles funcionam.
A situação é semelhante em relação ao uso do modalizador, que,
como vimos, não teve uma função na veiculação temática.
Uma marca de entrada do autor para indicar o seu comprometi-
mento com o grau de verdade ou relevância de uma informação sõ
pode ser considerada importante por quem está ciente de que há um
autor por trás do texto, um autor cujas crenças, atitudes, pressupos-
tos têm reflexos lingüísticos no texto, quando relevantes no contexto.
111
Entretanto, htt suficientes evidências (nas propostas de ensino do livro
dídãtíco, no próprio ensino de leitura, e nos resultados de outras ex-
periências) de que o texto é visto como um conjunto de palavras, e
que, nesse conjunto, advérbios e adjetivos, justamente os elementos
que mais comumente marcam a entrada do autor, são considerados
supérfluos: assim, por exemplo, quando o escolar responde pergun-
tas, ou faz um resumo, ele utiliza muitas vezes, estratégias de c6pia
e apagamento das informações, sendo que os elementos mais comu-
mente apagados são essas classes de palavras. Os nossos resultados
indicam que mesmo na 8.a série o escolar não foi sensível à impor-
tância dos marcadores de entrada do autor.
112
sentando uma hierarquia de rela~es com dominância e dependência
a nível formal, reflexa da hierarquia referencial. Considere-se, como
•
exemplo, o trecho a seguir, extraído de texto utilizado na 7.- série:
113
Entretanto, é possível pensar na utílízação de tal material em
sal" de aula para o ensino de redação como atividade paralela ao
ensino de leitura. Usando tais textos, que são de fato "roteiros" de
informações, o aluno pode ser orientado no sentido de avaliar a tema-
ticidade das diversas informações para, a partir daí, escolher os me-
canismos formais que na sua redação expressem coerentemente o con-
teúdo em questão.
Uma segunda consideração pedag6gica diz respeito ao enfoque
adotado para o ensino de língua. O texto não deve ser usado como
pretexto para o ensino de estruturas gramaticais e de vocabulário;
porém o texto é o lugar ideal para a reflexão sobre o uso da lingua-
gem. Quando solicitamos ao aluno identificar elementos em que se
baseou para fazer uma inferência sobre uma informação, reconstruir
uma relação entre duas informações, inferir uma atitude do autor,
estamos favorecendo um enfoque analítico que desenvolve a sensibi-
lidade do escolar para perceber a relação entre elementos formais e
outros aspectos, sejam estes semânticos, pragmáticos ou estruturais do
discurso escrito.
Tais atividades devem ser favorecidas no programa de leitura,
desde os primeiros contatos do escolar com a escrita. Nas primeiras
séries é possível criar situações que, embora não constituam ensino.
de leitura propriamente dito, sensibilizam o aluno quanto ao papel
de elementos formais na veiculação de informações: mandar um tele-
grama, a partir de uma mensagem mais extensa, por exemplo, intro-
duz de maneira natural o conceito de palavras-chaves, o elemento
crucial à abstração de informações; fazer um anúncio classificado para
o jornal, é uma atividade que, de forma lúdica, leva o aluno a per-
ceber a relação entre saliência formal e relevância na hierarquia refe-
rencial; relações entre forma e níveis pragmáticos podem ser ensina-
das solicitando-se ao aluno fazer uma propaganda para convencer os
colegas· a escolher um produto ou criar uma manchete para atrair a
atenção de outras turmas para um assunto de destaque na escola.
Na medida em que diversas atividades relacionadas com a escrita
tenham por objetivo refletir sobre o uso da linguagem ao invés de
focalizar elementos formais isolados do contexto, estaremos desen-
volvendo no aluno a sua capacidade de perceber a função da forma
como uma das fontes de informação do texto. Esta será então uma
das avenidas de acesso ao mundo do autor, tornando assim o signi-
ficado do texto mais acessível ao escolar.
114
APB.NDICE
A energia nuclear
115
A energia nuclear pode ser usada para fins pacíficos?
Algumas indicações nesse sentido já foram percebidas nos resul-
tados das primeiras experiências com essa fonte de energia, que pode
tomar a vida humana fantasticamente mais confortável.
Num futuro talvez não muito distante, muitas casas serão ilumi-
nadas por centrais etômícas, que também produzirão força para ali-
mentar as fábricas. Será até uma solução mais barata que a da energia
elétrica, pois sua fonte será o hidrogênio pesado da água. E dois
terços do globo estio recobertos de água.
Bombas atômicas e de hidrogênio também poderão escavar tú-
neis, mudar o curso de rios. Já se pensa, aliás, em abrir um novo
canal entre o Atlântico e o Pacífico (pelo México) usando energia
atômica. E, por falar em oceanos, os soviéticos construíram um quebra-
gelos, o 11 Lênin ", que se locomove graças ao calor de um reator nuclear,
ao invés de depender da tradicional caldeira. Assim, o navio não
precisa voltar com freqüência à base para se reabastecer.
Também a Medicina Nuclear, principalmente através da radiação
gama e da cobaltoterapia, utiliza-se da energia nuclear como recurso
importante para detectar e curar o câncer e outras doenças.
116
ESTRATÉGIAS DE INFER~NCIA LEXICAL
NA LEITURA DE SEGUNDA LíNGUA *
1. INTRODUÇÃO
cultural.
'" Este texto foi publicado em Ilha do Desterro. - Reading/Leitura, 13, 67-80.
1986.
117
Considerando que o conhecimento lexícal de um leitor numa lín-
gua estrangeira é limitado, a eficácia das estratégias de inferência de
significado de palavras através do contexto é crucial para a com-
preensão e aprendizagem da língua. Porém, como Scott (1984) assi-
nala, são poucos os estudos que se dirigem à questão de como infe-
rimos o significado de palavras desconhecidas em contexto, seja na
língua materna ou na língua estrangeira. Este trabalho, de natureza
exploratória, pretende tecer algumas considerações sobre as estraté-
gias de inferência lexical utilizadas por alunos brasileiros principian-
tes na leitura de inglês. O trabalho surgiu de uma preocupação inicial
sobre a eficiência, para a aprendizagem, das estratégias do aluno
para inferir significados, pois, constatávamos que repetidas vezes uma
mesma palavra causava dificuldades em contextos diferentes, apesar
do fato de o aluno ser capaz de inferir o significado aproximado uma
vez que as pistas no contexto eram salientadas pelo professor. Se
aceitamos a tese (O'Rourke, segundo Krakoviam, 1984) de que apren-
der uma palavra estrangeira é um processo que inclui vários estágios,
dentre os quais temos, não apenas o reconhecimento da palavra em
contexto, num significado mais ou menos aproximado, mas também
conhecimento da palavra em uma ou várias de suas acepções, então
as estratégias de inferência lexical utilizadas pelo aluno são pouco
eficientes, já que parecem conduzir à aprendizagem só após a repe-
tida exposição à palavra.
Na literatura sobre compreensão, vários autores (Brown, 1980,
Kato, 1984) distinguem dois tipos de estratégias que regem o com-
portamento do leitor: estratégias cognitivas, isto é, aquelas automá-
ticas, inconscientes que possibilitam a leitura rápida eficiente, e es-
tratégias metacognítivas, isto é, aquelas que regem os comportamentos
conscientes do leitor, uma das quais permite justamente a desautoma-
tízação e controle das estratégias cognitivas para auto-regulamento da
compreensão. Como exemplos de estratégias metacognitivas citam-se
os esforços conscientes do leitor para resolver equívocos ou inconsis-
tências detectadas só após ele ter processado, na fase automática, uma
interpretação que subseqüentemente é inconsistente com o material
em processamento. Como exemplos de estratégias cognitivas teríamos
as diversas estratégias de segmentação sintática, e de recuperação
anaférica (vide, por exemplo, Kato, 1983).
Em relação ao léxico, parece coerente postular que as estratégias
de reconhecimento global das palavras, e de pareamento de elemen-
118
tos cognatos entre duas línguas sejam também de natureza automá-
tica, l.e., sejam estratégias cognitivas. A utilização do contexto para
inferir significados, em contextos suficientemente informativos 1 seria
também deste tipo. Haveria, por exemplo, a possibilidade de controle
consciente quando o contexto permitisse duas interpretações, ou quan-
do uma palavra conhecida num significado fosse utilizada num se-
gundo significado.
Perguntamo-nos, então, até que ponto o aluno conseguiria desau-
tomatizar o processo de inferência de vocabulário numa tarefa que
o obrigasse a focalizar uma palavra que já tivesse encontrado no
texto, e possivelmente inferido durante a leitura do mesmo. A nossa
hipótese de trabalho dizia que o aluno que inferisse significado de
uma palavra desconhecida durante a leitura usaria, no resumo, ou o
equivalente na língua materna, ou uma paráfrase consistente com o
trecho original. A segunda hipótese dizia que o aluno cujo resumo
fosse consistente em relação ao original mas cujas traduções na testa-
gem fossem incongruentes estaria mostrando certa incapacidade de
trazer os procedimentos utilizados na inferência lexical sob o con-
trole consciente. Esse dado é importante ao ensino de leitura, pois
consideramos que a capacidade do aluno de autoregular o processo de
inferência lexical traria conseqüências não apenas para a compreen-
são (detectar equívocos, inferir um significado secundário de uma
palavra conhecida no seu significado primário, etc.) mas também
para a aprendizagem desse item lexical. O caráter precário do conhe-
cimento do léxico do aluno (correspondente, ao longo de seu apren-
dizado, ao estágio inicial em que o aluno apenas está ciente de já
ter encontrado essa palavra (vide Krakovían, op. cit.)) teria, como
uma de suas causas, a incapacidade do aluno de autoregular o seu
processo de inferência lexical.
Em segundo lugar, queríamos verificar a natureza das estraté-
gias de inferência lexical do aluno. Esta é uma questão importante
para metodologias (cf. Kleiman e Terzi, 1981) que se baseiam, prima-
riamente, no ensino de estratégias de leitura mediante o uso de textos
autênticos, e secundariamente no ensino de língua. l! importante de-
119
terminar, neste caso, que tipo de pistas o aluno utiliza, e quais os
procedimentos analítícos a serem ensinados.
A análise que apresentamos é de natureza qualitativa, porque
acreditamos que o caso de um aluno que' faz um resumo coerente
consistente, apesar da interpretação, repetidas vezes, de "health" como
"heart" pode ser tão significativo como evidência da hipótese de
realismo homofôníco (vide Seca 3) como 15 casos de interpretação
de "comprehensive " como " compreensivo" : uma única ocorrência
pode ser tão iluminativa sobre a utilização de um procedimento como
a exploração máxima do mesmo em diversos contextos.
Por último, levantaremos algumas considerações sobre a relação
entre o conhecimento de vocabulário e a dificuldade do texto. Os
resumos de nossos alunos frente a diversos trechos do texto oferecem
alguns subsídios para questões como a relação entre densidade de
léxico desconhecido e dificuldade na inferência lexical de alunos bra-
sileiros na leitura de textos em inglês.
Na análise e discussão dos dados estaremos apenas apontando
tendências e padrões sugestivos, devido às dificuldades inerentes aos
instrumentos para testar a compreensão em situações naturais, e ao
desconhecimento sobre os procedimentos de inferência lexical em tais
situações (vide a discussão de Scott (op. cit.) sobre esse problema).
Mais do que respostas, estaremos apontando problemas e colocando
novas questões.
2. METODOLOGIA
120
itens a seguir se refere a algo citado no texto.. Tente localizar aquilo
a queeles se referem". Novamente, o parágrafo e a linha eram tam-
bém fornecidos.
Os itens selecionados para a testagem de tradução foram esco-
lhidos dentre aqueles dos textos que não eram cognatos, e que não
constam nos textos de inglês para principiantes mais usados na escola
(pois nossos alunos são falsos principiantes. Partimos do pressuposto
de que o conhecimento de vocabulário inclui também o estágio de
simples reconhecimento da palavra (vide Krakovían, op. cit.). As pa-
lavras, por esse critério, eram conhecidas, mesmo que precariamente,
se o aluno as tivesse encontrado em cursos anteriores.
A tarefa de resumo apresenta dificuldades inerentes para a verí-
ficação dos procedimentos de inferência lexical do aluno. Não é pos-
sível determinar ~ nos casos de apagamento da informação se um item
lexical, correta ou incorretamente traduzido, foi correta ou incorreta-
mente inferido. Apesar de estarmos cientes dessa possibilidade (mais
remota no caso de palavras chaves), optamos pela leitura e resumo
a fim de evitar o pré-direcionamento inerente aos testes de perguntas
e respostas, pré-direcionamento este que poderia servir de base para
as inferências.
3'. DISCUSSÃO
121
também respostas como 11 •••por isso a Unicef sugere aos pais que
usem um gráfico para acompanhar o desenvolvimento de seus filhos"
("UNICEF suggests that parents use charts to monitor the physical
development of their children") com a tradução de "monitor" como
"monitor" .
Uma outra resposta do mesmo tipo, menos comum (7%) é a
resposta em branco na tradução correspondente a um resumo consis-
tente do trecho em que a palavra aparece. Note-se que a tarefa de
tradução de palavra em contexto era realizada após a leitura e resumo
do texto, devendo haver, tanto pela recêncía como pela familiaridade,
um efeito facílitador, que não ocorreu, confirmando a nossa hipótese
sobre a incapacidade do aluno de desautomatizar o processo.
Na tarefa de controle, de recuperação de referentes houve resul-
tados semelhantes. Enquanto no resumo não houve inconsistências
que revelassem a determinação indevida de referentes de pronomes
pessoais, demonstrativos e relativos, na tarefa que exigia a análise não
automática do contexto houve um alto índice de erros (56%), apon-
tando para uma escala de dificuldades, já esperada, que ia desde a
simples recuperação do antecedente de pronomes nominais referentes
ao tópico e de relativos de sujeito, até a complexa recuperação de
referente catafórico de pronome (linhas 1-3) e do referente numa anã- -
fora extensa (linhas 8-10).
Antes de proceder à discussão das estratégias de- inferência de
vocabulário, discutiremos duas estratégias compensatórias que o aluno
utiliza em vez dos procedimentos analíticos necessários à inferência
de vocabulário. Por estratégia compensatória nos referimos à utiliza-
ção máxima de informação de um nível quando o acesso a outros
níveis está dificultado (vide Freebody e Anderson, 1981). Assim, se o
conhecimento lingüístico do aluno é limitado, ele passará a usar outro
tipo de conhecimentos, de caráter textual, discursivo, enciclopédico a
fim de suprir as limitações.
Os nossos alunos utilizaram dois tipos de estratégias, de masca-
ramento (" avoídance") e reajuste estrutural, ambas empobrecedoras
do ponto de vista da compreensão.
