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VITOR HENRIQUE

PARO

ELEIÇÃO DE
DIRETORE
S
A ESCOLA PÚBLICA
EXPERIMENTA A
DEMOCRACIA
O tratar da eleição de
diretor no contexto da
democracia escolar, Vitor
Paro busca evitar, por um
lado, o risco do preconceito
ao julgar uma inovação, e,
por outro, a precipitação em
fazer do processo eletivo a
panacéia para o ensino
público básico.
O autor examina a questão no
âmbito da organização escolar
no Brasil, estudando suas
múltiplas facetas, e apresenta
subsídios teóricos essenciais
para o desvelamento de
virtudes e limites da medida,
tanto em termos de
democratização da escola
quanto no que concerne aos
efeitos sobre a racionalização
da gestão escolar e sobre a
qualidade do ensino.
ELEIÇÃO DE DIRETORES
VITOR HENRIQUE PARO

ELEIÇÃO DE
DIRETORES
A ESCOLA PÚBLICA
EXPERIMENTA A DEMOCRACIA

2e edição revista
São Paulo

2003
@ 2003 by Xamã Editora
2a edição

Direitos desta edição reservados à Xamâ VM Editora e Gráfica Ltda.


É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem
autorização expressa da editora,

I a edição — Papirus Editora — 1996


Edição: Expedito Correia
Capa: Expedito Correia sobre detalhe
da Obra Terra (Vermelho), de
Delima
Revisão; Estela Dias
Editoração eletrônica: Xamã Editora

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


P257 Paro, Vitor Henrique.
Eleição de diretores : a escola pública
expe-

rimenta a democracia / Vitor Henrique Paro. —


2, ed. — São Paulo : Xamã, 2003. 136 p. ; 21 cm.

ISBN: 85-7587-023-8

I. Diretores escolares Brasil. 2. Escolas


públicas — Brasil. I. Titulo.
CDD 371.20120981

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Impresso no Brasil novernbro


— 2003

SUMARIO

INTRODUÇÃO
7

FUNDAMENTOS — A ELEIÇÃO DIANTE DAS DEMAIS


ALTERNAIWAS
DE 13
I AS DIVERSAS MODALIDADES DE ESCOLHA 13
1.1 0 diretor nomeado e as marcas do clientelismo político 14
1.2 Concurso público: virtudes e fraquezas . 19 I .3 Eleição:
instrumento de democracia 26
2 ELEIÇÃO NO CONTEXTO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO
ESCOLAR .37
2.1 Democratização da sociedade ... . ..37 2.2 Democratização da gestão
e autonomia da escola ..

3 EXPECTATIVAS SOBREA ELEIÇÃO . 42


2 INSTITUCIONALIZAÇÃO - MOTIVAÇOs E RESISTÊNCIAS . . .
49 I DISCURSOS, VISÕES DE MUNDO, INTERESSES
49
2 FORMAS DE INSTITUCIONALIZAÇÃO, FxPEClLHOS, PAPEL DO
AGENTE
POLÍTICO E
PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL
. 55 3 LEGALIDADE E
CONSTITUCIONALIDADE DA ELEIÇÃO DE DIRETORES . 62
3 IMPLEMENTAÇÃO — OS DESAFIOS DA PRÁTICA .. ... .. .. ... 73 1
DIREÇÅO COMO FUNÇÃO DE CONFIANÇA DO GOVERNO 73
2 PARTIDARIZAÇÃO DAS ELEIÇÕES76
3 ELEIÇÃO POR LISTA TRÍPLICE OU UNINOMINAL
82
4 CANDIDATOS
. 84

5 ELEITORES .... 87
.
95
95
102
. 110
115

CONCLUSÕES 12
1

REFERÊNCIþS . ..
NTRODUÇÃO

partir da década de 1980, tem crescido o destaque atribuído aos


processos de escolha de diretores das escolas públicas de ensino básico
no país. Em pesquisa de cunho etnográfico (PARO, 1995b), realizada
em escola de ensino fundamental da rede pública estadual paulista,
cujo objetivo foi identificar os obstáculos e perspectivas que se
apresentam à participação dos usuários na gestão da escola pública,
constatei que entre os determinantes imediatos dessa participação —
ao lado de outros importantes condicionantes presentes tanto na
unidade escolar quanto fora dela — estão aqueles que identifiquei
como condicionantes institucionais. Tais determinantes dizem respeito
à forma como a escola se estrutura internamente em termos da
distribuição do poder e da autoridade na gestão do trabalho e das
relaçöes que aí se dão. A esse respeito, ganha destaque o papel
reservado ao diretor, como autoridade máxima na instituição escolar.
Na teia de relações e normas que se estabelecem para o exercício de
suas atribuições e competências, não deixa de ser das mais
importantes a maneira como esse profissional é investido de suas
funções na "chefia" da escola.
O que se constata é que a forma como é escolhido o diretor tem
papel relevante — ao lado de múltiplos outros fatores — seja na
maneira como tal personagem se comportará na condução de relações
mais ou menos democráticas na escola, seja em sua maior ou menor
aceitação pelos demais envolvidos nas relações escolares, seja, ainda,
8
PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
Vr10R HENRIQUE

na maior ou menor eficácia com que promoverá a busca de objetivos,


seja, finalmente, nos interesses com os quais estará comprometido na
busca desses objetivos.
Grosso modo, podem ser consideradas três modalidades de
escolha do diretor, todas elas passíveis de variações que, todavia, não
mudam suas características básicas: a) nomeação pura e simples por
autoridade estatal (governamental ou não); b) concurso de títulos e
provas; e c) eleição. A defesa ou crítica a cada uma dessas alternativas
constitui outras tantas maneiras de evidenciar a relevância da escolha
do diretor na condução dos problemas da escola. Dentre essas formas
de escolha, a que prevê a realização de eleições é a que tem merecido
maior destaque nos últimos anos, quer no que concerne às polêmicas
desenvolvidas a seu respeito, quer no que se refere à expansão das
experiências em sistemas estaduais e municipais de educação no país.
Esses processos eletivos têm sido propostos e realizados no contexto
de outras medidas tendentes à democratização da gestão escolar, como
a criação de conselhos de escola deliberativos, compostos por
professores, funcionários, alunos e pais, e a regulamentação dos
grêmios estudantis livres, que se verificam durante e a partir da
paulatina redemocratização do país que se processou no decorrer da
última década.
Alguns sistemas, como o do Distrito Federal e os dos Estados do
Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso, bem
como o do município de Goiânia l , contam com experiências mais
antigas, datadas do início a meados da década de 1980, enquanto
outros, como os dos Estados de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e do
Ceará, implementaram-nas mais recentemente, sendo que alguns
estados fizeram constar em suas constituições a norma do provimento
de diretores escolares por meio de processo eletiv02.

I Para referências a respeito dessas experiências, ver Barbosa (1992); Calaça (1993);
Canesin (1993); Castro e Werle (1991); Castro et a]. (1991); Dourado (1990);
9
Gonçalves e Kenski (1984); Heemann (1986); Holmesland et a]. (1989); Leal e Silva
(1987); (1987).
2 De acordo com Oliveira e Catani (1993, p. 70-71), os seguintes estados definiram
explicitamente a eleição de diretor de escola pública em suas constituiçöes;
Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

INTRODUÇÃO

Não obstante certo refluxo verificado em alguns estados em que a


eleição foi implementada, com uma onda de recursos e açôes diretas
de inconstitucionalidade por parte dos grupos no poder, a adoção das
eleições como modalidade de escolha de dirigentes escolares con
tinuou se expandindo nos vários sistemas de ensino, em especial nas
redes de escolas municipais, justificando com isso um estudo mais
aprofundado do tema.
É nesse sentido que me propus a realizar a presente investigação,
para, mediante a análise de experiências de eleição de diretores de
escolas de ensino básico no país, estudar as características e os pro
blemas de sua institucionalização e implementação, bem como captar
seus efeitos sobre a democratização da gestão escolar e sobre a
qualidade e a quantidade na oferta de ensino. Subjacente a esse
objeüvo está a convicção da necessidade de cada vez maior
compreensão de processos sociais com a finalidade de subsidiar açôes
visando à democratização da escola, na condição de instância do
Estado que precisa ser perpassada pela sociedade civil.
A execução do projeto de pesquisa envolveu tanto levantamento
e análise bibliográfica e documental quanto trabalho de campo com
coleta e análise de dados empíricos, O levantamento e a análise
bibliográfica incluíram dois momentos inter-relacionados: um mais
geral, voltado ao estudo de temas e categorias políticas e sociológicas
mais amplas, e um mais específico, dedicado ao exame de conteúdos
mais estritamente ligados ao objeto de estudo em questão, ou seja, a
eleição de diretores escolares nos vários sistemas de ensino. Com
relação a este segundo momento, foram examinadas produções
teóricas sobre o tema específico da democratização da gestão escolar
10
PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
e da eleição de diretores, com destaque para os trabalhos sobre as
experiências de eleição, bem como documentos legais e afins (cons
tituiçóes, leis, decretos, portarias, pareceres, exposições de motivos,
acordos trabalhistas, planos de governo, discursos governamentais e
parlamentares etc.) que ensejassem compreender as intenções e
medidas efetivadas no processo de institucionalização e
implementação de eleições nos sistemas de ensino estudados.
O trabalho de campo consistiu basicamente na coleta de
documentos nos sistemas de ensino examinados e em entrevistas com

VrroR HENRIQUE

pessoas envolvidas na institucionalização e implementação de


experiências de eleição de diretores levadas a efeito em tais sistemas.
As entrevistas foram do tipo semi•estruturado, orientadas por um
roteiro precário que procurava possibilitar a ampla manifestação, tão
espontanea quanto possível, do depoente a respeito da experiência em
pauta e de sua participação nela. Não houve um esquema previamente
determinado para a escolha das pessoas que seriam entrevistadas, já
que cada sistema tem uma história peculiar em seu processo de
eleição de diretores a determinar as pessoas que detêm as informações
mais relevantes. Não obstante, algumas diretrizes gerais orientaram tal
escolha. Em primeiro lugar, incluíram-se informantes dos mais
diferentes níveis de tomada de decisão e influência política, desde os
presentes nas unidades escolares (alunos, pais, professores, demais
funcionários e diretores), passando por lideranças locais e alcançando
as autoridades governamentais e parlamentares de escalões mais
elevados. Uma segunda diretriz foi a busca de pessoas e instituições
que se destacaram no processo, emitindo opiniões, tomando medidas
ou influindo de a]guma forma em seu desenvolvimento, Num
corolário dessa diretriz, foram também ouvidas pessoas que, mesmo
não tendo participado de nenhuma das experiências examinadas,
destacaramse por suas posições definidas a respeito do tema, e que
manifestaram suas idéias e apresentaram as práticas vivenciadas.
11
Quando da elaboração do projeto de pesquisa, tinha-se a intenção
de fazer a coleta de dados envolvendo duas fases distintas.
Primeiramente, seriam coletados documentos e informações num
conjunto mais amplo de sistemas de ensino em que tivesse havido
algum processo de eleição, com preferência pelos sistemas estaduais
(pela maior abrangência e maior número de escolas envolvidas), sem
entretanto descartar a inclusão de algum sistema municipal cuja
relevância se justificasse por outros motivos. Em seguida, escolher-
seia um número menor de sistemas (dois ou três, no máximo) para
proceder a um estudo em profundidade, com coleta mais sistemática
de dados e documentos, sendo que apenas nestes últimos seria
realizado O trabalho de campo com a realização de entrevistas.
Todavia, no decorrer da investigação, mostrou-se mais vantajoso
não fazer distinção no processo de coleta de informações nos vários

INTRODUÇÃO

sistemas. A medida que o estudo avançava, as reflexões levavam a um


maior convencimento de que, mais do que comparações pontuais
restritas de uns poucos sistemas, impunha-se a necessidade de uma
maior preocupação com as várias questões relativas à
institucionalizaçåo, à implementação e ao impacto das eleições de
diretores, buscando nas várias experiências subsídios para seu
tratamento teórico. Por isso, mantive a abrangência do campo na busca
de informações, levando em conta a pertinência das características de
cada experiência para o tratamento dos problemas relacionados ao tema
central da eleição de diretores, e condicionado apenas pela maior ou
menor facilidade de acesso a elas. Assim, sem a pretensão de dar conta
exaustivamente das experiências em curso, foram examinados
documentos e coletados dados, em maior ou menor profundidade, nos
seguintes sistemas de ensino onde houve ou está em desenvolvimento
algum processo de escolha de diretores pela via eletiva: Distrito
Federal; Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Goiás,
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Ceará; e municípios de Londrina, Goiânia e Vitória. Além disso, foram
coletadas informações também em outros sistemas de ensino nos quais
12
PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
não se verifica ainda a experiência de eleição de diretores, como são os
casos do Estado de São Paulo e o do município de São Paulo.
Este livro sintetiza os resultados da pesquisa, procurando discutir
as questões relativas à adoção da eleição como alternativa para a
escolha de dirigentes das escolas públicas de ensino básico. No mesmo
espírito que presidiu a investigação, minha preocupação central não
será com o caráter descritivo, historiando ou comparando os vários
sistemas examinados. Embora tais descrições necessariamente
apareçam, elas não têm um fim em si, mas são utilizadas com o
propósito de mediar a apresentação e a análise das questões
relacionadas à institucionalização, implementação e impacto da eleição
de diretores. O objeto de estudo não é, pois, cada um dos sistemas de
ensino com seus processos de escolha ou a relação entre eles, mas o
tema da eleição e as questões suscitadas por esse tema.
O primeiro capítulo focaliza as diversas alternatiVas de escolha,
os argumentos favoráveis e contrários a cada uma delas, com destaque
para a forma eletiva, bem como as expectativas que as pessoas têm a
13
PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES

Vrr0R

respeito dos efeitos das eleições na vida da escola, O capítulo 2


examina as questões atinentes à institucionalização das eleições,
destacando os aspectos políticos, administrativos e ideológicos dessa
medida. No terceiro capítulo é examinado o processo de
implementação das eleições, analisando-se as questões relacionadas a
sua regulamentação e realização prática. O capítulo 4 procura
examinar o impacto produzido pelas eleições na administração da
escola e sobre a qualidade e quantidade do ensino oferecido.
Finalmente, o quinto capítulo busca sintetizar algumas generalizações
provisórias a respeito da experiência de eleições e apresentar algumas
perspectivas que se abrem com relação à adoção da medida no
contexto de uma gestão democrática da escola pública.
14
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES

1
FUNDAMENTOS
A ELEIÇÃO DIANTE DAS DEMAIS
ALTERNATIVAS DE ESCOLHA

1 As DIVERSAS MODALIDADES DE ESCOLHA


possível identificar, nos trabalhos sobre o assunto, mais de uma
classificação dos tipos de escolha para diretores das escolas públicas.
Nircélio Zabot (1984) nomeia três procedimentos: a) indicação "por
alguém que detém mandato político"; b) "processo estruturado dentro
de um plano de carreira"; e c) escolha mediante votação pela
comunidade escolar. Segundo Carlos Marés (1983, p. 49), há quatro
formas possíveis de escolha: ga) diretor de carreira; b) concurso
público; c) livre indicação pelos poderes do Estado; d) eleições",
enquanto Luiz Fernandes Dourado (1990, p. 103) menciona "a livre
indicação pelos poderes do Estado, o diretor de carreira, o concurso
público, a indicação por listas e a eleição direta, dentre outras." Neste
trabalho, esses tipos aparecerão sintetizados em três categorias. À livre
nomeação por autoridade do Estado, sem outros requisitos que não a
vontade do agente que indica, na hierarquia governamental ou
burocrática do próprio Estado, chamarei simplesmente de nomeação.
VIT0R
A escolha a partir de um plano de carreira tem significado quase
sempre a exigência de concurso de títulos ou de provas, mas nada
impede que se pense numa carreira que exija também algum processo
eleüvo entre seus requisitos para escolha do diretor. Por isso, chamarei
esse segundo tipo simplesmente de escolha por concurso, para
discriminá-lo do terceiro, que chamarei de escolha por eleição, em que
se incluem todas as variações que prevêem a manifestação da vontade
das pessoas envolvidas na vida da unidade escolar (educadores,
funcionários em geral, alunos, pais e outros membros da comunidade),
seja mediante voto direto, seja por representação, seja ainda pela
escolha uninominal ou pela escolha de listas plurinominais.

1. I O diretor nomeado c as marcas do clientelismo político


A nomeação pura e simples pode dar-se, ou com a exigência
prévia de qualificação específica e um mínimo de experiência, ou por
razões político-clientelistas, ou por uma combinação dos dois critérios.
Bastante disseminada atualmente nos sistemas de ensino no Brasil, é
também a mais criticada. Dourado (1990, p. 103) considera que o
produto final desse tipo de procedimento é "a transformação da escola
naquilo que numa linguagem do cotidiano político pode ser designado
como 'curral eleitoral' cristalizado peh política do favoritismo e
marginalização das oposições." Nesse caso, ao se tomar o diretor
como representante do Poder Executivo, fica imobilizada u a abertura
de canais legítimos de participação, à medida em que o diretor
prescinde do respaldo da comunidade escolar, trabalhando, pois, numa
situação em si, instrumentalizadora de práticas autoritárias"
(DOURADO, 1990, p. 104). Para Zabot (1984, p. 88), o procedimento
administrativo que prevê a direçâo. de escola pública como cargo de
confiança de quem detém o comando político "é um filho, obviamente
bastardo, do coronelismo -da República Velha, n Também Marés, em
artigo de 1983, descarta a livre indicação dos diretores pelos poderes
do Estado, afirmando: u se os poderes do Estado indicam livremente os
diretores, sem consulta ou com consulta formal, permanece instituída a
tradicional forma baseada no tráfico de influência, que poderá até
servir para O fortalecimento do Partido no Poder, mas desserve
grandemente a Educação e a possibilidade de transformação
FUNDAMENTOS DAS DEMAIS

15
— A EIÆIÇAO DIANTE ALTERNATIVAS.

do ensino. Nem a garantia da eficiência nem a certeza do reto


encaminhar político se conseguem com essa forma de
indicação." (MARÉS, 1983, p. 50)
Em todas as argumentações contrárias à escolha do diretor pelo
processo de nomeação por autoridade estatal, o denominador comum é
a condenação do clientelismo político que subjaz ao processo. O
clientelismo, como prática de relação de dependência e de troca de
favores entre pessoas e grupos sociais, embora característica de
sociedades pré-modernas, não deixa de estar presente também nas
sociedades contemporâneas. A esse respeito, o Brasil parece ser
precisamente aquele tipo de sociedade em que "o modo capitalista de
produção e a organização política moderna, apoiada num aparelho
político-administrativo centralizado, se compenetram, mas não
conseguiram abalar completamente as relações sociais tradicionais e o
sistema político preexistente." (MASTROPAOLO, 1986, p. 177) Essa
espécie de a clientelismo moderno" presente na sociedade brasileira é
bem captada por Martine Droulers, ao afirmar que, no Brasil, onde
ocorrem altas taxas de crescimento urbano, sai•se de uma situação de
clientelismo na qual a subordinação pessoal nascia da total
dependência econômica, para uma situação de clientelismo político
moderno onde o político torna-se um dos intermediários acesso aos
recursos do Estado. Essa função de intermediário é cada vez mais
importante, é a do "broker" dos literalmente o corretor, esse
personagem do mundo urbano e da esfera política moderna, que
desconta no tráfico de influência para ter acesso a bens do Estado, uma
dessas figuras que bem poderia ser a do famoso despachante da
sociedade brasileira: o intermediário obrigatório nas relações
complicadas que o cidadão enfrenta com um Estado burocrático.
Essa função de intermediário passa, então, e cada vez mais, pelos
canais da política. (DROULERS, 1989, p. 140,) I
Certamente, o clientelismo na escolha dos diretores
escolares não se manifesta de modo homogêneo nos diversos
estados e municípios do país. Não obstante, a apreciação do
fenômeno, mesmo em regiões localizadas, pode ser proveitosa
(1993, p.
FUNDAMENTOS — DAS DEMAIS
para uma maior compreensão do assunto. Nesse sentido, o
Estado de Goiás e sua capital, Goiânia, regiões para as quais se
dispõe de estudos sobre o

I Ver também Canesin 64).

