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Angela Kleiman

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Angela Kleiman

3-- EID.Ç~C»-

Pontes
2008
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CJP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Bra 11)

Kleiman, Angela
Leitura: ensino e pesquisa / Angela Kleiman -
Campinas, SP : Pontes Editores. - 311 edição - 2008.

Bibl iografia.
ISBN 978-85-7113-0173

I. Leitura 2. Leitura - pesquisa 3. Leitura (1° grau)


4. Título 11.Série
CDD - 372.4
- 028.72

índices para catálogo I temático:


I. Leitura: Ensino de 10 grau 372.4
2. Leitura: Interpretação: Ensino de l grau 372.4
<)

3. Leitura - pesquisa 028.72


4. Textos didáticos: Interpretação de leitura : Ensino de ] o grau 372.4
Copyright (O 1989 Angela Kleiman
28 Edição - 1996
18 Reimpressão - 2001
28 Reimpressão - 2004

Coordenação Editorial: Ernesto Guimarães


Capa: Cláudio Roberto Martini
Revisão: Adagoberto Ferreira Baptista
Nívea Maria Fernandes
Vânia Aparecida da Silva

PONTES EDITORES
Av. Dr. Arlindo Joaquim de Lemos, 1333
Jardim Proença
13095-001 Campinas SP Brasil
Fone (019) 3252.6011
Fax (019) 3253.0769
E-Mail: ponteseditores@ponteseditores.com.br

wwW·r)OrltE~seditores.com.br

Impresso no Brasil
íNDICE

Apresentação t......................................... 7
PARTE I - TEORIA
Descrevendo a leitura . 13
Modelos teóricos: fundamentos para o exame da relação
teoria e prática na área de leitura 21
Sobre o sujeito na interação 37
.PARTE II - PESQUISA
Pesquisando a leitura . 49
Estratégias de abordagem textual: ou procura-se estrutura,
coesão e coerência .. 55
Fatores determinantes na elaboração dos resumos: maturação
ou condições da tarefa? . 75
Extraindo informações do texto _. algumas considerações
sobre marcação formal do tema , legibilidade . 91
Estratégias de inferência lexical na leitura de segunda língua 117
Percepção da função discursiva do léxico 131
PARTE IH - ENSINO
Ensinando a leitura 151
Leitura e legibilidade: reflexões sobre o texto didático 157
A coerência e legibilidade do texto didático 177
o ensino do léxico através da leitura 191
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 207
APRESENTAÇAO

Lendo, certa vez, um livro chamado Why lohnny can't read


encontrei a seguinte afirmação, que, embora exagerada, ainda me pa-
receu válida: o autor, Rudolph Flesch, dizia que dedicava seu livro
a pais e mães, porque, assim como a guerra era um assunto muito
grave para ser deixado nas mãos dos generais, o ensino de leitura
era um assunto também importante demais para ser deixado apenas
nas mãos dos educadores. Concordo com o espírito da citação: o
ensino de leitura compete não a uns poucos, mas a todos nós.
Entretanto, até aqueles diretamente ligados ao ensino de leitura
- os professores - encontram-se mal informados em relação ao
processo, ao leitor, e às estratégias que levam ao domínio do pro-
cesso para poder assumir o ensino de leitura com segurança e, sobre-
tudo, com coerência.
Esses mal-entendidos são conseqüência de vários fatores. Hoje
em dia por exemplo, ninguém diz acreditar que a leitura seja equi-
valente à decodificação e processamento de palavras; entretanto, mui-
tas práticas de ensino desmentem esse fato, revelando assim um mal-
entendido tanto sobre a interrelação dos pressupostos teóricos que
subjazem a uma prática e a natureza dessa prática, quanto sobre a
ação definidora do prático pelo domínio teórico. Ignora-se muitas
vezes na prática o fato de a leitura ser a atividade cognitiva por
excelência; o complexo ato de compreender começa a ser compreen-
sível apenas se aceitarmos o caráter multi-facetado, multi-dimensio-
nado desse processo que envolve percepção, processamento, memória,
inferência, dedução.

7
Hoje em dia, dado o papel fundamental da escola e da escola-
rização no letramento, na aprendizagem e no desenvolvimento da
criança, ninguém admite que o professor, figura central nessa escola.
não tem aí um papel a assumir. Entretanto, esse papel se reduz
muitas vezes ao de fornecedor de estímulos para a elicítação de auto-
matismos, dentro das mais pobres das concepções behavioristas. O
professor, visto como modelo ideal a ser imitado pela criança na
resolução de tarefas cognitivas complexas que estão além da capa-
cidade real da criança, é uma figura que nessa perspectiva não se
f az presente na escola.
Da mesma forma, ninguém diria que o aluno é incapaz de
aprender. Entretanto, o aluno enquanto sujeito que, dada uma chan-
ce, usaria nas tarefas da escola, capacidades já desenvolvidas em
outros contextos, que procuraria dar sentido e coerência a essas tare-
fas, e que a partir da aprendizagem chegaria ao desenvolvimento de
outras capacidades, esse aluno não encontra espaço de ação na escola,
nem mesmo na aula de leitura, dada a banalidade das atividades que
são inventadas para preencher seu tempo de leitura nesse contexto.

Muitos, hoje em dia, dizem acreditar na leitura como uma inte-


ração em que leitor e autor constroem um texto. Entretanto, poucos
professores ensinam a criança a ouvir o autor nessa interação. O
texto é percebido como coleção de elementos descontínuos, discretos;
assim como não é necessário buscar coerência ou uma intenção argu-
mentativa na lista telefônica, também não é necessário ir além da
ligação atribuída pela inserção contígua, num mesmo espaço material,
nessa lista de elementos a que se reduz o texto trivializado em con-
texto escolar. Ou ainda, nas propostas mais interessantes, focalizam-
se apenas elementos formais enquanto marcadores de um conteúdo
informativo, mas não enquanto marcadores de uma posição, ou de
uma abertura para a entrada de um leitor imaginada por esse autor.

Todos sabemos, hoje, que o bom leitor é aquele que lê muito


e que gosta de ler, e concordaríamos em que o caminho para chegar
a ser um bom leitor consiste em ler muito. Também sabemos que o
fracasso contínuo desencoraja até ao mais entusiasta - ninguém
gosta de continuar fazendo aquilo que é difícil demais, que está além
dr sua capacidade. Evitamos e desistimos daquilo que marca uma

8
história de fracassos; entretanto, esperamos que a criança que já tem
uma história de fracassos em relação ao texto escrito, leia e goste
de ler. O conhecimento torna uma tarefa mais fácil: quando temos
esquemas de expectativas em relação à estrutura de um evento, por
exemplo, esse evento se torna menos assustador, mais acessível, e faz
sentido mais facilmente. :e. de se esperar que a existência de esquemas
de expectativa em relação à estrutura de texto tornem o texto mais
acessível, mais compreensível. Entretanto, insiste-se, na escola, na utili-
zação de apenas um tipo de texto, o texto didático, assim expondo
à criança ao que há de mais inconsistente, incoerente e incompreensí-
vel em matéria de textos.
A coerência entre fundamentação teórica e a ação prática no
ensino de leitura, o reconhecimento do aluno enquanto sujeito leitor.
e não como mero decodificador, o reconhecimento do professor en-
quanto adulto modelo desse leitor, o ensino de leitura coerente com
uma postura interacionista e crítica são tópicos abordados nesta cole-
tânea, com a qual espero contribuir para uma reflexão e debate que
nos leve a reavaliar o que está sendo proposto nas escolas na área
de leitura.
Esta coletânea incorpora artigos já publicados - a maioria -
bem como artigos com resultados de pesquisa inéditos, que foram
publicados ou elaborados num período de seis anos, desde 1981 até
1986. Os artigos estão agrupados por tópicos: Teoria, Pesquisa, En-
sino. Obviamente, as divisões não são estanques - particularmente
no caso da pesquisa, na segunda parte, pois muitas vezes esta teve
por objetivo avaliar as conseqüências de práticas de ensino genera-
lizadas, e explorar as possíveis conseqüências de mudanças nessas
práticas. As divisões, então, refletem mais uma tendência do que
uma preocupação exclusiva. Em cada parte a agrupação é cronológi-
ca, tentando retratar a emergência de interesses e preocupações em
cada um dos assuntos abordados, que muitas vezes coincidiu com
os interesses de outros pesquisadores da área de leitura no país. Os
trabalhos elaborados durante os anos 1984-1986 foram produto de
pesquisa financiada pela FAPESP e pelo INEP, parte do Projeto Inter-
relação de fatores determinantes na compreensão de textos no 1. grau.
0

9
Finalmente, gostaria de aproveitar este espaço para agradecer a
meus colegas e alunos, que com sua valiosa e entusiasta colaboração,
com seus comentários enriquecedores influenciavam positivamente
vários dos artigos desta coletânea: à Sylvia Terzi, Ivani Ratto, Ana
Silvia Couto de Abreu, Marilda Cavalcanti, Mary Kato, Eni Orlandi
e Míchael Scott meus agradecimentos especiais
Campinas, junho de 1988.

ANGELA KLEIMAN

10
Parte I
Teoria
DESCREVENDO A LEITURA *
Read not to contradict and coniute, nor to believe and
take for granted, nor to iind talk and discourse, but to
weigh and consider.
(Leia, não para contradizer e refutar, nem para crer e
pressupor, nem para achar assunto e conversa, mas para
pensar e considerar).
(Prancis Bacon, oi Studies)

Em meu trabalho sobre leitura, tenho me preocupado com ques-


tões teóricas e com questões práticas, na tentativa de apresentar a
questão teórica como fundamento necessário para uma prática bem
informada. Nesse aspecto, me atenho à antiga tese de que uma das
tarefas da Lingüística Aplicada é a divulgação de pesquisa pertinente
para a formação do professor.

O processo de ler é complexo. Como em outras tarefas cogniti-


vas, como resolver problemas, trazer à mente uma informação neces-
sária, aplicar algum conhecimento a uma situação nova, o engaja-
mento de muitos fatores (percepção, atenção, memória) é essencial
se queremos fazer sentido do texto.
Conhecer esse processo se f az necessário para trabalhar com
leitura. Podemos dar uma medida de complexidade do processo, des-
crevendo o que o leitor proficiente faz quando lê, começando pelas
manifestações observáveis e a partir delas descrever posteriormente
um modelo daquilo que não é passível de observação direta:
- O leitor proficiente lê rapidamente - mais ou menos 200
palavras por minuto, se o assunto lhe for familiar ou fácil, e um
número menor se ele for desconhecido ou difícil.

- O movimento dos olhos durante a leitura não é contínuo


(como quando devemos seguir um objeto com os olhos num teste de

* Este trabalho é o resultado de palestras apresentadas a professores de 2. a


e 4. a séries, da Rede Municipal de Campinas, participantes do Projeto MEC-
SESU "Leitura e Produção de Textos na 2.a e 4.a séries" (1984-198S).

13
visão) mas é sacádico, isto é, o olho se fixa num lugar do texto e
logo fl1z um pulo, ou sacada, até se fixar novamente mais adiante.
No momento em que o olho faz uma fixação ou pausa, há uma área
de visão clara e uma área de visão periférica, sendo que aparente-
mente a visão periférica ajudaria a decidir onde fazer a fixação se-
guinte. A duração da pausa é variável, dependendo, novamente, da
dificuldade do material. O movimento dos olhos, por outro lado,
não é apenas progressivo mas também regressivo (provavelmente o
leitor estaria relendo material que lhe pareceu inconsistente com o
material que leu mais à frente).
- O leitor adulto proficiente lê sem movimentos labiais per-
ceptíveis, isto é, sem subvocalização. Não há evidências incontestá-
veis de que não haja algum tipo de vocalização interna, ainda que
imperceptível quando lemos; provavelmente o input visual não é tra-
duzido numa imagem acústica, quando o material é muito fácil, mas
haveria algum tipo de mediação fonológica quando o material for
difícil (o caso extremo seria o da leitura numa língua estrangeira).
-- Na leitura em voz alta, percebe-se uma distância entre a velo-
cidade da voz e a do olho sendo este mais rápido: as experiência
mostram que se retirarmos o texto durante uma leitura em voz alta,
o Jeitor continuará "lendo" (sem o texto, com o texto tapado, com
a luz apagada) mais ou menos seis palavras além da palavra onde
estava quando da retirada, o que mostra que seus olhos já haviam
ido além da fala.
- Por volta dos 10 anos, ou após 4 anos de escolarização, o
aluno que é bom leitor já apresenta todas as características do com-
portamento observável do leitor proficiente, com apenas diferenças
quantitativas: a distância entre as sacadas é menor, a pausa da fixa-
ção é um pouco mais longa, há mais movimentos regressivos, a dis-
tância entre o olho e a voz é um pouco menor. Mas a flexibilidade.
ou capacidade de adaptar esses mecanismos à dificuldade do material
lido já se acha desenvolvida no pequeno leitor. Em outras palavras,
ele está preparado para enfrentar as demandas cada vez maiores
da escola, que fundamenta todo o processo educacional na leitura.
Os mecanismos observáveis do leitor proficiente são um reflexo
de estratégias de ordem superior e são essas estratégias as que carac-
terizam o bom leitor. Para melhor entendermos essas estratégias pen-
semos agora no que acontece com o leitor após a imediata percepção

14
do material. Este precisa ser processado, de alguma forma, para que
traços no papel sejam convertidos em significados. Com base nessas
noções preliminares, apresentaremos a seguir um modelo extrema-
mente simplificado dos processos envolvidos na leitura.
Uma vez que o traço é reconhecido como uma letra, ou uma
palavra, ele é transformado numa imagem acústica ou visual. En-
quanto o leitor está lendo sílaba por sílaba por exemplo, é preciso
manter essa imagem em algum lugar enquanto outras sílabas são pro-
cessadas, até formar uma unidade reconhecível. De fato, o comporta-
mento da criança no início da alfabetização parece mostrar isso,
quando a criança, após silabar a palavra, repete a palavra inteira, até
com uma entoação diferente. Ao ler a frase "a menina era muito
bonita", a criança muitas vezes procede da seguinte forma: a-me-ni-na
a menina / e-ra era / mu-i-to muito / bo-ni-ta muito bonita /. Esse
depósito para o armazenamento das unidades que vão entrando é
chamado de memória a curto prazo ou mem6ria imediata (ou ainda
mem6ria de trabalho).
A memória imediata caracteriza-se por ter uma capacidade limi-
tada. Ela pode guardar entre 5 e 9 elementos (5 a 9 letras, por
exemplo), e logo deve ser esvaziada para a entrada de outros ele-
mentos, caso contrário ficará sobrecarregada. Se, por exemplo, ten-
tarmos manter na mem6ria uma lista de números que vão aparecendo
numa tela ou que alguém nos dita, ao lermos ou ouvirmos o décimo
número, por exemplo, esquecemos o primeiro, ou, alternativamente,
se continuarmos repetindo para nós mesmos os nove primeiros para
não esquecê-los, nem sequer ouviremos o décimo, quer dizer, este
nem chegou à memória imediata porque toda sua capacidade já es-
tava voltada para a memorização dos nove primeiros dígitos. Porém,
a memória imediata não faz nenhuma discriminação em relação ao
tipo de unidade que é armazenada, contanto que sejam unidades signi-
ficativas: as unidades podem ser sete letras, sete palavras, sete frases.
Assim, se lermos uma lista de letras como:
m-n-t-o-e-e-l-s-e
quando chegarmos à última a memória imediata será esvaziada para
permitir a entrada e armazenamento de mais unidades. Se, por outro
lado, as mesmas letras forem recombinadas na seqüência
e-l-e-m-e-n-t-o-s

15
elas serão reconhecidas como um outro tipo de unidade, como uma
palavra da língua; então o armazenamento de mais outras cinco, seis,
sete unidades é possível. Imaginemos que as outras unidades sejam
as seguintes:
esquecem- os- os- mais- que- sujeitos
Até aí, poderemos mantê-las na memória imediata sem problemas (e
recitá-las de volta, por exemplo) porque não estamos ultrapassando
a capacidade de armazenamento dessa mem6ria. Se 'precisarmos me-
morizar e lembrar mais palavras, algumas serão esquecidas, porque
novamente deveremos esvaziar a memória para dar lugar para o novo
material. Mas, se as palavras são reconhecíveis como outro tipo de
unidades, por exemplo, como uma frase, conseguiremos ampliar nova-
mente essa capacidade: se agruparmos as palavras em frases, as sete
unidades passam a ser
(os elementos) (que) (os sujeitos mais esquecem)
e poderemos manter ainda mais material nessa memória. Daí a im-
portância do reconhecimento rápido de expressões e frases na leitura.
Uma vez que a memória é esvaziada, se não conseguirmos reco-
nhecer o material como unidade significativa ele será imediatamente
esquecido. Mas, se o material for significativo, ele passa a receber a
ação de um outro tipo de memória, cuja capacidade não é limitada:
memória profunda ou memória a longo prazo, onde ficaria organi-
zado todo o nosso conhecimento: o conhecimento da língua, nossas
experiências, nossas convicções, nossos hábitos, etc. Por exemplo, as
regras que nos permitem reconhecer /I os elementos que os sujeitos
mais esquecem" como uma seqüência possível do português, e rejeitar
elementos esquecem os os mais que sujeitos" estariam aí organi-
/I

zadas, bem como o nome do nosso restaurante preferido, e o fato de


que os metais preciosos não enferrujam.
Poderíamos aventar a hipótese de que o material recentemente
fatiado (reconhecido, e esvaziado da memória imediata) passa à me-
mória profunda. Contudo, é fácil pensar em razões pelas quais essa
resposta é insatisfatória. Para começar, fica difícil aceitar a idéia de
que a seqüência "os elementos que os sujeitos mais esquecem" tem
o mesmo estatuto (visto que ocuparia um lugar na memória profun-
da) que itens como "Meu pai morreu quando eu tinha quinze anos"
ou O cometa Halley aparece a cada 76 anos". Além disso, o pro-
/I

cessamento do material envolve a busca da informação necessária

16
para a análise das unidades. E a extrema eficiência do sistema Indica
que essa busca não é aleatória: uma vez que começamos a ler sobre
um assunto, ficamos num estado de alerta na espera de mais material
relacionado a esse assunto; isto é, o material que acabamos de ler
fica mais acessível do que outros conhecimentos de nossa memória
profunda. Pensemos na leitura deste texto sobre o ensino da leitura.
Há muitas frases que já apareceram repetidas vezes, tais como "estra-
. " , 111'eítura","" texto, "" escrita,
tégia ." que provave Imente sao
'" recon h e·
cidas pelo leitor. Há outras que não apareceram, tais como "associa-
ção de som e grafia", "letramento", etc. mas que não causariam sur-
presa num texto sobre o assunto. Entretanto, a seqüência "0 progra-
ma de informática implantado pelo governo" nos faria parar, e reler.
Ela é inesperada. Mas não teria razão ser inesperada se o material
que estamos lendo não fosse mantido num nível diferente, menos
profundo do que outras informações que guardamos na memória a
longo prazo. ~ por isso que os modelos de processamento incluem
um terceiro tipo de memória, chamada de memória rasa ou memória
intermediária, cuja função é a de manter a informação num estado
de ciência, ou de alerta, mais acessível.
Assim, a seqüência "0 programa de informática implantado pelo
governo", ao contrário do material até agora lido, é totalmente nova,
e portanto inesperada, enquanto que a informação que mantemos na
memória intermediária já adquiriu o caráter de informação conhe-
cida, velha, caráter próprio das informações que guardamos na me-
mória profunda, mas ao mesmo tempo permanecendo num estado de
ciência, ou alerta, que não é próprio da memória profunda.
Ao refletir sobre a complexidade dos processos envolvidos na
leitura, seria surpreendente se conseguíssemos ler se pressupusermos
que o processo é linear e serial, passo a passo, desde o olho até a
memória que estaria aguardando a chegada do material para começar
a processá-lo. Não é isso o que acontece. O leitor está engajado,
antecipando o material até a formulação de uma imagem, pois a deci-
são sobre a pausa ou fixação está determinada não só pelo que ele
acaba de ler na página, mas também por seu conhecimento dos pa-
drões ortográficos, da estrutura da língua, do assunto, etc. ~ por isso
que a leitura é considerada um processo interativo, no sentido de
que os diversos conhecimentos do leitor interagem em todo momento
com o que vem da página para chegar a compreensão. A leitura não
é apenas a análise das unidades que são percebidas para, a partir daí,

17
chegar a uma síntese. Também a partir da síntese ele procede à aná-
lise para verificar suas hipóteses, num processo em que, repetimos,
tanto os dados da página como o conhecimento do leitor interagem
como fontes de dados necessários à compreensão.
Contudo, há modelos que propõem justamente a linearidade e
serialidade, bem como há práticas de ensino (a maioria, aliás) que
pressupõem esse tipo de processamento.
Existe, muitas vezes, uma incoerência entre a declaração de prin-
cípios do professor e a caracterização desses princípios em prática
de sala de aula. Assim como essa incoerência é observável em relação
à leitura enquanto processo cognitivo, ela também é observável em
relação à leitura enquanto atividade entre o sujeito leitor e o autor.
De fato, tem-se tornado lugar comum entre professores declarar
a adoção de enfoques interacionistas para o ensino de língua oral c
escrita. Entretanto, a explicitação dos fundamentos lingüísticos, so-
ciais, pedagógicos desses enfoques, é muitas vezes uma tarefa que
o professor parece não exercer. Coisa semelhante acontece quando
se trata de argumentar a favor dessa postura, talvez polêmica, com
professores mais tradicionais; em qualquer atividade de ensino que
não seja o diálogo informal com os alunos, o professor não adota a
postura que faria da criança um interlocutor.
Se, como de fato acreditamos, enfoques que partem do princípio
de que a linguagem é interação trazem resultados positivos válidos.
defensáveis, então torna-se importante complementar a formação do
professor para ele compreender os fundamentos teóricos de uma pro-
posta nessa linha, tomar decisões com base em sua avaliação de um
problema ou de uma situação, e se tornar num professor que se faça
gerador e irradiador de mudanças.
Entretanto, a leitura, a julgar pelos exercícios de compreensão
e interpretação dos livros didáticos e da sala de aula, fica reduzida,
quase sem exceções, à manipulação mecanicista de seqüências discre-
tas de sentenças, não havendo preocupação pela depreensão do signi-
ficado global do texto.
Essas abordagens são apenas uma instância de uma atitude gene-
ralizada do professor frente à linguagem escrita: a linguagem perde
a sua natureza de ação entre interlocutores e passa a ser objeto de
manipulação e transformação estrutural. O texto escrito não se cons-
titui, então, no meio através do qual autor e leitor interagem, onde
o autor constrói um texto, e portanto propõe uma leitura, através do

18
quadro referencial selecionado, enquanto o leitor aceita, refuta, cri-
tica, também apoiado num processo seletivo que determina a de-
preensão da linha temática, a integração das informações num signi-
ficado único e abrangente, e uma reação intersubjetiva. Raras vezes
é essa a leitura na escola.
Se o professor não perceber a complexidade do processo ae lei-
tura, e da interação, ele estará, a maioria das vezes, ecoando acrití-
camente comentários alheios, sem conseguir implementar essa visão,
verbalizando sem agir. Também não é possível avaliar de maneira
coerente as vantagens das propostas de ensino baseadas na interação
se de fato o professor não conhecer nenhuma outra proposta. 1! na
comparação que a opção consciente, com efeitos duradouros, origi-
nários na mudança de pressupostos, pode se dar. Para permitir essa
comparação, nessa seção selecionamos dois artigos sobre modelos e
enfoques de leitura que, na minha consideração, deixam entrever a
complexidade da questão. Em "Modelos te6ricos: fundamentos para
o exame da relação teoria e prática na área de leitura" defendemos
a tese de bidirecionalidade entre teoria e prática, e apresentamos uma
seleção representativa de modelos de leitura e suas implicações para a
prática. Estes modelos vão desde os modelos de percepção visual e
processamento das letras, que nos ensinam muito sobre os mecanis-
mos da leitura, mas dizem pouquíssimo, ou nada, sobre a compreen-
são, passando pelos modelos de adivinhação, que focalizam o processo
de compreensão sem explicitar como chegamos a essa compreensão,
até chegar a um esboço de modelos interacionistas, de base discursiva,
que focalizam não apenas o processo cognitivo da compreensão mas
também o processo cooperativo da produção de um texto durante a
leitura. O valor do texto reside principalmente no fato de ele reunir,
num texto sé, variados enfoques e modelos descritivos e explicativos
do processo de leitura, tornando assim possível o acesso ao pensa-
mento de te6ricos de áreas de processamento da informação, da psi-
colingüística, da psicologia cognitiva. Em Sobre o sujeito na intera-
(I

ção" aprofundamos o exame do enfoque interacionista no ensino, enfo-


que este apenas delineado no artigo anterior, com o objetivo de exa-
minar a viabilidade de se ensinar a leitura dentro dessa visão, que
permite o estabelecimento de relações interpessoais muito ricas pelas
possibilidades de crescimento e desenvolvimento do leitor, processo
esse facilitado pela interação que se dá ou se pode criar em sala
de aula.

19
MODELOS TEÓRICOS: FUNDAMENTOS
PARA O EXAME DA RELAÇAO TEORIA E
PRATICA NA AREA DE LEITURA*

1. A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA:


UMA VISÃO TRADICIONAL

Uma série de questões em torno do ensino de leitura, o como" , 11

o "deve-se", nasce de um problema fundamental das áreas que inte-


ressam à vida humana, o problema da relação entre ciência básica e
aplicação. Piaget (1970) caracteriza um aspecto desse problema
quando diz:

liDuma maneira geral, as ciências do homem são chamadas a


fornecer aplicações cada vez mais importantes e em todos os
domínios, mas com a condição de desenvolverem a investigação
fundamental sem a limitarem de antemão em nome de critérios
apenas utilitários; o que de começo parece menos útil pode ser
mais rico em conseqüências imprevistas, ao passo que uma deli-
mitação inicial de finalidade prática impede que se domine o
conjunto das questões, sendo susceptível de deixar escapar aquilo
que é mais indispensável e mais fecundo" (1970: 144).

Na área do ensino de leitura, em que a prática antecede elucida-


ções provenientes da pesquisa básica, esta última oferece, muitas
vezes, opções conflitantes, devido ao próprio questionamento episte-
mológico intrínseco à ciência, que tem, como uma das conseqüências,

>I< Este trabalho foi publicado em Trabalhos em Lingiústica Aplicada 3, pp.


35-43. 1984.

21
o surgimento de teorias e investigações empíricas isoladas dentro do
próprio campo de investigação (Píaget, op. cit.).
Perante a necessidade de aplicação apesar de orientações confli-
tantes, surgem então propostas metodológicas diversas, em torno das
quais está se centrando uma' discussão que deveria, a rigor, estar cen-
tralizada nas contribuições da pesquisa básica, dos modelos teéricos
e suas predições empíricas.
Até pouco tempo atrás, essa discussão era impensável, pois havia
pouco desenvolvimento teórico, apesar dos grandes investimentos na
área. Escrevia Weaver (1977):

11A literatura na pesquisa sobre leitura é desapontante, porque


carece de estruturação teórica sistemática. Uma razão para isso
é o fato de que, até poucos anos atrás, a pesquisa em leitura
partia, principalmente de instrutores de leitura na tentativa de
justificar ou esclarecer algum ponto relacionado diretamente à
prática. Embora não exista nada intrinsicamente errado neste
enfoque, há muito de errado quando o objetivo é desenvolver
conhecimento científico sobre a leitura. A pesquisa é casuística,
ateórica, e portanto, não-cumulativa no seu impacto, l.e., não
configura um conjunto de princípios testados. Se a pesquisa
nos vier a trazer evidências, a teoria não deverá dizer quais as
evidências de que' necessitamos" (op. cit.: 53).

o próprio autor apontava mais adiante os perigos da teorização:


a teoria pode limitar a investigação e muitas vezes levá-la a becos
sem saída. Este seria, porém, um dos preços que teríamos que pagar
para ter estrutura (op. cit., p. 53).
Consideramos, primeiro, que é necessário reexaminar a relação
teoria-prática, e segundo, que encontramos na própria teorização fun-
damentos para esse reexame. Começaremos focalizando um pólo dessa
relação, a adequação da teoria à descrição do fenômeno. Para isso,
buscamos subsídios na abundante literatura na área, apresentando a
seguir alguns modelos teóricos 1 relativamente recentes que conside-

1. Devido a esta opção, deixamos, é claro, de considerar muitos trabalhos


importantes na área de leitura. Pensamos especialmente nos trabalhos sobre
processamento visual (Huey, 1912) e trabalhos sobre maturação da capa-
cidade de processamento da escrita (vide Gibson e Levin, 1975).

22
ramos representam concepções opostas do processo de leitura, junta-
mente com as propostas teóricas mais recentes, que, ao incorporar
ambas as concepções, as expandem e enriquecem. Ao delinear este
quadro, apontaremos tanto para a adequação do modelo para descre-
ver a totalidade do fenômeno, quanto para as contribuições para o
trabalho prático, a fim de, posteriormente, retomar esta discussão
inicial da relação entre teoria e aplicação.

2. A TEORIA: DO UNIDIRECIONALISMO À INTERAÇÃO


COM O OBJETO

Nem todos os modelos de leitura visam interrelacionar o funcio-


namento de sistemas cognitivos e lingüísticos do sujeito para a apreen-
são do objeto no momento de leitura. Será esse o parâmetro básico
que utilizaremos na classificação, que nos permite falar, a grosso
modo, de modelos pré-interativos, num sentido histérico, ou unidire-
cionais e modelos interativos. O segundo parâmetro que servirá de
base à classificação é o grau de determinação do objeto. Trata-se de
um objeto completamente determinado, e a leitura consiste na análise
e decodificação desse objeto, ou trata-se de um objeto indeterminado
e a leitura consiste na imposição de uma estrutura, na (re) criação
de um significado. Segundo esse parâmetro, os modelos pré-interativos
podem ser divididos em modelos de processamento, e modelos psico-
lingüísticos. O grau de especificidade na postulação de estágios ou
componentes, discretos ou não, é um correlato: os modelos de pro-
cessamento são altamente específicos, enquanto que os modelos psico-
lingüísticos não pretendem caracterizar cada estágio envolvido na
leitura.

2.1. O modelo de processamento serial de Gough

o modelo de processamento serial de Gough (1976) leva a ex-


tremos inaceitáveis desde o ponto de vista empírico, o seqüencia-
menta dos processos envolvidos na decodificação (na leitura. segundo
o autor). O modelo de leitura do autor tem como objetivo:

"descrever a seqüência de eventos que acontecem em um segundo


de leitura, a fim de sugerir a natureza dos processos que unem
esses eventos" (op. cit.: 509).

23
Também ele pretende relacionar essa descrição a aspectos relativos
.
ao processo de aquisição da leitura .
Os eventos que Gough focaliza são: fixação ocular e movimento
sacédíco, representação icôníca do percepto visual, identificação da
letra, (através de um processo serial, discreto), mapeamento das letras
com a representação fonêmica abstrata da palavra, busca da entrada
lexical (acessível mediante a representação fonêmica abstrata dos ca-
racteres), também serialmente, palavra por palavra, (da esquerda à
direita). Postulam-se em seguida processos de natureza menos espe-
cífica, que vão desde o armazenamento das entradas lexicais na me-
m6ria primária, na qual os mecanismos de compreensão (" compre-
hension device") operam, utilizando a informação fonêmica, sintática
e semântica das entradas lexicais. Ap6s o processamento, que estaria
constituído de duas etapas, algum mecanismo, desconhecido, opera
na informação da mem6ria primária tentando descobrir a estrutura
profunda do fragmento, as relações gramaticais e, se há sucesso então
uma interpretação semântica é realizada (op. cit.: 519). Posterior-
mente os fragmentos, de natureza não especificada (constituintes fra-
sais?, sentenças?) passariam a um registro final, presumivelmente a
mem6ria secundária (op. cit.: 513-519). Um modelo seqüencial separa
os processamentos de primeira ordem (low-level processing) dos pro-
cessamentos de ordem superior (higher-level processing). Assim, em-
bora o modelo recapture a complexidade de um segundo de leitura,
a natureza da leitura fica desvirtuada, até no fato observável de que
há interação entre o processamento visual e processamentos lingüís-
tico-cognitivos: o padrão ocular não é uniformizado; diferentes leito-
res exibem padrões oculares diferentes na leitura de um mesmo texto.
Entre outras conseqüências específicas dessa ausência de interação,
podemos citar que Gough não prevê o papel desembiguador do
contexto (cí. "a representação fonêmica abstrata é atribuída à primeira
entrada lexical que é encontrada ( ... ). Quando essa primeira entrada
é localizada, essa entrada é aceita como a leitura da palavra até essa
leitura se provar incompatível com dados subseqüentes", op. cit.:
517); nem o papel desambiguador do conhecimento prévio (" no caso
de uma palavra ambígua, a sua categoria gramatical pode permane-
cer sem especificações até que essa informação seja processada", op.
cit.: 517); nem o efeito da informação já processada nos diversos pro-
cessos, desde a identificação de letras até a interpretação sintática e
semântica.

24
Pela sua especificidade, o modelo tem a vantagem de que as
predicções que ele faz podem ser facilmente testadas. Contudo, na
investigação empírica fazem sentido tarefas de latência e de reconheci-
mento de letras, sílabas, palavras, e até sentenças isoladas, que não
são tarefas de leitura propriamente ditas, e, portanto, têm escassa
pertinência às questões aplicadas. A contribuição do modelo nessa
área de aplicação é seu posicionamento inequívoco, com respeito à
necessidade de adquirir o código, contra os métodos globais de alfa-
betização e junto aos métodos fônícos e lingüísticos.

2 .2. O modelo de processamento automático de LeBerge e Samuels

o modelo de processamento automático de LeBerge e Samuels


(1976) é um modelo do processo de leitura "que descreve os princi-
pais estágios envolvidos na transformação de padrões escritos em
significado e relaciona os mecanismos da atenção ao processamento
em cada um desses estágios (op. cit.: 548). Ele se baseia na premissa
de que estímulos bem aprendidos são processados e transformados
numa representação interna, ou código, independentemente do foco
de atenção no momento de apresentação do estímulo. A teoria propõe
que a atenção pode ativar, seletivamente, códigos tanto dos níveis
visuais como dos níveis mais profundos. O modelo pressupõe tam-
bém estágios seqüenciais no processamento da informação:

"Este modelo está baseado no pressuposto de que a transforma-


ção de estímulos escritos em significados envolve uma seqüência
de estágios no processamento da informação (o. o). A estratégia
consiste em captar os princípios básicos de automaticidade no
processamento perceptual e associativo através de exemples sim-
ples aos estágios iniciais do processamento, para em seguida
indicar como esses exemplos são generalizados a estágios mais
complexos na leitura" (op. cit.: 551).

O modelo é complexo, e selecionamos aqui dois aspectos repre-


sentativos dele: o desenvolvimento de auromatiemos e as opções de
processamento do leitor experiente.
Para o processo chegar a ser automático, os autores postulam
três estágios (talvez quatro) de aprendizagem perceptual. Num pri-
meiro estágio o leitor procura no estímulo grafêmíco as dimensões

25
relevantes para a discriminação de traços distintivos (abertura, orien-
tação espacial, da letra, etc.); esta busca se tornará automática
quando o leitor tiver realizado muitas tarefas discriminatórias. Num
segundo estágio, o aprendiz constrói um código das letras mediante
a organização dos traços relevantes numa unidade maior, processo
este que precisa da atenção do aprendiz. Num terceiro estágio, o pro-
cesso de organização dos traços relevantes (" unitízíng") se torna auto-
mático. O procedimento visual pelo qual o sujeito alcança o estágio
de unificação, "scanníng", pode também se tornar automático com a
prática, o que constituiria o quarto estágio de aprendizagem. No
leitor experiente, o processo de unificação se estende até o nível fra-
sal (word groups).
Outros sistemas de processamento operam nos inputs do código
visual. Este pode ser recodificado, por um processo associativo, no
sistema fonológico (que também opera com unidades de outros códi-
gos, como o semântico, por exemplo), cuja organização seria semelhan-
te à do código visual (traços distintivos, fonemas, sílabas, palavras),
ativando os processos de organização de unidades sucessivamente
maiores, dependendo da experiência do leitor. O leitor experiente tem
opções relativas ao sistema em que se efetuará a organização: se a
leitura for fácil, e portanto lê rapidamente, poderá selecionar uni-
dades visuais maiores; se estiver lendo material difícil, lentamente,
poderá selecionar padrões ortográficos para organização no nível
fonológico.
O significado da palavra é ativado mediante uma associação
direta entre a unidade fonológica e a unidade semântica, que já é
automática pela experiência com a fala, mas que talvez na criança
seja mediada pela memória episódica (memória de eventos físicos e
temporais) até as associações se tornarem diretas. O leitor experiente
tem várias opções de reconhecimento dependendo da familiaridade
com o estímulo grafêmico: desde o reconhecimento instantâneo, do
código visual imediatamente ao código semântico (palavras muito
comuns, por exemplo) até o reconhecimento não automático com
mediação da memória episódica, do código visual ao código semân-
tico (por exemplo, nomes estrangeiros dos protagonistas de um
romance).
O modelo faz predições sobre o desenvolvimento de automatis-
mos no processo de alfabetização. Fica claro, em primeiro lugar, que

26
pela prática e repetição, os automatismos são desenvolvidos. A fim
de reorganizar o material em unidades superiores (grupos frasais, por
exemplo), a criança precisa atender a essa tarefa. Para ajudar a crian-
ça nesse processo de reorganização, deverão ser relaxadas as exigên-
cias de precisão: a insistência na leitura "correta " pode impedir o
desenvolvimento de estratégias de reconhecimento mais sofisticadas.
Pela autolimitação do modelo, que objetiva apenas a explicação
de processos de organização em níveis inferiores, a investigação em-
pírica a partir das predições limitou-se a micro-unidades (í.e., latência
na percepção e associação de letras em diversas condições de aten-
ção) e, portanto, tal como o modelo de Gough, sua relevância a
problemas aplicados é limitadíssima.
Diminuindo em especificidade, e já com característica dos mo-
delos de interação, temos os modelos psícolingüísticos, e.g. o modelo
de sistemas de comunicação de Ruddell (1976) e o modelo de testa-
gem de hipóteses de Goodman (1970, 1976). Estes modelos, que
foram considerados demais vagos (cf. Gibson e Levin, op. cito e Ve·
nezky, et alii, 1975) para o estabelecimento de hipóteses preditivas,
constituem um grupo importante na reflexão em torno da leitura, já
que eles tencionam caracterizar a totalidade dos processos envolvidos
na leitura, se bem que a relação entre os processos fica, de fato.
obscura.

2 .3. O modelo de sistemas de comunicação de Ruddell

Para Ruddell (1976) a leitura é um desempenho psicolingüístico


complexo que consiste na decodificação de unidades lingüísticas es-
critas no processamento das unidades lingüísticas ao longo de dimen-
sões estruturais e semânticas, e na interpretação dos dados semân-
ticos segundo os objetivos do leitor (op. cit.: 452). No modelo, o input
visual inicia o processo de decodificação no qual os sistemas grafê-
mico, fonêmico e morfêmico são utilizados. O material analisado é
agrupado em constituintes, e armazenado na memória imediata (em
fatias on chunks") para servir de input a regras transformacionais.
fi

Em seguida, o sistema semântico é ativado a fim de obter uma


leitura lexical que, junto com o significado estrutural, produzirá o
significado do constituinte, a ser armazenado na mem6ria a longo
prazo:

27
"Após a transformação e reescritura da sentença na forma mais
básica, chega-se ao aspecto semântico; os signíficados dos vários
'morfemes são considerados através de uma leitura semântica
que utiliza componentes denotativos, conotativos e não lingüís-
ticos do léxico mental. Os significados semânticos e estruturais
são em seguida interpretados pelas regras de interpretação se-
mântica, e o significado é estabelecido. Simultaneamente, os mar-
cadores semânticos apropriados e os contextos estruturais pas-
sam à memória a longo prazo" (op. cit.: 466).

Em seguida, o sistema semântico é ativado a fim de obter uma


leitura lexical que, junto com o significado estrutural, produzirá o
significado do constituinte, a ser armazenado na memória a longo
prazo.
Os níveis de processamento interagem entre si; o modelo estio
pula o retorno a níveis já utilizados no processamento quando os
elementos são difíceis ou ambíguos; ele estipula também a utilização
de informação já armazenada na mem6ria a longo prazo para o pro-
cessamento de novas unidades. O modelo também comporta um com-
ponente afetivo (li affective mobílízers"), constituído pelos interesses
e objetivos do leitor, que influencia todos os níveis de processamento,
e um componente de estratégias cognitivas. Este último componente
influencia, em qualquer nível de processamento, a maneira em que
o leitor avalia, organiza e sintetiza a informação; retesta hip6teses
preditivas, e determina as estratégias metacognitivas do leitor durante
o processo.
De certa maneira, este modelo sofre pela circunstância hist6rica;
o autor tenta fundamentar a realidade psicol6gica do modelo lingüís-
tico gerativo-transformacional. Os diversos componentes do modelo
traçam a hist6ria derivacional de unidades sentenciais. Ele não con-
tribui nada em relação à compreensão de unidades maiores.
Questionamos a realidade psicol6gica das regras transformacio-
nais e de projeção semântica; portanto, questionamos a validade do
modelo, que utiliza, como evidência e suporte, dados de experimentos
que partem do pressuposto da nuclearidade do sent6ide canônico
(NVN), para postular os processos envolvidos na percepção e com-
preensão de, novamente, microunidades: frases e sentenças.

28
2 .4. O modelo de testagem de hipóteses de Goodman

Goodman (1976) considera a leitura como uma" atividade de inte-


ração entre o pensamento e a linguagem ", A leitura é, nas palavras
do autor "Um processo complexo através do qual o leitor reconstrói,
até certo ponto, uma mensagem encodificada por um escritor" (op.
cít.: 472). O modelo de Goodman, que visa caracterizar a dimensão
preditiva da leitura C' a leitura é um processo de amostra, predição e
adivinhação") estipula que três tipos de informação são utilizados
simultaneamente no processo: a informação grafo-fôníca que inclui
informação gráfica, fonol6gica, bem como a interrelação entre ambas;
a informação sintática, que tem como unidades funcionais padrões
sentenciais, marcadores desses padrões e regras transformacionais su-
pridas pelo leitor; e a informação semântica, que inclui tanto voca-
bulário quanto conceitos e experiência do leitor. Estipula-se ainda no
modelo que nos primeiros estágios da alfabetização opera um com-
ponente de recodificação do input gráfico em input oral auditivo,
previamente ao processo de decodificação. Este processo de recodí-
ficação não é característico do leitor adulto; na melhor das hip6teses,
ele seria apenas um processo suplementar. Além dos níveis de infor-
mação, relacionados entre si, o leitor precisaria de uma série de habi-
lidades que são as que permitem o processamento: "scanníng", fixa-
ção ocular, seleção das "pistas" cruciais, predição das "pistas" (que
opera junto com a seleção numa relação de dependência mútua), for-
mação de perceptos, busca lexical e conceitual (" a habilidade para
buscar na mem6ria pistas fonol6gicas bem como informações sintá-
ticas e semânticas associadas às imagens perceptuais "), conhecimento
lingüístico e conhecimento prévio conceitual e empíricos, testagem
semântica das escolhas ("a habilidade para confirmar ou desconflr-
mar as escolhas li) retestagem grafo-fônica (" a habilidade para retestar
as escolhas, quando há uma desconfirmação anterior, reutilizando as
imagens perceptuais não utilizando mais informações "), regressão
ocular (no caso de anomalia ou inconsistência no processamento), e
decodificação (ap6s uma escolha bem sucedida, o leitor integra a infor-
mação ao significado que está sendo construído) (op. cit.: 490-492).
Essas habilidades constituem um conglomerado de estratégias
cognitivas, mecanismos de processamento, e processos (cf. decodifica-
ção) que são de escasso valor na aplicação. Não é especificada, por
exemplo, a relação entre eles e a utilização de diversas fontes de

29
informação durante o processo. Também não se esclarece o valor dos
mesmcs com relação à dificuldade do material lido e ao material já
processado, assim como o grau de interdependência dessas habilida-
des, excetuando seleção e predição por um lado, e testagem, retesta-
gem, e regresso, por outro.
Com respeito ao ensino de leitura, Goodman apresenta argu-
mentos convincentes, utilizando a leitura oral, de que a leitura não
é um processo serializado de percepção e identidade seqüencial, mas
um processo que envolve seletividade e a capacidade de antecipar a
informação. Pela análise que ele propõe dos desvios que as crianças
fazem na leitura oral, (li miscue analysis"), seria possível ter acesso
ao processo de reconstrução do significado em que a criança está en-
volvida durante a leitura. Também as experiências em que a dificul-
dade de leitura de uma palavra é removida uma vez que ela é inserida
num contexto são úteis para alertar o professor contra exigências des-
mesuradas de precisão durante a leitura em voz alta.
Como vimos, o modelo psícolíngüístíco de Goodman partilha de
algumas características dos modelos interativos: a leitura é um pro-
cesso não linear, dinâmico na interrelação de vários componentes
utilizados para o acesso ao sentido, e é uma atividade essencialmente
preditiva, de formulação de hipóteses, para a qual o leitor precisa
utilizar seu conhecimento lingüístico, conceitual, e sua experiência.

2 .5. As propostas de leitura corno interação de processos

As propostas interativas, cujas predições são testadas em grande


parte das pesquisas empíricas realizadas hoje, alcançam um maior
grau de especificidade relativa à natureza dos processos envolvidos
na leitura, e à relação entre eles, aproveitando as contribuições de
várias disciplinas: lingüística, ciências cognitivas, inteligência artifi-
cial. Não se trata, estritamente, de um modelo de interação, mas de
reflexões e propostas que descrevem e utilizam a interação de níveis
de conhecimento necessários à compreensão e focalizam algum aspecto
dessa interação: i.e. conhecimento lingüístico - discursivo e com-
preensão (Mandler e Iohnson, 1977', Kintsch, 1978, Morgan e Green,
1980): conhecimento do mundo e compreensão (i.e., Spiro, 1975, An-
derson et alii, 1977, Rumelhart, 1980).

30
Essas propostas consideram a leitura como uma atividade essen-
.
cialmente construtiva. Kintsch (1978) caracteriza bem essa dimensão,
quando diz, com respeito ao significado do texto:

"As bases textuais, e portanto, o significado, não são objetos do


mundo, mas simplesmente o resultado de certos processos psico-
lógicos. Quando lemos um texto, as únicas coisas fora da mente
do leitor são as formas gráficas numa página; as palavras que
são comunicadas através destes objetos visuais, as frases e sen-
tenças em que eles se organizam, e o significado, são o resultado
de complexos processos psicológicos hierárquicos na mente do
leitor" (op. cit.: 66).

A interação portanto não é aquela que se dá entre o leitor,


determinado pelo seu contexto, e o autor, através do texto. Essa inte-
ração se refere especificamente ao interrelacionamento, não hierar-
quizado, de diversos níveis de conhecimento do sujeito (desde o
conhecimento gráfico até o conhecimento do mundo) utilizados pelo
leitor na leitura. Interação se opõe aqui aos modelos de processa-
mento, "bottom-up", ou 11 data driven", que estipulam estágios a partir
do processamento gráfico, (vide Gough, acima), e modelos psícolin-
güísticos 11 top-down" ou, 11 conceptually driven", (como o de Good-
man, já apresentado), que estipulam, essencialmente, estágios a partir
de hipóteses baseadas no conhecimento lingüístico e enciclopédico do
leitor. Nos modelos interativos, ambos os tipos de processamento se
interrelacionam no processo de acesso ao sentido. Adams e Collins,
que argumentam em favor de um modelo interativo, (1979) 2 especi-
ficam que:

processamentos top- down ""b


fi " e ottom-up", "d' evenam ocorrer em
todos os níveis de análise simultaneamente ( ... ). Os dados ne-
cessários para usar esquemas de conhecimento são acessíveis
através de processamento "bottom-up": o processamento 11 top-
down" facilita sua compreensão quando eles são antecipados ou
quando eles são consistentes com a rede conceitual do leitor. O
processamento "bottom-up" assegura que o leitor será sensível a

2. Para Adams e Collins, a interação de • íveie de conhecimento, desde o


grafêmico até o enciclopédico, não é suficiente para assegurar que haverá
compreensão. Incluem também neste modelo um sistema (superschema)
que incorpora objetivos. motivação e auto-avaliação.

31
informação nova ou inconsistente com suas hipóteses preditivas
. do momento sobre o conteúdo do texto; o processamento "top-
down" ajuda o leitor a resolver ambigüidades ou a selecionar
entre várias possíveis interpretações dos dados" (op. cit.: 5).

Uma vez que a interação dos níveis de conhecimento é central


ao modelo, o foco de estudo muda da compreensão de microunidade
à compreensão de textos. Assim, em vez de utilizar modelos de reco-
nhecimento e processamento de sentenças (i.e., Bever, 1970), pro-
curam-se subsídios nas teorias funcionais, na pragmática, nas gramá-
ticas de texto. O conhecimento de mundo do leitor é descrito utili-
zando a teoria de esquemas (Bartlett, 1932, Rumelhart, 1980) que
faz predições sobre a natureza desse conhecimento, sobre a organi-
zação do mesmo, e sobre as regras para sua utilização (Rumelhart,
op. cit.) permitindo caracterizar os processos inferenciais, de retenção,
de síntese do leitor vis-a-vis seu conhecimento de mundo. Inclui-se
aqui sua familiaridade com tipos discursivos (cf. Kintsch, 1978).
Nos modelos em discussão, a compreensão pode ser barrada
tanto por limitações do texto quanto por limitações do leitor. Isso dá
origem à hipótese de compensação, segundo a qual se um nível de
conhecimento não pode ser utilizado, seja por limitações do texto ou
do leitor, então outros níveis de conhecimento fornecerão maneiras
alternativas de se chegar ao significado (Freebody e Anderson, 1981).
Esta hipótese permite a montagem de experiências em que são con-
trolados ou algum aspecto do texto ou a tarefa solicitada do sujeito 8:
Estruturação do texto, coesão, léxico, saliência, e perspectiva, infe-
rência, retenção.

