Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
simples?
Maria Aparecida A. Moysés*
Gerson Zanetta de Lima*
Introdução
Este artigo é importante não apenas pelo seu conteúdo, como pela profissão de
seus atores: médicos pediatras. Eles não consideram a desnutrição a única
responsável pelo fracasso escolar. Consideram um grave problema, mas que não
pode ser o bode expiatório desse fracasso, nem deve ser combatido com
medidas paliativas ou isoladas, e, sim, com posições políticas e econômicas mais
sérias. Assim, não se pode afirmar que uma criança tem dificuldades na escola
apenas porque é ou foi desnutrida ou, então, responsabilizar de modo absoluto a
pobreza da família pelo seu fracasso. Os autores também mostram como os
testes para 'provar' a inferioridade intelectual das crianças desnutridas criam
situações artificiais e não levam em conta o contexto de vidas dessas crianças.
Muito se tem dito e escrito sobre a desnutrição em crianças e seus efeitos sobre
a aprendizagem, imputando-lhe, de forma subliminar, ou mesmo direta, a
responsabilidade pelos índices de fracasso escolar. Neste sentido, são comuns as
declarações de médicos, educadores, psicólogos e de autoridades responsáveis
pelo sistema educacional em que, de maneira dogmática e simplista, colocam a
desnutrição como a grande barreira que emperra e desgasta os objetivos e
métodos educacionais. Para essa posição, a desnutrição, por si só, compromete
profunda e irreversivelmente, o desenvolvimento da criança. Como se pode
esperar que a escola consiga superar estas limitações de seus alunos ou não
relacionar esse fator às dificuldades de alfabetização?
Dentro desta perspectiva, todo o problema de melhoria do ensino fica quase que
dependente, apenas, de uma alimentação adequada. É lógico que nada se pode
opor a tal objetivo, ao contrário, é parte de tudo que preconizamos, sem
acreditarmos, porém, que como uma medida isolada, consiga mudar o panorama
escolar brasileiro. Registra-se, a propósito, que em vários levantamentos em
escolas de periferia, em diferentes regiões do país, relata-se, sistematicamente,
um índice entre 10% a 15% de crianças com sinais de desnutrição atual ou
pregressa. Esses números, contrastados com as taxas de fracasso escolar,
levantam uma questão básica: a desnutrição, sozinha, não pode explicar os altos
índices de evasão e repetência nas primeiras séries.
É exatamente neste ponto que esbarra a maioria dos estudos sobre desnutrição
e desenvolvimento no ser humano: como distinguir a ação da desnutrição de
uma influência de tudo que cerca esta criança, do seu contexto de vida? É
incrível como são esquecidos os constantes alertas neste sentido, feitos por
grande número de estudiosos do assunto. Apesar disto, são comuns trabalhos
que 'provam' a inferioridade intelectual de crianças desnutridas, através da
avaliação de seu desempenho, seja em testes de QI, seja em testes que avaliam
especificamente algumas áreas do desenvolvimento ou mesmo em seu
aproveitamento escolar. Estas crianças são estudadas através de testes
elaborados e padronizados em outra classe social e, comumente, em outro país.
O desempenho delas é comparado com o de crianças bem nutridas, como se a
única diferença entre os dois grupos seja o estado nutricional. Descarta-se o
contexto sócio-cultural, como se estivéssemos frente a um bem controlado
modelo experimental.
Um outro dado a ser analisado é que o maior parte desses trabalhos é realizado
através do acompanhamento de crianças internadas devido à desnutrição, ou
seja, gravemente desnutridas. E suas conclusões não podem ser assumidas para
crianças com desnutrição leve durante a vida que, por sua vez, é a população
numericamente importante, são estas as crianças que chegam à escola. Crianças
com uma carência alimentar crônica, que conseguem, de alguma forma,
adaptara-se a ela. É para estas crianças que não se pode aceitar o fracasso
escolar como conseqüência da má nutrição. Esta alimentação precária pode
influir no rendimento escolar, porém através de outro mecanismo: a fome
crônica, a 'fome do dia'. O prejuízo que a situação de fome provoca no
desempenho intelectual é bem conhecido. É sobre esta 'fome do dia' que
aceitamos que a merenda escolar possa atuar, desde que nutricialmente
adequada e, fundamentalmente, administrada quando a criança entra na escola
e não mais tarde, no intervalo.
A criança com desnutrição grave raramente vai à escola, pois mesmo quando
internada e recuperada, ao sair do hospital, retorna a seu meio de origem, com
os mesmos problemas que determinaram sua má nutrição e que voltarão a
interferir em seu crescimento e desenvolvimento, num circulo vicioso que tende
a levá-la à morte, do qual são poucas as chances de escapar. Assim, se uma
criança em idade escolar apresentar uma atual e importante desnutrição,
logicamente haverá uma interferência muito grande em todas as suas atividades,
físicas e intelectuais, comprometendo seu rendimento escolar como qualquer
doença grave o faria. Porém, esta é uma situação grave.