VrroR

tema, podem servir de ilustração dos efeitos da prática clientelista no


processo de escolha de diretores.
Como resultado de um longo período de lutas das entidades
representativas dos professores, a escolha de diretores por meio de
eleição foi instituída em Goiânia em 1983, e em Goiás em 1987.
Anteriormente, o critério vigente era a nomeação pura e simples pelos
poderes do estado. Em seu estudo sobre a relação entre a eleição de
diretor e a democratização da escola, realizado na rede municipal de
ensino de Goiânia, Celina Ferreira Calaça afirma que, antes das
eleições, a escolha de diretores "se fundava na prática clientelista,
evidentemente sujeita a critérios casuísticos e subjetivos" (CALAÇA,
1993, p. 43). Revela, ainda, a mesma autora que, "para tanto, a capital
e as cidades do interior (no caso do Estado) eram zoneadas de
acordo com a representação parlamentar e a ela destinadas"
(CALAÇA, 1993, p. 43). Assim, a escolha do diretor cabia ao
deputado, ao vereador, ao prefeito ou ao chefe do diretório partidário,
que o indicava "considerando parentesco, compadrio, ou influência
política local do pretendente* (CALAÇA, 1993,
p. 43). A conseqüência disso era que o diretor empossado, na maioria das
vezes, não era professor, não tinha empregatfcio com o Estado ou
município, ou nenhuma ligação com a escola e coma comunidade. Além
de não conhecer a problemática educacional, o que já é grave, não tinha
compromisso com a escola nem com a comunidade a que iria servir,
mas com quem o havia indicado.
O diretor, nesse caso, se já não era, se transformava em cabo eleitoral
do mandatário ou do partido, deixando a escola aberta às ingerências
políticopartidárias, tomando-a extensão do diretório local. O político
tinha carta branca para admitir, remover pessoal técnico administrativo
e professores e interferir na distribuição de disciplinas e carga horária
dos professores. (CALAÇA, 1993, p. 4344)
(1993, p.
18
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
A fala de uma professora entrevistada por Dourado, em seu
estudo anteriormente citado, confirma o fato de que "antes de 82
as escolas eram os currais eleitorais dos vereadores de Goiânia,
cada vereador em cada setor era responsável por determinadas
escolas e realmente controlava as escolas, indicava os diretores e
de certa forma interferia no processo, inclusive pedagógico
da escola... (DOURADO, 1990, p. 113)
I A ELEIÇÃO DIANTE AJ.TERNATIVAS..

Calaça a ausência de qualquer constrangimento


revelatambém
FUNDAMENTOS — DAS DEMAIS
na maneira de operar do agente político em beneficio de seus interesses: Para
os cargos mais elevados na hierarquia da SME o assédio dos políticos
era via contato direto, ou por telefone em tom tipo comunicação, isto é,
fulano vai ser seu chefe de gabinete, beltrano vai para a coordenação do
setor X, etc. Já para os cargos nas escolas, especialmente, os que
exigem menor ou nenhum grau de escolaridade, a forma de
reivindicação de cargos era via bilhete, ou ofício apresentando um
nome, ou mais de um ou mesmo uma lista. Existem no arquivo pessoal
da Secretária quase quatrocentos pedidos assinados por vereadores.
(CALAÇA, 1993, p. 65, n. 22)
Outra interessante característica da indicação clientelística de
dirigentes escolares apontada por Calaça era a tendência a estender
indefinidamente o mandato do diretor, sem que isso implicasse
qualquer tipo de avaliação. "Na verdade a SME não avaliava o
trabalho do diretor e nem intencionava fazê-lo, pois o prestígio do
diretor com o político que o indicava era a medida de sua
'competência' e a fi delidade partidária o parâmetro de seu
'compromisso'." (CALAÇA* 1993, p. 47) Assim,
Dependendo do prestígio do mandatário político e do diretor, a
tendência era mantê-lo no cargo por vários anos seguidos. Encontrei
casos de diretores há 13 anos no cargo. No entanto, se, por razões de
querelas políticas, havia desavenças entre o diretor e o político local ou
entre o prefeito e os vereadores, a demissão do diretor era feita por
telefone, ou por um simples recado; da mesma forma, a sua substituição.
Não raro, esta situação se repetia em bairros de Goiânia. (CALAÇA,
1993, p. 44)
Em estudo sobre o movimento de professores da rede pública
estadual de primeiro e segundo graus de Goiás, Maria Tereza Canesin
(1993) dá a dimensão do clientelismo no estado:
No enquadramento clientelista de apadrinhamento e privilégio em que a
Secretaria da Educação se inseria, a função de direçäo das escolas era
concebida como um cargo de confiança de acordo com os critérios de
filiação partidária. A escola enquanto um vasto curral eleitoral
constituía-se em um objeto de disputa por parte dos parlamentares,
prefeitos e outros chefes políticos locais que buscavam obter o controle
sobre a mesma através da indicação da direção. Frente a essas relações
de natureza marcadamente clientelista a organização dos professores
definiu a eleição direta para diretor como instrumento que deveria
proporcionar uma maior autonomia às escolas. (CANESIN, 118-119)
VIT0R
(1993, p.
20
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
No mesmo estudos fica evidente a força do clientelismo na
forma da pressão de prefeitos do estado para impedir a
aprovação da eleição de diretores na Assembléia Legislativa. Em
1985, após a aprovação, em primeira votação, de projeto de lei
que dispunha sobre as eleições diretas de diretor,
55 dos prefeitos convocados pela Associação Goiana de Municípios se
reuniram na Assembléia Legislativa e ameaçaram retiraro apoio do
deputado que votasse a favordo projeto. Os prefeitos e presidentes de
diretórios municipais afirmavam que não abdicariam do de promover,
junto ao Secretário da Educação, a indicação para essa importante
função do ensino (O POPULAR, Goiânia, 27/6/ 85), Após a primeira
votação o projeto permaneceu parado por falta de quomm de deputados
do PMDB que se intimidavam diante das ameaças de suas bases
eleitorais, (CANESIN, 1993, 149)
Quando é para lutar por seus interesses, os políticos clientelistas
conseguem fazer o inusitado. Em Volta Redonda, Estado do Rio de
Janeiro, a maioria dos vereadores, com receio de perder seus pri
vilégios de interferir na indicação de diretores, além de rejeitar o
Projeto de Lei nQ 70/93, que regulamentava as eleições na rede
municipal, ainda aprovou outra lei, a de ng 98/93, que, em seu Artigo
1 Q, estabelece: "Fica proibido qualquer tipo de eleição para a escolha
de diretores e Funções Técnico-Pedagógicas em escolas municipais."
(apud
OLIVEIRA, A. A. R., 1994, p. 151)
Ao agirem dessa forma, esses vereadores, interessados no
clientelismo político, estão, na verdade, procurando garantir a
possibilidade de serem favorecidos por ele. É precisamente aí que
reside o principal problema com relação à nomeação como critério de
escolha do diretor, Ao propiciar a indicação sem outros mecanismos
que coíbam a imposição de vontades particularistas de pessoas ou
grupos, a nomeação pura e simples por autoridade estatal encerra
sempre um alto grau de subjetividade. Isso propicia um semnúmero de
injustiças e irregularidades, já que não existe um critério objetivo,
controlável pela população, que, além de garantir o respeito aos
interesses do pessoal escolar e dos usuários, possa também evitar o
favorecimento ilícito de pessoas, situação que fere o princípio de
FUNDAMENTOS — DAS DEMAIS
igualdade de oportunidades de acesso ao cargo por parte dos
candidatos, Além disso, esse procedimento tende a fazer com que o
compromisso do diretor acabe se dando apenas com os interesses

(1993, p.
22
FUNDAMENTOS— DAS DEMAIS ALTERNATIVAS.
1 ELEIÇÃO DIANTE

da pessoa ou grupo político que o nomeia. Por esses motivos, a


nomeação sem concurso público ou processo eletivo para o cargo
de diretor de escola não se apresenta como uma alternativa
defensável para a escolha do diretor escolar, sendo condenada
por todos aqueles interessados na boa gestão da escola pública.

1.2 Concurso público: virtudes e fraquezas


A escolha a partir de concurso público encontra defensores
dos mais diferentes matizes políticos e ideológicos. A defesa
dessa alternativa está particularmente presente nos sistemas
como o do Estado de SäO Paulo, em que há uma tradição de
muitos anos no provimento do cargo de diretor por meio de
concurso público de títulos e provas. A argumentação mais
comum em favor desse tipo de escolha tem sempre a ver com a
defesa da moralidade pública na escolha dos funcionários do
Estado e com a adoçäo de critérios técnicos para preenchimento
dos cargos. Tal argumentação tem sua origem na contraposição à
alternativa clientelista de nomeação pot critérios político-
partidários e, portanto, na convicção de que os cargos públicos
não devem ser distribuídos por apadrinhamento político, tendo-se
de garantir a democratização do acesso a eles, por meio de
concursos, considerados a forma mais avançada, objetiva e
imparcial de fazê-lo.
As principais virtudes apontadas para o concurso são, pois, a
objetividade, a coibição do clientelismo e a possibilidade de aferição
do conhecimento técnico do candidato. A objetividade é importante na
medida em que possibilita tratamento igualitário a todos os candidatos
e concorre, assim, para a eliminação da subjetividade. Por isso, como
bem assinala Dourado, a defesa do concurso "tem sido tônica geral em
setores da comunidade científica, por se imputar a esta a objetividade
na escolha de méritos intelectuais." (DOURADO, 1991, p. 33) 1 Da
mesma forma, na medida em que o critério de escolha está

1 Ver também Dourado 104)


(1993, p.
23
I DAS DFNAIS ALTERNATIVAS...

condicionado ao desempenho em provas e à comprovação de títulos


acadêmicos ou profissionais, o favorecimento político-clientelista fica
VITOR PARo—

enormemente dificultado, O que passa a ser apontado pelos autores


como uma das principais virtudes do concurso. Assim, não obstante
aponte problemas na alternativa dos concursos públicos para diretores
de escolas, Marés considera esta "uma excelente forma de contratação
de pessoas para o serviço público, talvez a única verdadeiramente
moral" (MARÉS, 1983, p. 49-50).
Com respeito à capacidade de aferição do conhecimento técnico dos
candidatos, parece haver também poucas dúvidas quanto ao acerto da opção
pelo concurso como forma de escolher os mais aptos às carreiras do serviço
público. Por isso é que se con sidera que a defesa desse recurso "deve ser
bandeira a ser ema punhada e efetivada, enquanto prática cotidiana, hoje já
consagrada pela constituição pelo menos, para o setor público, para o
ingresso na carreira docente. $ (DOURADO, 1991, p. 33) 2 0 que se pode
afirmar com segurança é que, embora imperfeito, parece que o concurso
apresenta-se como excelente meio para verificar a capacidade técnica das
pessoas para assumirem determinados cargos. Antes, de se renunciar a essa
alternativa, que tem demonstrado ser, se não a única, pelo menos a mais
eficiente maneira de escolher os mais capacitados tecnicamente, trata-se,
muito mais, de se aperfeiçoarem os procedimentos adotados na realização dos
concursos, apurando as técnicas de medida do desempenho e incluindo
entrevistas, estágios probatórios e outros mecanismos que lhe incrementem a
eficiência. (PARO, 1995b, p. 114)
Diante disso, parece que, de fato, como assevera Dourado (1991
p. 33), "o ponto de partida para o ingresso do educador no sistema de
ensino" deve ser a prestação de concurso de provas e títulos. Dizer
isso, porém, não significa privilegiar o concurso como critério para
levar o educador à função de diretor, nem supor a suficiência desse
critério para tal mister. Quando se trata da escolha do diretor da escola
pública, no Brasil, é preciso ter bem claro o tipo de desempenho que se
espera do futuro ocupante do cargo e saber se o concurso, isola
damente, tem condições de aferir a presença da necessária aptidão nos

2 Ver também Dourado (1990, p. 105).


24
HENRIQUE ELEIÇÃO DE DIRETORES
candidatos. Não se trata, portanto, de questionar a realização de
concurso, já que este tem provado ser o recurso mais adequado para

FUNDAMFXms — A ELEIÇÃODIANTE

prover o preenchimento de cargos em que se fazem exigências de


competência técnica específica. Trata-se, na verdade, de ter presente
suas insuficiências e pensar em alternativas que possam supridas.
A principal insuficiência que se aponta no concurso público
como critério para a escolha de diretores é o fato de que ele não se
presta à aferição da liderança do candidato diante do pessoal escolar e
dos usuários da escola pública, Embora considere o concurso uma
forma adequada para a escolha de pessoas para o serviço público,
Marés não se furta a fazer restrições à aplicação dessa solução à
escolha de dirigentes escolares:
No caso de diretores de escola há um conjunto de qualidades que devem
ser apuradas e que, via de regra, escapam à capacidade de examinadores
distantes, Se os critérios forem suficientemente abrangentes a ponto de
comportar inclusive a liderança que tem o professor na comunidade,
estaremos fazemo nada mais nada menos que urna eleição indiœta, com
o colégio eleitoral escolhido pelo poder público. A tipicidade de
concurso público serve, e bem, para uma objetiva escolha de méritos
intelectuais, porém é difícil avaliar desempenho e liderança através dele,
Portanto, o concurso público também não é a forma mais apropriada
para a escolha de dirigentes de estabelecimentos de ensino. (MARÉS,
1983, p. 50)
Exigir atributos de liderança do candidato a diretor é
reconhecer o caráter eminentemente político dos problemas
"administrativos" que afetam a escola pública. Um conhecimento
mais apurado da realidade dessa escola (PARO, 1995b) permite
afirmar que a precariedade de sua situação deve-se
fundamentalmente à recusa do Estado em fornecer condições de
funcionamento adequado a um ensino de boa qualidade. Não é a
ausência de belas teorias sobre administração de recursos que
25
I DAS DFNAIS ALTERNATIVAS...

impede o diretor de gerir uma escola com qualidade, mas a falta


mesma desses recursos para serem geridos. A declaração
patética de uma diretora, em pesquisa realizada numa escola
pública da periferia urbana da Grande São Paulo, quando
perguntada a respeito da formação que deveria ter o diretor para
atender às funções que lhe são atribuídas pelo Estado e para
manter a escola pública tal qual ela se encontra hoje, parece
representar bem o pensamento dos diretores da rede pública, ao
mesmo tempo que mostra o quão inútil se torna a capacidade
técnica diante da situação presente.
26
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
VrroR

Do jeito que ela está, você pega um secretário de escola I ...l — olha,
nem vou dizer com uma capacidade de redação, que nem precisa (só
um ou outro caso). Então, cê pega um secretário de escola que tenha um
pouquinho de liderança, seja um pouco mais espeno, tem urrw)uquinho
de traquejo, e bota ele aqui. Um pouquinho de bom senso l, ele vai. ele
vai. Não precisa de Pedagogia, ele não precisa de nada. Ele vai.. Ah! e
esse um pra essa escola„, uma grandessíssima dose de paciência l...J;
mas uma dose de paciência sem limites. E compactuar com o estado
geral das coisas; não querer as coisas certas, deixar tocar, deixar rolar.
Essa pessoa seria ideal pra do jeito que as coisas estão. R»rque ela não
teria conflitos, não causaria conflitos e a coisa andaria (PARO, 1995b,
p. 107)
Jurema Barbieri Couto (1988, p. 108), em pesquisa sobre a
gestão escolar no Distrito Federal, ao falar sobre as funções de
determinado diretor de escola, diz que estas "são as mais diversas e
muitas vezes [ele] é obrigado a desenvolver tarefas que não lhe dizem
respeito, dada a precariedade de recursos." Afirma ainda a mesma
autora que esse diretor, embora considere sua função pedagógica
como a mais importante, esta se apresenta como a "mais difícil de
conduzir, pois os aspectos administrativos absorvem grande parte do
seu tempo." O mesmo diretor afirma, então: "Você fica muito
envolvido com lâmpadas, com torneiras, com o prédio, com
administração do pessoal, com mais isso e mais aquilo, e, muitas
vezes, a parte pedagógica fica esquecida, o que é fundamental, é a
principal tarefa." (COUTO, 1988, p. 108)
Parece, portanto, paradoxal que o Estado, e até mesmo pessoas
bem-intencionadas dentre aquelas que militam no ensino público,
continuem a ver no concurso a grande solução para a escolha do
diretor. A se manter o diretor com as mesmas atribuições que ele tem
hoje, a aferição de sua capacidade para desempenho dessas funções
dispensaria o próprio concurso, da maneira como ele é feito hoje,
quando se exige todo um conhecimento de teoria administrativa, bem
como uma formação específica na área de administração escolar. Por
outro lado, se se pretende um diretor com funções mais propriamente
políticas, não é a aferição do conhecimento técnico em administração
27
I FUNDAMENTOS DAS DEMAIS ALTERNATIVAS...

a que se precisa proceder, mas à escolha, dentre os educadores


escolares, daquele com maior comprometimento político e capacidade
de liderança diante do pessoal escolar, dos alunos e dos pais. E a isto o
concurso não se presta.
— A ELEIÇÃO DIANTE

E interessante observar como a precariedade da escola em


termos de condições de funcionamento, bem como o desenho da
função do diretor como agente de uma prática burocratizada —
no sentido de "práxis degradada n empregado por Adolfo
Sánchez Vázquez (1977, p. 260 et seq.) são características
presentes na realidade escolar em todo o território nacional.
Calaça, discorrendo sobre a rotina do diretor de escola em
Goiânia no período anterior à adoçäo de eleições, afirma:
"Liberado", por um lado, do trabalho de pensar a escola, e premido, por
outro, pelas precárias condições de funcionamento da escola, o diretor se
tornava um eterno ausente: ou estava pleiteando algum material básico
ou alguma prestação de serviço para colocar a escola em condições,
mesmo que mínimas, de funcionamento, ou estava a serviço das
exigências do papelório, e da burocracia, ou, não raras vezes, à
disposição do padrinho político. (CALAÇA, 1993, p. 46)
Exceção feita ao apadrinhamento político mencionado no
final desta citação, nota-se inteira semelhança do perfil do diretor
(nomeado) aí descrito com o do diretor (concursado) no Estado
de São Paulo. O que ambos têm em comum é a falta de cuidado
com os aspectos mais propriamente políticos da situação, Num e
noutro caso, o diretor vê•se envolvido com as carências da escola
e reage a elas procurando supri-las de forma desvinculada da
ação dos usuários, que são os mais diretamente interessados na
qualidade do ensino oferecido. O Estado responde a isto, por um
lado, negando o provimento dos recursos e das condições
favoráveis; por outro, reduzindo o problema a uma questão
meramente técnica, jogando a culpa, ou na inépcia administrativa
do diretor, ou na incompetência do corpo docente.
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES

O que fica configurado, assim, é uma questão de natureza emi•


nentemente política, ou seja, quem detém o poder de decidir, o Estado,
nega-se a atender aos interesses dos usuários, que são os que financiam
a escola pública por meio de seus impostos. Nos sistemas em que o
diretor é nomeado, seu compromisso político é com quem está no
poder, porque foi quem o nomeou; nos sistemas em que ele é
concursado, seu compromisso é também com quem está no poder, pois
o concurso isolado não estabelece nenhum vínculo do diretor com os
usuários, mas sim com o Estado, que é quem o legitima pela lei.
VrroR

Mas há uma diferença importante: quando há a nomeação pura e


simples, o aspecto político fica à mostra, provocando, especialmente
em períodos de democratização da sociedade, descontentamento e
mobilização dos prejudicados para superar a situação; mas, nos casos
em que há a ocorrência isolada do concurso, há O agravante de que O

aspecto político fica escamoteado, com maior tendência de


acomodação e de crença na justificativa meramente técnica para os
problemas da escola.
Não deve ser por acaso que a luta por eleições começa e se desen
volve com muita antecedência nos estados onde o cargo de diretor era
provido por nomeação, com a questão política permanecendo explícita.
Nesses sistemas, as entidades representativas dos professores se
mobilizaram, exigindo não apenas melhores salários e condições de
trabalho mais adequadas, mas também O direito de escolher o diretor.
Esses professores acreditavam, no fundo, que seus diretores eram
autoritários, delatores, descomprometidos com professores e alunos
porque eram nomeados. Não sabiam eles que, no Estado de São Paulo,
os diretores eram (e ainda são) levados a agir também autoritariamente
e a ser meros burocratas, por mais boa intenção que tenham, mesmo
não sendo apenas nomeados. É que o concurso isoladamente, sem
outros elementos que induzam o comprometimento do diretor com os
objetivos dos usuários, embora não se prenda necessariamente a esta
ou àquela facção política, produz também a situação de dependência
do diretor a quem lhe deu legitimidade, ou seja, ao poder do Estado; e,
29
I FUNDAMENTOS DAS DEMAIS ALTERNATIVAS...

mais grave ainda, não importa qual a facção política ou o partido que
esteja no poder.
Um fator que agrava a circunstância de o concurso não promover
o compromisso do diretor com a escola e seus usuários é o fato de, em
geral, o concurso estar vinculado à estabilidade do cargo para o qual
ele é feito. Para quem examina em profundidade o funcionamento real
da escola pública onde o concurso para o cargo de diretor é a regra,
como no sistema público estaduai paulista, não é difícil perceber a
intensidade com que essa estabilidade quase vitalícia do cargo
concorre para determinar o descompromisso do diretor com objetivos
educacionais articulados com os interesses dos usuários e induz à
negligência para com formas democráticas de gestão.
I FUNDAMENTOS DEMAIS ALTERNATIVAS...