A estratégia de mascaramento, equivalente às estratégias orais
do aprendiz de segunda língua para evitar o uso de estruturas pouco
familiares (í.e., Krashen, 1981), estaria evidenciada num padrão bas-
122
tante comum de respostas (20 %) em que à resposta em branco na
tarefa' de tradução corresponde o apagamento do parágrafo em que
•
a palavra estava inserida. O aluno parece simplesmente ter pulado
durante a leitura um trecho com alto índice de palavras desconheci-
das. Um outro tipo de respostas interessantes, do ponto de vista de
estratégias compensat6rias, é aquela em que há uma correspondência
entre a tradução e o uso da palavra no resumo que envolve um rea-
juste estrutural do texto a fim de adequá-lo ao significado escolhido.
Este é o caso de resumos como li Milhares de crianças morrem todos-
os dias devido a uma inconsciência do mundo" (To allow 40000
children to die like this every day is unconscionable in a world ... )
correspondendo a traduções de unconscíonable" como inconsciên-
11 11
123
de hipótese de realismo homofOnico (seguindo Werner e Kaplan,
1963
, apud Carton, 1971, que notaram fenômeno semelhante na infe-
rência lexical de crianças pequenas e pacientes adultos). Por esta hipó-
tese, o aluno se apóia na aparência da palavra, que sugere um signi-
ficado pela sua semelhança com uma palavra da sua língua, havendo,
em conseqüência, proliferação de falsos cognatos do tipo "torno" por
"turn" (of the century), "compreensivo" por comprehensive", anti-
11 fi
124
Os alunos parecem estar inferindo com maior facilidade aquelas
palavras que estão ligadas ao título o- subtítulo, que conjuntamente
explicitam o tema do texto. Com efeito, em uma outra testagem que
consistia na tradução de palavras em contexto num texto cujo título
não explicitava o tema, não houve efeito facilitador nas traduções
dos itens lexicais que estavam ligados ao tema.
Em relação às estratégias de análise do contexto imediato, o
aluno utiliza eficientemente pistas de exemplificação, isto é, contextos
como "tuberculosís", "dífthería", "measles", imediatamente seguindo
a palavra" disease" e padrões de co-ocorrência familiares: por exem-
plo, pela experiência lingüística com expressões numéricas que co-
ocorrem com a palavra "taxa" chega-se ao significado de "rate".
Como indicamos anteriormente, houve raros casos de inferência
de palavras mediante a utilização do contexto nlo imediatamente
próximo, quando as pistas se encontravam numa estrutura paralela,
de contraste, (como em "bottled formula" e "mother'smilk"), ou de
sinonímia ou explicação (como no caso de "breastfeedíng").
Os padrões comuns nas respostas dos alunos nos permitem carac-
terizar a dificuldade do contexto, ao longo da dimensão proximidade.
Assim, seria mais fácil inferir o significado de uma palavra quando o
contexto imediato, lntraaentencíal, fornece as pistas necessárias, tal
como o contexto de exemplificação e colocação familiar já citados.
J á quando o contexto elucidador é íntereentencíal, como nos casos
de contraste e de explicação citados acima, o aluno teria mais dificul-
dades. Excetuaríamos aqui um contexto intersentencial, o da constru-
ção aposta: uma explicação direta, aposta, parece-nos ser um con-
texto transparente.
Do ponto de vista do processamento durante a leitura, é mais
difícil inferir o significado de uma palavra quando o leitor deve
manter a estrutura em que a palavra se insere na mem6ria de traba-
lho ("working memory"), enquanto outras unidades são processadas.
Isto explicaria a maior facilidade de utilização do contexto íntrasen-
tencíal na inferência.
Do ponto de vista da compreensão global, apesar de problemas
específicos na análise e processamento, o aluno pode chegar a um
significado, mesmo que aproximado, do trecho em que a palavra está
inserida. Porém, referimo-nos já várias vezes a trechos que slo con-
12~
sistentemente apagados ou distorcidos nos resumos dos alunos (e
cujos itens lexicais são incorretamente traduzidos ou não respondi-
dos). Esse é o caso do trecho referente aos problemas ainda a serem
resolvidos na imunização universal (parágrafo 3, linhas 33-38) e da-
quele referente à quarta medida de saúde para evitar a mortalidade
infantil (parágrafo 3, linhas 50-54). No primeiro caso poderíamos
argüir que o aluno está apenas demonstrando sua competência tex-
tual: ele apaga essas informações porque elas são triviais em relação
ao tema e à estrutura do texto. No segundo caso, trata-se porém, de
material não trivial, importante para o desenvolvimento do tema.
Se pensamos na existência de um nível limiar para a inferência
lexical em termos de densidade de palavras desconhecidas no texto,
a proporção absoluta (.12) não esclarece por que esses trechos e não
outros são menos accessíveís. Ao dividirmos o texto em macrounida-
des de informação, levando em conta para isso as relações de depen-
dência que se estabelecem entre as macroproposições do texto (i.e.,
conteúdos proposicionais inferíveis mediante a generalização ou inte-
gração de um conjunto de proposições), veremos que podemos esta-
belecer níveis hierárquicos entre as unidades de informação que cons-
tituem a base textual e que permitem a inferência dessas macropro-
posições. Assim, no texto em discussão, temos uma macroproposição
temática, de 1.° nível "Common diseases which claim the lives of
children in developing countries could easily be controlled": subordi-
nada a esta (por relações de dependência e argumentos partilhados)
temos uma macroproposição de 2.° nível "Such diseases could be
controlled through the adoption of four low-cost hea1th measures";
em seguida, temos uma macroproposição de 3.° nível, "The four mea-
sures are low-cost medicai treatment, universal immunization, breast-
feedíng, growth monítoríng", e, como proposição de 4.° nível, temos
"Advantages and/or residual problems in the adoption of measures
1, 2, 3, and 4". As proposições que constituem a base textual dessas
macroproposições conformam o que chamamos de macrounidades de
informação do texto.
Mostramos, na análise acima, que as maiores dificuldades, tanto
no resumo como na tarefa de tradução ocorreram em relação às ma-
crounidades que constituem a base textual das macrcpropcsíçõee de
3.° e 4.° nível. Problemas em relação à evocação e reconhecimento de
tais unidades, inferiores na hierarquia temática, Já têm sido apontadas
na literatura (Kintsch e van Dijk, 1977, Meyer, 1975): o fato de os
126
alunos apagarem essas informações é previsível por essa hierarquia.
Porém •.o fato de os alunos terem mais dificuldades para traduzir ele-
mentos contidos nessas unidades não se explica a partir do processo
seletivo de apagamento de informações mais distantes da macro unida-
de temática; a alta densidade de palavras deaconhecidas nessas unida-
des (.18) parece-nos um parâmetro explicativo mais relevante. Ao
estabelecermos um índice de densidade de palavras desconhecidas para
macrounidades de informação, ao invés de este ser estabelecido apenas
para o texto total, estaríamos caracterizando um índice de densidade
mais relevante para o ensino e determinação da legibilidade dos textos.
127
ser alertado à inadequação da e8trat~gia de 'tecomhinaçlo estrutural •.
mediante a segmentação e análise de estruturas com formas conheci-
das, mas com significados e funções desconhecidos. Por exemplo,
dada uma passagem como "The marihuana will be pulverized and
blown into the plant's fumaces, which now hum either natural gas
or oil" (TIME, 10/6/80), o aluno que conhece a palavra "plant" no
sentido de vegetal, ainda lhe atribuirá esse significado apesar de ele
não fazer sentido nesse trecho.
Um outro tipo de ação cujo objetivo 6 enriquecer a competên-
cia textual do aluno para melhor utilização de pistas inferenciais en-
volve a exploração máxima do título a fim de levar o aluno a formular
hipóteses sobre o maior número possível de expansões temáticas (vide
Kleiman e Terzi, op. cit., para discussão desta metodologia). Quanto
mais ricas as expectativas do aluno, maior a possibilidade de um
item lexical ser reconhecido como lexicalmente coeso ao tema.
Colocamos também uma sugestão relativa à seleção e análise pré-
pedagógica dos textos. A fim de determinar a dificuldade do texto,
devemos levar em conta não apenas a proporção de itens lexicais des-
conhecidos mas também a distribuição dos mesmos: se uma macro-
unidade de informação com um índice alto de palavras desconhecidas
for importante ao desenvolvimento do tema, faz-se necessário focalí-
zar ações pedagógicas em tais unidades, prevendo equívocos e estra-
tégias de mascaramento.
Embora tenhamos resultados que confirmam esta observação
pela alta incidência de erros (53%) numa testagem (tradução em con-
texto) com unidades de informação cujo índice de palavras desco-
nhecidas ia desde. 16 a .20, não pretendemos que esses dados sejam
adequados para caracterizar um nível limear de conhecimento de voca-
bulário; contudo, queremos enfatizar que a análise pré-pedagógica
para escolha do texto deve levar em conta informação distribucional
e temática do léxico desconhecido.
Voltando à nossa preocupação 'inicial sobre a aprendizagem do
léxico, os procedimentos de inferência lexical do aluno determinam,
em certa medida, a relativa ineficiência dos mesmos para levar o
aluno desde o primeiro estágio de conhecimento de léxico, de apenas
estar ciente de ter visto a palavra em algum contexto, até o estágio
de conhecer um ou mais significados de uma palavra. Porém, con-
128
[ugados às limitações desses procedimentos encontramos muitas vezes
procedimentos pedagógicos: a escolha de textos de temas muito diver-
sificados, que reduzem consideravelmente as possibilidades de uma
mesma palavra aparecer com maior freqüência, negando assim ao
aluno a oportunidade de reencontro com a palavra. O estágio inter-
mediário, de reconhecimento de uma palavra em contexto, será faci-
litado quando esse contexto evocar outro sobre uma tema semelhante.
Assim como o domínio do aluno sobre um assunto é facilitado pela
escolha sistemática de vários textos sobre o mesmo tema, também seu
conhecimento lexical será enriquecido. Só assim, a cada novo texto
que ele ler, ele sentirá que estará progredindo e não recomeçando
a tarefa.
AP~NDICE
129
25 There is also proaress in the drive toward universal
immunization apinst such chUdhood diseases as measles.
poliomyelitis and diphtheria. Within 24 months, the Brazilian
aovernment mounted six nationwide polio immunization campaians.
each involvina 400,000 volunteers, and manaaed to eut the
30 incidence of the disease from 3,400 cases a year to jUlt 26.
Beeause of technoloaical advances, the eost of vaccine has
dramatically decreased: measles vaccíne now selle for less than
10 f. a dose. But further research is necessary. Some vaccines
must be refriserated until they are administered, which bas
35 slowed immunization programe in rural areas where coolina
facilities are scarce. Moreover, musterina the manpower
needed to vaccinate thousands of children in remote places
remains a problem.
To reduce malnutrition and infection, UNICBF
40 prometes breastfecding. Unlike canned or botted formula,
mother's milk contains key antibodies that are passed from
mother to child durina feedina. In areas where hysiene is
inadequate, babies often contract infections from bottled
formula made with dirty water and under aeneral1y unlterile
45 conditions. In the PhiUppines, a breastfeedina prostam at
Baguio General Hospital reduced clinicai infections by 87 %
and cut the infant deatb rate by 95%. Nevertheless, international
aid organízatíons find it difficult to persuade many mothera
in dcveloping countries to abandon bottle feedina, wbich they
50 regard as more scientific and moderno In addition, since almoat
ali infant malnutrition is invisible - infections and lack of
nourishing food oíten stymie a child's growth in waya not
itnmediately evident - UNICEF sualesta that parenta use charts
to monitor the physical development of their chlldren.
55 The cost of such 8imple health measures, UNICEF
estímates, would be in the neilhborhood of $6 bllUon annual1y
until the turn of the century, or "one-hundredth of the world's
spendíng on armaments each year", "It i8 clear", says Grant,
"that a major requírement for comíng to grips with crltíeal
60 poverty today is not money but polltícal will. If that can be
found, in order to seíze the opportunities now offered, then
the goal of adequate food and health for the vast majority of
the world's children need not be a dream deferred".
(TIME, 27/12/82)
131>
PERCEPÇAO DA FUNÇAO DISCURSIVA
DO LltXICO *
1. INTRODUÇÃO
Um enfoque puramente Iíngüístícc do estudo da compreensão é
reducionista e, por isso, pouco elucidativo do processo. Um enfoque
que coloca toda a carga da compreensão do texto na faculdade da
linguagem está condenado ao fracasso (cf. Morgan e Sellner, 1980).
O pressuposto da existência de um significado do texto que não
é apenas combinatório e somatório dos itens discretos, mas que é
construído pelo leitor apoiado em princípios de ações cooperativas
mais gerais é, de fato incompatível com um enfoque exclusivamente
lingüístico ao estudo da compreensão. Entretanto, esse pressuposto
não implica uma incompatibilidade com o exame dos aspectos lin-
güísticos, locais do texto que contribuem para a construção do signi-
ficado global. Pode. ser o caso que a incompreensão seja sempre con-
seqüência de deficiências globais de caráter intelectual, ou de dife-
renças culturais e experíencíaís do leitor.
Examinaremos neste trabalho problemas na compreensão da es-
crita que se manifestam como problemas de incompreensão de aspec-
tos locais do texto, especificamente problemas na percepção da função
do léxico no texto. Acreditamos que a incapacidade do aluno para
perceber a função de itens lexicais no texto para contribuir à signi-
ficação é conseqüência do ensino: as tarefas escolares exigem apenas
* Este trabalho foi financiado pelo INEP; a pesquisa faz parte do projeto
"Interrelação dos fatores determinantes de compreensão de textos no 1.0
greu'',
131
automatismos, requerendo pouco ou nenhum envolvimento das capa-
cidades cognitivas do aluno; o tipo de exercícios que o aluno deve
realizar ensina diretamente que há palavras que contribuem em menor
grau ao significado total do texto.
O pressuposto de que devidamente orientado o aluno perceberá
a função do léxico para marcar atitude proposicional do autor e se
engajará. numa tarefa que faça demandas aos seus processos cogniti-
vos forma a base da experiência a ser relatada neste trabalho.
Sendo o léxico o indicador mais seguro de dificuldade do texto
(e portanto de problemas potenciais na compreensão), e havendo
constatado nos alunos a utilização de operações automáticas apenas
i.e., de reconhecimento e identificação de itens lexicais, os testes que
foram aplicados envolviam a tarefa de inferir a atitude proposicional
de dois autores em relação a um mesmo assunto, para o que a inter-
pretação com apoio em pistas primordialmente lexicais era essencial.