2.6. Perspectivas interaciontstas

Se pensamos nas propostas examinadas, o leitor, enquanto sujei-


to cognitivo mudou marcadamente, desde um analisador de input
gráfico até um (re)criador de significado, e o objeto radicalmente,
desde um objeto completamente determinado até a indeterminação do
objeto descrito por Kintsch (op. cit.) (vide Seco 2.5.). No entanto,
as relações instituídas no processo de leitura não mudaram: a relação

3. A tarefa de compreensão varia desde testes de compreensão tradicionais


(inferências, pergunta e resposta, escolha múltipla) até túre~.ls de evoca-
ção e resumo.

32
se estabelece entre sujeito e objeto, e é essa relação que continua
sendo. o foco da investigação. Surgem porém, na área, reflexões ba-
seadas na pragmática sobre a relação entre autor e leitor através do
texto 4. Tierney e LaZansky (1980) definem a relação entre autor e
leitor como uma de responsabilidade mútua relativa aos objetivos da
comunicação, responsabilidade esta que implica o estabelecimento de
pontos de contato entre ambos, mantendo, ao mesmo tempo, o direito
do leitor de se afastar dos objetivos do autor. Steinberg e Bruce (1980)
propõem que se considere a interação social entre autor e leitor na
leitura de narrativa, .que se manifestaria formalmente no texto pela
estruturação retórica do mesmo. Também a caracterização de leitura
como interlcculação de Orlandi (1982) implica que na leitura se
estabelece uma relação não entre o objeto e o leitor, mas entre o
leitor e o autor, sujeitos sociais, num processo que será necessaria-
mente dinâmico e mutável.

3. UMA RELAÇÃO DE ENRIQUECIMENTO MÚTUO


ENTRE TEORIA E PRÁTICA
Considerando, primeiro, as limitações dos modelos formais de
leitura, que, ao tentar impor uma ordem a uma série de fenômenos
apresentam uma visão parcial e enviesada do fenômeno global, e se-
gundo, a natureza pré-teórica das reflexões mais abrangentes, propo-
mos que a relação entre a investigação básica e a prática não seja
unidirecional, em que apenas uma contribua em favor da outra, deve
haver uma reversibilidade na relação G.
Por um lado, o professor tem a responsabilidade de se manter
atualizado, para incorporar, em sua prática, resultados de pesquisa.
Por exemplo: Os modelos de processamento (Sec, 2. 2 .) predizem
que nos primeiros estágios de alfabetização o aprendiz está envolvido

4. Anterior aos trabalhos na área de leitura, encontramos a proposta de Pratt


( 1977), que utiliza a teoria de atos de fala para descrever textos literários,
e assim caracterizar as relações entre autor e leitor numa situação de uso
da linguagem.
S. Piaget (op. cit.: 142) considera os dois tipos de relação entre a investi-
gação fundamental e a aplicação: o das contribuições da segunda a favor
da primeira, e o caso inverso, quando discute a relação entre psicologia e
psicologia aplicada. O autor conclui que a psicologia aplicada, tão antiga
quanto a psicologia, não conseguiu enriquecê-la justamente porque nasceu
cedo demais e pretendeu aplicar conhecimentos antes de eles serem apro-
fundados.

33
num processo que requer sua atenção constante a fim de estender
certos automatismos à compreensão de unidades cada vez maiores.
Essa predição e a prática, bastante generalizada, de avaliar a leitura
em voz alta, que requer que o aprendiz atenda a associações de uni-
dades mínimas entre o c6digo visual e o fonol6gico, são incompatí-
veis. A responsabilidade do professor de se manter atualizado não
implica a reduplicação do trabalho do investigador na área, mas im-
plica numa abertura de parte do professor e uma responsabilidade
do investigador de dar a conhecer esses resultados e de ampliar a
sua área de conhecimento àquela que é do domínio do professor.
Por outro lado, o papel do professor não é apenas receptivo: a
sua contribuição não está limitada a adequar sua prática às desco-
bertas na área. Ele produz conhecimento na medida em que iden-
tifica e avalia resultados e efeitos não previstos. Por exemplo: se,
primeiro, te6ricos cognitivistas predizem que a importância de diver-
sos aspectos do texto é, essencialmente um derivado do esquema ou
estrutura de conhecimento que o leitor impõe ao texto (i.e., o esque-
ma conteria uma hierarquia de impcrtâncía dos elementos: no esque-
ma de festinha de aniversário, por exemplo, convidados, presentes,
bolos, seriam mais importantes do que ordem de chegada dos convi-
dados, enfeites, música); se, segundo, numa prática conseqüente com
essa predição o professor desenvolvesse atividades prévias à leitura
que orientassem o aluno à ativação das estruturas de conhecimento
relevantes (i.e., verificação de conhecimento prévio, orientação na
formulação de hipóteses de leitura, perguntas orientadoras); e se, ter-
ceiro, o aluno ainda tivesse dificuldades para inferir elementos do
texto que deveriam ser acessíveis dada essa ativação, o professor de-
veré ser sensível a esse efeito peculiar, senão para explicá-lo para
modificar a sua prática a partir de hip6teses baseadas no seu rnelhor
conhecimento de contexto (i.e., conhecimento do aluno, análise con-
textualizada de legibilidade do texto). Estas hípôteses, que incorporam
o contexto, s6 poderão enriquecer a investigação básica.
Para o enriquecimento ser mútuo deve haver uma estreita cola-
boração entre a universidade e o professor do ensino primário e
médio. No entanto, existe essa colaboração apenas entre o investiga-
dor e o professor no curso superior que, tendo melhor e maior opor-
tunidade de ação, muitas vezes se constitui em investigador.
Acreditamos que esse professor investigador está numa posição
ideal em relação à pesquisa básica. Se pensamos no desenvolvimento

34
da área de investigação da leitura, foi depois de uma longa história
de experiência com o objeto errado que se chegou ao consenso de
que o objeto de estudo deve ser o texto, não unidades menores. Tam-
bém foi demorado o consenso de que experiências de leitura de um
tipo de texto não são transferíveis a outros tipos. Precisou tempo,
também, a inclusão de aspectos outros que o léxico ou a complexi-
dade sintática nos estudos de legibilidade, e provavelmente será pre-
cisa a reduplicação de experiências e a análise qualitativa antes que
aspectos além daqueles relativos à estrutura do texto e à estrutura
cognitiva do sujeito sejam cogitados. Essas mudanças são conseqüên-
cias da investigação empírica, da análise e reanálise, e por isso acha-
mos que a coleta de dados é crucial ao desenvolvimento da área.
Devido à complexidade do fenômeno, a teorização que ocorre cedo
demais é empobrecedora. Mas o acúmulo aleatório de dados não é
interessante do ponto de vista de caracterização do fenômeno. 1! por
isso que o investigador que também age na prática é privilegiado: ele
pode incorporar na sua investigação aqueles parâmetros que se mani-
festam pela observação, no contexto, do fenômeno.
Há ainda uma outra dimensão de ação desse professor de lei-
tura no curso superior. Ele inova mediante propostas metodológicas
específicas para o ensino de leitura nesse nível. Na comparação com
os modelos examinados fica claro o desnível em grau de adequação
entre estes e a proposta metodológica, que opomos à prática ímedía-
tista, já que por definição o método é flexível, pode ser mudado
segundo as circunstâncias. A proposta metodológica surge de uma
percepção e avaliação da realidade, visando incorporar todos aqueles
aspectos relevantes para a modificação e mudança numa perspectiva
global. Por isso, a investigação básica deveria incorporar cada vez
mais as observações que surgem de uma boa prática, observações
que incluíram os efeitos da continuidade do processo, os efeitos que
surgem não de condicionamentos para fins empíricos mas da orien-
tação global da tarefa, os efeitos devidos ao conhecimento pelo
contexto.
Assim, a prática, pela formulação de propostas pedagógicas fle-
xíveis, conseqüentes não com um modelo específico de leitura, mas
com uma postura em relação ao processo, pode levar à descoberta
de fenômenos e efeitos específicos que podem gerar, numa revirada
do processo, investigação básica.

35
SOBRE O SUJEITO NA INTERAÇAO *

1. O PROBLEMA

Os conceitos de interação e indeterminação na leitura subjazem


às propostas metodológicas para o ensino que vão além da segmen-
tação do texto com o intuito de 'identificar idéias principais', 'res-
ponder a perguntas sobre material explícito no texto', 'estabelecer ou
inferir relações entre os segmentos'. Isto porque estes desempenhos
são apenas manifestações do processo de leitura, processo este que
não se reduz a um conjunto de capacidades que, embora possa ser
indicativo de uma possível compreensão, não constitui a compreen-
são em si.
Ora, a compreensão dependerá das relações que o leitor esta-
belece com o autor durante a leitura do texto. Podemos até pensar
em propostas de ensino que privilegiam o autor nessa relação ao se
preocupar exclusivamente com o reconhecimento do sentido do autor,
através de tarefas como as descritas acima, que se baseiam principal-
mente na identificação de marcas formais do texto.
e meu objetivo neste trabalho discutir a viabilidade do ensino
de leitura, mediante a consideração de propostas de ensino de leitura
de base formal que privilegiam a interação; isto é, propostas nas
quais a análise pré-pedagógica não se constitui na superimposição de
uma leitura prévia, a do adulto. A proposta metodológica integrada
de ensino a partir do diagnóstico das dificuldades de Garcia et alii

.•. Este trabalho é uma versão revisada de "Sobre o sujeito e seu papel numa
proposta de leitura" publicado em Série Estudos 10, pp. 60-66, 1984.

37
(1982), por exemplo, consegue manter o papel do sujeito leitor no
complexo de relações autor-aluno leitor-professor.
Essa proposta, numa breve caracterização para referência ape-
nas, consiste na identificação dos problemas específicos do aluno na
leitura de textos dissertativos, como ponto de partida para uma pro-
posta de ensino daqueles aspectos formais do texto tido como uma
unidade pragmática, que, na intuição das autoras, intuição esta apoiada
na competência discursiva, seriam aspectos constitutivos desse tipo
de discurso. Os aspectos formais selecionados para o ensino são os
marcadores da estruturação e organização textual; os aspectos prag-
máticos são a modalidade e a polifonia.

2. INTERAÇÃO E INDETERMINAÇÃO

Examinaremos primeiramente o conceito de interação na leitura.


A descrição "leitura como processo interativo" vem sendo usada
para se referir a dois tipos bastante diferentes de interação na área
da leitura. Para os psicólogos da educação 1, a leitura é um processo
interativo porque o "desvendamento" do texto se dá simultaneamente
através da percepção de diversos níveis ou fontes de informação que
interagem entre si. Assim, por exemplo, o sujeito-leitor utiliza conhe-
cimentos ortográficos, sintático-semânticos, pragmáticos, enciclopédi-
cos para ter acesso ao texto. Ele utilizaria estes não numa dimensão
hierárquica, (nem desde os mais mecanicistas até os mais com-
plexos, nem dos mais complexos até os mais mecanicistas): no modelo
de interação cada um dos níveis de conhecimento pode servir de
input, em qualquer momento, para um outro nível, e, quando ura
nível de análise é impedido, por falhas na "fonte" de conhecimento,
outras fontes fornecem maneiras alternativas de determinar o signi-
ficado. O modelo foi proposto como uma alternativa aos modelos de
processamento bottom-up" ou top-down", nos quais o processamento
Cf 1/

procede de maneira unidirecional, hierarquizada, ou dos elementos


mais baixos aos mais complexos (correspondências letra-som até che-
gar ao sentido) ou dos elementos mais altos até os mais mecânicos
(sentido já imposto pelo leitor e configuração deste no texto pelo
reconhecimento de aspectos formais).

1. Vide por ex. Adams e Collins (1979), Freebody e Anderson (1981).

38
Embora nesta versão de leitura interativa (isto é, interação dos
níveis de processamento da escrita) o leitor seja apenas caracterizado
como sujeito cognitivo e o texto apenas como objeto formal, a relação
que se estabelece entre leitor e texto é importante porque ela deter-
mina maneiras de leitura diferentes, e porque tenta resolver o pro-
blema da indeterminação do texto do ponto de vista referencial, pro-
curando estabelecer um equilíbrio entre a informação que o leitor
deveria trazer e aquela que o texto deveria trazer. Nessa definição
tanto sujeito como texto delimitam o leque de possíveis leituras de
um texto: não há abertura total, porque hipóteses de leitura devem
ser verificadas mediante a depreensão de aspectos formais, nem há
apenas uma leitura porque cada sujeito impõe a sua estrutura de
conhecimento ao texto.
Mais rico é o conceito de interação que vem da pragmática,
retomado e ampliado por Orlandi (1981, 1983), Prat (1977), Tierney
e LaZanski (1980), para descrever o processo da leitura. Neste pro-
cesso são cruciais a relação do locutor com o interlocutor através do
texto e a determinação de ambos pelo contexto num processo que se
institui na leitura. Para Orlandi estas relações determinariam as "con-
dições de produção" da leitura e seria através delas que o texto
recupera seu caráter aberto. Numa perspectiva social o papel do inter-
locutor se esvazia toda vez que o leitor aceita o texto como objeto
acabado, toda vez que ele não exerce seu direito de interlocução,
privilegiando com isso o autor no processo. :e a partir daqui que
surge o paradoxo do "ensino" de leitura: como é possível que o
leitor recupere sua condição de interlocutor se é através do profes-
sor que se institui a interação, seja porque ele utiliza sua competên-
cia discursiva para selecionar aspectos formais relevantes (como na
proposta de Garcia et alii) seja porque ele utiliza o seu conjunto de
J

leituras para selecionar aspectos intertextuais relevantes.


Parece-me que o paradoxo é fruto da simplificação do processo
de interação. Numa atividade de leitura, é preciso distinguir as rela-
ções que são instituídas entre autor e leitor, por um lado, e entre
leitor e contexto, por outro. No contexto escolar, o professor, um
dos fatores da ação do contexto imediato no leitor, é também cons-
titutivo do processo. Ele determina, em grande medida, os objetivos
de leitura, um dos quais poderia, inclusive, ser a retipificação do
discurso (do autoritário ao polêmico), determinando, por extensão a
adequação da leitura: isto é, uma leitura é adequada ou inadequada

39"
a um objetivo específico. Nessa dimensão, a ação do professor não
pode ser diluída, e passa a ser constitutiva, portanto, da relação entre
autor eleitor, na qual, além dos interesses e capacidades específicas
do;' leitor jogam um papel importante os objetivos da leitura. Nessa
dimensão, também, o papel do professor pode ser não o de mediador
entre autor eleitor, mas o de fornecedor de condições para que se
estabeleça a interloculação. Do ponto de vista da relação autor-leitor,
esquece-se muitas vezes que as dificuldades que o aluno tem para
depreender o significado do texto são tão agudas que o papel do
locutor se esvazia: o leitor não consegue recuperar nem o quadro
referencial proposto pelo autor. Nessa dimensão também, o profes-
sor pode, pela sua ação no contexto, isto é, ensino de leitura, reesta-
belecer as condições para a interação.
As dificuldades que o aluno tem na leitura e sua passividade
frente ao texto não são, nesta perspectiva, problemas independentes.
A passividade não é conseqüência da ação do professor no contexto,
mas da inação, do ponto de vista de ensino de leitura, pois a passi-
vidade é produto da intervenção do professor como único interlo-
cutor. Ela decorre de práticas pedag6gicas que começam pela utili-
zação do texto para o ensino de normas gramaticais e do léxico, até
chegar à utilização do texto didático, texto escrito especialmente para
veicular informações ao escolar, como apoio visual do material apre-
sentado em sala de aula, e fornecedor de perguntas para o mesmo.
Basta considerar o seguinte exemplo (os exemplos a seguir foram
gravados por L6pes (1981), no qual o professor, ap6s indicar o
assunto da aula "nós vamos estudar hoje como surgiu o universo",
responde "g na página catorze" ao aluno que, conhecendo a função
do texto didático, imediatamente pergunta "Que página que é?".
Se o texto didático fosse apenas utilizado, para fornecer as per-
guntas de revisão, de estudo, para o aluno (verificamos nos dados
afirmações como "no texto vêm umas perguntinhas de revisão, quer
dizer vocês vão olhar as perguntas e procurar respostas no texto. };:
como se fosse questionário"), o aluno talvez não transferisse maneio
ras de manipulação desse tipo de texto a outros textos, a outras lei·
turas. Mas o professor também utiliza técnicas de leitura e explica
ção linear, técnicas estas que combinam certos procedimentos mecâ
nicos de leitura e decodificação com processos pr6prios da leitura
como inferência lexical: o professor solicita, por exemplo, o sinônimc
de "maciças", ap6s corrigir a leitura do aluno "Os átomos são par

40
tículas cheias e não podem ser divididas em outras menores ou ...
ou os átomos são partículas maciças e indivisíveis", aceitando ape-
nas, como sínônímo aquele que é inferível pelo contexto "cheias,
não ocas", rejeitando outros inadequados ao contexto. g a combina-
ção de práticas manipulativas com estratégias de leitura a que conduz
o aluno a adotar a manipulação, a identificação de informações para
retenção como um tipo de leitura, a leitura sinônimo de recepção
passiva de informação.
Aponta-se geralmente que uma conseqüência dessa passividade,
produto de um tipo de ação do professor no contexto, é a imposição
de uma leitura única, que privilegia ou o autor, ou o professor intér-
prete do autor, e que leva o aluno a aceitar sem questionar a palavra
escrita, em vez de conscientizá-lo de que é possível fazer leituras
múltiplas de um mesmo texto. Daí é fácil a falácia de a impossibili-
dade de se ensinar a leitura, e, conseqüentemente, da inadequação das
propostas de ensino de leitura de base analítico-formal, mediante a
identificação e seleção prévia de aspectos formais do texto. Tais pro-
postas pré-determinariam o caminho a ser percorrido pelo leitor. Na
proposta de Garcia et alii entretanto, a multiplicidade de leituras
deve ser contraposta à adequação da leitura a objetivos específicos.
Nesse sentido, e considerando as severas dificuldades do leitor, elas
propõem que o ensino de aspectos formais do texto possibilita mais
uma leitura, aquela que leva em conta "processos de decodificação
socialmente cristalizados". Na prática escolar típica, os problemas
específicos do aluno não são levados em conta, daí que a única lei-
tura possível seja a do professor mediador. Considere-se, como exem-
plo, a seguinte situação em que o professor solicita a explicação de
um trecho que o aluno acaba de ler:
Aluno (lendo): Todos os materiais de natureza são formados por
partículas infi... infinitamente pequenas de-no-mí
na-das 6tomos.
Proia.: Isso. Muito bem. Reinaldo, me explica o que o Ricardo falou.
Aluno: Que todas às coisas... as... as... os materiais da natu-
reza nê ...
Proja.: Todas as coisas da natureza eram formadas de ... ?
Aluno: São formadas de partículas ...
Proia.: De partículas ?
Aluno: Infinitamente ? (Lopes, op. cit.: 67)

41
o professor acaba explicando ele mesmo o significado do trecho.
Obviamente, é a incapacidade do aluno de estabelecer relações alter-
nativas que determina a univocidade na sítuação. Consideramos que
propostas que partem, para a seleção de conteúdos, do cotejo da
competência discursiva do professor com a do aluno, garantem na
medida do possível, que a leitura não se fará "por cima" do aluno,
prática esta que se determina que a única leitura seja a do professor
mediador.

3. ADEQUAÇÃO E EFICI~NCIA DA PROPOSTA

A fim de determinar a eficiência de uma proposta de ensino,


precisamos considerar primeiro o conceito de dificuldade na leitura,
que tradicionalmente é considerado como um parâmetro do texto:
a legibilidade de um texto é o grau' de dificuldade desse texto para
um leitor ideal, que se situa numa faixa etária determinada, com
uma experiência escolar determinada. O conceito da legibilidade que
propomos define a legibilidade no momento da leitura: um texto é
difícil para um determinado leitor num determinado momento num
sentido lato (pela ação do contexto mediato ou imediato), ou num
sentido restrito (pela ação do contexto mediato). Nessa definição,
a preocupação de Garcia et alii com "a necessidade de diagnosticar os
problemas de linguagem que os estudantes apresentam no nível da
leitura", e com "propor métodos e estratégias que pudessem levar à
superação das dificuldades" define a proposta como centralizada no
sujeito já que a dificuldade na leitura, nessa perspectiva, não é de-
terminada a partir das estruturações e marcações formais do texto;
ela é instanciada no momento em que o leitor, por qualquer motivo.
achar o texto difícil.
Entretanto, pode ser o caso de uma proposta considerar dificul-
dades específicas do leitor sem que isso se projete na prática. Quando
pensamos nas possíveis projeções de uma proposta na sala de aula,
surge uma preocupação pois, na medida em que se ensina o aluno a
aprender elementos textuais, sejam estes globais ou locais, se privi-
legiam, primeiro, o texto como estutura, e, segundo, se impõe o
texto como objeto formal acabado. Portanto, as propostas de ensino
devem ser também avaliadas do ponto de vista da eficiência para
criar condições de interação na sala de aula, explicitando algumas
projeções didáticas da proposta.

42
A proposta em discussão focaliza tanto elementos formais de
estruturação do texto, quanto elementos pragmáticos relativos aos
conteúdos do texto. Dentre os primeiros, as autoras selecionam para
o ensino, além de aspectos ligados à estruturação semântica global
do texto, duas maneiras de articular a estruturação, isto é, constru-
ção de conexões légícas, e marcação das mesmas. Em relação aos
conteúdos, as autoras selecionam a modalidade de expressão dos con-
teúdos, e os focos da enunciação, a "polifonia" do texto.
Quanto ao diagnóstico relativo à capacidade do aluno de per-
ceber as maneiras de organizar e hierarquizar a informação, o estudo
de Kleiman (neste volume, p. 157) mostra que a aderência do escolar
a procedimentos de identificação de elementos explícitos no texto
didático como índices do processo de estruturação percorrido pelo
autor leva à incompreensão de elementos que fogem de estruturações
explicitamente marcadas a nível superficial, bem como leva a pro-
blemas de diferenciação entre ínformaçãc relevante e informação de
detalhe. Podemos dizer, então, que a' preocupação de Garcia et alii
em levar o aluno a perceber "a coerência global do texto", e a "cons-
truir para esse texto, uma macroestrutura semântica" com o objetivo
de permitir ao aluno uma leitura do texto que leve em consideração
a proposta do autor quanto à relevância dos elementos textuais por
ele selecionados, fundamenta-se no diagn6stico de um problema gene-
ralizado, já arraigado, que provavelmente remonta às primeiras inte-
rações do aluno com textos não narrativos. Note-se que a proposta é
aberta quanto às projeções práticas na sala de aula: ela pode levar
a uma prática autoritária, na qual o professor reproduz a estruturação
para o aluno, ou pode levar a uma prática que permite a que o
aluno reconstrua a estruturação: por exemplo, as hip6teses dos alunos
prévias à leitura do texto permitem a abstração posterior das rela-
ções estruturais desse texto.
São selecionadas também, na proposta, as maneiras de relacionar
os t6picos do texto. A incapacidade do aluno de reconstruir conexões
que não estejam garantidas pela temporalidade ou a causatividade,
como na narração, leva, segundo as autoras, a "tomar uma justifica-
tiva ou premissa como elemento central; à dificuldade de compreen-
der o objetivo do texto, por não perceber o encaixamento das estru-
turas 16gicas na argumentação concatenada; à dificuldade de avaliar
a consistência do texto, por não conseguir recuperar adequadamente
os seus pressupostos e realizar as inferências possíveis a partir do

43
raciocínio do autor". O problema central que se coloca aqui, decor-
rente- dessa falta de domínio nas articulações das relações légicas,
é &-- limitação dos processos inferenciais do leitor. A nível de obser-
vação do problema, a proposta é adequada. Note-se, novamente, que
não são apontadas práticas de ensino específicas, poderíamos pensar
numa situação em que é o professor: intérprete que determina quais
as possíveis inferências, mas é difícil manter essa imagem ao consi-
derar que uma vez que o aluno é capaz de entender, pelo menos do
ponto de vista da recriação, os princípios organizantes que garantem
a conexão do texto, ele já não precisa do professor para o processo
inferencial, de natureza intrinsicamente subjetiva.
Garcia et ali! propõem, como terceiro elemento formal, o ensi-
no do papel dos marcadores das conexões no texto, porque "a difi-
culdade que o aluno tem de perceber no texto as relações básicas
entre sentenças e seqüências textuais, assim como a função coesiva
dos operadores, leva, na leitura, à não percepção de articuladores
microsintáticos do texto". Do ponto de vista de diagn6stico do pro-
blema, achamos que a proposta é, novamente, adequada. A estratégia
de leitura linear que os escolares adotam na leitura impede, ou atrasa,
o desenvolvimento de estratégias que funcionem a nível do contexto
não imediato na depreensão de sentido. De fato, é provável que o
problema remonte às práticas escolares que privilegiam essa leitura
linear, práticas que veiculam a concepção de texto como seqüência
de sentenças independentes cuja significação pode ser determinada
dentro dos limites sentenciais. No exemplo a seguir, (Lopes, op. cit.) ,
uma relação coesiva elementar de tipo anaf6rico não pode ser recons-
truída pelo aluno, devido à estratégia de leitura linear favorecida.
Ap6s a leitura do trecho "Os cientistas já deram várias explicações
os fil6sofos imaginaram outras, os livros religiosos apresentam uma
versão", o professor pergunta "Que significa isso: os fil6sofos imagi-
naram outras?" e o aluno responde Ah, eu num sei", evidenciando-
11

se já a incapacidade do aluno de reconstruir relações coesivas do


texto. Na proposta, as autoras não especificam as práticas de ensino
na sala de aula, embora pareceria que elas limitam o enfoque às
articulações internas ao texto, desconsiderando o funcionamento des-
tas a nível discursivo (cf. Orlandí, 1981). Porém, embora a proposta
seja limitada, a limitação não conduz necessariamente a práticas uni-
laterais que privilegiam ou .0 autor ou o professor, ela apenas res-
tringe a possibilidade de fazer mais uma leitura do texto.

44
Os três aspectos delineados acima, selecionados para o ensino,
restituem, no momento da leitura, a voz do autor na interação. Trata-
se de propostas que permitiriam ao aluno uma leitura que leva em
consideração o caminho percorrido pelo autor para analizar a rele-
vância dos conteúdos selecionados, e para delimitar projeções infe-
renciais a partir do quadro referencial. O ensino dos outros dois ele-
mentos selecionados pelas autoras alertará o aluno sobre os diversos
recursos que podem ser utilizados pelo autor para direcionar o leitor
a percorrer o seu caminho e não outro. Nesse sentido elas podem
ser consideradas como tentativas de reestabelecer o equilíbrio no pro-
cesso: o texto enquanto objeto formal tem uma realidade formal que
deve ser não somente percebida mas também avaliada.
A preocupação de Garcia et alii com a modalidade e a polifonia
deve ser remontada a uma preocupação de caracterizar o texto como
uma unidade pragmática: "a partir, então, de uma abordagem pragmá-
tica do ato de ler e do ato de escrever como atos comunicativos, pro-
curou-se considerar o texto como uma totalidade (a ser produzida ou
compreendida) e procurou-se determinar, do ponto de vista da realiza-
ção desses atos comunicativos, os aspectos lingüísticos fundamentais
capazes de garantir a adequação da compreensão e da produção es-
crita de textos dissertativos". As autoras põem em relevo a incapa-
cidade do aluno de perceber a função dos modalizadores, o que leva,
na leitura, "a uma espécie de redução referencial do texto". Isto é,
nessa leitura consideram-se apenas as proposições que expressam os
conteúdos informacionais, sem levar em conta "elementos que per-
mitem ao locutor expressar modos de representação e avaliação diver-
sos quanto ao conteúdo semântico de seus enunciados". Também pri-
vilegia-se nessa leitura o ponto de vista do autor, sendo que quando
ele remete um enunciado a outro, o aluno é incapaz de perceber o
novo foco enunciativo.
A proposta de ensino se fundamenta na observação acurada de
um problema geral na área de domínio da escrita, onde nos depara-
mos com o fato de que sujeitos que são perfeitamente capazes de
entender uma mensagem paralela quando o visual complementa, con-
trasta ou desmente a mensagem percebida pelos meios auditivos, são
incapazes de perceber, não têm acesso, a uma segunda mensagem
quando apenas o meio visual é utilizado. A proposta de ensino vai
na direção de habilitar o aluno para apreender e avaliar essa segunda
mensagem, a posição do autor com respeito ao conteúdo referencial.

45
A proposta não especifica a prática de ensino; podemos pensar
em práticas que incorporem até considerações do contexto mais lato
em que o autor e seu texto funcionam, e como elas se manifestam
no texto.
As únicas especificações quanto à prática de ensino que as auto-
ras fazem dizem respeito à seqüência na abordagem dos cinco ele-
mentos, e à gradação de textos. As autoras indicam que os três pri-
meiros aspectos discutidos são apresentados num primeiro momento,
sendo que os dois últimos ficam para um trabalho posterior. Não
fica claro, na proposta, se para cada texto selecionado essa seqüência
é adotada, ou se os textos são selecionados visando trabalhar apenas
em alguns, os três aspectos formais, nos outros, os cinco aspectos. Esta
última prática, questionável já que muda a natureza da atividade de
leitura, poderia ser entendida como atividade preparatória à leitura,
para sujeitos que têm uma longa história de dificuldades com a escri-
ta. Ainda se limitadas desta maneira, as atividades propostas visam
a criação de condições para uma leitura, aquela que recupera o qua-
dro referencial construído pelo autor, que, se não pode ser caracte-
rizada como interação entre autor e leitor, é um passo nessa direção.
Parece-me que a pertinência do ensino dos elementos selecionados
pelas autoras para restituir ao aluno o seu caráter de interlocutor não
está em questão. O que é geralmente suspeito neste tipo de enfoque,
muitas vezes implícito nas críticas ao ensino de leitura, é o papel do
sujeito na aula de leitura, papel que, como mostramos, não precisa
ser pré-determinado nas propostas de ensino de leitura. Julga-se que
o aluno que é capaz de perceber e avaliar o texto do ponto de vista
formal é capaz de interagir com o autor do texto; suspeita-se que o
aluno é mais uma vez manipulador, mais sofisticado talvez, mas não
ainda leitor. Parece-me que tal pressuposto concebe o aluno como sujei-
to irremediavelmente destinado à qualidade de receptor passivo, esque-
cendo-se o fato de que o sujeito estar, em toda atividade, em busca de
princípios que lhe permitam organizar e avaliar a experiência. Daí que
consideremos importantes os enfoques metodológicos que procuram
habilitar o aluno, criar condições para que ele recupere sua condição
de sujeito avaliador, enfoques que embora privilegiem o locutor pela
análise do texto em que eles se fundamentam, fazem concomitantemen-
te uma análise do sujeito, de suas capacidades de leitura específicas
para lhe permitir fazer, dentre as muitas, mais uma leitura, privile-
giando mediante essa análise, o sujeito leitor.

46
Parte II
Pesquisa
PESQUISANDO A LEITURA '"
Comprensidn es ejercicio espiritual.
(Octavio Paz, Corriente Alterna)

Salientávamos, na primeira parte, a importância do conhecimen-


to teórico para uma tomada de decisões conscientes na ação peda-
gógica. A adoção superficial de um dado modelo, conjunto de pres-
supostos, ou sistema de crenças não traz consigo as mudanças pro-
fundas que garantem uma ação coerente com esse modelo, pressu-
postos, ou crenças. Por essa razlo enfatizamos, nessa segunda parte,
a importância dos dados empíricos para 'o conhecimento da realidade
que é a esfera de ação do professor.
Nessa realidade, o foco de atenção 6, naturalmente, o aluno.
. O conhecimento desse aluno, de seu desenvolvimento e potencialida-
des é crucial; entretanto, as testagens que partem de hipóteses de
leitura de cunho desenvolvímental, descrevem os desempenhos dos
alunos em relação ao que ele ainda é incapaz de fazer quando com-
parado a um adulto. Segundo essa hipótese, a criança, no momento
em que a testagem se dá, demonstra ainda não ter desenvolvido a
capacidade de perceber relações hierárquicas entre as informações do
texto, ou a capacidade de instanciar os termos do texto, ou a capa-
cidade de utilizar regras que integrem a totalidade de informações
do" texto, e assim sucessivamente. Ela iria desenvolver essas capaci-
dades, e outras, em estágios mais avançados, geralmente pré-determi-
nados pelo nível de escolarização e pela maturação.
Note-se, porém, que essa hipótese esconde uma outra hipótese,
a hipótese do déficit: a criança é incapaz de perceber, reduzir, rela-

.•. As reflexões metodológicas neste texto tratam de questões que surgiram no


decorrer do projeto de pesquisa Interrelação de Fatores determinantes na
compreensão de texto no 1.0 grau.

49
cionar; a criança apresenta falhas em relação a uma capacidade qual-
quer; o desempenho da criança é deficitário quando comparado ao
do adulto ou de outras crianças em outros níveis de desenvolvimento.
Considerando apenas a incrível capacidade de aprendizagem e o nível
de desenvolvimento atingido pela criança nos seus primeiros anos de
vida, essa hipótese torna-se, no mínimo, questionável. A idéia de
que uma criança, que atingiu o desenvolvimento intelectual, tanto
prático como abstrato, que lhe permite, entre outras conquistas, a
aquisição da escrita, seja incapaz de desenvolver as tarefas relativa-
mente mais simples que estamos discutindo, fica, nesse contexto com-
parativo, suspeita e difícil de ser aceita.
Por outro lado, ainda aceitando os pressupostos da hipótese de-
senvolvímental, os dados colhidos no momento de testagem, que mos-
tram o que a criança é capaz de fazer nesse momento, são relevantes
apenas para determinar onde o ensino deve começar. Do ponto de
vista aplicado, o que realmente interessa é o que a criança é capaz
de aprender .• a partir desse momento, isto é, o desenvolvimento poten-
cial da criança a partir do qual possa se programar um ensino ade-
quado que a levará, com a orientação do adulto, a resolver o pro-
blema solicitado na tarefa (vide Vigotsky, 1978).
Essa hipótese é, portanto, também limitadora se pensarmos em
uma ação de ensino baseada numa concepção de aprendizagem
orientada para níveis de desenvolvimento ainda não atingidos, pois
sendo uma hipótese estática, ela retrata um momento circunstancial
e não prevê um momento posterior, que pode ser atingido pela ação
do adulto ao criar condições para o aprendizado .
Adotando a tese de Vigotsky, o nível de interesse para o ensino
é o nível de desenvolvimento potencial do aluno, aquele determinado
pelas tarefas que a criança pode fazer sob a orientação de um adulto.
Em dois dos trabalhos incluídos nesta seção questionamos trabalhos
apoiados em hipóteses de cunho desenvolvimental que retratam o mo-
mento de desenvolvimento do aluno, e não sua capacidade potencial,
e medem esse desenvolvimento real em relação a um adulto ou aluno
avançado. A comprovação da incapacidade do aluno para realizar
diversas tarefas consideradas constitutivas da leitura, como perceber
a estrutura do texto, ou perceber a intenção do autor (desde que lín-
güisticamente materializada), é preocupante, pois a grande maioria de
nossos alunos não chega aos níveis de escolarização, momento em que

30
a utilização de tais estratégias se dá naturalmente, de maneira espon-
tânea e. até em condições adversas.
e desmotivadora a idéia de que a grande maioria de nossos alu-
nos, que não chegará à universidade, estaria condenada a sair da
escola sem ter desenvolvido as habilidades necessárias para compreen-
der um texto de modo a expressar o mais importante dele num resu-
mo ou a perceber a atitude do autor. Se se crê que essas habilidades
são adquiridas tão tardiamente no processo escolar, essa crença é
apenas um passo para o abandono do exercício das estratégias que
desenvolveriam essas capacidades e habilidades.
Perguntamo-nos, então, se testagens que fornecessem pistas, que
mostrassem uma maneira de abordar o problema, que pré-dirigissem
o aluno para uma solução apenas, não forneceriam outros resultados,
mostrando que a criança, sob orientação adequada para a resolução
de um problema, o resolveria utilizando estratégias semelhantes às do
adulto proficiente. Essa hipótese foi comprovada. Em "Fatores deter-
minantes na elaboração de resumos: maturação ou condições da tare-
fa?" tanto a capacidade para perceber a estrutura do texto quanto
a capacidade para utilizar regras de redução semântica são comprova-
das em crianças em faixas etárias muito anteriores àquelas atestadas
na literatura, justamente em condições de testagem que forçavam o
aluno levar em conta a estrutura hierárquica do texto e exigiam o uso
de regras de redução da informação. Em "Percepção da função dis-
cursiva do léxico", a incapacidade generalizada do aluno de per-
ceber que os itens lexicais são a materialização lingüística de signi-
ficado e intenção é desmentida em relação à percepção da atitude
proposicional do autor, em uma testagem que obriga o aluno a per-
ceber as diferenças lexicais entre dois textos e as conseqüências dessas
diferenças para o significado global.
Os outros três textos incluídos nesta seção lidam com um outro
aspecto da questão da suposta incapacidade da criança de resolver
tarefas de leitura utilizando estratégias de leitura proficientes. Bar-
tlett (1932), em seus estudos sobre mem6ria, apontou para o fato de
que as operações cognitivas inferiores (como a memorização) são
apenas a repetição de mecanismos e reações que englobam uma ati-
tude do indivíduo para com o meio ambiente, quando ele os sente
adequados e satisfat6rios. Muitas das reações do sujeito à tarefa são
aquelas que a tornam mais simples, mais fácil. Então, se o que solí-

51
citamos ao aluno pode ser resolvido satisfatoriamente mediante auto-
matismos, porque o aluno iria, no caso em questão, utilizar estraté-
gias que tornam a tarefa de ler mais complexa, que requerem opera-
ções cognitivas superiores, como a síntese e a inferência?
Perguntamo-nos, então, até que ponto a escola ensina o aluno a
resolver mecanicamente, através de operações associativas das mais
elementares, tarefas de leitura que, em princípio, requerem o enga-
jamento de processos cognitivos de ordem superior. Achamos, nos três
trabalhos que aqui incluímos, que a tendência natural do aluno para
resolver as tarefas fazendo apelo ao sentido (tal qual ele resolve os
problemas do mundo fora da escola) vê-se frustrada pela ausência
das estratégias "rnetacognitivas" na leitura, que permitem e guiam o
raciocínio, a inferência, a procura de sentido.
E possível inferir, portanto, a ausência do modelo que o próprio
professor deveria estar fornecendo na aula para que o aluno passe,
após um primeiro estágio imitativo das estratégias do adulto, a se
apropriar delas (cf. Vigotsky, op. cit.). Nos artigos fica claro que os
alunos, nos diversos níveis de desenvolvimento e escolarização, estão
à procura de sentido e significação no texto, mas as estratégias por
eles- utilizadas não são senão automatismos fora do seu controle cons-
ciente. Em "Extraindo informações do texto. Algumas considerações
sobre marcação formal do tema e legibilidade" mostramos que o
aluno é sensível à estruturação sintática como marcador da saliência
temática, mas ele consegue perceber apenas estruturas de contraste
(sintático e lexícal) que já são completamente automáticas a nível de
processamento lingüístico, sem conseguir perceber estruturas cuja
apreensão depende de uma análise de aspectos discursivos, da intera-
ção via texto escrito. Em "Estratégias de abordagem textual, ou pro-
cura-se estrutura, coesão e coerência" percebe-se que, face a uma
tarefa tipo c1oze, que requer que o aluno devolva a textualídade a
um trecho com elementos apagados, o aluno tenta restabelecer a
coesão e a coerência através de estratégias de reestruturação da uni-
dade frasal, inadequadas para a reestruturação textual, mas obvia-
mente as ünícas focalizadas no contexto escolar que utiliza o texto
predominante, ou exclusivamente, para análise sintática e lexical. Fi-
nalmente, no único artigo sobre leitura em língua estrangeira que
incluimos, "Estratégias de inferência lexical na leitura da segunda
língua" mostramos como o aluno universitário neste caso, mostra-se
incapaz de trazer ao nível metaprocedimental as estratégias de infe-

'2
rência lexícal que ele utiliza na leitura. Esses dois últimos artigos,
sobre inferência lexical sem a orientação de um adulto para tornar a
estratégia consciente, sob o controle do aluno, fornecem um contra-
ponto iluminador para o trabalho que examina as estratégias, tam-
bém inferenciais em relação ao léxico, para perceber atitude proposi-
cíonal, tarefa mais difícil mas comprovadamente exeqüível para os
alunos sob a orientação de um adulto.
Uma questão que sempre é levantada em relação à pesquisa ex-
perimental é a questão sobre a legitimidade da tarefa experimental,
isto é, até que ponto as tarefas propostas pelo investigador recuperam
as relações que' se estabelecem entre o sujeito e seu meio na ativi-
dade natural; até que ponto a tarefa proposta investiga a compreen-
são do texto e não um outro aspecto. Há duas facetas dessa questão,
uma relativa ao contexto de testagem, uma outra relativa ao instru-
mento ou tarefa específica solicitada. Em relação ao contexto, con-
sideramos que, na medida em que os experimentos são desenvolvidos
em sala de aula, na maioria das vezes com a supervisão do professor
da classe no contexto escolar, eles reproduzem condições de testagem
familiares ao aluno, conferindo legitimidade aos mesmos uma vez
que é também numa situação de testagem que a criança deve com-
provar a um adulto que ela entendeu um texto. Não é uma atividade
natural, se comparada à leitura extensiva que o aluno faz fora do
contexto escolar, mas é uma atividade natural neste contexto, que
requer verificação do grau de compreensão atingido pelo aluno.
Já em relação ao instrumento há maiores diferenças com a tarefa
característica do contexto escolar, uma vez que o método mais comu-
mente usado pelo professor para verificar se houve compreensão é a
formulação de perguntas sobre o texto, especialmente sobre Informa-
ções explícitas no mesmo. Neste aspecto, optamos pela naturalidade
que provém do fato de uma tarefa ser constitutiva ou não do pro-
cesso de compreensão. Assim, teremos um gradiente de legitimidade
no qual aquelas tarefas que são constitutivas do processo, como fazer
uma paráfrase ou um resumo do texto ocupam o ponto alto, enquanto
que tarefas que mais se aproximam daquelas exigidas no contexto da
escola ocupam o ponto mais baixo. As tarefas que consideramos mais
legítimas, porque sem elas não se pode dizer com nenhuma certeza
que houve compreensão, podem ser intrinsicamente mais complexas
do que a leitura, já que requerem planejamento inerente à produção
de texto escrito. Mas essa desvantagem assume uma dimensão menor

53
quando consideramos que, em última instância, quando o aluno re-
conta ou resume o texto podemos dizer que ele o compreendeu.
Em relação às perguntas sobre o texto, formular perguntas é
também constitutivo da leitura uma vez que elas são próprias das
estratégias de monitoração da compreensão e de estabelecimento de
objetivos, estratégias estas necessárias à compreensão e, portanto, ne-
cessariamente utilizadas pelo leitor proficiente. Contudo, a interven-
ção do investigador orienta a atenção do aluno para um tipo de infor-
mação; em se tratando de perguntas sobre informações mais altas
na hierarquia de conteúdo, isto é, sobre idéias principais, essa inter-
venção é menos comprometedora da legitimidade da tarefa pois aí
ela se aproxima mais das atividades próprias da leitura como meio
de aquisição de conhecimento natural, no contexto escolar.
O mesmo é válido para a tarefa de sublinhar informações im-
portantes, uma tarefa que, na testagem, é pré-direcionada pelo adulto,
mas que é espontânea no leitor proficiente na leitura com o objetivo
de estudo e aprendizagem.
No caso da coleta de dados através da técnica cloze, a tarefa é
a mais distante da leitura, e a mais próxima daquelas de fato utiliza-
das em sala de aula, tarefas estas que muitas vezes reduzem o texto
a uma coleção de sentenças nas quais devem ser identificados sujei-
tos e predicados, antônimos e sínônímos, encontros vocálicos e en-
contros consonantais e outras peculiaridades do programa de ensino
de língua portuguesa. Observa-se nessa testagem que a maioria das
crianças é incapaz de perceber a unidade textual, constituindo este
fato uma das conseqüências mais sérias das abordagens atomicistas
para o ensino de leitura.

54
ESTRATÊGIAS DE ABORDAGEM TEXTUAL
(ou procura-se estrutura, coesão e coerência) *

1. INTRODUÇÃO

~ comum afirmar-se que a criança não gosta de ler e não com-


preende o que lê. Culpamos os interesses e hábitos diferentes das
crianças, mas poucas vezes questionamos o papel do modelo de apren-
dizagem ao qual aderimos enquanto contribuidor a essas insuficiên-
cias. Treinamos a criança, desde os primeiros momentos da alfabetí-
zação, na associação mecanicista de sons com letras, sílabas, palavras
e frases simples, aguardando o momento em que ela dará um passo
na direção da compreensão de unidades maiores do que a sentença.
Consideramos esse passo, portanto, como um aumento quantitativo da
capacidade de leitura da criança, ignorando as diferenças qualitativas
que existem entre a decodificação e a compreensão. Dados experi-
mentais mostram, inequivocamente, que o desempenho do leitor inex-
periente numa tarefa de leitura não está caracterizado pela incapaci-
dade de decodificação: na situação experimental, as crianças eviden-
ciam domínio dos procedimentos mecânicos para extrair a informa-
ção gráfica (i.e., ritmo e duração das sacadas, diversas formas de
pareamento som e grafia); evidenciam também, pelos dez anos de
idade, ou quatro anos depois do início da alfabetização, domínio na
utilização da estrutura gramatical do texto na decodificação (í.e., os
estudos sobre campo visual, ("eye voice span"), citados em Gibson
e Levin (1975: 3:1-391).

* Texto apresentado em 1981 no 6.° Congressc Nacional de Lingüística, Rio


de Janeiro, com o titulo "O desenvolvimento de estratéaias de leitura na
criança". Os dados em que ele está baseado foram obtidos por D. Braga e
A.L.M. Garcia.

55
Justapõem-se a modelos associativos de alfabetização práticas de-
correntes da incorporação, no currículo, de programas que deveriam
objetivar a reflexão sobre a própria língua mas que, de fato, limitam-
se ao treinamento de técnicas de agrupamento e identificação dos
constituintes da sentença, desrespeitando as estratégias sofisticadas
que a criança já utiliza no reconhecimento e processamento das uni-
dades significativas do discurso oral. Visando a esse treinamento estru-
tural, o texto que geralmente encabeça as unidades didáticas dos livros
de comunicação e expressão é transformado num pretexto para "mo-
tivar" a aula de gramática: tipicamente tanto itens lexicais como
sentenças que nele aparecem servem de ponto de partida para o
ensino de regras de ortografia, classes de palavras, partes da oração.
Se o aluno é capaz de decodificar o texto escrito, se ele é capaz
de utilizar a informação sintática do texto na leitura, e se, ademais,
ele já completou a aquisição da língua materna, as dificuldades que
ele revela na compreensão do texto escrito são decorrentes de estra-
tégias inadequadas de leitura. A prática mencionada, a utilização do
texto como pretexto da aula de gramática, certamente contribui para
à formação de estratégias de leitura inadequadas, pela ênfase que
coloca nos aspectos seqüenciais e distribucionais dos elementos lin-
güísticos do texto, justamente aqueles elementos que não são consti-
tutivos do texto enquanto unidade de significação. Entretanto, encon-
tramos que até articuladores e modalizadores são analisados local-
mente, no nível da sentença. Abundam nos textos escolares os exer-
cícios que solicitam ao aluno manipulações (í.e., "Modifique, como
no exemplo: 'Terminando a carta escrevi outra ~ Quando terminei
a carta, escrevi outra' ") que em nenhum momento mostram ao aluno
que a significação do texto depende da função dos diversos elemen-
tos lingüísticos no texto, não na sentença.
Ainda quando a- atenção do aluno é dirigida ao texto propria-
mente dito, não apenas a estruturas nele contidas, este é tratado como
um mero repositório de informações. Essa concepção pode ser cons-
tatada pela abundância de perguntas que servem de estímulo para a
extração ou evocação de informações explícitas que seguem o texto
no livro didático: explica-se então porque, para a criança, ler passa
a significar" achar a informação" e "decorar a informação", em vez
de reconstruir a informação mediante a utilização do conhecimento
prévio, ou reestruturar o conhecimento prévio graças à nova infor-

36
mação, num processo de influências mútuas entre leitor e autor, prõ-
prio e característico da atividade de ler.
g justamente através de informações que não estio explícitas,
que o aluno pode compreender o texto; compreendendo o implícito
ele passa a compreender melhor o explícito. Consideremos, por exem-
plo, a seguinte fábula, extraída de um livro didático em U80 na quarta
série. Na fábula, um galo sobe em uma árvore ao ver a raposa se
aproximando. O diálogo:

"- Amigo, venho contar uma grande novidade: findou-se a


guerra entre os animais. Lobo e cordeiro, gavião e pinto, onça
e veado, raposa e galinhas, todos os bichos andam agora aos bei-
jos como namorados. Desça desse poleiro e venha receber o meu
abraço de paz e amor. - Muito bem! - exclamou o galo. Não
imagina como tal notícia me alegra I Que beleza vai ficar o
mundo, limpo de guerras, crueldade e traições! Vou já descer
para abraçar a amiga raposa, mas... como lá vem vindo três
cachorros, acho bom esperá-los, para que eles tomem parte na
confraternização. Ao que na Dona Raposa responde: - Infeliz-
me-te, amigo Cé-rícõ-cõ, estou apressada e não posso aguardar
pelos amigos cães. Fica para outra vez a festa, sim?" (França,
A. Estudos Ativos da Lingua Portuguesa, 4.- série, Editora do
Brasil, 1978).