25
—A EIÆIÇÄO DIANTE nas

Uma questão correlata a esta é a necessidade de não se tomar a


(relativa) igualdade de oportunidades oferecida aos candidatos no
concurso público com a democracia que se deve exigir na gestão da
escola. Luci Silva Samartini, por exemplo, considera que os concursos
são uma forma democrática de provimento de cargos, incluindo o de
Diretor de Escola, já que o concurso é aberto a quem quer que preencha
os requisitos de títulos e provas. Dá oportunidades iguais a todos os
capacitados, sem favorecimentos pessoais que podem ocorrer nas
indicações por apadrinhamento e até nas eleições." (SAMARTINI,
1994, p. 157)
Na verdade, o sistema de escolha do diretor por concurso público
é democrático apenas do lado do candidato ao cargo, Este, quando
aprovado e convocado pela Secretaria de Educação, escolhe, dentre as
várias unidades escolares disponíveis, aquela que mais lhe interessa.
Nesse processo, "o diretor escolhe a escola, mas nem a escola nem a
comunidade podem escolher o diretor" (PARO, 1992, p. 44).
Em síntese, pode-se afirmar que, não obstante as qualidades
intrínsecas a um sistema de credenciamento dos profissionais da
educação pela via de concursos públicos que afiram sua
competência técnica para o desempenho de funções determinadas,
é preciso reconhecer os casos em que a natureza política do cargo
exige medidas mais de acordo com suas funções sociais e que
escapam a um controle meramente técnico. Nesse sentido, o
concurso que se presta (parcialmente) à escolha do bom diretor é
aquele que é realizado quando da escolha do bom professor.
Nesta ocasião, há que se verificar o conhecimento do candidato
sobre: "a) seu conteúdo programático específico (Geografia, -
Matemática, Biologia, Língua Portuguesa etc.); b) os
fundamentos da educação (históricos, filosóficos, sociológicos,
econômicos, psicológicos); c) a Didática e as metodologias
necessárias para bem ensinar determinado conteúdo
I FUNDAMENmS — ELEIÇÃO DIANTE DAS ALTERNATIVAS...

programático; e d) as questões relacionadas à situação da escola


pública." (PARO, 1995a, p. 5)
O educador que tenha sido aprovado em tais requisitos em
concurso público de títulos e provas e que possua uma
experiência mínima no magistério estará preparado para
submeter-se a um processo de escolha que inclua a consulta a
professores, demais

VIT0R

funcionários, alunos e pais, capaz de aferir seu compromisso


político e sua capacidade de liderança para ocupar o posto de
diretor de escola pública.

1.3 Eleição: instrumento de democracia


A defesa da eleição como critério para a escolha de diretores
escolares está fundamentada em seu caráter democrático. Zabot
considera esta como "a mais democrática e, sem sombra de dúvidas, a
melhor, mais oportuna e mais viável opção, se compararmos com as
citadas anteriormente.' (ZABOT, 1984, p. 89)
À medida que a sociedade se democratiza, e como condição dessa
democratização, é preciso que se democratizem as instituições que
compõem a própria sociedade. Daf a relevância de se considerar a
eleição direta, por parte do pessoal escolar, alunos e comunidade,
como um dos critérios para a escolha do diretor de escola pública. Tal
re• levância fundamenta-se na necessidade do controle democrático do
Estado por parte da população, no sentido do provimento de serviços
coletivos em quantidade e qualidade compatíveis com as obrigações
do Poder Público e de acordo com os interesses da sociedade. Para
isso é preciso reconhecer que a fragilidade da democracia
fundamentada na participação política da população apenas no
momento de eleger seus governantes e representantes legislativos em
âmbito municipal, estadual e federal está em que, assim, a população
fica pri• vada de processos que, durante os períodos de mandatos
parlamentares ou governamentais, permitiriam controlar as açöes dos
eleitos para tais mandatos de modo a atender aos interesses das
32
HENRIQUE PAIO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
camadas populares. (PARO, 1992, p. 40) Por isso, o caminho para a
real "demo cratização da sociedade", de que fala Norberto Bobbio,
precisa passar pela ocupação *'de novos espaços, isto é, de espaços até
agora dominados por organização de tipo hierárquico ou burocrático.
(BOBBIO, 1989, p. 55)
Nas sociedades em que se tem intensificado o processo de
democratização da vida social, o que se verifica é que tal processo está se
estendendo da esfera das relações políticas; das relações nas quais o indivíduo
é considerado em seu papel de cidadão, para a esfera das relações sociais,
onde o indivíduo é considerado na variedade de seus status e de seus
A

papéis específicos, por exemplo, de pai e de filho, de cônjuge, de


empresário e de trabalhador, de professor e de estudante e até mesmo
de pai de estudante, de médico e de doente, de oficial e de soldado, de
administrador e de de produtor e de consumidor, de gestor
de serviços públicos e de usuário, etc. (BOBBIO, 1989, p. 55)
Nessa linha de raciocínio, a democratização da escola pública deve
implicar não apenas o acesso da população a seus serviços mas também a
participação desta na tomada de decisões que dizem respeito a seus interesses,
o que inclui o envolvimento no processo de escolha de seus dirigentes. No
dizer do mesmo Bobbio, se hoje se pode falarde processo de democratização,
ele consiste não tanto, como erroneamente muitas vezes se diz, na passagem
da democracia representativa para a democracia direta quanto na passagem da
democracia política em sentido estrito para a democracia social, ou melhor,
consiste na extensão do poder ascendente, que até agora havia ocupado quase
exclusivamente o campo da grande sociedade política (e das pequenas,
minúsculas, em geral politicamente irrelevantes associações voluntárias), para
o campo da sociedade civil nas suas várias articulações, da escola à
fábrica: falo de escola e de fábrica para indicar emblematicamente os lugares
em que se desenvolve a maior pane da vida da maior parte dos membros de
uma sociedade modema [...l. (BOBBIO, 1989, p. 54-55)
Essa democratização Social implica certa distribuição do poder
centralizado do Estado para as instâncias da base da pirâmide estatal,
onde se dá o contato direto com os cidadãos. Na consideração lúcida de
um dos entrevistados de Marta Luz Sisson de Castro et al., em estudo
sobre a experiência das eleições de diretores no Estado do Rio Grande
I FUNDAMENmS ELEIÇÃO DIANTE DAS
— ALTERNATIVAS...

do Sul (1991, p. 100), g o governador tem de se conscientizar de que


quando a escola é democrática seus poderes têm de diminuir."
Obviamente, isto é muito dificil de acontecer, porque os detentores do
poder do Estado costumam resistir a toda forma de democratização da
sociedade. A esse respeito, como veremos no capítulo 4, a resistência
de governos conservadores, tentando acabar com o processo eletivo
em estados como Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul,
verificada no final da década de 1980 e início da de 1990, não deixa de
ser uma prova do potencial democrático da eleição de diretores, No
dizer de uma conselheira do Conselho Estadual de Educação do Paraná,
"é tão importante a eleição do diretor que foi uma das primeiras coisas
que o

governo Requião, surpreendentemente assessorado por gente que a


34
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
VrroR

gente até pensava que era progressista 1„.1, que por obrigação de
partido deveria ter uma posição mais avançada, primeira coisa que eles
fizeram (o Requião já apostava nisso enquanto candidato) foi de fato
cortar [a eleiçäol."
A eleição de diretores não pode, todavia, ser tomada como uma
panacéia que resolverá todos os problemas da escola e muito menos,
em particular, os de natureza política. Essa, aliás, tem sido a alegação
mais freqüente dos que resistem à eleição como alternativa para a
escolha do diretor, ou seja, descarta-se a eleição porque unáo é possível
atribuir a existência da democracia a apenas uma variável, seja ela o
concurso, os cursos, ou, menos ainda, a eleição" (SAMARTINI, 1994,
p. 162). Maria de Lourdes Melo Prais, por exemplo, afirma: "A
proposta de eleição do diretor tem Sido tomada como sinônimo
da efetivação da democratização escolar, entretanto, a proposta
por si só certamente não garante a democratização da escola.
Pois, independentemente da forma de provimento do cargo,
deve-se considerar prioritariamente a maneira como será
exercida esta função." (PRAIS, 1990, p. 86)3
Acontece que é muito difícil se pensar "a maneira de como será

exercida a função" de forma desvinculada de seus condicionantes. E


não há dúvida de que um deles é a maneira de provimento da função de
diretor. A respeito desse pensamento de Prais, afirma Dourado que, u
no entanto, é fundamental ampliarmos os horizontes da democratizaçäo
da gestão, enfatizando conjuntamente a forma de escolha e

O exercício da função, de modo a não incorrermos nos riscos de uma


pretensa neutralidade frente às formas de escolha — normalmente
autocráticas — assim, a forma de provimento no cargo pode não
definir o tipo de gestão, mas, certamente, interfere no curso desta."
(DOURADO, 1990, p. 109)

3 Ver também Dourado (1990, p. 109).


I FUNDAMENTOS — ELEIÇÃO DIANTE DAS DEMAIS ALTERNATIVAS...
E interessante observar a persistência de argumentos que tentam
desmerecer a eleição sob a a]egaçáo de que ela, sozinha, não garante a
democracia na escola. Na mesma obra citada, Prais afirma: "Deve-se
pois, manter em evidência que, se a proposta de eleição de diretor for

considerada como a única garantia de democratização da escola, então


corre-se o risco de restringir-se à simples substituição de pessoas no
poder, e assim, perder de vista o legítimo anseio da democratização da
escola enquanto espaço educativo para a participação e a cooperação
necessárias ao exercício da cidadania." (PRAIS, 1990, p. 86)
Entretanto, nada há no processo eletivo exigindo que ele seja
considerado como ga única garantia de democratização da escola." O
risco major, parece-me, é, por excesso de cautela, deixar de considerar
as importantes contribuições que o processo eletivo pode trazer para a
democracia. Às vezes, a impressão que se tem é que se pretende fazer
política sem passar pelo debate de idéias e pela legitimação
democrática que passa necessariamente pela manifestação da vontade
dos envolvidos. Veja-se, a propósito, a seqüência da fala de Prais:
Nestes termos, a tarefa do diretor-educador assume uma manifesta dimensão

de responsabilidade política. Responsabilidade que exige naturalmente


tanto experiência educativa quanto competência técnica fundada no
âmbito da ciência da administração escolar.
De modo que o exato equilibrio entre competência técnico-acadêmica e
sensibilidade política se coloca como requisito indispensável para o
diretor educador, antes de ser resolvida a questão subseqüente do
provimento do cargo. (PRAIS, 1990, p. 86, grifos meus)

Mas, como se pode falar em aresponsabilidade política" ou


se cogitar em "sensibilidade política" antes de refletir sobre a legi
timidade da escolha do diretor? A mesma autora continua:
•"Naturaimente que qualquer forma de provimento de cargo
deverá obedecer a critérios inequívocos de civilidade e
legitimidade." Mas como falar em legitimidade se se descarta o
36
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
processo eletivo, que propicia ouvir os liderados sobre a
legitimidade dos que os lideram? A seguir, afirma Prais: "Cabe,
pois, reiterar a prioridade da prática colegiada de administração
escolar sobre a forma de provimento do cargo de diretor, no
processo de democratização da escola pública." (PRAIS, 1990, p.
87, grifo meu)
A questão não é o que vem antes ou depois. Se estamos preo
cupados com a democracia na escola, temos de lutar tanto por gestão
colegiada quanto por processos eletivos de escolha. Mas quando, a
pretexto de defender uma dessas medidas, se descarta a outra, corre-
VrroR

se o risco de pôr-se ao lado daqueles que são contrários a qualquer tipo de


democratização, como fazem, por exemplo, os que defendem interesses
corporativos contrários à diminuição da autoridade do diretor na escola. A esse
respeito, é sintomática a posição de um membro da diretoria de uma entidade
de diretores no Estado de São Paulo. Segundo ele, a escola pública não tem
autonomia, nem financeira nem administrativa e, por isso, não há a
possibilidade da autogestão na unidade escolar. Nós teríamos seis mil escolas
autônomas no Estado de São Paulo. E aí, eu realmente acho, sou totalmente
contra a eleição de diretor ou qualquer forma de eleição. Porquê? Porque, para
mim, no meu modo de pensar, a eleição seja para diretor, seja para professor,
seja para qualquer cargo de direção ou orientação, ela é plenamente
justificável na autogestão, onde você define os rumos, onde você define os
meios e onde você delibera a forrna de usar os recursos. Isto sim, você tem
independência. você tem autonomia. Em caso contrário, ou como o sistema
que nós temos, sendo eleito, sendo por concurso, você vai ter uma série de
atribuições que têm que ser cumpridas, quer seja eleito quer não seja.

Este parece um argumento forjado pelo espírito de corporação


para, ao mesmo tempo que se apresenta como democrata,
autogestionário, se ponha contra a eleição de diretores. Acena-se com
uma autogestão, desde já considerada impossível, como condição para
que haja eleição. Ou seja: ou tudo ou nada. Não se aventa sequer a
hipótese da necessidade de construção da democracia almejada por
meio de mecanismos democráticos, dentre eles, a eleição. O mesmo
comportamento não se verifica, entretanto, com relação ao conselho de
I FUNDAMENTOS — ELEIÇÃO DIANTE DAS DEMAIS ALTERNATIVAS...
escola que, do modo como se estrutura na rede pública estadual
paulista, já demonstiou não representar nenhum perigo para a
autoridade do diretor; «Agora, o que eu acho que onde se pode atacar
bastante a questão da gestão é no trabalho com o Conselho de
Escola. Ai, realmente, eu acho que está a saída para esta situação que
nós vivemos. Este trabalho pode fazer avançar bastante."
Observe-se que, neste caso, não se considera que o conselho de
escola também só devesse existir quando fosse possível a autogestão...
O argumento de Eny Marisa Maia também é no sentido de negar
importância à eleição porque ela não garante a democracia na escola:
"Se a questão da democratização das relações na escola passa pela
38
I FUNDAMENTOS— DIANTE. DAS DEMAIS ALTERNATIVAS...
A ELEIÇÃO

distribuição do poder, a eleição em si não garante essa nova


dinâmica. É possível reeditar as relações elitistas e autoritárias já
incorporadas na história do país e em nossa história profissional.»
(MAIA, 1984, p. 52) "Chegamos à conclusão de que a delegação do
poder, a democratizaçáo da escola não se garante pela eleição dos seus
dirigentes e optamos então por realizar o concurso." (MAIA, 1984, p.
53)

Em suma, o argumento que afirma ser a eleição de diretores


inadequada porque não resolve todos os problemas da
democracia na escola assume que, porque não resolve tudo, deixa
também de ter qualquer importância no encaminhamento de
soluções. Corolário dessa visão é o argumento de que a escola só
será democrática quando a sociedade for democrática. O mesmo
dirigente de entidade de diretores de escolas públicas no Estado
de São Paulo afirma: "Por que não se tem uma escola
democrática, hoje, aqui em São Paulo e no Brasil? Porque nós
temos uma sociedade que não é democrática. Ou seja, se você
tem uma sociedade em que você tem uma democracia de direito,
mas de fato ela não existe, é impossível imaginar que você vai
ter uma escola democrática. Não dá para imaginar uma escola
democrática numa sociedade que não é democrática."
A fragilidade desse argumento está no fato de que ele deixa de
levar em conta a própria natureza da educação que, supõe-se, é função
da escola promover. Embora a educação escolar não possa, por si,
modificar a sociedade, não significa que ela não tenha potencialidades
para, pelo menos, contribuir para isso. Na medida em que consiste na
apropriação da cultura humana, a educação constitui elemento
imprescindível para que os sujeitos humanos, tomando ciência da
realidade social, possam agir na direçäo de sua transformação. E a
escola, ao lidar com esse tipo de atividade, tem necessariamente de ter
um mínimo de autonomia com relação às determinações sociais mais
39
FUNDAMENTOS DIANTE DAS DEMAIS
amplas, o que possibilita que ela implemente e exercite formas
democráticas de convivência e de gestão.

Outra alegação que ignora a natureza das relações que se dão no


interior da escola pública, bem como o tipo de papéis e funções
desempenhados por seus funcionários e educadores, é a que afirma
não ter sentido falar em eleger o diretor sem falar em eleger também
os professores ou os demais profissionais da escola. "Ninguém pensa,
p. ex., em eleição para professor", afirma Samartini (1994, ps 162). Já
Romualdo Portela de Oliveira, diante da indagação: "Se é para eleger
o diretor, por que não eleger também o professor?", pondera:
Subjacente a esta pergunta está o desconhecimento (proposital?) da
diferença de natureza que parece existir entre as duas funções, o que
justifica que se faça concurso para professor e eleição para diretor.
Retomando a distinção entre cargo e função, entendo que professor
deva serum cargo [.„] e diretor uma função. Nesta medida, o segundo é
de provimento temporário. No limite, esta confusão, se aceita,
justificaria a não-æalizaçáo de concursos para provimento de cargos no
serviço público em geral. (OLIVEIRA, R.P., 1993, p. 122)
A confusão referida por Romualdo Portela de Oliveira reside no
tratamento indistinto que se dá a profissionais com atribuições e
responsabilidades, em certo sentido, bastante diversas. O professor —
embora a política perpasse toda sua prática docente (e escolar de um
modo geral) — não precisará exercer a liderança política na proporção
e natureza que ela é exigida do profissional encarregado de coordenar
o esforço humano coletivo na unidade escolar. No caso do diretor, a
questão da liderança (que tem a ver com legitimidade, aceitação por
parte dos liderados) perpassa de forma marcante suas próprias funções
técnicas. De um professor de geografia, por exemplo, exige. se, acima
de tudo, que conheça geografia e domine a metodologia necessária
para ensiná-la. Isto pode ser aferido em concurso de títulos e provas.
Ao diretor, para exercer suas funções, não bastam as habilidades de
um bom professor. Além delas , é preciso que ele apresente
legitimidade diante do pessoal escolar e dos usuários da escola. E
legitimidade não se mede por concursos, mas pela livre manifestação
da vontade da maioria.
40
VITOR HENRIQUE PARO— ELEIÇÃO DE DIRETORES
Um dos receios que fundamentam a opinião contrária de muitas
pessoas a respeito da eleição de diretores é o de que esta acaba
causando conflitos. Ouvido em entrevista, um dos idealizadores da
eleição direta para diretores de escolas no Paraná e assessor da
Secretaria de Educação do Estado no Governo José Richa (1983-
1987) diz que os que eram contrários à eleição alegavam que os
estudantes iriam mandar na escola. O outro argumento "aparentemente
forte era que as eleições tinham trazido — isso já depois da primeira
eleição — tinham trazido intranqüilidade; a paz da escola tinha
acabado [ ...l.