2. DESCRIÇÃO DO INSTRUMENTO
132
indica uma orientação de descomprometimento com a verdade da
proposição "a possibilidade de uma guerra nuclear 6 mais remota
hoje". Esta atitude está marcada de diversas maneiras no texto: pelo
uso do modalizador "parecer" no primeiro parágrafo, bem como o
uso da expressão "citam como e-xemplo" e o adjetivo "aparente" no
segundo parágrafo; também no segundo parágrafo encontramos que
o autor atribui explicitamente as declarações sobre os esforços para
proscrever o uso bélico da energia nuclear a terceiros, mediante a
utilização do verbo "dizer". Com o uso da conjunção concessiva
embora na cláusula subordinada, o autor continua a se manter des-
comprometido com a verdade da proposição "eles se esforçam ... "
pois a concessiva, apesar de sua função restritiva, que quebra uma
expectativa projectada para o leitor de que todos deveriam ter assi-
nado, argumenta ainda no sentido da declarativa, pois a maioria
assinou. Mediante o uso de ainda, na última sentença, o autor relati-
viza a validade das proposições que relatam os resultados do acordo.
No texto a seguir:
temos, por outro lado, que o autor está comprometido com a verdade
da proposição "a possibilidade de uma guerra nuclear é mais remota
hoje", que, já no primeiro parágrafo, não aparece modalizada pelo
verbo "parecer". Também essa atitude está marcada pelo uso das
expressões categóricas "dar o exemplo" e "esforçar-se", que descre-
vem um fazer e não apenas um relato de um eventual fazer. Ao con-
133
trário do primeiro texto, que explicita a intertextualidade, o autor
deste texto assume o discurso dos EUA e da Rásela. Ele utiliza ainda
o restritivo "apenas" - duas vezes - para restringir o conjunto de
países que não assinou o acordo, assim como minimizar o conjunto
de efeitos das explosões nucleares subterrâneas.
A capacidade de perceber a atitude do autor nos dois textos
requer habilidades outras que a identificação automática de itens lexi-
cais; ela envolve a reconstrução de uma posição argumentativa, implí-
cita, a partir de elementos explícitos, a maior parte deles lexícaís
(embora haja também diferenças estruturais, isto é, nominalização
versus complemento sentencia! no segundo parágrafo dos textos).
3. MSTODO
134
Esperava-se que aqueles alunos que foram orientados para a
tarefa de comparar pontos de vista dos autores tivessem um desem-
penho significativamente melhor na inferência de atitude, demons-
trando com isso um desempenho mais eficaz na percepção da fun-
ção discursiva do léxico.
Houve pré-testagem com 12 leitores adultos, alunos universitá-
rios; os resultados confirmaram que os leitores proficientes percebiam
as diferentes atitudes proposicionais independentemente das condi-
ções da t.arefa..
Os alunos que fizeram a tarefa comparativa tinham duas instru-
ções concretas que lhes aiudaríem a perceber a diferença entre os
dois textos, isto é, a perceber os efeitos discursivos do léxico. Por um
lado, as instruções orientavam objetivamente para a comparação, ao
apresentar dois textos, e por outro lado, orientavam o aluno em dire-
ção à síntese necessária à leitura, ao explicitar que cada texto apre-
sentava apenas um ponto de vista, isto é, se constituia numa unidade
que ia além das propriedades lingüísticas de cada um. Havia ainda
um terceiro tipo de orientação; aquele constituído pelas perguntas
que acompanhavam o texto, uma vez que as perguntas tomavam a
informação focalizada mais saliente. O grupo controle tinha apenas
esta última orientação.
Grupo experimentaI
Perauotas Grupo controle
(n=25)
(naU)
VNes: Pl 25% 84%
P2 '0% 84%
P3 '8% 100%
(0=13)
VAf: PI 61% 80%
P2 46% 80%
P3 37% 68%
VNeg VAI
1. Não, porque no texto ele 1. Sim. Ele não duvida do es-
fala "dizem esforçar-se" co- forço pelo jeito que escre-
mo quem diz será que estão veu, afirmando.
se esforçando realmente,
quem é que sabe.
136
2. NAo, por causa a dúvida que 2. Sim. Porque a maioria dos
~ texto nos põe em que eles países assinou o pacto e no
vão continuar os testes s6 ponto de vista dele os pri-
que abaixo da terra. meiros sócios estio de boa fé.
3. Não, pois mesmo sendo sub- 3. Eu acho que sim, pois ele
terrâneo causariam ligeiros citou que se houvesse testes
abalos de terra. subterrâneos apenas causaria
abalos ligeiros.
VNeg VAI
1. Sim. Porque houve a assina- 1. Sim. Porque em 1963, assi-
tura em Moscou, em 1963 naram em Moscou o Tratado
do Tratado de Proscrição de de Proscrição de Experiên-
Experiências Nucleares. cias nucleares.
2. Não. Porque as nações com- 2. NAo. Porque as nações com-
prometem-se a não realizar prometem-se a não realizar
testes na atmosfera mas ape- testes na atmosfera mas ape-
nas subterraneamente, o que nas subterraneamente, o que
ainda poderia causar ligeiros poderia causar apenas ligei-
tremores de terra. ros tremores de terra.
3. Não. Porque ainda poderia 3. Não. Porque poderia causar
causar ligeiros tremores de apenas ligeiros tremores de
terra. terra.
137
QUADRO 3: Padrões de respostas inadequadas
•
Padrão de respostas N. o de respostas Total %
por pergunta (n=9)
VNea/VAf PI P2 P3
Mesma resposta Não/Não 3 4 5
Sim/Sim 3 74%
2 3
Resposta diferente NIo/Sim I 1 1
SIm/NIo I - - 14%
Indecisos 1 2 - 11%
Citação
Paráfrase
(2) P2 - (VAf) Sim. As superpotências fizeram com que os
países assinassem o contrato que os impedi-
riam de construir a bomba.
138
Os alunos que utilizam justificativas textuais conseguem verba-
lizar uma estratégia inconsciente de percepção da função de palavras.
Essa reflexão metalíngüístlca deixa claro que o aluno percebeu a
função das palavras enquanto elementos objetivantes de uma atitude:
há aqui envolvida uma concepção de significação que vai muito além
do significado como propriedade de uma palavra; há também envol-
vida uma concepção de texto que vai além da soma das palavras
envolvidas. Essas duas concepções estão bem ilustradas no exemplo
a seguir:
(3) P1 - (VNeg) Não. O autor fala com certa dúvida dos es-
forços dos primeiros sócios (como na frase)
" . .. dizem esforçar-se para evitar ... n e em
outra: "Eles citam como exemplo desse apa-
rente esforço a assinatura" como que eles só
falam mas não agem.
139
amplo...Entre essa construção de significado e o desempenho dos alu-
nos exemplificados na seção anterior, há um mundo de distância.
Outras palavras do texto servem como elementos iniciadores de
um processo de construção de relações com premissas de cunho cien-
tífico de evidente origem escolar. Tanto "tremor de terra" como
"teste subterrâneo" tiveram essa função na testagem.
De certa maneira estas justificativas equivalem ao argumento de
autoridade, pois o aluno fornece dados cuja credibilidade está garan-
tida pela sua fonte. Percebe-se que as relações com conceitos que
não são acessíveis pela experiência direta não estão integrados em
sistemas ricos em interconexões; em todas as justificativas desse tipo
o aluno demonstra um conceito ecológico limitado demais pela pista
lexical: assim, os efeitos de testes nucleares subterrâneos foram liga-
dos a prejuízos no subsolo (vide exemplos abaixo) sem que fossem
considerados outros efeitos em outros sistemas ecológicos:
140
ções (" eles poderiam esquecer essas idéias malucas ... "), (" desleais"),
("flquem inteiramente no poder e superiores aos outros ti) para citar
alguns exemplos.
Na realidade, as justificativas de base extratextual não justifi-
cam a inferência de uma atitude ou outra do autor, mas justificam a
própria atitude do leitor, que no caso coincide com a do autor. Ao
compararmos as justificativas que apresentam citação ou paráfrase
dos elementos textuais que justificam a inferência (43% dos casos)
com as justificativas de base extratextual, nota-se que um efeito da
justificativa de base textual é tornar a posição do aluno opaca; no
outro tipo de justificativa, como já mencionamos, o leitor justifica sua
própria atitude. Temos aqui uma questão relevante ao ensino de
leitura: uma das estratégias que nos leva à compreensão é o estabele-
cimento de conexões entre elementos presentes no texto com outros
do contexto mais amplo. O aluno que utiliza evidência extratextual
está justamente fazendo isso, mas, no processo, ele perde de vista a
intersubjetividade, não conseguindo dissociar a sua atitude daquela do
autor, implícita no texto. Pareceria então, que apesar de serem capa-
zes de resolver a tarefa experimental, estes leitores são leitores ingê-
nuos, que acreditam naquilo que o autor acredita. Porém, não é
esse o caso. Nota-se, nos dados representados no Quadro 4, a seguir, .
que o aluno usa evidência extratextual (e assume, portanto, a posi-
ção do autor) na versão negativa do texto, que coincide com sua
posição quanto ao assunto; já na versão afirmativa as justificativas
são, quase que na totalidade, de base textual:
= 18: número
*.
* n de respostas corretas de 6 alunos
n = 96: número de respostas corretas de 16 alunos
.•..•..•.As respostas dos subgrupcs estão divididas conforme a versão que o
aluno leu.
141
Entre os pouquíssimos casos em que o aluno utiliza evidência
extratextual na versão afirmativa, observamos que, o aluno assume
a posição do autor na VNeg, dissociando-se do autor na VAf, como no
exemplo a seguir, de um mesmo adolescente:
Isto indica que, apesar de o aluno não ter conseguido (ou não
ter optado por) explicitar as operações sobre o léxico que ele utílí-
zou e que lhe permitiram chegar à sua resposta, ele realizou essas
operações.
Bem diferente é o desempenho dos alunos (36%) que não con-
seguiram perceber a atitude do autor na tarefa experimental, isto é,
os alunos cujo desempenho é semelhante ao da maioria do grupo
controle, cuja tarefa não tinha pré-dírecíonamento nem parâmetro
comparativo. Nesse grupo que fracassou na tarefa experimental, não
há tendências marcantes, sendo as respostas mais dispersas. Nota-se
uma ligeira tendência no mesmo sentido do grupo que resolve a tarefa
(a metade (500/0) dos alunos justifica textualmente a VAf, enquanto
que quase a metade (440/0) justifica extratextualmente a VNeg). Há,
proporcionalmente, menos justificativas de base textual: 73% das
respostas do grupo que resolve a tarefa são de base textual versus
35 % deste grupo. Obviamente estes últimos alunos têm dificuldades
142
para perceber a função do léxico na argumentação, sendo natural que
não ~ utilizem como controlador do tipo de respostas dadas.
Embora haja diferenças nas justificativas do ponto de vista quan-
titativo, é do ponto de vista qualitativo que as diferenças se tornam
significativas. Ao contrário dos alunos que conseguem resolver a
tarefa, que como vimos, justificam a opinião deles, leitores, apenas
na versão negativa (quando esta coincide com a do autor), marcando
claramente a posição do autor na versão afirmativa (quando esta não
é compartilhada pelo aluno), os alunos que não acertam a tarefa não
fazem essa diferença. Já vimos que a maioria dos alunos percebe ape-
nas um texto, reiterando a sua resposta (repetindo-a ou parafrasean-
do-a) em cada versão (vide exemplo (1) acima), ou, ainda, amplian-
do-a na mesma direção argumentativa de sua primeira resposta:
143
Eles se ap6iam em palavras também, mas sem perceber a fun-
ção, \ apenas o significado discreto. A unidade de apoio para a infe-
rência é tratada apenas como um elemento a ser pareado com um
elemento do léxico mental do aluno, sem considerar as interconexões
com outras palavras.
A justificativa de base etxratextual nesse grupo não pode ser
considerada adequada, pois o estabelecimento de conexões com o
contexto mais amplo não vem precedido da análise- e síntese neces-
sárias à compreensão. Há apenas reconhecimento de palavras. Isso
torna-se evidente quando consideramos as respostas que se apéíam
no texto. Em relação às duas primeiras perguntas, as palavras salien-
t es sao
- o, 11 esf orço,"". assinatura"."
su b st an t'IVOS: " pacto, "" trata do"
Assim, por exemplo, em resposta à primeira pergunta da versão
negativa, encontramos:
144
dade de significado, do qual as opções lexícaís, no conjunto, são
com titutivas.
lo
145
lecimento de uni objetivo específico para a leitura, e a automonito-
ração do processo de compreensão. Pode-se constatar que a tarefa
proposta envolvia necessariamente essas duas estratégias: para a pri-
meira, a intervenção do adulto foi crucial, pois foi ele que explicitou
o objetivo da leitura, isto é, comparar os dois textos a fim de inferir
a atitude proposicional do autor. Foi o aluno que não perdeu de
vista esse objetivo, quem conseguiu resolver a tarefa. Ora, um aspecto
da automonltoração consiste justamente em se manter ciente desses
objetivos. Outras atividades necessárias à leitura são definidas e deli-
mitadas em função desse objetivo, como a identificação dos elemen-
tos que são importantes para a comparação dos textos (que restringem
e controlam a comparação para a consecução do objetivo) e o uso
do conhecimento prévio para construir as relações relevantes à leitura.
Podemos dizer, então, que aqueles alunos que reconstr6em a
atitude do autor estão, durante a leitura, controlando de maneira
ativa o processo, enquanto que aqueles que não resolvem a tarefa
utilizam comportamentos automáticos de reconhecimento do léxico e
de segmentação, sem o controle deliberado e voluntário e sem ação
reflexiva.
Esse controle e essa ação asseguram a eficiência das várias estra-
tégias de leitura: análise de elementos lexicais (e estruturais) e à
síntese para a recuperação do significado global; o estabelecimento
de conexões entre elementos lexicais (e estruturais) com o contexto
mais amplo de conhecimento do leitor (pragmático, de conceitos não
experiencialmente adquiridos, do passado); a identificação da inter-
textualidade, mediante o reconhecimento e manutenção, em planos
ora convergentes, ora divergentes, mas sempre distintos, do narrador,
das entidades referidas pelo narrador, e do leitor; a interpretação dos
elementos lexicais (entre outros) em conjunção com elementos extra-
textuais para a inferência e explicitação da atitude do autor.