Fábulas como estas s6 poderão fazer sentido na medida que a


criança for capaz de inferir uma série de elementos, tanto a partir de
seu conhecimento da estrutura da fábula (cujo mundo tem caracte-
rísticas diferentes do mundo real) quanto a partir de seu conhecimen-
to do mundo real í.e., galos têm medo de raposas, raposas não podem
subir em árvores, raposas caçam galos, dai que eles sejam inimigos,
portanto as declarações da raposa são insinceras, raposas e chachor-
ros são inimigos, portanto o enunciado do galo tem a força de uma
ameaça, e assim sucessivamente para todas as inferências pertinentes
à compreensão.
O problema de estruturação do conhecimento do mundo e sua
utilização nos processos inferenciais na leitura tem ocupado os pro-
ponentes de modelos de leitura baseados na teoria de esquemas (Sche-
ma-theoretic models of reading). Estes te6ricos postulam a existência
de construtos de conceitos hierarquicamente organizados, desde o

57
mais geral e abstrato até o mais específico; estes permitiriam, na
leitura, impor uma estrutura ao texto mediante uma série de infe-
rências complexas, pois um pressuposto básico desses enfoques é que
o texto em si não carrega significado. Ele apenas aponta caminhos
para a construção do significado pelo leitor a partir de seu próprio
conhecimento. Os esquemas seriam cruciais para a construção, ou re-
construção do significado do texto, pois eles são estruturas de conhe-
cimento genéricas cujas varíãveís específicas podem ser preenchidas
com elementos do texto, ao mesmo tempo que podem servir como
constantes para a inferência de elementos não explicitados pelo autor.
Segundo Tannen (1979), por exemplo, o leitor utiliza o esque-
ma para duas funções: inferir os elementos que estão faltando na
estrutura, e conectar eventos primários dessa estrutura com outros
eventos a fim de alcançar uma reorganização num nível superior, isto
é, mais abstrato e mais geral. Seriam essas as funções que permitem
a referência a "0 poleiro", como se esse objeto tivesse sido mencio-
nado: foi introduzido implicitamente uma vez que os esquemas "galo"
e "árvore" foram introduzidos pelas referências explícitas 1.
O modelo associativo que subjaz as práticas da aula de leitura
não condiz com uma concepção construtiva, de base inferencial, da
leitura. O conhecimento prévio da criança, tanto lingüístico como
extralíngüístíco, não recebe demandas cuja natureza permita o desen-
volvimento de outros processos cognitivos, como o inferencial. E isto,
apesar de a função primordial da escola ser a promoção de situações
de aprendizagem que permitam o desenvolvimento de processos cog-
nitivos ainda não totalmente desenvolvidos na criança. Vigotzky
(1978) caracteriza aptamente a diferença entre nível maturacional e
desenvolvimento potencial da criança ao postular a 11 zona de desen-
volvimento proxímal", partindo para essa caracterização do fato, am-
plamente observado, de que crianças com uma mesma idade matu-
racional (medida experimentalmente pelo tipo de tarefa que a criança
consegue resolver por si mesma) variam enormemente nas soluções

1. Para a maioria dos proponentes da teoria de esquemas, essa passou a ser


uma estrutura estática; originalmente Bartlett (1932) e mais recentemente
Tannen (1979) a descrevem como uma estrutura dinâmica, em constante
desenvolvimento. Bartlett procura neste construto um elemento de suporte
para sua concepção de memória construtiva, não apenas um repositório
de conhecimentos adquiridos, estruturante de novas percepções, mas ao
mesmo tempo estruturado por novas percepções.

58
que dão a tarefas quando orientadas por um adulto. A zona de de-
senvolyimento proximal ("zone of proximal development") devolve
ao ensino a figura fulcral do adulto enquanto modelo de estratégias;
o ensino de leitura na nossa escola reduz essa figura ao nível mais
elementar de treinador de respostas.
Neste trabalho examinaremos as estratégias de abordagem ao
texto que a criança utiliza numa tarefa que faz muitas demandas à
capacidade inferencial e quase nenhuma à capacidade de retenção.
Partimos da hipótese que as práticas escolares mais comumente ado-
tadas não permitem o desenvolvimento de habilidades outras que as
que a criança adquiriu ou na situação comunicativa ou durante o
período de alfabetização, cujo índice de sucesso é bastante elevado
se o limitarmos ao domínio da decodificação. Nesta hipótese, os alu-
nos testados enfrentariam a tarefa inferencial a eles solicitada fazendo
apelo, por um lado, a seu conhecimento sobre a estrutura da frase
e da sentença, e, por outro, ao esquema escolar de texto como enca-
deiamento de sentenças e repositório de informações, na incapacidade
de inferir a elementos próprios da unidade discursiva isto é, de infe-
rir elementos que funcionem a nível temático global.

2. DADOS METODOLÓGICOS
A tarefa solicitada às crianças consistia em dois testes cloze
modificados. O teste cloze exibe alta correlação com testes de leitura
tradicionais (i.e., respostas a perguntas baseadas no texto), fazendo
demandas à capacidade inferencial da criança mas não à retenção, e
proporcionando uma medida da 11 gramática de expectativas" do sujei-
to (" gramar of expectancy", Streiff, (1978». O teste consiste na infe-
rência de palavras aleatoriamente apagadas a intervalos fixos.
Os textos utilizados, extraídos de um livro didático para sexta
série tipificam o material que a criança lê no contexto escolar. Para
a resolução da tarefa, procuramos atenuar o desempenho automático
em favor da reflexão instruindo os alunos a preencher os espaços
apenas com palavras que fizessem sentido no texto.
Os testes foram aplicados sucessivamente. Dado o nosso inte-
resse em verificar se o apagamento de diversos elementos causaria
ordens de dificuldade diferentes, no primeiro texto foram apagadas
palavras membros de categorias lexicais maiores, isto é, nomes, adje-
tivos e verbos; no segundo foram apagadas palavras invariáveis de

59
classe fechada: preposições, pronomes, conectivos, artigos e verbos
auxiliares.

Os textos foram ligeiramente modificados afim de unífor-
mizar o número de palavras entre cada apagamento.
Ambos os textos descreviam procedimentos usados na televisão:
para a montagem de uma novela, no caso do texto com apagamento
de léxico (TL) e para a montagem de uma entrevista, no caso do
texto com apagamento de vocábulos de relação (TR). Cada texto
continha 32 apagamentos.
Os testes foram corrigidos independentemente por duas pessoas,
e foram aceitas todas as respostas que obedecessem as instruções de
preencher com apenas uma palavra que fizesse sentido no texto.

Foram testadas 97 crianças da quinta e sexta série de uma escola


particular cuja clientela pertence às classes média e média alta. Os
resultados de 93 delas são discutidos aqui, havendo-se eliminado uma
criança estrangeira e uma criança que não fez a segunda tarefa. As
idades das crianças variaram entre dez e quinze anos, com uma média
de 11,7 anos na quinta série, e 12,3 na sexta..

Os resultados dos testes foram desde 4 até 26 pontos no TL,


e desde 1 até 26 pontos no TR, sendo a média 14,21 e 13,98 respec-
tivamente. As crianças da sexta série obtiveram resultados mais altos
(média no TL: 16,41 e no TR: 13,38) que as crianças de quinta
série (TL: 13,52 e TR: 13,43), embora o resultado limite inferior
(1 ponto) pertencesse a uma criança da sexta série, e o superior a
uma criança da quinta e a uma da sexta séries. O coeficiente de
equivalência entre os dois testes foi 70. Padrões de respostas dos
alunos que excederam uma expectativa "chance" serão mencionados,
quando pertinentes, no decorrer do trabalho.

As respostas das crianças podem ser divididas em quatro grupos


ordenados hierarquicamente, segundo o índice textual que foi utili-
zado para a resolução da tarefa.

2 . 1. As respostas mostram que a criança presta atenção apenas


aos índices seqüenciais anteriores à lacuna. O preenchimento resulta
numa seqüência aceitável até o preenchimento, mas estranha se con-
tinuamos a ler. Exemplos:

60
1. (531-11-8)2 O produtor faz a seleção de perguntas que deve-
rão realizar feitas ao entrevistado (ser)
2. (56-8-10) que tenha realizado alguma coisa extraordinária
ou então conheça um assunto para curioso que
desperte muita atenção (muito)
3. (58-7-12) e comum ter produtor descobrir essa pessoa (o)
4. (52-4-4) para que ele fique à vontade e fale apresente sem
muita inibição (se)
2 .2. As respostas mostram que a criança presta atenção as limi-
tações distribucionais no nível da frase. As respostas podem consistir
em simples preenchimento, ou em preenchimentos múltiplos, ou ainda,
tomar a forma de manipulações do texto original, sem necessariamen-
te conseguir uma sentença aceitãvel: Exemplos:
(a) Preenchimento simples
5. (542-13-18) O produtor desses programas faz esquema da TV
é muito importante, pois (no)
(b) Preenchimentos múltiplos
6. (522-10-9) descobrir uma pessoa interessante que o deixa rea-
lizado uma coisa (tenha)
7. (525-10-8) pois é ele quem procura os personagens, prepara
todas as coisas (e)
(e) Pontuação
8. (626-11-11) Durante todo o programa o produtor acompanha,
tenta desenrolar do mesmo dos bastidores (o)
(d) Tempo verbal
9. (619-9-13) pois é ele quem procura saber prepara r todas as
coisas (e)

2. Os números entre parenteses que precedem os exemplos indicam: o prl-


melro número indica série (5.a ou 6.a), e colocaçlo do aluno, desde 1,
o pior colocado, até 95, o melhor colocado. O segundo número indica a
pontagem obtida no TL, o terceiro indica a pontagem obtida no TR. Nos
exemplos, a palavra arifada é a palavra de fato usada pelo aluno na
testagem. Entre parênteses, no final da oração, colocamos a palavra que
foi apagada no original. O símbolo indica preenchimentos múltiplos, que
não se encaixam dentro da lacuna do texto.

61
2 . 3. As respostas mostram uma percepção das limitações im-
postes pelo contexto lingüístico, à nível do parágrafo ou mesmo, do
texto, sem que o aluno consiga produzir um preenchimento adequado.
Este seria o caso das respostas em branco. Se consideramos as res-
postas dos alunos no 25 % inferior, apenas três deles conseguem
baixos resultados devido a não preenchimentos. No quartil superior,
por outro lado, quatorze crianças deixam de preencher certos item,
de alto grau de incerteza. Por exemplo, a metade dos não preenchi-
mentos ocorrem na seqüência

"No dia da gravação final, os atores são maquiados cuidado-


samente e já devem saber suas falas de cor segundo as
marcações - marcas de giz no e estar vestidos de acor-
do com o ... "

onde os dois apagamentos na mesma sentença reduzem drasticamente


a informação. Outra evidência de que a resposta em branco indica,
primeiro, atenção a índices outros que os seqüenciais e, segundo,
incerteza, devido à redução da informação, reside no fato que a maio-
ria das respostas em branco ocorrem no início de seqüência, que é
um ambiente menos redundante, tal como experimentos com adultos
sobre padrões na distribuição dos erros no teste cloze têm mostrado
(vide por ex., as experiências citadas em Gibson e Levin (1975:376».
A porcentagem de crianças que deixa respostas em branco é maior
na sexta série (62,5°;ó) do que na quinta série (33,8%).
2 . 4. As respostas mostram que o aluno presta atenção a índi-
ces locais (seqüênciais, distribucionais) bem como a pistas coesivas
globais. Exemplos:
10. (675-20-26) o produtor desses programas no esquema da TV
é muito importante, porque é ele que procura e
prepara todas as coisas (no, pois, e)
11. (595-26-17) No dia da gravação final os artistas são maqula-
dos cuidadosamente e já devem saber suas falas de
cor, andar segundo as marcações - marcas de giz
no chão - e estar vestidos de acordo com o perso-
nagem que fazem (atores, saber, andar,
chão, personagem)
2.5. Mais uma observação sobre padrões de respostas. A utili-
zação de pistas .seqüencíaís exclusivamente resulta em respostas em

62
que a classe de palavra do texto original nem sempre corresponde
à que o aluno coloca na sua resposta; mudanças desse tipo foram
muito mais freqüentes no TR (880, ou 30,4%) que no TL (118, ou
4,0°10). Exemplos:
Prep ~ Adj
12. (653-15-15) :e comum o produtor descobrir essa pessoa reali-
zada de pesquisas ou de outros meios de comuni-
cação: tatravés)

13. (570-18-13) Há casos interessantes que o entrevistado recebe


um "cachê " (em)

coni. -+ Nome
14. (566-17-16) Há casos em que o entrevistado recebe um ca- 11

chê" cachê é o pagamento que ele recebe (que)


15. (544-12-13) porque é ele quem procura atores prepara todas
as coisas (e)
Art -+ Verbo
16. (673-19-17) Durante todo o programa o produtor acompanha
procura desenrolar do mesmo dos bastidores (o)

3. ESTRATaOIAS

Nesta secção discutiremos as estratégias que o aluno utiliza para


resolver a tarefa. Dividiremos estas em estratégias locais mlcroestru-
turaís, em que o aluno recorre a seu conhecimento lingüístico sobre
funções e relações, e estratégias globais macroestruturais, em que o
aluno recorre a seu conhecimento sobre textualidade e coesão. A
divisão pretende apenas caracterizar os padrões de respostas dos alu-
nos. Embora o teste cloze tenha uma dimensão associativa para muitas
das crianças, esta divisão também não deve ser considerada ao longo
da dimensão sintagmática-paradigmática.

J . 1. Estratégias microestruturais

Agrupamos aqui duas estratégias, com as quais os alunos pro-


curam reestabelecer a integridade do texto, num caso tentando dar
uma estrutura canônica às sentenças mediante a superimposição de
canonícídade, e no outro, tentando criar coesão mediante a superim-
posição de novos contextos locais.

63
3.1 . 1. A superímposíção da canonicidade (ou a procura de
estrutura)

Várias instâncias em que as crianças dão soluções comuns à


tarefa, tanto adequadas como inadequadas, indicam que ela parte da
identificação de eventos provéveís e utiliza a ordem para espelhar
essa identificação: nenhuma criança errou no preenchimento de se-
qüências do tipo NV[N], N[V]N, e [N]V(N), nem no preenchimento
de passivas [N] ser V do; e, excetuando quatro alunos, também há
concordância com o original nos traços animado e inanimado dos
agentes e objeto preenchidos.

Mais ilustrativas dessa estratégia são as soluções que departem


do texto original: por exemplo, 84,20/0 dos alunos testados colocaram
uma forma verbal transitiva na seqüência O produtor desses pro-
11

gramas esquema da T.V. é muito importante," interpre-


tando, de fato, um sintagma nominal complexo.

N [prep N] (Prep) ~rep lj


S Prep S Prep S Prep SN

(i.e .., "[O produtor desses programas no esquema da T.V.] é muito


importante li) como uma sentença canônica:

(Verbo) Prep Nj1


S Prep J
N ~rep NJ
SN [
~
S Prep SN SN
s SV S

(i.e., [produtor desses programas] faz [o esquema da TV] é muito


11

importante).

Os seguintes contextos levaram as crianças a reestabelecer a


ordem canônica, a despeito de outros índices:

(i) Sintagma nominal sujeito longo e complexo, como o do exemplo


acima, ou como e em seguida os vinte primeiros (capítulos)
11 •••

mímeografados são distribuídos aos vários setores ... ", que


25,2 % das crianças preencheram com forma verbal.

64
(ii) Seqüências com objeto apagado, relativizado ou nominalizado
.são interpretadas sem considerar a possibilidade do original,
como "pois é ele quem procura (e) prepara todas as coisas que
as câmaras ... " em que 42 crianças (44,2%) colocaram algum
nome (por ex.: 1# nottcias" , "pessoas ", "novidades" , "detalhes" )"
11todas as coisas que as câmaras vão mostrar (durante) a entre-
vista" que 9,40/0 preencheram com N (por ex.: "imagens", "0
trabalho", "o entrevistado"),' o produtor acompanha (o) desen-
11

rolar do mesmo dos bastidores", em que 16,5% das crianças


'" ex.: o entrevista d"o, a cena,
co Iocaram nomes (por ll
os artis-
1111 •

tas) ou preposição e nome (por ex.: ao entrevistado").


11

(iii) Estruturas com apagamento verbal também são interpretadas


sem considerar a possibilidade elíptica, como " .. pois, (se) ne-
cessário ele deve estar pronto para entrar em. ação", que 89,4%
preenche com alguma forma verbal, geralmente o verbo de
ligação.
Os padrões de respostas acima discutidos não esclarecem se a
criança está atenta a reestabelecer a canonicidade ou a transitividade
protótipo. Pareceria ser este último o princípio determinante se con-
siderarmos uma única instância transitiva indireta com apagamento
verbal, onde as' crianças mostraram bastante confusão e variaram
bastante nas respostas:

(i) respostas com verbo transitivo, ignorando a preposição


(29,4%):
Exemplo:
17. (647·14-14) enquanto o iluminado r opera da luz, detalhe
muito importante na TV. (cuida)
(ii) respostas com verbo transitivo mais apagamento da prepo-
sição (3,15%):
Exemplo:
18. (551-14-17) enquanto o iluminador produz a 8 luz,
(iii) respostas com adjetivos descritivos (6,30,1,), que pareceriam
indicar interpretação de da forma finita de dar:
Exemplo:

3. O aluno de fato riscou a letra d para desfazer a seqüêncía inaceitável "o


iluminador produz da luz".

65
19. (653-15-15) enquanto o iluminador colaborador da luz,
(iv) respostas em, que inequivocamente houve uma interpretação
de "da" como forma finita de "dar" (3,8%):
Exemplos:
20. (511-7-8) enquanto o iluminador que da luz,
21 . (517-8-9) enquanto o iluminador não da luz,

3. 1.2. A superposição de um texto (ou a procura de coesão)

No preenchimento do TR as crianças mostram uma marcada


tendência a preencher as lacunas com mais de uma palavra, às vezes
até com frases completas. A criança intui que o texto perdeu coesão
com os apagamentos, e, não fazendo sentido de uma série de, para
ela, palavras e frases desconexas, tenta reinstaurar a textualidade am-
pliando os contextos lexicais e assim criando novos textos. Conside-
remos alguns exemplos:
22. (690-24-15) Quando chega o dia da entrevista, o produtor pre-
para o entrevistado (No)
23. (537-12-13) que é o pagamento que ele recebe em recompensa
de seu trabalho (por)
24. (559-15-12) prepara o entrevistado para que ele fique à von-
tade e descontraido e apresente sem muita inibi-
ção .. " (se)
25. (570-18-13) Acertada a presença da pessoa no programa, o
produtor faz a seleção (no)
26. (619-9-13) O trabalho inicial do produtor é tentar descobrir
o defeito da pessoa de personalidade interessante
que. . . (uma)
No teste TR os alunos demonstram muito maior incerteza com
respeito à classe de palavras que deve ser usada, havendo grande
dispersão nas respostas: Consideremos apenas um exemplo: a seqüên-
cia "e prepara todas as coisas (que) as câmaras vão mostrar" é preen-
chida com verbo ("organiza", "prepara ", "ajustam") adjetivo (" im-
portantes") Jpreposição para",
(11 deles",
11 com",
11 sobre", "nas "),
II

nomes Ç'entrevistas", "filmes"), conjunções ("e", "como", "depois",

66
li antes", "que", "qual", "cujo"). Dispersão semelhante se dá apenas
num caso no TL. Não se pode aduzir que a maior incerteza é decor-
rente da posição na frase dos elementos apagados, já que o fenômeno
se estende a elementos intrafrasais, nem podemos atribuir a diferença
à maior redundância distribucional do TL: embora haja menos mu-
danças de classes de palavras nos contextos [-]N, N[-]N, e
N[-]V-do no TR, ainda neles encontramos preenchimentos múlti-
plos e mudança de classe. Exemplos:
29. (551·14·17) g comum que produtor possa descobrir essa
pessoa (o)
30. (575·18·16) meios de comunicação; jornais, rádio e revista,
televisão (mesmo)
31. (511-7-8) o produtor entrega a ficha e faz as perguntas ao
apresentador (com)
32. (54-5-9) O trabalho inicial começa com o produtor é tentar
(do)
33. (516-8-11) ou que trabalha realizado alguma coisa extraor-
dinária (tenha)
Uma questão que surge a partir do exame das respostas é o por-
quê da obtenção de diversos padrões de respostas nas duas tarefas,
i.e., por quê não há também preenchimentos múltiplos e modifica-
ções do texto original no TL?
Tomando em consideração os dois itens do TL que provocaram,
ou preenchimentos múltiplos, ou grande dispersão quanto à categoria
lexical a ser preenchida, ou, ainda, tentativas de modificar o texto
para que este se adequasse à resposta, percebemos que essas res-
postas ocorrem ou na incerteza, pela falta de redundância, ou pouca
informação do texto, ou quando a expectativa do aluno com respeito
ao que, na sua opinião, deveria ir no espaço não se adequa às res-
trições impostas pelo contexto. Obviamente, a maioria dos itens do
TL é redundante, informativa, e compatível com as expectativas do
aluno: já identificamos uma expectativa partilhada por eles, que as
sentenças do texto devem exibir a ordem canônica.
Um outro elemento de apoio para a inferência pareceria ser o
sistema de relações estruturais e coesivas estabelecidas mediante o
uso de artigos, conjunções e pronomes e preposições. Há, entretanto
algumas diferenças entre as tarefas, TR e TL quanto ao sistema de

67
relações coesivas. Na tarefa TR a informação que provém da ordem
e da flexão é mantida, mas aquela que provém do conjunto de ele-
mentos de ligação interfrasais, bem como inter- e intrasentenciais
deve ser reconstruída, não apenas reconhecida e utilizada como na
tarefa TL.
Pareceria que esse sistema de relações, no discurso escrito, está
ainda num nível intermediário entre reconhecimento e produção: a
criança é capaz de reconhecer as funções desse sistema quando esta-
belecidas pelo escritor e quando apoiadas pela informação proveniente
de outros índices, mas é incapaz de estabelecer, mediante a recons-
trução interna, uma rede de relações cujas funções não só são deter-
minadas por elementos não contíguos no texto; mas cuja reconstru-
ção, em alguns casos (í.e., as expressas pelos conectivos) precisa da
reelaboração de uma dimensão intersubjetiva na medida em que eles
marcam a estruturação que o autor pretendeu. Na incapacidade de
reconstruir esse sistema, e, dada a insistência em "interpretar qual-
quer passagem como texto se houver mais remota possibilidade de
assim fazê-lo" (Halliday e Hasan, 1976: 23-24), o aluno resolve a
tarefa mediante a superposição, por assim dizer, de um novo texto.

:$ . 2. Estratdgias macroestruturals (ou a procura de tema)

Examinaremos primeiramente os preenchimentos lexicais das


crianças. Focalizamos este aspecto como índice das estratégias para
depreensão do tema, já que poucas crianças são capazes de utilizar
sistematicamente os conectivos para estabelecer coesão. No TR havia
apagamento de conjunçõee aditiva, explicativa, alternativa, condicio-
. nal e temporal: 32,6% das crianças utilizaram um aditiva, 56,8°;b
uma explicativa, 8,42 % uma alternativa, 5,2 % um condicional e
31,5% uma temporal. Nenhuma criança utiliza os conectivos, em
mais do que 3 das cinco possibilidades.
Há dois padrões de soluções com respeito ao estabelecimento de
um tema, e portanto, de coerência global:
3 . 2. 1. Estabelecimento de uma estrutura supeordinada aos pro-
cedimentos descritos no texto, que pode corresponder ou não ao tema
ou tópico discursivo do mesmo. Em algumas crianças, (17,1 %) essa
tomada de consciência de que existe uma unidade temática maior se
manifesta desde os primeiros preenchimentos a partir dos índices do
J

68
título e do primeiro parágrafo, que, como em todo cloze, não é medi-
ficado. Estas mesmas crianças evidenciam outros comportamentos em

comum:
(i) O número absoluto de itens lexícals utilizados é maior; na média,
29,8 palavras, comparado com uma média de 22,3 das crianças
do quartil inferior.
(ii) Alto grau de coincidência nos itens selecionados para os preen-
chimentos, apesar de estas crianças do grupo superior terem um
leque lexical maior. Por exemplo, a primeira seqüência do teste
"Ela nasce da imaginação do. . . . . . . . ." é preenchida ou com
11autor" ou com 11 escritor" por elas, enquanto que o grupo infe-
· preenc h e com " autor, "14 escritor,
flor • " "dilretor, "" pro d utor " ,
" cna. dor," " artista",
. ""h ornem,"" escnvao
. - " e at é " programa " e
"colégio". Essa coincidência se manifesta, com uma variação de
até quatro palavras, em 23 instâncias.
(iii) Essas crianças, na incerteza, optam pela resposta em branco ao
contrário das crianças dos grupos médio e inferior, que não hesí-
tam em preencher com itens inapropriados do ponto de vista do
desenvolvimento temático - da coerência no desenvolvimento
do tema.
Exemplos:
34. (371-18-21) marcas de giz no quadro negro (chão)
35. (520-9-18) o engenheiro de obras opera os microfones (som)
36. (514-8-14) para que possam decorar as lições (falas)
37. (525-11-8) o iluminador enxerga da luz (cuida)
38. (58-7-12) são distribuídos aos vários paises que colaboram
na novela (setores)
Outras crianças (68 %) parecem tomar consciência do tópico discur-
sivo a partir do terceiro parágrafo, que começa "Os atores convi-
dados a .. " depois do aparecimento dos itens li departamento musi-
cal" "departamento de cenografia". Consideremos apenas um exem-
I

plo, de um mesmo aluno:


Parágrafo primeiro: ela nasce da imaginação do homem, que escreve
um texto grande

69
Parágrafo segundo: slo distribuídos aos vários jornaleiros que cola-
boraram na novela: Educação artística, departa-
mento de cenografia, que fazem os cenários, e
departamento musical que fazem as músicas.
Parágrafo terceiro: Os atores convidados a televisão, recebem dias
antes da apresentação .
Porém o tópico discursivo parece ser, em muitos casos nesse grupo
(55,5%) bem mais vago: "qualquer assunto que tenha a ver com
atores e público", e usam, indiscriminadamente, "filme ", peça tea- 11

trai ", "espetáculo 11 •

3 .2 .2. Há um padrão de respostas (14,7 °IÓ ) que não permite


decidir se a criança conseguiu identificar uma unidade temática no
texto ou não. Embora os alunos utilizem itens lexicais próprios aos
procedimentos descritos, há também evidências de que estio usando
uma estratégia de repetíção de itens que já apareceram no texto, simi-
lar, de fato, à estratégia do aprendiz de segunda língua, que repete
itens fornecidos pelo interlocutor no turno imediatamente anterior.
Por isso, pareceria que o aluno está atento a itens salientes, sem que
necessariamente tenha identificado o tópico discursivo. Exemplos:
39. (56-6-8) O "camera man" faz a imagem que você vê no
filme. (projeta)
.... enquanto o iluminador faz a imagem da luz
(cuida)
40. (542-13-18) o engenheiro de microfones opera os microfones
(som)
41. (56-6-8) estar vestidos de acordo com o vestido que fazem
(papel)
42. (514-8-14) São realizados muitos ensaios antes da novela, a
qual é uma novela feita em equipe e muito ....
(apresentação)
Sio estes alunos os mesmos que se prendem a '"'Umapalavra e
a repetem através do texto:
43. (525-11-8) ... sena (sic) artística.... decorar as senas ....
é uma sena feita em equipe

70
44. (618-9-4) · .. que escreve um texto filmado. . . .. Os atores
convidados a filmagem, recebem, dias antes da fil-
magem. . . .. São realizados muitos ensaios antes
da filmagem. . . .. O 11 camera man" filma a ima-
gem que
45. (59-7-7) · .. que depois é programado. . .. muitos ensaios
antes da programação.. . .. programa a imagem
· ... iluminador programa da luz
46 . (51 7-11-8) . . . os vinte primeiros escolhidos mimeografados. . .
que escolhe os cenários que escolhe as mú-
sicas podem escolher as personagens.
Nestes testes abundam também os adjetivos sincategoremáticos e
de expressões que adquirem sua especificidade no contexto (' con-
textuais") :
47. (513-8-15) Os atores convidados a fazer, recebem, dias antes
da gravação,
48. (56-6-8) para que possam decorar as coisas
49. (515-8-8) uma atividade feita em equipe e muito boa
30. (513-8-13) detalhe muito bem na TV
51. (56-6-8) já devem fazer suas falas de cor
O uso de adjetivos sincategoremáticos é bastante comum. O aluno
prefere usar elementos mais seguros, embora vagos, em vez de arris-
car um termo descritivo mais específico. No TR, por ·outro lado, os
adjetivos descritivos são superutilizados na criação do novo texto: o
mesmo acontece nas passagens que provocam mais incerteza no TL.
Exemplos:
52. (525-10-8) diferente segundo as marcações (andar)

53. (511-7-8) final segundo as marcações (andar)

54. (54-9-6) Há casos muito interessantes que o entrevistado


(em)

55. (626-11-11) apresente sem muita inibição nova das câmaras


(frente)
56. (513-11-8) entrega a ficha pronta as perguntas (com)

71
57. (531-11-8) fique à vontade e comunicante apresente sem mui-
ta inibição (se)
58. (625-11-11) descobrir essa pessoa talentosa de pesquisas
(através)
Nas crianças no quartil superior no TL, isto é, crianças que
identificam logo o tópico discursivo, há uma tendência (680/0 das
crianças) a conseguir resultados mais baixos no TR, (Média TL =
22,S, TR: 19,1) enquanto que as crianças que, pelo seu desempenho
global no TL, parecem não ter identificado alguma unidade temática
no texto, tendem (60%) a obter melhores resultados no TR, (MTL:
7,64, TR: 9,2). Explica-se este fato porque, no TL, algumas respostas
que dependem apenas de informação distribucional estão garantidas
para as crianças. Já no TR, as respostas que dependem da reinstaura-
ção de articuladores do discurso estão além da capacidade de todas
as crianças. Daí as diferenças no desempenho em cada tarefa: na
primeira, a identificação da unidade temática, a recuperação das fun-
ções da ordem e o reconhecimento das relações estabelecidas pelo
autor são condições necessárias e suficientes para resolver a tarefa;
na segunda é preciso também reconstruir uma rede de relações que
envolve também o uso de conectivos.

4. CONCLUSOES

A utilização das estratégias discutidas em 3. permite caracteri-


zar o perfil de três tipos de leitores no grupo testado, e, acreditamos,
marca três momentos diferentes no desenvolvimento de estratégias de
leitura.
Um primeiro momento está caracterizado pela utilização do co-
nhecimento lingüístico que a criança tem sobre a função da ordem e
da flexão na sua língua. Estas crianças tentam reestabelecer a ordem
da estrutura canônica e transitiva protótipo nas frases do texto, res-
peitando apenas aquelas restrições distribuéionais do contexto ime-
diatamente anterior à lacuna e ignorando toda informação proveniente
de unidades maiores, isto é, sentença, período e texto. Revela-se esta
lnatenção a outros índices pela desorientação sobre a classe de pala-
vra a ser preenchida, pelos preenchimentos de natureza puramente
associativa colocacional, pela ausência de léxico coesivo.

72
o segundo momento de desenvolvimento de estratégias de abor-
dagem ao texto está caracterizado pela ativação e utilização do conhe-
cimento da carga funcional da ordem e a flexão e pelo reconhecimen-
to -da carga funcional dos vocábulos de relação e conjunções enquanto
as-funções destes são estabelecidas pelo escritor. g índice deste mo-
mento a segurança que a criança mostra sobre a classe de palavra
que deve ser colocada no TL, onde as relações configuradas pelos
elementos de relação são mantidas. A identificação de uma unidade
temática, embora as vezes vaga e tardiamente, é evidência também de
que a criança está atenta a relações em unidades maiores que a frase.
Na segunda tarefa (TR) por outro lado, a criança, mistificada perante
a perda das relações coesivas, ao se deparar com esse non-texto, com
uma coleção de palavras, parte para a criação de um (novo) texto a
partir dos elementos dados, mediante o preenchimento com catego-
rias lexicais maiores. Ainda nos casos em que encontramos as solu-
ções esperadas, isto é, o preenchimento com elementos de relação, os
alunos não conseguem reconstruir o tipo de relação, e sua função,
mediante a utilização de índices contextuais.
O terceiro momento no desenvolvimento de estratégias estaria
caracterizado por um elemento a mais nesta progressão: o aluno é
capaz de reconstruir o texto mediante a inferência de elementos de
relação. O domínio dessa estratégia é característico de poucas crian-
ças no grupo, e é extremamente precário e incerto ainda, pois quan-
do entra em conflito com outras estratégias (como a procura da cano-
nicidade) ela é logo abandonada, até pelas crianças com altos resul-
tados nos dois testes.
Retomando a hip6tese inicial deste trabalho de que a escola não
fornece situações de aprendizagem que permitam o desenvolvimento
de capacidades potenciais na criança, vemos que a grande maioria
das crianças recorre a conhecimento lingüístico já desenvolvido antes
da escolarização para resolver a tarefa, excetuando, é claro, os meca-
nismos de decodificação, cujo domínio se dá nos dois primeiros anos
na escola. Ainda se aceitarmos que a capacidade de utilizar a estru-
tura gramatical do texto é decorrente da escolarização, para um gran-
de grupo esta capacidade é demonstrada apenas na microestrutura. g
através de atividades de leitura que visem a fazer sentido do texto
enquanto unidade semântica que o terceiro momento acima descrito
poderia ser desenvolvido.

73
Das soluções das crianças transparece um outro tipo de treina-
m~to. para a criança aprender: há formas certas e formas erradas no
uso da língua, daí a cautela das crianças da sexta série de não arris-
car um possível erro e o uso generalizado de elementos seguros,
neutros: as formas certas são aquelas que estão legltímízadas pela
escrita, daí a preocupação das crianças de preencher com elementos
já dados no texto: ler é decodificar e reter o explícito, daí a confusão
das crianças na inferência; a unidade significativa no texto é a sen-
tença, daí a incapacidade de reconstruir a unidade discursiva.

74
FATORES DETERMINANTES NA
ELABORAÇAO DOS RESUMOS: MATURAÇAO
OU CONDIÇõES DA TAREFA? *

1. INTRODUÇÃO
A capacidade de resumir textos, considerada como manifestação
do processo de compreensão de textos (Kintsch e van Dijk, 1975) e
como estratégia de estudo (Brown e Day, 1983) é também indicativa
da competência discursiva do leitor-resumidor, uma vez que o su-
cesso deste na utilização das diversas regras de redução semântica
depende crucialmente de sua capacidade de avaliar as informações do
texto em termos da estrutura global do mesmo. Uma determinada
informação será trivial, redundante, importante, em relação ao qua-
dro referencial total e não apenas a nível de parágrafo ou sentença.
Neste trabalho re-examinamos questões relativas ao desenvolvi-
mento dessa capacidade de resumir no escolar, mediante uma tarefa
experimental com crianças da 8.a série. Focalizamos especificamente a
hierarquia de dificuldades em relação à aquisição das regras de redu-
ção semântica que Brown e Day (op. cit.) postulam, hierarquia esta
que estaria caracterizada, no limite superior, pela dificuldade maior
das regras que funcionam a nível propriamente textual exigindo
abstração de informações para a construção de macroproposições ou
sentenças-tópico.

Segundo Brown e Day, as duas regras de apagamento, de deta ..


lhes e de informação redundante (que correspondem à regra de apa-
gamento para Kintsch e van Dijk, 1975) são aplicadas com facílída-

.••Este texto é em coautoria com Sylvia Terzi. Publicado originalmente em


DELTA, 1/2, 17-36, 1985.

75
de por crianças a partir da s.a série do 1.0 grau, cuja estratégia é ler
o texto sequencialmente apagando ou copiando os segmentos. Já a
regra de supraordenação (generalização para Kintsch e van Dijk) ou
seja, a substituição de elementos ou ações pelo nome da categoria
superordenada a que pertencem, se apresenta um pouco mais dífícíl
que as de apagamento, visto que a criança deve acrescentar um termo
em lugar do segmento apagado. Seu domínio satisfatório, segundo as
autoras, se daria por volta do início do 2.° grau. Logo a seguir na
hierarquia de dificuldade viriam a regra de seleção, isto é, identifica-
ção da sentença tópico presente no texto, e a regra de invenção (cons-
trução para Kintsch e van Dijk) pela qual o leitor deverá criar uma
sentença-tõpíco, não explícita no texto. Estas duas regras exigem um
trabalho maior com o texto - o aluno deverá abandonar a ordem
seqüencial e a partir do conceito de sentenças-tépico deverá localizá-
las (ou criá-las) e utilizá-las na estruturação do resumo. A regra de
invenção apresenta um grau de dificuldade maior pois exige que o
aluno acrescente algo de seu - uma síntese, em suas pr6prias pala-
vras, do significado do parágrafo. Dadas as dificuldades destas regras,
Brown e Day concluem que o domínio satisfat6rio das mesmas s6
ocorre no curso universitário.
Estes resultados das pesquisas de Brown e Day mostram, sem
dúvida, uma relação entre a maturidade do aluno e sua capacidade
de resumir informações de um texto.
Entretanto, se, como afirma van Dijk, (1977) estas regras não
eão apenas regras de resumo mas também regras gerais que subjazem
à compreensão, o não domínio das mesmas implicaria na não com-
preensão? Por outro lado, qual seria o resultado da prática de resu-
mir, tão difundida nas escolas de 1.0 grau, onde os alunos ainda são
imaturos? Estar-se-ia, com esta prática, reforçando certas operações
que, em vez de se configurarem como etapas preparat6rias, necessárias
à capacidade de integrar semanticamente o texto, se configurariam
pela sua natureza tio divergente das regras integrativas num obstá-
culo à aquisição destas últimas?
Questionamos também a posição implícita nos trabalhos de
Brown e Day, comum aos trabalhos comprometidos com uma visão
slncrôníca do processo de leitura, que consideram que o processo da
criança é um modelo imperfeito, inacabado daquele do adulto. Colo-
camos então a hipótese de que as condições em que se deu a tarefa

76
de leitura e resumo nos experimentos de Brow e Day, que permitiam
a consulta ao texto, poderiam ser a causa da aparente incapacidade da
criança de utilizar regras que integrassem o texto como um todo; a
presença do texto, em outras palavras, favoreceria o seguimento da
ordem seqüencial, atomista das informações nele contidas, não sendo
isto então uma manifestação de imaturidade na aquisição das regras
de redução semântica, mas apenas uma manifestação de um maior
grau de dependência do objeto, cujo acesso era permitido ao longo
da tarefa.
Por outro lado, a elaboração do resumo sem o apoio do texto
presente, deveria levar o aluno à consideração global do texto e a
uma integração das informações. Esta é a hip6tese que norteia este
trabalho e que, se confirmada, indicará que o tipo de regras utilizado
pelo aluno é determinado também pelo tipo de tarefa a ser executada,
no caso, resumir com a presença do texto ou sem ela.

2. METODOLOGIA

Participaram desta fase da pesquisa quarenta alunos de 8.a série


de um colégio particular, oriundos de duas turmas consideradas de
mesmo nível quanto à proporção de alunos fracos, médios e bons.
Para a testagem foi utilizado o texto A tecnologia do Entulho"
11

que reproduzimos no apêndice. Não houve manipulação do texto no


sentido de exprimir uma sentença t6pico por parágrafo, porque o
objetivo era examinar a resposta da criança face a um texto natural,
que não conduzisse à identificação seqüencial pelas marcações gráficas.
Como tarefa, foi solicitado do grupo controle um resumo do
texto sendo facultada consulta ao mesmo. Já para o grupo experi-
mental foi determinada a mesma tarefa, porém sem acesso ao texto
após a leitura.

3. VISOES SOBRE O PROCESSO A PARTIR DO PRODUTO

Os resumos produzidos pelos alunos mostram características no-


tadamente homogêneas em relação ao tipo de tarefa solicitada, haven-
do, entretanto, grande divergência entre os resumos de cada grupo.

77
Não apresentaremos, neste trabalho, um levantamento das regras
de reduçêo semântica utilizadas pela criança visto que o objetivo
desta análise é detectar, através do grau de coerência e coesão do
resumo, evidências da utilização de regras mais altas na hierarquia:
invenção, construção 1 e combinação, isto é, evidências da capacidade
de integrar as informações do texto face a duas tarefas diferentes.

Em linhas muito gerais, houve diferenças na utilização de todas


as regras nos grupos controle e experimental, sendo que, em referên-
cia às regras mais fáceis na hierarquia - apagamento e seleção -
ambos os grupos demonstraram a sua utilização, diferenciando-se ape-
nas na eficiência no domínio da regra, muito menor no grupo con-
trole que evidenciou inconstância pela seleção de abundantes infor-
mações de detalhe, e, coseqüentemente, não apagamento das mesmas.
Em relação às regras mais altas da hierarquia, apenas uma criança no
grupo controle evidenciou integração de informações, comparado com
a totalidade no grupo experimental. ~ o desempenho dos escolares
em relação às regras mais altas na hierarquia que examinaremos a
seguir.

Nota-se, em primeiro lugar, que alunos que consultam o texto.


para condensar a informação seguem, de fato, a ordem dos parágra-
fos do texto original, enquanto que o grupo experimental estabelece
um tópico discursivo, que poderá variar no grau de adequação, mas
cujo estabelecimento exige uma integração de informações de diver-
sos parágrafos. Assim, por exemplo, se numeramos os parágrafos e
as proposições de cada parágrafo, vemos que um leitor que consulta
o texto para fazer o resumo caracteristicamente o organiza de maneira
a incluir, primeiramente, informações do primeiro parágrafo, em se-
guida as do segundo parágrafo, e assim sucessivamente, enquanto que
leitores do grupo experimental não apresentam padrões característicos
quanto à ordem de aparecimento das informações, como pode se cons-
tatar na Tabela 1 a seguir, que retrata o desempenho de três leitores.

1. De fato, embora Brown e Day afirmem que a regra de invenção corres-


ponde à regra de construção de Kintsch e van Dijk elas pressupõem ní-
veis diversos de aplicação: para Brown e Day, invenção implica a infe-
rência da sentença tópico ti nível de parágrafo, enquanto que Kíntsch e van
Dijk não explicitam se a inferência se dá a nível local ou global.

78
TABELA 1
--
Grupo Controle ! Grupo Experimental

Leitor 1 Leitor t Leitor 2

P1 -1.2, 1.3 PI -1.1 P1- 1.1, 1.2, 2.2, 2.4,


P2 - 2.1,
Ps -3.1,
2.2, 2.4
3.2
PI -1.2, 2.2, 13.4,
13.9, 3.1
4.3
PI - 3.1, 3.2, 1.3,
I
P4 -4.1, 4.2, 4.3 Pa - 4.1, 4.2, 4.3 13.S, 13.3
PI -S.2, S.3 P" - 2.4, 11.1, 12.1, Ps - S.2, S.3
P6 - 6.1, 7.1 S.2 P 4 - 8.1, 8.S, 10.2
PT - 8.1, 8.4, 8.S PI- 13.5, 13.8, 13.6, Pa - 12.1, 12.2, 13.1,
Ps -9.1 13.4 13.S
Pe -10.1
P10-11.1, 11.3, 11.4,
11.S
Pu - 12.1
pu-n.l, 13.3

A tabela mostra para cada paráarafo do resumo (PI' PI) quais as informa-
ções do texto original que foram utilizadas (1.2 = 2.a proposiçlo do 1.0
parágrafo) .

Segundo a tabela acima, pareceria haver cerca de SODA> de diver-


gência entre as informações selecionadas pelos dois leitores do grupo
experimental cujos resumos aí exemplificamos. Contudo, há de fato
100DA> de convergência em relação ao tópico e subtópicos seleciona-
dos pelos dois leitores: ambos incluem proposições relativas ao valor
do lixo como fonte de gás metano (1.2 e 2. 2), ao uso do metano
em veículos, máquinas e casas (2.4 e 4.3), às experiências com o uso
do metano (3. 1, 3.2 e 5.2), e às vantagens (13.1 e 13.9) e desvan-
tagens (12.1, 12.2) do metano em relação ao petróleo. Já com rela-
ção a informações que não têm uma relação de dependência imediata
do tópico há maior divergência na seleção: o lixo, com ajuda de
germes, produz combustível mais barato que o petróleo (4.3), a pro-
dução do metano em São Paulo (4. 1, 4.2), problemas específicos ao
uso do metano em casas (5.3), processo de produção do metano (8.1,
8.5), armazenamento do metano (10.2). Podemos afirmar, então, que
os dois resumos, similares pelo grau de integração obtido, são tam-
bém equivalentes no grau de adequação com respeito identificação e
seleção de informações mais altas na hierarquia dos conteúdos.

79
A divergência entre os dois grupos com respeito aos procedimen-
tos .para reduzir a informação se estabelece qualitativamente tam-
bém, desde os parágrafos iniciais do resumo. Compare-se o exemplo
(1), parágrafo introdut6rio do resumo de um leitor do grupo con-
trole, com o exemplo (2), também introdut6rio num resumo do grupo
experimental (cf. o original, no apêndice).

(1) A época de ter "nojo" do lixo foi-se. Agora o lixo está sendo
visto como matéria-prima valiosa, que com a ajuda de germes,
fornece um combustível mais limpo e barato que o petróleo.
(2) Pelos testes feitos até agora, o gás metano provou ser mais
barato que o petróleo, tanto para consumo industrial como para
uso em casa e automóveis.

Frente a esses desempenhos divergentes, perguntamo-nos, então,


o significado dessas diferenças em relação ao produto e ao processo,
isto é, o que significaria organizar as diversas informações em rela-
ção a um tópico discursivo inferido pelo leitor, em termos de carac-
terísticas formais desse resumo, e o que significaria estabelecer um
t6pico discursivo mediante a integração de diversas informações, em
termos do processo de compreensão envolvido.
Com respeito ao primeiro questionamento, o leitor que estabe-
lece um tópico discursivo organiza as várias informações em subtõpí-
cos, a saber: definições do gás metano, modo de produção do gás,
vantagens desse combustível, desvantagens do mesmo. O leitor que,
por outro lado, segue a seqüência de apresentação dos dados do texto
lido, pode, na verdade, incluir dados relativos aos subt6picos acima,
porém, não agrupados, e sim na medida em que eles vão aparecendo
no texto. Como nesse processo ele não inclui todos os dados do texto
original, ele apaga informações que trariam coerência ao resumo fa-
zendo com que este pareça muitas vezes uma listagem de dados,
como no exemplo (3) a seguir, que é uma reprodução parcial de um
resumo:

(3) O lixo e o esgoto fornecem combustível, como o petróleo,


s6 que mais limpo e mais barato.

Hoje a Prefeitura de São Paulo está implantando muito


dinheiro nisto.

80
Já existe em São Paulo um Ônibus, funcionando com este
método, e esperam-se muito mais até o final do ano.

A CESP informou que 85 O/o do lixo paulistano, é deposi-


tado em aterros sanitários e daí pode se empregar em várias
coisas, como girar máquinas industriais e muito mais.

Os textos são também mais repetitivos, uma vez que as decisões


sobre quais informações são redundantes são estabelecidas para cada
informação em relação ao contexto imediato (discutiremos mais adian-
te se esse contexto é o parágrafo) e não em relação ao texto como
um todo. Assim, por exemplo, vemos que nos resumos repetem-se
informações como nos exemplos (4) e (5), o que não acontece nos
resumos sem o texto:

(4) O metano tem várias utilidades, pode ser usado nos motores
convencionais de gasolina ou óleo diesel, sem exigir grandes alte-
rações mecânicas. (Parágrafo 2).
O motor comum praticamente não é alterado para receber
o metano (Parágrafo 11).

(5) O metano não tem cheiro e é mais barato que o diesel 40%,
provocando menor desgaste 110 motor. Isso não deixa de ser um
currículo expressivo (Parágrafo 8).

Os aspectos positivos são: o metano reduz a dependência


do petróleo importado e aproveita matéria-prima mais barata,
com menos riscos de explosão e não polui (Parágrafo 9).

Consideramos que as características do resumo com a presença


do texto (apresentação seqüencial da informação conforme o texto
original, e repetição) indicam que nessa tarefa a dependência estru-
tural do texto original é tão forte que até a coerência se estabelece
inter-textualmente, isto é, o texto original é elemento constitutivo do
contexto que tornaria o resumo coerente. Percebemos, então, que o
resumo é muitas vezes incoeso e incoerente porque o aluno exclui
informações necessárias à compreensão. Assim, exemplos como (6) e
(7) a seguir são numerosos.