Moacyr de Góes (1992, p. 92), embora favorável à eleição de


diretores, reconhece que "a eleição vai revelar as relações de poder na
escola" e que essa revelação "pode ser um choque."
O choque de opiniões e a explicitação de posições conflitantes
são sempre muito temidos em nossa sociedade. Roberto DaMatta
considera que "somos avessos à crise" e que "sabemos que o conflito
aberto e marcado pela representatividade de opiniões é, sem dúvida
alguma, um traço revelador de um igualitarismo individualista que,
entre nós, quase sempre se choca de modo violento com o esqueleto
hierarquizante de nossa sociedade." (DAMATTA, 1990, p. 149)
Stephen J. Ball, citando H. Svi Shapiro a respeito dos conflitos no
interior da escola, afirma que "em nenhuma outra instituição, as idéias
de hierarquia e igualdade, de democracia e coerção, se vêem obrigadas
a coexistir na mesma estreita proximidade'* (BALL, 1989, p. 32).
Mas, onde os contrários à eleição vêem motivos para
preocupação, os defensores do processo eletivo encontram
precisamente uma das maiores razões para sua implementação.
Perguntada sobre o que considerava o mais forte argumento a favor da
eleição de diretores, a conselheira do conselho Estadual do Paraná
anteriormente citada afirma: "Eu acho que é, de fato, evidenciar a
organização da sociedade, dos grupos políticos [ .. I permitir que a
questão da orientação democrática se ponha... da reivindicação, dos
pais O corporativismo dos professores aparece de fato é mais
verdadeiro, a escola se torna mais expressão das condições reais de
41
FUNDAMENTOS DIANTE DAS DEMAIS
funcionamento da sociedade, da contradição, da luta de classes, tudo,
que atravessa de fato a sociedade."
O ex-assessor da Secretaria da Educação do Paraná, ante
riormente citado, ao relatar a experiência de eleições diretas no Estado,
diz que, "então, os conflitos eles vieram à tona, Em função de um
grupo ou de outro, houve uma riqueza de discussão muito grande no
seio da escola, e os grupos, realmente, eles vieram à luz, com força
Em algumas escolas realmente a coisa ficou bastante polêmica, e
demonstrando que o jogo democrático é este mesmo. E a gente contra
argumentava: 'Olha esses conflitos existem, eles são camuflados, as
vezes a própria direção da escola os abafa.'" Em conclusão, ele afirma:
"Eu acho que a eleição de diretores cria um clima favorável à mudança
42
VITOR HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES

na escola. Quer dizer, ela chacoalha, ela mexe com o torpor da escola.
Porque, de repente, parece que a escola acordou: 'Opa! tem uma coisa
importante a decidir..."'
Romualdo Portela de Oliveira, diante do argumento de que "a
eleição de diretor de escola pode criar um processo de
tensionamento no interior da escola que tornaria impossível o seu
funcionamento", afirma:
Isto é verdade. A eleição não é uma receita para se "evitarem
problemas", mas sim uma alternativa para que eles aflorem e sejam
enfrentados abertamente, sem permanecerem subjacentes. O desafio
que a eleição significa, como, aliás, em todo e qualquer processo de
disputa democrática, é a construção de um ethos de convivência que
permita que os objetivos maiores da instituição se sobreponham às
disputas internas. Ressalte-se que isto acontecer com ou sem eleição.
(OLIVEIRA, R. e, 1993, P. 122)
Os que procuram na eleição ou em qualquer outro recurso
democrático um modo de evitar conflitos ou impedir que os conflitos
venham à tona certamente podem frustrar-se completamente, pois não
é a isso que a democracia se presta A esse respeito, vêm a propósito as
palavras de Francisco de Oliveira sobre a função da democracia como
método:
O método democrático recusa diktate. Ao contrário, o método
democrático constrói regras através do conflito, do reconhecimento das
alteridades, da relevância dos sujeitos coletivos, que abrem o espaço
para a relevância do indivíduo. As regras não são eternas, imutáveis,
mas tampouco são um "raio num dia de céu azul". Têm historicidade e
temporalidade. Não asseguram nada essencialmente; asseguram um
processo, que se converte, pois, em essência. Não asseguram justiça,
mas a administração, a possibilidade de justiça; não asseguram a
igualdade, mas a possibilidade, o processo, da igualdade. O método
democrático é, por assim dizer, exigência e resultado, suposto e
pressuposto de um longo processo de complexificação, diversificação,
das estruturas sociais, das classes, dos interesses. (OLIVEIRA, F., 1993,
p. 78)
43
I FUNDAMENTOS — ELEIÇÃO DIANTE DAS DFNAIS ALTERNATIVAS...

A incipiente prática política existente nas escolas faz com


que muitas pessoas se coloquem contra a eleição de diretores
com receio de que, assim, sejam escolhidas precisamente as
pessoas mais conservadoras e demagógicas, que não tenham
escrúpulos em manipular os eleitores. O ex-assessor da
Secretaria da Educação do Estado do Paraná, anteriormente
citado, diz que antes das eleições

havia manifestações de pessoas que receavam que os candidatos


viessem com promessas demagógicas e a alegação de que o aluno iria
votar no professor "bonzinho"; ele mesmo concorda que "houve
realmente fatos concretos: boa parte dos escolhidos eram professores
de Educação Física, que tinham um contato muito vivo com seus
alunos." Mas ele argumentava; "como em toda democracia, e
especialmente como a nossa, os oportunistas, os demagogos chegam à
luz, mas aí é que está o exercício, o interessante; o jogo democrático é
exatamente [issol."
Para pôr-se contra a eleição de diretores, o dirigente de uma
associação de diretores escolares do Estado de São Paulo
anteriormente citado afirma: "Eu parto do princípio que o profissional
consciente, democrático nas suas açôes, qualquer que seja a forma de
provimento do cargo, ele será, ao passo que o ruim será ruim, o
autoritário será autoritário de qualquer forma."
O principal problema com esse tipo de argumentação é
ignorar que o que se busca não é uma fórmula mágica de
escolher bons diretores, mas sim o modo de provimento que
garanta maiores probabilidades de se escolher o melhor. Outro
aspecto é o que apresenta Romualdo Portela de Oliveira. Diante
da constatação de que, tanto quanto com o concurso, não se pode
garantir que, com a eleição, não seja escolhido precisamente um
mau diretor, esse autor lembra que "a diferença é que, com a
eleição, após o cumprimento do mandato, é possível se
repensar a escolha, enquanto com o concurso só se altera a
44
VrTOR PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
situação por aposentadoria ou por remoção." (OLIVEIRA, R. P.,
1993, p. 122)
Em trabalho anterior (PARO, 1995b), ao analisar as opiniões do
pessoal escolar, pais e alunos de uma escola pública do sistema
estadual de São Paulo, assim me referi ao risco de, com a eleição, se
escolherem gas pessoas mais reacionárias, que tivessem condições de
manipular a comunidade":
[ I este é um risco presente em todo processo democrático e a respeito
de que pouca coisa podemos fazer a não ser acreditar que a prática da
democracia é um caminho que se faz caminhando e que o embate das
idéias e a explicitação das contradições são mais propícios à superação
dos conflitos do que o fazer de conta que eles não existem. Ademais, a
prática do concurso também não
HEMUQUE

afasta o fisco de escolher "os mais reacionários", já que não coloca (nem pode

colocar) como exigência o compromisso político, Além disso, sendo o


único critério de escolha, o concurso oferece condições propícias para o
exercício do autoritarismo do diretor, já que, ao legitimar uma escolha
"impessoal", estabelece um vínculo .com permanência garantida pela
estabilidade do cargo) entre o diretor e o Estado, o que exclui o
compromisso direto e explfcito, possível por meio de processo ele
tivo, com aqueles que o elegeram para um mandato e que estarão a
controlar seu desempenho, podendo não elegê-lo para o próximo.
(PARO, 1995b,p. 1 17)
Subjacente à preocupação de que a eleição possa levar escolha de
«maus" candidatos parece estar sempre a concepção de que a
comunidade escolar (e especialmente pais e alunos) não está
g
preparada" ou não sabe votar. Também já escrevi que esse raciocínio
"encerra uma perversidade muito grande porque, como a comunidade
só aprende a votar votando, nunca aprenderá (porque não vota) e,
assim,

nunca deverá votar (porque não sabe)." (PARO, 19951), p. 1 12)


45
I FUNDAMENTOS — ELEIÇÃO DIANTE DAS DFNAIS ALTERNATIVAS...

Outra objeçâo que se faz à eleição como critério de escolha de


diretores é a de que a política compete ao governo eleito. Segundo
Samartini, (1994, p. 157) "a escola é uma repartição pública, uma
secção de Secretaria de Estado. Não se constitui um governo, um
parlamento, composto de cargos eletivos. Não é um poder público,
uma 'pequena república' soberana e autônoma." Para Marés,
J deve-se pressupor que a política democrática compete ao Estado, O
povo, quando escolhe seus governantes, escolhe o projeto político que
deseja ver implementado. As Secretarias de Educação não podem
deixar de cumprir a diretriz política na democratização do ensino. ( ...J
Os diretores de estabelecimentos de ensino são quadros intermediários
responsáveis pela administração de uma unidade escolar, responsáveis
pela implementação

prática de uma política, mas não necessariamente idealizadores dessa


Þlítica. A diretiiz política, sempre é bom reafirmar, tem que serdada
Goverrx:» que foi eleito para Pô-la em prática. (MARÉS, 1983, p. 49)
Mas, apesar dessas ressalvas quanto à responsabilidade e
competência do governo eleito para pôr em açäo seu programa, o
autor, neste texto, é defensor da eleição de diretores COmo a melhor
opção para a escolha de administradores escolares, fazendo apenas a
seguinte ressalva:
E necessário, porém, que o Estado, ao estabelecer o processo eleitoral
para preencher os cargos de direção de escolas, deixe claro que não está
pondo
46
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
A

em votação sua política educacional (cujo fórum de discussão é o poder


legislativo), mas tão simplesmente a sua implementação através de
quadros intermediários livremente escolhidos em eleições. Aliás, se os
quadros intermediários que defendem a política educacional do governo
perdem sistematicamente eleições dentro da escola, é mister rever essa
política, porque possivelmente ela contém erros ou exageros de difícil
ou viciosa implementação. (MARÉS, 1983, p. 50)
O autor conclui, então, pela eleição como a forma mais adequada
de escolha do diretor: "A eleição para diretor de escola é a mais rica
das formas que se apresentam para suprir a necessidade administrativa
da existência de um comando dentro da escola, e a que mais favorece a
discussão da democracia na Escola, porque toda eleição é forma de
debate." (MARÉS, 1983, p. 50)
A pretensão de que a escola permaneça alheia à política, deixando
inteiramente nas mãos do governo eleito a orientação da educação, é
uma postura que procura manter a sociedade apenas no nível da
democracia formal, restringindo a participação política da população às
eleições periódicas para mandatos executivos e parlamentares, e
abrindo mão do controle democrático do Estado, característica da
democracia social a que me referi anteriormente.

2 ELEIÇÃO NO CONTEXTO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA


GESTÃO ESCOLAR

2.1 Democratização da sociedade


Ao enfatizar a necessidade de as formas democráticas ocuparem
espaços onde elas ainda não se fazem presentes na sociedade, Bobbio
refere-se a uma "verdadeira reviravolta no desenvolvimento das
instituições democráticas" que ele resume como sendo: "da
democratização do estado à democratização da sociedade." (BOBBIO,
1989, p. 55) Essa democratização da sociedade significa que a frágil
democracia política, fundamentada na escolha periódica de
representantes, por meio de eleições, para os cargos executivos e
parlamentares deve ser ampliada e aprofundada na disseminação de
I FUNDAMENTOS — ELEIÇÃO DIANTE DAS DEMAIS ALTERNATIVAS..
formas de participação dos cidadãos no maior número possível de
instâncias do corpo social.
VrroR

Hoje, se se quer apontar um Índice do desenvolvimento democrático


este não pode mais ser o número de pessoas que têm o direito de votar,
mas o número de instâncias (diversas daquelas políticas) nas quais se
exerce o direito de voto; sintética mas eficazmente: para dar um juízo
sobre o estado da democratização num dado país o critério não deve
mais ser o de "quem» vota, mas o do "onde" se vota (e fique claro que
aqui entendo o "votar" como o ato típico e mais comum do participar,
mas não pretendo de forrna alguma limitar a participação ao voto).
(BOBBIO, 1989, p. 56)
Não se trata, de maneira nenhuma, de minimizar a importância
de nossa democracia representativa, mas apenas de levar a sério as
palavras de Thomas Paine em Common sense, para quem
A sociedade é produzida por nossas carências e o governo por nossa
perversidade; a primeira promove a nossa felicidade positivamente
mantendo juntos os nossos afetos, o segundo negativamente mantendo
sob freio os nossos vícios. Uma encoraja as relações, o outro cria as
distinções. A primeira protege, o segundo pune. A sociedade é sob
qualquer condição uma bênção; o governo, inclusive na sua melhor
forma, nada mais é do que um mal necessário, e na sua pior forma é
insuportável. (citado em BOBBIO, 1990, p. 21, grifos no original)
Assim, o importante é desenvolver na sociedade os mecanismos
necessários para levar o Estado a cada vez mais agir de acordo com os
interesses dos cidadãos, entendidos estes como indivíduos livres que optam
por viver em sociedade de acordo com regras delimitadas e comumente
aceitas. Com isto se quer enfatizar a importância da sociedade moderna,
fundada nos direitos dos cidadãos e no contratualismo, contrapondo-a às
formas sociais pré-modernas baseadas numa concepção organicista. Nas
palavras de Bobbio: O que une a doutrina dos direitos do homem e o
contratualismo é a comum concepção individualista da sociedade, a
concepção segundo a qual primeiro existe o indivíduo singular com seus
interesses e com suas carências, que tomam a forma de direitos em virtude da
assunção de urna hipotética lei da natureza, e depois a sociedade, e não vice-
versa como sustenta o organicismo e todas as suas formas, segundo o qual a
sociedade é anterior aos indivíduos ou, conforme a fón-nula aristotélica
48
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
destinada a ter êxito ao longo dos séculos, o todo é anterior às partes.
(BOBBIO, 1990, p. 15)
A maneira de o indivíduo fazer prevalecer seus interesses
em concordância com o respeito aos direitos dos demais é, cada
vez mais, sua intervenção nos destinos da sociedade. Isto não se
consegue
apenas delegando as tomadas de decisão a parlamentares e executivos
distantes que, em grande medida, escapam ao controle daqueles em
nome dos quais o governo deve exercer-se. Essa participação dos
indivíduos na vida dos organismos civis da sociedade apresenta pelo
menos dois aspectos de fundamental importância para o
desenvolvimento da democracia. Por um Lado, na medida em que se
envolve com outros sujeitos (individuais ou coletivos), o indivíduo
exercita sua cidadania, "já que ser cidadão, e ser indivíduo, é algo que
se aprende, e é algo demarcado por expectativas de comportamentos
singulares." (DAMATTA, 1991, p. 72) Por outro lado, ao intervir com
sua opinião e explicitação de seus interesses, procurando influir nas
decisões que se tomam nos órgãos e instâncias em que se realizam as
aüvidades-fim do aparelho estatal (escolas, atendimento de saúde,
transportes etc.), os cidadãos contribuem para realizar o controle
democrático do Estado, concorrendo para que este atue de acordo com
os interesses da população que o mantém.
Nesse sentido, na medida em que concorre para que pessoal
escolar e usuários do ensino público exercitem seu direito de decidir
sobre os destinos da gestão escolar, a eleição de diretores escolares
está inteiramente de acordo com os princípios da democracia, "que se
funda sobre uma concepção ascendente de poder" (BOBBIO, 1990,
p. 46), não havendo razão para considerá-la contra os interesses do
Estado, se este se pauta pelo atendimento do interesse público. Um
exemplo de que podem ser confluentes os interesses do Estado e da
população usuária pode ser verificado na instituição da eleição para
diretores escolares do sistema público estadual do Paraná, pela Lei rp
7.961/84, em que, por ocasião da implementação da medida, a própna
Secretaria da Educação do Estado faz a seguinte recomendação:
Finalmente é bom lembrar que a escolha para o cargo de diretor escolar,
decidida por ato de vontade deliberada da maioria da comunidade
I FUNDAMENTOS — ELEIÇÃO DIANTE DAS DEMAIS ALTERNATIVAS..
escolar, representará, para os novos diretores, maiores
responsabilidades e compromissos explícitos assumidos dentro da
comunidade escolar. Não somente às orientações de governo submeter-
se-ão os novos diretores no exercício de uma função pública, mas
também, e, de modo particular, eles deverão respeitar e atender as
necessidades da comunidade escolar, compatibilizando recursos e
harmonizando interesses e expectativas em função do bem comum.
(ZABOT, 1985)
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES

VIT0R

2.2 Democratização da gestão e autonomia da escola


O processo de envolver-se e participar nas atividades da escola
pública, dando sugestões e influindo nas decisões, é o mesmo processo
pelo qual o pessoal escolar e os usuários podem contribuir para a tão
propalada e pouco compreendida autonomia da escola. Assim como,
em âmbito individual, a autonomia tem a ver com elevação das pessoas

à condição de sujeitos, em âmbito institucional, falar em autonomia da


escola é considerá-la como sujeito social. Isto significa caminhar em
direção a uma "concepção ascendente do poder" (BOBBIO, 1990, p,
46), descentralizando-o e propiciando formas e mecanismos
institucionais que não só viabilizem mas também estimulem a
iniciativa e a participação dos servidores da escola e de seus usuários
nas decisões que dizem respeito aos rumos que deve seguir a
instituição escolar. Isto vai no sentido inverso da conservadora onda
neoliberal que, a pretexto de ¾nodernizar" a gestão do ensino,
fazendo-a à imagem e semelhança da gestão empresarial capitalista,
propugna precisamente pela centralização de poder e pelo alijamento
dos usuários e do pessoal da escola de seu papel de sujeitos sociais.
Guiomar Namo de Mello, por exemplo, afirma:
Torna-se cada vez mais dificil e ineficaz controlar de forma
centralizada e vertical as atividades fins (sic) das organizações e e isto é
ainda mais verdadeiro para a estrutura do aparato estatal. As grandes
organizações, privadas ou públicas, acabaram por desenvolveruma
multiplicidade de estruturas centralizadas que se tomaram fins em si
mesmas, perdendo de vista as necessidades de seus usuários e as
daso&dade. Tomou-se, portanto, imperativo a partir da incorporação de
novas tecnologias de gerenciamento, reestruturar as grandes máquinas
burocráticas, redirecionando para suas atividades fins (sic) mais
recursos, capacidade de iniciativa e inovação, bem como
responsabilidade de prestar
— ELAÇÃO DAS ALTERNATIVAS...
contas pela qualidade dos serviços que prestam. Esse redirecionamento
tem•se revelado possível e necessário pela incorporação de tecnologias
micro organizacionais de informação, que permitem adotarconfroles
centralizados menos numerosos e mais flexíveis, combinados com um
fone componente de avaliação de poduto ou de resultados. (MELLO,
1992, p. 194, grifos meus)

Observe-se que, embora se fale em "controles centralizados


menos numerosos e mais flexíveis", a preocupação central é com os
g
controles centralizados", que se quer U menos numerosos e mais
flexíveis" para serem mais eficientes. Por isso é que não se abre mão
de "um forte componente de avaliação de produto ou de resultados."
Maria Dativa de