Sem esse controle deliberado, consciente e reflexivo, a compreen-
são do texto se torna difícil por várias razões: pela complexidade
do texto, pois se o aluno percebe o significado apenas como uma
propriedade das palavras, na decomposição e segmentação dos ele-
mentos, algumas palavras irão apontar num sentido enquanto outras
apontarão no sentido inverso e s6 a descoberta do fio, desse emara-
nhado de relações tomará o objeto mais simples. Também o texto
toma-se difícil pela incoerência percebida, ou entre o texto e o con-
146
junto de crenças do leitor (para o leitor é incoerente o autor falar
de "apenas pequenos tremores" quando ele, leitor, acha que até um
pequeno tremor é sério) , ou pela incoerência percebida no próprio
texto: muitos alunos acham que o autor primeiro acredita e depois
Já não acredita). O texto pode se tornar difícil ainda, porque a tarefa
não faz sentido para o aluno, isto é, se não há consciência de que
os limites do texto não estão nas palavras nele contidas, como enten-
der as instruções que solicitam algo que não está explícito.
Ora, todas essas dificuldades são produto do ensino: o texto
sempre será complexo se se enfatizar o significado das palavras ao
invés da função dessas palavras no discurso, isto é, o que o autor
quer dizer com essas opções lexicais; as tarefas sempre serão pouco
claras, confusas e as habilidades necessárias para sua resolução não
forem praticadas; o texto sempre será incoerente se a atividade de
leitura não for orientada para a construção de relações em unidades
maiores do que a sentença, e se não for instaurada, como requisito
básico da interação à distância, através de _um processo dialético
analítico-sintético, a necessidade de "ouvir" cuidadosamente o autor I
147
Parte III
Ensino
ENSINANDO A LEITURA *
You can't teacb the science 01 reading; love gets in
the way.
(Não se pode ensinar a ciência da leitura: o amor
entra no meio).
(Dr. Seuss)
151
- lingüísticas, discursivas, enctclop6dicas - para resolver falhas
momentâneas no processo; é ensinar, antes de tudo, que o texto é
significativo, e que as seqüências discretas nele contidas sõ têm valor
na medida em que elas dão suporte ao significado global. Isso implica
em ensinar não apenas um conjunto de estratégias, mas criar uma
atitude que faz da leitura a procura da coerência: as proposições
estão em função de um significado, devem ser interpretadas em rela-
ção a esse significado; as escolhas lingüísticas do autor não são alea-
tórias mas são aquelas que, na sua visão, melhor garantem a coerência
de seu discurso.
Para criar essa atitude frente ao texto devemos, por um lado,
sensibilizar a criança para os traços lingüísticos que servem de super-
te à reconstrução do quadro referencial proposto pelo autor, isto é,
aqueles traços que salientam, hierarquizam informações, que dão
coesão, e que funcionam no nível macroestrutural do texto, como
macroconectivos, ou predicações que marcam a linha temática. POI'
outro lado, mais importante é criar condições na sala de aula para
que a criança interaja globalmente como o autor via o texto.
A pesquisa que vimos desenvolvendo claramente demonstra o
fato de os problemas de leitura do aluno serem superáveis mediante
a criação de condições que permitam tal envolvimento, que engajem'
a faculdade de compreensão.
Encontramos, entretanto, que as práticas mais comumente usa-
das em sala de aula são inibidoras do desenvolvimento da capacidade
de compreensão. Uma dessas práticas é a leitura avaliação, em que
se utiliza a leitura em voz alta para avaliar a capacidade de com-
preensão da criança. ~ preciso, no processo escolar, avaliar se o
aluno está desenvolvendo adequadamente suas habilidades de leitura,
mas para isso devemos saber exatamente o que vamos avaliar, e quais
são as tarefas que, se o aluno conseguir executar, nos permitem
dizer que esse aluno lê.
Se, por exemplo, queremos descobrir se o aluno conhece as
regras ortográficas da língua, a leitura em voz alta é um bom instru-
mento de avaliação, considerando que a criança, para fazer isso,
deverá conhecer as correspondências entre grafia e som.
Se estivermos interessados em saber se o aluno reconhece os
valores dos diversos sinais de pontuação, também a leitura em voz
alta é adequada, porque a evidência está na entonação com que lê.
152
Mas, se estivermos interessados na capacidade da criança para
compreender um texto, fica difícil justificar a leitura em voz alta.
A tarefa é muito complexa para a criança, pois ao mesmo tempo em
que está preocupada em pronunciar corretamente cada palavra, tem
que se preocupar com o significado das mesmas a fim de formar
unidades de significação. O que ocorre, em geral, é que numa situa-
ção de leitura em voz alta, a preocupação primordial da criança é
com a decodificação, uma vez que, naquele momento ela está sendo
avaliada neste aspecto pelo professor e pelos colegas. Como conse-
qüência, o significado fica em segundo plano.
Contribui também para isto o fato de a criança, mesmo per-
cebendo que o texto não está fazendo sentido, não poder voltar a
lê-lo, uma vez que o professor espera que a leitura seja contínua,
progressiva.
A leitura silenciosa, no entanto, excluindo a preocupação com a
pronúncia e entonação, permite à criança envolver-se totalmente na
busca de significados utilizando para isto seu próprio ritmo de leitura
e as regressões ou releituras que se lhe fizerem necessárias.
Como já vimos, a velocidade do olho é maior que a da voz,
mas é também condicionada por esta, pois o olho poderá perceber .
até seis palavras a mais, desde que seja a partir daquela que está
sendo "falada". Ora, a leitura em voz alta, por exigir a pronúncia
de todas as palavras, é naturalmente mais lenta; conseqüentemente,
ela barra o desenvolvimento da velocidade do olho. Simultaneamente,
ela leva a criança a fazer um número maior de fixações, impedindo
que ela desenvolva a habilidade de fazer sacadas cada vez maiores e
assim, de ler mais rapidamente
Em suma, o uso excessivo, da leitura em voz alta é um fator
inibidor do desenvolvimento do bom leitor. Se quisermos avaliar se
o aluno está desenvolvendo a flexibilidade necessária para adaptar
suas estratégias de leitura à natureza da tarefa, bem como a inde-
pendência característica do leitor proficiente, devemos observar seu
desempenho enquanto propomos diversas tarefas, que o ajudem a
relacionar o texto como que ele já sabe, que o ajudem a estabelecer
objetivos próprios, que engajem seus processos cognitivos.
A segunda prática que mais comumente observamos, e que con-
sideramos também inibidora do desenvolvimento da capacidade de
153
leitura da criança é a prática da leitura sem orientaçlo, exemplificada
pela prática do professor que solicita à classe que "abra o livro na
página x e leia" ao invés de preparar o aluno para engajar seu conhe-
cimento prévio antes de começar a ler, isto é, fazer com que o aluno
traga à memória intermediária tudo que sabe sobre o assunto a fim
de facilitar a compreensão,
Uma maneira adequada de ativar o conhecimento prévio da
criança consiste em fornecer um objetivo à leitura, (i.e., vamos ler
para descobrir por quê, como ; para conhecer os detalhes de ... ;
para ter uma idéia geral de ). A criança deve aprender a adaptar
suas estratégias de leitura e de abordagem ao texto aos seus próprios
objetivos. Daí a dupla vali dez de uma prática em que o professor
define, antes da leitura, os objetivos da mesma, assim modelando
uma atitude importante de acesso ao texto.
Relacionada a uma prática de leitura mecanicista está o que
chamaremos de hipótese de transferibilidade tipológica, à qual mul-
tas propostas de ensino estão subjacentes. Considera-se que a capa-
cidade de compreensão é transferível através de tipos discursivos, isto
é, a criança que compreende um texto narrativo não deveria ter difi-
culdades para compreender um texto expositivo.
Há experiências que atestam a falácia de tal pressuposto (vide,
por exemplo, Freedle e Hale, 1979); entretanto, o educador que adota
uma visão da leitura como interação não precisa de resultados expe-
rimentais para se precaver contra tal falácia: numa visão interacio-
nista, o objetivo do autor é diferente, e está marcado de maneira
diferente, nos diversos tipos de texto. Se nem sempre a criança está
ciente do objetivo da leitura em sala de aula, muito menos estará
ciente de que por trás desse texto há um ato e uma intenção dife-
rentes: entreter, informar, convencer. O objetivo da leitura da crian-
ça será também diferente, em parte determinado pelos seus interesses
e necessidades, em parte conseqüente com o objetivo do autor, para
assim compreendê-lo e avaliar o grau de sucesso deste.
Também relacionado às práticas de leitura via automatismos,
está a hipótese de linearidade. Certamente as propostas que aderem
a tal hipótese não terão como preocupação central a criação de con-
dições para que a criança reconstrua o sentido global do texto. Temos
observado que as práticas atomicistas e de segmentação do texto im-
pedem a criança de integrar as informações do texto: frente a uma
154
tarefa que promove a leitura global do texto, os escolares conseguem
integrar as informações e parafraseá-las através de um texto coeso e
coerente, enquanto que escolares do mesmo nível, frente a tarefas
que promovem a depreensão seqüencial dos signüicados, não recons-
troem as- informações de um todo integrado nem conseguem para-
fraseá-las de maneira coesa e coerente, revelando inconsistências, equí-
vocos, e incompreensão. Tarefas como elaborar um resumo com con-
sulta ao texto, ou como extrair idéias principais de um parágrafo,
ou ainda como responder perguntas sobre informações parciais, são
suficientes para criar no escolar uma relação de dependência com o
objeto, relação que seus colegas não exibem quando a ênfase da
tarefa recai na reconstrução do texto como um todo. Tal ênfase é
própria de um .enfoque interativo integrado, enfoque este que per-
mite à criança efetivamente revelar a sua capacidade de compreensão,
e que reposiciona o problema da compreensão do texto não no escolar
mas nas condições adversas com que ele se depara para chegar à
compreensão.
Porém o professor, trabalhando em condições precárias, não
conta com material didático adequado, isto é, material baseado em
concepções adequadas de linguagem, leitura e aprendizagem. Também
a própria prática do professor muitas vezes apenas ecoa o livro didã-
tico, assumindo essa inadequação.
Examinaremos diversos aspectos dessa inadequaçãó nos artigos
incluídos nesta parte. Em Leitura e legibilidade, considerações sobre
11
155
LEITURA E LEGIBILIDADE:
REFLEXOES SOBRE O TEXTO DIDATICO *
.•. Este texto é uma versão resumida do texto com o mesmo nome publicado
em Série Cadernos PUC, 17 - Ensino de Llnguas, pp. 79-104, 1981. Essa
pesquisa foi desenvolvida durante a estada da autora no Center for Study
of Reading. da University of lllinois.
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através de suporte teórico que podemos privilegiar certas estruturas;
afinal, os textos aão difíceis para a criança compreender, e deveria
ser 'sua compreensão ou incompreensão de um texto o que validasse
as propostas; se a criança conseguir ler o texto, então ele é legível.
Na ausência de propostas inequívocas, este trabalho oferece indireta-
mente subsídios ao problema, a partir da anélíse de redações produ-
zidas por crianças 1. As redações, na medida em que elas se adequam
à tarefa solicitada, i.e., resumo ou evocação de um texto didático
imediatamente após a leitura, se constituem numa evidência da com-
preensão ou falta de compreensão no momento da leitura. Há mais:
na medida em que processos inferenciais e de seletividade da infor-
mação textual da criança são auxiliados ou impedidos por aspectos
de estrutura do texto, poderemos caracterizar parcialmente o texto
didático legível.
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Nesta proposta, apoiamo-nos nas contribuições de Bartlett (1932)
(retomadas atualmente na teoria de esquemas), que notou repetida-
mente que na resolução de divenas tarefas experimentais de ordem
cognitiva, o sujeito imediatamente coloca em jogo diversas tendências,
interesses, Inclínações que lhe permitem adotar uma atitude específica
para a resolução da tarefa; a análise propriamente dita de um estí-
mulo perceptual, por exemplo, pode estar ausente, o que não impede
de certos aspectos do estímulo sejam percebidos como mais impor-
tantes do que outros, em virtude de um esforço, constante do indiví-
duo, de ir atrás do significado.
Há nesse esforço uma tendência, muitas vezes, de procurar a
solução mais fácil. Essa reação na procura de uma saída mais fácil t
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o insucesso generalizado da criança nas tarefas solicitadas, e a
incidência de reconstruções sem base textual, comuns nos textos pro-
duzidos pelos alunos; decorreriam da rigidez e inflexibilidade de cer-
tos mecanismos de abordagem do texto didático, produtos estes de um
padrão de expectativas pré-determinadas, já confirmadas pela prática.
Estas expectativas funcionariam à margem de interesses e motivações
individuais, uma vez que o texto didático é imposto, e à margem
das restrições impostas pelo próprio texto, por se tratar, como vere-
mos adiante, de expectativas que pré-condicionam o processo de sele-
tividade de informação, assim dificultando o processo de leitura e
paráfrase toda vez que o texto não corresponder ao estereótipo idea-
lizado. Inserindo este conceito de esquema específico de interação
na concepção de leitura, o esquema do texto didático constitui-se num
mecanismo que limita as possibilidades de interação entre autor e
leitor na medida que ele é pré-condicionado e invariável.
160
que os processos de tntegração e generalização dos elementos textuais
neIl'! sempre obedecem as restrições impostas pelo texto original, e
que existe um processo complementar que permite a introdução de
novos elementos, não implicados pelo texto. Estes três processos expli-
cariam ocorrência de desvios, enquanto o primeiro daria conta tam-
bém de reconstruções de material trivial e de reconstruções bem
sucedidas.
o termo reconstrução então, descreve a evocação ou resumo de
elementos de diversos graus de fidelidade 'com o original, desde a
repetição, passando pela paráfrase e a construção de proposições
implicadas pelo original, até reconstruções parciais em que um ele-
mento subordinado é utilizado em vez do superordenado do original.
Os exemplos (1) - (3) ilustram reconstruções adequadas, de dife-
rentes ordens de aproximação ao original:
(4) As pessoas que não vêem TV não ouvem rádio não têm
cultura (Cf. com o original "Mas algumas pessoas que não foram
. escola, não vêem televisão e não ouvem rádio têm pouca cul-
erudita") .
161
Também correspondências com o original que são utilizadas sem
respeitar as restrições do texto original são classificadas como des-
VIOS, como no exemplo (5) a seguir:
(') Quando nascemos não sabíamos nada. Mas através dos tem-
pos a nossa cultura vai aumentado. .. ~ lõgíco que com o pas-
sar do tempo a minha cultura crescendo eu vou ficando mais
inteligente. (Cf. o original "como ninguém nasceu sabendo x,
as crianças aprendem ... ; como ninguém nasceu sabendo y, as
pessoas aprendem ... " e "A cultura vai mudando com o passar
do tempo, novos conhecimentos vão-se juntando à cultura já
.
existente, ·
ennquecen do-a")
o-a .
(7) He fled and this became a great event (se converteu num
grande evento substitui a data de fuga marca o começo do ca-
lendário muçulmano).