81
(6) O gás também é usado em residências e indústrias, dados
fornecidos pela CESP apresentam estatísticas impressionantes da
quantidade de gás já produzido por São Paulo. Muitas residên-
cias e uma indústria já usam o gás, mas ele já apresentou defei-
tos. Ela usou o gás durante um ano, até que um dia o gás acabou,
e quando voltou pegou fogo, mas ela não desistiu, e quer con-
tinuar usando.
(7) A maior parte do lixo da cidade são depositados em aterros
sanitários e daí saem cerca de 250.000 metros cúbicos diários,
principalmente do metano.

Já os resumos elaborados sem consulta ao texto são mais coesos,


dado que a tarefa não promove essa relação de interdependência com
o texto, e as ligações coesivas são feitas intratextualmente. O leitor
que reconstrói as informações consegue essa independência, estabe-
lecendo um tópico discursivo para o seu próprio texto que determina
muitas das ligações intratextuais:

(8) O gás metano provém do lixo que atualmente é depositado


nos aterros sanitários. Para se obter o gás é preciso que haja
um biodigestor onde as moléculas do lixo são quebradas por ger..
mes. Todo esse processo é realizado sem oxigênio. O gás que
dalt sal precisa... (Parágrafo 8).
(9) Ao contrário do que muitos pensam o lixo tem muitas utili-
dades. Atualmente muitas pesquisas estão sendo feitas sobre ...
(Parágrafo 2)
Futuramente poderá substituir o petróleo como combustível
(Parágrafoõ) .
(10) A grande desvantagem é a sua pressão, que no tanque ...
(Parágrafo 5)
As vantagens são o baixo custo, maior segurança ... (Pará-
grafo 6).

O fato de os leitores integrarem ou não as informações do texto,


como evidenciado nos resumos que contêm um tópico discursivo, nos
leva à segunda pergunta, sobre o significado desses desempenhos com
relação ao processo de compreensão.

82
De início, poderíamos pensar numa hipótese explicativa para a
integração ou não de informações que postulasse uma diferença na
unidade de significado que a criança utiliza para condensar as infor-
mações. Isto é, poderíamos pensar que, na tarefa que permite a con-
sulta ao texto, a unidade significativa é o parágrafo, ao contrário da
tarefa que não permite essa consulta, onde a unidade seria dada pelo
texto em sua totalidade. Esta hipótese de segmentação divergente
prediz essencialmente, que no primeiro caso há compreensão de li sub-
textos" enquanto que no segundo caso há compreensão global, sendo
que a própria tarefa estaria determinando uma abordagem localizada
ou uma abordagem global.
Há evidências, porém, de que a diferença é mais radical do que
estaria implicada numa diferença com respeito à unidade mínima de
significado utilizada no processamento para cada parágrafo, pois nesse
caso, esperar-se-ia que o aluno estabelecesse um tópico discursivo para
esse parágrafo; que houvesse, em outras palavras, integração de infor-
mações ao nível do parágrafo. Porém não há. Encontramos, em vez
disso, paráfrase de sentenças contidas no parágrafo. O procedimento
parece ser, na verdade, que para cada sentença decide-se se ela é
incluída ou não, e quais elementos dela serão incluídos. Note-se, como
no exemplo, as sentenças (11) e (12) a seguir, onde a diferença com
o texto original consiste apenas na omissão de um elemento ou frase,
fornecido aqui entre parênteses:

(11) Já há um ônibus rodando em São Paulo com o novo com-


bustível, e até final do ano serão 40 (com a nova tecnologia).
(12) Um motor comum (praticamente) não se altera para receber
o metano.

A decisão de apagamento ou cópia (também paráfrase) parece ser


muitas vezes independente de considerações contextuais maiores, pois
o limite contextual parece estar fornecido pelas sentenças adjacentes,
havendo vários casos de combinação de sentenças e raros casos de
combinação de parágrafos adjacentes. Tipicamente, então, encontra-
mos exemplos como em (13), que é uma combinação das sentenças
entre parênteses:

(13) O tratamento do lixo é feito com um biodigestor e esses


usam as bactérias. (O método de tratamento do lixo requer um

83
biodigestor, um recipiente especial onde os resíduos. são mistura-
dos com os germes que vão digeri-los. Os biodigestores usam
vários tipos de bactérias).

Dados como os apresentados acima apontam para uma outra hip6tese


com respeito à compreensão: o tipo de tarefa solicitado determinaria
uma ausência de envolvimento com o significado, a qualquer nível,
não havendo portanto compreensão nem do texto nem de suas partes.
Não estamos nos referindo aqui a aspectos do texto cuja com-
preensão depende, crucialmente, de conhecimento prévio. Assim, por
exemplo, com relação ao parágrafo 11 do texto original, que foi con-
siderado difícil, e que foi incluído justamente para efeitos de compa-
ração com outros parágrafos com informação mais familiar, o grupo
experimental simplesmente omite qualquer referência a ele (o que é
mal compreendido ou não compreendido, não é lembrado) enquanto
que o grupo controle mostra uma grande dispersão na seleção de
itens desse parágrafo para inclusão no resumo. Sem considerar então,
falhas na compreensão devido à dificuldade inerente do conteúdo re-
ferencial (assunto desconhecido, ou técnico demais), vemos que há
ainda nos resumos do grupo controle falhas que mostram essa ausên
cia de envolvimento com o significado do texto. Considere-se, como
exemplo, o resumo de um leitor que, apesar de haver já estudado
células, animais unicelulares, etc. .. (incluídos nos programas de 4.8
série em diante) condensa a informação do texto, incluída entre os
últimos parênteses, da seguinte maneira:

(14) Para esse tratamento é preciso biodigestores. Neles ocorre


o processo de "digestão anaer6bica" (quando uma única célula
se alimenta dos resíduos), isso é feito na ausência do oxigênio
(li os biodigestores usam vários tipos de bactérias. São seres mí-
crosc6picos, de uma única célula, que "se alimentam" dos resí-
duos; esse processo é chamado de "digestão anaer6bica", porque
é feito na ausência do oxigênio do ar ").

Considere-se ainda o leitor que parece não ter compreendido


que é o gás metano, e não o lixo, o que pode ser utilizado como
combustível:

84
(15) Com dados fornecidos pela Companhia Energética de S.P.,
é grande o número de lixo depositado em aterros sanitários por
'dia, e ap6s a queima desse lixo, sua energia equivale a. 1.365
barris de petróleo (li Segundo dados fornecidos pela Companhia
Energética de São Paulo (CESP), 85°IÓ do lixo da cidade são
depositados em aterros sanitários, a uma taxa de 6.000 toneladas
por dia (700 gramas por habitante). Dal saem cerca de 250.000
metros cúbicos diários de gás, principalmente metano. Após a
queima, sua energia equivale a 1.365 barris de petr6leo ... ")

Ou ainda, o aluno que transfere uma característica do lixo para


o país:

(16) Os brasileiros não podem usar o mesmo método de queima


dos americanos porque aqui é muito úmido. (" Nos EUA, utiliza-
se ainda um processo de queima - a pírõlíse -, que força o
lixo a liberar metano; os resíduos no Brasil são mais úmidos que
os americanos, tomando esse método pouco econômico entre
nós").

4. RESUMIR: FATOR DA TAREFA

Dado o fato de queapenas a tarefa é diferente nos dois grupos,


já que eles são heterogêneos com respeito à proficiência na leitura,
e ao mesmo tempo relativamente homogêneos com respeito ao está-
gio de desenvolvimento quando este é medido, como Brown e Day
fazem, com relação ao nível escolar, podemos concluir que falhas na
compreensão como as exemplificadas acima se devem a diferenças na
relação que o leitor estabelece com o objeto da tarefa. No caso de o
objeto estar presente, o leitor limita-se a uma seleção seqüencial, dis-
creta, das sentenças, sem que se demonstre sensibilidade à estrutura-
ção do texto e ao significado global do mesmo. Para esta seleção
sugerimos que apenas a memória intermediária (incluindo aqui a
memória de trabalho, já que a informação é mantida para processa-
mento) estaria envolvida. Este material lingüístico, uma vez proces-
sado, desapareceria porque o fator tarefa faz parte constitutiva da
maneira como o sujeito seleciona, processa e organiza esta informa-
ção. A relação que o leitor estabelece com o objeto presente durante
a tarefa de resumo, pareceria ser apenas uma relação de manipulação
mecanicista, diferente qualitativamente da relação estabelecida pelo

85
leitor do grupo experimental, não com um objeto meramente formal,
mas com um objeto significativo. Seria essa relação a que determina
as diferentes estratégias, e não o fator maturacíonal, como propõem
Brown e Day, já que crianças de 8.- série demonstraram domínio das
regras de seleção e invenção de sentença tópico, indo além delas na
medida que elas constroem um tópico discursivo' através da combi-
nação de parágrafos.

5. IMPLICAÇOES PEDAGOGICAS

o problema levantado pelos professores, de não haver correlação


entre competência para resumir e sucesso na aprendizagem. explica-se
visto que a tarefa proposta pelos professores, isto é, resumo com apoio
do texto, sequer implica em compreensão. Contudo, embora encon-
tremos neste trabalho evidências de que a capacidade de resumir nos
dá uma visão do processo de compreensão, a incapacidade de resumir
eficientemente não implica, necessariamente, que a criança seja inca-
paz de compreender, mas apenas que ela não precisa compreender
para conseguir sucesso em certas tarefas escolares. A leitura no con-
texto escolar não é necessariamente um processo de compreensão. As
próprias autoras Brown e Day apontam uma ação pedagógica como
uma das possíveis causas de a criança apresentar, até a 10.- série,
o domínio de apenas a regra de apagamento: o fato de que resumos
feitos pela aplicação exclusiva dessa regra são aceitos sem questiona-
mento pelo professor, o que não estimularia o aluno a buscar regras
mais adequadas.
O desempenho das crianças por nós testadas vem ao encontro
dessa afirmação numa perspectiva não desenvolvimental: não se trata
de a criança ser incapaz de abstrair do texto as relações semânticas
macro-estruturais, e decorrentemente, ser incapaz de compreender o
texto, devido a limitações maturacionais; pelo contrário, a criança
mostra ser tão capaz de resumir textos quanto o adulto (relativízando
os níveis de dificuldade, é claro) quando a tarefa proposta na escola
for compreensão e não apenas segmentação e seguimento seqüencial
de informações discretas.
Propomos que a diferença de domínio das regras de integração
semântica evidenciadas na pesquisa de Brown e Day entre os esco-
lares de 1.0, 2.° grau e início de 3.° grau e o leitor eficiente não é
indicativa de uma diferença de maturação em relação a essas regras

86
mas de uma diferença quanto ao grau de independência que a criança
e o adulto mantêm na sua relação com a escrita. Assim, enquanto o
leitor mais experiente mantém o domínio das regras, e portanto, a
sua relação com o texto independentemente das condições da tarefa,
para o escolar menos experiente em leitura, a tarefa determina o tipo
de relação que será estabelecida com o texto escrito. A importância
de o professor propiciar condições que exijam o envolvimento do
leitor não com o objeto mas com o significado do mesmo merece
nossa reflexão.

AP~NDICE

A tecnologia do entulho

§ 1 Se você torce o nariz só de pensar em lixo e esgoto, é


por puro preconceito. Na verdade, eles são matérias-primas
valiosas: com uma pequena ajuda de germes (igualmente mal-
compreendidos ... ), esses dois resíduos urbanos fornecem um
combustível ao mesmo tempo mais limpo e mais barato que
o petróleo.
§ 2 Há alguns anos, a simples menção dessa idéia era ridi-
cularizada. No entanto, hoje, a Prefeitura de São Paulo está
empatando 500 milhões de cruzeiros em um grande projeto
para transformar lixo e lodo de esgoto em gás metano. Conhe-
cido como um componente do "gás dos pântanos" - que, ao
inflamar-se espontaneamente, dá origem aos "fantasmas", de-
signados popularmente por "santelmo", "fogo-fátuo", e outros
nomes -, o metano pode ser usado nos motores convencio-
nais de gasolina ou óleo diesel, sem exigir grandes alterações
mecânicas.
§ 3 Um dos ônibus da linha Praça do Patriarca - USP está
rodando desde outubro passado com um motor adaptado ao
gás do lixo paulistano. Na opinião do secretário de Transpor-
tes do município, Getúlio Hanashiro, é um dos últimos testes
para que até o final deste ano mais quarenta Ônibus estejam
circulando com a nova tecnologia.
§ 4 Segundo dados fornecidos pela Companhia Energética de
São Paulo (CESP), 85% do lixo da cidade são depositados

87
em aterros sanitários, a uma taxa de 6.000 toneladas por dia
(700 gramas por habitante). Daí saem cerca de 250.000 me-
tros cúbicos diários de gás, principalmente metano. Apés a
queima, sua energia equivale a 1.365 barris de petróleo e pode
ser empregada para girar máquinas industriais ou simples-
mente para cozinhar.
§ 5 Já há gente usando o lixo como energia. Uma empresa
de fertilizantes e 34 residências vêm recebendo gratuitamente,
desde 1978, o metano captado pela Companhia de Gás de São
Paulo (Comgás) no aterro sanitário da Rodovia Raposo Tava-
res. A experiência permitiu detectar um problema: o volume
de gás gerado pelo lixo não é regular. Uma das pessoas que
participaram do teste foi dona Maria de Lourdes Cutevero, do
bairro Butantã.
§ 6 "Usei o gás encanado desde o início da experiência", diz
ela. "Fiquei mais de um ano e foi muito bom. Mas, um dia,
acabou o gás e eu tive que fazer comida na vizinha. Numa
outra vez, o gás voltou e pegou fogo. Meu marido disse que
agora o gás tem uma qualidade melhor. Se me garantirem que
de manhã, quando a gente levanta para fazer o café, o gás
vai estar no fogão, eu volto ... ",
§ 7 Se depender do entusiasmo dos técnicos, esses problemas
- menores - serão resolvidos sem maiores dificuldades.
§ 8 O método de tratamento do lixo requer um biodigestor,
um recipiente especial onde os resíduos são misturados com
os germes que vão digeri-los. Os biodigestores usam vários
tipos de bactérias. São seres' mlcroscõpícos, de uma única célu-
la, que "se alimentam" dos resíduos; esse processo é chamado
de "digestão anaer6bica", porque é feito na ausência de oxi-
gênio do ar. Os resíduos são atacados pelas bactérias, que
desmontam suas moléculas e provocam a liberação de metano
e de outros gases sendo que o metano perfaz 62 % do total
dos gases produzidos.
§ 9 Nos EUA, utiliza-se ainda de um processo de queima -'
a pir6lise -, que força o lixo a liberar metano; os resíduos
no Brasil são mais úmidos que os americanos, tornando esse
método pouco econômico entre nós.

88
§ 10 O metano ainda precisa ser quimicamente purificado
para se livrar dos outros gases e do vapor de água que o
acompanham; depois, é armazenado em reservatórios especiais
de aço sob alta pressão.
§ 11 O motor comum praticamente não é alterado para rece-
ber o metano. Apenas o sistema de entrada de combustível
precisa de modificações. A própria pressão dos cilindros "em-
purra" o gás para o tanque do veículo, onde ele permanece
ligeiramente menos comprimido, mas a uma pressão 180 vezes
maior que a pressão atmosférica. A rápida queda de pressão.
de 200 para 180 atmosferas, reduz a temperatura do gás e
pode congelar as canalizações. g preciso, por isso, montar um
aquecedor no conjunto de abastecimento. A situação é ainda
mais delicada na passagem de gás dos tanque de combustível
para o carburador, onde a pressão é igual a 1 atmosfera. Isso
exige uma válvula, o dosador, que controla o fluxo de gás,
mantendo constante a mistura de ar e metano para a queima.
Também há dispositivos de segurança para desviar eventuais
vazamentos para fora do Ônibus (note-se que o metano não
tem cheiro e pode-se inalar o gás sem perceber- por seguran-
ça, ele é artificialmente "odorizado").
§ 12 Uma das maiores desvantagens do metano é o peso dos
tanques de alta pressão. Para um Ônibus será "como colocar
um Opala na carroceria", comenta o engenheiro Luso Ventura,
da Engenharia Experimental da Mercedes-Benz.
§ 13 Ainda assim, suas vantagens são consideradas largamente
compensadoras. O governo de São Paulo, pelo menos, tem
muita confiança no gás de lixo. Como diz o ex-secretário de
Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo, José Luiz Por-
tella, 11 o menícípío espera baratear os custos do combustível e
assim reduzir o preço das tarifas de transportes de massa".
Além de resolver o problema do lixo de São Paulo, o metano
é 40% mais barato que o diesel, provoca menos desgaste do
motor, é muito mais difícil de explodir que a gasolina e não
polui. Não deixa de ser um currículo expressivo. Portella lista
um trinômio de aspectos positivos, que se pode resumir assim:
com o metano, reduz-se a dependência do petróleo importado
e aproveita-se matéria-prima barata, tudo isso aliado à aplica-
ção de tecnologia brasileira.

89
EXTRAINDO INFORMAçoES DO TEXTO
Algumas considerações sobre marcação formal
do tema e legibilidade *

1. INTRODUÇÃO
Basta examinar qualquer manual de ensino do português, per-
guntar a qualquer professor de língua, ler qualquer trabalho especia-
lizado sobre o assunto para logo perceber que a capacidade de o
leitor extrair informações do texto tem sido considerada uma das ha-
bilidades mais importantes na leitura, o que implica, entre outras
coisas, a capacidade de distinguir idéias principais de informações de
detalhe.
~ claro que quando a complexidade relativa das diversas habi-
lidades é considerada, a capacidade de perceber uma idéia principal
é uma das menos complexas. Porém, processos cognitivos e ordem
superior estão apoiados numa base sólida de informação factual: che-
gamos a uma generalização, tiramos uma conclusão, fazemos uma
comparação a partir de dados factuais: lemos nas entrelinhas por que
somos capazes de perceber o que está na linha.
Vários trabalhos recentes na área de leitura (Marcuschí, 1984,
e.g.) deixam evidente que o leitor adulto, mas não proficiente, com-
pensa. sua incapacidade de extrair informação do texto com a utili-
zação exclusiva de seu conhecimento prévio. Embora essencial, o seu
uso privilegiado, sem se levar em conta outras fontes de informação,

* Este texto 6 em coautoria com Ivani Ratto. Publicado originalmente em Tra-


balhos em Lingatstica Aplicada, 7, 37-60, 1986. A pesquisa foi financiada
pela FAPESP, e faz parte do Projeto Interrelação de fatores determinantes
na compreensão de textos no 1.0 grau.

91
pode favorecer uma arbitrariedade que permite produzir versões ex-
t~mamente divergentes de um mesmo texto. A inadequação dessa
estratégia compensatória está evidente nos exemplos de dissertações
abaixo (extraídos de Marcuschí), elaboradas a partir de um mesmo
texto, onde os leitores expressam "por escrito o que compreenderam
e como" (op. cit.: 29-31):

(a) Muitas vezes fazemos e participamos de coisas que não sabe-


mos porque, mas quando de repente paramos e refletimos à res-
peito, descobrimos o que até então jamais poderíamos imaginar.
(b) O texto, embora num tom jocoso, tenta mostrar os apuros
por que passa o povo brasileiro - mais especificamente o carioca
- diante de governantes incapazes. Ao longo de todo o texto
são relatados problemas sociais tais corno: assaltos, confusões,
ialta d'água, enchentes e outros. Há críticas severas, embora
camufladas, no que diz respeito às promessas feitas em campa-
nhas eleitorais pelos políticos e o não cumprimento destas quan-
do os mesmos se encontram no poder.

Entretanto, o conhecimento de mundo do leitor é ma ;a de leitor


proficiente, quando utilizado juntamente com outras fontes de Infor-
mação textuais, de nível fonológico, morfológico, sintático, semân-
tico-pragmático, num processo de contínua avaliação de nossas expec-
tativas sobre o texto e o quadro referencial de fato elaborado pelo
autor. Assim, numa visão de leitura como interação à distância entre
dois sujeitos, não há apenas uma leitura ou uma interpretação possí-
vel; duas interpretações diversas podem ser igualmente aceitáveis,
adequadas, desde que ambas sejam respostas ao texto concebido como
uma unidade significativa do discurso, embora deva haver conver-
gência entre os leitores sobre o conteúdo referencial do texto, espe-
cialmente sobre o seu conteúdo referencial específico. Podemos então
considerar que quando o texto é apenas concebido como uma série
de estímulos para um processo de associação aleatória não temos
leitura.
A incapacidade de extrair informações do texto afeta todo o
desempenho escolar da criança, que não tem a oportunidade de de-
monstrar todo o seu potencial, qualquer que seja a matéria: na aula
de matemática, o problema de aritmética é insolúvel porque o texto
é para ela ínintelígível e não porque ela seja incapaz de multiplicar;

92
na aula de estudos sociais o indivíduo não consegue relacionar um
evento às condições que o causaram porque o texto é para ele ina-
cessível, e não porque ele seja incapaz de perceber relações.
Na medida em que a defasagem entre as demandas da escola
e a capacidade de leitura da criança vai aumentando, mais difícil será
tornar o escolar um leitor proficiente, pois o fracasso traz como conse-
qüência a desmotivação pela leitura, criando um círculo vicioso, já
que o desinteresse e a falta de motivação, por sua vez, inibem o de-
senvolvimento da capacidade de leitura. Daí que um dos problemas
relevantes ao ensino de leitura e, de maneira mais geral, ao ensino
de qualquer matéria cuja aprendizagem se dá através do texto escrito,
seja a legibilidade do texto, e a investigação dos aspectos que tornam
um texto mais legível que outro.
Vários são os aspectos considerados relevantes à legibilidade de
um texto, que vão desde os seus aspectos gráficos (tamanho da letra,
ilustrações, uso de negrito), até à sua carga conceitual. Nesse quadro
de elementos que podem tornar um texto mais ou menos difícil, os
elementos sintáticos têm em geral sido considerados relevantes apenas
na dimensão microestrutural relativa à complexidade da sentença.
Assim é a base de fórmulas de legibilidade como as de Dale e Chall
(1948), ainda utilizadas, que estabelece que uma sentença complexa,
com várias subordinações por exemplo, é considerada mais difícil do
que uma sentença simples.
Entretanto, podemos pensar também essa dimensão sintática da
legibilidade já não do ponto de vista da unidade sentencial, mas
tomando como ponto de partida a unidade textual; nesse caso, esta-
ríamos considerando os 'elementos sintáticos na sua relação com outros
elementos textuais, sejam estes sintáticos ou semântico-pragmáticos.
Nessa visão, o grau de complexidade de uma unidade sentencial já
não é importante. Mais importante é a interrelação dessa unidade
com outros níveis textuais, incluindo-se o nível temático.
Uma pergunta relevante nessa perspectiva, não é então o fato de
uma sentença simples tornar o texto mais compreensível para o esco-
lar, mas o fato de que podem haver estruturas sintáticas que, no con-
junto de elementos textuaís, sejam mais salientes, dando proeminên-
cia às informações que elas veiculam. De modo que, informações
temáticas, formalmente marcadas, podem tornar o texto mais acessível.

93
Nesse trabalho pretendemos investigar a seguinte questão: se os
aspectos formais do texto são usados pelo escolar para determinar
quais as informações mais importantes do texto, dessa forma fací-
litando a depreensão do tema.

2. MARCADORES FORMAIS DO TEMA

Nas concepções em que o processo da leitura se dá de forma


interativa, isto é, aquelas que consideram que no processo de leitura
o conhecimento do leitor interage com as informações do texto, uma
das fontes necessárias para a depreensão do tema é o conhecimento
que o leitor tem sobre a estrutura do texto. A familiaridade com um
tipo de texto facilita a depreensão do tema, tal qual o demonstram
as experiências de Kintsch e van Díjk (1975) em relação à estrutura
das narrativas.
Um dos marcadores de tematicidade que também tem sido exa-
minado é a organização dos conteúdos do texto, isto é, a hierarquia
existente entre as diversas informações do texto. As experiências de
Meyer (1975, 1977), com tarefas de retenção e paráfrases, mostram
que os leitores proficientes reagem à organização hierárquica das
informações, mostrando grande convergência naquilo que consideram
mais importante, de importância intermediária e menos importante no
texto, sendo que o que é percebido como mais importante é a infor-
mação que depende diretamente do tópico. Na análise de Meyer, que
divide o texto em vários níveis de profundidade vertical, o tópico ou
tema seria a informação mais alta na hierarquia. Essa análise tem
uma base proposicional: o texto é uma rede de proposições ínterde-
pendentes, sendo que a proposição mais alta na hierarquia é aquela
que independe de outras proposições. Por exemplo, num texto cujo
tema é "A importância da televisão", a proposição 11 A televisão tor-
nou o mundo mais acessível, trazendo a notícia, na hora em que
acontece, ao nosso lar" é relativamente alta na hierarquia, pois há
uma dependência direta entre ela e o tema. A mesma proposição
ocuparia um lugar baixo na hierarquia de um texto sobre "Os avan-
ços da tecnologia nos últimos 50 anos", pois várias proposições deve-
riam intervir para fazer a ligação entre ela e o tópico (por exemplo,
"A televisão é um dos exemplos de avanço tecnológico dos últimos
50 anos.").

94
A noção de macroestrutura -postulada por van Dijk ( 1977),
Kíntseh e van Dijk (1975), van Dijk e Kintsch (1983) também surgiu
da constatação do grande grau de concordância entre leitores pro-
ficientes ao fazerem o resumo de um texto. Para os autores, a macro-
estrutura de um texto é o produto de um processo inferencial que
envolve a redução da informação do texto, e cuja função é "reduzir
o texto à sua mensagem comunicativa essencial " (1983: 52). A ma-
croestrutura é também de base proposicional e hierárquica, sendo
que quanto mais alto o nível, mais reduzida a informação. Uma vez
que a macroestrutura de um texto resulta de um processo inferencial
do leitor, podem haver diferentes macroestruturas de um texto, mas
haverá também um alto grau de concordância, também devido à mar-
cação dos níveis mais altos, tais como títulos, sub-títulos. O grau de
convergência nos resumos de leitores proficientes tem sido repetidas
vezes comprovado em adultos (Kintsch e van Dijk (1975), Paes de
Barros e Rojo (1985»; não foi comprovado por Brown e Day (1983)
em crianças e foi comprovado em escolares por Terzi e Kleiman
(neste volume).
Embora os aspectos mencionados sejam importantes, também
são importantes as questões relativas aos aspectos de microestrutura
textual que servem como facilitadores para a depreensão do tema.
Estes têm sido objeto de menos estudo. Além do título e sub-títulos,
encontramos poucos candidatos a marcadores formais do tema na
leitura. Van Dijk e Kintsch (1983) mencionam, entre outros, os tra-
balhos de Meyer (1977), Kieras (1980), que confirmam a função
marcadora de tema do início da sentença, e os trabalhos de Kieras
( 1981) que mostram que a freqüência de um determinado item lexi-
cal também tem essa função. Pouquíssimos trabalhos têm se preo-
cupado com a função da estrutura sintática na veiculação de idéias
principais. Para van Dijk e Kintsch (op. cit.), por exemplo, os meca-
nismos sintáticos da língua influenciam, de maneira típica, a depreen-
são da informação local apenas; s6 quando o item é usado freqüen-
temente ele pode chegar a ter uma função na depreensão do tema a
nível da informação global, isto é, seria a freqüência e não a forma
o fator relevante à extração de informações mais importantes.
Uma exceção neste quadro é o trabalho de J ones (1977).
Para Ienes, a noção de tema está ligada à noção de hierar-
quia textual, consideradas as relações e interdependência das híe-

95
rarquias referencial 1, gramatical e fonol6gica. Cada nível de cada
hierarquía produz os seus mecanismos de saliência de informação e
todos eles participam, numa relação de interdependência, de uma uni-
dade de comunicação. Dessa forma, o tema, que seria o constituinte
mais importante da hierarquia referencial não se realiza independen-
temente mas se manifesta nas hierarquias gramatical e fonol6gica. O
texto apresenta uma hierarquia temática representada por temas pri-
mário, secundário, terciário, etc .. O tema primário ou a generalização
mínima do texto, corresponde ao tema mais geral e aos níveis mais
altos da hierarquia referencial, definindo a estrutura conceitual do
texto, onde todo o texto se encaixa. A ele seguem-se os temas secun-
dário, terciário, etc., estabelecendo um grau decrescente de generali-
dade. Quanto mais baixo o nível temático, maior grau de especifici-
dade ele apresenta.
Nesse processo de interrelação de constituintes, Ienes postula
que há uma sobreposição bastante significativa das hierarquias gra-
matical e referencial, principalmente no que diz respeito à veiculação
dos temas dos níveis mais altos desses componentes. Isso se justifica
pelo fato de os níveis mais altos dessas hierarquias permitirem um
maior movimento dos seus constituintes como os parágrafos, por exem-
plo, onde as sentenças se distribuem de modo a refletir a natureza reti-
culada da configuração referencial, o que não acontece nos níveis mais
baixos, onde há posições fixas dos constituintes, como numa frase
nominal, onde o artigo sempre precede o nome. De maneira que, dado
que o componente gramatical manifesta o componente referencial,
havendo então uma estreita ligação principalmente nos níveis mais
altos dessas hierarquias, Ienes propõe que determinados mecanismos
sintáticos podem desempenhar papéis mais ou menos facilitadores da
percepção do tema.
Com base nessa proposta, e a partir da hipótese de que o texto
apresenta mecanismos formais especiais com funções particularmente
discursivas que refletem diretamente os constituintes mais importantes
do componente referencial, Ratto (1984), usando a tipologia textual
de Longacre (1983), desenvolveu um trabalho com textos expositivos
em inglês.

1. Não se atribui aqui o sentido usual de rejerência, ou seja, "as coisas, even-
tos, etc", que estão por trás do enunciado, mas sim o significado da relação
explícita do observador e o que ele quer comunicar à respeito das coisas,
eventos, estados, etc..

96
Partindo de uma análise distribucional <ias sentenças no texto,
Ratto procurou verificar o valor temático das informações a nível
textual e concluiu que vários parâmetros formais se interagem na
determinação do valor temático das informações no texto.
A autora observou que as relações predicativas de causa e efeito,
condicionais, de contra-expectativa, simultaneidade, etc., nitidamente
foram consideradas temáticas, refletindo a estrutura referencial do
texto expositivo. A saliência de tais relações predicativas deve-se ao
pré-posicionamento da cláusula dependente em relação ao núcleo sen-
tencial, uma vez que essas mesmas relações veiculadas através da
construção envolvendo cláusulas dependentes p6s posicionadas ao
núcleo não foram consideradas igualmente temáticas. Ratto postula
que o pré-posicionamento da cláusula dependente, de certa forma,
quebra a tendência posicional das cláusulas, que em geral é posterior
ao núcleo, criando com isso a tematicidade.

Foi também observado nos textos examinados que uma determi-


nada estrutura sentencial pode se salientar pelo fato de interromper
uma regularidade de estruturas sentenciais, como por exemplo, a pre-
sença de uma sentença complexa por subordinação, onde ocorre a
saliência do núcleo sentencial decorrente da relação hierárquica de
dominância e dependência, em contraposição à uma seqüência de
núcleos coordenados, onde a estrutura não marca formalmente a do-
minância de nenhum dos núcleos.
Do mesmo modo esse estudo sugere que o valor temático da
pergunta ret6rica não repousa apenas no fato de ela representar uma
entrada formal do autor no texto, onde o autor circunscreve a infor-
mação a ser percebida pelo leitor, mas também nas suas característi-
cas estruturais - em geral, de predicação simples.
Esse mesmo tipo de predicação simples, quando estabelecia para-
lelismos de conteúdo, foi destacado pelos leitores nas construções de
predicação complexa, também em virtude do contraste presente nos
dois tipos de predicações.
Nas testagens do trabalho citado houve indicações de outros
aspectos formais não objetivados no estudo, entretanto, relevantes à
depreensão do tema. Alguns desses aspectos foram selecionados para
esta investigação, cujo objetivo foi examinar o papel de mecanismos

97
formais na depreensão do tema em português. Os mecanismos for-
mais selecionados serão apresentados na seção 3.

3. METODOLOGIA

Foi selecionado para a testagem o texto incluído no Apêndice,


cujo tema, estabelecido independentemente por leitores adultos profi-
cientes que também foram submetidos à testagem, resultou na propo-
sição Cf A energia nuclear pode ser usada tanto para destruir como para
beneficiar a humanidade".
Esse texto sofreu várias modificações a fim de que pudéssemos
determinar o papel de três tipos de estruturas na veiculação do tema,
bem como o papel de um marcador lógico e de um modalizador,
marcador de entrada do autor no texto. As estruturas verificadas
foram a pergunta retórica, a sentença simples, a oração complexa com
diversos tipos de subordinação, o marcador foi o articulador de con-
traste mas e o moda1izador, a expressão na verdade. Houve ainda
outras modificações que serviram como um elemento de controle, isto
é, como uma maneira de verificar se os diversos desempenhos dos
leitores eram devidos, de fato, a diferenças entre estrutura simples
e estrutura complexa, e não, por exemplo, a diferenças entre a voz
passiva e a voz ativa, uma vez que as mudanças de voz foram às
vezes necessárias para efetuar a mudança na predicação sem, ao mes-
mo tempo, alterar o conteúdo referencial do texto.
Foram testadas 182 crianças de 8.- série tanto da rede- pública
escolar como da rede particular. Quanto à situação de testagem, as
instruções foram as mesmas para todos os grupos: o escolar deveria
ler o texto e sublinhar aquelas informações que considerava mais
importantes, e logo em seguida deveria escrever um breve resumo
contendo as idéias principais do texto.
O texto apresentado no Apêndice foi lido pelo grupo controle,
Os grupos experimentais leram textos com as modificações que apre-
sentamos a seguir:

3.1. Predicação simples vs. predicação complexa

Partindo da hipótese de que a predicação simples, quando con


trasta com uma' seqüência de predicações complexas indica tematici

98
dade, tentamos verificar se a criança percebe esse contraste como
temático. A fim de determinar se é de fato a quebra da regularidade,
e nã~ apenas a forma de uma unidade sentencial o que determina
saliência, escolhemos dois pontos psra efetuar esse tipo de modifica-
ção, ambos em estruturas que contribuem para a construção da macro-
proposição ímplícíta "A energia nuclear pode ser usada para destruir
a humanidade", que no conjunto total, equivale ao tópico do texto
e ao primeiro termo de um comentário biproposicional sobre esse
tópico.
No primeiro parágrafo do texto, antes que o leitor tivesse opor-
tunidade de perceber qualquer tipo de regularidade estrutural, intro-
duzimos a primeira modificação (predicação 1, a seguir): a segunda
modificação foi introduzida no terceiro parágrafo do texto, quando
o leitor poderia já fer detectado regularidades e contrastes estruturais
(predicação 2, a seguir):
3.1.1 - Predicação simples 1 (grupo controle)
"A explosão da bomba de hidrogênio, ou bomba nuclear,
provoca a formação de uma imensa nuvem incandescente
em forma de cogumelo. Essa nuvem parece estar ilumi-
nada por mil sóis. Ela pode ser vista - dois minutos após
a detonação - num raio de 80 quilômetros."

Predicação complexa, reduzida de gerúndio (experimental)


"A explosão da bomba de hidrogênio, ou bomba -nuclear,
provoca a formação de uma imensa nuvem incandescente
em forma de cogumelo, parecendo estar iluminada por mil
sóis e podendo ser vista - dois minutos após a sua deto-
nação - num raio de 80 quilômetros."
3. 1.2 - Predicação simples 2 (grupo controle)
"Na verdade, os efeitos mais letais e duradouros da bom-
ba não ocorrem imediatamente. E seu causador direto é
aquela nuvem em forma de cogumelo que resulta da ex-
plosão. Ela se transforma em chuva e poeiras radiativas.
Os ventos se encarregam naturalmente de espalhá-las."
Predicação complexa genitiva (grupo experimental)
"Na verdade, os efeitos mais letais e duradouros da bom-
ba não ocorrem imediatamente. E seu causador direto é

99
aquela nuvem em forma de cogumelo que resulta da ex-
plosão, cuja chuva e poeira radiativas são espalhadas na-
turalmente pelo vento."
Predicação complexa de relativa indireta (grupo experi-
mental)
"Na verdade, os efeitos mais letais e duradouros da bomba
não ocorrem imediatamente. E seu causador direto é aquela
nuvem em forma de cogumelo que resulta da explosão e
que se transforma em chuva e poeira radiativa as quais os
ventos se encarregam naturalmente de espalhar."
(Houve aqui também uma mudança de voz, uma vez que a cons-
trução genitiva favorecia o uso da construção passiva. Porém, nas
testagens experimentais em construções relativas, manteve-se a predi-
cação complexa e a voz ativa, a fim de se estabelecer qual o mar-
cador síntãtíco relevante ao caso).

3 .2. Interrogativa (pergunta retórica) vs. declarativa

Tomando como hipótese que a pergunta retórica é um recurso


formal que salienta a informação subseqüente que responde à per-
gunta formulada pelo autor, introduzimos modificações na estrutura
que expressa a macroproposição "A energia nuclear pode ser usada
para beneficiar a humanidade", que, no conjunto total, equivale ao
tópico e ao segundo termo do comentário.
Na versão controle, a pergunta retórica salienta todos os pará-
grafos subseqüentes, uma vez que todos eles são respostas (uma afir-
mativa genérica e três específicas de exemplificação). Na versão expe-
rimental, a declarativa manifesta tanto a proposição expressa pela
pergunta como aquela expressa pela resposta afirmativa, não havendo
modificações em relação ao resto do texto. Não é possível desfazer
a diferença entre os atos ilocucionários que essas estruturas apresen-
tam, porém, o contexto de situação da pergunta a define como pseu-
do-pergunta, e por isso o problema é menos real do que aparenta
não ultrapassando outras pequenas diferenças que resultam das per-
mutações.
3.2.1 - Pergunta retârica (controle)
A energia nuclear pode ser usada para fins pacíficos?
11

Algumas indicações nesse sentido já foram percebidas nos

100
resultados das primeiras experiências com essa fonte de
energia que pode tornar a vida humana fantasticamente
mais confortável."
Declarativa (experimental)
"A mesma energia que permite a explosão da bomba de
hidrogênio pode tornar a vida humana fantasticamente
mais confortável. Algumas indicações nesse sentido já fo-
ram percebidas nos resultados das primeiras experiências
com essa fonte de energia que pode tornar a vida humana
fantasticamente mais confortável."

J .J. Contraste expltcito vs, contraste impltcito

Tal como indicamos acima, o tema do texto pode ser expresso


pela macroproposição "A energia nuclear pode ser usada para des-
truir a humanidade mas também pode beneficiá-la."
Tomando como hipótese que a explicitação do articulado r de
contraste facilitaria a depreensão dessa macroproposição, o texto foi
também modificado retirando esse marcador formal, que então de-
veria ser inferido apenas através da hierarquia referencial. O lugar
de entrada natural desse marcador de contraste é a pergunta retórica
(ou a declarativa). Decidimos introduzi-lo nas versões com interro-
gativas:
3 .3 . 1 - Mas, a energia nuclear pode ser usada para fins pacíficos?
11

Algumas indicações nesse sentido já foram percebidas nos


resultados das primeiras experiências com essa fonte de
energia que pode tornar a vida humana fantasticamente
mais confortável."

J .4. Com advérbio sentenoial vs. sem advérbio

Com esta modificação pretendíamos testar a hipótese de que a


informação modallzada através do advêrbío na verdade é percebida
como mais temática, uma vez que mediante esse modalizador o autor
qualifica o grau de verdade ou de relevância das proposições expres-
sas pelas estruturas anteriores. Bsperãve-ee, então, que a estrutura
marcada com a expressão fosse destacada pelos escolares. Apresenta-
mos. a seguir, as duas versões da passagem em questão:

101
:s .4.1 - Com modalizador (controle)
As conseqüências da explosão de uma bomba nuclear são
fi

aterrorizadoras: destruição completa de quaisquer constru-


ções num raio de 6 quílômetros de díetâncle: pulverização
dos vidros de janelas de até 150 quilômetros ou mais de
distância: terríveis incêndios - causados só pelo calor
produzido - numa área de 15 quilômetros.
Na verdade, 08 .efeitos mais letais e duradouros da
bomba não ocorrem thtediatamente ... "
3.4.2 - Sem modalizador (experimental)
"As conseqüências da explosão de uma bomba nuclear são
aterrorízadoras: destruição completa de quaisquer constru-
ções num raío de 6 quílômetros de dístâncía: pulverização
dos vidros de janelas de até 150 quilômetros ou mais de
dístâncía: terríveis incêndios - causados só pelo calor
produzido - numa área de 15 quilômetros.

Os efeitos mais letais e duradouros da bomba não


ocorrem imediatamente ...
Houve testagens cruzadas, de maneira que ao todo, houve seis
versões do texto, apresentadas a seis grupos de crianças; as caracte-
rísticas de cada texto estão resumidas no Quadro 1, a seguir:

QUADRO 1
---
Texto 1 Texto 2 Tcxto 3 Texto 4 Texto' Texto 6
Prcd. Pred, Pred. Prcd. Pred, Pred.
Simples Compl. Simples Simples Compl. Compl.
1 1 1 1 1 1

Pred. Prcd. Prcd. Prcd. Pred.


Compl. Compl. Compl. Pred.
Simples Compl. Compl.
2 2-rel. 2-ger. 2-gen. 2-rel.
+ Adv. + Adv.
-Mas,
- Adv.
'.
+ Adv.
Mas, Mas,
- Adv. - Adv.

int. ínt, decl. ~ deel. 9 decl, 9 decl,

adv.

102
Todas as versões do texto foram pré-testadas com leitores adul-
tos proíícíentes para estabelecer um parâmetro de comparação e valí-
dez em relação à saliência e relevância dos marcadores formais sele-
cionados.

4. ANALISE DOS RESULTADOS

Em relação à variação no tipo de predicação, na tarefa de sublí-


nhar as idéias principais dos textos, houve nítida diferença entre a
saliência das estruturas selecionadas para a testagem, diferenças essas
representadas no Quadro 2, a seguir:

QUADRO 2

% de crianças
Predicaçlo Predicação Complexa
Alteração Simples (Experimental)
na (controle)
Predícação N=40 Oenitiva Relativa
N='4 N='3
Pred. 1 15% 15% 18%
Pred. 2 45% 12% 18%

Nota-se, em primeiro lugar, que quase não há diferenças entre


os três grupos, no número de escolares que destaca o primeiro pará-
grafo do texto. A estrutura de predicação simples neste caso, não é
mais saliente, uma vez que não houve ainda possibilidade de detectar
qualquer aspecto de regularidade ou irregularidade no padrão estru-
tural do texto. Já no segundo ponto da modificação, que corresponde
ao terceiro parágrafo do texto, as diferenças começam a aparecer.
Enquanto a informação expressa por uma estrutura de predicação
simples é destacada por 45 % dos escolares, a mesma informação:
quando expressa por estruturas complexas foi destacada por 12°k
dos escolares no caso da construção complexa de relativa indireta,
e por 12% no caso de genítíva.
Se atendermos apenas ao desempenho do escolar em relação à
sua percepção de estruturas locais, os resultados não parecem con-

103
sístentee. Porém, se considerarmos a hip6tese inicial de que o escolar
percebe a predicação simples como veiculadora de informação temá-
tica devido a quebras nos padrões estruturais, então os resultados con-
firmam a hipótese. Outro fator que nos leva à confirmação dessa
hipótese é a percentagem absoluta de destaques de cada seqüência
em cada uma das versões modificadas no Quadro J a seguir:

QUADRO 3

Alteração na % de crianças
predícação Controle Experimental
Predicaçlo Predicação Complexa
11 Simples 1 N=88
N=64
(A explosão .. ) 31,0% 23,0%
Sentença 1 111

9,4% 21,0%
Sentença 2 12,0% 27,0%
Sentença 3
Predicação Compl. Genit. Compl. Relat.
12 Simples 2 N=54 N=53
N=40
(Na Verdade .. ) 40% 24% 34%
Sentença 1 S5% 26% 35%
Sentença 2 70% 24% 28%
Sentença 3 60% 28% 37%
Sentença 4··
Sentença S··· - - 30%

.•.Sentença I, etc., identifica a primeira sentença da seqüência sublinhada


pela criança, e assim sucessivamente em cada uma das sentenças.
.•..•.A subordínação estava, às vezes, na voz passiva, outras na voz ativa, não
havendo mudanças correlacionadas à mudança de voz.
•••111. S6 na versão com construção de relativa indireta.

Os dados acima indicam que o escolar de 8.a série que foi tes-
tado utiliza elementos formais para depreender o tema. Sabemos que
uma das estratégias mais utilizadas pelos escolares para a depreensão
do tema é a busca de elementos formais ligados ao título (Kleíman,
neste volume). Esta estratégia facilita a depreensão do tema quando o
título coincide com o tópico mas leva à compreensão parcial, ou a ía-

104
lhas na compreensão quando não existe tal coincidência. Nesta testa-
gem, esea estratégia poderia estar facilitando a depreenslo do tema, uma
vez que o título equivale ao tópico. Contudo, não há nenhuma estru-
tura no texto que explicite o primeiro termo do comentário; o escolar
deverá inferi-lo. Quaisquer das duas passagens que foram objeto de
modificação poderiam, em princípio, ser destacadas como elementos
principais pelos escolares, uma vez que ambas contêm informações
sobre a bomba nuclear (descrição da explosão e conseqüências da
mesma). Isso é, de fato, o que ocorre quando não há elementos outros
que os referenciais em que se apoiar; a situação ainda muda quando
há marcadores formais que interagem com os elementos referenciais:
nesse caso, a predicação simples é percebida como saliente. Podemos
dizer, então, que o escolar é sensível ao uso de marcadores formais
na veiculação do tema.
Em relação à modificação da construção interrogativa para a
declarativa, houve diferenças entre os dois grupos quanto às infor-
mações subseqüentes de caráter específico, mas a pergunta não teve
o efeito esperado de salientar a informação mais genérica imediata-
mente subseqüentes.

QUADRO 4

% do criança.
Intorrolativa I Declarativa
N=34 N=35
Persunta- resposta sen6rica 54% 65%

Resposta especffica 1 68% 50%

Resposta especffica 2 57% 47%

Resposta especifica 3 77% 52%


~--------------------~--------------~------------_.-
Os trabalhos sobre a pergunta retórica e o uso de perguntas na
leitura (pre-, inter- e pós- texto) não apresentam resultados conclu-
sivos. Várias experiências indicam que perguntas intercaladas no texto
levam o leitor a se concentrar nos aspectos diretamente ligados à
pergunta; como indicamos anteriormente, Ratto (op. cit.) encontrou in-
dicações nas suas testagens com adultos que a pergunta retórica tem

105
um papel na depreensãc do tema ao salientar informações subseqüen-
tes., resultado este que serviu de base à nossa hip6tese.
Há, nesta experiência, outras variáveis envolvidas que podem
estar interferindo nos resultados. Na elaboração do teste, considera-
mos que haveria equivalência semântica entre as versões controle e
experimental apresentadas na Seção 3.2, com apenas uma diferença
formal: aquela presente nos dois tipos de construção-interrogativa vs.
declarativa. Tentando manter o conteúdo referencial equivalente nas
duas versões, permutamos a ordem de apresentação das informações:
na versão controle a interrogativa expressa o segundo termo do co-
mentário da macroproposição temática, seguido pela resposta afirma ..
tiva: na versão experimental, o conteúdo dessa resposta afirmativa
passou a ser apresentado em primeiro lugar, seguido do conteúdo da
pergunta-ret6rica. Portanto, os resultados podem estar sendo causados
pelo fator organização interna, que não foi considerado relevante
quando da montagem do experimento. Há ainda uma segunda dife-
rença, também formal, envolvida: a versão experimental foi reescrita
usando o adjetivo "mesma", elemento de ligação este que poderia
tornar a seqüência mais perceptível. A evidência dos resumos parece
indicar a relevância do primeiro aspecto, organização interna. Esses
resultados são apresentados no Quadro 5, a seguir:

QUADRO s
% de crianças

Informações Grupo controle Grupo experimental


Contrastivas
Interrogativa Declarativa
N=29*
. N=34*
fins pacificos 46% 59%
vida confort6.vel 26% 18%
1--,

.•• Número de crianças que reproduziram informações contrastivas nos resumos.