41
FUNDAMEN-roS A DLAXTE

Salles Gonçalves assim se manifesta a respeito dessa proposta de


Mello: "É interessante verificar-se que tal proposta de suposta
descentralização e autonomia estrutura-se, no entanto, sob evidente
esquema de controle (sempre centralizado)." (GONÇALVES, 1994, p.
16)
Na verdade, não há nada contra o Estado fiscalizar o
cumprimento dos objetivos mais gerais da educação escolar, pois que
este é seu dever perante a população que o mantém. Todavia, a ênfase
não pode ser dada à "existência de um sistema externo de avaliação de
resultados", como quer Mello (1992, p. 195), ainda mais quando esta é
considerada como uma das "condições indispensáveis à maior
autonomia das escolas" (MELLO, 1992, p. 195). Além disso, sabe-se
que a tal "avaliação de produto ou de resultados" tem-se reduzido às
famigeradas provas e testes elaborados de forma idêntica à dos exames
vestibulares, sem nenhuma capacidade de aferir em que medida a
escola básica tem logrado alcançar seu objetivo maior de preparar
para o exercício consciente da cidadania". Como se o importante fosse
avaliar (e reforçar) a face mais perversa e indigente da escola atual,
que tem sido a de preparar (ou apenas selecionar) os alunos para
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
"tirarem notas?' ou "irem bem" em provas e testes... Se estamos
realmente preocupados com o desempenho da escola, não há dúvida
de que a avaliação da mesma deve ser considerada como elemento
imprescindível no processo de realização de objetivos. Mas a natureza
específica do produto escolar (PARO, 1993, p. 135-149) "exige que a
avaliação seja um processo permanente que permeie todas as
atividades e procedimentos no interior da escola, procurando dar conta
da qualidade e adequação do desempenho de todos os envolvidos, não
apenas do aluno" (PARO, 1995a, p, 5).
O que precisa ficar claro é que, se se pretende desenvolver a
autonomia da escola, é preciso que se tome o pessoal escolar e es
pecialmente os alunos e pais como sujeitos. Ao invés das antipáticas
avaliações externas por meio de provas que não aferem nada além
daquilo que já estamos cansados de saber, ou seja, que a imensa
maioria é reprovada em tais provas, mais produtivo seria que se
respeitasse o pessoal escolar e os usuários como cidadãos e lhes
oferecessem oportunidades de participar de mecanismos coletivos
como os conselhos de classe e de Série que, integrados por
professores,

VIIt)R

funcionários, alunos e pais e rearticulados em suas funções e


propósitos, poderiam "constituir elemento de constante avaliação e
redimensionamento de todas as atividades-fim da escola, e instrumento
de prestação de contas da qualidade de seu produto à sociedade."
(PARO, 1995a, p. 5)
O movimento para a autonomia precisa ser, pois, o inverso do
apontado por Mello, ou seja, deve-se privilegiar a fiscalização de
mocrática da escola pela sociedade civil, não o seu controle
centralizado pelo Estado. No dizer de Gonçalves: "Se tal aparato de
controle central for mantido, de fato a escola não chegará a ser
autônoma, pois o movimento de sua autonomização tem que
necessariamente pender para a periferia (sociedade civil) e não para o
Centro (Estado); neste sentido, controle deve ser cada vez mais
— ELAÇÃO DAS ALTERNATIVAS...
controle pelas organizações da sociedade civil " (GONÇALVES,
1994, p. 17)
Na medida em que enseja o envolvimento dos usuários e do
pessoal da escola na tomada de decisão a respeito da melhor li
derança para a instituição escolar, estimulando também a con
seqüente participação na discussão das questões que envolvem o
assunto, a escolha de diretores pela via eletiva pode ser
importante elemento de exercício democrático e de
fortalecimento da autonomia da escola.
Mas a eleição não pode ser entendida apenas como um critério de
escolha, e sim como uma alternativa de soberania dos eleitores que se
deve efetivar de forma plena. Ou seja, não basta atender a população
no momento de prover o escolhido no posto de diretor; é preciso que
aquela tenha assegurado o direito de acompanhamento democrático do
eleito em Sua função. Por isso, o diretor eleito não pode estar sujeito a
quaisquer constrangimentos por parte do Estado, a não ser nos casos,
previstos em lei, de descumprimento de suas funções, mediante
processo que inclua a manifestação da comunidade que o elegeu.

3 EXPECTATIVAS SOBRE A ELEIÇÃO


Como toda inovação, é natural que a perspectiva de introdução
da via eletiva para escolha de diretores escolares provoque um grande
número de expectativas nos sujeitos envolvidos, muitas delas im-
— ELEIÇÃO DAS ALTERNATIVAS,.

I FUNDAMENTOS A DIANTE DFNAIS


possíveis de serem realizadas. Algumas pessoas, porém,
mostramse mais realistas, como uma diretora de escola
fundamental do sistema de ensino público municipal de
Vitória que, provida no cargo por meio de eleição, afirma, em
entrevista, não ter expectativas ilusórias quanto à eleição,
"porque as condições dadas de trabalho, nomeada ou eleita,
permaneceriam as mesmas." Mas diz que g os alunos, a
comunidade, colocam uma expectativa alta b enquanto que, u no
interior da escola, por parte dos professores" ela acha "que a
coisa fica muito dividida: algumas pessoas acham que é
superimportante eleger o melhor para elas", mas outras até
gostavam mais do diretor nomeado porque raciocinavam que,
se fosse nomeado, teria maior trânsito com o poder e poderia
ajudá-las, especialmente se fosse amigo delas.
Por outro lado, as expectativas otimistas não deixam de se
fazer presentes diante das perspectivas de adoção da eleição,
não faltando dentre elas a que tem a eleição como uma
panacéia que resolverá todos os problemas da educação
escolar. Durante a pesquisa de campo, várias vezes foram
mencionados casos de entusiasmo exagerado por parte, quer
do pessoal escolar, quer de alunos e pais, a respeito das
potencialidades do processo eletivo em solucionar questões
completamente fora do alcance dessa medida, como a imediata
melhoria da qualidade do ensino e a mudança no aporte de
recursos e nas condições objetivas em que se dá o trabalho na
escola. É preciso, pois, estar atento para evitar expectativas
descabidas que trarão frustrações que podem comprometer a
própria crença nas virtudes da eleição. Segundo Dourado,
"vislumbrar a eleição como ação terminal é incorrer no
equívoco de se negar o caráter histórico do processo, pois a
eleição deve ser vislumbrada como um instrumento a ser
associado a outros na luta pela democratização possível. Parece-
DAS ALTERNATIVAS..

nos assim que a utilização de instrumentos eleitorais deve ser


vista como um exercício na construção da democracia.*
(DOURADO, 1991, p. 34)
Uma expectativa que merece um exame mais detido é aquela
que parece ter motivado os professores nos vários sistemas em que
se verificou ou se verifica a luta por eleições de dirigentes escolares, e
que diz respeito ao desejo dos docentes de controlar as açöes do
diretor

Vrrox

ou, pelo menos, fazer com que essas açóes estejam mais de acordo
com os interesses dos docentes. Para uma componente do Conselho
Estadual de Educação do Paraná, a expectativa com relação à
eleição de diretores no Estado esteve muito marcada pela idéia da
participação da comunidade; mas para os professores havia "a idéia de
controle da escola", de ter o diretor do seu lado, e muitas vezes sem
divisarem os interesses dos usuários.
A prática exercida pelos diretores nomeados, de¥anotar o nome
dos professores grevistas e enviar a lista para os órgãos superiores
da Secretaria da Educação, era algo que, segundo a expectativa dos
professores favoráveis à eleição, em vários sistemas, deveria ter fim
com a escolha por processo eletivo que colocasse na posição de diretor
um profissional mais comprometido com a categoria docente.
Mas não só a respeito de seus interesses corporativos se dava a
expectativa do professorado. Em pesquisa realizada no Rio Grande do
Sul sobre os critérios de escolha utilizados pelos professores nas
eleições para diretores de escolas de primeiro e segundo graus no
Estado em 1985 e 1988, Marta Luz Sisson de Castro et al. constatam
que "o professor quer liberdade para definir o seu trabalho e não
somente uma participação mais geral na vida da escola." (CASTRO et
al., 1991, p. 95) Falando sobre a expectativa dos professores do
Estado de Goiás, em estudo anteriormente referido, Canesin apresenta
os requisitos apontados pela entidade dos professores:
que saiba ouvir, discordar com educação e conviver com as
divergências; que tenha senso de justiça e jamais favoreça grupinhos,
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
que respeite os alunos e os pais, reconheça-os como pessoas com suas
próprias motivações e cujas experiências de vida devem ser
incorporadas à escola; que entenda a função de direçáo como de
serviço e não de mando, que veja nos demais sewidores companheiros
e não subalternos, que seja pessoa comprometida com educaçäo e veja
no processo educativo o caminho para liberdade e consciência. (CPG.
Diretas para dirèlor: a luta faz a lei. Goiânia, s.d. Mimeo, apud
CANESIN, 1993, p. 203-204)
Segundo a mesma autora, a eleição era entendida "como ponto de
partida e não de chegada da democratização interna da escola" tendo-
se "a expectativa de se obter maior autonomia no âmbito do processo
pedagógico" (CANESIN, 1993, p. 204) porque, com as eleições,
deixaria de existir o diretor controlado pelos políticos, que pune ou

45
I FUNDAMENTOS — ELEIÇÃO DIANTE DEMAIS

privilegia as pessoas de acordo com os interesses dos mesmos. Outro


importante aspecto apontado por Canesin diz respeito à diferença
entre a concepção das lideranças sindicais e a dos demais professores
diante das reivindicações que o movimento fazia, entre elas a eleição
de diretores: "De certa forma pode-se considerar que, enquanto as
lideranças têm como eixo a necessidade de desenvolver ou fazer
ampliar a politização no sentido de reconhecimento das relações de
poder existentes na sociedade, a razão de ser do grosso das
mobilizações esteve circunscrita à obtenção de benefícios e a
interesses próprios da corporação." (CANESIN, 1993, p. 226-227)
Assim, por um lado, não se pode esquecer um elemento até certo
ponto corporativista, que devia estar presente no interesse dos
professores pelas eleições de dirigentes escolares: estes, eleitos entre os
professores, seriam menos repressivos e mais simpáticos à categoria
dos docentes. Por outro lado, entre as lideranças e as parcelas mais
politizadas dos professores afirmava-se a compreensão "de que é
preciso somar-se às outras forças na luta pela mudança através de uma
Unpla politização que possibilite a criação de uma nova ordem ou
sociedade." (CANESIN, 1993, p, 252) Nesse quadro, a democratização
DAS ALTERNATIVAS..
das escolas por meio da eleição de seus diretores colocava-se como
tarefa prioritária (CANESIN, 1993, p. 252).
A democratização da escola, Com a substituição do
autoritarismo e da hierarquia cristalizada por relações de
colaboração entre as pessoas, é uma das expectativas mais fortemente
presentes diante da perspectiva de escolha do diretor via eleição. O
fundamento dessa crença, quando explicitado, reporta-se ao novos
vínculos que serão estabelecidos pelo diretor com aqueles que os
elegeram. Zabot diz: "O diretor oriundo da escolha livre terá
compromisso muito sério dentro da comunidade

escolar, Controle burocrático algum, por mais perfeito que seja, poderá
substituir O controle direto, exercido pelos que estão vivamente in
teressados com o que acontece na escola, isto é, os professores, os
alunos, os pais e os funcionários." (ZABOT, 1984, p. 89) Mais adiante,
o mesmo autor afirma: "ftnsarnos que o principal aspecto seja a própria
mudança de postura do diretor. Seus vínculos, as raízes onde se firma
sua autoridade estão no seio da própria comunidade escolar. Seu plano
de intenções esboçado no seu plano de trabalho de conhecimento
HENRIQUE PARO ELEIÇÃO DE DIRETORES

VIII)R

público norteiam sua ação. Seu mandato lhe dá ao mesmo tempo


confiança e dependência." (ZABOT, 1984, p. 90, grifos meus)
Também para integrantes da Equipe de Organização da Gestão
Participativa da Secretaria Municipal de Educação de Vitória, ouvidas
em entrevista, o novo vínculo do diretor é determinante de sua função.
Uma delas afirma que o novo dirigente, "enquanto diretor eleito, vai
ter o compromisso de estar fazendo esse trabalho colegiado junto à
comunidade"; já, "se ele é indicado, ele não tem esse compromisso
com aquela comunidade."
Não há dúvida de que a democratização da escola deve estar no
horizonte quando se procura providenciar o processo de escolha do
diretor por meio de eleição. Todavia, é preciso ter presentes suas
potencialidades, não se esquecendo de que este é apenas um dos
fatores que concorrem para essa democratização. O ex-assessor da
Secretaria de Educação do Estado do Paraná, referido anteriormente,
assim se pronuncia a respeito do assunto: "Na verdade, a gente
entendia e tinha muito claro que a escolha dos diretores através do
processo eleitoral, de eleição direta etc., seria um dos passos
fundamentais, mas apenas um passo na questão da gestão democrática
da escola. A idéia era que, a partir do processo eleitoral, da escolha
dos diretores, iria criar na escola uma dinâmica diferente. Quer dizer,
ela possibilitaria fazer cumprir mais adequadamente as políticas de
democratização da gestão escolar. Mas seria um ponto inicial."
Esta lucidez parece muito necessária, como é também
imprescindível que essa primeira medida esteja sempre articulada com
outras providências visando à democratização da escola, como
propõe a mencionada Equipe de Organização da Gestão Participativa
da Secretaria Municipal de Educação de Vitória que, em histórico
sobre a institucionalização das eleições e do conselho de escola na
rede escolar do município, assim se manifesta:
Os Conselhos de Escola e a eleição de diletores são instrumentos
importantes para a democratização do erusino; contudo, porsi só não
garantema existência de relações críticas, solidárias, participativas e
democráticas no interior das Unidades Escolares. É preciso tomar o
processo participativo um ingrediente na vida das pessoas. Por
outro lado, não se IX)de sorœnte esperar que as pessoas tomem
voluntariamente consciência da importância da sua

FUNDAMENII)S — A ELEIÇÃO DIANTE DAS DEMAIS ALTERNATIVAS..

participação; é necessário forjar mecanismos que promovam a


sustentação e a garantia da continuidade da prática participativa nas
unidades de ensino, substituindo as práticas autoritárias e
centralizadoras por uma nova postura compatível com os princípios e
diretrizes de democratização consagrados na legislação, Esses
princípios e diretrizes, por sua vez devem garantir uma escola de
qualidade, cujo pressuposto seja a construção da cidadania como projeto
de uma transformação social. (VITÓRIA, 1994, p. 2-3)
2
INSTITUCIONALIZAÇÃO
MOTIVAÇÕES E RESISTÊNCIAS

I DISCURSOS, VISÕES DE MUNDO, INTERESSES


O s movimentos por eleições de diretores escolares surgidos na década
de 1980 inspiravam-se e buscavam sua justificativa, em grande parte,
na necessidade de democratização do país exigida pela própria
sociedade. Dourado, ao examinar a luta por eleições de diretores em
Goiás, afirma que "se creditava o autoritarismo das relações
intraescolares à ausência de legitimação do diretor, do mesmo modo
em que se lutava pela eleição para Presidente da República."
(DOURADO, 1990, p. 125) Isso dava sentido ao próprio slogan do
movimento docente, que era: UEleiçôes Diretas já! de Diretor da
Escola a Presidente da República." (DOURADO, 1990, p. 125)
Embora se possa justificar a democratização da gestão escolar em
termos da luta pela democracia social de que fala Bobbio e à qual me
referi no capítulo anterior, é interessante observar como essa questão
se mistura com a própria luta pela democracia política, tomando-a
como sua sustentação. Desse modo, a eleição de diretores encontra
terreno fértil para sua institucionalização precisamente no

momento em que se luta pelas eleições diretas para presidente da


HENRIQUE PARO — DE DIRETORE$

VIT0R EIÆJÇAO

República, Essa concepção está presente no discurso dos


próprios parlamentares, como ilustra a fala de um deputado da
Assembléia Legislativa goiana:
Mas aqueles que não querem eleições diretas, nenhum deles teve a
coragem de colocar ou de dizer porque [sicl são contra. Então não existe
argumento nenhum, principalmente para o emedebista.„ Afinal de
contas, durante todos os anos de aòítrio, foi o PMDB que desfraldou
esta bandeira de eleições diretas no Brasil, . O que nós estamos
propondo agora é que seja executada novamente a democracia nos
estabelecimentos escolares. E ninguémmelhor do que uma comunidade
escolarpara escolher o seu diretor, Não é deputado, não é
prefeito, não é o diret6rio o competente para saber quem deve
dirigir... mas sim a comunidade escolar. (GOIÁS. Assembléia
Legislativa. Diário da Assembléia Legislativade Goiás. Goiânia,
26/6/85,apud CANESIN, 1993, p. 149),
Na luta por eleições dos dirigentes escolares, o grupo que esteve
sempre à frente,- nos locais onde o movimento se verificou, foi o dos
professores. A exigência de eleição fazia sempre parte de um conjunto
de outras reivindicações por melhores condições de trabalho na escola,
que iam desde melhorias salariais até medidas como a instituição de
conselhos de escola visando à democratização da gestão escolar.
Obviamente, o peso da reivindicação por eleições esteve sempre
diretamente relacionado ao grau de politização alcançado pela
categoria docente, em especial as lideranças das associações de
professores das redes públicas que, anteriormente à Constituição
Federal de 1988, não se podiam organizar em sindicatos. Esse maior
grau de politização parece ser requerido por uma luta dos docentes que
não pretenda permanecer no nível meramente corporativo, A esse
respeito, chamei a atenção, em trabalho anterior, para a necessidade de
a luta dos professores se articular com uma consciência política mais
ampla até mesmo com relação aos ganhos mais nitidamente
trabalhistas, no âmbito corporativo. Na oportunidade, alertava para a
importância determinante que, na luta do docente por melhores
condições de trabalho, assume a natureza do trabalho por ele
desempenhado, e acrescentava:
51
2 MOTIVAÇÕES E
Este trabalho só terá uma importância social que justifique a atenção do
Estado de modo significativo a ponto de não ter outra alternativa senão
investir de modo conseqüente no provimento de ensino para a
população, no momento em que as vastas camadas dessa população
estiverem convencidas da relevância de tal serviço e se dispuserem a
reivindicá-lo. Isto significa que a

INSTITUCIONALraÇÄO — RESISTÊNCIAS

luta dos professores não pode ser levada com sucesso de maneira
desvinculada da luta da população por melhores escolas. Significa que,
diferentemente das categorias profissionais que trabalham na iniciativa
privada, os professores têm de lutar não apenas por melhores de
trabalho, mas também (e até com antecedência lógica) pela afirmação do
objeto de seu trabalho. Isto requerurm prática de luta que rúo pode
deter-se no âmbito apenas econômicocorporativo. É preciso uma
consciência política que perceba, para além dos interesses imediatos, os
interesses estratégicos e políticos mais amplos que unificam as
categorias profissionais e, para além delas, as lutas populares na esfera
da reprodução, O que a constante e inexorável queda dos salários e do
prestígio dos docentes do ensino público nas últirnas décadas parece
evidenciar é precisamente esta peculiaridade do movimento trabalhista
dos professores. Um trabalhador da produção privada capitalista pode
conseguir importantes ganhos econðmicos em suas lutas por melhores
salários e condições de emprego, mesmo permanecendo no nível
meramente econðmico-corporativo CGramsci) de lutas. O professor,
entretanto, pela natureza do trabalho que exerce e pelos fins a que serve
a educação, precisa avançar mais, atingindo um nível de consciência e
de prática política que contemplem sua articulação com os interesses
dos usuários de seus serviços. (PARO, 1993, p. 108-109)
A consciência política do movimento docente precisa ter presente,
portanto, não apenas a busca de satisfação de seus interesses imediatos, mas
também o atendimento dos interesses dos usuários da escola pública. Para
Canesin, o trabalho do professor da escola pública localiza-se no âmbito da
política por dois motivos fundamentais: Primeiro, é que o professor enquanto
prestador de serviço público desempenha a tarefa de produzir e reproduzir
bens culturais e, portanto, tem a de veicular e aplicar concepções de
mundo na organização da sociedade, O segundo, intrinsecamente relacionado
52
HENRjQÜE PARO — DE DIRETORES
ao primeiro, é que seu trabalho depende de um conjunto de aparatos
institucionais, que exercem a dominação política via veiculação de
representativas de específicas maneiras de sentir e agir com
condições, em determinado momento histórico, de orientar um dado
governo. (CANESIN, 1993, p. 251)
Em seu trabalho de investigação sobre o movimento dos
professores nas décadas de 1970 e 1980, em Goiás, Canesin identifica
um grau de consciência política das lideranças que aponta para a
reivindicação de transformações que extrapolam os estreitos limites da
corporação, incluindo a preocupação com o conjunto da sociedade e
não apenas com a categoria dos professores. Nessa nova perspectiva,
não deixa de estar presente a própria consciência da necessidade de se