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produzidos pela criança, de elementos mais informativos, mais altos,
ou- independentes, na estrutura. A exclusão, como a distorção, é uma
instância de reprodução da Informação mal sucedida. Assim, por
exemplo, o apagamento de um exemplo é considerado como resul-
tado de processos adequados de depreensão de significado (e, nos resu-
mos, de redução do mesmo) enquanto que a reprodução de um exem-
plo na ausência da categoria que ele exemplifica é considerada como
exclusão, um tipo de reprodução mal sucedida. :g comum nas reda-
ções a exclusão de elementos de maior carga informativa, que dariam
coerência à seqüência de elementos recuperados. Exemplificamos as
exclusões, que serão retomadas na Seco 4, mediante o exemplo (9)
contrastado com o exemplo (10), que reproduzem integralmente dois
resumos baseados na leitura de um mesmo texto:
(9) In the story Mohammed was a kind of leader like Moses
and Jesus people followed him. They kneeled to an Allah, a God
which they called it like that in Arabic. They would kneel fíve
times to the Allah. Mohammed died in 637 ar 332.
(lO) In a town caUed Mecca during the 600's their lived a
man named Mohammed. During this time people dídn't worship
Gods, they worshipped statues and idols. Soon Mohammed began
teaching; his people about a God named Allah. Many peoplé
followed his belíefs, but some did noto They began to persecute
Mohammed and his followers. Mohammed fled. The year in
which he fled was 622 and ít marked the beginning of the mos-
lem calendar. Mohammed died in 632 A.D. and his teachings
were written in a book called the Koran, his followers were
called moslems. The relgeons he teached was Islam. The Mos-
lem became powerful and conquered many citys. Arabic was
read and spoken. Their numbers carne from India and called
Híndu-Arabic.
A seleção para a análise de apenas a carga informativa repro-
duzida nas redações obedece ao fato de que não há índices inequívo-
cos nas produções das crianças de que elementos de coesão textual
sejam recuperados, a exceção do fenômeno de coesão estabelecida
lexicalmente ou pela co-referência, a ser discutido mais adiante. Há
uma tenâêncía, nas reproduções melhor sucedidas (sem distorções;
com poucas ou nenhuma exclusão) a manter a hierarquização dos
elementos do texto original. Assim, por exemplo, nove resumos do
163
texto em inglês (30%), recuperam, na ordem em que apresentamos
a seguir, praticamente os mesmos subtemas (a proporção do sub-
conjunto que reconstrói o item está entre parênteses):
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(11) Ninguém nasce sabendo: a brincar, a ler, andar, a falar.
E também a cultura erudita que faz com que as pessoas apren-
dam. Há pessoas que nunca tiveram um estudo completo e
alguns não sabem ler nem escrever. Antigamente os homens que
podiam se divertir, a mulher tinha que ficar em casa e só ir à
igreja e outros lugares. Há pessoas que têm experiência, isto é,
têm prática.
A gente pode transmitir a cultura fazendo com que ensinamos
aos outros.
165
o aluno espera que a informação mais alta na estrutura explicite o
tópico. ~ no título que o aluno busca a explicitação que determinará,
em grande parte, a seleção de elementos cuja relação com o tópico
explícito se estabelece mediante a coesão lexícal e a co-referência.
Essa expectativa formal, ligada à incapacidade do aluno de identificar
relações por meios outros que não os mecanismos de coesão já men-
cionados, e à unidirecionalidade da leitura na criança, própria de
leituras lineares que não voltam atrás nem modificam as previsões
no processo de compreensão, determinam o insucesso na reconstru-
ção de elementos pertinentes, quando o título não antecipa todas as
expansões temáticas do texto.
Em quase todas as redações baseadas na evocação do texto
ffComo se transmite a cultura 11 houve recuperação do léxico do origi-
nal: 95 % das redações dizem algo sobre cultura (ainda quando o
termo é utilizado apenas como sínônímo de cultura erudita em 210/0
dos casos); também 780/0 das redações recuperam a relação conversa
estabelecida no texto pelos verbos transmitir, do título, e adquirir,
aprender, do texto. Também nos resumos do texto "O Profeta da
Arábia", há evidências de que as crianças recuperam as relações coesi-
vas pela substituição (o profeta, Maóme) , pelas colocações ou pa-
drões de co-ocorrências (profeta, religião, orar, crença, deus, adorar,
etc.) e pela pronominalização. Talvez com uma exceção, o exemplo
(12) a seguir, os resumos dizem algo sobre Maomé, como um religioso.
166
com maior ou menor sucesso, restabelecer a coerência nas suas reda-
ções, uma vez que o tópico pré-determinado nio abrange todas infor-
mações e relações de dependência do texto. Assim, por exemplo, o
texto "O Profeta da Arábia" consta de seis partes, subtituladas:
167
passing the teaching a11over when they got into India, the Indian
changed their religion (some) into Hindu.
168
(16) A cultura pode ser adquirida ...
2. Pelos estudos, há outra maneira de se adquirir cultura, é
pelos estudos, pesquisas nos livros, etc. Por exemplo:
No século passado, ainda não existia luz, com o aperfeiçoa-
mento das pesquisas, técnicas, um cientista conseguiu inventar
a lâmpada.
Essa cultura que se adquire com pesquisas, estudos, etc., cha-
ma-se erudita.
169
QUADRO 1
Seco 1 Decadência do
Império Romano 12 7 .58
Sec. 2 Cenário 4 3 .75
Sec. 3 Vida e ensinamento
de Maomé 166 10 .07
Seco 4 Proselitismo, vida e
morte de Maom~ 67 12 .17
Sec. S Organizaçlo religiosa
e militar do Imp.
Muçulmano 35 9 .25
Seco 6 Cultura do Impérío 19 6 .32
Ilustrações 5 3 .60
Tópico Integrador 8
Inclassificá.veis 7
QUADRO 2
170
seleção de informaçlo: 6 na estrutura formal do texto que a criança
procura pistas que a orientem na leitura. O fato de as crianças lem-
brarem definições pode parecer uma exceção a essa tendência. No
texto em português, que continha três definições, 35% das crianças
recuperam a definição de cultura, 37°;ó recuperam a definição de
cultura espontânea e 42°;ó recuperam a definição de cultura erudita.
Porém, a definição, no texto didático, está formalmente marcada, nos
casos típicos, ou pela hierarquização, ou pela forma da frase, (decla-
rativa, com predicado nominal) ou ainda pela repetição do léxico
do título, como no texto em questão.
171
Se a criança for sensível à estruturaçlo formal do texto na
medida em que esta é evidenciada por marcadores explícitos, as re-
cuperações maciças de exemplos e informação de detalhe parecem
constituir-se em uma contra-evidência a essa sensibilidade, pois o
exemplo ocupa um lugar baixo na hierarquização de elementos e
nem sempre faz referência a elementos do título. Reexaminando,
porém, as expectativas formais da criança no contexto em que elas
estão inseridas, podemos dizer que elas são manifestações de uma
expectativa mais geral sobre a consistência interna do texto didático,
devido ao fato de a função deste ser apenas a transmissão de infor-
mação. Sob esse prisma, as expectativas da criança são um reflexo
de sua' sensibilidade à função do texto didático, que deveria então,
estabelecer toda relação de maneira transparente, para facilitar essa
transmissão de conhecimento, para a criança identificar essas rela-
ções, pois nessa perspectiva, a leitura não é nem reconstrução de
informação, numa perspectiva funcional - comunicativa, nem nego-
ciação de sentido, numa perspectiva interacional pragmática. A lei-
tura é nesse contexto, apenas recepção de informação. Haveria, então,
uma expectativa da criança de que o texto didático traga exemplos.
Nessa expectativa, o exemplo, mais vívido, capaz de evocar imagens,
se constitui num recurso de marcação na medida em que ele salienta,
faz memorável, a informação veiculada. Se o exemplo é sobreutílizado,
ou se a natureza da informação mediada pelo exemplo não é inequi-
vocamente estabelecida (í.e., formalmente marcada, como no texto
sobre cultura), o leitor-receptor não vai resolver a inadequação; ele
simplesmente reconstr6i o exemplo como mais uma ancoragem para
os elementos recuperados, sem abstrair a generalização naqueles em
que a generalização não está suficientemente marcada. Daí o fato de
que nos textos em português 25% das proposições sejam reconstru-
ções de exemplos; sendo que 82°A> das crianças reinterpretam alguns
desses exemplos numa versão inconsistente com o original. Também
no texto em inglês, 12°A> das proposições correspondem a informação
de detalhe, sendo que 70% das crianças inclui essa informação numa
versão descontextualizada devido ao caráter parcial da reconstrução.
A aderência a estratégias de identificação de marcas formais' é
geral. Nos textos em português, há um grupo de crianças que apre-
senta maiores problemas na reconstrução de material marcado e hie-
rarquicamente alto. Se estabelecermos um índice de 100% de sucesso
na recuperação de material para aquelas redações que definem a
172
cultura e explicam as maneiras de adquirir cultura, que não contém
expressões descontextualizadas (expressões como 11 Enfim a cultura é
uma parte especial na nossa vida"), e que mantêm a seqüência do
texto original (do geral ao particular), vemos que, no subgrupo de
crianças que alcança esse índice de 100% de sucesso (14 crianças),
apenas cinco (.35) conseguem recuperar as informações não marca-
das, referentes à mudança na cultura. Já o caso dos textos em inglês
é mais complexo, porque o resumo bem sucedido seria aquele que
conseguisse integrar as informações mediante a reconstrução da rela-
ção entre Maomé e a emergência do islamismo e império muçulmano
(no texto, surgiu o poder; o novo poder teve suas origens na Ará-
bia ... , na Mecca, nasceu Maomé ... ). Se consideramos que para
essa relação é mais importante ou a reconstrução da informação cau-
sal, . ou a do desenvolvimento e herança .cultural, do que detalhes
específicos sobre a vida de Maomé, vemos que nesse subgrupo for-
mado por oito crianças apenas três conseguem resumir o texto segun-
do parâmetros do leitor adulto. As crianças, então, que no conjunto
poderiam ser caracterizadas como 11 bons n leitores (í.e., recuperam ou
integram elementos hierarquicamente altos, sem introduzir distorções
ou elementos da própria experiência, produzindo ao mesmo tempo
um texto coeso) se mostram eficientes na utilização de marcas for-
mais que permitem o acesso ao texto, e conseguem, ao mesmo tempo,
manter o texto como a principal fonte de elementos informativos para
o resumo.
A eficiência na identificação do formal (relações coesivas com
o título, hierarquização), embora seja um instrumento necessário ao
leitor, quando ela é utilizada exclusivamente ela se torna um automa-
tismo ineficiente. Teríamos aqui uma instância do processo discutido
por Orlandi (1983) pelo qual o material didático se torna objeto, anu-
lando sua condição de mediador para a aprendizagem, saber o mate-
rial didático, diz a autora, é saber manipular.
E, podemos agregar, saber manipular. o material didático, no
caso específico da leitura, é saber identificar um número limitado
de relações formais a partir de um elemento explícito privilegiado
na ordenação de elementos.
5. CONSIDERAÇOES FINAIS
Indicamos no começo do trabalho que o exame dos resumos e
redações de evocação das crianças nos permitiria caracterizar parcial-
173
mente o texto legível. Retomamos essa discussão em seguida, exa-
minando primeiramente o conceito de legibilidade à luz dos dados
apresentados. A legibilidade, num sentido amplo, tem a ver com a
estruturação do texto, tanto no desenvolvimento, quanto na apre-
sentação de relações, para permitir ao leitor seguir, avaliar. Se 'con-
sideramos o leitor inexperiente, o leitor que ainda não desenvolveu
algumas capacidades básicas do leitor, podemos considerar uma di-
mensão a mais para a caracterização de legibilidade: o texto é mais
legível na medida em que ele ajuda o desenvolvimento dessas capa-
cidades, evitando justamente saídas fáceis que podem ser converti-
das em muletas inibidoras desse desenvolvimento. Sob esse ponto
de vista, o texto didático não é legível. Já a função do texto no con-
texto escolar compromete a sua legibilidade. O aluno não lê mas
recebe: ele espera a transmissão de informação, o que não deixaria
lugar para equívocos, mas também não deixa IURar para reflexão.
Legibilidade se define na leitura, porém o texto didático não é lido:
no processo não h~ seletividade mediante a reconstrução de relações
implícitas, não há inferências, não há integração: há apenas a identi-
ficação de explícitos e o estabelecimento de correspondências formais.
Uma conseqüência assustadora desse tipo de leitura é o fato de
o texto didático criar expectativas tão rígidas que levem ao desen-
volvimento de mecanismos que funcionam ao nível de recuperação
da informação, e se constituem, portanto, em mecanismos aceitáveis
do ponto de vista do sucesso na escola. Esses mecanismos não são
necessariamente passos intermediários no desenvolvimento de habili-
dades de leitura: a criança já é capaz de fazer inferências, por exem-
plo, s6 que na leitura do texto didático a saída mais fácil é operacio-
nal. Não se trata, tampouco, de utilizar esses mecanismos apenas
como hip6teses orientadoras que venham em auxílio de outras capa-
cidades de leitura: vimos que o aluno considerado "bom" leitor é
Dom leitor enquanto o texto explicita tudo: o implícito fica tão
obscuro para o "bom" quanto para o "mau" leitor.
Em vista dos efeitos do texto didático, o que constituiria um
texto legível não seria, certamente, aquele que explícita, no título
ou em parágrafos introdutórios todas as relações a serem expandidas
no texto. Isso iria reforçar o esquema de expectativas do texto didá-
tico, validando a efetividade dos mecanismos já desenvolvidos no
"bom" leitor, e auxiliando a criação dos mesmos no "mau" leitor.
g claro que o texto é legível na medida em que ele é estruturável,
174
mas o texto estruturável nlo , aquele que preenche todas as possíveis
relações, pois é na interação autcr-texto-leítor que se reestabelece a
coerência. O aluno já vai à tarefa de leitura do texto didático pré-
condicionado por esquemas de expectativas rígidas, invariáveis. Em
outras palavras, se o aluno espera que o tópico seja sempre explici-
tado em uma estrutura alta na hierarquia de informações, e que todas
as relações de dependência com o tópico sejam marcadas, o aluno
não perceberá a existência de elementos cuja relação com o tópico
precisa ser inferida, nem perceberá a necessidade de inferir um tópico
(mediante a integração das informações) nos casos em que a relação
entre título e t6pico não for consistente. Ainda, se o aluno perceber
as inconsistências, ele não terá meios de reestabelecer a coerência
mediante a ativação de outras fontes de informação.