No quadro acima, vemos que na versão controle, o sub tema


introduzido pela pergunta 11 A energia nuclear pode ser usada para
fins pacíficos?" é incluído por um número maior de crianças (46°A,
vs. 26%) nos seus resumos: quando a criança reconstr6i o contraste

106
temático, ela contrasta os fins bélicos com os fins pacíficos dos usos
da energia nuclear, como nos exemplos (1) e (2) de resumos, a seguir:

(1) A idéia -principal é mostrar que a energia nuclear, sendo


usada pacificamente e habilidosamente, pode trazer grandes be-
nefícios para a humanidade. Ela também procura alertar-nos
sobre o perigo dessa energia, usando-se para a guerra. (E/O 19)
(2) Um guerra nuclear significa o fim da civilização, as conse-
qüências da explosão são aterrorizadoras; as regiões afetadas
serão por meses ou anos inabitáveis, mas a energia nuclear pode
ser usada para fins paclficos ajudando o homem e não de des-
truíndo-c. (E/O 14)

Na versão experimental, em que o subtema é introduzido pela


seqüência "A mesma energia que permite a explosão da bomba de
hidrogênio pode tornar a vida humana fantasticamente mais confor-
tável", mais crianças (59% vs. 18%) fazem o contraste reconstruindo
essa informação, como nos exemplos (3) a (6), a seguir:

(3) A bomba de hidrogênio ou bomba nuclear quando explo-


dida, produz conseqüências aterrorizadoras, podendo não s6 pre-
judicar o lugar atingido por ela, como lugares muito distantes
através da chuva e poeira radioativas espalhadas naturalmente
pelo vento. A energia que produz a explosão da bomba pode
tornar a vida humana fantasticamente mais confortável. (D/F 6)

(4) As conseqüências da bomba nuclear é matar muitas pessoas,


causarem terríveis incêndios, etc. A região contaminada perma-
necerá completamente inabitável durante meses ou até anos a
fio. A mesma energia que permite a explosão da bomba pode
tornar a vida humana fantasticamente mais confortável. (D/F 4)
(5) A explosão da bomba nuclear causa sérios d'anos à huma-
.nidade. A mesma energia que permite a explosão da bomba pode
tornar a vida humana fantasticamente mais confortável (pode até
curar doenças como o câncer). (D/F 17)
(6) A explosão de uma bomba nuclear provoca a formação de
uma imensa nuvem cujos efeitos são aterrorizantes. Numa guerra
nuclear não haverá vencidos e nem vencedores. Essa energia

107
pode tomar a vida humana mais confottdvel. Futuramente mui-
o tas casas serio iluminadas por centrais atômicas.
Embora a hipótese específica nlo tenha sido confirmada, podemos
afirmar que o quadro teórico em que este trabalho se insere, que
afirma a relevância de aspectos formais para a depreensão do tema,
é válido.
Em relação à explicitaçio do articulador de contraste, nota-se, no
Quadro 6, uma tendência a destacar mais a construção com o con-
trastivo explícito. As diferenças mais marcadas, contudo, encontram-
se nos resumos:

QUADRO 6

% de crianças
Sem articulador Com articulador
N=35 N=40
que destacaram
a informação 54% 65%.

que reproduziram
o contraste
I 52% 90%

Houve uma tendência marcada à reprodução do 'contraste temá-


tico nos resumos das versões em que esse contraste foi marcado
através do articulador mas: 90°;ó das crianças que leram a versão
com o contrastivo explícito reproduziram, nos seus resumos, o con-
traste, tipo este de resumo exemplificado em (7) a seguir. A percen-
tagem caiu nas versões sem o articulador explícito, onde quase a
metade das crianças descreveu resumos como em (8), que não repro-
duz a relação de contraste, como em (9), que inclui seqüências sub-
temáticas, mas sem fazer a ligação entre elas, apenas como uma lista:

(7) O texto nos dá uma idéia das conseqüências de uma guerra


nuclear mas também nos dá os fins pacíficos da energia nuclear,
como o uso dela na medicina 2,

2. Note-se que, apesar de o resumo apresentar limitações bastante óbvias. o


contraste é reproduzido.

108
(8) As conseqüências da explosão de uma bomba nuclear sio
~errorizadoras. Os efeitos mais letais e duradouros da bomba
não ocorrem imediatamente. A idéia de uma guerra nuclear. Os
dois chamados sócios do assim chamado clube nuclear.
(9) Conseqüências aterrorizadoras: destruição completa de cons-
truções, pulverizações de vidros, incêndios. Efeitos mais letais e
aterrorizadores não acontecem imediatamente.
O tratado de proscrição de experiências nucleares.
Utilização da energia nuclear para fins pacíficos.
Os resultados das testagens mostram, então, a importância do
marcador formal contrastivo para a depreensão do tema.
Em relação à presença ou ausência da expressão na verdade
introduzindo a seqüência "os efeitos mais letais e duradouros na
bomba não ocorrem imediatamente", a hipótese não foi confirmada.
Neste caso houve diferença entre o grupo de adultos e de escolares,
pois os adultos destacaram mais a versão modalízada, enquanto que
os escolares não o fizeram.
No Quadro 7, a seguir, apresentamos os resultados incluindo aí
também a percentagem de crianças que destacaram o parágrafo ime-
diatamente anterior (segundo parágrafo do texto) cuja saliência, espe-
rava-se, seria menor que aquela da seqüência introduzida pelo moda-
lízador, uma vez que este, ao enfatizar essa seqüência, relativiza a
anterior:

QUADRO 7

% de crianças
Sem modalizador I Com modalfzador
N=69 N=53
§2 75% 86%
13 30% 37%

Podemos observar que houve pequena diferença de saliência


entre os dois parágrafos. Entretanto, uma vez que não houve uma
percentagem maior de destaque do parágrafo modalízado, parece-nos

109
que esse resultado não demonstra que tenha havido sensibilidade ao
mascador formal em questão (como houve nos adultos, onde a versão
modalizada foi destacada por 65% do grupo). Podemos dizer então,
que esse marcador não é fator de saliência de informação para o
escolar testado.
Recapitulando a análise, vimos que o parâmetro - predicação
simples vs. predicação complexa tem uma função na veiculação do
tema, uma vez que o leitor percebe a predicação simples como veí-
culadora de idéia principal quando esta interrompe um padrão de
regularidade estrutural. Também o articulador lõgíco de contraste
tem um papel importante, pois, pela evidência dos resumos (e tam-
bém, embora de forma menos marcada, pela tarefa de sublinhar idéias
principais), o contraste temático é reproduzido por quase todas as
crianças que leram a versão com esse marcador explícito. O conhe-
cimento lingüístico faz parte constitutiva da competência discursiva;
queremos, contudo, marcar o fato de que a capacidade de usar a
estrutura lingüística na leitura é uma estratégia que depende de co-
nhecimento tão enraizado que, na área de leitura, é considerado um
processo inconsciente 8 do leitor, perfeitamente desenvolvido ap6s mais
ou menos quatro anos de escolarização. No caso do articulador mas,
sabemos que a escola ensina o valor absoluto de conectivos, de ma-.
neira que, apoiado no conhecimento lexical apenas, o leitor pode
recuperar a função do articulador com maior facilidade.

Encontramos uma situação diferente quando consideramos os


resultados com relação à pergunta-retérlca e o modalizador.

Como foi indicado anteriormente, os resultados das testagens


em torno do parâmetro - interrogativa vs, declarativa são confusos.
Um dos fatores apontados como merecedores de futuras investigações
foi a variável - organização interna, que também sofreu mudanças
durante a testagem. Outro fator que apresentamos para consideração
leva em conta o tipo de estratégia de leitura que o leitor deve ter

3. Ao falar de estratéaias cognitivas que atuam no nível inconsciente, não


queremos dizer que sejam superficiais ou desnecessárias à construção do
significado. Entretanto, os psícélogos hoje mantêm que o sistema per-
ceptual funciona mediante o processamento de todo o tipo de informação,
ao inv6s de filtrar aquilo que nlo é relevante, e assim, um sub-conjunto
de informações é selecionado para sucessivo processamento até chegar ao
nível consciente.

110
a fim de perceber a função da pergunta-retõríca. Não se trata aqui,
como nos dois casos anteriores, de usar automatismos lingüísticos nem
de Ilsaber" o significado de uma palavra, pois não há uma estrutura
formal que defina a pergunta-retórica, isto é, ela não é diferente, for-
malmente, de qualquer outra pergunta; apenas o contexto de situa-
ção a define como retórica. Ora, a fim de perceber funções temáticas
de elementos que são contextualmente definidos é preciso, em pri-
meiro lugar, que o leitor esteja ciente de que o texto é uma unidade
semântica no discurso cujos elementos discretos adquirem valores na
relação com outros elementos. Assim, uma seqüência interrogativa é
uma pergunta-retórica porque o contexto total indica que não haverá
oportunidade para o interlocutor responder; daí que, sabendo que a
informação se constrói no par pergunta-resposta, esperamos uma res-
posta, fornecida pelo próprio autor, e a procuramos durante a leitura.
Em outras palavras, só se pressupondo que o .texto é coerente e con-
sistente internamente a pergunta-retórica nos alertará para a resposta
que ela antecipa.
Para tal, o conhecimento lingüístico internalizado não é sufi-
ciente; faz-se necessário que pressupostos que utilizamos na comuni-
cação oral sejam também utilizados na escrita. Entretanto, sabemos
que a escola faz da linguagem um objeto de estudo, relegando, neste
processo, a sua função comunicativa ao último plano. Sabemos tam-
bém que é através da leitura que a dicotomia "linguagem na escola"
e "linguagem fora da escola" é ensinada ao escolar, uma vez que
raramente o texto é enfocado como algo a mais do que uma seqüên-
cia de elementos discretos cujos valores absolutos independem de
outros elementos. Nessa perspectiva, não é tão surpreendente que
para o leitor passasse desapercebida uma forma cujo valor temático
não está na forma propríaménte dita mas na sua relação com outros
elementos, relação esta que por sua vez é percebida quando consi-
deramos o contexto em que eles funcionam.
A situação é semelhante em relação ao uso do modalizador, que,
como vimos, não teve uma função na veiculação temática.
Uma marca de entrada do autor para indicar o seu comprometi-
mento com o grau de verdade ou relevância de uma informação sõ
pode ser considerada importante por quem está ciente de que há um
autor por trás do texto, um autor cujas crenças, atitudes, pressupos-
tos têm reflexos lingüísticos no texto, quando relevantes no contexto.

111
Entretanto, htt suficientes evidências (nas propostas de ensino do livro
dídãtíco, no próprio ensino de leitura, e nos resultados de outras ex-
periências) de que o texto é visto como um conjunto de palavras, e
que, nesse conjunto, advérbios e adjetivos, justamente os elementos
que mais comumente marcam a entrada do autor, são considerados
supérfluos: assim, por exemplo, quando o escolar responde pergun-
tas, ou faz um resumo, ele utiliza muitas vezes, estratégias de c6pia
e apagamento das informações, sendo que os elementos mais comu-
mente apagados são essas classes de palavras. Os nossos resultados
indicam que mesmo na 8.a série o escolar não foi sensível à impor-
tância dos marcadores de entrada do autor.

5. IMPLICAÇOES PARA O ENSINO

Este trabalho mostra as tendências, em percentuais, dos desem-


penhos dos escolares, e portanto não tem pretensões de representar a
população estudantil de 8.a série, ou grupo semelhante. Contudo, é
possível tecer algumas considerações de caráter pedagógico, visto que
os resultados confirmam outros resultados experimentais, e são com-
patíveis com as expectativas decorrentes de nossas observações sobre
o ensino de leitura na escola.
Temos observado, ao longo de nosso trabalho principalmente
com professores de 1.° grau, que a escolha do texto a ser utilizado
em sala de aula é uma tarefa difícil. Sabemos que não apenas os cri-
térios de ordem cognitiva e afetiva como a motivação, conhecimento
prévio do assunto, experiência de mundo, etc., dentre os critérios de
seleção dos textos, têm sido suficientes. Portanto, se há certas evi-
dências de que elementos formais do texto funcionam como veicula-
dores do tema, facilitando a depreensão da linha temática, tais ele-
mentos devem ser levados em conta na seleção de textos. Podemos
considerar, numa primeira instância, que um texto que contenha rela-
ções de contraste marcadas, ou que apresente interrupções de regula-
ridade estrutural seja um texto mais legível porque facilita a depreen-
são do tema. Ora, se os marcadores sintáticos funcionam, em parte,
devido às relações de interdependência e contraste que se estabelecem
entre eles, a prática do livro didático de facilitar" a leitura privile-
11

giando apenas o uso de estruturas simples é contraproducente, pois o


aluno não contará com nenhuma pista formal na qual se apoiar para
extrair as informações principais; nesse caso o texto não está apre-

112
sentando uma hierarquia de rela~es com dominância e dependência
a nível formal, reflexa da hierarquia referencial. Considere-se, como

exemplo, o trecho a seguir, extraído de texto utilizado na 7.- série:

Como é produzido o calor?

Existem fontes naturais e artiiicai» de calor.


O Sol, os vulcões e as fontes de águas termais sio fontes
naturais de calor.
Artificialmente, pode-se produzir calor de várias maneiras.
Vejamos algumas delas:
1. Atrito
Esfregando uma mão em outra, verificamos que elas se
aquecem. Um palito de fósforo se acende quando é atritado na
lixa da caixa e um pente se esquenta quando é esfregado em
uma flanela.
2. Bletrieidade
Um chuveiro elétrico fornece água quente e um ferro elé-
trico fornece calor quando são ligados à rede elétrica.
3. Reações quimicas
A chama no pavio de uma vela mantém-se acesa por uma
reação química.
A combinação de um ácido com um metal desprende calor.
As reações químicas do interior de nossas células são res-
ponsáveis pela manutenção da temperatura de nosso corpo.

(Carlos Barros, 1982. Aproveitando a


Energia, Atlca, p. 68)

o exemplo acima utiliza, sobremaneira, as estruturas simples,


sem articuladores lõgicos, mostrando uma regularidade estrutural onde
nenhum contraste formal se apresenta. A única topicalízação, atra-
vés do advérbio "artificialmente", embora temática, é formalmente
inadequada. Apesar de ter sido elaborado com finalidades didáticas,
o texto é extremamente ilegível.

113
Entretanto, é possível pensar na utílízação de tal material em
sal" de aula para o ensino de redação como atividade paralela ao
ensino de leitura. Usando tais textos, que são de fato "roteiros" de
informações, o aluno pode ser orientado no sentido de avaliar a tema-
ticidade das diversas informações para, a partir daí, escolher os me-
canismos formais que na sua redação expressem coerentemente o con-
teúdo em questão.
Uma segunda consideração pedag6gica diz respeito ao enfoque
adotado para o ensino de língua. O texto não deve ser usado como
pretexto para o ensino de estruturas gramaticais e de vocabulário;
porém o texto é o lugar ideal para a reflexão sobre o uso da lingua-
gem. Quando solicitamos ao aluno identificar elementos em que se
baseou para fazer uma inferência sobre uma informação, reconstruir
uma relação entre duas informações, inferir uma atitude do autor,
estamos favorecendo um enfoque analítico que desenvolve a sensibi-
lidade do escolar para perceber a relação entre elementos formais e
outros aspectos, sejam estes semânticos, pragmáticos ou estruturais do
discurso escrito.
Tais atividades devem ser favorecidas no programa de leitura,
desde os primeiros contatos do escolar com a escrita. Nas primeiras
séries é possível criar situações que, embora não constituam ensino.
de leitura propriamente dito, sensibilizam o aluno quanto ao papel
de elementos formais na veiculação de informações: mandar um tele-
grama, a partir de uma mensagem mais extensa, por exemplo, intro-
duz de maneira natural o conceito de palavras-chaves, o elemento
crucial à abstração de informações; fazer um anúncio classificado para
o jornal, é uma atividade que, de forma lúdica, leva o aluno a per-
ceber a relação entre saliência formal e relevância na hierarquia refe-
rencial; relações entre forma e níveis pragmáticos podem ser ensina-
das solicitando-se ao aluno fazer uma propaganda para convencer os
colegas· a escolher um produto ou criar uma manchete para atrair a
atenção de outras turmas para um assunto de destaque na escola.
Na medida em que diversas atividades relacionadas com a escrita
tenham por objetivo refletir sobre o uso da linguagem ao invés de
focalizar elementos formais isolados do contexto, estaremos desen-
volvendo no aluno a sua capacidade de perceber a função da forma
como uma das fontes de informação do texto. Esta será então uma
das avenidas de acesso ao mundo do autor, tornando assim o signi-
ficado do texto mais acessível ao escolar.

114
APB.NDICE

A energia nuclear

A explosão da bomba de hidrogênio, ou bomba nuclear, provoca


a formação de uma imensa nuvem incandescente em forma de cogume-
lo. Essa nuvem parece estar iluminada por mil sóis. Ela pode ser
vista - dois minutos após a detonação - num raio de 80 quilô-
metros.
As conseqüências da explosão de uma bomba nuclear na atmos-
fera são aterrorizadoras: destruição completa de quaisquer constru-
ções num raio de 6 quilômetros de distância; pulverização dos vidros
de janelas até 150 quilômetros - ou mais - de distância; terríveis
incêndios - causados só pelo calor produzido - numa área de 15
quílômetros.
Na verdade, os efeitos mais letais e duradouros da bomba não
ocorrem imediatamente. E seu causador direto é aquela nuvem em
forma de cogumelo resultante da explosão. Ela se transforma em
chuva e poeiras radiativas. Os ventos se encarregam naturalmente de
espalhá-las. Sabe-se que, num raio de 200 quilômetros da explosão,
todos os seres vivos estariam expostos a uma dose fatal de poeira
radiativa. A região contaminada permanecerá completamente inabitá-
vel durante meses ou até anos a fio.
A idéia de uma guerra nuclear, em que certamente não haverá
vencidos nem vencedores, ou melhor, haverá apenas vencidos (visto
que uma conflagração dessas significará o fim da civilização tal como
a entendemos), parece mais remota hoje que nos anos 50.
Os dois primeiros sócíos do assim chamado clube nuclear -
Estados Unidos e União Soviética - alegam esforçar-se para evitar o
uso de bombas de hidrogênio e impedir que outros países também
passem a construí-las. Em 1963, assinaram em Moscou o Tratado de
Proscrição de Experiências Nucleares e convidaram todos os países a
ratificar o acordo. (Apenas a França e a República Popular da China
deixaram de fazê-lo). Nos termos do pacto, as nações comprometem-se
a não realizar testes nucleares na atmosfera, mas apenas subterranea-
mente, o que ainda poderia causar ligeiros tremores de terra.

115
A energia nuclear pode ser usada para fins pacíficos?
Algumas indicações nesse sentido já foram percebidas nos resul-
tados das primeiras experiências com essa fonte de energia, que pode
tomar a vida humana fantasticamente mais confortável.
Num futuro talvez não muito distante, muitas casas serão ilumi-
nadas por centrais etômícas, que também produzirão força para ali-
mentar as fábricas. Será até uma solução mais barata que a da energia
elétrica, pois sua fonte será o hidrogênio pesado da água. E dois
terços do globo estio recobertos de água.
Bombas atômicas e de hidrogênio também poderão escavar tú-
neis, mudar o curso de rios. Já se pensa, aliás, em abrir um novo
canal entre o Atlântico e o Pacífico (pelo México) usando energia
atômica. E, por falar em oceanos, os soviéticos construíram um quebra-
gelos, o 11 Lênin ", que se locomove graças ao calor de um reator nuclear,
ao invés de depender da tradicional caldeira. Assim, o navio não
precisa voltar com freqüência à base para se reabastecer.
Também a Medicina Nuclear, principalmente através da radiação
gama e da cobaltoterapia, utiliza-se da energia nuclear como recurso
importante para detectar e curar o câncer e outras doenças.

116
ESTRATÉGIAS DE INFER~NCIA LEXICAL
NA LEITURA DE SEGUNDA LíNGUA *

1. INTRODUÇÃO

o conhecimento de palavras está fortemente relacionado à capa-


cidade de compreender o texto escrito. Embora a natureza da relação
seja obscura e as explicações polêmicas (vide, por exemplo, as corre-
lações em testes de aptidão verbal e inteligência, Carroll, 1972), vários
estudos indicam inequivocamente a existência de tal relação (Davís,
1968, Carroll, op. cit.). No nível puramente intuitivo, o leitor parece
pressupor tal relação, a julgar pela expectativa, bastante comum do
aprendiz de segunda língua, de que suas dificuldades na leitura dessa
língua serão minimizadas se ele souber o significado de todas as pa-
lavras do texto. Esta visão unilateral da compreensão do texto é ape-
nas sintomática do nível de frustração que um texto povoado de pala-
vras desconhecidas causa no leitor. Tal texto é, de fato, ilegível. E
isto porque conhecer uma palavra implica, entre outras coisas, co-
nhecer algo sobre os eventos e coisas a que ela se refere; implica em
outras palavras, que possuímos algo do conhecimento necessário para
compreender o texto (cf. Preebody e Anderson, 1981): se conhece-
mos, por exemplo, o significado de "rolotê", provavelmente sabemos
algo sobre costura e faremos alguma idéia do significado de um
trecho como "Vingue a tira do viés, direito sobre direito, e entre eles
o cordonê", trecho que, para qem não conhece nada sobre o assunto,
pode ser chinês", isto é, pode estar totalmente fora da sua vivência
11

cultural.

'" Este texto foi publicado em Ilha do Desterro. - Reading/Leitura, 13, 67-80.
1986.

117
Considerando que o conhecimento lexícal de um leitor numa lín-
gua estrangeira é limitado, a eficácia das estratégias de inferência de
significado de palavras através do contexto é crucial para a com-
preensão e aprendizagem da língua. Porém, como Scott (1984) assi-
nala, são poucos os estudos que se dirigem à questão de como infe-
rimos o significado de palavras desconhecidas em contexto, seja na
língua materna ou na língua estrangeira. Este trabalho, de natureza
exploratória, pretende tecer algumas considerações sobre as estraté-
gias de inferência lexical utilizadas por alunos brasileiros principian-
tes na leitura de inglês. O trabalho surgiu de uma preocupação inicial
sobre a eficiência, para a aprendizagem, das estratégias do aluno
para inferir significados, pois, constatávamos que repetidas vezes uma
mesma palavra causava dificuldades em contextos diferentes, apesar
do fato de o aluno ser capaz de inferir o significado aproximado uma
vez que as pistas no contexto eram salientadas pelo professor. Se
aceitamos a tese (O'Rourke, segundo Krakoviam, 1984) de que apren-
der uma palavra estrangeira é um processo que inclui vários estágios,
dentre os quais temos, não apenas o reconhecimento da palavra em
contexto, num significado mais ou menos aproximado, mas também
conhecimento da palavra em uma ou várias de suas acepções, então
as estratégias de inferência lexical utilizadas pelo aluno são pouco
eficientes, já que parecem conduzir à aprendizagem só após a repe-
tida exposição à palavra.
Na literatura sobre compreensão, vários autores (Brown, 1980,
Kato, 1984) distinguem dois tipos de estratégias que regem o com-
portamento do leitor: estratégias cognitivas, isto é, aquelas automá-
ticas, inconscientes que possibilitam a leitura rápida eficiente, e es-
tratégias metacognítivas, isto é, aquelas que regem os comportamentos
conscientes do leitor, uma das quais permite justamente a desautoma-
tízação e controle das estratégias cognitivas para auto-regulamento da
compreensão. Como exemplos de estratégias metacognitivas citam-se
os esforços conscientes do leitor para resolver equívocos ou inconsis-
tências detectadas só após ele ter processado, na fase automática, uma
interpretação que subseqüentemente é inconsistente com o material
em processamento. Como exemplos de estratégias cognitivas teríamos
as diversas estratégias de segmentação sintática, e de recuperação
anaférica (vide, por exemplo, Kato, 1983).
Em relação ao léxico, parece coerente postular que as estratégias
de reconhecimento global das palavras, e de pareamento de elemen-

118
tos cognatos entre duas línguas sejam também de natureza automá-
tica, l.e., sejam estratégias cognitivas. A utilização do contexto para
inferir significados, em contextos suficientemente informativos 1 seria
também deste tipo. Haveria, por exemplo, a possibilidade de controle
consciente quando o contexto permitisse duas interpretações, ou quan-
do uma palavra conhecida num significado fosse utilizada num se-
gundo significado.
Perguntamo-nos, então, até que ponto o aluno conseguiria desau-
tomatizar o processo de inferência de vocabulário numa tarefa que
o obrigasse a focalizar uma palavra que já tivesse encontrado no
texto, e possivelmente inferido durante a leitura do mesmo. A nossa
hipótese de trabalho dizia que o aluno que inferisse significado de
uma palavra desconhecida durante a leitura usaria, no resumo, ou o
equivalente na língua materna, ou uma paráfrase consistente com o
trecho original. A segunda hipótese dizia que o aluno cujo resumo
fosse consistente em relação ao original mas cujas traduções na testa-
gem fossem incongruentes estaria mostrando certa incapacidade de
trazer os procedimentos utilizados na inferência lexical sob o con-
trole consciente. Esse dado é importante ao ensino de leitura, pois
consideramos que a capacidade do aluno de autoregular o processo de
inferência lexical traria conseqüências não apenas para a compreen-
são (detectar equívocos, inferir um significado secundário de uma
palavra conhecida no seu significado primário, etc.) mas também
para a aprendizagem desse item lexical. O caráter precário do conhe-
cimento do léxico do aluno (correspondente, ao longo de seu apren-
dizado, ao estágio inicial em que o aluno apenas está ciente de já
ter encontrado essa palavra (vide Krakovían, op. cit.)) teria, como
uma de suas causas, a incapacidade do aluno de autoregular o seu
processo de inferência lexical.
Em segundo lugar, queríamos verificar a natureza das estraté-
gias de inferência lexical do aluno. Esta é uma questão importante
para metodologias (cf. Kleiman e Terzi, 1981) que se baseiam, prima-
riamente, no ensino de estratégias de leitura mediante o uso de textos
autênticos, e secundariamente no ensino de língua. l! importante de-

1. Haveria quebra no processo se o índice de palavras desconhecidas fosse


muito alto, isto é, aceitamos a existência de um nível limiar mínimo de
vocabulário para o sucesso na inferência lexícal, ou na compreensão (vide
Scott, 1984, e estudos aí citados).

119
terminar, neste caso, que tipo de pistas o aluno utiliza, e quais os
procedimentos analítícos a serem ensinados.
A análise que apresentamos é de natureza qualitativa, porque
acreditamos que o caso de um aluno que' faz um resumo coerente
consistente, apesar da interpretação, repetidas vezes, de "health" como
"heart" pode ser tão significativo como evidência da hipótese de
realismo homofôníco (vide Seca 3) como 15 casos de interpretação
de "comprehensive " como " compreensivo" : uma única ocorrência
pode ser tão iluminativa sobre a utilização de um procedimento como
a exploração máxima do mesmo em diversos contextos.
Por último, levantaremos algumas considerações sobre a relação
entre o conhecimento de vocabulário e a dificuldade do texto. Os
resumos de nossos alunos frente a diversos trechos do texto oferecem
alguns subsídios para questões como a relação entre densidade de
léxico desconhecido e dificuldade na inferência lexical de alunos bra-
sileiros na leitura de textos em inglês.
Na análise e discussão dos dados estaremos apenas apontando
tendências e padrões sugestivos, devido às dificuldades inerentes aos
instrumentos para testar a compreensão em situações naturais, e ao
desconhecimento sobre os procedimentos de inferência lexical em tais
situações (vide a discussão de Scott (op. cit.) sobre esse problema).
Mais do que respostas, estaremos apontando problemas e colocando
novas questões.

2. METODOLOGIA

Foram testados 22 alunos principiantes matriculados num curso


de leitura em inglês para Computação. O teste consistia em duas par-
tes: a leitura de um texto jornalístico autêntico (Apêndice) e o resumo
do mesmo na língua materna, e uma tarefa de tradução de 8 palavras
do texto, com a seguinte instrução: "Dê o significado (mesmo que
aproximado) das palavras abaixo, conforme o contexto em que apa-
recem". Além da palavra, fornecíamos o parágrafo e a linha em que
a palavra aparecia no texto. Como controle de nossa hipótese de que
o aluno que inferisse corretamente na leitura mas não na tradução
não teria capacidade de desautomatizar o processo, solicitamos uma
segunda tarefa, após a tradução, que consistia na recuperação do
referente de 10 pronomes, com a seguinte instrução: 11 Cada um dos

120
itens a seguir se refere a algo citado no texto.. Tente localizar aquilo
a queeles se referem". Novamente, o parágrafo e a linha eram tam-
bém fornecidos.
Os itens selecionados para a testagem de tradução foram esco-
lhidos dentre aqueles dos textos que não eram cognatos, e que não
constam nos textos de inglês para principiantes mais usados na escola
(pois nossos alunos são falsos principiantes. Partimos do pressuposto
de que o conhecimento de vocabulário inclui também o estágio de
simples reconhecimento da palavra (vide Krakovían, op. cit.). As pa-
lavras, por esse critério, eram conhecidas, mesmo que precariamente,
se o aluno as tivesse encontrado em cursos anteriores.
A tarefa de resumo apresenta dificuldades inerentes para a verí-
ficação dos procedimentos de inferência lexical do aluno. Não é pos-
sível determinar ~ nos casos de apagamento da informação se um item
lexical, correta ou incorretamente traduzido, foi correta ou incorreta-
mente inferido. Apesar de estarmos cientes dessa possibilidade (mais
remota no caso de palavras chaves), optamos pela leitura e resumo
a fim de evitar o pré-direcionamento inerente aos testes de perguntas
e respostas, pré-direcionamento este que poderia servir de base para
as inferências.

3'. DISCUSSÃO

Na comparação entre o resumo e a tarefa de tradução não foi


possível constatar, para cada item testado, diferenças entre a tradução
da palavra e o uso da mesma no resumo, e, por extensão, o signifi-
cado inferido na leitura (vide Seco 2). Contudo, os dados sugerem
que o aluno não usa estratégias de inferência lexical num nível cons-
ciente, desautomatizado. São comuns, na tradução, as respostas total-
mente desvinculadas do tema na tradução, contrapostas à síntese
coerentes dos trechos em que essas palavras ocorrem. Compare-se,
por exemplo, resumos do tipo "Se houvesse vontade dos governos po-
deriam se dar melhores condições de saúde. .. a todos" (. .. a major
requirement for coming to grips with criticai poverty today is not
money but political will) com a tradução de "come to grips" como
"ter gripe", ou ainda, respostas como "Também há progresso na
imunização universal" (There is also progress in the drive to universal
immunication) com traduções de "dríve" como "dirigir"; compare-se

121
também respostas como 11 •••por isso a Unicef sugere aos pais que
usem um gráfico para acompanhar o desenvolvimento de seus filhos"
("UNICEF suggests that parents use charts to monitor the physical
development of their children") com a tradução de "monitor" como
"monitor" .
Uma outra resposta do mesmo tipo, menos comum (7%) é a
resposta em branco na tradução correspondente a um resumo consis-
tente do trecho em que a palavra aparece. Note-se que a tarefa de
tradução de palavra em contexto era realizada após a leitura e resumo
do texto, devendo haver, tanto pela recêncía como pela familiaridade,
um efeito facílitador, que não ocorreu, confirmando a nossa hipótese
sobre a incapacidade do aluno de desautomatizar o processo.
Na tarefa de controle, de recuperação de referentes houve resul-
tados semelhantes. Enquanto no resumo não houve inconsistências
que revelassem a determinação indevida de referentes de pronomes
pessoais, demonstrativos e relativos, na tarefa que exigia a análise não
automática do contexto houve um alto índice de erros (56%), apon-
tando para uma escala de dificuldades, já esperada, que ia desde a
simples recuperação do antecedente de pronomes nominais referentes
ao tópico e de relativos de sujeito, até a complexa recuperação de
referente catafórico de pronome (linhas 1-3) e do referente numa anã- -
fora extensa (linhas 8-10).
Antes de proceder à discussão das estratégias de- inferência de
vocabulário, discutiremos duas estratégias compensatórias que o aluno
utiliza em vez dos procedimentos analíticos necessários à inferência
de vocabulário. Por estratégia compensatória nos referimos à utiliza-
ção máxima de informação de um nível quando o acesso a outros
níveis está dificultado (vide Freebody e Anderson, 1981). Assim, se o
conhecimento lingüístico do aluno é limitado, ele passará a usar outro
tipo de conhecimentos, de caráter textual, discursivo, enciclopédico a
fim de suprir as limitações.
Os nossos alunos utilizaram dois tipos de estratégias, de masca-
ramento (" avoídance") e reajuste estrutural, ambas empobrecedoras
do ponto de vista da compreensão.
A estratégia de mascaramento, equivalente às estratégias orais
do aprendiz de segunda língua para evitar o uso de estruturas pouco
familiares (í.e., Krashen, 1981), estaria evidenciada num padrão bas-

122
tante comum de respostas (20 %) em que à resposta em branco na
tarefa' de tradução corresponde o apagamento do parágrafo em que

a palavra estava inserida. O aluno parece simplesmente ter pulado
durante a leitura um trecho com alto índice de palavras desconheci-
das. Um outro tipo de respostas interessantes, do ponto de vista de
estratégias compensat6rias, é aquela em que há uma correspondência
entre a tradução e o uso da palavra no resumo que envolve um rea-
juste estrutural do texto a fim de adequá-lo ao significado escolhido.
Este é o caso de resumos como li Milhares de crianças morrem todos-
os dias devido a uma inconsciência do mundo" (To allow 40000
children to die like this every day is unconscionable in a world ... )
correspondendo a traduções de unconscíonable" como inconsciên-
11 11

cia" na tarefa posterior. Em vez de o aluno analisar as relações entre


as palavras do contexto, ele recombina essas relações a partir de seu
reconhecimento ·falho da palavra. Esse reconhecimento implica o
acesso à informação sobre a subcategorização do item: o aluno pres-
supõe um único traço de subcategorízação da palavra, como no exem-
plo li drive" citado acima, subcategorizado como verbo.
As estratégias compensat6rias são procedimentos ativados devido
à complexidade do material para o processamento.
Quais seriam, por outro lado, as características do processo de
análise de elementos do contexto? Os dados indicam que as estraté-
gias são simples, o que não é surpreendente considerando as limita-
ções lingüísticas do aprendiz: poucas entradas lexicais, dificultando o
reconhecimento instantâneo, global das palavras e o acesso às entra-
das lexicais. As entradas lexicais parecem ser muito elementares com
respeito às subcategorizações nelas especificadas, fazendo com que as
mudanças de categoria, com conseqüente recombinação estrutural
sejam fenômenos comuns no resumo (as mudanças de classe de pala-
vras são também comuns na tradução). Assim, os pr6prios procedi-
mentos combinat6rios, para os quais o aluno precisa de conhecimento
sobre as possíveis relações sintáticas, ficam prejudicados. Dadas essas
limitações de ordem lingüística (e outras), o tipo de dado sobre a
palavra e seu contexto pàra inferir léxico, as hip6teses que ele faz
podem também sofrer limitações, numa reação em cadeia.
Há um procedimento generalizado de processamento que não
depende propriamente de dados do contexto, mas apenas da aparên-
cia da palavra processada, que estaria baseado no que denominaremos

123
de hipótese de realismo homofOnico (seguindo Werner e Kaplan,
1963
, apud Carton, 1971, que notaram fenômeno semelhante na infe-
rência lexical de crianças pequenas e pacientes adultos). Por esta hipó-
tese, o aluno se apóia na aparência da palavra, que sugere um signi-
ficado pela sua semelhança com uma palavra da sua língua, havendo,
em conseqüência, proliferação de falsos cognatos do tipo "torno" por
"turn" (of the century), "compreensivo" por comprehensive", anti-
11 fi

bióticos" por antíbodíes", estimular" por stymíe, e assim sucessi-


11 11 fi

vamente. Consideramos que a confusão constante que o aluno faz


entre palavras de aparência semelhante na segunda língua, como
"health" traduzido como "coração" (cf. "heart"), "musterlng" como
linecessidade", dever" (cf. .,must"), .,breastfeedíng" como café da
11 11

manhã" (cf. "breakfast") é também conseqüência de uma sobreva-


lorízação da aparência da palavra, combinado ao conhecimento pre-
cário do item mais familiar.
Em relação às estratégias de inferência lexícal propriamente
ditas, o aluno demonstra utilizar uma estratégia de utilização do con-
texto global, que chamaremos de identificação temática, e duas estra-
tégias de utilização do contexto imediato. Não há evidência genera-
lizada, como no caso das estratégias de identificação temática e iden-
tificação de contexto próximo, de que o aluno utilize contextos linea-
res de maior abrangência, mais distantes, que envolvam o reconheci-
mento e análise de paralelísmos estruturais.
Pela identificação temática, o aluno infere aquelas palavras que
se referem ao tema primário, ou tópico. Como estas palavras apare-
cem repetidas vezes há uma explicação alternativa baseada no efeito
de freqüência (vide, por ex. Scott, 1984 e obras citadas). A repetição
teria um efeito facilitador no processamento e inferência de uma pa-
lavra pela diversificação de contextos em que ela aparece. Optamos
por caracterizar o procedimento como uma manifestação de uma es-
tratégia metacognitíva em que o reconhecimento seria facilitado pelas
expectativas prévias que o aluno tem a respeito do tema por duas ra-
zões: em primeiro lugar, constatamos que a maior freqüência de uma
palavra não tem um efeito facilitador na inferência quando esta não
está vinculada ao tema primário, mas a subtemas (ou subt6picos), Em
segundo lugar, palavras que aparecem apenas uma vez no texto, mas
que estão ligadas ao tema principal são também inferidas durante a
leitura como é o caso de palavras que aparecem no texto de resumo
final do tema (vide Apêndice, linhas 38-63),

124
Os alunos parecem estar inferindo com maior facilidade aquelas
palavras que estão ligadas ao título o- subtítulo, que conjuntamente
explicitam o tema do texto. Com efeito, em uma outra testagem que
consistia na tradução de palavras em contexto num texto cujo título
não explicitava o tema, não houve efeito facilitador nas traduções
dos itens lexicais que estavam ligados ao tema.
Em relação às estratégias de análise do contexto imediato, o
aluno utiliza eficientemente pistas de exemplificação, isto é, contextos
como "tuberculosís", "dífthería", "measles", imediatamente seguindo
a palavra" disease" e padrões de co-ocorrência familiares: por exem-
plo, pela experiência lingüística com expressões numéricas que co-
ocorrem com a palavra "taxa" chega-se ao significado de "rate".
Como indicamos anteriormente, houve raros casos de inferência
de palavras mediante a utilização do contexto nlo imediatamente
próximo, quando as pistas se encontravam numa estrutura paralela,
de contraste, (como em "bottled formula" e "mother'smilk"), ou de
sinonímia ou explicação (como no caso de "breastfeedíng").
Os padrões comuns nas respostas dos alunos nos permitem carac-
terizar a dificuldade do contexto, ao longo da dimensão proximidade.
Assim, seria mais fácil inferir o significado de uma palavra quando o
contexto imediato, lntraaentencíal, fornece as pistas necessárias, tal
como o contexto de exemplificação e colocação familiar já citados.
J á quando o contexto elucidador é íntereentencíal, como nos casos
de contraste e de explicação citados acima, o aluno teria mais dificul-
dades. Excetuaríamos aqui um contexto intersentencial, o da constru-
ção aposta: uma explicação direta, aposta, parece-nos ser um con-
texto transparente.
Do ponto de vista do processamento durante a leitura, é mais
difícil inferir o significado de uma palavra quando o leitor deve
manter a estrutura em que a palavra se insere na mem6ria de traba-
lho ("working memory"), enquanto outras unidades são processadas.
Isto explicaria a maior facilidade de utilização do contexto íntrasen-
tencíal na inferência.
Do ponto de vista da compreensão global, apesar de problemas
específicos na análise e processamento, o aluno pode chegar a um
significado, mesmo que aproximado, do trecho em que a palavra está
inserida. Porém, referimo-nos já várias vezes a trechos que slo con-

12~
sistentemente apagados ou distorcidos nos resumos dos alunos (e
cujos itens lexicais são incorretamente traduzidos ou não respondi-
dos). Esse é o caso do trecho referente aos problemas ainda a serem
resolvidos na imunização universal (parágrafo 3, linhas 33-38) e da-
quele referente à quarta medida de saúde para evitar a mortalidade
infantil (parágrafo 3, linhas 50-54). No primeiro caso poderíamos
argüir que o aluno está apenas demonstrando sua competência tex-
tual: ele apaga essas informações porque elas são triviais em relação
ao tema e à estrutura do texto. No segundo caso, trata-se porém, de
material não trivial, importante para o desenvolvimento do tema.
Se pensamos na existência de um nível limiar para a inferência
lexical em termos de densidade de palavras desconhecidas no texto,
a proporção absoluta (.12) não esclarece por que esses trechos e não
outros são menos accessíveís. Ao dividirmos o texto em macrounida-
des de informação, levando em conta para isso as relações de depen-
dência que se estabelecem entre as macroproposições do texto (i.e.,
conteúdos proposicionais inferíveis mediante a generalização ou inte-
gração de um conjunto de proposições), veremos que podemos esta-
belecer níveis hierárquicos entre as unidades de informação que cons-
tituem a base textual e que permitem a inferência dessas macropro-
posições. Assim, no texto em discussão, temos uma macroproposição
temática, de 1.° nível "Common diseases which claim the lives of
children in developing countries could easily be controlled": subordi-
nada a esta (por relações de dependência e argumentos partilhados)
temos uma macroproposição de 2.° nível "Such diseases could be
controlled through the adoption of four low-cost hea1th measures";
em seguida, temos uma macroproposição de 3.° nível, "The four mea-
sures are low-cost medicai treatment, universal immunization, breast-
feedíng, growth monítoríng", e, como proposição de 4.° nível, temos
"Advantages and/or residual problems in the adoption of measures
1, 2, 3, and 4". As proposições que constituem a base textual dessas
macroproposições conformam o que chamamos de macrounidades de
informação do texto.
Mostramos, na análise acima, que as maiores dificuldades, tanto
no resumo como na tarefa de tradução ocorreram em relação às ma-
crounidades que constituem a base textual das macrcpropcsíçõee de
3.° e 4.° nível. Problemas em relação à evocação e reconhecimento de
tais unidades, inferiores na hierarquia temática, Já têm sido apontadas
na literatura (Kintsch e van Dijk, 1977, Meyer, 1975): o fato de os

126
alunos apagarem essas informações é previsível por essa hierarquia.
Porém •.o fato de os alunos terem mais dificuldades para traduzir ele-
mentos contidos nessas unidades não se explica a partir do processo
seletivo de apagamento de informações mais distantes da macro unida-
de temática; a alta densidade de palavras deaconhecidas nessas unida-
des (.18) parece-nos um parâmetro explicativo mais relevante. Ao
estabelecermos um índice de densidade de palavras desconhecidas para
macrounidades de informação, ao invés de este ser estabelecido apenas
para o texto total, estaríamos caracterizando um índice de densidade
mais relevante para o ensino e determinação da legibilidade dos textos.

4. ALGUMAS CONSIDERAÇOES PEDAGOGICAS

Em relação ao enriquecimento do léxico do aluno, acreditamos


que uma das maneiras de facilitar a aprendizagem de vocabulário,
isto é, de levar o aJuno a estágios posteriores ao reconhecimento da
palavra, seria tornar a estratégia de inferência de palavras, que atua
num nível subconsciente, numa estratégia metaccgnítíva, sob o con-
trole consciente do aluno. Num nível metaprocedimental, com a aten-
ção do aluno voltada à palavra e seu contexto o aluno registrará as
circunstâncias em que a palavra foi encontrada, facilitando a memo-
rização do significado. Evitar-se-ia assim o fenômeno que já descre-
vemos acima de uma mesma palavra, em contextos diferentes, causar
repetidas vezes problemas de reconhecimento.
Pensamos em atividades pedagógicas de dois tipos: aquelas cujo
objetivo é o domínio não automãtico das estratégias de inferência
lexical em contextos mais complexos) e aquelas cujo objetivo é apon-
tar a inadequação de hip6teses lingüísticas e textuais do aluno.
Para o primeiro objetivo, exercícios de segmentação e análise
de contextos não pr6ximos, e, poderíamos dizer, não seriais, são
essenciais. Note-se por exemplo que "bottled formula", discutido na
Seco 3, é perfeitamente inferível se o aluno souber o significado de
"unlíke" como marcador de contraste, e se procurar além dos limites
da sentença às pistas necessárias à inferência.
Para o segundo objetivo, é necessário, por exemplo, contrapor
a utilização, essencialmente motivadora, de textos de vocabulários
transparente com a utilização de textos que alertem o aluno sobre a
falácia da hip6tese de realismo homofOnico. Também o aluno deve

127
ser alertado à inadequação da e8trat~gia de 'tecomhinaçlo estrutural •.
mediante a segmentação e análise de estruturas com formas conheci-
das, mas com significados e funções desconhecidos. Por exemplo,
dada uma passagem como "The marihuana will be pulverized and
blown into the plant's fumaces, which now hum either natural gas
or oil" (TIME, 10/6/80), o aluno que conhece a palavra "plant" no
sentido de vegetal, ainda lhe atribuirá esse significado apesar de ele
não fazer sentido nesse trecho.
Um outro tipo de ação cujo objetivo 6 enriquecer a competên-
cia textual do aluno para melhor utilização de pistas inferenciais en-
volve a exploração máxima do título a fim de levar o aluno a formular
hipóteses sobre o maior número possível de expansões temáticas (vide
Kleiman e Terzi, op. cit., para discussão desta metodologia). Quanto
mais ricas as expectativas do aluno, maior a possibilidade de um
item lexical ser reconhecido como lexicalmente coeso ao tema.
Colocamos também uma sugestão relativa à seleção e análise pré-
pedagógica dos textos. A fim de determinar a dificuldade do texto,
devemos levar em conta não apenas a proporção de itens lexicais des-
conhecidos mas também a distribuição dos mesmos: se uma macro-
unidade de informação com um índice alto de palavras desconhecidas
for importante ao desenvolvimento do tema, faz-se necessário focalí-
zar ações pedagógicas em tais unidades, prevendo equívocos e estra-
tégias de mascaramento.
Embora tenhamos resultados que confirmam esta observação
pela alta incidência de erros (53%) numa testagem (tradução em con-
texto) com unidades de informação cujo índice de palavras desco-
nhecidas ia desde. 16 a .20, não pretendemos que esses dados sejam
adequados para caracterizar um nível limear de conhecimento de voca-
bulário; contudo, queremos enfatizar que a análise pré-pedagógica
para escolha do texto deve levar em conta informação distribucional
e temática do léxico desconhecido.
Voltando à nossa preocupação 'inicial sobre a aprendizagem do
léxico, os procedimentos de inferência lexical do aluno determinam,
em certa medida, a relativa ineficiência dos mesmos para levar o
aluno desde o primeiro estágio de conhecimento de léxico, de apenas
estar ciente de ter visto a palavra em algum contexto, até o estágio
de conhecer um ou mais significados de uma palavra. Porém, con-

128
[ugados às limitações desses procedimentos encontramos muitas vezes
procedimentos pedagógicos: a escolha de textos de temas muito diver-
sificados, que reduzem consideravelmente as possibilidades de uma
mesma palavra aparecer com maior freqüência, negando assim ao
aluno a oportunidade de reencontro com a palavra. O estágio inter-
mediário, de reconhecimento de uma palavra em contexto, será faci-
litado quando esse contexto evocar outro sobre uma tema semelhante.
Assim como o domínio do aluno sobre um assunto é facilitado pela
escolha sistemática de vários textos sobre o mesmo tema, também seu
conhecimento lexical será enriquecido. Só assim, a cada novo texto
que ele ler, ele sentirá que estará progredindo e não recomeçando
a tarefa.

AP~NDICE

The State 01 the Chilâren


New hope ior a universal health revolution for youngsters

It 'is generally controUablc, given prop.r nutrition


and medícation, Yet balf a billion children, mostly in develop-
ing countries, are affected by it each year: diarrhea. Alona
with díseases like measles, tuberculosis, poliomyelitis,
5 diphtheria, whoopíng cough and tetanus, ít claims the lives of
nearly 15 million children annually. Saya lames P. Orant,
executive director of the Unlted Nations Cbildren's Fund
(UNICEF): ''To aIlow 40,000 children to die like this every day
is unconscionable in a world which has mastered the means of
10 preventing if'.
According to UNICEP'S annual State 01 the World's
Children report, released last week, things could be different.
lf developing nations implemented or expanded four basíc, low-
cost health techníques, it suggests, they could, by the end of
15 the century, save at least half the children who now perish.
Most of the 5 million ycungsters who each year die of
dehydration caused by diarrhea, for example, would survive if
they were gíven a simples mix of clean water, alucose and salt
to replenish fluids and enable their bodies to retain water.
20 Cost per dose: 10 ri. The treatment, called oral rehydratlon
therapy (ORT), was perfeeted in the 19608. The systematic use
of ORT has cut in half the infant death rate from diarrbea in
many regions. At least 40 countries are developina comprehensive.
ORT programe, and UNICEF urges more.