Vrrt)R ELEIÇÃO

pensar como classe social, que se expressa na fala de uma das


lideranças sindicais: "Podemos até lutar pela melhoria de salário mas
só isto não basta, queremos apontar para a perspectiva de criação de
uma nova sociedade. Nós temos que trabalhar com a perspectiva de
classe, sem ela nós não vamos avançar. Vamos até certo ponto, mas
acabamos enveredando pelas saídas individualistas." (CANFSIN,
1993, p. 202-203)
Segundo Canesin, essa consciência amplia o campo das
reivindicações, incluindo outros movimentos:
A incorporação da classe social, como representação coletiva, no
discurso e na prá tica da militância sindical amplia o universo
reivindicatório em tomo do qual deveria se desenvolver o processo de
mudança na sociedade pela articulação com outros movimentos
populares, A percepção da inserção na sociedade onde partilha com
outros assalariados a deterioração das condições de trabalho impõe à
miiitåncia sindical a realização de esforços para se envolver com os
problemas mais amplos da nação. Reafirma-se a compreensão social de
que é preciso somar-se às outras forças na luta pela mudança através de
uma ampla politização que possibilitasse a criação de uma nova ordem
ou sociedade. (CANESIN, 1993, p. 203)
53
2 MOTIVAÇÕES E
Nesse contexto, a luta pela democratização da gestão escolar,
pela via da eleição direta dos diretores, coloca-se como algo
prioritário, especialmente para as lideranças dos movimentos.
Um fato que parece ter contribuído para que a eleição de
diretores se pusesse como reivindicação de caráter político nos vários
sistemas em que isto se verificou foi a visibilidade política da escolha
de diretores. Ou seja, na medida em que os diretores eram nomeados
pela autoridade estatal, isto era caracterizado como um ato
discricionário que agredia o "direito" de escolha dos comandados por
ele. Todo ato subseqüente desse diretor que fosse contra os interesses
do pessoal escolar e, em especial dos docentes, era interpretado como
sendo conseqüência do fato de o mesmo ser nomeado. Dessa forma,
nos sistemas em que o diretor era nomeado, sua escolha era e parecia
ser um ato político. Parece que, não por acaso, foi precisamente nesses
sistemas que a reivindicação por eleição de diretores deu-se de forma
bastante marcante. O mesmo não aconteceu no Estado de São Paulo,
onde a existência do concurso como critério de escolha parece ter
contribuído para deixar menos explícitas as características políticas da
função de direçäo, que, de forma semelhante ao que se dá com o
sistema de
54
HENRjQÜE PARO — DE DIRETORES
RESISTÈNÇIAS

nomeação, coloca o diretor em comprometimento com o Estado e não


com aqueles que ele comanda. A hipótese que tenho é a de que esse
sistema de concurso serviu, em certa medida, para dificultar a tomada
de consciência, por parte dos educadores, da necessidade de superar a
escolha por meio de concurso e da conveniência de reivindicar as
eleições como forma de contribuir para a democratização da gestão
escolar.
Nos sistemas de ensino em que os professores tomaram
consciência da importância da eleição de diretores escolares, suas
reivindicações tiveram eco junto à classe política, fazendo com que
deputados e outros políticos da oposição, no início da década de 1980,
passassem a empunhar a bandeira das eleições em apoio aos pro•
fessores. Porém, embora 0 discurso desses políticos se referisse à
eleição como forma de democratização da sociedade e em especial da
escola, sua prática veio se mostrar bastante contraditória a esse
respeito, no momento em que, saindo da oposição, tinham condições
de instituir as eleiçöes, mas buscaram os mais diversos subterfúgios
para evitá-la. Pode se, então, verificar que a adesão à causa da eleição
de diretor tinha objetivos políticos imediatos relacionados, ou a
instrumentalizar sua luta contra o partido adversário que estava no
poder, ou a reforçar interesses eleiçoeiros, conquistando a simpatia do
professorado com vistas a ganhar seus votos nas eleições para o
Legislativo e o Executivo.
Um exemplo dessa prática ocorreu no Estado de Goiás, onde o
governo do PMDB eleito em 1982, apesar de todo o discurso anterior
favorável à eleição direta de diretores, passou a adotar a nomeação
mediante critérios de filiação partidária, sob a alegação de que "a
política para o setor educacional visava sobretudo recuperar a
credibilidade da escola pública e que tal projeto seria inviável com a
participação de diretores nomeados pelo governo anterior?'
(CANESIN, 1993, p. 118) Segundo Canesin,
Com a alternância de poder, o projeto de eleição direta reivindicado pelo
CPC [Centro de Professores de Goiás I passou a ter significado
diferenciado para o PMDBt que assumia a máquina administrativa, e
para o PDS, que a perdia. O primeiro entendia que apesar do mesmo ser
55
2 INSTITUCIONALIZAÇÃO— MOTIVAÇÕES E
um dos itens prometido durante a campanha eleitoral não havia espaço
para responderposiüvamente e de forma imediata a essa reivindicação.
Principalmente no interior do Estado, os chefes políticos locais que
haviam apoiado a eleição do PMDB exigiam a indicação do
VITOR ELEIÇÃO

diretor como mecanismo de controle e exercício de poder na dinâmica


interna das escolas, Por outro lado, o PDS que até então havia
rejeitado o projeto passou a defendê-lo amplamente. (CANESIN, 1993,
p. 119)
O secretário da educação esclareceu que u sua intenção era que
os diretores nomeados permanecessem nas escolas pelo menos um ano
para desfazer a liderança dos antigos diretores e formarem novos
líderes dentro das escolas capazes de garantir a professores ligados ao
PMDB a vitória nas eleições" (0 POPULAR, 17 abre 1983 apud
CANESIN, 1993, p. 118). Por seu turno, os deputados do PMDB,
colocaram-se contra a eleição direta, defendendo a eleição a partir de
listas tríplices. Na perspectiva desses parlamentares, não se poderia
adotar a escolha direta dos diretores de escola, apesar do compromisso
eleitoral, por uma questão da necessidade de tempo para "expurgar
as pessoas comprometidas com a sustentação do partido da ditadura"
(GOIÁS, Assembléia Legislativa. Diário da Assembléia Legislativa
de Goiás. Goiânia, 28/8/83). Assim sendo, deveria se
fazerprimeiramente a eleição indireta e, em momento posterior, adotar-
se a escolha direta uninominal. (CANESIN, 1993, p. 122)
Também no Paraná aconteceu algo semelhante ao ocorrido em
Goiás, com relação à posição dos políticos do PMDB, que sempre
foram favoráveis à eleição de diretores e, quando no poder,
argumentaram que primeiro era preciso tirar os diretores
comprometidos com a Arena ou com o PDS. Ouvido em entrevista, o
assessor da Secretaria da Educação do governo José Richa, que
instituiu a eleição direta para diretores de escolas em 1984, confirma
essa mudança de posição de deputados do PMDB, que, no poder,
passaram a se colocar contra a eleição, Mas diz que também o inverso
aconteceu: deputados do PDS, sempre contrários à eleição, passaram
a defendê-la. Diz ele que "os próprios deputados que perderam a
56
HENRjQÜE PARO — DE DIRETORES
eleição (afirmavam) 'Ah, nós também queríamos a eleição'. Teve,
inclusive, um deputado do PDS que tirou dos arquivos da Assembléia
uma proposta antiga dele para eleição direta dos diretores. Ele não
soube explicar por que que ficou engavetado aquilo."
Nem todos, entretanto, alimentaram a incoerência com O discurso
anterior. A democracia propicia o embate de idéias e concepções, e,
nas próprias fileiras do partido no poder, levantaram-se vozes
denunciando o oportunismo e a concepção estreita de democracia que
orientava os discursos contra a eleição direta de diretores. Veja-se,

— RESISrtNctAY

por exemplo, a declaração de um parlamentar de Goiás:


Aqueles que se preocupam em que as pessoas ligadas, simpatizantes, ou
filiadas ao PMDB consigam cem por cento de representações em todas as
escolas do Estado de Goiás estão simplesmente defendendo a
unanimidade típica da ditadura. Ninguém pode pressionar que os
professores se filiem ao PMDB. É a essência da democracia, e náo tem
nada a ver uma pessoa filiada a qualquer partido com o fato de dirigir
uma escola pública, a sua opção partidária tem que serrespeitada. Nós do
PMDB não podemos admitir que esse argumento da unanimidade, de
consenso em tomo do PMDB prevaleça, pois se isso acontecer,
estaremos deixando de ser um partido democrático. (GOIÁS. Assembléia
Legislativa. Diário da Assembléia Legislatioa de Goiás. Goiânia,
26/6/85) (CANESIN, 1993, P, 150)

No embate de interesses e visões de mundo a respeito da eleição


de diretores, a categoria dos professores, com maior ou menor
consciência dos determinantes do autoritarismo na escola, põe-se a
reivindicar mudanças no processo de escolha dos dirigentes de modo a
eleger aquele que exercerá a função de coordenar seu trabalho no
interior da instituição escolar. Por outro lado, essa reivindicação ganha
corpo junto aos políticos que, sensibilizados pelo componente de
democratização que a medida encerra, ou mesmo visando a atender a
interesses políticos particulares, não têm como ignorar o assunto, que
57
2 INSTITUCIONALIZAÇÃO— MOTIVAÇÕES E
passa a fazer parte de suas disputas parlamentares, determinando, em
maior ou menor medida, a institucionalização das eleições em grande
número de sistemas de ensino municipais e estaduais no país, nas duas
últimas décadas.

2 FORMAS DE INSTITUCIONALIZAÇÃO, EMPECILHOS,


PAPEL DO AGENTE POLÍTICO E PARTICIPAÇÃO DA
SOCIEDADE CIVIL
A via normal para a institucionalização das eleições é por meio de
projeto de lei de iniciativa, quer do Poder Executivo (governador ou
prefeito), quer do Poder Legislativo (assembléia legislativa, nos
sistemas estaduais, ou câmara de vereadores, nos sistemas municipais).
Em geral, a institucionalização por lei é complementada pela
regulamentação da
VrroR HENRIQUE PARO — DE DIRETORES
ELErçÄ0

mesma por meio de decreto de autoria do Poder Executivo. Há


também os casos em que a eleição ficou prevista na Lei Orgânica do
Município ou na Constituição Estadual, como acontece nos estados do
Amazonas; Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rio de
Janeiro, Rio
Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Santa Catarina (OLIVEIRA;
CATANI, 1993, p. 70-71). Quando prevista em Lei Orgânica ou em
Constituição Estadual, fica, em geral, prevista sua regulamentação por
meio de lei. Em Mato Grosso, por exemplo, o Art. 237 da Constituição
e seu inciso IV prevêem:
Art. 237 —O Estado e os Muniefpios organizarão os seus sistemas de
ensino de modo articulado eem colaboração, visando ao pleno
desenvolvimento da IBsoa humana, ao seu preparo para o exercfcio da
cidadania com base nos seguintes princípios:

IV — gestão democrática, em todos os níveis, dos sistemas de ensino,


com eleição direta para diretores das unidades de ensino e dirigentes
regionais e composição paritária dos Conselhos Deliberativos Escolares,
comparticipação dos profissionais de ensino, pais e alunos, na forma da
lei; (MATO GROSSO, 1989, grifo meu)
Por força desse dispositivo constitucional, é aprovada a eleição

direta pela Lei nQ 5.604/1990, de 22 de maio de 1990, que


"regulamenta a gestão democrática do sistema estadual de ensino de
Mato Grosso." Obviamente, nada disso é garantia de que o processo se
concretizará de fato, uma vez que, como veremos no próximo item,
ainda pode ser argüida a constitucionalidade da medida com a
alegação de que a mesma fere dispositivo da Constituição Federal.
Uma forma inusitada de institucionalização das eleições deu-se
no sistema de ensino do Distrito Federal em 1985, quando a escolha
por processo eletivo ficou estabelecida por um acordo coletivo de
trabalho celebrado entre a Fundação Educacional do Distrito Federal
(FEDF) e o Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF).
A cláusula que previa as eleições estabelecia, ainda, que, em prazo de
30 dias, seria constituída uma comissão paritária composta por
2 INSTITUCIONALIZAÇÃO MOTIVAÇÕES E RESISTÊNCIAS
membros da FEDF e do Sinpro•DF para regulamentar o processo
eletivo. (COUTO, 1988, p. 24)
Mais que as formas de institucionalização das eleições, todavia,
importa examinar os desdobramentos da mesma, prestando atenção na
eficácia dos instrumentos legais e, em especial, nos dispositivos que

procuram dificultar a efetivação dos objetivos que se tinha em vista


originalmente, Nesse mesmo acordo coletivo firmado entre FEDF e
Sinpro-DF, embora se instituísse a eleição, permitia-se, pela
permanência da situação do diretor como ocupante de cargo de
confiança, que ele fosse demitido pelo Estado sem maiores
justificativas. Isto acarretou, na prática, que diretores que não seguiam
os interesses do partido no governo acabassem sendo demitidos
arbitrariamente, sem qualquer atenção para com a população que o
elegeu. Assim, "a comunidade é convocada para eleger os seus
diretores, mas ignorada na sua demissão." (MENDONÇA, 1987, p.
59) Neste caso, fica ferida a autonomia da escola, que se buscava com
a eleição, na medida em que o governo tem a expectativa de que O
diretor eleito irá cumprir rigorosamente a sua vontade, exigindo dele
fidelidade e obediência incondicional à administração central.
(MENDONÇA, 1987, p. 60)
As vezes, no processo de institucionalização das eleições, o
embate entre forças políticas progressistas e conservadoras
consegue revelar intenções bastante contraditórias dos que se
dispõem a ceder às pressões por democratização da escolha do
diretor de escola. É nesse momento que se revela o papel
importante dos agentes políticos favoráveis ou contrários às
medidas democratizadoras. Um exemplo ilustrativo é relatado
por Canesin sobre a tentativa de introdução das eleições para
dirigentes escolares, no Estado de Goiás, em 1987. Nesse ano,
após vários anos de marchas e contramarchas — determinadas,
por um lado, pela luta dos docentes do estado representados pelo
Centro de Professores de Goiás (CPG) que exigia O cumprimento
das promessas feitas pelo PMDB em campanha desde as eleições
de 1982, e, por outro lado, pela resistência de executivo e
60
VrroR HENRIQUE PARO DE DIRErORES

parlamentares da então situação em abrir mão dos privilégios


clientelistas de nomear os diretores escolares discutia-se -um
projeto de lei que previa as eleições. Mas, de acordo com o
projeto de um deputado da situação, a eleição só seria válida se
obtivesse o quórum mínimo de 50% mais I dos votos de cada
uma das quatro categorias envolvidas: professores, demais
funcionários, alunos e pais. E mais: "No caso desse quorum não
ser obtido, o Secretário da Educação nomearia um diretor por
90 dias, quando, então, se realizaria nova eleição. Não obtido o
quorum em 29 turno, o

ELEIÇÃO

índice mínimo de votação exigida pela lei, o secretário da


Educação nomearia, por livre escolha, um diretor. n (CANESIN,
1993, p. 169)
Na dificuldade ou impossibilidade de resistir às pressões
populares para a instituição da eleição, parece que o que se procura
com esse tipo de medida é precisamente dificultar sua realização de
fato. Esta e outras modificações introduzidas no projeto original são
interpretadas pelo CPG como tendo por objetivo "inviabilizar as
eleições":
A primeira alteração refere-se à prorrogação da data do início do
processo eleitoral para o final do semestre letivo, quando as unidades
escolares praticamente estariam em férias, ou em época de prova
escolar. A segunda, a exigência do quorum, significava a
impossibilidade de mobilização idêntica das quatro categorias,
principalmente pais de alunos, além de possibilitar às lideranças
políticas locais tratar a eleição com as tradicionais práticas de
aliciamento. A terceira, a permissão de reeleição dos diretores e
extensão do direito à eleição de profissionais não habilitados,
confrontava-se com reivindicações fundamentais defendidas pela
entidade no que se refere à qualificação específica exigida. (CANESIN,
1993, p. 169-170)
A indignação com o tipo de medida aparece na fala de um
deputado do PT que, na mesma ocasião, afirma:
2 INSTITUCIONALIZAÇÃO MOTIVAÇÕES E RESISTÊNCIAS
Com esse simples projeto, senhores, estäo sepultando as eleições
diretas. E impossível o quorum de 50% mais I para todas as
categorias... e os senhores do PMDB sabem disso, e por isso
propuseram eleição em dois turnos com um interventor pelo meio ... No
parágrafo 5Q desse projeto já colocam que a real intenção é que o
Secretário da Educaçäonomeie pela sua livre escolha um diretor para a
unidade escolar; ou seja, um cabo eleitoral, um parente, para manter
aquilo tudo que houve durante todos os governos anteriores. (GOIÁS.
Diário da Assembléia Legislativa, Goiânia, 29/7/1987, apud CANESIN,
1993, p. 171)
Mas o governador Henrique Santillo aprova o projeto de lei e chama o
CPG de "grupos minoritários radicalóides", afirmando: O que estabelecemos
para as escolas foi um quorum de maioria absoluta de eleitores, para que os
eleitores tivessem legitimidade. Isso é que é democracia e vai ser por aí que
vamos ccnstruir. Nós não vamos construir democracia à base do grito de
grupos minoritários. O país não será democrático através do grito e da força
dos grupos minoritários, simplesmente porque pressionam e mobilizam. A
democracia há de ser com a rrúria da sociedade. (O POPULAR, 1 jul. 1987
apud CANESIN, 1993, p. 176)
Sob um discurso pretensamente democrático, esconde-se a
sagacidade política e a incoerência de considerar mais democrática
a
2 E RESISTÊNCIAS
INSITTUCÏONA.LIZAÇKO—MUIWAÇÔES

escolha por uma pessoa (ele, o governador) do que pelos votos da


comunidade, que não precisam atingir a maioria absoluta para serem
representativos de um considerável número de pessoas.