A solução não é reformular o texto didático, mas ensinar o
aluno a ler. E para isso, precisamos de textos legíveis, isto é, textos
que permitam o envolvimento do aluno como sujeito que infere,
reflete, avalia. A reformulação pelos próprios alunos, de textos didá-
ticos inconsistentes, pode ser um passo nessa direção. Outro obvia-
mente é a leitura de textos que nos sejam apenas pretextos para a
veiculação de informação.
Outro ainda é a mudança de postura do professor com relação
ao texto didático; se ele questionar a adequação formal, o aluno
poderá ver que o texto pode ser questionado tanto quanto os demais
tipos.
As produções dos escolares devem também ser considera-
das sob a perspectiva de sucesso da criança para impor uma ordem,
uma estrutura a um conjunto caótico de informações. Sob essa pers-
pectiva, considerando o contexto, os esforços da criança na procura
de uma solução formal ao problema de seleção de informações rele-
vantes é uma solução eficiente dentro do contexto escolar, e deve
ser considerada como manifestação de uma competência textual em
relação a esse tipo de texto. Por quê então não remover as limita-
ções inerentes às estratégias de abordagem desse tipo de texto me-
diante a ampliacão das opções de leitura do escolar?
175
A COER~NCIA E LEGIBILIDADE
DO TEXTO DIDATICO '"
1. INTRODUÇÃO
A consideração da leitura como interação de autor e leitor através
do texto escrito dá origem a opções descritivas e metodológicas novas
para a caracterização de aspectos textuais e aspectos processuais.
Uma dessas opções é a investigação do grau de adequação e
aplicabilidade de teorias de interpretação de enunciados à descrição
desta forma de interação não conversacional, a distância. A utilização
dessas teorias devolveria à lingüística problemáticas que originalmente.
preocuparam psicólogos, e, mais recentemente estudiosos das ciências
cognitivas. Nesse domínio a relação entre o explícito e o implícito,
e o cálculo do implícito é percebido como a utilização, por parte do
leitor, de redes de conhecimento (textual, semântico, enciclopédico)
independente de princípios interativos da comunicação.
Essa utilização acima referida também reformularia proble-
máticas geralmente consideradas de cunho lingüístico, como, por exem-
plo, a legibilidade do texto, que, apesar de ser definida como a relação
entre aspectos textuais, (sintático, lexicais, estruturais) e a compreensão
de um leitor de características definidas, geralmente é estabelecida a
partir de uma análise textual independente da leitura desse texto, do
momento de interação.
Uma teoria que já tem sido aplicada à descrição de aspectos
interativos da leitura é a teoria de conversação da Grice (1975), que
177
permite um cálculo do implícito no texto a partir de um principio geral
de coperação, que se baseia, de certa maneira, na racionalidade que
caracteriza as ações sociais, sendo por isso intuitivamente muito
atraente e abrangente.
Há, é claro, textos que facilmente se prestam a uma análise prag-
mática nessas linhas, já que o próprio autor do texto propõe e joga
com o cálculo do implícito que ele mesmo projeta no leitor, como no
exemplo (1) a seguir:
178
literatura, a autora estende a análise aos textos em BUli globalidade,
propondo que pelo princípio de cooperação requeira-se do autor do
texto narrativo que ele conheça e revele toda a história, que permita
ao interlocutor a seqüência de eventos da história, a adotar uma ati-
tude, desejada pelo autor, com respeito a ela. Isto implica que a
narração deve incluir não apenas a seqüência narrativa, mas tam-
bém informação para orientar o leitor e permitir a avaliação. O leitor
pressupõe, quando há violações desse princípio de cooperação pelas
personagens, que o autor está implicando assuntos outros que os
direta ou indiretamente falados pelas personagens. A ruptura faz
parte do que o autor quer compartilhar, do que ele quer que o
leitor experíencíe, avalie, interprete.
Entretanto, consideramos que o princípio que determinaria o
sucesso da narrativa é essencialmente normativo, tal como a carac-
terística de apresentação ("display"), que se refere ao modo de se
apresentar a experiência: deve ser de tal modo que permita a recria-
ção afetiva, imaginativa, avaliativa. A única característica constitutiva
da narração seria o seu valor narrativo (" tellabilíty") , sendo que é
através dela que se estabelece a relevância do texto. Ser relevante
quer dizer, neste caso, contar aquilo que vale a pena contar. Essa
característica não dita a forma da narração mas constitui organica-
mente a narração.
Ao considerarmos narrações inseridas na conversação, esse
princípio constitutivo sobrepõe-se até ao princípio de cooperação,
uma vez que o narrável é mais indepedente, separável do contexto
de interlocução imediato; ele pode ser introduzido mais facilmente,
sem que haja necessariamente uma observância da seqüência lógica
dos enunciados anteriores (Pratt, op. cit.).
Também o fato de ser eminentemente narrável traz conseqüências
com respeito ao grau de elaboração permitido na narração. Segundo
a autora, a narrativa é susceptível a muitas elaborações, redundâncias,
repetições, tantas quanto forem necessárias para permitir ao interlo-
cutor a recriação da experiência. Obviamente, embora haja limites
quanto ao grau de elaboração permitido, a eficiência na narração
não é coerente com a eficiência prescrita pelas máximas da teoria de
interpretação de Grice (modo, quantidade, e até qualidade), o que
aponta a necessidade de reavaliação da teoria, como Pratt e, inde-
pendentemente, Wilson e Sperber (1979) notaram.
179
Outra aplicação da teoria de Grice à interação não conversacional
encontra-se na proposta de Tierney e LaZansky (1980), que afirmam
existir entre autor e leitor um contrato de diretrizes e responsabilidades
de ambas as partes que surge da adesão ao princípio de cooperação.
Embora os autores procurem definir o turno do leitor como qualquer
momento durante a leitura em que ele compreende e avalia o texto
o princípio de cooperação é tomado como ponto de partida não
para descrever a conversação ou interação, mas para calcular o que
nele se acha implícito (cf. Wilson e Sperber, op. cit.). Assim, por
exemplo, os autores afirmam que, se o texto acima continuasse como
em (2).
180
sabilidade do leitor é a de trazer e mobilizar 08 conhecimentos ne-
cessários à interação. Trata-se aqui de atribuição de sentido: tornam-
se sem sentido as críticas devidas a limitações cognitivas do leitor.
Para ambos os tipos de responsabilidade a noção de precisão (fi accu-
racy") na leitura parafrástica, convergente é crucial: haveria leituras
e críticas inaceitáveis, devido tanto à imposição do leitor de objetivos
não coerentes com os do autor, como a limitações do saber do leitor,
e da utilização desse saber na leitura 1
181
que o leitor só conseguiria ter acesso ao sentido do texto ao acreditar
na relevância do mesmo. Sobre a questão do que constituiria infor-
mação relevante, podemos pensar na regra funcional proposta por
Polanyi (1982) para análise da narração que diz: "O que está pró-
ximo de mim é relevante para mim" onde proximidade pode se dar
no espaço, no tempo, nas relações.
Na leitura do texto didático, ao contrário da situação de leitura
lúdica na qual o leitor cede um turno extenso porque acredita na
narrabilidade C'tellabilíty") do texto, o escolar cederia esse turno por
acreditar que o autor tem algo a dizer que poderá corrigir, ampliar,
enriquecer o seu conhecimento. Ser relevante significa, então, para o
autor, apresentar informações que ampliem, corrijam, enriqueçam
esse conhecimento. No contexto escolar, porém, pareceria que, da parte.
do leitor, não há exigências, no entanto há. O leitor é, de certa
maneira, um leitor cativo, e o autor não precisa aderir ao acordo
tácito de relevância mútua, já que o relevante seria pré-determinado
por ele, a partir de considerações gerais, intertextuais, pedagógicas,
etc. Assim, por exemplo, os textos didáticos exploram as relações
entre o homem e sua comunidade tipicamente como no exemplo
(3), desvinculado de objetivos, interesses e realidades particulares
do aluno.
182
quando há violações, não é possível, dadas as características do con-
texto pedagógico, pressupor que essa ruptura faz parte da mensagem
que o autor quer compartilhar com o leitor. O leitor do texto didático
caracteristicamente se dispõe a receber informações, de modo que
uma avaliação da intenção comunicativa do autor fica marginalizada.
Considerando o exemplo (3) acima, o leitor experiente pode recons-
truir o objetivo implícito do autor de introduzir normas de conduta,
e pode avaliar esse objetivo em relação ao objetivo mais geral de
transmitir informações sobre comunidades, í.e., definição e classifi-
cação. Note-se que o objetivo geral é uma propriedade desse tipo
de discurso, propriedade esta que se estabelece no nível pragmático:
o objetivo específico, no exemplo, se estabelece no nível retórico.
Essa leitura não é igualmente acessível ao leitor que espera apenas
receber informações, desde que não há, no texto, marcas estruturais
que permitam identificar, por exemplo, diferenças hierárquicas na
informação (vide Kleiman, 1984, neste volume para uma análise da
função da saliência na recuperação e resumo das informações), e já
que a diferença entre informação e ponto de vista do autor é recu-
perável apenas pela modalização. Pelo contexto em que a leitura
desse tipo de texto se insere, o leitor geralmente não tem os conhe-
cimentos retóricos e extratextuais necessários à determinação do valor
das mesmas.
3. RELEVÂNCIA E COER~NCIA
183
dem ser pessoas, objetos, do esquema). Considerando novamente o
exemplo (3). acima, alguns componentes do esquema "comunidade
urbana" poderiam ser bairro, município, formas de governo dessa
comunidade. O leitor procuraria então limitar o número de compo-
nentes mediante a visualização de componentes em comum, assim que
mais de um cenário fosse introduzido: poderia, por exemplo, ligar o
cenário "comunidade escolar" ao cenário "comunidade urbana" pelo
equacionamento de componentes como objetivos comuns das duas
comunidades, estruturas comuns, hierarquias; o resultado dessa liga-
ção seria a formação de um cenário maior, reticulado, cuja articu-
lação fosse crucial ao estabelecimento da coerência do texto. Se é
por esse processo que o leitor estabelece a coerência, então o leitor
que consegue incorporar ao cenário que está articulando as normas
introduzidas pelo autor do texto, mediante a formação de um outro
cenário maior, como ideais de toda comunidade, seria o melhor
leitor ~Mas o leitor que faz isso é justamente o leitor ingênuo, aquele
que não questiona a consistência entre, por um lado, os objetivos
partilhados entre o leitor e o autor, e, por outro o uso abusivo que
o autor faz do turno impondo outros objetivos, implicitamente, e
que tornam o texto inconsistente também internamente, como no
exemplo (3) aqui discutido.
Se, por outro lado, a coerência do texto é determinada também,
em relação a aspectos sociais, tomando como ponto de partida a re-
levância na interação, o texto é incoerente, e o leitor que constrói o
cenário mais abrangente possível, aceitando tacitamente essa incoe-
rência, é o leitor passivo.
4. RELEVÁNCIA E LEGIBILIDADE
184
sultados do processo, tem a ver com os graus de adequação da leitura.
Na leitura parafrástica, há leituras mais aceitáveis do que outras. A
aceítabílídade da .leltura desloca o problema: ela não depende nem
de falhas do autor nem de falhas do leitor exclusivamente, mas se
define na interação de ambos. No contexto escolar, uma leitura acei-
tável seria aquela em que o leitor,' acreditando na relevância da pro-
posta do autor, incorpora os conteüdos informativos do texto ao seu
conhecimento. Nessa perspectiva, um texto é ilegível não apenas por-
que a sua estrutura interna é de difícil acesso; ele deve ser considerado
ilegível quando o autor apresenta .informações de tal forma que numa
leitura adequada o leitor será levado a incorporar informações erradas
ou falsas.
No nível microestrutural, da seqüência das proposições, não é
difícil estabelecer a legibilidade de um texto a partir de considera-
ções pragmáticas. Assim, por exemplo, poderíamos caracterizar o texto
"Pesquisando o universo" (Apêndice) como difícil, porque ele des-
respeita as expectativas do leitor vis-à-vis o texto didático; a ruptura
das máximas relativas à informatividade, à sinceridade, ao modo não
fazem parte da comunicação ímplícíta do autor, uma vez que o seu
objetivo é transmitir informações. Em outras palavras, o raciocínio
que parte do enunciado até o estabelecimento das implicações ou
conseqüências pragmáticas que fariam parte da mensagem do autor é
barrado ao leitor que precisa desse texto para ampliar o seu conhe-
cimento.
Se considerarmos, por exemplo, o trecho (4), uma interpretação
a partir de considerações retóricas só é possível ao leitor que já sabe
que a analogia é falsa:
(4) Também nós vivemos numa galáxia, a Via Láctea. Nela, a
Terra não passa de um pontinho minúsculo, um grãozinho de
areia num campo de fut~ol.
Se considerarmos, por outro lado, a ruptura da máxima de quan-
tidade (e provavelmente qualidade) em (5),
(5) Os astros estão agrupados no universo em grandes conjun-
tos, que recebem o nome de GALAXIAS. Estas se movimentam
pelo espaço, levando consigo milhões e milhões de astros.
o texto pode ser interpretado através do seguinte raciocínio: (a) as
galáxias são grupos de astros, (b) as galáxias se movimentam pelo
espaço, (c) as premissas (a) e (b) eão verdadeiras, (d) as galáxias levam
185
consigo os astros, (e) há portanto, dois tipos de movimentos: movi-
mento das galáxias pelo espaço (explicitado) e o movimento não dís-
persivo dos astros dentro das galáxias. A conclusão de que o autor
foi infeliz na apresentação dessas informações uma vez que a propo-
sição "levando consigo milhões e milhões de astros" é por demais
informativa e, indiretamente, falsa, implicando na existência de duas
entidades separadas, não é acessível ao leitor que desconhece as in-
formações relativas ao assunto, tornando o texto, portanto, ininteligível.
Há no texto outros exemplos de violação às máximas. Com res-
peito ao modo, considere-se o exemplo (6) a seguir:
(6) Os pontinhos brilhantes são os astros. Alguns (os que têm
brilho fixo), são astros iluminados. Não têm luz própria e apenas
refletem a luz vinda de outros astros, como por exemplo, os
PLANETAS.
Mediante uma estratégia de processamento que estabelece rela-
ções de referência entre segmentos (o princípio de distância mínima
de Kuno, 1976, por exemplo), o leitor é levado a interpretar "outros
astros" como correferencial de "planetas". Somente se o leitor souber
que os planetas não têm luz própria ele poderá chegar a uma outra
interpretação, em que não haja uma relação correferencial entre os
dois termos, o que é feito ignorando-se as pistas do texto.