129
25 There is also proaress in the drive toward universal
immunization apinst such chUdhood diseases as measles.
poliomyelitis and diphtheria. Within 24 months, the Brazilian
aovernment mounted six nationwide polio immunization campaians.
each involvina 400,000 volunteers, and manaaed to eut the
30 incidence of the disease from 3,400 cases a year to jUlt 26.
Beeause of technoloaical advances, the eost of vaccine has
dramatically decreased: measles vaccíne now selle for less than
10 f. a dose. But further research is necessary. Some vaccines
must be refriserated until they are administered, which bas
35 slowed immunization programe in rural areas where coolina
facilities are scarce. Moreover, musterina the manpower
needed to vaccinate thousands of children in remote places
remains a problem.
To reduce malnutrition and infection, UNICBF
40 prometes breastfecding. Unlike canned or botted formula,
mother's milk contains key antibodies that are passed from
mother to child durina feedina. In areas where hysiene is
inadequate, babies often contract infections from bottled
formula made with dirty water and under aeneral1y unlterile
45 conditions. In the PhiUppines, a breastfeedina prostam at
Baguio General Hospital reduced clinicai infections by 87 %
and cut the infant deatb rate by 95%. Nevertheless, international
aid organízatíons find it difficult to persuade many mothera
in dcveloping countries to abandon bottle feedina, wbich they
50 regard as more scientific and moderno In addition, since almoat
ali infant malnutrition is invisible - infections and lack of
nourishing food oíten stymie a child's growth in waya not
itnmediately evident - UNICEF sualesta that parenta use charts
to monitor the physical development of their chlldren.
55 The cost of such 8imple health measures, UNICEF
estímates, would be in the neilhborhood of $6 bllUon annual1y
until the turn of the century, or "one-hundredth of the world's
spendíng on armaments each year", "It i8 clear", says Grant,
"that a major requírement for comíng to grips with crltíeal
60 poverty today is not money but polltícal will. If that can be
found, in order to seíze the opportunities now offered, then
the goal of adequate food and health for the vast majority of
the world's children need not be a dream deferred".
(TIME, 27/12/82)

131>
PERCEPÇAO DA FUNÇAO DISCURSIVA
DO LltXICO *

1. INTRODUÇÃO
Um enfoque puramente Iíngüístícc do estudo da compreensão é
reducionista e, por isso, pouco elucidativo do processo. Um enfoque
que coloca toda a carga da compreensão do texto na faculdade da
linguagem está condenado ao fracasso (cf. Morgan e Sellner, 1980).
O pressuposto da existência de um significado do texto que não
é apenas combinatório e somatório dos itens discretos, mas que é
construído pelo leitor apoiado em princípios de ações cooperativas
mais gerais é, de fato incompatível com um enfoque exclusivamente
lingüístico ao estudo da compreensão. Entretanto, esse pressuposto
não implica uma incompatibilidade com o exame dos aspectos lin-
güísticos, locais do texto que contribuem para a construção do signi-
ficado global. Pode. ser o caso que a incompreensão seja sempre con-
seqüência de deficiências globais de caráter intelectual, ou de dife-
renças culturais e experíencíaís do leitor.
Examinaremos neste trabalho problemas na compreensão da es-
crita que se manifestam como problemas de incompreensão de aspec-
tos locais do texto, especificamente problemas na percepção da função
do léxico no texto. Acreditamos que a incapacidade do aluno para
perceber a função de itens lexicais no texto para contribuir à signi-
ficação é conseqüência do ensino: as tarefas escolares exigem apenas

* Este trabalho foi financiado pelo INEP; a pesquisa faz parte do projeto
"Interrelação dos fatores determinantes de compreensão de textos no 1.0
greu'',

131
automatismos, requerendo pouco ou nenhum envolvimento das capa-
cidades cognitivas do aluno; o tipo de exercícios que o aluno deve
realizar ensina diretamente que há palavras que contribuem em menor
grau ao significado total do texto.
O pressuposto de que devidamente orientado o aluno perceberá
a função do léxico para marcar atitude proposicional do autor e se
engajará. numa tarefa que faça demandas aos seus processos cogniti-
vos forma a base da experiência a ser relatada neste trabalho.
Sendo o léxico o indicador mais seguro de dificuldade do texto
(e portanto de problemas potenciais na compreensão), e havendo
constatado nos alunos a utilização de operações automáticas apenas
i.e., de reconhecimento e identificação de itens lexicais, os testes que
foram aplicados envolviam a tarefa de inferir a atitude proposicional
de dois autores em relação a um mesmo assunto, para o que a inter-
pretação com apoio em pistas primordialmente lexicais era essencial.

2. DESCRIÇÃO DO INSTRUMENTO

Foram utilizados dois textos sobre o tema de desarmamento


nuclear. O primeiro texto:

"A idéia de uma guerra nuclear, em que certamente não haverá


vencidos nem vencedores, ou melhor, haverá apenas vencidos
(visto que uma conflagração dessas significará o fim da civili-
zação tal qual a entendemos), parece mais remota hoje que nos
anos 50.
Os dois primeiros sócios do assim chamado clube nuclear -
Estados Unidos e União Soviética - dizem esforçar-se para evi-
tar o uso de bombas de hidrogênio e impedir que outros países
também passem a construí-las. Eles citam como exemplo desse
aparente esforço, a assinatura em Moscou, em 1963, do Tratado
de Proscrição de Experiências Nucleares e o convite a todos os
países para assiná-lo também, embora a França e a China tenham
deixado de fazê-lo. Nos termos do pacto, as nações comprome-
tem-se a não realizar testes nucleares na atmosfera, mas apenas
subterraneamente, o que ainda poderia causar ligeiros tremores
de terra."

132
indica uma orientação de descomprometimento com a verdade da
proposição "a possibilidade de uma guerra nuclear 6 mais remota
hoje". Esta atitude está marcada de diversas maneiras no texto: pelo
uso do modalizador "parecer" no primeiro parágrafo, bem como o
uso da expressão "citam como e-xemplo" e o adjetivo "aparente" no
segundo parágrafo; também no segundo parágrafo encontramos que
o autor atribui explicitamente as declarações sobre os esforços para
proscrever o uso bélico da energia nuclear a terceiros, mediante a
utilização do verbo "dizer". Com o uso da conjunção concessiva
embora na cláusula subordinada, o autor continua a se manter des-
comprometido com a verdade da proposição "eles se esforçam ... "
pois a concessiva, apesar de sua função restritiva, que quebra uma
expectativa projectada para o leitor de que todos deveriam ter assi-
nado, argumenta ainda no sentido da declarativa, pois a maioria
assinou. Mediante o uso de ainda, na última sentença, o autor relati-
viza a validade das proposições que relatam os resultados do acordo.
No texto a seguir:

"A idéia de uma guerra nuclear, em que certamente não haverá


vencidos nem vencedores, ou melhor, haverá apenas vencidos
(visto que uma conflagração dessas significará o fim da civiliza-
ção tal como a entendemos), é mais remota hoje que nos anos 50.
Os dois primeiros sócios do assim chamado clube nuclear -
Estados Unidos e União Soviética - esforçam-se para evitar o
uso de bombas de hidrogênio e impedir que outros países também
passem a construí-las. E deram exemplo, em 1963, ao assinarem
em Moscou o Tratado de Proscrição de Experiências Nucleares
e ao convidarem todos os países para assiná-lo também (apenas
a França e a China deixaram de fazê-lo). Nos termos do pacto,
as nações comprometem-se a não realizar testes nucleares na
atmosfera, mas apenas subterraneamente, o que poderia causar
apenas ligeiros tremores de terra."

temos, por outro lado, que o autor está comprometido com a verdade
da proposição "a possibilidade de uma guerra nuclear é mais remota
hoje", que, já no primeiro parágrafo, não aparece modalizada pelo
verbo "parecer". Também essa atitude está marcada pelo uso das
expressões categóricas "dar o exemplo" e "esforçar-se", que descre-
vem um fazer e não apenas um relato de um eventual fazer. Ao con-

133
trário do primeiro texto, que explicita a intertextualidade, o autor
deste texto assume o discurso dos EUA e da Rásela. Ele utiliza ainda
o restritivo "apenas" - duas vezes - para restringir o conjunto de
países que não assinou o acordo, assim como minimizar o conjunto
de efeitos das explosões nucleares subterrâneas.
A capacidade de perceber a atitude do autor nos dois textos
requer habilidades outras que a identificação automática de itens lexi-
cais; ela envolve a reconstrução de uma posição argumentativa, implí-
cita, a partir de elementos explícitos, a maior parte deles lexícaís
(embora haja também diferenças estruturais, isto é, nominalização
versus complemento sentencia! no segundo parágrafo dos textos).

3. MSTODO

A fim de recriar na testagem as condições do trabalho orientado,


próprio do ensino, o grupo experimental, formado por 27 alunos de
8.a série, recebeu ambos os textos acima, com a seguinte instrução,
destacada, em folha à parte: "Os dois textos seguintes são sobre o
mesmo assunto, mas apresentam pontos de vista diferentes. Após a
leitura de cada um deles, responda as perguntas que os seguem".
Após cada texto havia três perguntas que eram idênticas para as·
duas versões, a saber:
Pergunta 1: "O autor acredita nos esforços dos primeiros sõcíos do
clube nuclear? Justifique a sua resposta".
Pergunta 2: "O autor acredita no valor do pacto? Justifique sua res-
posta" .
Pergunta 3: "O autor acredita que os testes nucleares subterrâneos
são. seguros? Justifique a sua resposta".
O grupo controle, formado por 26 alunos também de 8.a série,
recebeu uma das versões, com a seguinte instrução: "Leia o texto
e responda as perguntas abaixo". Doze alunos leram a primeira ver-
são, que chamaremos de versão negativa (VNeg), pois perceber a ati-
tude do autor implicava necessariamente em responder "não" às três
perguntas, e, treze al1plos receberam a segunda versão, que chama-
remos de versão afirntativa (Vaf). Em cada grupo-controle e experi-
mental - dois alunos não completaram a tarefa e seus testes não
foram analisados.

134
Esperava-se que aqueles alunos que foram orientados para a
tarefa de comparar pontos de vista dos autores tivessem um desem-
penho significativamente melhor na inferência de atitude, demons-
trando com isso um desempenho mais eficaz na percepção da fun-
ção discursiva do léxico.
Houve pré-testagem com 12 leitores adultos, alunos universitá-
rios; os resultados confirmaram que os leitores proficientes percebiam
as diferentes atitudes proposicionais independentemente das condi-
ções da t.arefa..
Os alunos que fizeram a tarefa comparativa tinham duas instru-
ções concretas que lhes aiudaríem a perceber a diferença entre os
dois textos, isto é, a perceber os efeitos discursivos do léxico. Por um
lado, as instruções orientavam objetivamente para a comparação, ao
apresentar dois textos, e por outro lado, orientavam o aluno em dire-
ção à síntese necessária à leitura, ao explicitar que cada texto apre-
sentava apenas um ponto de vista, isto é, se constituia numa unidade
que ia além das propriedades lingüísticas de cada um. Havia ainda
um terceiro tipo de orientação; aquele constituído pelas perguntas
que acompanhavam o texto, uma vez que as perguntas tomavam a
informação focalizada mais saliente. O grupo controle tinha apenas
esta última orientação.

4. ANALISE DOS RESULTADOS

Houve uma diferença marcante no desempenho dos dois grupos,


tal como era esperado. Os resultados gerais, apresentados no Quadro
1 a seguir, mostram que, na condição comparativa, 64% dos alunos
perceberam a atitude do autor, e justificaram adequadamente as suas
respostas, enquanto que somente 24°;ó dos alunos do grupo controle
conseguiram perceber a atitude do autor através da leitura de apenas
um texto, sem parâmetro de comparação e sem instruções que orien-
tassem o aluno antes da leitura.
QUADRO 1: Percepção da atitude proposicional
Grupos Acertos
Controle
24%
(n=24)
Experimental
64%
(n=25) J
135
As diferenças entre os dois grupos tamb~m se manifestaram nos
desempenhos em relação a cada uma das perguntas. No Quadro 2
apresentamos as percentagens de respostas certas para cada pergunta
(P) em cada versão. Lembramos que, no caso do grupo controle, os
dados se referem à única versão lida pelos subgrupos; daí termos
separado, na apresentação dos dados, os resultados dos dois grupos.

QUADRO 2: Percepção da atitude proposicional em relação a cada


pergunta

Grupo experimentaI
Perauotas Grupo controle
(n=25)
(naU)
VNes: Pl 25% 84%
P2 '0% 84%
P3 '8% 100%
(0=13)
VAf: PI 61% 80%
P2 46% 80%
P3 37% 68%

o sucesso na tarefa não depende apenas da competência lingüís-


tica. Percebe-se, contudo, um enfoque essencialmente lingüístico entre
os alunos que não deram as respostas esperadas; para eles o signifi-
cado é propriedade da palavra, fato este que fica evidente na com-
paração das justificativas dos dois grupos. Consideremos, primeira-
mente, um exemplo de um aluno que resolve satisfatoriamente a
tarefa: nesse caso as respostas são todas negativas ou todas afirma-
tivas, demonstrando com isso que não perdeu o objetivo da tarefa
ao inferir uma atitude unitária, consistente, em cada texto:

VNeg VAI
1. Não, porque no texto ele 1. Sim. Ele não duvida do es-
fala "dizem esforçar-se" co- forço pelo jeito que escre-
mo quem diz será que estão veu, afirmando.
se esforçando realmente,
quem é que sabe.

136
2. NAo, por causa a dúvida que 2. Sim. Porque a maioria dos
~ texto nos põe em que eles países assinou o pacto e no
vão continuar os testes s6 ponto de vista dele os pri-
que abaixo da terra. meiros sócios estio de boa fé.
3. Não, pois mesmo sendo sub- 3. Eu acho que sim, pois ele
terrâneo causariam ligeiros citou que se houvesse testes
abalos de terra. subterrâneos apenas causaria
abalos ligeiros.

Ao compararmos o exemplo acima com as respostas de um aluno


que não resolveu a tarefa, fica claro que o que determina a resposta
do aluno é o uso de uma mesma palavra nos textos, independente-
mente do contexto lingüístico mais amplo onde ela está inserida. No
exemplo, os elementos objetivos nos quais baseou suas respostas
f oram: ".assinatura","" comprometer-se """ e tremores.

VNeg VAI
1. Sim. Porque houve a assina- 1. Sim. Porque em 1963, assi-
tura em Moscou, em 1963 naram em Moscou o Tratado
do Tratado de Proscrição de de Proscrição de Experiên-
Experiências Nucleares. cias nucleares.
2. Não. Porque as nações com- 2. NAo. Porque as nações com-
prometem-se a não realizar prometem-se a não realizar
testes na atmosfera mas ape- testes na atmosfera mas ape-
nas subterraneamente, o que nas subterraneamente, o que
ainda poderia causar ligeiros poderia causar apenas ligei-
tremores de terra. ros tremores de terra.
3. Não. Porque ainda poderia 3. Não. Porque poderia causar
causar ligeiros tremores de apenas ligeiros tremores de
terra. terra.

~ comum encontrar padrões de respostas como os acima: a


mesma resposta para a mesma pergunta, independentemente da ver-
são: o aluno percebe um texto apenas; para esse aluno, se algumas
palavras sio as mesmas, especialmente nomes e verbos, o significado
é o mesmo. No Quadro l, a seguir, resumimos os padrões de res-
postas dos alunos que não resolveram a tarefa:

137
QUADRO 3: Padrões de respostas inadequadas

Padrão de respostas N. o de respostas Total %
por pergunta (n=9)
VNea/VAf PI P2 P3
Mesma resposta Não/Não 3 4 5
Sim/Sim 3 74%
2 3
Resposta diferente NIo/Sim I 1 1
SIm/NIo I - - 14%

Indecisos 1 2 - 11%

A justüicativa que o aluno apresenta 6 sugestiva das pistas lexí-


cais que utilizou para sua resposta. Em relação ao tipo de justificativa
elaborada pelo aluno, nota-se que os alunos que perceberam a atitude
do autor utilizam tanto evidência de base textual como evidência
extra textual em suas respostas, enquanto que os alunos que não infe-
riram essa atitude preferem justificar suas respostas extratextualmente.
A evidência de base textual pode ser uma citação, como nos
exemplos (1) de um mesmo aluno, ou paráfrase, como no exemplo (2):

Citação

(1) P1 - (VNeg) Não, porque diz " dizem esforçar-se, citam


como exemplo desse aparente esforço..." .
Quer dizer, ele diz no texto acima apenas
suposições como dizem e aparente, por isso,
para mim, o autor não acredita.
(VAf) Sim, aqui o autor não coloca suposições, mas
sim afirmações, como esforçam-se,' E deram
exemplo ao assinarem. Por isso eu achei que
o autor acredita.

Paráfrase
(2) P2 - (VAf) Sim. As superpotências fizeram com que os
países assinassem o contrato que os impedi-
riam de construir a bomba.

138
Os alunos que utilizam justificativas textuais conseguem verba-
lizar uma estratégia inconsciente de percepção da função de palavras.
Essa reflexão metalíngüístlca deixa claro que o aluno percebeu a
função das palavras enquanto elementos objetivantes de uma atitude:
há aqui envolvida uma concepção de significação que vai muito além
do significado como propriedade de uma palavra; há também envol-
vida uma concepção de texto que vai além da soma das palavras
envolvidas. Essas duas concepções estão bem ilustradas no exemplo
a seguir:

(3) P1 - (VNeg) Não. O autor fala com certa dúvida dos es-
forços dos primeiros sócios (como na frase)
" . .. dizem esforçar-se para evitar ... n e em
outra: "Eles citam como exemplo desse apa-
rente esforço a assinatura" como que eles só
falam mas não agem.

Note-se que no exemplo acima o aluno fundamenta sua escolha


citando os itens que o levaram a essa percepção, a refletir sobre a
função desses itens na construção de significado. Na manifestação
dessa reflexão ele se apóia, também, em evidência extratextual que
vem do conhecimento pragmático.
Consideramos como evidência extratextual aquelas justificativas
em que o aluno constrói relações com um contexto mais amplo, atra-
vés de um processo inferencial que utiliza como premissas o conjunto
de crenças do aluno. Dentro desse conjunto de crenças uma das mais
utilizadas nas respostas é a da relação entre "dizer" e "tencionar"
(querer dizer) na interpretação de fatos objetivos. Por exemplo, o
fato institucional de assinatura do tratado pressuporia regras consti-
tutivas que, se não fossem satisfeitas, anularia o fato:

(4) P2 - (VNeg) Não, porque tratado apenas não bastam mas


ser bem respeitado sim.

E essa relação a que está também implícita nas justificativas dos


alunos que citam os elementos do texto descritivos do fazer e do dizer
(como, "dar o exemplo" versus "citar o exemplo"), e que nos per-
mite dizer, com segurança, que o aluno constrói um significado me-
diante a interrelação de elementos lexicais com o contexto mais

139
amplo...Entre essa construção de significado e o desempenho dos alu-
nos exemplificados na seção anterior, há um mundo de distância.
Outras palavras do texto servem como elementos iniciadores de
um processo de construção de relações com premissas de cunho cien-
tífico de evidente origem escolar. Tanto "tremor de terra" como
"teste subterrâneo" tiveram essa função na testagem.
De certa maneira estas justificativas equivalem ao argumento de
autoridade, pois o aluno fornece dados cuja credibilidade está garan-
tida pela sua fonte. Percebe-se que as relações com conceitos que
não são acessíveis pela experiência direta não estão integrados em
sistemas ricos em interconexões; em todas as justificativas desse tipo
o aluno demonstra um conceito ecológico limitado demais pela pista
lexical: assim, os efeitos de testes nucleares subterrâneos foram liga-
dos a prejuízos no subsolo (vide exemplos abaixo) sem que fossem
considerados outros efeitos em outros sistemas ecológicos:

(5) P2 - (VNeg) Não, pois estão acabando com o subsolo,


seria a mesma coisa que fazer na atmosfera.
P3 - (VNeg) Não. Pois as bombas não vão prejudicar a
atmosfera mas vão acabar com o solo que em
alguns lugares são péssimos...
P3 - (VNeg) Não.... Mas também pode haver tremores
de alta intensidade no caso de grandes quan-
tidades de explosivos ou ainda destruir o sub-
solo e suas riquezas.

Por último, os nomes próprios conduziram marcadamente para


a construção de relações baseadas no conhecimento da história. Nesse
caso as justificativas assumem uma riqueza expressiva própria de
fatos memoráveis, como se fossem experiências diretamente acessíveis
do passado do leitor, e portanto, relevantes. As justificativas desse
tipo estão geralmente em estilo coloquial, são mais livres no uso de
metáfora, e são de caráter interpretativo pela atribuição de intenções
específicas as entidades referidas por esses nomes. São utilizadas per-
guntas retóricas (li quem sabe o que eles estão fazendo por trás de
tudo isso?"), linguagem figurada ("estamos nas mãos deles", "eles
não estão nem aí"), abundante adjetivação na caracterização de inten-

140
ções (" eles poderiam esquecer essas idéias malucas ... "), (" desleais"),
("flquem inteiramente no poder e superiores aos outros ti) para citar
alguns exemplos.
Na realidade, as justificativas de base extratextual não justifi-
cam a inferência de uma atitude ou outra do autor, mas justificam a
própria atitude do leitor, que no caso coincide com a do autor. Ao
compararmos as justificativas que apresentam citação ou paráfrase
dos elementos textuais que justificam a inferência (43% dos casos)
com as justificativas de base extratextual, nota-se que um efeito da
justificativa de base textual é tornar a posição do aluno opaca; no
outro tipo de justificativa, como já mencionamos, o leitor justifica sua
própria atitude. Temos aqui uma questão relevante ao ensino de
leitura: uma das estratégias que nos leva à compreensão é o estabele-
cimento de conexões entre elementos presentes no texto com outros
do contexto mais amplo. O aluno que utiliza evidência extratextual
está justamente fazendo isso, mas, no processo, ele perde de vista a
intersubjetividade, não conseguindo dissociar a sua atitude daquela do
autor, implícita no texto. Pareceria então, que apesar de serem capa-
zes de resolver a tarefa experimental, estes leitores são leitores ingê-
nuos, que acreditam naquilo que o autor acredita. Porém, não é
esse o caso. Nota-se, nos dados representados no Quadro 4, a seguir, .
que o aluno usa evidência extratextual (e assume, portanto, a posi-
ção do autor) na versão negativa do texto, que coincide com sua
posição quanto ao assunto; já na versão afirmativa as justificativas
são, quase que na totalidade, de base textual:

QUADRO 4: Tipos de justificativas - Resolução correta


Respostas: justificativas
Grupo controle Grupo experimental
TIPO (n=18)· (n=96)··
VNeg. VAf. VNeg. VAf.
(n=6) (n=12)··· (n=48) (n=48)
Textual O 83% 54% 93%
Extratextual 100% 8,3% 22% 4,1%
Combinaçlo O 8,3% 22% 2,0%

= 18: número
*.
* n de respostas corretas de 6 alunos
n = 96: número de respostas corretas de 16 alunos
.•..•..•.As respostas dos subgrupcs estão divididas conforme a versão que o
aluno leu.

141
Entre os pouquíssimos casos em que o aluno utiliza evidência
extratextual na versão afirmativa, observamos que, o aluno assume
a posição do autor na VNeg, dissociando-se do autor na VAf, como no
exemplo a seguir, de um mesmo adolescente:

(6) PI - (VNeg) Não. Pois os EUA e a URSS vivem em cons-


tante competição para mostrar sua superiori-
dade aOB demais países.
(VAf) O autor sim. Ele acha que há uma concor-
dância entre os países para que não haja sur-
gimento de uma terceira guerra.

Há apenas um aluno que assume a atitude do autor numa justi-


ficativa extra textual na versão afirmativa, mas mantém ainda dois
planos na sua resposta, explicitando aquilo que é atribuído ao autor:

(7) P3 - (VAf) Não sei; aqui eu fiquei na dúvida mas acho


que o autor tem confiança em que as nações
poderiam até desistir de fazer testes subterrâ-
neos. Assim sendo, acalmaria um pouco essa
história de guerra nuclear.

Isto indica que, apesar de o aluno não ter conseguido (ou não
ter optado por) explicitar as operações sobre o léxico que ele utílí-
zou e que lhe permitiram chegar à sua resposta, ele realizou essas
operações.
Bem diferente é o desempenho dos alunos (36%) que não con-
seguiram perceber a atitude do autor na tarefa experimental, isto é,
os alunos cujo desempenho é semelhante ao da maioria do grupo
controle, cuja tarefa não tinha pré-dírecíonamento nem parâmetro
comparativo. Nesse grupo que fracassou na tarefa experimental, não
há tendências marcantes, sendo as respostas mais dispersas. Nota-se
uma ligeira tendência no mesmo sentido do grupo que resolve a tarefa
(a metade (500/0) dos alunos justifica textualmente a VAf, enquanto
que quase a metade (440/0) justifica extratextualmente a VNeg). Há,
proporcionalmente, menos justificativas de base textual: 73% das
respostas do grupo que resolve a tarefa são de base textual versus
35 % deste grupo. Obviamente estes últimos alunos têm dificuldades

142
para perceber a função do léxico na argumentação, sendo natural que
não ~ utilizem como controlador do tipo de respostas dadas.
Embora haja diferenças nas justificativas do ponto de vista quan-
titativo, é do ponto de vista qualitativo que as diferenças se tornam
significativas. Ao contrário dos alunos que conseguem resolver a
tarefa, que como vimos, justificam a opinião deles, leitores, apenas
na versão negativa (quando esta coincide com a do autor), marcando
claramente a posição do autor na versão afirmativa (quando esta não
é compartilhada pelo aluno), os alunos que não acertam a tarefa não
fazem essa diferença. Já vimos que a maioria dos alunos percebe ape-
nas um texto, reiterando a sua resposta (repetindo-a ou parafrasean-
do-a) em cada versão (vide exemplo (1) acima), ou, ainda, amplian-
do-a na mesma direção argumentativa de sua primeira resposta:

(8) PI - (VNeg) Não. Eles procuram mostrar para os outros


países outras coisas que fizeram e acham que
para o bem da humanidade, como por exem-
plo o Tratado, mas isso acho que visam seus
próprios interesses.
(VAf) Não. Acho que quando precisarem mesmo
dependendo de quem estiver no poder, não
darão importância a esse simples documento.
Por outro lado, mesmo quando o aluno dá respostas diferentes
para cada versão, como no exemplo (15) a seguir, temos de fato jus-
tificativas para uma atitude oscilante do próprio leitor:

(9) P2 - (VNeg) Não. Porque eles se comprometem a realizar


no subterrâneo mas não cumprem.
(VAf) Sim. Tendo assinado não poderiam causar
guerras.

Outras vezes o aluno se mostra indeciso, já que por um lado o


valor absoluto da palavra indica uma direção, enquanto a sua opinião
indica outra:
(10) P2 - (VNeg) Acredita e não acredita. Acredita porque as
duas superpotências se temem mutuamente e
não acredita porque os EUA sempre estão
fazendo testes com as bombas.

143
Eles se ap6iam em palavras também, mas sem perceber a fun-
ção, \ apenas o significado discreto. A unidade de apoio para a infe-
rência é tratada apenas como um elemento a ser pareado com um
elemento do léxico mental do aluno, sem considerar as interconexões
com outras palavras.
A justificativa de base etxratextual nesse grupo não pode ser
considerada adequada, pois o estabelecimento de conexões com o
contexto mais amplo não vem precedido da análise- e síntese neces-
sárias à compreensão. Há apenas reconhecimento de palavras. Isso
torna-se evidente quando consideramos as respostas que se apéíam
no texto. Em relação às duas primeiras perguntas, as palavras salien-
t es sao
- o, 11 esf orço,"". assinatura"."
su b st an t'IVOS: " pacto, "" trata do"
Assim, por exemplo, em resposta à primeira pergunta da versão
negativa, encontramos:

( 11) P1 - (VNeg) Sim. Os s6cios vão fazer esforços .


Sim. Assumiram o compromisso .
Sim, porque eles fizeram uma assinatura
Sim, porque com esse pacto ...

Em relação à pergunta três, onde predominam ligeiramente as


respostas negativas, as palavras do texto em que o aluno se apóia
são também nomes (adjetivados ou não): 11 tremor", "testes". Assim.
encontramos, como .
respostas à pergunta 3 da versão afirmativa .

(12) P3 - (VAf) Não, porque elas podem causar tremores ...


Não, porque testes subterrâneos causam ligei-
ros tremores na terra.

Nesse último exemplo, o aluno escreveu" apenas ligeiros tremo-


res" e depois riscou a palavra "apenas"; evidentemente esse aluno
considera relevantes, para a construção do significado, apenas as pala-
vras de conteúdo. Quando ele percebe que o resultado é incoerente,
elimina uma palavra ao invés de reexaminar o argumento. Que o
aluno conhece a língua, isto é, tem competência lingüística fica de-
monstrado pelo fato de ter corrigido a sentença,' ele não tem, con-
tudo, a competência textual que lhe permitiria corrigir a resposta,
isto é, ele não tem a competência que lhe permitiria perceber a
inconsistência de suas respostas em relação ao texto como uma uni-

144
dade de significado, do qual as opções lexícaís, no conjunto, são
com titutivas.
lo

Falamos acima de competência textual e não de competência


discursiva. Fazemos essa distinção porque nenhum leitor, nem os
bem sucedidos na tarefa, foi além da reconstrução de uma atitude
implícita com base em pistas objetivas. Ora, a competência díscur-
siva implica uma interpretação da intenção comunicativa do escritor,
leitura esta não realizada pelos alunos. Não havia, de fato, pergun-
tas que orientassem para essa leitura, o que aponta para uma outra
questão importante para o ensino: a orientação queé dada aos alunos
6 crucial, pois eles tendem a atender apenas àqueles aspectos direta-
mente relevantes; se fazemos perguntas sobre o explícito, o aluno
atenderá ao explícito, se fazemos perguntas sobre detalhes, o aluno
atenderá aos detalhes, mas não como parte de um processo de com-
preensão que considera esses detalhes em função de um discurso,
senão em função de unidades menores, geralmente frasais e senten-
ciaís, em que esses elementos, foco da atenção do aluno, funcionam.
Na testagem, por exemplo, não houve nenhum aluno que ba-
seasse sua justificativa nas diferenças do primeiro parágrafo, entre
a frase "ser mais' remota" modalizada, na versão negativa, e não
modalizada na segunda versão, apesar de ser esta uma diferença rele-
vante para a comparação. Do mesmo modo, como não havia per-
guntas que orientassem para o resgate de uma intenção comunicativa,
os alunos percebem o autor como um agente que informa segundo as
suas crenças, mas não como um agente que age segundo as suas
crenças.

5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Para retomar a questão da relação entre nível de desenvolvi-


mento e desempenho do aluno, coneíderamos o desempenho sob o
prisma das estratégias de leitura utilizadas. Para a resolução da tarefa
proposta, faz-se necessário manter ativo o controle consciente, refle-
xivo da atividade, isto é, é preciso utilizar estratégias metacognitivas
(Vigotzky, 1962, Brown, 1980).
Analisando as várias atividades em que o conhecimento sobre
o pr6prio conhecimento está envolvido na leitura, Kato (1984) pro-
põe que as estratégias metacognitivas na leitura são duas: o estabe-

145
lecimento de uni objetivo específico para a leitura, e a automonito-
ração do processo de compreensão. Pode-se constatar que a tarefa
proposta envolvia necessariamente essas duas estratégias: para a pri-
meira, a intervenção do adulto foi crucial, pois foi ele que explicitou
o objetivo da leitura, isto é, comparar os dois textos a fim de inferir
a atitude proposicional do autor. Foi o aluno que não perdeu de
vista esse objetivo, quem conseguiu resolver a tarefa. Ora, um aspecto
da automonltoração consiste justamente em se manter ciente desses
objetivos. Outras atividades necessárias à leitura são definidas e deli-
mitadas em função desse objetivo, como a identificação dos elemen-
tos que são importantes para a comparação dos textos (que restringem
e controlam a comparação para a consecução do objetivo) e o uso
do conhecimento prévio para construir as relações relevantes à leitura.
Podemos dizer, então, que aqueles alunos que reconstr6em a
atitude do autor estão, durante a leitura, controlando de maneira
ativa o processo, enquanto que aqueles que não resolvem a tarefa
utilizam comportamentos automáticos de reconhecimento do léxico e
de segmentação, sem o controle deliberado e voluntário e sem ação
reflexiva.
Esse controle e essa ação asseguram a eficiência das várias estra-
tégias de leitura: análise de elementos lexicais (e estruturais) e à
síntese para a recuperação do significado global; o estabelecimento
de conexões entre elementos lexicais (e estruturais) com o contexto
mais amplo de conhecimento do leitor (pragmático, de conceitos não
experiencialmente adquiridos, do passado); a identificação da inter-
textualidade, mediante o reconhecimento e manutenção, em planos
ora convergentes, ora divergentes, mas sempre distintos, do narrador,
das entidades referidas pelo narrador, e do leitor; a interpretação dos
elementos lexicais (entre outros) em conjunção com elementos extra-
textuais para a inferência e explicitação da atitude do autor.
Sem esse controle deliberado, consciente e reflexivo, a compreen-
são do texto se torna difícil por várias razões: pela complexidade
do texto, pois se o aluno percebe o significado apenas como uma
propriedade das palavras, na decomposição e segmentação dos ele-
mentos, algumas palavras irão apontar num sentido enquanto outras
apontarão no sentido inverso e s6 a descoberta do fio, desse emara-
nhado de relações tomará o objeto mais simples. Também o texto
toma-se difícil pela incoerência percebida, ou entre o texto e o con-

146
junto de crenças do leitor (para o leitor é incoerente o autor falar
de "apenas pequenos tremores" quando ele, leitor, acha que até um
pequeno tremor é sério) , ou pela incoerência percebida no próprio
texto: muitos alunos acham que o autor primeiro acredita e depois
Já não acredita). O texto pode se tornar difícil ainda, porque a tarefa
não faz sentido para o aluno, isto é, se não há consciência de que
os limites do texto não estão nas palavras nele contidas, como enten-
der as instruções que solicitam algo que não está explícito.
Ora, todas essas dificuldades são produto do ensino: o texto
sempre será complexo se se enfatizar o significado das palavras ao
invés da função dessas palavras no discurso, isto é, o que o autor
quer dizer com essas opções lexicais; as tarefas sempre serão pouco
claras, confusas e as habilidades necessárias para sua resolução não
forem praticadas; o texto sempre será incoerente se a atividade de
leitura não for orientada para a construção de relações em unidades
maiores do que a sentença, e se não for instaurada, como requisito
básico da interação à distância, através de _um processo dialético
analítico-sintético, a necessidade de "ouvir" cuidadosamente o autor I

i.e., examinar as suas opções lexicais (e estruturais).


Faltou ao aluno consciência da intenção argumentativa do autor.
Se a tarefa tivesse exigido um questionamento do aluno, (por exem-
plo, sobre o contexto de situação mais amplo ainda, quem é o possí-
vel autor, de que país, quando ele teria escrito o texto, onde, para
que, etc.), não temos dúvidas que os alunos teriam demonstrado
também competência discursiva nessa hierarquia que estabelecemos
que vai do lingüístico até o discursivo, passando pelo textual.

A instrução em geral precede o desenvolvimento, (e.g., Vigotsky,


1978). Há obviamente, sujeitos que, até sem nenhuma orientação, se
engajam em atividades metacognitivas durante a leitura; entretanto,
os demais precisam ser instruídos, não em algum momento do futuro
em que hipoteticamente terá alcançado o nível de desenvolvimento
necessário para a tarefa, mas já, desde o momento em que começa a
ler. Para isso, as possibilidades abertas ao professor são muito mais
ricas do que as abertas ao experimentado r . Mesmo assim, com todas
as limitações da situação experimental, o desenvolvimento potencial
do aluno foi entrevisto, e poderá ser plenamente alcançado se o
ensino estiver apoiado no pressuposto de que a capacidade de apren-
dizagem do aluno é praticamente ilimitada.

147
Parte III
Ensino
ENSINANDO A LEITURA *
You can't teacb the science 01 reading; love gets in
the way.
(Não se pode ensinar a ciência da leitura: o amor
entra no meio).
(Dr. Seuss)

A formação precária do professor na área de leitura, bem como


o desconhecimento dos resultados da pesquisa na área trazem con-
seqüências negativas para a qualidade de ensino, algumas das quais
já tratadas nas seções anteriores.
Faz-se necessário repensar o ensino de leitura na escola. Mas,
poder-se-ia perguntar, como podemos falar de ensino de leitura? Ensi-
nar a fazer o quê?
A compreensão é um processo altamente subjetivo, pois cada
leitor traz à tarefa sua carga experiencial que determinará uma lei-
tura para cada leitor num mesmo momento e uma leitura diferen-
te para o mesmo leitor, em momentos diversos. Como podemos
unificar e homogeneizar aquilo que é por natureza heterogêneo.
ideossincrático? Não podemos, é claro. Mas ensinar a ler com com-
preensão não implica em impor uma leitura única, a do professor
ou especialista, como a leitura do texto. Ensinar a ler, é criar uma
atitude de expectativa prévia com relação ao conteúdo referencial
do texto, isto é, mostrar à criança que quanto mais ela previr o con-
teúdo, maior será sua compreensão; é ensinar a criança a se auto-
avaliar constantemente durante o processo para detectar quando per-
deu o fio; é ensinar a utilização de múltiplas fontes de conhecimento

111 Este trabalho é o resultado de palestras apresentadas a professores de


2.a - 4.a séries da Rede Municipal de Campinas, participantes do Projeto
MEC-SESU - "Leitura e Produção de Textos na 2.a - 4.a séries" (1984-
1985). Parte dele foi apresentado no 2.0 Encontro de Leitura, U.E. Londrina,
1986.

151
- lingüísticas, discursivas, enctclop6dicas - para resolver falhas
momentâneas no processo; é ensinar, antes de tudo, que o texto é
significativo, e que as seqüências discretas nele contidas sõ têm valor
na medida em que elas dão suporte ao significado global. Isso implica
em ensinar não apenas um conjunto de estratégias, mas criar uma
atitude que faz da leitura a procura da coerência: as proposições
estão em função de um significado, devem ser interpretadas em rela-
ção a esse significado; as escolhas lingüísticas do autor não são alea-
tórias mas são aquelas que, na sua visão, melhor garantem a coerência
de seu discurso.
Para criar essa atitude frente ao texto devemos, por um lado,
sensibilizar a criança para os traços lingüísticos que servem de super-
te à reconstrução do quadro referencial proposto pelo autor, isto é,
aqueles traços que salientam, hierarquizam informações, que dão
coesão, e que funcionam no nível macroestrutural do texto, como
macroconectivos, ou predicações que marcam a linha temática. POI'
outro lado, mais importante é criar condições na sala de aula para
que a criança interaja globalmente como o autor via o texto.
A pesquisa que vimos desenvolvendo claramente demonstra o
fato de os problemas de leitura do aluno serem superáveis mediante
a criação de condições que permitam tal envolvimento, que engajem'
a faculdade de compreensão.
Encontramos, entretanto, que as práticas mais comumente usa-
das em sala de aula são inibidoras do desenvolvimento da capacidade
de compreensão. Uma dessas práticas é a leitura avaliação, em que
se utiliza a leitura em voz alta para avaliar a capacidade de com-
preensão da criança. ~ preciso, no processo escolar, avaliar se o
aluno está desenvolvendo adequadamente suas habilidades de leitura,
mas para isso devemos saber exatamente o que vamos avaliar, e quais
são as tarefas que, se o aluno conseguir executar, nos permitem
dizer que esse aluno lê.
Se, por exemplo, queremos descobrir se o aluno conhece as
regras ortográficas da língua, a leitura em voz alta é um bom instru-
mento de avaliação, considerando que a criança, para fazer isso,
deverá conhecer as correspondências entre grafia e som.
Se estivermos interessados em saber se o aluno reconhece os
valores dos diversos sinais de pontuação, também a leitura em voz
alta é adequada, porque a evidência está na entonação com que lê.

152
Mas, se estivermos interessados na capacidade da criança para
compreender um texto, fica difícil justificar a leitura em voz alta.
A tarefa é muito complexa para a criança, pois ao mesmo tempo em
que está preocupada em pronunciar corretamente cada palavra, tem
que se preocupar com o significado das mesmas a fim de formar
unidades de significação. O que ocorre, em geral, é que numa situa-
ção de leitura em voz alta, a preocupação primordial da criança é
com a decodificação, uma vez que, naquele momento ela está sendo
avaliada neste aspecto pelo professor e pelos colegas. Como conse-
qüência, o significado fica em segundo plano.
Contribui também para isto o fato de a criança, mesmo per-
cebendo que o texto não está fazendo sentido, não poder voltar a
lê-lo, uma vez que o professor espera que a leitura seja contínua,
progressiva.
A leitura silenciosa, no entanto, excluindo a preocupação com a
pronúncia e entonação, permite à criança envolver-se totalmente na
busca de significados utilizando para isto seu próprio ritmo de leitura
e as regressões ou releituras que se lhe fizerem necessárias.
Como já vimos, a velocidade do olho é maior que a da voz,
mas é também condicionada por esta, pois o olho poderá perceber .
até seis palavras a mais, desde que seja a partir daquela que está
sendo "falada". Ora, a leitura em voz alta, por exigir a pronúncia
de todas as palavras, é naturalmente mais lenta; conseqüentemente,
ela barra o desenvolvimento da velocidade do olho. Simultaneamente,
ela leva a criança a fazer um número maior de fixações, impedindo
que ela desenvolva a habilidade de fazer sacadas cada vez maiores e
assim, de ler mais rapidamente
Em suma, o uso excessivo, da leitura em voz alta é um fator
inibidor do desenvolvimento do bom leitor. Se quisermos avaliar se
o aluno está desenvolvendo a flexibilidade necessária para adaptar
suas estratégias de leitura à natureza da tarefa, bem como a inde-
pendência característica do leitor proficiente, devemos observar seu
desempenho enquanto propomos diversas tarefas, que o ajudem a
relacionar o texto como que ele já sabe, que o ajudem a estabelecer
objetivos próprios, que engajem seus processos cognitivos.
A segunda prática que mais comumente observamos, e que con-
sideramos também inibidora do desenvolvimento da capacidade de

153
leitura da criança é a prática da leitura sem orientaçlo, exemplificada
pela prática do professor que solicita à classe que "abra o livro na
página x e leia" ao invés de preparar o aluno para engajar seu conhe-
cimento prévio antes de começar a ler, isto é, fazer com que o aluno
traga à memória intermediária tudo que sabe sobre o assunto a fim
de facilitar a compreensão,
Uma maneira adequada de ativar o conhecimento prévio da
criança consiste em fornecer um objetivo à leitura, (i.e., vamos ler
para descobrir por quê, como ; para conhecer os detalhes de ... ;
para ter uma idéia geral de ). A criança deve aprender a adaptar
suas estratégias de leitura e de abordagem ao texto aos seus próprios
objetivos. Daí a dupla vali dez de uma prática em que o professor
define, antes da leitura, os objetivos da mesma, assim modelando
uma atitude importante de acesso ao texto.
Relacionada a uma prática de leitura mecanicista está o que
chamaremos de hipótese de transferibilidade tipológica, à qual mul-
tas propostas de ensino estão subjacentes. Considera-se que a capa-
cidade de compreensão é transferível através de tipos discursivos, isto
é, a criança que compreende um texto narrativo não deveria ter difi-
culdades para compreender um texto expositivo.
Há experiências que atestam a falácia de tal pressuposto (vide,
por exemplo, Freedle e Hale, 1979); entretanto, o educador que adota
uma visão da leitura como interação não precisa de resultados expe-
rimentais para se precaver contra tal falácia: numa visão interacio-
nista, o objetivo do autor é diferente, e está marcado de maneira
diferente, nos diversos tipos de texto. Se nem sempre a criança está
ciente do objetivo da leitura em sala de aula, muito menos estará
ciente de que por trás desse texto há um ato e uma intenção dife-
rentes: entreter, informar, convencer. O objetivo da leitura da crian-
ça será também diferente, em parte determinado pelos seus interesses
e necessidades, em parte conseqüente com o objetivo do autor, para
assim compreendê-lo e avaliar o grau de sucesso deste.
Também relacionado às práticas de leitura via automatismos,
está a hipótese de linearidade. Certamente as propostas que aderem
a tal hipótese não terão como preocupação central a criação de con-
dições para que a criança reconstrua o sentido global do texto. Temos
observado que as práticas atomicistas e de segmentação do texto im-
pedem a criança de integrar as informações do texto: frente a uma

154
tarefa que promove a leitura global do texto, os escolares conseguem
integrar as informações e parafraseá-las através de um texto coeso e
coerente, enquanto que escolares do mesmo nível, frente a tarefas
que promovem a depreensão seqüencial dos signüicados, não recons-
troem as- informações de um todo integrado nem conseguem para-
fraseá-las de maneira coesa e coerente, revelando inconsistências, equí-
vocos, e incompreensão. Tarefas como elaborar um resumo com con-
sulta ao texto, ou como extrair idéias principais de um parágrafo,
ou ainda como responder perguntas sobre informações parciais, são
suficientes para criar no escolar uma relação de dependência com o
objeto, relação que seus colegas não exibem quando a ênfase da
tarefa recai na reconstrução do texto como um todo. Tal ênfase é
própria de um .enfoque interativo integrado, enfoque este que per-
mite à criança efetivamente revelar a sua capacidade de compreensão,
e que reposiciona o problema da compreensão do texto não no escolar
mas nas condições adversas com que ele se depara para chegar à
compreensão.
Porém o professor, trabalhando em condições precárias, não
conta com material didático adequado, isto é, material baseado em
concepções adequadas de linguagem, leitura e aprendizagem. Também
a própria prática do professor muitas vezes apenas ecoa o livro didã-
tico, assumindo essa inadequação.
Examinaremos diversos aspectos dessa inadequaçãó nos artigos
incluídos nesta parte. Em Leitura e legibilidade, considerações sobre
11

o texto didático" argumentamos que ao analisarmos a estruturação do


texto usado em contexto escolar, e, dadas as expectativas dos alunos
em relação à leitura desse texto, devemos concluir que ele é ilegível.
Determinamos também a inadequação do texto didático em "A coe-
rência e legibilidade do texto didático" em que defendemos a tese
de que a análise do livro didático em relação a princípios cooperati-
vos na interação através da leitura leva a concluir que o texto didá-
tico, além de difícil leitura, é incoerente.
Finalmente. em li O enriquecimento do vocabulário através da
leitura", examinamos os princípios metodológicos e lingüísticos adota-
dos para o ensino de vocabulário no livro didático e em sala de aula,
concluindo que eles são inadequados para esse objetivo, e inconsis-
tentes como uma visão da leitura como interação entre leitor e autor
via texto.

155
LEITURA E LEGIBILIDADE:
REFLEXOES SOBRE O TEXTO DIDATICO *

1. LEGIBILIDADE DO TEXTO DIDATICO:


UM CONCEITO VIAVEL?

Poucos conceitos na área de leitura provocam maior polêmica


que o conceito de legibilidade, ou dificuldade do texto, considerado
por alguns apenas um artefato de tendências quantificadoras de al-
guns pesquisadores, e por outros, principalmente editores de livros
didáticos na tradição americana, como a varinha mágica que deter-
mina o sucesso ou fracasso da criança no ato de leitura, e, por exten-
são, o sucesso ou fracasso do livro por eles promovido. Uma vez que
extremos preconceituosos de ambas as partes são ignorados, resta-nos
ainda o problema real do professor que se depara com textos que seus
alunos acham difíceis de compreender, seja por falta de conhecimento
prévio, seja por problemas estruturais do texto. Os subsídios para
o professor que pretende fazer uma decisão informada na escolha de
texto são escassos, devido ao fato de que no passado muitas vezes
o problema foi reduzido ao absurdo: nem freqüências lexicais nem
mecanismos sintáticos ao nível da sentença são pertinentes ao pro-
blema. Outros enfoques, mais sofisticados, e que levam em conside-
ração aspectos macroestruturais nas propostas para diagnosticar a difi-
culdade, carecem de suporte empírico necessário à promoção de uma
estrutura de texto como mais fácil do que uma outra. Não é apenas

.•. Este texto é uma versão resumida do texto com o mesmo nome publicado
em Série Cadernos PUC, 17 - Ensino de Llnguas, pp. 79-104, 1981. Essa
pesquisa foi desenvolvida durante a estada da autora no Center for Study
of Reading. da University of lllinois.

137
através de suporte teórico que podemos privilegiar certas estruturas;
afinal, os textos aão difíceis para a criança compreender, e deveria
ser 'sua compreensão ou incompreensão de um texto o que validasse
as propostas; se a criança conseguir ler o texto, então ele é legível.
Na ausência de propostas inequívocas, este trabalho oferece indireta-
mente subsídios ao problema, a partir da anélíse de redações produ-
zidas por crianças 1. As redações, na medida em que elas se adequam
à tarefa solicitada, i.e., resumo ou evocação de um texto didático
imediatamente após a leitura, se constituem numa evidência da com-
preensão ou falta de compreensão no momento da leitura. Há mais:
na medida em que processos inferenciais e de seletividade da infor-
mação textual da criança são auxiliados ou impedidos por aspectos
de estrutura do texto, poderemos caracterizar parcialmente o texto
didático legível.

2. ESQUEMAS DE INTERAÇÃO NO ATO DE LEITURA

A complexa interação entre leitor e autor para depreender o


significado do texto no ato de leitura, a multiciplicidade de leituras
possíveis de um mesmo texto, apontam a necessidade de postular
processos interativos dinâmicos, criativos através dos quais o leitor
recria o texto. Elias (1983), propõe para a caracterização do conjunto "
de regras que determinam a relação entre o leitor e o autor via texto,
o conceito de esquema cooperativo, que incorporaria tanto as capaci-
dades e tendências orientadoras do próprio leitor, quanto os aspectos
formais que o texto impõe para orientar a leitura. Nessa perspectiva,
haverá estruturações que facilitem a compreensão do texto, tomando
legítima a tentativa de caracterizar estruturas textuais mais acessíveis.
Embora concordemos com a legitimidade dessa tarefa, neste trabalho
questionamos o papel facilitador "da familiaridade com uma estrutura
textual num caso específico, i.e., na leitura de textos didáticos, textos
cuja função é a transmissão de informação nova, para escolares.
Apresentaremos evidências de que a exposição repetida ao texto didá-
tico, produto de concepção e de mecanismos de estruturação simpli-
cantes, leva o escolar à formação de um esquema estereotipado deste
tipo de texto, que orienta rigidamente os processos envolvidos na
compreensão.

1. Os dados alo de D. Brasa C'Como se transmite a Cultura") e J. Mosenthal


("The Prophet of Arabia ti). Aaradecemos 08 autores pelo acesso às redações.