Esse episódio revela o caráter contraditório da atuaçâo dos


agentes políticos num regime democrático. A contradição sobressai
com major força na açäo do agente conservador que, ao mesmo tempo
que precisa mostrar-se democrático diante da população e, em
especial, dos grupos organizados, não quer ceder no campo das
liberdades democráticas e da renúncia a seus interesses políticos
particulares, tendo de ceder às pressões populares com parcimônia e
criar sub terfúgios que dêem aparência de democracia a atos que, na
verdade, procuram coibi-la.
Às vezes essas contradições produzem fatos inusitados como o
que ocorreu em Goiânia. No final de seus mandatos, no início de 1983,
os vereadores do então PDS, após anos de oposição a um projeto de lei
que instituía as eleições no município, resolvem empenhar-se em sua
aprovação, diante da vitória da oposição nas eleições. Assim, poucos
dias antes do início do novo mandato, é aprovada a Lei nQ 6.000 de 13
de janeiro de 1983, que "estabelece normas para indicação de diretores
de escolas municipais", prevendo a realização de eleição de diretores, a
partir de listas tríplices, no prazo de 60 dias. Mas, desse momento em
diante, são os políticos do PMDB, vitoriosos nas eleições e sucessores
no governo, que não querem mais a eleição. Dessa forma, a lei "acabou
passando despercebida e caducando, em razão da conjuntura política,
que marcava o fim do domínio do PDS e inaugurava o início do
domínio do PMDB," (CALAÇA, 1993, p. 61)
É também a história recente das eleições em Goiânia que nos
possibilita perceber outro aspecto relevante da luta política pela de
mocratização da gestão escolar, ou seja, a importância determinante do
Poder Executivo na instituição da eleição. Em 1983, com a assunção da
administração municipal pelo PMDB, é levada ao cargo de secretária
uma pessoa comprometida com os interesses democráticos dos
educadores. Nesse mesmo ano, a secretária promove a primeira eleição
63
2 — E RESISTÊNCIAS
de diretores da rede municipal que, apesar de se dar a partir de listas
tríplices, já indica a vontade política da Secretaria da Educação em
favor da eleição direta uninominal, a qual ocorre no ano seguinte. Com
—ELEIÇÃO

isso, o sistema municipal de Goiânia antecipa-se em vários anos ao


sistema estadual goiano, que só em 1987 realiza eleições, "embora
persistindo a manutenção de um princípio restritivo à democratização,
ou seja, a lista tríplice." (CALAÇA, 1993, p. 58) Não há dúvida de
que a conquista das eleições diretas e uninominais em Goiânia foi o
produto de uma série de fatores e que, como informa Canesin,
"insere-se na lógica da trama dos agrupamentos que partilham e
disputam a direçäo do processo político em Goiás." (CANESIN, 1993,
p. 129) Mas parece não haver dúvida também de que o fato de haver
no Poder Executivo uma pessoa interessada na adoçäo da eleição,
no caso a secretária de educação, favoreceu grandemente o desfecho
positivo do processo.
Outro exemplo de empenho do Poder Executivo na realização de
eleições é o do município de Vitória que serve também para ilustrar o
desenvolvimento de um processo de institucionalização com a par•
ticipação da sociedade civil. Em 1989, a administração petista da
prefeitura cria uma comissão encarregada de fazer estudos e
levantamentos sobre gestão democrática e participativa da escola. Os
documentos elaborados são encaminhados às unidades escolares para
exame. No ano seguinte, um grupo de pedagogos da pré-escola
elabora um anteprojeto de lei de conselho de escola e é instituída uma
comissão na Secretaria de Educação com o objetivo de retomar os
trabalhos iniciados anteriormente. Essa comissão faz novos estudos e
elabora um cronograma de atividades para nortear a implantação dos
conselhos de escola e as eleições de diretores. Faz discussões com
lideranças dos movimentos organizados e diretores de escolas de
ensino fundamental e centros de educação infantil, fornecendo às
escolas a legislação pertinente e textos focalizando, "além do papel e
da importância do conselho de escola, assuntos como participação
política, o papel político do educador, democracia, classes populares,
etc." (VITÓRIA, 1994, p. l) Em 1991, são realizadas várias
64
VrroR HENRIQUE PARO DE DIRErORES

assembléias para debater o assunto; é instituído um fórum com


representação de toda a comunidade escolar e movimentos
organizados; realizam-se seminários para debater o anteprojeto de lei
com participação de todos os segmentos da comunidade escolar, bem
como um congresso que aprova a legislação de implantação dos
conselhos de escola previstos na Lei Orgânica do Município. No final
desse ano, a Comissão Central
INSTITUCIONALIZAÇÃO MOTIVAÇÓES

inicia "discussão política para encaminhar o processo de eleição de


diretores" (VITÓRIA, 1994, p. 2). Durante o ano de 1992 a Comissão
Central presta assessoramento aos conselhos de escola e de pré-escola
e promove «seminários sobre os papéis e as funções do Conselho de
Escola" (VITÓRIA, 1994, p. 2). Nesse mesmo ano, são eleitos os
conselhos de escola e realizadas eleições para diretores de unidades
escolares (VITÓRIA, 1994, p. 2). No ano seguinte, com o "objetivo de
consolidar as garantias legais de democratização do ensino» , é criada
a Equipe de Organização da Gestão Participativa (EOGP). Essa
Equipe desenvolve importantes atividades de assessoramento às
escolas, conselheiros e diretores, de coordenação do processo eleitoral
para preenchimento de cargo de diretor, bem como promove
seminários para membros de conselhos de escola, realiza minicursos
para diretores, visando a refletjr sobre a participação, e elabora planos
para a Secretaria de Educação, visando à gradual autonomia da escola.
Mesmo findo o mandato do PT na prefeitura, essa equipe é mantida no
governo seguinte, do PSDB, exercendo importante papel na promoção
da democratização da escola.
A maneira como se instituíram o conselho de escola e as eleições
de diretores no município de Vitória serve como exemplo dos
cuidados que se devem tomar na introdução de mudanças na escola
públicas porque, apor mais certos que estejamos de seu caráter
democrático (ou precisamente por isto), é preciso que essa introdução
também se faça de forma democrática" (PARO, 1995b, p. 119-120).
Por isso, é importante que o processo de eleição não se transforme
numa imposição de cima para baixo e que tenha, em vez disso, a
maior participação possível de professores, funcionários das escolas,
65
2 — E RESISTÊNCIAS
alunos e pais, bem como outras instituições da sociedade civil
interessadas na democratização da gestão escolar.
Um aspecto importante a ser levado em conta na introdução de
inovações na rede pública é o respeito aos direitos adquiridos. No caso
da adoçäo das eleições, esse aspecto diz respeito mais diretamente aos
direitos dos antigos diretores. As vezes é preciso fazer concessões
em muitos aspectos, na própria legislação, de modo a contemplar as
várias peculiaridades da situação real, para evitar que õ processo
provoque injustiças ou mesmo desperte oposições desnecessárias. Em
66
HENRIQUE PARO — DE DIRETORES
VITOR ELErçÃo

pesquisa de campo realizada em 1987 nos Estados de Santa Catarina,


Paraná e Rio Grande do Sul, com o objetivo de analisar a política de
eleição de diretores e a forma como estes "cumprem sua função"
Içara da Silva Holmesland et a). (1989) coletaram dados, por meio de
questionário, de 205 diretores eleitos dos três estados, e realizaram
entrevistas com 15 diretores eleitos do Estado do Rio Grande do Sul.
As autoras falam das garantias que se ofereceram aos diretores em
exercício antes da adoção da eleição, em Santa Catarina:
É de realçar que a Lei 6.709/85 assegurava o vencimento de diretor aos
que na data da eleição (dezembro de 1984), estivessem na função e aos
que viessem a ser eleitos. Inclusive se o ocupante de cargo de diretor
não tivesse vínculo com o estado de SC ficaria assegurado, logo que
prestasse algum concurso público, o direito de receber o mencionado
benefício. Assim, se o cargo que ocupasse após o concurso tivesse
remuneração menor que a de diretor, ficarlhe-ia assegurado o
pagamento da diferença a título de vantagempessoal. Para os diretores
em exercício em 84 que não permanecessem no cargo, ficava também
assegurada a lotação em unidade escolar de sua escolha.
(HOLMESLAND et ai., 1989, p. 26)
A respeito da mesma Lei no 6.709/85, afirmam Elisabeth Juchem
Machado Leal e Virgínia Maria de Figueiredo e Silva:
Desse modo, os privilégios que a Lei acabou por garantir aos diretores
"antigos" podem ser compreendidos como preço polftico pago por esse
rompimento com as práticas tradicionais de indicação dos diretores
escolares, urna vez que o próprio processo de elaboração do Plano
Estadual de Educação, bem como a pressão exercida pelas associações
dos educadores, não permitiram que o Governo deixasse de encaminhar
no sentido da instituição da eleição direta como forma de escolha dos
diretores das escolas estaduais. (LEAL; SILVA, 1987, p. 66)

3 LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE
DA ELEIÇÃO DE DIRETORES
Em seu esforço de impedir a institucionalização das eleições ou
de produzir retrocessos nos locais onde elas já foram estabelecidas, os
Opositores desse tipo de escolha de diretores têm-se valido com muita
67
2 — E RESISTÊNCIAS
freqüência de argumentos que dizem respeito a sua näo-legalidade ou
a sua inconstitucionalidade. Esse argumento é muito cômodo porque
permite a esses opositores se colocarem contra a medida gem nome da
legalidade", sem questionarem O seu mérito, procurando evitar,
INSflTUCIONALIZAÇÄO MOTIVAÇÕES

assim, o desgaste político diante da opinião pública, No Estado de


Goiás, por exemplo, o PMDB e seus políticos que, enquanto
oposição e durante a campanha eleitoral de 1982, sempre se
mostraram totalmente favoráveis ao atendimento dos interesses dos
professores no tocante à eleição de diretores, assim que assumem o
governo do Estado colocam se contra a medida, alegando problemas
legais. Assim, logo após a posse do novo governo, em 1983, um
projeto de lei de um deputado do PDS estabelecendo as eleições é
indeferido "sob a argumentação de que confrontava com o item 42 do
artigo 23 da Constituição do Estado — 'E da competência exclusiva do
governador a iniciativa das leis que: disponham sobre servidores
públicos, seu regime jurfdico, provimento

de cargos, estabilidade e aposentadoria de funcionários civis.'"


(CANFSIN, 1993, p. 119)
No Estado de Mato Grosso, como vimos no item anterior, a
Constituição Estadual promulgada em 1989 prevê, em seu Art. 237,
inciso IV, a "eleição direta para diretores das unidades de ensino"»
Com base nesse dispositivo constitucional, é aprovada, em 22 de maio
de 1990, a Lei nQ 5.604/90, que "regulamenta a gestão democrática do
sistema estadual de ensino de Mato Grosso." Essa lei, com
modificações introduzidas pela de ng 5.655, de 26 de julho do mesmo
ano, estabelece a eleição direta para diretores de escola. Todavia, em 2
de outubro de 1991, toda essa legislação fica suspensa em virtude de
Medida Cautelar, aprovada pelo Supremo Tribunal, que suspende a
eficácia do inciso IV do art. 237 da Constituição Estadual, por
solicitação do governo do Estado de Mato Grosso.
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES

Em Santa Catarina, as eleições para diretores são institucio


nalizadas em 1985 pela Lei no 6.709/85 que, em seu Artigo I Q,
estabelece que "os diretores das escolas públicas estaduais,
nomeados em comissão, serão escolhidos por eleição na forma
desta Lei." Mas, em 1987, o "Governador Pedro Ivo (PMDB)
suspende o mandato dos diretores eleitos, que passam a brigar na
Justiça pela reintegração." (LAGÔA, 1992, p. 12) Em 1988, o
Supremo Tribunal Federal acolhe ação impetrada pelo governo
do Estado e declara inconstitucional o Artigo da Lei n?
6,709/85:
O Supremo Tribunal Federal que o cargo de diretor de escola pública é
de provimento em comissão, logo de livre nomeação e exoneração de
seus
VrroR

ocupantes, e declarou a inconstitucionalidade do artigo 19 da Lei


6709/85 em 14.09.1988. Em Santa Catarina, todos os diretores eleitos
foram destituídos e assumiram pessoas indicadas e da confiarça do
govermdor. Alguns dos diretores eleitos e destituídos foram
renomeados, mas o principal critério para a sua nomeação passou a ser
o de ter uma visão política semelhante à do nomeante.
(HOLMESLAND etal. 1989, p. 105-106)
Na justificativa do reconhecimento da inconstitucionalidade das
eleições, o Supremo Tribunal Federal assim se manifesta:
Nomeação para cargo em comissão de diretor de escola pública,
mediante eleição professores, alunos e pais de alunos. Sendo o cargo
em comissão conformado à confiança do poder nomeante, não se
conciliam a livre nomeação com a escolha por eleição. A Constituição
limita o provimento dos cargos públicos às formas previstas no artigo
97, parágrafos 12 e 2% não deixando margem a que seja criado
processo eleüvo para os cargos em comissão. Não tendo as escolas
públicas de primeiro grau a autonomia administrativa e financeira
conferida à universidade, não há que cogitar de investidura em seus
cargos de direçäo por eleição. / Representação julgada procedente para
e declarada a inconstitucionalidade do artigo da Lei 6.709 de 12 de
setembro de 1985, do Estado de Santa Catarina. (Ementa do
julgamento da Representação na i.473/SC pelo Supremo Tribunal
69
2 — E RESISTÊNCIAS
Federal. Rel. Min. Carlos Madeira, apud RIO GRANDE DO SUL,
1991,fl. 11 e 12)
Em 1990, já na vigência da Constituição Federal de 1988 e da
Constituição Estadual de 1989, a Lei ne 8.040/90, de 26 de junho,
volta a estabelecer a eleição de diretores das escolas públicas
estaduais de ensino básico. Mas o governo estadual novamente entra
com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal
Federal, que lhe concede liminar declarando inconstitucionais as
eleições de diretores.
No Rio Grande do Sul, onde os diretores já vinham sendo
escolhidos por eleições a partir de listas tríplices, estabelecidas pela Lei
na 8.025/85, de 14 de agosto de 1985, e regulamentadas pelo
Decreto no 32.002/85, de 17 de setembro do mesmo ano, a Constituição
Estadual de 1989, em seu Artigo 213, Parágrafo 1% institui as eleições
por voto direto e universal: IQ — Os diretores das escolas públicas
estaduais serão escolhidos, mediante eleição direta e uninominal, pela
comunidade escolar, na forma da lei." Essas eleições são regula
mentadas, em 1991, pelas Leis ne 9.133, de 2 de fevereiro, e 9.263, de
4 de junho. Mas, em II de agosto desse mesmo ano, o governador
Alceu Colares (PDT) entra com Ação Direta de Inconstitucionalidade
2 E RESISTÊNCIAS

65
INSTITUCIONALIZAÇÃO —

dessas duas leis, bem como do Parágrafo 'IQ do Årtigo 213 da


Constituição Estadual.
O exame dos argumentos a favor e contra essa Açäo Direta de
Inconstitucionalidade pode ser útil para uma maior aproximação dos
interesses envolvidos no caso. O governador do Estado, em sua justificativa,
alega que as normas estabelecidas são todas, manifestamente
inconstitucionais, pois subtraem ao Chefe do Poder Executivo a competência,
que lhe é privativa, de prover discricionariamente as mencionadas funções e,
assim, a um tempo, ofendem o princípio da independência e harmonia entre
os Poderes tal como modelado e imposto aos Estados-membros pela
Constituição Federal e, na medida em que as referidas funções constituem a
rigor autênticos "cargos em comissão", lesam o princípio da livre nomeação e
exoneração inscrito na segunda parte do inciso II art. 37 daquela Carta
Política ou, quando por "em comissão" não se as. tenha, o que não se admite,
ofendem a exigência do concurso público ao provimento dos cargos,
empregos e funções públicas posta na primeira parte do mencionado inciso II
do art. 37, (RIO GRANDE DO SUL, 1991, fl. 3, grifos no original)
O inciso II do Art. 37 da Constituição Federal diz: "II — a
investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação
prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em
lei de livre nomeação e exoneração."
Alega ainda o governador, para justificar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade, que, como as funções de direção das escolas
públicas do Estado são funções de chefia, são elas cargos em comissão,
ou seja, funções "de confiança" sendo, portanto de livre nomeação pelo
administrador, isto é, o Poder Executivo estadual. Assim,
Subtraindo a escolha dos diretores das escolas públicas estaduais à
competêmia do Chefe do Poder Executivo, que, no caso, por tratarem-se
as funções de autênticos "cargos em comissão" i é discricionária, ofende
ele, como se disse, a um tempo, a indeÞendência e harmonia entre os
Poderes tal como modelada e imposta aos Estados-membros pela
Constituição Federal e a regra de " livre nomeação" inscrita na segunda
2 — E RESISTÊNCIAS
parte do art. 37 daquela Carta Política. (RIO GRANDE DO SUL, 1991,
fl. 9, grifos no original)

Por outro lado, considera também que, caso a função de diretor


em apreço não fosse cargo em comissão, também seriam incons
titucionais as normas legais contestadas, pois aí se trataria, então, de

Vr1Ä)R

cargos que exigiriam concurso público, de acordo com o que


estabelece a Constituição Federal (CF).
De todo modo, quando por "em comissão" não se tivessem as funções (e,
como se verá, säo!), ainda assim seriam inconstitucionais as normas. Aí,
então, por ofensa à regra que exige concurso público ao provimento de
cargos, empregos e funções públicas que não "emcomissão" (CF/88, an.
37, II, primeira parte). O dilema é indesviável: ou (a) as funções são
"comissionadas" ( = "cargos em Comissão" = "funções de
confiança"), como efetivamente são, e não se lhes podia subtrair o
provimento à "livre nomeação" do Chefe do R)der Executivo
ou (b) não são, e seria inadmissível substituir, em seu provimento, o
exigido (constitucionalmente) concurso público por "eleição pela
comunidade escolar". (RIO GRANDE DO SUL, 1991, fl. 9; grifos no
original)
De acordo com o arrazoado justificador da Açâo Direta de
In constitucionalidade, a vigorar o conjunto normativo em
discussão, estaria sendo subtraído do governador do Estado
condições necessárias para que ele pusesse em açäo sua política
educacional, contrariando, assim, a vontade popular que o elegeu
para chefe do Poder Executivo.
Não havia como pudesse, pois, o conjunto normativo impugnado,
subtrair ao Chefe do Executivo a escolha dos titulares das direçöes das
escolas públicas estaduais. É, este, ato privativo seu, de que ele não pode
e não deve abrir mão na medida em que é essencial à boa
implementação de qualquer política educacional, pela qua), note-se,
haverá de responder quem o elegeu. Na verdade, como concretizar
qualquer plano de educação sem uma certa uniformidade de pensamento
das direçóes das unidades escolares acerca de seus fundamentos e
HENRIQUE PARO ELEIÇÃO DE DIRETORES
finalidades? impossível! Admitida a "eleição", cada direção
haverá de traduzir não o pensamento do plano educacional do Governo
—e para implementá-lo, repita-se, é que este, em pleito popular, foi
eleito! —mas, sim, das diversas (e são centenas!) .. "comunidades
escolares» ! (RIO GRANDE DO SUL, 1991, fl.. 1 1; grifos no original)
Em sua contestação à Ação Direta de Inconstitucionalidade
interposta pelo governador do Estado, o Centro dos Professores
do Estado do Rio Grande do Sul Sindicato dos Trabalhadores
em Educação (CPERS-Sindicato) questiona a validade de
considerar a direçáo de escola pública como cargo em comissão,
afirmando que "no magistério gaúcho não existe quadro de CCS
(Cargo em Comissão) ou FCs [Função de Confiança]. Logo —
por evidente — o professor não é investido em cargo provido
por CC ou FC" (CENTRO DOS PRO-
INSI'ITUCIONN.IZAÇÄO MOTIVAÇOFS