Contudo, as análises nessa linha não deixam de ter um caráter
"ad hoc"; não há, nas várias análises acima, uma unidade que decorra
da existência de um princípio único. As diversas análises são ins-
tâncias de ruptura na comunicação devido às formas em que o autor
recorta e apresenta a informação. Por outro lado, se caracterizarmos
as diversas falhas decorrentes da ruptura com o princípio de relevân-
cia, uma vez que a expectativa do leitor seja ampliar seu conheci-
mento, a dificuldade do texto estará em relação inversa ao grau de
sucesso do autor na ampliação desse conhecimento: quanto mais dííí-
cíl, ou seja, maior o número de rupturas de princípios normativos da
interação, menos relevante.
No texto examinado, .parece que o autor adere ao princípio de
relevância, pois o texto é' "rico em marcas de intersubjetividade pelas
quais o autor indica o seu conhecimento do leitor e de seus obje-
tivos, necessários ao desenvolvimento do quadro referencial por ele
proposto. Através dessas marcas o autor
(a) estabelece pontos de contato em comum entre ele e o leitor:
186
(7) Quantas vezes, à noite, olhando para o céu, você fica pen-
sando neste espaço imenso ...
(b) prediz o conhecimento que o leitor traz à tarefa:
(8) Você sabe que o litoral do Brasil tem, aproximadamente,
7.000 km, Pois bem ...
(9) E se fizer as contas, você verá que esta distância equivale a
9,46 trilhões de km.
(c) prediz a capacidade de abstração desse leitor:
(lO) Também nós vivemos numa galáxia: a Via Láctea. Nela a
Terra não passa de um pontinho minúsculo, um grãozinho de
areia num campo de futebol. Além de nossa Terra, todos os
astros que você vê a olho nu pertencem à via Láctea.
(d) e identifica os interesses do leitor:
(11) Entretanto, se dispuséssemos de uma espaçonave capaz de
desenvolver a velocidade da luz (300.000 km por segundo), gas-
taríamos oito minutos e 18 segundos para chegar até o sol:
(12) E você poderá satisfazer a sua curiosidade.
Ainda mais importante, o autor explícita e salienta quais as ques-
tões que o leitor esperaria encontrar desenvolvidas no texto. O autor
coloca três questões marcadas do ponto de vista estrutural, já que elas
estão altas na estrutura, sem relações de dependência com outras pro-
posições:
(13) E as perguntas começam a aparecer:
- Quantas são?
- Como estão fixas lá em cima?
- A que distância se encontram?
Pois é deste assunto que vamos tratar. E você poderá agora satis-
fazer a sua curiosidade.
Contudo, ao lermos o texto, notamos que a primeira pergunta é
respondida de maneira vaga, indiretamente, ao se definir galáxias; a
terceira é respondida parcialmente, indiretamente também, ao exem-
plificar a definição de ano luz, e a segunda, obviamente não poderá
ser respondida sob essa forma, já que ela pressupõe uma falsidade.
De fato, ela é negada implicitamente na definição de galáxias, sendo
retomada na apresentação dos movimentos do sol.
Considerando a relação entre as perguntas salientadas na intro-
dução e o desenvolvimento do texto, podemos concluir que as per-
187
guntas e o desenvolvimento são independentes, exceto pela relação
que se estabelece por ambos identificarem partes de um conjunto mais
geral, '0 universo. Podemos dizer,· então, que o texto é inintellgível
dado que os recortes da informação foram determinados independen-
temente da antecipação, que o próprio autor fez, sobre quais seriam
esses recortes. Na medida em que o leitor acreditar na relação entre
um e o outro, dada a sua expectativa mais geral de relevância, na
medida em que o sentido for acessível por ele acreditar na relevância
global e interna do texto, a leitura será mais difícil.
O texto é difícil não apenas pelas rupturas particulares das di-
versas máximas da interação, mas pela violação do princípio de rele-
vância, que é superficialmente, apenas formalmente, levado em conta.
Deparamo-nos, então, com o paradoxo de que o leitor que acreditar
que os recursos intersubjetivos utilizados pelo autor sejam constitu-
tivos da interação é justamente o leitor que terá mais dificuldades na
leitura, já que esses recursos são apenas manipulações superficiais
independentes da progressão do texto. O leitor desatento a pistas
textuais, aquele que apenas identifica informações a serem memori-
zadas, tem uma vantagem sobre o leitor que age segundo princípios
racionais que caracterizam outras formas de interação. Colocamos
então a questão, qual seria a leitura adequada neste contexto?
Observando o céu
188
Os pontinhos brilhantes slo os ASTROS. Alguns (os que têm
brilho fixo) slo astros iluminados. Não têm luz pr6pria, e apenas re-
fletem a luz vinda de outros astros, como, por exemplo, os PLANE-
TAS. Outros, (os que parecem piscar) são astros luminosos, que têm
luz própria, como as ESTRELAS. Estas são classificadas em 21 ordens
de grandeza. Devido às distâncias imensas em que se encontram, só
vemos a olho nu as estrelas pertencentes às seis primeiras grandezas.
O sol, por exemplo, é uma estrela de 5.a grandeza e se nos parece
tão grande é porque está relativamente perto de nós.
Distancias infinitas
Os astros ficam tão distantes uns dos outros, que foi necessário
inventar uma unidade especial de medida s6 para calcular tais dis-
tâncias. Esta unidade se chama Ano-Luz e baseia-se na velocidade da
luz que é de 300.000 km POR SEGUNDO!. Procuremos fazer uma
idéia melhor desta velocidade.
Você sabe que o litoral da Brasil tem, aproximadamente, 7.000
km. "Pois bem, se o raio de luz não seguisse apenas em linha reta e
pudesse acompanhar as curvas do litoral brasileiro, poderia percorrê-
10 mais de quarenta vezes em apenas UM SEGUNDO I".
Outro exemplo: liA curvatura da Terra mede 40.070 km. Se o
raio de luz fosse capaz de acompanhá-la (sabemos que ele s6 "anda"
em linha reta), poderia, EM UM MINUTO, dar 449 voltas ao redor
da Terra. Um ano-luz é a distância correspondente ao percurso feito
por um raio de luz durante um ano". E se fizer as contas, você verá
que esta distância equivale a 9,46 trilhões de km.
As mais modernas espaçonaves não atingem ainda a velocidade
de 50.000 km por horal Entretanto, se dispuséssemos de uma espaço-
nave capaz de desenvolver a velocidade da luz, (300.000 km por se-
gundo), gastaríamos oito minutos e 18 segundos para chegar at' o sol.
Conjuntos de astros
189
campo. de futebol. Além de nossa Terra, todos os astros que você vê
a olho nu pertencem à Via-Láctea.
A famtlia do sol
190
o ENSINO DO Llt:XICO ATRAVÉS
DA LEITURA *
1. INTRODUÇÃO
A investigação de fatores determinantes da compreensão de tex-
tos no contexto escolar identifica, dentre os fatores que crucialmente
contribuem para o sucesso na leitura, o conhecimento de vocabulário.
O controle deliberado e consciente desse conhecimento em função de
relações textuais é uma das marcas do leitor proficiente. Entretanto,
esse nível metacognitivo das operações e estratégias do leitor nem
sempre pode ser alcançado de forma espontânea, pois a compreensão
do texto exige familiaridade com uma forma onde o contexto de situa-
ção imediato não é tão relevante quanto o contexto indepedentemente
•
criado pelo autor.
O desenvolvimento dos primeiros significados nas crianças mos-
tram a inter-relação entre o crescimento de suas habilidades de com-
preensão de linguagem e o desenvolvimento de suas habilidades cog-
nitivas, em especial dos sistemas conceituais utilizados para categori-
zar a realidade, apoiando-se, neste processo, fortemente, no contexto
de interação (vide, para uma extensa revisão da literatura, Wells
(1981».Mas o processo de aquisição de conceitos também consiste na
extensão gradativa daqueles já adquiridos a novos contextos; eventual-
mente, a criança é gradualmente liberada da dependência no contexto
imediato; nisto reside, em grande parte, o desenvolvimento pleno das
•••Esta pesquisa foi financiada pela lNEP. Uma versão maior deste trabalho foi
publicado em Trabalhos de Linaüfstica Aplicada 9, 47-81, 1987 com o título
"Aprendendo palavras, fazendo sentido: o ensino de vocabulário nas primei-
ras séries".
191
habilidades de compreensão. O letramento e a escolarização têm um
papel. fundamental neste processo.
Para Luria (1976), a escolarização acarreta mudanças profundas
na atividade cognitiva da criança, pois ela permite o acesso a expe-
riências outras que aquelas diretamente acessíveis através da expe-
riência peso aI. Segundo o autor, é através da palavra, que não é
apenas portadora de significados, mas também de "unidades de cons-
ciência básica que refletem um mundo" (op. cit.) , que analisamos e
sintetizamos a informação externa que chega aos nossos sentidos; que
ordenamos, do ponto de vista perceptual, o mundo; que codificamos
nossas impressões em sistemas. Daí a aquisição do léxico ser funda-
mental ao desenvolvimento cognitivo.
Sobre a independência contextual do crescimento cognitivo que
o processo de escolarização permite, Luria diz: "Ao apossar-se de
formas de discurso desenvolvido, a criança adquire a capacidade de
formar conceitos, mas também de deduzir. conclusões de uns supostos:
assimila relações lógicas, conhece leis que estão muito mais para além
dos limites da experiência pessoal direta; em conclusão, assimila a
ciência e adquire a capacidade de prever e predizer fenômenos, coisa
que não poderia fazer se se limitasse a ser uma simples testemunha
(1977: 125)".
Um outro investigador russo, Vigotsky (1978), mostra qual o
papel do professor nesse processo de natureza essencialmente coopera-
tiva. Segundo Vigotsky, a relação entre desenvolvimento e aprendiza-
gem pode ser apreendida ao reconhecermos um "nível de desenvol-
vimento proximal" da criança. A criança tem um nível de desenvolvi-
mento real, demonstrado na sua capacidade de resolver problemas por
si 56, e um nível de desenvolvimento potencial, demonstrado na sua
capacidade de resolver problemas orientada por um adulto. A distân-
cia entre ambos é a zona de desenvolvimento proximal, o nível de
real interesse no ensino, pois é aí que o adulto (ou os colegas mais
adiantados) pode intervir mediante a criação de experiências de apren-,
dizagem válidas que antecipem estágios de desenvolvimento prospec-
tivos. Assim, quando uma criança apreende um significado, por exem-
plo, o seu processo de desenvolvimento apenas começou, cabendo ao
adulto apoiar e estender este significado concretizando, desta forma,
a aprendizagem que permitirá à criança apropriar-se de outros mun-
dos atr.avés da palavra.
192
Faz-se assim necessária uma orientação cuidadosa por parte do
adulto, mediante a criação de condições que levarão o aluno ao seu
desenvolvimento pleno, tomando como ponto de partida as capacida-
des já desenvolvidas por ele. Daí as condições em torno do aluno, os
fatores determinantes da aprendizagem em sala de aula, serem tam-
bém cruciais ao sucesso na leitura.
A questão de conhecimento de vocabulário não se reduz à ques-
tão do número de palavras desconhecidas ao aluno, nem necessaria-
mente implica questões mais básicas relativas ao conhecimento e
compreensão de um conceito. Nenhuma dessas questões é suficiente
para caracterizar adequadamente um outro problema lexical do aluno
frente ao texto que é conseqüência de uma percepção da palavra como
unidade portadora de significado absoluto, ao invés de percebê-la
como uma unidade de apoio para a construção de significado.
Veremos, na Seca 2, como a concepção atomicista de ensino de
vocabulário no contexto escolar conduz naturalmente o aluno a uma
concepção atomicista do texto, que efetivamente barra a percepção das
funções discursivas da palavra, fato este que será evidenciado na
Seca 3.
A galinha sabida
193
Mais adiante, apareceu a raposa, que, sabendo do que acon-
tecera, ofereceu-se para ensinar o caminho. As tolas das aves
aceitaram.
A raposa levou-as para a sua toca. Nunca puderam ver o
rei, pois foram parar na barriga da raposa.
(Theobaldo Miranda Santos, Vamos estudar, Editora Agir).
Os exercícios de vocabulário que se seguem ao texto, bastante
típicos, solicitam que o aluno forneça os antônlmoe das palavras "en-
controu", "perguntavam", "parar"; e que substitua as palavras "sa-
bida", "dizer, " acompanhavam", pelos seus sínônímos, em sentenças.
Um enfoque textual revelaria que a oposição relevante para com-
preender a história é a oposição entre as palavras "sabida" e 11 tola" ,
e a relação de hlponímla entre as palavras "galinha", "galo", "pato",
"ganso", "pavão" e o supraordenado "aves". Os exercícios propostos
são, na verdade, meros enfeites, alguns mais inadequados que outros:
por exemplo, "ir parar" e não "parar" é a expressão relevante; talvez
nesse caso se justificasse, não o antônimo, mas o contrário na condi-
cional contrafactíva: "se as aves não tivessem sido tolas ... " como
uma medida para verificar a compreensão da moral, não como um
exercício de substituição de palavras pelos seus opostos.
A função coesiva do léxico custa a ser percebida espontaneamen-
te por grande número de crianças, devido à pouca familiaridade com
estratégias de compreensão mais independentes do contexto imediato,
e devido às próprias limitações da memória imediata. Certamente essa
função poderá ser aprendida com unidades maiores do que a sen-
tença. Esta unidade também pouco favorece a avaliação de efeitos
discursivos do léxico, que não transparecem facilmente no contexto
imediato, dentro dos limites da sentença, da palavra em questão. As-
sim, por exemplo, se considerarmos apenas o ítem discreto "impres-
sionado", a definição, fornecida no glossário de um livro didático,
isto é, "espantado, admirado" é apropriada a esse nível discreto, con-
tudo, é inadequada em contextos maiores. Compare-se, a propósito a
diferença entre (1)
(1) A: Eles ficaram impressionados
B: É, eu diria que até espantados.
e (2), a seguir, que causa no mínimo estranheza:
(2) A: Eles ficaram espantados.
B: S, eu diria que até impressionados.
194
Tanto a atomizaçlo do léxico como a limitação de tipo de uni-
dades focalizadas para o exame do funcionamento do léxico ínvíabi-
liza a consecução de objetivos de crescimento e enriquecimento de
vocabulário e de desenvolvimento de sensibilidade cada vez mais agu-
çada sobre o funcionamento das palavras no discurso.
animais neste caso, mas a "pensar que é sabida", que também expri-
me uma avaliação do narrador, (e é, de fato, a frase em oposição a
fias tolas das aves"). g essa a avaliação que está em questão, não
apenas a descrição atomizada selecionada para ensino.