138
Nesta proposta, apoiamo-nos nas contribuições de Bartlett (1932)
(retomadas atualmente na teoria de esquemas), que notou repetida-
mente que na resolução de divenas tarefas experimentais de ordem
cognitiva, o sujeito imediatamente coloca em jogo diversas tendências,
interesses, Inclínações que lhe permitem adotar uma atitude específica
para a resolução da tarefa; a análise propriamente dita de um estí-
mulo perceptual, por exemplo, pode estar ausente, o que não impede
de certos aspectos do estímulo sejam percebidos como mais impor-
tantes do que outros, em virtude de um esforço, constante do indiví-
duo, de ir atrás do significado.
Há nesse esforço uma tendência, muitas vezes, de procurar a
solução mais fácil. Essa reação na procura de uma saída mais fácil t

continua Bartlett, é sempre uma tentativa de relacionar o elemento


apresentado a algum outro elemento não presente.
As experiências de Bartlett mostram que em casos em que o estí-
mulo é muito simples estruturalmente, ou regular, ou ainda familiar,
os dados são imediatamente pareados, ou correlacionados com algum
padrão ou esquema, que parece ser pré-existente. Já quando não há
possibilidade de. um pareamento imediato, então o sujeito procura
analogias que lhe permitam entender os dados.

Seria o esquema uma espécie de cenário organizado (li organized


setting) que orientaria esses processos. Na concepção de Bartlett esses
esquemas são dinâmicos e construtivos; porém, ele aventa também a
possibilidade de que existam modos de representação e de reação
altamente convencionalizados, estereotipados, especialmente quando
os fatores organizantes são de origem social. Ora, se consideramos
as reações orientadoras dos processos cognitivos na situação escolar,
meio altamente convencionalizador onde a criança se depara por pri-
meira vez com o texto didático, podemos aventar a hip6tese de que
a criança, na procura de princípios organizadores e orientadores na
leitura desse tipo de texto, e, aliás, provavelmente ajudada por ins-
truções pedag6gicas simplistas, desenvolva um esquema do texto didá-
tico, não dinâmico, mas passivo, estereotipado e convencional, um
modelo acabado. e mantido por repetição, modelo este característico
dos processos mnemônícos e perceptuais mais elementares, do tipo
que Bartlett chama de processos de nível inferior ("low leveI proces-
ses") de caráter automático inconsciente (como é o caso da memori-
zação ~em compreensão, ou "rote rememberíng").

159
o insucesso generalizado da criança nas tarefas solicitadas, e a
incidência de reconstruções sem base textual, comuns nos textos pro-
duzidos pelos alunos; decorreriam da rigidez e inflexibilidade de cer-
tos mecanismos de abordagem do texto didático, produtos estes de um
padrão de expectativas pré-determinadas, já confirmadas pela prática.
Estas expectativas funcionariam à margem de interesses e motivações
individuais, uma vez que o texto didático é imposto, e à margem
das restrições impostas pelo próprio texto, por se tratar, como vere-
mos adiante, de expectativas que pré-condicionam o processo de sele-
tividade de informação, assim dificultando o processo de leitura e
paráfrase toda vez que o texto não corresponder ao estereótipo idea-
lizado. Inserindo este conceito de esquema específico de interação
na concepção de leitura, o esquema do texto didático constitui-se num
mecanismo que limita as possibilidades de interação entre autor e
leitor na medida que ele é pré-condicionado e invariável.

3. SELEÇÃO E RECUPERAÇÃO DAS INFORMAÇOES

A fim de chegar a uma caracterização de esquema de texto


didático, analisaremos nesta seção textos produzidos por escolares a
partir de um texto original que devia ser evocado ou resumido.
Com respeito às evocações, a experiência original (Braga, 1982)
constava de 3 textos. Foram utilizados para este trabalho apenas as
evocações do texto tal qual ele aparecia no livro didático, no total,
40 textos produzidos por crianças de 6.- série. Para o trabalho de
resumo, foram utilizados 28 textos de escolares falantes nativos de
inglês também da 6.- série (6 tb grade).
Para a análise e comparação dos textos produzidos pelos estu-
dantes fsram estabelecidas três categorias descritivas: reconstrução,
distorção e exclusão. As categorias sãc descritivas do produto e não
do processo; isto é, elas não pretendem caracterizar as regras de
redução. semântica através das quais a criança reconstrói o texto ori-
ginal nas tarefas de resumo. Assim, por exemplo, embora as exclu-
sões possam ser produto de uma regra de apagamento, como a pro-
posta no modelo de Kintch e van Dijk (1975), a regra de apaga-
mento utilizada pelas crianças foge à caracterização desses autores
já que material trivial e redundante é freqüentemente recuperado,
enquanto que material relevante é apagado. Também contrastando
com o modelo do leitor adulto proposto pelos autores, constata-se

160
que os processos de tntegração e generalização dos elementos textuais
neIl'! sempre obedecem as restrições impostas pelo texto original, e
que existe um processo complementar que permite a introdução de
novos elementos, não implicados pelo texto. Estes três processos expli-
cariam ocorrência de desvios, enquanto o primeiro daria conta tam-
bém de reconstruções de material trivial e de reconstruções bem
sucedidas.
o termo reconstrução então, descreve a evocação ou resumo de
elementos de diversos graus de fidelidade 'com o original, desde a
repetição, passando pela paráfrase e a construção de proposições
implicadas pelo original, até reconstruções parciais em que um ele-
mento subordinado é utilizado em vez do superordenado do original.
Os exemplos (1) - (3) ilustram reconstruções adequadas, de dife-
rentes ordens de aproximação ao original:

(1) a cultura é um conjunto de coisas aprendidas (repetição do


original);
(2) A cultura espontânea todas as pessoas têm, é adquirida
atra-
vés de outros e de nosso observamento (paráfrase de "A Cultura
que você adquire com a experiência, vivendo junto aos outros,
chama-se cultura espontânea" e "Todos nós temos uma parte
de cultura espontânea"):
(3) If the ocean wasn't there we woudn't be livin (reconstrução
parcial de "Se não houvesse água nos oceanos não haveria vida
na terra").

Quando o aluno reconstrói parcialmente o original substituindo


superordenado pelo elemento subordinado, como no exemplo (4), a
produção é considerada uma instância de desvio, (distorção ou ex-
usão) uma vez que é impossível nesse caso recuperar o elemento
original que serviu de base textual:

(4) As pessoas que não vêem TV não ouvem rádio não têm
cultura (Cf. com o original "Mas algumas pessoas que não foram
. escola, não vêem televisão e não ouvem rádio têm pouca cul-
erudita") .

161
Também correspondências com o original que são utilizadas sem
respeitar as restrições do texto original são classificadas como des-
VIOS, como no exemplo (5) a seguir:

(') Quando nascemos não sabíamos nada. Mas através dos tem-
pos a nossa cultura vai aumentado. .. ~ lõgíco que com o pas-
sar do tempo a minha cultura crescendo eu vou ficando mais
inteligente. (Cf. o original "como ninguém nasceu sabendo x,
as crianças aprendem ... ; como ninguém nasceu sabendo y, as
pessoas aprendem ... " e "A cultura vai mudando com o passar
do tempo, novos conhecimentos vão-se juntando à cultura já
.
existente, ·
ennquecen do-a")
o-a .

Existem, no corpus, produções que ficam numa zona interme-


diária entre a reconstrução e o desvio. A dificuldade de classificação
deve-se ao fato de que um elemento do original é reconstruído utili-
zando um item lexical vago, como nos exemplos (6) e (7).

(6) A erudita é a cultura feita pela televisão, rádio, jornais, etc.


(feita substitui adquirida, aprendida).

(7) He fled and this became a great event (se converteu num
grande evento substitui a data de fuga marca o começo do ca-
lendário muçulmano).

Expressões vagas como nos exemplos anteriores foram excluídas


da análise.
A distorção resulta de uma construção parcial descontextuali-
zada do material original, que não é ínferível a partir da base textual:
seja por acréscimo de material, ou seja por agregação parcial, o resul-
tado não é inferível a partir do texto, como no exemplo (5) acima
e no exemplo (8) a seguir:

(8) He Mohammed was a Christian (Cf. com o original "Maomé


tirou muitos ensinamentos dos cristãos que conheceu na sua
juventude") .

As exclusões são estabelecidas a partir da análise do texto ori-


ginal segundo os diversos graus de hierarquização e dependência das
informações. Caracterizamos como exclusão a ausência, nos textos

162
produzidos pela criança, de elementos mais informativos, mais altos,
ou- independentes, na estrutura. A exclusão, como a distorção, é uma
instância de reprodução da Informação mal sucedida. Assim, por
exemplo, o apagamento de um exemplo é considerado como resul-
tado de processos adequados de depreensão de significado (e, nos resu-
mos, de redução do mesmo) enquanto que a reprodução de um exem-
plo na ausência da categoria que ele exemplifica é considerada como
exclusão, um tipo de reprodução mal sucedida. :g comum nas reda-
ções a exclusão de elementos de maior carga informativa, que dariam
coerência à seqüência de elementos recuperados. Exemplificamos as
exclusões, que serão retomadas na Seco 4, mediante o exemplo (9)
contrastado com o exemplo (10), que reproduzem integralmente dois
resumos baseados na leitura de um mesmo texto:
(9) In the story Mohammed was a kind of leader like Moses
and Jesus people followed him. They kneeled to an Allah, a God
which they called it like that in Arabic. They would kneel fíve
times to the Allah. Mohammed died in 637 ar 332.
(lO) In a town caUed Mecca during the 600's their lived a
man named Mohammed. During this time people dídn't worship
Gods, they worshipped statues and idols. Soon Mohammed began
teaching; his people about a God named Allah. Many peoplé
followed his belíefs, but some did noto They began to persecute
Mohammed and his followers. Mohammed fled. The year in
which he fled was 622 and ít marked the beginning of the mos-
lem calendar. Mohammed died in 632 A.D. and his teachings
were written in a book called the Koran, his followers were
called moslems. The relgeons he teached was Islam. The Mos-
lem became powerful and conquered many citys. Arabic was
read and spoken. Their numbers carne from India and called
Híndu-Arabic.
A seleção para a análise de apenas a carga informativa repro-
duzida nas redações obedece ao fato de que não há índices inequívo-
cos nas produções das crianças de que elementos de coesão textual
sejam recuperados, a exceção do fenômeno de coesão estabelecida
lexicalmente ou pela co-referência, a ser discutido mais adiante. Há
uma tenâêncía, nas reproduções melhor sucedidas (sem distorções;
com poucas ou nenhuma exclusão) a manter a hierarquização dos
elementos do texto original. Assim, por exemplo, nove resumos do

163
texto em inglês (30%), recuperam, na ordem em que apresentamos
a seguir, praticamente os mesmos subtemas (a proporção do sub-
conjunto que reconstrói o item está entre parênteses):

(a) cenário (.44);


(b) nascimento do Maomé (. 22);
(c) suas viagens e aprendizados (. 22);
(d) ensinamentos morais e religiosos (1);
(e) perseguição (. 66);
(f) fuga (.55);
(g) morte (. 55);
(h) proselitismo e organização da religião islâmica (1);
(i) conquistas militares de islamismo (. 55);
(j) avanços culturais do Império Islâmico (. 33).

Também nos textos em português encontramos, nos textos melhor


sucedidos uma tendência a manter a hierarquização dos elementos do
original (no texto original a descrição e exemplos antecedem a ter-
minologia, nas redações das crianças, das nove que evocam a infor-
mação, seis invertem a ordem):

(a) definição de cultura (.77);


(b) exemplo(s) (1);
(c) maneiras de adquirir (. 77);
(d) maneira espontânea;
(e) descrição e exemplos (.55) (e ordem inversa (.33»;
(f) maneira erudita;
(g) descrição e exemplos (. 66) (e ordem inversa (. 33) );
(h) mudança na cultura (. 77);
(i) exemplo(s) (.66).

o grande número' de exclusões e distorções no resto das reda-


ções, como no exemplo (9) acima, ou (11) a seguir, não nos permite
determinar se a criança tenta reproduzir a ordenação hierárquica
do original:

164
(11) Ninguém nasce sabendo: a brincar, a ler, andar, a falar.
E também a cultura erudita que faz com que as pessoas apren-
dam. Há pessoas que nunca tiveram um estudo completo e
alguns não sabem ler nem escrever. Antigamente os homens que
podiam se divertir, a mulher tinha que ficar em casa e só ir à
igreja e outros lugares. Há pessoas que têm experiência, isto é,
têm prática.
A gente pode transmitir a cultura fazendo com que ensinamos
aos outros.

Por um lado temos, então, as reproduções e resumos melhor


sucedidos que tendem a manter a hierarquização das informações do
original, (o que é de se esperar numa tarefa de evocação mas não
necessariamente numa de resumo), e, por outro lado, temos repro-
duções que combinam as informações sem respeitar nem a ordem
nem o conteúdo do original. Pode ser que esta estratégia tenha carac-
terísticas comuns com a estratégia mais utilizada pelo escolar (5.a -
7.a série) em tarefas de resumo com acesso ao texto. Talvez essas
estratégias não sejam um passo intermediário entre a inadequação e
estratégias recombinat6rias da informação, mas que, ao contrário,
dificultem o desenvolvimento destas últimas uma vez que o produto
das estratégias de repetição e apagamento é aceitável para o professor,
"passa como resumo (Brown e Day, 1983) .
11

4. O FORMAL E O EXPLrCITO NA RECONSTRUÇÃO


DA CRIANÇA

A familiarização com textos cujo objetivo é a veiculação de infor-


mação leva a criança à formação de esquemas de expectativas sobre
a estruturação formal desse texto que norteiam rigidamente o pro-
cesso de seleção e recuperação da informação na leitura. Essas expec-
tativas formais impedem a formulação de hip6teses alternativas du-
rante a leitura toda vez que os elementos do texto não condizem
com essa hip6tese; ao contrário, em muitos casos apenas aqueles ele-
mentos que a confirmam são selecionados no processo, enquanto que
outros são reinterpretados ou apagados num processo que devería-
mos chamar de reformulação do texto em vez da hip6tese.
A primeira expectativa que orientaria o processo seletivo na
leitura tem a ver com a representação hierárquica das informações.

165
o aluno espera que a informação mais alta na estrutura explicite o
tópico. ~ no título que o aluno busca a explicitação que determinará,
em grande parte, a seleção de elementos cuja relação com o tópico
explícito se estabelece mediante a coesão lexícal e a co-referência.
Essa expectativa formal, ligada à incapacidade do aluno de identificar
relações por meios outros que não os mecanismos de coesão já men-
cionados, e à unidirecionalidade da leitura na criança, própria de
leituras lineares que não voltam atrás nem modificam as previsões
no processo de compreensão, determinam o insucesso na reconstru-
ção de elementos pertinentes, quando o título não antecipa todas as
expansões temáticas do texto.
Em quase todas as redações baseadas na evocação do texto
ffComo se transmite a cultura 11 houve recuperação do léxico do origi-
nal: 95 % das redações dizem algo sobre cultura (ainda quando o
termo é utilizado apenas como sínônímo de cultura erudita em 210/0
dos casos); também 780/0 das redações recuperam a relação conversa
estabelecida no texto pelos verbos transmitir, do título, e adquirir,
aprender, do texto. Também nos resumos do texto "O Profeta da
Arábia", há evidências de que as crianças recuperam as relações coesi-
vas pela substituição (o profeta, Maóme) , pelas colocações ou pa-
drões de co-ocorrências (profeta, religião, orar, crença, deus, adorar,
etc.) e pela pronominalização. Talvez com uma exceção, o exemplo
(12) a seguir, os resumos dizem algo sobre Maomé, como um religioso.

(12) This section is about arabs having to do everything there


god told them to Kneel before him everyday and he said that
he would make things better and much easyer for his people.
Allah is name of person who taught Mohammed. Cathipolit is
the name of the capital state ar of the capital country.

Jáno caso de outras substituições no corpo do texto (religião


pregada por Maomé, religião muçulmana, islamismo), a relação é
recuperada em apenas 29% dos resumos, embora o léxico seja repe-
tido em 630/0 dos resumos.

Além do processo de busca de coesão mediante a repetição lexi-


cal e co-referencialidade pronominal, é o equacionamento do título
com o tópico o que determina em grande medida o processo de apa-
gamento de informação. Através deste processo os alunos conseguem,

166
com maior ou menor sucesso, restabelecer a coerência nas suas reda-
ções, uma vez que o tópico pré-determinado nio abrange todas infor-
mações e relações de dependência do texto. Assim, por exemplo, o
texto "O Profeta da Arábia" consta de seis partes, subtituladas:

1. A parte ocidental do Império Romano perdurou,


2. Grande parte da Arábia é terra desolada e desértica,
3. Um Árabe chamado Maomé viveu na Mecca cerca de
600 d.C.,
4. Maomé logo contou com milhares de seguidores,
5. Como os muçulmanos começaram a construir um poderoso
Império.
6. Os árabes desenvolveram uma rica civilização.

Destas seis partes, só duas expõem a vida e ensinamentos do profeta.


Porém, apesar de expressões abundantes que permitiriam uma recons-
trução alternativa (i.e., surgiu um novo poder, o novo poder teve
seus principias em Medina; o crescimento da religião isiãmioa: como
os muçulmanos começaram a construir um poderoso império, o impé-
rio muçulmano continuou se expandindo; o islamismo aos poucos
veio a ser a religião do povo, etc.) a maioria das crianças, 70%,
reconstruiu apenas aqueles elementos que faziam referência à vida e
ensinamento do profeta tMohammeâ taugth, he deolared, told them to,
no texto original). Estes elementos estabelecem relações co-referen-
ciais com elementos do título, porém eles tornam incoesas as infor-
mações da Seco I (vazio no poder) as da Seco 6 (domínio e enrique-
cimento cultural após a consolidação militar) e, parcialmente, as da
Seco 5 (consolidação militar). ~ comum nos resumos (500/0) anunciar
esse tópico restrito desenvolvendo o resumo a partir desse novo tópi-
co, como no exemplo (13):

(13) This text is about Mohammed. He was a lonely, he spends


his time alone (most). Then he started teaching people about
faiths. He said that there is only one god 11 Allah". He said that
Allah is an invisible God, not a temple and not a statue. After
Mohammed díed, people made records of his teachings and put
them into a book called the Koran. Then the people started

167
passing the teaching a11over when they got into India, the Indian
changed their religion (some) into Hindu.

A exclusão de elementos independentes do título é. também co-


mum nas redações baseadas na leitura e evocação do texto sobre
cultura: 30% das crianças não recuperam nem o conceito, nem os
exemplos de mudança na cultura, por exemplo.
Em vez da simples exclusão de elementos, alguns leitores recor-
rem à elaboração de tópicos mültíplcs nos resumos. Poderia ser esse
o resultado de regras de integração ainda mais inadequadas se apenas
o produto fosse julgado; porém, acreditamos que as redações parciais,
mais coesas mas com tópico inconsistente são produto de maior infle-
xibilidade e rigidez na abordagem do texto. Exemplificamos redações
com múltiplos tópicos em (14), que se situa em um nível interme-
diário entre o resumo coerente parcial exemplificado em (13) acima
e exemplos como (15), que parecem ser produto de uma leitura sem
orientação prévia nenhuma:

(14) This section is About Mohammed's life and how he prea-


ched that there is only one God (Allah) and about how he had
to flee because the people began to persecute him so he left, but
sti11 preached in other cities. It is also about how the Islamic
religion conquered everywhere it went and soon became the
most preached religion.

(15) An arab mohammed told the people of constable they had


only one god. Soon he had lots of folIowers. After Mohammed
died, arab became a rich nation. Also a person named? Invented
the Mulsam religion. At the end of this article it telIs about
numbers.

Nas reproduções do material lido 6 comum encontrar, em vez


da exclusão, a reinterpretação de elementos textuais a partir de uma
expectativa criada pelo título: quando elementos não dependentes do
título são lembrados, estes recebem uma interpretação sui generis,
contextualmente anômala do ponto de vista do texto original. No
exemplo (16) a seguir, a criança utiliza o exemplo da luz elétrica,
que no original vinha reforçar o conceito de mudança na cultura,
para ilustrar uma das formas de transmitir a cultura:

168
(16) A cultura pode ser adquirida ...
2. Pelos estudos, há outra maneira de se adquirir cultura, é
pelos estudos, pesquisas nos livros, etc. Por exemplo:
No século passado, ainda não existia luz, com o aperfeiçoa-
mento das pesquisas, técnicas, um cientista conseguiu inventar
a lâmpada.
Essa cultura que se adquire com pesquisas, estudos, etc., cha-
ma-se erudita.

São abundantes também as distorções nas redações em inglês,


a maioria delas devido ao fato de as proposições sobre o profeta
aumentarem consideravelmente uma vez que elementos sobre o isla-
mismo e o império passam a ser dele, o profeta, predicados:

(17) Mohammed built a gold dom on the Moslem (no original,


o Dome oi Rock foi construído em 691 para atrair os pere-
grinos).

(18) Mohammed even had armies and everyone followed him


(no original, Os Califas... também lideravam os exércitos
muçulmanos) .

Considerando tendências gerais nos textos produzidos pelas crian-


ças, observamos a importância que o elemento hierárquico mais alto,
o título, tem na orientação dos processos de leitura. Nos textos em
inglês, vimos que 500/0 das redações explicitam que o tópico do
texto é a vida e/ou ensinamentos de Maomé, enquanto que outros
22 %, embora não explicitem que seja esse tópico, apenas reconstroem
elementos sobre a vida e ensinamentos do profeta. Também nos tex-
tos em português, as crianças lembram mais elementos dependentes
do título: no sub-conjunto examinado, enquanto 75% reconstrói in-
formações referentes às maneiras de adquirir cultura, só 17 % recons-
trói o conceito de mudança da mesma. Ademais, as crianças não só
lembra mais, como lembram melhor o material relacionado ao título.
Se considerarmos o quadro geral das distorções, encontramos que
numa testagem há menos interpretações descontextualizadas na re-
construção de elementos relacionados ao Profeta da Arábia, e na
outra, às maneiras de adquirir cultura:

169
QUADRO 1

Texto N.o de N.o de


Proporção
"O Profeta da Arãbía" Proposições Distorções

Seco 1 Decadência do
Império Romano 12 7 .58
Sec. 2 Cenário 4 3 .75
Sec. 3 Vida e ensinamento
de Maomé 166 10 .07
Seco 4 Proselitismo, vida e
morte de Maom~ 67 12 .17
Sec. S Organizaçlo religiosa
e militar do Imp.
Muçulmano 35 9 .25
Seco 6 Cultura do Impérío 19 6 .32
Ilustrações 5 3 .60
Tópico Integrador 8
Inclassificá.veis 7

QUADRO 2

Texto N.o de N.O de


Proporção
"Como se transmite a Cultura" Proposições Distorções
1. Definição e exemplos 226 36 .15
2. Maneiras de adquirir
e exemplos 326 112 .33
3. Conceito de mudança
e exemplos 221 161 .72
4. Inclassificáveis 24

Considerando a natureza e número de exclusões e distorções, a


criança se auto-limita pela pré-identificação do título com o tópico.
Ao contrário do leitor adulto, que abandona uma hipótese inicial de
leitura quando o texto é inconsistente com ela, a criança mostra-se
mais inflexível. Essa inflexibilidade inicial, aliada a uma expectativa
generalizada de que haverá no texto explicitação e marcação das rela-
ções de dependência estabelecidas pelo autor, dificulta a tarefa de
leitura. Há poucos indícios nos textos examinados de que expectativas
prévias sobre o conteúdo orientem de alguma maneira o processo de

170
seleção de informaçlo: 6 na estrutura formal do texto que a criança
procura pistas que a orientem na leitura. O fato de as crianças lem-
brarem definições pode parecer uma exceção a essa tendência. No
texto em português, que continha três definições, 35% das crianças
recuperam a definição de cultura, 37°;ó recuperam a definição de
cultura espontânea e 42°;ó recuperam a definição de cultura erudita.
Porém, a definição, no texto didático, está formalmente marcada, nos
casos típicos, ou pela hierarquização, ou pela forma da frase, (decla-
rativa, com predicado nominal) ou ainda pela repetição do léxico
do título, como no texto em questão.

(19) Como se transmite a cultura"


ti

A cultura é um conjunto de coisas aprendidas ...


A cultura que você adquire com a experiência, vivendo junto
com os outros, chama-se cultura espontãnea ...
A cultura que você adquire na escola, nos livros, etc ... , chama-
se cultura erudita.

Não é necessário envolvimento nenhum com o texto para recupe-


rar tais elementos, apenas é necessária a identificação de marcas
formais dado o contexto em que o texto didático funciona. O fato
de a criança lembrar e reproduzir definições não seria, então, neces-
sariamente, uma evidência de que a criança seja orientada na leitura
por esquemas de expectativas' sobre a organização lógica do texto,
que refletiria as maneiras de "pensar" sobre o tópico: representações
abstratas para organizar os elementos do tópico, utilizadas tanto pelo
autor como pelo leitor na reconstrução das relações 'entre parágrafo e
sentença (vide Meyer eRice, 1983). O conceito de representação
abstrata do tópico caracteriza determinadas expectativas sobre as rela-
ções a serem estabelecidas no texto a partir de nosso conhecimento
sobre o assunto: assim, por exemplo, em um manual que tem por
objetivo ensinar ao leitor a trocar um fio elétrico, causaria estranheza
encontrar informações sobre a utilização de velas previamente à utili-
zação da luz elétrica, enquanto que um texto que revela um fato
histórico, informações de pano de fundo, não resultariam inesperadas.
No texto em inglês, por outro lado, não há evidência de que as crian-
ças preencham as relações causais implícitas na informação de pano de
fundo (declínio do Império Romano) e as conseqüências (emergência
de um novo poder), embora a relação seja inferível.

171
Se a criança for sensível à estruturaçlo formal do texto na
medida em que esta é evidenciada por marcadores explícitos, as re-
cuperações maciças de exemplos e informação de detalhe parecem
constituir-se em uma contra-evidência a essa sensibilidade, pois o
exemplo ocupa um lugar baixo na hierarquização de elementos e
nem sempre faz referência a elementos do título. Reexaminando,
porém, as expectativas formais da criança no contexto em que elas
estão inseridas, podemos dizer que elas são manifestações de uma
expectativa mais geral sobre a consistência interna do texto didático,
devido ao fato de a função deste ser apenas a transmissão de infor-
mação. Sob esse prisma, as expectativas da criança são um reflexo
de sua' sensibilidade à função do texto didático, que deveria então,
estabelecer toda relação de maneira transparente, para facilitar essa
transmissão de conhecimento, para a criança identificar essas rela-
ções, pois nessa perspectiva, a leitura não é nem reconstrução de
informação, numa perspectiva funcional - comunicativa, nem nego-
ciação de sentido, numa perspectiva interacional pragmática. A lei-
tura é nesse contexto, apenas recepção de informação. Haveria, então,
uma expectativa da criança de que o texto didático traga exemplos.
Nessa expectativa, o exemplo, mais vívido, capaz de evocar imagens,
se constitui num recurso de marcação na medida em que ele salienta,
faz memorável, a informação veiculada. Se o exemplo é sobreutílizado,
ou se a natureza da informação mediada pelo exemplo não é inequi-
vocamente estabelecida (í.e., formalmente marcada, como no texto
sobre cultura), o leitor-receptor não vai resolver a inadequação; ele
simplesmente reconstr6i o exemplo como mais uma ancoragem para
os elementos recuperados, sem abstrair a generalização naqueles em
que a generalização não está suficientemente marcada. Daí o fato de
que nos textos em português 25% das proposições sejam reconstru-
ções de exemplos; sendo que 82°A> das crianças reinterpretam alguns
desses exemplos numa versão inconsistente com o original. Também
no texto em inglês, 12°A> das proposições correspondem a informação
de detalhe, sendo que 70% das crianças inclui essa informação numa
versão descontextualizada devido ao caráter parcial da reconstrução.
A aderência a estratégias de identificação de marcas formais' é
geral. Nos textos em português, há um grupo de crianças que apre-
senta maiores problemas na reconstrução de material marcado e hie-
rarquicamente alto. Se estabelecermos um índice de 100% de sucesso
na recuperação de material para aquelas redações que definem a

172
cultura e explicam as maneiras de adquirir cultura, que não contém
expressões descontextualizadas (expressões como 11 Enfim a cultura é
uma parte especial na nossa vida"), e que mantêm a seqüência do
texto original (do geral ao particular), vemos que, no subgrupo de
crianças que alcança esse índice de 100% de sucesso (14 crianças),
apenas cinco (.35) conseguem recuperar as informações não marca-
das, referentes à mudança na cultura. Já o caso dos textos em inglês
é mais complexo, porque o resumo bem sucedido seria aquele que
conseguisse integrar as informações mediante a reconstrução da rela-
ção entre Maomé e a emergência do islamismo e império muçulmano
(no texto, surgiu o poder; o novo poder teve suas origens na Ará-
bia ... , na Mecca, nasceu Maomé ... ). Se consideramos que para
essa relação é mais importante ou a reconstrução da informação cau-
sal, . ou a do desenvolvimento e herança .cultural, do que detalhes
específicos sobre a vida de Maomé, vemos que nesse subgrupo for-
mado por oito crianças apenas três conseguem resumir o texto segun-
do parâmetros do leitor adulto. As crianças, então, que no conjunto
poderiam ser caracterizadas como 11 bons n leitores (í.e., recuperam ou
integram elementos hierarquicamente altos, sem introduzir distorções
ou elementos da própria experiência, produzindo ao mesmo tempo
um texto coeso) se mostram eficientes na utilização de marcas for-
mais que permitem o acesso ao texto, e conseguem, ao mesmo tempo,
manter o texto como a principal fonte de elementos informativos para
o resumo.
A eficiência na identificação do formal (relações coesivas com
o título, hierarquização), embora seja um instrumento necessário ao
leitor, quando ela é utilizada exclusivamente ela se torna um automa-
tismo ineficiente. Teríamos aqui uma instância do processo discutido
por Orlandi (1983) pelo qual o material didático se torna objeto, anu-
lando sua condição de mediador para a aprendizagem, saber o mate-
rial didático, diz a autora, é saber manipular.
E, podemos agregar, saber manipular. o material didático, no
caso específico da leitura, é saber identificar um número limitado
de relações formais a partir de um elemento explícito privilegiado
na ordenação de elementos.

5. CONSIDERAÇOES FINAIS
Indicamos no começo do trabalho que o exame dos resumos e
redações de evocação das crianças nos permitiria caracterizar parcial-

173
mente o texto legível. Retomamos essa discussão em seguida, exa-
minando primeiramente o conceito de legibilidade à luz dos dados
apresentados. A legibilidade, num sentido amplo, tem a ver com a
estruturação do texto, tanto no desenvolvimento, quanto na apre-
sentação de relações, para permitir ao leitor seguir, avaliar. Se 'con-
sideramos o leitor inexperiente, o leitor que ainda não desenvolveu
algumas capacidades básicas do leitor, podemos considerar uma di-
mensão a mais para a caracterização de legibilidade: o texto é mais
legível na medida em que ele ajuda o desenvolvimento dessas capa-
cidades, evitando justamente saídas fáceis que podem ser converti-
das em muletas inibidoras desse desenvolvimento. Sob esse ponto
de vista, o texto didático não é legível. Já a função do texto no con-
texto escolar compromete a sua legibilidade. O aluno não lê mas
recebe: ele espera a transmissão de informação, o que não deixaria
lugar para equívocos, mas também não deixa IURar para reflexão.
Legibilidade se define na leitura, porém o texto didático não é lido:
no processo não h~ seletividade mediante a reconstrução de relações
implícitas, não há inferências, não há integração: há apenas a identi-
ficação de explícitos e o estabelecimento de correspondências formais.
Uma conseqüência assustadora desse tipo de leitura é o fato de
o texto didático criar expectativas tão rígidas que levem ao desen-
volvimento de mecanismos que funcionam ao nível de recuperação
da informação, e se constituem, portanto, em mecanismos aceitáveis
do ponto de vista do sucesso na escola. Esses mecanismos não são
necessariamente passos intermediários no desenvolvimento de habili-
dades de leitura: a criança já é capaz de fazer inferências, por exem-
plo, s6 que na leitura do texto didático a saída mais fácil é operacio-
nal. Não se trata, tampouco, de utilizar esses mecanismos apenas
como hip6teses orientadoras que venham em auxílio de outras capa-
cidades de leitura: vimos que o aluno considerado "bom" leitor é
Dom leitor enquanto o texto explicita tudo: o implícito fica tão
obscuro para o "bom" quanto para o "mau" leitor.
Em vista dos efeitos do texto didático, o que constituiria um
texto legível não seria, certamente, aquele que explícita, no título
ou em parágrafos introdutórios todas as relações a serem expandidas
no texto. Isso iria reforçar o esquema de expectativas do texto didá-
tico, validando a efetividade dos mecanismos já desenvolvidos no
"bom" leitor, e auxiliando a criação dos mesmos no "mau" leitor.
g claro que o texto é legível na medida em que ele é estruturável,

174
mas o texto estruturável nlo , aquele que preenche todas as possíveis
relações, pois é na interação autcr-texto-leítor que se reestabelece a
coerência. O aluno já vai à tarefa de leitura do texto didático pré-
condicionado por esquemas de expectativas rígidas, invariáveis. Em
outras palavras, se o aluno espera que o tópico seja sempre explici-
tado em uma estrutura alta na hierarquia de informações, e que todas
as relações de dependência com o tópico sejam marcadas, o aluno
não perceberá a existência de elementos cuja relação com o tópico
precisa ser inferida, nem perceberá a necessidade de inferir um tópico
(mediante a integração das informações) nos casos em que a relação
entre título e t6pico não for consistente. Ainda, se o aluno perceber
as inconsistências, ele não terá meios de reestabelecer a coerência
mediante a ativação de outras fontes de informação.
A solução não é reformular o texto didático, mas ensinar o
aluno a ler. E para isso, precisamos de textos legíveis, isto é, textos
que permitam o envolvimento do aluno como sujeito que infere,
reflete, avalia. A reformulação pelos próprios alunos, de textos didá-
ticos inconsistentes, pode ser um passo nessa direção. Outro obvia-
mente é a leitura de textos que nos sejam apenas pretextos para a
veiculação de informação.
Outro ainda é a mudança de postura do professor com relação
ao texto didático; se ele questionar a adequação formal, o aluno
poderá ver que o texto pode ser questionado tanto quanto os demais
tipos.
As produções dos escolares devem também ser considera-
das sob a perspectiva de sucesso da criança para impor uma ordem,
uma estrutura a um conjunto caótico de informações. Sob essa pers-
pectiva, considerando o contexto, os esforços da criança na procura
de uma solução formal ao problema de seleção de informações rele-
vantes é uma solução eficiente dentro do contexto escolar, e deve
ser considerada como manifestação de uma competência textual em
relação a esse tipo de texto. Por quê então não remover as limita-
ções inerentes às estratégias de abordagem desse tipo de texto me-
diante a ampliacão das opções de leitura do escolar?

175
A COER~NCIA E LEGIBILIDADE
DO TEXTO DIDATICO '"

1. INTRODUÇÃO
A consideração da leitura como interação de autor e leitor através
do texto escrito dá origem a opções descritivas e metodológicas novas
para a caracterização de aspectos textuais e aspectos processuais.
Uma dessas opções é a investigação do grau de adequação e
aplicabilidade de teorias de interpretação de enunciados à descrição
desta forma de interação não conversacional, a distância. A utilização
dessas teorias devolveria à lingüística problemáticas que originalmente.
preocuparam psicólogos, e, mais recentemente estudiosos das ciências
cognitivas. Nesse domínio a relação entre o explícito e o implícito,
e o cálculo do implícito é percebido como a utilização, por parte do
leitor, de redes de conhecimento (textual, semântico, enciclopédico)
independente de princípios interativos da comunicação.
Essa utilização acima referida também reformularia proble-
máticas geralmente consideradas de cunho lingüístico, como, por exem-
plo, a legibilidade do texto, que, apesar de ser definida como a relação
entre aspectos textuais, (sintático, lexicais, estruturais) e a compreensão
de um leitor de características definidas, geralmente é estabelecida a
partir de uma análise textual independente da leitura desse texto, do
momento de interação.
Uma teoria que já tem sido aplicada à descrição de aspectos
interativos da leitura é a teoria de conversação da Grice (1975), que

• Este texto foi publicado em Trabalhos de Lingafstica Aplicada, 4, 1984,


pp. 65-76, com o título "O texto didático, considerações sobre Coerêncía e
leaibilidade numa abordagem pragmática. fi

177
permite um cálculo do implícito no texto a partir de um principio geral
de coperação, que se baseia, de certa maneira, na racionalidade que
caracteriza as ações sociais, sendo por isso intuitivamente muito
atraente e abrangente.
Há, é claro, textos que facilmente se prestam a uma análise prag-
mática nessas linhas, já que o próprio autor do texto propõe e joga
com o cálculo do implícito que ele mesmo projeta no leitor, como no
exemplo (1) a seguir:

( 1) A última integrante do grupo é uma colombiana professora


de jardim da infância, com o cabelo bem curtinho e a voz meio
rouca, Sim, sim, já sei o que estão pensando. Eu, de minha parte,
vocês bem sabem que não ponho a mão no fogo por ninguém
(Folha de São Paulo, 5/4/84).

Porém, a análise que interessa não é apenas aquela no nível das


seqüências de estruturas, mas no nível do texto como uma unidade de
significado.
Para Pratt (1977), que propõe uma análise pragmática para o
texto literário, a análise deve começar pela definição dos aspectos es-
pecíficos, únicos, desse tipo de interação. Isso porque os trabalhos
literários pertencem à classe de enunciados que pressupõem um pro- .
cesso e seleção prévio à enunciação (" delivery"), para a apresentação
dos quais, o público, ao assentir a um pedido implícito do locutor ou
autor de segurar um turno sobre cuja extensão já não terá controle,
aumenta, em troca, as suas exigências a respeito da contribuição do
autor. Por isso, as características constitutivas da narração e do texto
narrativo, pressupostas pelo interlocutor (leitor) seriam por um lado.
a narrabilidade ("tellability"), isto é, o fato de serem eminentemente
narráveis, intrinsicamente, interessante, às vezes, inéditos, e, por outro
lado, a apresentação ("display"), o fato de terem a potencialidade de
capacitar o leitor para contemplar, avaliar, interpretar a experiência
narrada; não se trata apenas de relatar, mas procura-se uma resposta,
um envolvimento nos níveis afetivo, imaginativo, avaliativo.
Segundo Pratt, a narração, tanto literária como não literária,
pertence a classe de atos representativos, não informativos, cujo
objetivo é representar ou descrever um mundo e não corrigir
o conhecimento do locutor, não precisando, portanto, estar direta-
mente relacionados aos interesses e preocupações imediatas do in-
terlocutor. A partir de uma maciça apresentação de exemplos da

178
literatura, a autora estende a análise aos textos em BUli globalidade,
propondo que pelo princípio de cooperação requeira-se do autor do
texto narrativo que ele conheça e revele toda a história, que permita
ao interlocutor a seqüência de eventos da história, a adotar uma ati-
tude, desejada pelo autor, com respeito a ela. Isto implica que a
narração deve incluir não apenas a seqüência narrativa, mas tam-
bém informação para orientar o leitor e permitir a avaliação. O leitor
pressupõe, quando há violações desse princípio de cooperação pelas
personagens, que o autor está implicando assuntos outros que os
direta ou indiretamente falados pelas personagens. A ruptura faz
parte do que o autor quer compartilhar, do que ele quer que o
leitor experíencíe, avalie, interprete.
Entretanto, consideramos que o princípio que determinaria o
sucesso da narrativa é essencialmente normativo, tal como a carac-
terística de apresentação ("display"), que se refere ao modo de se
apresentar a experiência: deve ser de tal modo que permita a recria-
ção afetiva, imaginativa, avaliativa. A única característica constitutiva
da narração seria o seu valor narrativo (" tellabilíty") , sendo que é
através dela que se estabelece a relevância do texto. Ser relevante
quer dizer, neste caso, contar aquilo que vale a pena contar. Essa
característica não dita a forma da narração mas constitui organica-
mente a narração.
Ao considerarmos narrações inseridas na conversação, esse
princípio constitutivo sobrepõe-se até ao princípio de cooperação,
uma vez que o narrável é mais indepedente, separável do contexto
de interlocução imediato; ele pode ser introduzido mais facilmente,
sem que haja necessariamente uma observância da seqüência lógica
dos enunciados anteriores (Pratt, op. cit.).
Também o fato de ser eminentemente narrável traz conseqüências
com respeito ao grau de elaboração permitido na narração. Segundo
a autora, a narrativa é susceptível a muitas elaborações, redundâncias,
repetições, tantas quanto forem necessárias para permitir ao interlo-
cutor a recriação da experiência. Obviamente, embora haja limites
quanto ao grau de elaboração permitido, a eficiência na narração
não é coerente com a eficiência prescrita pelas máximas da teoria de
interpretação de Grice (modo, quantidade, e até qualidade), o que
aponta a necessidade de reavaliação da teoria, como Pratt e, inde-
pendentemente, Wilson e Sperber (1979) notaram.

179
Outra aplicação da teoria de Grice à interação não conversacional
encontra-se na proposta de Tierney e LaZansky (1980), que afirmam
existir entre autor e leitor um contrato de diretrizes e responsabilidades
de ambas as partes que surge da adesão ao princípio de cooperação.
Embora os autores procurem definir o turno do leitor como qualquer
momento durante a leitura em que ele compreende e avalia o texto
o princípio de cooperação é tomado como ponto de partida não
para descrever a conversação ou interação, mas para calcular o que
nele se acha implícito (cf. Wilson e Sperber, op. cit.). Assim, por
exemplo, os autores afirmam que, se o texto acima continuasse como
em (2).

(2) O princípio de cooperação é tomado como ponto de partida


não para descrever a conversação ou interação, mas para calcular
o que nele se acha implícito, o que demonstra a importância
desse cálculo em toda troca comercial.

uma das alternativas do leitor seria procurar as razões que levaram


o autor a equacionar "conversação ou interação" com "troca
comercial" .
Para Tierney e LaZansky, o princípio de cooperação determina-
ria a forma do contrato entre leitor e autor, da parte do autor,
constituiria o respeito às máximas de Grice: num texto informativo,
o autor deve ser relevante informativo, sincero e claro. Colocam
eles ainda uma outra responsabilidade do autor, a de estabelecer
pontos de contato comuns entre o quadro referencial proposto pelo
autor e a experiência do leitor. Na verdade, esta segunda condição
decorre da observância da máxima de modo, uma vez que o estabe-
lecimento desses pontos em comum determinará, por exemplo, a
ordem de apresentação dos conteúdos: do velho ao novo, do con-
creto ao abstrato, e assim por diante.
Quanto às responsabilidades do leitor, elas são de dois tipos.
Um tipo subjuga os interesses e objetivos que o leitor tem aos objetivos
propostos pelo autor. Isto é, o leitor deve agir em consonância com
o princípio de cooperação que pressupõe objetivos comuns, direções
partilhadas entre os interlocutores. Trata-se aqui de reconhecimento
do sentido do autor, tornam-se sem sentido, então, as críticas (e
ruptura na comunicação) decorrentes das demandas do leitor não
consonantes com os objetivos do autor, aquelas críticas que descon-
sideraram aspectos da produção do texto. Um outro tipo de respon-

180
sabilidade do leitor é a de trazer e mobilizar 08 conhecimentos ne-
cessários à interação. Trata-se aqui de atribuição de sentido: tornam-
se sem sentido as críticas devidas a limitações cognitivas do leitor.
Para ambos os tipos de responsabilidade a noção de precisão (fi accu-
racy") na leitura parafrástica, convergente é crucial: haveria leituras
e críticas inaceitáveis, devido tanto à imposição do leitor de objetivos
não coerentes com os do autor, como a limitações do saber do leitor,
e da utilização desse saber na leitura 1

2. A LEITURA DO TEXTO DIDÁTICO

A proposta de Tierney e LaZansky é importante para a leitura


do texto didático, texto informativo por excelência. Porém, na me-
dida em que os autores estabelecem as responsabilidades do autor
e do leitor a partir do princípio de cooperação, faz-se necessário
caracterizar as responsabilidades do autor como a observância das
máximas de conversação (quantidade, qualidade, relação e modo),
enquanto que as responsabilidades do leitor ficam limitadas a acei-
tação do princípio cooperativo. g possível, por outro lado, carac-
terizar o acordo entre autor e leitor segundo um princípio em
comum, tácito, que seria constitutivo da interação, o da relevância
(Flahault, 1974, Wilson e Sperber, op. cit.). Nota-se que a proposta
de passagem de máxima a princípio tem conseqüências metodológicas
importantes, na medida em que as funções metodológicas de máxima
e princípio são diferentes. Enquanto a máxima prescreve a forma de
interação ("seja relevante") em função do princípio cooperativo, o
princípio de relevância é fundamental, básico, e como tal ele próprio
pode originar normas, determinar as formas da interação. Segundo
o princípio de relevância (ou axioma, para Wilson e Sperber, op.
cít.) o autor procuraria maximizar o efeito sobre o leitor fazendo com
que o seu texto fosse o mais relevante possível para o leitor, enquanto

1. Em outro trabalho, a partir da concepçlo da leitura como processo inte-


rativo Cavalcanti (1983), investiaa, mediante a análise de dados elicitados
pela técnica de protocolo de pausa, quais os principios ret6ricos usados na
lnterpretaçãc de .textos. A autora considera que enquanto o principio de
cooperaçlo constitui a base pressuposta pelo leitor para a interação, é
através do princípio de relevância que o sentido é negocíado. Nesta abor-
dasem, porém, pelo principio de relevância, o leitor estabelece relações
entre elementos salientados (relevantes para o autor) e a sua estrutura de
conhecimento (conhecimento prévío e conhecimento em estruturação). O
princípio nlo seria, então, constitutivo da pr6pria interaçlo.

181
que o leitor só conseguiria ter acesso ao sentido do texto ao acreditar
na relevância do mesmo. Sobre a questão do que constituiria infor-
mação relevante, podemos pensar na regra funcional proposta por
Polanyi (1982) para análise da narração que diz: "O que está pró-
ximo de mim é relevante para mim" onde proximidade pode se dar
no espaço, no tempo, nas relações.
Na leitura do texto didático, ao contrário da situação de leitura
lúdica na qual o leitor cede um turno extenso porque acredita na
narrabilidade C'tellabilíty") do texto, o escolar cederia esse turno por
acreditar que o autor tem algo a dizer que poderá corrigir, ampliar,
enriquecer o seu conhecimento. Ser relevante significa, então, para o
autor, apresentar informações que ampliem, corrijam, enriqueçam
esse conhecimento. No contexto escolar, porém, pareceria que, da parte.
do leitor, não há exigências, no entanto há. O leitor é, de certa
maneira, um leitor cativo, e o autor não precisa aderir ao acordo
tácito de relevância mútua, já que o relevante seria pré-determinado
por ele, a partir de considerações gerais, intertextuais, pedagógicas,
etc. Assim, por exemplo, os textos didáticos exploram as relações
entre o homem e sua comunidade tipicamente como no exemplo
(3), desvinculado de objetivos, interesses e realidades particulares
do aluno.

(3) A comunidade onde vivemos.

Toda as pessoas que vivem em certo lugar formam uma


comunidade.
As pessoas que vivem na cidade formam a comunidade urbana.
As pessoas que vivem nas fazendas, sítios, chácaras, etc. formam
a comunidade rural.
As pessoas que trabalham e estudam numa escola formam a
comunidade escolar.
Nossa rua, nosso bairro, nossa cidade também são comunidades.
A comunidade deve viver unida.
Para isso, devemos ter amigos e ajudar uns aos outros.
(Marques, Y., A mágica do saber, 2.a série, p, 165).

Além de pensar o princípio de relevância como constitutivo da


interação a relevância do texto como unidade global para os obje-
tivos comuns do autor e do leitor, podemos considerá-lo a nível das
seqüências textuais. Porém, ao contrário novamente da leitura lúdica,

182
quando há violações, não é possível, dadas as características do con-
texto pedagógico, pressupor que essa ruptura faz parte da mensagem
que o autor quer compartilhar com o leitor. O leitor do texto didático
caracteristicamente se dispõe a receber informações, de modo que
uma avaliação da intenção comunicativa do autor fica marginalizada.
Considerando o exemplo (3) acima, o leitor experiente pode recons-
truir o objetivo implícito do autor de introduzir normas de conduta,
e pode avaliar esse objetivo em relação ao objetivo mais geral de
transmitir informações sobre comunidades, í.e., definição e classifi-
cação. Note-se que o objetivo geral é uma propriedade desse tipo
de discurso, propriedade esta que se estabelece no nível pragmático:
o objetivo específico, no exemplo, se estabelece no nível retórico.
Essa leitura não é igualmente acessível ao leitor que espera apenas
receber informações, desde que não há, no texto, marcas estruturais
que permitam identificar, por exemplo, diferenças hierárquicas na
informação (vide Kleiman, 1984, neste volume para uma análise da
função da saliência na recuperação e resumo das informações), e já
que a diferença entre informação e ponto de vista do autor é recu-
perável apenas pela modalização. Pelo contexto em que a leitura
desse tipo de texto se insere, o leitor geralmente não tem os conhe-
cimentos retóricos e extratextuais necessários à determinação do valor
das mesmas.

3. RELEVÂNCIA E COER~NCIA

A relevância, constitutiva de acordo tácito entre leitor e autor,


e portanto, com conseqüências normativas com respeito ao quadro
referencial proposto pelo autor do livro didático, remete ao conceito
de coerência do texto, permitindo ao leitor avaliar o texto tanto
pela sua consistência com respeito a fatores do contexto quanto pela
sua consistência interna (cf. Halliday e Hasan, 1976).
Num enfoque apenas cognitivo, a coerência de um texto depen-
derá das relações que o leitor possa estabelecer entre os diversos níveis
(cf. Fillmore, 1981), desse texto, para o estabelecimento das quais
o leitor precisa utilizar as suas estruturas de conhecimento de mundo,
isto é, estruturas complexas que organizam o seu conhecimento de
categorias de objetos, classes de eventos (por exemplo, esquemas).
Assim, por exemplo, o leitor procuraria preencher, nos esquemas
relevantes evocados pelo texto, os componentes (li slots") do esquema
com os participantes instanciados pelo texto (esses participantes po-

183
dem ser pessoas, objetos, do esquema). Considerando novamente o
exemplo (3). acima, alguns componentes do esquema "comunidade
urbana" poderiam ser bairro, município, formas de governo dessa
comunidade. O leitor procuraria então limitar o número de compo-
nentes mediante a visualização de componentes em comum, assim que
mais de um cenário fosse introduzido: poderia, por exemplo, ligar o
cenário "comunidade escolar" ao cenário "comunidade urbana" pelo
equacionamento de componentes como objetivos comuns das duas
comunidades, estruturas comuns, hierarquias; o resultado dessa liga-
ção seria a formação de um cenário maior, reticulado, cuja articu-
lação fosse crucial ao estabelecimento da coerência do texto. Se é
por esse processo que o leitor estabelece a coerência, então o leitor
que consegue incorporar ao cenário que está articulando as normas
introduzidas pelo autor do texto, mediante a formação de um outro
cenário maior, como ideais de toda comunidade, seria o melhor
leitor ~Mas o leitor que faz isso é justamente o leitor ingênuo, aquele
que não questiona a consistência entre, por um lado, os objetivos
partilhados entre o leitor e o autor, e, por outro o uso abusivo que
o autor faz do turno impondo outros objetivos, implicitamente, e
que tornam o texto inconsistente também internamente, como no
exemplo (3) aqui discutido.
Se, por outro lado, a coerência do texto é determinada também,
em relação a aspectos sociais, tomando como ponto de partida a re-
levância na interação, o texto é incoerente, e o leitor que constrói o
cenário mais abrangente possível, aceitando tacitamente essa incoe-
rência, é o leitor passivo.

4. RELEVÁNCIA E LEGIBILIDADE

A legibilidade de um texto é geralmente considerada uma pro-


priedade do texto. Porém, visto que o texto pode ser difícil ou fácil,
inteligível ou não, para um leitor específico, podemos pensar que 8
legibilidade é determinada também no momento da leitura.
Considera-se que quando o leitor não consegue entender o texto,
a falha na compreensão pode ser atribuída ou ao autor, que não
previu leituras inaceitáveis, ou ao leitor, que não trouxe à tarefa o
conhecimento lingüístico e extralíngüísdcc necessários à tarefa (Tierney
e LaZansky, op. cit.). Contudo, as leituras de um texto não se loca-
lizam apenas nos pólos compreensão-incompreensão: pode haver, na
verdade, um contínuo que, embora sela concebido em termos dos re-

184
sultados do processo, tem a ver com os graus de adequação da leitura.
Na leitura parafrástica, há leituras mais aceitáveis do que outras. A
aceítabílídade da .leltura desloca o problema: ela não depende nem
de falhas do autor nem de falhas do leitor exclusivamente, mas se
define na interação de ambos. No contexto escolar, uma leitura acei-
tável seria aquela em que o leitor,' acreditando na relevância da pro-
posta do autor, incorpora os conteüdos informativos do texto ao seu
conhecimento. Nessa perspectiva, um texto é ilegível não apenas por-
que a sua estrutura interna é de difícil acesso; ele deve ser considerado
ilegível quando o autor apresenta .informações de tal forma que numa
leitura adequada o leitor será levado a incorporar informações erradas
ou falsas.
No nível microestrutural, da seqüência das proposições, não é
difícil estabelecer a legibilidade de um texto a partir de considera-
ções pragmáticas. Assim, por exemplo, poderíamos caracterizar o texto
"Pesquisando o universo" (Apêndice) como difícil, porque ele des-
respeita as expectativas do leitor vis-à-vis o texto didático; a ruptura
das máximas relativas à informatividade, à sinceridade, ao modo não
fazem parte da comunicação ímplícíta do autor, uma vez que o seu
objetivo é transmitir informações. Em outras palavras, o raciocínio
que parte do enunciado até o estabelecimento das implicações ou
conseqüências pragmáticas que fariam parte da mensagem do autor é
barrado ao leitor que precisa desse texto para ampliar o seu conhe-
cimento.
Se considerarmos, por exemplo, o trecho (4), uma interpretação
a partir de considerações retóricas só é possível ao leitor que já sabe
que a analogia é falsa:
(4) Também nós vivemos numa galáxia, a Via Láctea. Nela, a
Terra não passa de um pontinho minúsculo, um grãozinho de
areia num campo de fut~ol.
Se considerarmos, por outro lado, a ruptura da máxima de quan-
tidade (e provavelmente qualidade) em (5),
(5) Os astros estão agrupados no universo em grandes conjun-
tos, que recebem o nome de GALAXIAS. Estas se movimentam
pelo espaço, levando consigo milhões e milhões de astros.
o texto pode ser interpretado através do seguinte raciocínio: (a) as
galáxias são grupos de astros, (b) as galáxias se movimentam pelo
espaço, (c) as premissas (a) e (b) eão verdadeiras, (d) as galáxias levam

185
consigo os astros, (e) há portanto, dois tipos de movimentos: movi-
mento das galáxias pelo espaço (explicitado) e o movimento não dís-
persivo dos astros dentro das galáxias. A conclusão de que o autor
foi infeliz na apresentação dessas informações uma vez que a propo-
sição "levando consigo milhões e milhões de astros" é por demais
informativa e, indiretamente, falsa, implicando na existência de duas
entidades separadas, não é acessível ao leitor que desconhece as in-
formações relativas ao assunto, tornando o texto, portanto, ininteligível.
Há no texto outros exemplos de violação às máximas. Com res-
peito ao modo, considere-se o exemplo (6) a seguir:
(6) Os pontinhos brilhantes são os astros. Alguns (os que têm
brilho fixo), são astros iluminados. Não têm luz própria e apenas
refletem a luz vinda de outros astros, como por exemplo, os
PLANETAS.
Mediante uma estratégia de processamento que estabelece rela-
ções de referência entre segmentos (o princípio de distância mínima
de Kuno, 1976, por exemplo), o leitor é levado a interpretar "outros
astros" como correferencial de "planetas". Somente se o leitor souber
que os planetas não têm luz própria ele poderá chegar a uma outra
interpretação, em que não haja uma relação correferencial entre os
dois termos, o que é feito ignorando-se as pistas do texto.
Contudo, as análises nessa linha não deixam de ter um caráter
"ad hoc"; não há, nas várias análises acima, uma unidade que decorra
da existência de um princípio único. As diversas análises são ins-
tâncias de ruptura na comunicação devido às formas em que o autor
recorta e apresenta a informação. Por outro lado, se caracterizarmos
as diversas falhas decorrentes da ruptura com o princípio de relevân-
cia, uma vez que a expectativa do leitor seja ampliar seu conheci-
mento, a dificuldade do texto estará em relação inversa ao grau de
sucesso do autor na ampliação desse conhecimento: quanto mais dííí-
cíl, ou seja, maior o número de rupturas de princípios normativos da
interação, menos relevante.
No texto examinado, .parece que o autor adere ao princípio de
relevância, pois o texto é' "rico em marcas de intersubjetividade pelas
quais o autor indica o seu conhecimento do leitor e de seus obje-
tivos, necessários ao desenvolvimento do quadro referencial por ele
proposto. Através dessas marcas o autor
(a) estabelece pontos de contato em comum entre ele e o leitor:

186
(7) Quantas vezes, à noite, olhando para o céu, você fica pen-
sando neste espaço imenso ...
(b) prediz o conhecimento que o leitor traz à tarefa:
(8) Você sabe que o litoral do Brasil tem, aproximadamente,
7.000 km, Pois bem ...
(9) E se fizer as contas, você verá que esta distância equivale a
9,46 trilhões de km.
(c) prediz a capacidade de abstração desse leitor:
(lO) Também nós vivemos numa galáxia: a Via Láctea. Nela a
Terra não passa de um pontinho minúsculo, um grãozinho de
areia num campo de futebol. Além de nossa Terra, todos os
astros que você vê a olho nu pertencem à via Láctea.
(d) e identifica os interesses do leitor:
(11) Entretanto, se dispuséssemos de uma espaçonave capaz de
desenvolver a velocidade da luz (300.000 km por segundo), gas-
taríamos oito minutos e 18 segundos para chegar até o sol:
(12) E você poderá satisfazer a sua curiosidade.
Ainda mais importante, o autor explícita e salienta quais as ques-
tões que o leitor esperaria encontrar desenvolvidas no texto. O autor
coloca três questões marcadas do ponto de vista estrutural, já que elas
estão altas na estrutura, sem relações de dependência com outras pro-
posições:
(13) E as perguntas começam a aparecer:
- Quantas são?
- Como estão fixas lá em cima?
- A que distância se encontram?
Pois é deste assunto que vamos tratar. E você poderá agora satis-
fazer a sua curiosidade.
Contudo, ao lermos o texto, notamos que a primeira pergunta é
respondida de maneira vaga, indiretamente, ao se definir galáxias; a
terceira é respondida parcialmente, indiretamente também, ao exem-
plificar a definição de ano luz, e a segunda, obviamente não poderá
ser respondida sob essa forma, já que ela pressupõe uma falsidade.
De fato, ela é negada implicitamente na definição de galáxias, sendo
retomada na apresentação dos movimentos do sol.
Considerando a relação entre as perguntas salientadas na intro-
dução e o desenvolvimento do texto, podemos concluir que as per-

187
guntas e o desenvolvimento são independentes, exceto pela relação
que se estabelece por ambos identificarem partes de um conjunto mais
geral, '0 universo. Podemos dizer,· então, que o texto é inintellgível
dado que os recortes da informação foram determinados independen-
temente da antecipação, que o próprio autor fez, sobre quais seriam
esses recortes. Na medida em que o leitor acreditar na relação entre
um e o outro, dada a sua expectativa mais geral de relevância, na
medida em que o sentido for acessível por ele acreditar na relevância
global e interna do texto, a leitura será mais difícil.
O texto é difícil não apenas pelas rupturas particulares das di-
versas máximas da interação, mas pela violação do princípio de rele-
vância, que é superficialmente, apenas formalmente, levado em conta.
Deparamo-nos, então, com o paradoxo de que o leitor que acreditar
que os recursos intersubjetivos utilizados pelo autor sejam constitu-
tivos da interação é justamente o leitor que terá mais dificuldades na
leitura, já que esses recursos são apenas manipulações superficiais
independentes da progressão do texto. O leitor desatento a pistas
textuais, aquele que apenas identifica informações a serem memori-
zadas, tem uma vantagem sobre o leitor que age segundo princípios
racionais que caracterizam outras formas de interação. Colocamos
então a questão, qual seria a leitura adequada neste contexto?

1.1 Pesquisando o universo

Observando o céu

Quantas vezes, à noite, olhando para o alto, você fica pensando


neste espaço imenso, pontilhado de luzes brilhantes, umas fixas, outras
piscando. E as perguntas começam a aparecer;
- Quantas são?
- Como estão fixas lá em cima?
- A que distAncia se encontram?
Pois é deste assunto que vamos tratar. E você poderá agora satis-
fazer sua curiosidade.
Este imenso espaço, pontilhado de corpos brilhantes, é o univer-
so. Ele é infinito, isto é, não tem limites. Ninguém é capaz de dizer
onde ele começa e onde acaba.

188
Os pontinhos brilhantes slo os ASTROS. Alguns (os que têm
brilho fixo) slo astros iluminados. Não têm luz pr6pria, e apenas re-
fletem a luz vinda de outros astros, como, por exemplo, os PLANE-
TAS. Outros, (os que parecem piscar) são astros luminosos, que têm
luz própria, como as ESTRELAS. Estas são classificadas em 21 ordens
de grandeza. Devido às distâncias imensas em que se encontram, só
vemos a olho nu as estrelas pertencentes às seis primeiras grandezas.
O sol, por exemplo, é uma estrela de 5.a grandeza e se nos parece
tão grande é porque está relativamente perto de nós.

Distancias infinitas

Os astros ficam tão distantes uns dos outros, que foi necessário
inventar uma unidade especial de medida s6 para calcular tais dis-
tâncias. Esta unidade se chama Ano-Luz e baseia-se na velocidade da
luz que é de 300.000 km POR SEGUNDO!. Procuremos fazer uma
idéia melhor desta velocidade.
Você sabe que o litoral da Brasil tem, aproximadamente, 7.000
km. "Pois bem, se o raio de luz não seguisse apenas em linha reta e
pudesse acompanhar as curvas do litoral brasileiro, poderia percorrê-
10 mais de quarenta vezes em apenas UM SEGUNDO I".
Outro exemplo: liA curvatura da Terra mede 40.070 km. Se o
raio de luz fosse capaz de acompanhá-la (sabemos que ele s6 "anda"
em linha reta), poderia, EM UM MINUTO, dar 449 voltas ao redor
da Terra. Um ano-luz é a distância correspondente ao percurso feito
por um raio de luz durante um ano". E se fizer as contas, você verá
que esta distância equivale a 9,46 trilhões de km.
As mais modernas espaçonaves não atingem ainda a velocidade
de 50.000 km por horal Entretanto, se dispuséssemos de uma espaço-
nave capaz de desenvolver a velocidade da luz, (300.000 km por se-
gundo), gastaríamos oito minutos e 18 segundos para chegar at' o sol.

Conjuntos de astros

Os astros estio agrupados no universo em grandes conjuntos, que


recebem o nome de GALAXIAS. Estes se movimentam pelo espaço,
levando consigo milhões e milhões de astros.
Também nós vivemos numa galáxia, a Yia-Léctea. Nela, a Terra
não passa de um pontinho mínüsculo, um grãozinho de areia num

189
campo. de futebol. Além de nossa Terra, todos os astros que você vê
a olho nu pertencem à Via-Láctea.

A famtlia do sol

Dentro das galáxias existem conjuntos menores de astros, for-


mando grupos ou famílias. Um deles, muito importante para nós, é
o Sistema Solar, comandado pelo Sol. Esta estrela de ~.a grandeza
controla o sistema do qual a Terra faz parte. Dele recebemos luz,
calor e energia. E além do nosso planeta, há outros oito conhecidos.
Em ordem de afastamento do Sol, assim se apresentam: Mercú-
rio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão.
Júpiter, Saturno, Netuno e Urano são planetas grandes; Terra e
Vênus, médios; Plutão, Marte e Mercúrio, pequenos.
Além do Sol e dos planetas, o sistema solar tem outros astros!
satélites, planet6ides, cometas e meteoros, dos quais falaremos depois.

Os movimentos do sistema solar

Como todos os outros astros, os componentes do sistema solar


não estão fixos num ponto do Universo. Movimentam-se com incrí-
veis velocidades pelo espaço sem fim. Você já deve ter notado que o
Sol surge no horizonte pela manhã, move-se pelo céu iluminando e
aquecendo a Terra e, ao entardecer, põe-se no horizonte, do lado
oposto. Na realidade, este movimento solar é apenas aparente. Neste
caso, o que se moveu não foi propriamente o Sol, mas a Terra, que
gira ao redor dele.
(extraído de Duarte G., Marum, A., Faria, R., Guimarães, T.M.,
1978. Estudos Sociais, ,.a
série, S.M.: Livraria Lê Editor, 10-12).

190
o ENSINO DO Llt:XICO ATRAVÉS
DA LEITURA *

1. INTRODUÇÃO
A investigação de fatores determinantes da compreensão de tex-
tos no contexto escolar identifica, dentre os fatores que crucialmente
contribuem para o sucesso na leitura, o conhecimento de vocabulário.
O controle deliberado e consciente desse conhecimento em função de
relações textuais é uma das marcas do leitor proficiente. Entretanto,
esse nível metacognitivo das operações e estratégias do leitor nem
sempre pode ser alcançado de forma espontânea, pois a compreensão
do texto exige familiaridade com uma forma onde o contexto de situa-
ção imediato não é tão relevante quanto o contexto indepedentemente

criado pelo autor.
O desenvolvimento dos primeiros significados nas crianças mos-
tram a inter-relação entre o crescimento de suas habilidades de com-
preensão de linguagem e o desenvolvimento de suas habilidades cog-
nitivas, em especial dos sistemas conceituais utilizados para categori-
zar a realidade, apoiando-se, neste processo, fortemente, no contexto
de interação (vide, para uma extensa revisão da literatura, Wells
(1981».Mas o processo de aquisição de conceitos também consiste na
extensão gradativa daqueles já adquiridos a novos contextos; eventual-
mente, a criança é gradualmente liberada da dependência no contexto
imediato; nisto reside, em grande parte, o desenvolvimento pleno das

•••Esta pesquisa foi financiada pela lNEP. Uma versão maior deste trabalho foi
publicado em Trabalhos de Linaüfstica Aplicada 9, 47-81, 1987 com o título
"Aprendendo palavras, fazendo sentido: o ensino de vocabulário nas primei-
ras séries".

191
habilidades de compreensão. O letramento e a escolarização têm um
papel. fundamental neste processo.
Para Luria (1976), a escolarização acarreta mudanças profundas
na atividade cognitiva da criança, pois ela permite o acesso a expe-
riências outras que aquelas diretamente acessíveis através da expe-
riência peso aI. Segundo o autor, é através da palavra, que não é
apenas portadora de significados, mas também de "unidades de cons-
ciência básica que refletem um mundo" (op. cit.) , que analisamos e
sintetizamos a informação externa que chega aos nossos sentidos; que
ordenamos, do ponto de vista perceptual, o mundo; que codificamos
nossas impressões em sistemas. Daí a aquisição do léxico ser funda-
mental ao desenvolvimento cognitivo.
Sobre a independência contextual do crescimento cognitivo que
o processo de escolarização permite, Luria diz: "Ao apossar-se de
formas de discurso desenvolvido, a criança adquire a capacidade de
formar conceitos, mas também de deduzir. conclusões de uns supostos:
assimila relações lógicas, conhece leis que estão muito mais para além
dos limites da experiência pessoal direta; em conclusão, assimila a
ciência e adquire a capacidade de prever e predizer fenômenos, coisa
que não poderia fazer se se limitasse a ser uma simples testemunha
(1977: 125)".
Um outro investigador russo, Vigotsky (1978), mostra qual o
papel do professor nesse processo de natureza essencialmente coopera-
tiva. Segundo Vigotsky, a relação entre desenvolvimento e aprendiza-
gem pode ser apreendida ao reconhecermos um "nível de desenvol-
vimento proximal" da criança. A criança tem um nível de desenvolvi-
mento real, demonstrado na sua capacidade de resolver problemas por
si 56, e um nível de desenvolvimento potencial, demonstrado na sua
capacidade de resolver problemas orientada por um adulto. A distân-
cia entre ambos é a zona de desenvolvimento proximal, o nível de
real interesse no ensino, pois é aí que o adulto (ou os colegas mais
adiantados) pode intervir mediante a criação de experiências de apren-,
dizagem válidas que antecipem estágios de desenvolvimento prospec-
tivos. Assim, quando uma criança apreende um significado, por exem-
plo, o seu processo de desenvolvimento apenas começou, cabendo ao
adulto apoiar e estender este significado concretizando, desta forma,
a aprendizagem que permitirá à criança apropriar-se de outros mun-
dos atr.avés da palavra.

192
Faz-se assim necessária uma orientação cuidadosa por parte do
adulto, mediante a criação de condições que levarão o aluno ao seu
desenvolvimento pleno, tomando como ponto de partida as capacida-
des já desenvolvidas por ele. Daí as condições em torno do aluno, os
fatores determinantes da aprendizagem em sala de aula, serem tam-
bém cruciais ao sucesso na leitura.
A questão de conhecimento de vocabulário não se reduz à ques-
tão do número de palavras desconhecidas ao aluno, nem necessaria-
mente implica questões mais básicas relativas ao conhecimento e
compreensão de um conceito. Nenhuma dessas questões é suficiente
para caracterizar adequadamente um outro problema lexical do aluno
frente ao texto que é conseqüência de uma percepção da palavra como
unidade portadora de significado absoluto, ao invés de percebê-la
como uma unidade de apoio para a construção de significado.
Veremos, na Seca 2, como a concepção atomicista de ensino de
vocabulário no contexto escolar conduz naturalmente o aluno a uma
concepção atomicista do texto, que efetivamente barra a percepção das
funções discursivas da palavra, fato este que será evidenciado na
Seca 3.

2. A ATOMIZAÇÁO DO TEXTO: A UNIDADE DE ANALISE

No livro didático, qualquer que seja o aspecto semântico a ser


ensinado (se relações de equivalência, oposição ou híponímía), esse
aspecto é enfocado apenas no nível sentencíal, ignorando qualquer
enfoque textual que possibilite o aluno perceber a função coesiva e
os efeitos discursivos do léxico. Consideremos o exemplo a seguir, com
um texto extraído da 2.- série.

A galinha sabida

Uma jabuticaba caiu na cabeça de uma galinha que pensava


ser muito sabida.
- Um pedaço do céu caiu na minha cabeça, gritou ela.
- Vou dizer ao reiI
No caminho, encontrou o galo, o pato, o ganso, o pavão.
Todos perguntavam onde ela ia e a todos respondia:
- Um pedaço do céu caiu na minha cabeça. Vou dizer
ao rei!
E todos a acompanharam.

193
Mais adiante, apareceu a raposa, que, sabendo do que acon-
tecera, ofereceu-se para ensinar o caminho. As tolas das aves
aceitaram.
A raposa levou-as para a sua toca. Nunca puderam ver o
rei, pois foram parar na barriga da raposa.
(Theobaldo Miranda Santos, Vamos estudar, Editora Agir).
Os exercícios de vocabulário que se seguem ao texto, bastante
típicos, solicitam que o aluno forneça os antônlmoe das palavras "en-
controu", "perguntavam", "parar"; e que substitua as palavras "sa-
bida", "dizer, " acompanhavam", pelos seus sínônímos, em sentenças.
Um enfoque textual revelaria que a oposição relevante para com-
preender a história é a oposição entre as palavras "sabida" e 11 tola" ,
e a relação de hlponímla entre as palavras "galinha", "galo", "pato",
"ganso", "pavão" e o supraordenado "aves". Os exercícios propostos
são, na verdade, meros enfeites, alguns mais inadequados que outros:
por exemplo, "ir parar" e não "parar" é a expressão relevante; talvez
nesse caso se justificasse, não o antônimo, mas o contrário na condi-
cional contrafactíva: "se as aves não tivessem sido tolas ... " como
uma medida para verificar a compreensão da moral, não como um
exercício de substituição de palavras pelos seus opostos.
A função coesiva do léxico custa a ser percebida espontaneamen-
te por grande número de crianças, devido à pouca familiaridade com
estratégias de compreensão mais independentes do contexto imediato,
e devido às próprias limitações da memória imediata. Certamente essa
função poderá ser aprendida com unidades maiores do que a sen-
tença. Esta unidade também pouco favorece a avaliação de efeitos
discursivos do léxico, que não transparecem facilmente no contexto
imediato, dentro dos limites da sentença, da palavra em questão. As-
sim, por exemplo, se considerarmos apenas o ítem discreto "impres-
sionado", a definição, fornecida no glossário de um livro didático,
isto é, "espantado, admirado" é apropriada a esse nível discreto, con-
tudo, é inadequada em contextos maiores. Compare-se, a propósito a
diferença entre (1)
(1) A: Eles ficaram impressionados
B: É, eu diria que até espantados.
e (2), a seguir, que causa no mínimo estranheza:
(2) A: Eles ficaram espantados.
B: S, eu diria que até impressionados.

194
Tanto a atomizaçlo do léxico como a limitação de tipo de uni-
dades focalizadas para o exame do funcionamento do léxico ínvíabi-
liza a consecução de objetivos de crescimento e enriquecimento de
vocabulário e de desenvolvimento de sensibilidade cada vez mais agu-
çada sobre o funcionamento das palavras no discurso.

2.1. O obscurecimento da interação: categorias omitidas

As limitações que os autores do livro didático se auto-impõem


em relação ao ensino do léxico se estendem às categorias seleciona-
das. O significado é tratado na escola apenas como uma propriedade
de palavras que codificam categorias de objetos, processos e qualida-
des, omitindo aquelas expressões que codificam atitudes, crenças, esta-
dos psicol6gicos do falante em relação a esses objetos, processos, qua-
lidades. Considerando novamente ·0 texto acima, uma questão rele-
vante à compreensão do mesmo é C? fato de que, através do uso do
adjetivo "tola" na construção "as tolas das aves", o narrador avalia
uma ação específica (As aves foram tolas ao fazerem isso), e portanto
não se contrapõe a sabida", que é apenas descritivo de pessoas, ou
H

animais neste caso, mas a "pensar que é sabida", que também expri-
me uma avaliação do narrador, (e é, de fato, a frase em oposição a
fias tolas das aves"). g essa a avaliação que está em questão, não
apenas a descrição atomizada selecionada para ensino.
Além de negligenciar elementos portadores de significado, como,
por exemplo, a construção da sentença, a ordem das palavras, são
também negligenciadas as funções restritivas, distributivas, enfáticas
de significado de elementos invariáveis, que não codificam catego-
rias privilegiadas. Consideraremos, por um momento, as conseqüên-
cias dessa negligência.
As crianças utilizam, desde cedo, a informação sobre a classe a
que uma nova palavra pertence como uma das pistas para chegar ao
significado dessa palavra (Brow, 1958). Postula-se que essa sensibi-
lidade da criança para com esse tipo de informação surge a partir da
observação de que verbos, nomes e adjetivos têm implicações semân-
ticas consistentes, implicações que, aliás, aos poucos ir-se-iam diluindo
à medida que mais palavras, menos concretas, vão sendo adquiridas.
Sendo a criança sensível a implicações semânticas desse tipo, certa-
mente ela será também sensível a outro tipo de implicação, a saber:
a omissão sistemática de elementos portadores de significado afirma,
insistentemente, que s6 os nomes de objetos, ações e qualidades con-

195
tribuem à significaçlo, daí serem os demais elementos irrelevantes à
compreensão do texto.

3. O ENSINO DO LeXICO PELO PROFESSOR:


MESMOS PRESSUPOSTOS, MESMA PROPOSTA

Mas, poderíamos dizer que nem todo o aprendizado da criança


está baseado no livro didático. Grande parte do que ela aprende está
determinado pelo responsável pelo ensino, o professor. Como a obser-
vação é válida, examinaremos nesta seção as práticas de ensino de
vocabulário de uma aula de 5.a série, baseando-nos nos dados de
Lopes (1981: 17·43). Veremos, nesses dados, que as práticas tradi-
cionalmente estabelecidas nos materiais didáticos, que praticamente
são os únicos acessíveis ao professor, pré-determinam as práticas utili-
zadas pelo professor.
Não há descontinuidade, então, entre o tipo de ensino proposto
no livro didático, e aquele adotado pelo professor em sala de aula,
resultado nada surpreendente se considerarmos a precariedade das
condições em que o professor trabalha, e a força de autoridade que
o livro didático assume nesse contexto. As demandas lingüísticas im-
postas ao aluno são bastante semelhantes.
Os exemplos que discutiremos a seguir foram gravados numa .
aula de 5.a série, baseada na leitura do texto que agora transcreve-
mos:
Como surgiu o universo
Esta pergunta, que você está fazendo a si mesmo, é muito
antiga. Desde séculos, ela preocupa os cientistas, desafia os filó-
sofos e interessa a todos os que refletem sobre si e sobre o mun-
do que os rodeia.
Os cientistas já deram várias explicações, os filósofos ima-
ginaram outras, os livros religiosos apresentam sua versão: as
respostas são muitas e variadas. Cabe a cada um de nós refletir
bem e escolher aquela que, de acordo com nossas concepções.
forneça as melhores explicações.
Neste capítulo, você vai conhecer as explicações científicas
atuais sobre a origem do Universo. Já está preparado? Então
vamos recuar no tempo a uma idade fantástica: exatamente dez
bilhões de anos atrás ...
(Duarte GetaI (1978): Estudos Sociais. 5.a Série,
Livraria Lê Editor, pág. 9).

196
3.1. Arbitrariedade da escolha

Em primeiro lugar, observa-se que, tal como pressuposto no li-


vro didático, a experiência do aluno é definida como irrelevante. As-
sim como no livro didático solicitam-se substituições de sinônimos e
antônímos de palavras que certamente o aluno já conhece, encontra-
mos exemplos em que o professor insiste em solicitar definições, sinô-
nimos e paráfrases daquilo que os alunos declaram saber.
No exemplo a seguir, o aluno tinha acabado de ler a sentença
"Esta pergunta, que você está fazendo a si mesmo, é muito antiga".
Segue-se o seguinte intercâmbio:
Proia.: ... Alguma dificuldade nisso, gente?
Aluno: Não.
Proia.: Não. Aí não tem nenhuma palavra desconhecida para
você, tem?
Aluno e Proja.: Não.
Proja.: (En) tão ele tá dizendo que essa pergunta - como sur-
giu o universo - que você está fazendo a si mesmo é
muito ano .. ?
Alunos e Proia.: ... tiga.
Pro/a..' Isso significa o que? Que vem de muito tempo. Que des-
de os primeiros homens, não é assim, desde os primei-
ros homens que habitavam a terra já se indagavam sobre
isso ... (op. cit.: 29).
Também é indicativo desse pressuposto o fato de se ignorar res-
postas certas que os alunos fornecem quando estas não correspon-
dem exatamente às expectativas do professor, como no exemplo a
seguir, que ocorreu depois de o aluno ter lido HCabe a cada um de
nós refletir bem e escolher aquela que, de acordo com nossas concep-
ções, forneça as melhores explicações", em que o professor não aceita
a definição contextualizada do aluno (Hde acordo com nossas concep-
ções: de acordo com cada um").
Proia.: ... O que significa "nossas concepções"? O que signi-
fica a palavra ... esse vocabulário aí "concep - ção? / /
Quem é que sabe? ..
Aluna: Dona, de acordo com cada um, Dona?
Proia.: e. De acordo com nossas concepções. Que significa isso?
(op. cit.: 40).

191
Na seqüência a seguir, que citamos de maneira mais extensa, en-
contramos um exemplo de estratégia manipulativas que orientam o
ensino para aquilo que o adulto acha que deve ser focalizado e igno-
ram aquilo que a criança quer saber, estratégias essas que, de um
outro ângulo, são também ilustrativas do pressuposto de que a expe-
riência da criança é irrelevante no processo:
Proia.: ... / / Na primeira leitura ceis encontram dificuldades?
Ceis conseguiram entender alguma coisa, nessa primeira
leitura? ...
Aluno: Eu não entendi (inaudível)
Proja.: Ah, bom certo! g 6bvio. Alguns não entenderam o que
significa filósofo, não é isso? (op. cit.: 28).
Ao invés de a resposta ser fornecida, continua a aula através da
leitura, repetição e paráfrase da primeira sentença do texto. Ao che-
gar à segunda sentença, onde aparece novamente o problema, encon-
tramos o seguinte:
Isto! então o que vo ... Você analisou palavra por
Proja.:
palavra, aí? Tem alguma palavra que você não entendeu?
Natanael: "Filósofo". "Filolósofo"
Proja.: Não sabe nem falar, não é? Filó-so-fo. Desde séculos ela
preocupa os cientistas. Aí esse "ela" significa o que?
(op. cit.: 30)
Continua a análise das palavras "século", "cientistas", "desafios",
acompanhada de uma extensa digressão sobre faculdades, universida-
des e pesquisa. S6 depois é retomada a questão:
Proia.: Isso que(r) dizer que lança um desafio. Faz com que
os filósofos fiquem o que? Pensando, não é isto, sobre
o assunto. Mas o que vem a ser, então um fil6sofo?
O que significa a palavra Pí-lo-so-fía? Hã? Fi-lo-so-fia.
A palavra filosofia é formada de filo mais sojia. Alguém
sabe o significado? Fala, você, o que cê acha?
Aluno: Filosofia, Dona?
Proja.: Bom, que cêis acham que é? / / Filo quer dizer vida. I • I

viu? Filo quer dizer vida/ / Vida. E aí, no caso seria


estudo da ?
Proia.: e Alunos: Vida!

198
Proia.: Entendem? Seria assim: indagação da origem da vida,
De que .... ", como tudo surgiu entende? Isto é filo-
sofia. Que(r) dize(r), os ... , eles ficam justamente pen-
sando, imaginando e tentando da(r) uma explicação da
origem da .... ? Vida .. , (op cit: 32)
Como vemos, talvez o objetivo do professor tenha sido atingido.
No entanto, a curiosidade da criança não foi satisfeita.

j .2. Enfoque reducionista das tarefas


A continuidade existente entre as propostas do livro didático e
as do professor fica também evidenciada no não aproveitamento de
oportunidades válidas para o ensino e sistematização de taxonomias
e classificações baseadas na abstração de atributos não contextual-
mente definidos, não deriváveis da experiência pessoal de cada aluno,
Tal como exemplificamos em 2.2 acima, em relação à híponimía,
a troca a seguir, que surgiu da discussão da gravura que acompanhava
o texto, toma uma situação potencialmente rica para a percepção de
relações num campo semântico, num mero exercício de associação de
palavras:
Pro/a ..' Um desses pontinhos que está aí seria o que? O sol seria
o nosso sol, né? O nosso sistema solar (está) todinho aí
representado num pontinho s6. Cada pontinho que ceis
estão vendo, aí, é uma ".? g o que?
Aluno: Estrela.
Proja.: Uma estrela. Toda a estrela ou sol, como vocês já sabem,
tem o que? / / Girando em torno dele. Tem o que giran-
do em torno?
Alunos: Planetas.
Proja.: Tem planetas. Que mais?
Alunos.' Aster6ides.
Proja.: Aster6ides, que mais?
Alunos.' Planet6ides, s6is.
Proia.: g aster6ides ou planetõides, que é a mesma coisa. Que
mais? Fora planetas, aster6ides e planet6ides.
Alunos: Astros.
Pro/a ..' Bom, astros é tudo, não é gente.
Alunos.' Cometas.
Proja.i Co-me-tas. Muito bem Que mais? (op cit: 22-23)

199
J.3. O método

A atomízação do significado é também, na interação professor-


-aluno, o princípio subjacente às práticas propostas. Essa atomízação
determina, por exemplo, o uso excessivo do método direto de ensino
de vocabulário, através da definição direta de cada item discreto, ao
invés de utilizar a informação no contexto lingüístico como apoio
para a inferência lexical. No exemplo a seguir, o significado da pala-
vra desconhecida "versão" poderia ter sido inferida se a atenção da
criança fosse dirigida às construções de significado semelhantes antes
e depois do item em questão, onde as construções paralelas explica-
vam o significado do item, se bem que aproximadamente, mas ainda
assim de forma mais definida do que a simples repetição do texto
permite ("os cientistas já deram várias explicações, os filósofos imagi-
naram outras, os livros religiosos apresentam sua versão").
Proja.: .... Que significa (os livros religiosos apresentam sua
versão)? / / Cê não sabe o que significa versão? g isso?
Rute.: E que os cientistas, eles deram as explicações e os "filo-
sófos"?
Proia ..· Filó-sofos! Hã, filósofos o que têm?
Rute: .... imaginaram outras.
Proja.: Imaginaram outras explicações hã?
Rute: .... e que os livros religiosos apresentam sua "versam".
Proja.: Sua "versam" não, sua ver-são, muito bem! Rute olha, e
os livros religiosos, ou mesmo a religião, né? todas as
religiões, cada uma não apresenta uma versão? (op
cit: 36)
Nessa atomização do significado faz sentido concentrar o ensino
em torno de nomes, verbos e qualidades, categorias mais facilmente
isoláveis. e justamente isso o que encontramos, refletido tanto pela
escolha dos itens que são alvo do professor ("antiga", "filósofo" ,
"cientista", "concepção ", "refletir", "desafiar"), como na explicação
do enfoque, transcrito a seguir:

Proia.: Então, vocês vão fazer: a leitura global, seria uma leitura
global. Depois sim, é que vocês vão voltar no primeiro
parágrafo e vão a-na-li-sar palavra por palavra, isto é,
de cada parágrafo. Nós vamos fazer isso em partes viu,
palavra por palavra, prá depois fazer o entendimento

200
do ... parágrafo, do parágrafo, de cada parágrafo. (op.
cit: 17)
A ineficiência de enfoques atomicistas, que consideram o signi-
ficado de uma palavra como um valor absoluto, independente até
do contexto lingüístico mais imediato, está muito bem demonstrado
por Rute, que quase ao final das duas horas de aula em que se
submeteu a esse enfoque, tem o seguinte diálogo com o professor:
Proia.: ... / /Então vamos analisar. Os cientistas o que vem. . . ,
o que significa mesmo cientistas, Rute?
Rute: Aqueles que pesquisam, que estudam.
Pro Ia. : Aqueles que ... ? Pesquisam, aqueles que estudam, não
é? a respeito de determinado assunto / / O que tá falan-
do? .. já deram ...
Alunos.' (várias explicações).
Proja ..· IssoI Que significa o que isso?
Rute: Que estudam e depois escrevem o resultado.
Pro/a ..' Muito bem, Rute I Eles estudam e depois ... explicam
melhor sobre o assunto, muito bem! Depois, que que tá
falando, aí?
Rute: Os filósofos imaginavam outras.
Proia.: Issol Que que significa isso: os filósofos imaginavam
outras? Hã?
Rute: Ah, eu num sei. (op oit: 35)
Tanto as práticas propostas pelo livro didático, como as adota-
das pelo professor têm deficiências sérias enquanto práticas que
levariam a enriquecimento do vocabulário. Uma vez que o conheci-
mento do léxico, assim como a capacidade para inferir significados
são fatores fundamentais para a proficiência na leitura, essas práticas
podem provocar distorções na compreensão de leitura da criança
assim comprometendo o sucesso de todo o processo escolar que justa-
mente se sustenta na leitura.

4. PRÁTICAS ALTERNATIVAS

Face a evidências como as já apresentadas, e acreditando, como


acreditamos, que a criança em idade escolar atingiu o desenvolvi-
mento intelectual necessário para a realização de tarefas complexas,
parece-nos aconselhável apresentar algumas sugestões pedagógicas

201
que permitam ao professor mudar uma prática que privilegia a lin-
guagem como objeto de análise para uma prática comunicativa com
ênfase na função da linguagem que leva ao melhor desenvolvimento
lingüístico através do enriquecimento do vocabulário do aluno me-
diante a leitura.
Os enfoques para o enriquecimento do léxico vão desde a expe-
riência pessoal, tendo acesso à experiência indireta propiciada pelo
autor, que envolve a leitura extensa e variada, chegando até o estudo
sistemático de palavras. O vocabulário de uma criança é enriquecido
na medida em que ela adquire termos e rótulos para uma série de
conceitos, assim conseguindo compreender textos, orais e escritos,
cada vez mais complexos.
Quanto às atividades de leitura que favorecem a organização,
ampliação, refinamento de conceitos mediante o enriquecimento de
vocabulário podemos considerar dois tipos: as tarefas de tipo meta-
-cognitivo e tarefas de tipo retórico-funcional 1.
Por tarefas metacognitivas entendemos aquelas atividades que
ensinam o aluno a entender e agir sobre seus próprios processos
cognitivos; que envolvem uma ação sobre maneiras de adquirir e
ampliar o seu conhecimento do léxico (neste caso específico). A tare-
fa metacognitiva no contexto escolar pode ser entendida como o
ensino de princípios para a resolução de problemas, facilitando assim
o processo de aprendizagem. Exemplos de conhecimento e de expe-
riências metacognitivas (Flavell, 1979) poderiam ser a crença de que
aprendemos mais facilmente lendo do que escutando, ou a percepção
de que um de nossos amigos é insensível, do ponto de vista social,
ou a suspeita de que não conseguiremos realizar uma tarefa com
sucesso, ou acabar uma tarefa em 'tempo. Vários autores apontam
que as crianças pequenas, nas primeiras séries escolares são limitadas
quanto ao conhecimento e a auto consciência sobre fenômenos cogni-
tivos e fazem pouca monitoração de seus processos de memória e
de compreensão. As tarefas com componente predominantemente
metacognitivo ensinam o aluno a perceber uma experiência para a
qual ele não tem conhecimento suficiente, e analisá-la em termos
de uma problema a ser resolvido. Flavell (op cít), por exemplo faz
a distinção entre 11 conhecimento" e 11 experiências metacognitivas", e

1. Outros tipos de atividades didáticas para o enriquecimento do léxico do


aluno 810 discutidas em Kleiman (1987).

202
considera que as experiências metacognitivas são prováveis de ocorre-
rem em situações que estimulam o pensamento altamente consciente.
Portanto, tarefas escolares que exigem esse tipo de pensamento podem
ter efeitos importantíssimos tanto para a aquisição de conhecimento
quanto para o desenvolvimento de estratégias de resolução de tarefas.
Entre as tarefas metacognitivas relacionadas com o léxico, pode-
mos citar, para exemplificação, as estratégias de inferência lexical.
Consideremos o ensino de estratégias de inferência lexical.
Podemos pensar em pelo menos três tipos de fatores metacognitivos
envolvidos na inferência de léxico desconhecido. Em primeiro lugar,
o aluno precisa estar ciente de que há vários graus e tipos de com-
preensão de palavras na leitura: algumas são palavras chaves, e faz-se
necessário conhecer seu significado exato, enquanto que, em relação
a outras, apenas uma idéia aproximada do seu significado é neces-
sária.
Embora a criança constantemente faça inferência em situações
de fala cotidiana, quando se trata de um texto escrito surgem dificul-
dades para inferir os significados de palavras desconhecidas. Faz-se
necessário, então, ensiná-la a usar pistas do contexto lingüístico que
irão suprir a sua falta de conhecimento. Para se desenvolver adequa-
damente como leitor, é preciso que a criança aprenda a conviver,
na escrita, com a "incerteza" que é característica do seu dia a dia.
Por exemplo, poderíamos mostrar aos alunos que com as palavras
acontece o mesmo que com as pessoas que encontramos no Ônibus,
na rua, na escola: algumas passam a ter importância para nós e se
tornam conhecidas; algumas chegam a ser nossos amigos. Da mesma
forma que esse processo é longo, assim é com as palavras: a primeira
vez que encontramos uma palavra, poderemos chegar a um conheci-
mento superficial, a uma idéia vaga, aproximada, de seu significado,
ajudados pelo contexto; se, por exemplo, o autor está exemplificando
doenças contagiosas, e cita como exemplo "sarampo", "catapora",
que a criança conhece, e "rubéola", que a criança desconhece, pode
ser suficiente para a compreensão do texto apenas reconhecer que
se trata de uma doença. Conhecimento assim adquirido é muito menos
nítido, é claro, do que aquele adquirido por uma criança que sofreu
a doença, mas é suficiente para o objetivo específico do momento.

Em segundo lugar, a criança precisa aprender a avaliar o con-


texto lingüístico na escrita, com o intuito de determinar se é possível
chegar a um significado, mesmo que aproximado. Essa conscíentíza-

203
ção pode ser facilitada mediante o ensino e a sístematízação de tipos
de pistas contextuais que podem apoiar o trabalho de inferência.
Essa conscientização é possível se o aluno souber, por exemplo, que
quando o autor usa um termo novo, difícil, muitas vezes ele irá
defini-lo, ou explicá-lo logo depois, muitas vezes marcando essas
definições ou explicações (através de pontuação como em "Ele estra-
nhou o tom eufórico, de bom humor, da carta", ou através de expres-
sões explicativas ("isto é", "ou" "como") como em "Delas se apo-
I

dera uma enorme angústia: como se o peso do céu desabasse sobre


sua cabeça"); outras vezes usando sinônimos logo em seguida, como
em "Pisa numa terra balofa, e ouve uma pergunta. A terra fofa era
o formigueiro", outras vezes constituindo a explicação um trecho
extenso, sem marcação ortográfica ou lexical, mas coesivamente liga-
do ao termo em questão, como em "... de ser o guarda-chuva o
objeto do mundo moderno mais intenso a mudança. Sou apenas um
quarentão, e praticamente nenhum objeto de minha infância existe
mais em sua forma primitiva. De máquinas como telefone, automó-
vel, etc., nem é bom falar. Mil pequenos objetos de uso mudaram
de forma, de cor, de material; em alguns casos, é verdade, para
melhor; mas mudaram. O guarda-chuva tem resistido," (onde a repe-
tição de "mudanças", "objeto" e a exemplificação de objetos marcam
os laços coesivos da unidade).
O paralelismo intrasentencial é também um recurso muito usado
pelo autor para ajudar o leitor. Assim, por exemplo, muitas vezes
o autor compara ou contrasta o termo desconhecido, estando nessa
comparação ou nesse contraste a pista necessária para inferir aproxi-
madamente o significado da palavra, como em "Confirmei: sim,
acima de nossa noite preta e enlamaçada e torpe havia uma outra
- pura, perfeita e linda".
Pode se notar, pelo anterior, que o conhecimento que temos
sobre formas de estruturação do texto, e, mais importante ainda,
nossas expectativas sobre coerência, são também pistas importantes
Assim, em vez de apelar ao contraste, podemos ensinar ao pequeno
leitor a inferir o significado de "torne" pelo fato de esta palavra
se encontrar numa pista de adjetivos negativos; o exemplo citado
acima sobre exemplificação também é aqui relevante: se o autor
está exemplificando tipos de doenças, esperamos que uma palavra
desconhecida que se encontra na lista de exemplos pertença ao
mesmo campo semântico, justamos porque pressupomos o autor
coerente.

204
Como outro recurso, acrescido ao uso de pistas contextuaís, e
de. conhecimento da estrutura de texto, podemos nos valer do conhe-
cimento extra lingüístico, isto é, podemos conscientizar o aluno sobre
aspectos extratextuais que lhe poderão auxiliar na descoberta de
significados, especialmente o uso da experiência prévia: o aluno que
ler sobre "nuvens caliginosas que ameaçam ou prenunciam uma
tormenta", e que já tiver experienciado uma tormenta, poderá apelar
a essa experiência para determinar a cor e aparência dessas nuvens,
por exemplo.
O terceiro aspecto metacognitivo da tarefa de inferência lexical
tem a ver com a escolha de uma estratégia ou de outra para inferir
o léxico. O aluno precisa avaliar que estratégia poderá ser mais eficaz
no momento de leitura, até que o processo chegue a funcionar a
nível quase que de automatismo inconsciente, característico do leitor
proficiente. Ligado a essa questão está a capacidade de o aluno deter-
minar objetivos claros para a leitura com o intuito de determinar
se o significado inferido é suficiente, dado seu objetivo.
Uma outra tarefa, já discutida do ponto de vista meta-lingüís-
tico, que o professor pode enfocar como uma oportunidade para a
apresentação de experiências metacognitivas, é o ensino de lingua-
gem figurada, pois sabe-se que a criança tem dificuldades tanto
quando ela encontra uma palavra que ela já conhece, usada com
um significado secundário que ela desconhece, como quando a en-
contra num sentido metaf6rico. E aconselhável então, montar uma
unidade que focalize justamente o uso de significados não literais,
ou básicos, além de fornecer amplas oportunidades para a reflexão
dos alunos sobre exemplos concretos, que permitam a inferência
de um significado secundário a partir de um contexto.
Finalmente, as tarefas do tipo retórico-funcional são aquelas
que focalizam diretamente a interação leitor-autor. A criança deve
estar ciente de que as palavras são os instrumentos materiais da
significação e dos efeitos que o autor pretende exercer sobre seu
interlocutor, e por isso, devemos usar a palavra certa no momento
certo, isto é, aquela que melhor expressa o que queremos dizer e
que facilita a compreensão do interlocutor, aquela que leva em conta
o que o interlocutor disse, o que ele sabe, enfim, aquela palavra
que encurta a distância entre autor eleitor, ou entre os falantes.
:eatravés da aula de leitura, através da análise do texto para
examinar os efeitos conseguidos pelo autor que esse ensino é possí-

203
vel, sendo que essa análise poderá ser incorporada à escrita dos
alunos, com as diferenças devidas às diversas competências discur-
sivas. Veja-se que para alcançar um objetivo funcional a aula de
leitura não deve se constituir num pretexto para a exercitação e
análise de elementos materiais isolados do texto. Não devemos, por
exemplo, usar o texto para exercícios metalíngüísticos, como os pro-
postos acima, por mais interessantes e variados que eles sejam. Na
aula de leitura interessa por que o autor usou tal expressão, que
efeitos produziu quando usou tal expressão; não interessa, em hipó-
tese alguma, como uma frase mudaria se tal expressão fosse substi-
tuída por outra. Pode ser o caso em que a discussão do texto leve
naturalmente a pensar em alternativas, às opções do autor dentro
de um dado sistema mas isto não constitui o objetivo do ensino
funcional do léxico através da leitura, que entendemos como a per-
cepção pelo aluno do que o autor faz com a linguagem, a maneira
como ele constrói seu texto.
Assim como o vocabulário de uma língua é rico, assim são ricas
as possibilidades de o professor fornecer experiências válidas de
aprendizagem e enriquecimento do léxico. Apenas é preciso, a fim
de se garantir tanto a diversificação quanto a qualidade, manter-se
em mente, primeiro, qual o objetivo específico de cada atividade para
que se evite mecanismos automatizantes e a adoção acrítíca da pro-
posta do livro didático.

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