Além de negligenciar elementos portadores de significado, como,
por exemplo, a construção da sentença, a ordem das palavras, são
também negligenciadas as funções restritivas, distributivas, enfáticas
de significado de elementos invariáveis, que não codificam catego-
rias privilegiadas. Consideraremos, por um momento, as conseqüên-
cias dessa negligência.
As crianças utilizam, desde cedo, a informação sobre a classe a
que uma nova palavra pertence como uma das pistas para chegar ao
significado dessa palavra (Brow, 1958). Postula-se que essa sensibi-
lidade da criança para com esse tipo de informação surge a partir da
observação de que verbos, nomes e adjetivos têm implicações semân-
ticas consistentes, implicações que, aliás, aos poucos ir-se-iam diluindo
à medida que mais palavras, menos concretas, vão sendo adquiridas.
Sendo a criança sensível a implicações semânticas desse tipo, certa-
mente ela será também sensível a outro tipo de implicação, a saber:
a omissão sistemática de elementos portadores de significado afirma,
insistentemente, que s6 os nomes de objetos, ações e qualidades con-
195
tribuem à significaçlo, daí serem os demais elementos irrelevantes à
compreensão do texto.
196
3.1. Arbitrariedade da escolha
191
Na seqüência a seguir, que citamos de maneira mais extensa, en-
contramos um exemplo de estratégia manipulativas que orientam o
ensino para aquilo que o adulto acha que deve ser focalizado e igno-
ram aquilo que a criança quer saber, estratégias essas que, de um
outro ângulo, são também ilustrativas do pressuposto de que a expe-
riência da criança é irrelevante no processo:
Proia.: ... / / Na primeira leitura ceis encontram dificuldades?
Ceis conseguiram entender alguma coisa, nessa primeira
leitura? ...
Aluno: Eu não entendi (inaudível)
Proja.: Ah, bom certo! g 6bvio. Alguns não entenderam o que
significa filósofo, não é isso? (op. cit.: 28).
Ao invés de a resposta ser fornecida, continua a aula através da
leitura, repetição e paráfrase da primeira sentença do texto. Ao che-
gar à segunda sentença, onde aparece novamente o problema, encon-
tramos o seguinte:
Isto! então o que vo ... Você analisou palavra por
Proja.:
palavra, aí? Tem alguma palavra que você não entendeu?
Natanael: "Filósofo". "Filolósofo"
Proja.: Não sabe nem falar, não é? Filó-so-fo. Desde séculos ela
preocupa os cientistas. Aí esse "ela" significa o que?
(op. cit.: 30)
Continua a análise das palavras "século", "cientistas", "desafios",
acompanhada de uma extensa digressão sobre faculdades, universida-
des e pesquisa. S6 depois é retomada a questão:
Proia.: Isso que(r) dizer que lança um desafio. Faz com que
os filósofos fiquem o que? Pensando, não é isto, sobre
o assunto. Mas o que vem a ser, então um fil6sofo?
O que significa a palavra Pí-lo-so-fía? Hã? Fi-lo-so-fia.
A palavra filosofia é formada de filo mais sojia. Alguém
sabe o significado? Fala, você, o que cê acha?
Aluno: Filosofia, Dona?
Proja.: Bom, que cêis acham que é? / / Filo quer dizer vida. I • I
198
Proia.: Entendem? Seria assim: indagação da origem da vida,
De que .... ", como tudo surgiu entende? Isto é filo-
sofia. Que(r) dize(r), os ... , eles ficam justamente pen-
sando, imaginando e tentando da(r) uma explicação da
origem da .... ? Vida .. , (op cit: 32)
Como vemos, talvez o objetivo do professor tenha sido atingido.
No entanto, a curiosidade da criança não foi satisfeita.
199
J.3. O método
Proia.: Então, vocês vão fazer: a leitura global, seria uma leitura
global. Depois sim, é que vocês vão voltar no primeiro
parágrafo e vão a-na-li-sar palavra por palavra, isto é,
de cada parágrafo. Nós vamos fazer isso em partes viu,
palavra por palavra, prá depois fazer o entendimento
200
do ... parágrafo, do parágrafo, de cada parágrafo. (op.
cit: 17)
A ineficiência de enfoques atomicistas, que consideram o signi-
ficado de uma palavra como um valor absoluto, independente até
do contexto lingüístico mais imediato, está muito bem demonstrado
por Rute, que quase ao final das duas horas de aula em que se
submeteu a esse enfoque, tem o seguinte diálogo com o professor:
Proia.: ... / /Então vamos analisar. Os cientistas o que vem. . . ,
o que significa mesmo cientistas, Rute?
Rute: Aqueles que pesquisam, que estudam.
Pro Ia. : Aqueles que ... ? Pesquisam, aqueles que estudam, não
é? a respeito de determinado assunto / / O que tá falan-
do? .. já deram ...
Alunos.' (várias explicações).
Proja ..· IssoI Que significa o que isso?
Rute: Que estudam e depois escrevem o resultado.
Pro/a ..' Muito bem, Rute I Eles estudam e depois ... explicam
melhor sobre o assunto, muito bem! Depois, que que tá
falando, aí?
Rute: Os filósofos imaginavam outras.
Proia.: Issol Que que significa isso: os filósofos imaginavam
outras? Hã?
Rute: Ah, eu num sei. (op oit: 35)
Tanto as práticas propostas pelo livro didático, como as adota-
das pelo professor têm deficiências sérias enquanto práticas que
levariam a enriquecimento do vocabulário. Uma vez que o conheci-
mento do léxico, assim como a capacidade para inferir significados
são fatores fundamentais para a proficiência na leitura, essas práticas
podem provocar distorções na compreensão de leitura da criança
assim comprometendo o sucesso de todo o processo escolar que justa-
mente se sustenta na leitura.
4. PRÁTICAS ALTERNATIVAS
201
que permitam ao professor mudar uma prática que privilegia a lin-
guagem como objeto de análise para uma prática comunicativa com
ênfase na função da linguagem que leva ao melhor desenvolvimento
lingüístico através do enriquecimento do vocabulário do aluno me-
diante a leitura.
Os enfoques para o enriquecimento do léxico vão desde a expe-
riência pessoal, tendo acesso à experiência indireta propiciada pelo
autor, que envolve a leitura extensa e variada, chegando até o estudo
sistemático de palavras. O vocabulário de uma criança é enriquecido
na medida em que ela adquire termos e rótulos para uma série de
conceitos, assim conseguindo compreender textos, orais e escritos,
cada vez mais complexos.
Quanto às atividades de leitura que favorecem a organização,
ampliação, refinamento de conceitos mediante o enriquecimento de
vocabulário podemos considerar dois tipos: as tarefas de tipo meta-
-cognitivo e tarefas de tipo retórico-funcional 1.
Por tarefas metacognitivas entendemos aquelas atividades que
ensinam o aluno a entender e agir sobre seus próprios processos
cognitivos; que envolvem uma ação sobre maneiras de adquirir e
ampliar o seu conhecimento do léxico (neste caso específico). A tare-
fa metacognitiva no contexto escolar pode ser entendida como o
ensino de princípios para a resolução de problemas, facilitando assim
o processo de aprendizagem. Exemplos de conhecimento e de expe-
riências metacognitivas (Flavell, 1979) poderiam ser a crença de que
aprendemos mais facilmente lendo do que escutando, ou a percepção
de que um de nossos amigos é insensível, do ponto de vista social,
ou a suspeita de que não conseguiremos realizar uma tarefa com
sucesso, ou acabar uma tarefa em 'tempo. Vários autores apontam
que as crianças pequenas, nas primeiras séries escolares são limitadas
quanto ao conhecimento e a auto consciência sobre fenômenos cogni-
tivos e fazem pouca monitoração de seus processos de memória e
de compreensão. As tarefas com componente predominantemente
metacognitivo ensinam o aluno a perceber uma experiência para a
qual ele não tem conhecimento suficiente, e analisá-la em termos
de uma problema a ser resolvido. Flavell (op cít), por exemplo faz
a distinção entre 11 conhecimento" e 11 experiências metacognitivas", e
202
considera que as experiências metacognitivas são prováveis de ocorre-
rem em situações que estimulam o pensamento altamente consciente.
Portanto, tarefas escolares que exigem esse tipo de pensamento podem
ter efeitos importantíssimos tanto para a aquisição de conhecimento
quanto para o desenvolvimento de estratégias de resolução de tarefas.
Entre as tarefas metacognitivas relacionadas com o léxico, pode-
mos citar, para exemplificação, as estratégias de inferência lexical.
Consideremos o ensino de estratégias de inferência lexical.
Podemos pensar em pelo menos três tipos de fatores metacognitivos
envolvidos na inferência de léxico desconhecido. Em primeiro lugar,
o aluno precisa estar ciente de que há vários graus e tipos de com-
preensão de palavras na leitura: algumas são palavras chaves, e faz-se
necessário conhecer seu significado exato, enquanto que, em relação
a outras, apenas uma idéia aproximada do seu significado é neces-
sária.
Embora a criança constantemente faça inferência em situações
de fala cotidiana, quando se trata de um texto escrito surgem dificul-
dades para inferir os significados de palavras desconhecidas. Faz-se
necessário, então, ensiná-la a usar pistas do contexto lingüístico que
irão suprir a sua falta de conhecimento. Para se desenvolver adequa-
damente como leitor, é preciso que a criança aprenda a conviver,
na escrita, com a "incerteza" que é característica do seu dia a dia.
Por exemplo, poderíamos mostrar aos alunos que com as palavras
acontece o mesmo que com as pessoas que encontramos no Ônibus,
na rua, na escola: algumas passam a ter importância para nós e se
tornam conhecidas; algumas chegam a ser nossos amigos. Da mesma
forma que esse processo é longo, assim é com as palavras: a primeira
vez que encontramos uma palavra, poderemos chegar a um conheci-
mento superficial, a uma idéia vaga, aproximada, de seu significado,
ajudados pelo contexto; se, por exemplo, o autor está exemplificando
doenças contagiosas, e cita como exemplo "sarampo", "catapora",
que a criança conhece, e "rubéola", que a criança desconhece, pode
ser suficiente para a compreensão do texto apenas reconhecer que
se trata de uma doença. Conhecimento assim adquirido é muito menos
nítido, é claro, do que aquele adquirido por uma criança que sofreu
a doença, mas é suficiente para o objetivo específico do momento.
203
ção pode ser facilitada mediante o ensino e a sístematízação de tipos
de pistas contextuais que podem apoiar o trabalho de inferência.
Essa conscientização é possível se o aluno souber, por exemplo, que
quando o autor usa um termo novo, difícil, muitas vezes ele irá
defini-lo, ou explicá-lo logo depois, muitas vezes marcando essas
definições ou explicações (através de pontuação como em "Ele estra-
nhou o tom eufórico, de bom humor, da carta", ou através de expres-
sões explicativas ("isto é", "ou" "como") como em "Delas se apo-
I
204
Como outro recurso, acrescido ao uso de pistas contextuaís, e
de. conhecimento da estrutura de texto, podemos nos valer do conhe-
cimento extra lingüístico, isto é, podemos conscientizar o aluno sobre
aspectos extratextuais que lhe poderão auxiliar na descoberta de
significados, especialmente o uso da experiência prévia: o aluno que
ler sobre "nuvens caliginosas que ameaçam ou prenunciam uma
tormenta", e que já tiver experienciado uma tormenta, poderá apelar
a essa experiência para determinar a cor e aparência dessas nuvens,
por exemplo.
O terceiro aspecto metacognitivo da tarefa de inferência lexical
tem a ver com a escolha de uma estratégia ou de outra para inferir
o léxico. O aluno precisa avaliar que estratégia poderá ser mais eficaz
no momento de leitura, até que o processo chegue a funcionar a
nível quase que de automatismo inconsciente, característico do leitor
proficiente. Ligado a essa questão está a capacidade de o aluno deter-
minar objetivos claros para a leitura com o intuito de determinar
se o significado inferido é suficiente, dado seu objetivo.
Uma outra tarefa, já discutida do ponto de vista meta-lingüís-
tico, que o professor pode enfocar como uma oportunidade para a
apresentação de experiências metacognitivas, é o ensino de lingua-
gem figurada, pois sabe-se que a criança tem dificuldades tanto
quando ela encontra uma palavra que ela já conhece, usada com
um significado secundário que ela desconhece, como quando a en-
contra num sentido metaf6rico. E aconselhável então, montar uma
unidade que focalize justamente o uso de significados não literais,
ou básicos, além de fornecer amplas oportunidades para a reflexão
dos alunos sobre exemplos concretos, que permitam a inferência
de um significado secundário a partir de um contexto.
Finalmente, as tarefas do tipo retórico-funcional são aquelas
que focalizam diretamente a interação leitor-autor. A criança deve
estar ciente de que as palavras são os instrumentos materiais da
significação e dos efeitos que o autor pretende exercer sobre seu
interlocutor, e por isso, devemos usar a palavra certa no momento
certo, isto é, aquela que melhor expressa o que queremos dizer e
que facilita a compreensão do interlocutor, aquela que leva em conta
o que o interlocutor disse, o que ele sabe, enfim, aquela palavra
que encurta a distância entre autor eleitor, ou entre os falantes.
:eatravés da aula de leitura, através da análise do texto para
examinar os efeitos conseguidos pelo autor que esse ensino é possí-
203
vel, sendo que essa análise poderá ser incorporada à escrita dos
alunos, com as diferenças devidas às diversas competências discur-
sivas. Veja-se que para alcançar um objetivo funcional a aula de
leitura não deve se constituir num pretexto para a exercitação e
análise de elementos materiais isolados do texto. Não devemos, por
exemplo, usar o texto para exercícios metalíngüísticos, como os pro-
postos acima, por mais interessantes e variados que eles sejam. Na
aula de leitura interessa por que o autor usou tal expressão, que
efeitos produziu quando usou tal expressão; não interessa, em hipó-
tese alguma, como uma frase mudaria se tal expressão fosse substi-
tuída por outra. Pode ser o caso em que a discussão do texto leve
naturalmente a pensar em alternativas, às opções do autor dentro
de um dado sistema mas isto não constitui o objetivo do ensino
funcional do léxico através da leitura, que entendemos como a per-
cepção pelo aluno do que o autor faz com a linguagem, a maneira
como ele constrói seu texto.
Assim como o vocabulário de uma língua é rico, assim são ricas
as possibilidades de o professor fornecer experiências válidas de
aprendizagem e enriquecimento do léxico. Apenas é preciso, a fim
de se garantir tanto a diversificação quanto a qualidade, manter-se
em mente, primeiro, qual o objetivo específico de cada atividade para
que se evite mecanismos automatizantes e a adoção acrítíca da pro-
posta do livro didático.
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