FESSORES..., 1991, p. 3). Além disso, cita a Lei na 6.672/74, que


instituiu o Estatuto do Magistério Público do Rio Grande do Sul, que,
em seu Art. 70, inciso I, alínea b, estabelece que o membro do
magistério fará jus a gratificações "pelo exercício de direçäo ou vice-
direção de unidades escolares." Acrescenta o CPERS-Sindicato:
Como se nota, é o exercício que confere o plus remuneracional. Na
verdade, o nomem Juris "gratificação", inserido no sobremencionado
artigo 70 não é tecnicamente correto, de vez que a vantagem é mero
Adicional de Função. O mestre HELL YLOPES MEIRELLES defineo:
" O adicional de função se apresenta como vantagem pecuniária ex
facto Officii, ligada a determinados cargos ou funções, que, para serem
bem desempenhados, exigem um regime especial de trabalho, uma
particular dedicação ou uma especial habilitação de seus titulares. Em
ocorrendo qualquer dessas hipóteses, em que o serviço refoge da rotina
burocrática, por seu caráter técnico, didático ou científico, passando a
exigir maior jornada de trabalho, maior atenção do servidor ou maior
especialização profissional, a Administração recompensa
pecuniariamente os funcionários que o realizam, pagando-lhes um
adicional de função, enquanto desempenham o cargo nas condições
estabelecidas pelo Poder Público." (DAB, 16a ed., RT, 1991, p. 400).
2 — E RESISTÊNCIAS
Todavia, a ficar-se vinculado ao nome e como gratificação considerar-
se o acréscimo, será a mesma uma típica gratificação de serviço —
«pelo exercício", diz o artigo 70 da Lei 6.672.
"Gratificação de seÑiço (propter labore) é aquela que a Administração
institui para recompensar riscos ou ónus decorrentes de trabally»s
normais executados em condições anormais de perigo ou de encargos
para o senidor, tais como os serviços realizados com risco de vida e
saúde, ou prestados fora de expediente, da sede ou das atribuições
ordinárias do cargo. O que caracteriza essa modalidade de gratificação é
a sua vinculação a um seriço comum, executado em condições
excepcionais para o funcionário, ou a uma situação norrnal do serviço
mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor. Nessa
categoria de gratificações entram, dentre outras, as que a Administração
paga pelos trabalhos realizados com risco de vida e saúde; pelos
serviços extraordinários; pelo exercício do magistério," (ob, cit., p. 405)
Seja gratificação, seja adicional, direçäo não é cargo, não tem
investidura. A questão é simples: se o magistério tem quadro próprio de
CCS e FCs (como o funcionalismo em geral) e se o acréscirm
remuneracional do diretor é FC, então para ser diretor é preciso
investidura, tal corno se investe alguém num CC, R»rérn, se não é FC,
tem-se que não é cargo novo. Por conseguinte, não há investidura.
É exatamente isto: direçäo não é cargo, é fato. (CENTRO DOS
PROFESSORES..„ 1991, p. 4-5)
74
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
VITOR

Para reforçar sua argumentação, o CPERS-Sindicato chama a


atenção para o fato de que "o cargo em comissão tem um requisito
indissolúvel" que é o de ser declarado em lei, pois assim estabelece o
inciso II do Art. 37 da Constituição Federal, ao ressalvar a não-
exigência de concurso para '6as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei" (CF, Art, 37, II, grifo meu). Como não existe lei
declarando que a direção de escolas é cargo em comissão, não se
pode, assim, considerá-lo como tal pretendendo que ele seja de "livre
nomeação e exoneração" (CF, Art. 37, II). Por outro lado, pelo fato de
diretor de escola não ser cargo, mas função, é "incompatível com o
provimento por concurso público, consoante artigo 37, II, da Carta
Maior" (CENTRO DOS PROFESSORES... 1991, p. 11).
Quanto à alegação de que as eleições de diretores escolares
estariam tirando do governador as condições de administrar, o
arrazoado do CPERS-Sindicato diz que "as escolas,
evidentemente, não estão incluídas na graduação de 'direção
superior da admi nistração"' (CENTRO DOS PROFESSORES...,
1991, p. 11-12) como as de secretário de Estado, afastando-se,
portanto, qualquer idéia de inconstitucionalidade: "O fato de ser
o diretor da Escola Rural de Coqueiro Baixo, situada a 70 km da
sede do município de Anta Gorda, eleito pela comunidade — a
escola tem 42 alunos — certamente não prejudicará no mandato
do Governador." (CENTRO DOS PRO FESSORES.., 1991, p.
12)
Ainda sobre as eventuais dificuldades de governar sem a
nomeação dos diretores, manifesta-se o CPERS-Sindicato: "4.
Alega, ainda, o governador que, não podendo nomear os
diretores das escolas, não poderá implantar o plano de governo.
O governante não administra só com 'os seus', mas com todo o
povo." (CENTRO DOS PROFFSSORES..., 1991, p. 15)
Apesar dos argumentos do CPERS•Sindicato, o governo do
Estado consegue ter aprovada a ação cautelar e as eleições são
suspensas no Estado.
2 — E RESISTÊNCIAS

No Estado do Paraná, a Constituição Estadual, "em seu Artigo


178, Inciso VII, prescreve como um dos princípios com base nos
quais o ensino será ministrado: 'gestão democrática e colegiada das
instituições de ensino mantidas pelo Poder Público estadual,
adotando-se sistema
INSTITUCIONALIZAÇÃO MOTIVAÇÓES

eletivo, direto e secreto, na escolha dos dirigentes, na forma da lei.'b


(WACHOWICZ, 1991, p. 8)
Mas, em 17 de outubro de 1991, o Supremo Tribunal Federal
defere medida cautelar impetrada pelo governador do Estado, Roberto
Requião, nos seguintes termos: "'Decisão: Por votação unânime, o
Tribunal deferiu medida cautelar de suspensão do inciso VII do art. 1
78 da Constituição do Estado do Paraná. Votou o Presidente. Em
seguida, após o voto do Relator não conhecendo da ação, no ponto em
que impugna a Lei Estadual ng 7.961, de 21-11-1984, pediu vista dos
autos o Ministro Sepúlveda Pertence. Plenário, 17/10/1991." (BRASIL,
1991)
Com isso, interrompe-se todo um processo de escolha
democrática dos dirigentes escolares que se iniciara em 1983, ainda
com listas tríplices, mas que, em 1989, tivera sua terceira eleição pelo
voto direto e universal de pais, alunos, professores e demais
sewidores da escola.
Pelo Decreto n2 849/91, de 31 de outubro de 1991, o
governador do Paraná determina a substituição da eleição estabelecida
pela Lei ng 7.961/89 por um processo de "consulta" que é
regulamentado pela Resolução ng 3.826/91, de 6 de novembro 1991.
A APP-Sindicato dos Professores das Redes Públicas Estadual e
Municipais do Paraná entra com pedido de medida liminar contra
esse processo no Tribunal de Justiça do Estado, que se pronuncia
deferindo a medida liminar, porque "há séria divergência no tocante a
vigência ou não da Lei no 7.961, de 21.11.84, frente à decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal, deferitória da medida
cautelar de suspensão do inciso VII do art. 178 da Constituição do
Estado" (PARANÁ, 1991)
Mas, depois de marchas e contra-marchas, com medida de
força entre governador e a APP-Sindicato, o Supremo Tribunal
76
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
Federal se pronuncia, em 1993, dando ganho de causa ao governo do
Estado e revogando definitivamente o inciso VII do Art. 178 da
Constituição do Estado.
A propósito da Açäo Direta de Inconstitucionalidade, assim se
manifesta o anteriormente referido assessor da Secretaria da Educação
do Paraná no governo José Richa:
No meu entender a argüição de Inconstitucionalidade "disfarça" a
pretensão do Estado autoritário de manter o controle social, não
dispensando quaisquer
VrroR

instrumentos de controle e coerção social. Destaca a concepção de


escola como extensão da esäutura do governo e o goverrndor como
"chefe" ou "dono" das decisões que afetam ou possam afetar o seu
mando e sobre o qual não pode haver suspeita e muito menos
contestação.
Considero "disfarce" pois o decreto e posteriormente a lei sobre a eleição
de diretores das escolas públicas do Paraná respeitavam a autoridade do
poder executivo : a) em nomear os diretores de escolas (apenas
estabelecia critérios democráticos que respeitavam a decisão majoritária
da comunidade escolar) e b) em exonerar os diretores (apenas
estabelecia que o ato deveria estar respaldado em critérios legais, no
caso, após apuração de responsabilidade em juízo formal através de
sindicância).
Portanto, a eleição de diretores, tal como havia sido estabelecida, dentro
das regras democráticas, embora merecesse o aperfeiçoamento, não ser
encarada como um risco à autoridade governamental que julgava-se
"dona" da função. Não comprometia, portanto, a autoridade do
Governador em desobediência à hierarquia e nem atentaria contra a sua
decisão, que deveria louvar-se e respeitara vontade da maioria da
comunidade escolar... Fsta para um governo democrático deveria
representar um apoio e não um "perigo" como confessa a medida
cautelar.
A respeito da perda da causa na justiça, assim se manifesta um
dos diretores do Fórum Paranaense em Defesa da Escola Pública,
Gratuita e Universal, ouvido em entrevista:
Tivemos assessoria de um advogado constitucionalista aqui da
Universidade. Ele considera que nós perdemos por falta de
2 — E RESISTÊNCIAS

acompanhamento do processo, porque provavelmente não fizemos o


mesmo processo de intervenção que o Governo do Estado fez Não
fizemos um acompanhamento em Brasília, que talvez deveríamos ter
feito, do modo como o Governo fez: talvez não soubemos ocupar a
imprensa da maneira como o Governo [fez], segundo leitura feita pelo
advogado..
Assim, em IO de fevereiro de 1993, pelo Decreto ne
2.099/93, o governador impõe o seu processo de "consulta" para
escolha dos diretores. Para Gonçalves (1994, p. 50), esse processo
"é de fato um

inominável retrocesso na história da educação do Paraná!"


O Decreto, atrasado em relação à Lei 7.691 , contém em alguns de seus
artigos um autoritarismo indisfarçável, travestido de busca de
legitimidade ou de competência
Assim, por exemplo, o parágrafo 29 do Art. 79 estabelece que a só será
válida se 50% dos eleitores enumerados no inciso III (pais e mães de
alunos) tiverem dela participado (quórum). Isto mais parece imposição
de democracia (participação à força) e não processo democrático, pois
caso não ocorra o
2 E RESISTÊNCIAS

71
INSITTUCIONAL.IZAÇÀO — MOTTVAÇÖES

quórum, o Secretário é quem escolhe o diretor (castigo para os pais?),


Resultado: em 1993, de l. 109 escolas ocorreu a consulta em apenas
408. Voltamos aos diretores indicados! (pré 1983)
O artigo 12 prevê cursos de capacitação para o diretor (escolhidos ou
indicados pelo Secretário?), Nestes cursos ele pode ser reprovado e
assim destituído! A idéia de reprovação é antidemocrática. Se a
consulta já é um retrocesso, reprovar um diretor, ainda que oriundo de
uma consulta e não de eleições diretas, em nome da qualidade (deve ser
a qualidade total!) é injustificável. (GONÇALVES, 1994, p. 52)
Em entrevista, o assessor da Secretaria da Educação quando da
instituição do processo eletivo pelo então governador José Richa, diz que esse
processo de consulta submete o carxlidato a urna pré-qualificação que é urna
pré-escolha do Conselho Escolar. Isto também é [...l um problema sério,
principalmente quando a gente vê nas suas análises e na nossa experiência o
caráter formalista dos conselhos escolares Os conselhos escolares não são um
local de discussão e de decisão, mas é realmente um mecanismo burocrático
na escola ( I que æforça o jugo do diretor ( ) um órgão manipulado pelo
diretor que vai depois respaldar a escolha do diretor,
O diretor do Fórum Paranaense em Defesa da Escola Pública,
Gratuita e Universal anteriormente mencionado considera que as alterações
do governo com relação às eleições corresponderam a um retrocesso, na
forma e no conteúdo. Na forma, pela maneira como se conduziu, pelo alto,
apesar das várias tentativas de intervenção, mais diretamente da APP, mas
também um acompanhamento do Fórum — o Fórum chegou a marcar várias
audiências com o Secretário da Educação, pedindo maior debate, melhor
discussão etc. etc., manifestando que não tínhamos nada contrário ao
aperfeiçoamento do processo, queremos o aperfeiçoamento do processo; nas
várias oportunidades, o então Secretário de Educação nos afirmou que era
uma decisão direta do Governador do Estado, que a própria Secretaria não
tinha meios para... E eu tenho a impressão também que se tivesse não queria
alterar a maneira de conduzir o processo, Foi um retrocesso pela maneira
como foi feito e foi um retroCesso pelo resultado.
Mas, em 1995, Jaime Lerner, que em campanha havia-se
comprometido a adotar as eleições diretas, assume o governo do
Estado do Paraná e, em 3 de agosto desse ano, o secretário da
Educação edita a Resolução ng 3.174/95 que, em seu Art. estabelece:
"Art. 1 2 —A designação dos Diretores de Estabelecimentos de Ensino
Público fundamental e médio, da rede estadual, será precedida de
eleição, em

VTII)R

escrutínio direto e secreto, de acordo com os procedimentoS previstos


nesta Resolução."
Essa resolução marca as eleições para o dia 6 de outubro de 1995
e se inicia um novo período de democratização da escolha dos
diretores dos estabelecimentos de ensino básico no Estado do Paraná.

O que se pode verificar é que, nos vários estados em que a


população havia conquistado O direito de escolher os diretores
escolares pelo voto do pessoal escolar e dos usuários, o que moveu as
diversas Açöes Diretas de Inconstitucionalidade interpostas não foi
nenhum apego à legalidade ou à democracia, mas o medo do controle
democrático do Estado pela população que o sustenta, e o interesse
em voltar a práticas de favorecimento dos aliados políticos, utilizando
o Estado, que deveria ser público, em benefício de interesses de
grupos particulares, Isto coloca novos desafios para os interessados
na extensão e aprofundamento da democracia social. Se os
adversários São fortes, se são grandes os obstáculos, não basta ter
boas intenções, é preciso ter competência para concretizá-las; não
basta estar com a razão, é preciso mostrar à sociedade que se está com
a razão e convencê-la de que as leis, numa sociedade democrática,
devem existir, não para obstar o progresso social, mas para a proteçâo
do cidadão e a promoção da convivência civilizada de todos. Se assim
não ocorre, é preciso lutar para modificá-las, envidando todos os
esforços nesse sentido, mas sem abrir mão da maneira democrática de
fazê-lo.
80
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES

3
IMPLEMENTAÇÃO
OS DESAFIOS DA PRÁTICA

1 DIREÇÃO COMO FUNÇÃO DE CONFIANÇA DO GOVERNO


alvez a maior contradição implícita nas primeiras experiências de
eleição de diretores nos estados em que elas se deram tenha sido a
permanência, concomitantemente à previsão do processo eletivo, do
caráter de «cargo de confiança" para o posto de diretor. "A gente tem
muito conflito porque ao mesmo tempo que você é eleito, é um cargo
de confiança da FEDF", afirma um dirigente escolar entrevistado por
Couto (1988, p. 98). A mesma autora afirma que, entre os conflitos
com que irá conviver o professor que se candidata à eleição de diretor
no DF, está "O de exercente de cargo de direção de escola pública sem
autonomia econômico-financeira e o de ocupar um cargo, que se insere
na estrutura de poder (como legítimo e formal), onde sua autoridade,
apesar do poder que lhe é intrínseco, não poderá prescindir de sua
habilidade e competência nas circunstâncias mais difïceis do trato com
os problemas e com os membros da organização que dirige." (COUTO,
1988, p. 98)
Nessa mesma direção encaminha-se a opinião de um professor de
ensino médio ao declarar à autora que "certamente, é uma posição
incômoda. Eu não acredito num processo de eleição em que a pessoa
seja, ao mesmo tempo, detentora de um cargo de confiança da
organização" (COUTO, 1988, p. 100). Por sua vez, Leal e Silva, ao
analisarem a situação no Estado de Santa Catarina, afirmam:
Se a lei pode ser entendida como um consagrador de urra
conquista dos educadores — a possibilidade de escolheros dirigentes que
lhes estão mais próximos — e nesse sentido representar efetivamente
uma ruptura com as práticas tradicionais de escolha dos escolares, como
já se mencionou, outro lado acaba por caracterizar o cargo do diretor
escolar, no que respeita à fonte de sua legitimidade, com a marca da
ambigüidade. Isto porque esta legitimidade tem sua origem tanto na
eleição do diretor pela comunidade escolar — nesse sentido ele é visto
como a pessoa que está a serviço dos interesses da escola — como no
ato burocrático de sua nomeação para um cargo de comissão —o que o
toma um funcionário da burocracia educacional, Observe-se que no
Estatuto do Magistério Público do Estado de Santa Catarina (Lei 6.844
de 29/7/86) os cargos em comissão são definidos como de livre
nomeação e exoneração pelo Chefe do Poder Executivo (art. 15, § 12).
(LEAL; SILVA, 1987, p. 66-67)
O conflito subjacente a essa situação evidencia uma contradição
incompatível com a idéia de eleição e de democracia. A principal
justificativa da eleição de diretor reside precisamente na intenção de
que, sendo escolhido pelos servidores da escola e pela comunidade, o
dirigente escolar possa articular-se aos interesses dos que o elegeram.
Ou seja, a eleição de diretores se põe como uma das formas de a
sociedade civil, com sua participação, pelo voto, proceder ao controle
democrático do Estado, substituindo o sistema de simples concurso ou
de simples indicação, pela manifestação de sua vontade, contra o
burocratismo exacerbado de um Estado que se distancia dos interesses
da população, no primeiro caso (concurso), e contra o clientelismo
favorecedor de interesses particularistas dos aliados do governo no
poder, no segundo (nomeação). Esse processo fica prejudicado se, ao
diretor eleito, articula-se a possibilidade de o Poder Executivo estatal
demiti-lo quando ele não age de acordo com os interesses do partido
ou do grupo no governo.
Examinando a questão no Distrito Federal, em meados da década
de 1980, quando o governo demitiu arbitrariamente diretores eleitos
82
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
em 1985, com respaldo do próprio acordo coletivo que instituiu as
eleições — segundo o qual, mesmo com eleição, 0 posto do diretor era
3 IMPLEMENTAÇÃO DESAFIOS DA

75
— OS PRÁTICA

"cargo de confiança" — Erasto Fortes Mendonça (1987) contesta a


validade, em termos democráticos, de um sistema que mantém o diretor
eleito como ocupante de cargo de confiança, acrescentando que, para a
democracia acontecer, "a demissão de um diretor eleito precisará
também passar pelo crivo da comunidade que o elegeu, sob pena de
tornar a eleição um processo inconsistente e passível de ser
instrumentalizado pela ação demagógica de governos pouco
interessados na maturidade do processo educacional." (MENDONÇA,
1987, p. 61)
Todavia, na lógica daqueles que temem o controle democrático do
Estado pela sociedade civil, o diretor deve permanecer sempre preso
aos interesses e desejos dos governantes. Nesse sentido, o governo do
Paraná, em 1991, ao argumentar contra a Lei rp 7.961/84, que instituiu
a eleição direta para diretores com voto universal para pais, alunos,
professores e demais servidores da escola, defendia a idéia de que "o
governo não pode aceitar que os diretores não tenham compromisso
com o Estado que os mantém em cargos de confiança pagando seus
salários" (FOLHA DE LONDRINA, 29 maio 1991 apud FÓRUM
PARANAENSE..., 1991, p. l). Defender o compromisso do diretor com
o Estado, por oposição ao compromisso desse diretor com a
comunidade que o elegeu, é tomar o Estado como um fim em si
mesmo, esquecendo se de que, numa democracia, o Estado deve ser a
mediação para a consecução de fins que tenham a ver precisamente
com o interesse dos cidadãos que o mantêm. Se existem mecanismos
de expressão da vontade dos cidadãos no local mesmo onde se realizam
os serviços do Estado, como é o caso, por exemplo, da manifestação da
comunidade no processo de eleição de diretores, não há que se entender
que isso vá contra o Estado (enquanto mediação), senão que isso é
justamente a maneira de contribuir para que o Estado cumpra de forma
mais efetiva sua função mediadora em favor da população.
A concepção que, por interesses particularistas de partidos ou de
grupos no governo, vê o diretor de escola como um funcionário que,
mesmo eleito, pode ser demitido à vontade pelo Poder Executivo é a
84
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
mesma que entende o diretor como mero preposto do Estado,
exercendo sua autoridade sem levar em conta as peculiaridades de
cada escola e os interesses daqueles que ele comanda. A coisa é
VITOR

diferente naqueles sistemas em que o diretor, ao ser eleito, pode


articular-se mais consistentemente com o pessoal escolar e os
usuários, tendo nestes, inclusive, um apoio em sua relação com o
Estado. Uma diretora eleita de Vitória, ouvida em entrevista, considera
que a eleição trouxe vantagens significativas na relação entre a escola
e a Secretaria de Educação. Afirma ela que, a primeira vez que foi
diretora, nomeada, pediu exoneração, 'por ingerência de um vereador"
que queria reserva de vagas e ela não aceitou. Mas agora, no final de
seu mandato como diretora eleita, percebe "o grande ganho em não ser
diretora nomeada e ser diretora eleita: isto fez uma diferença muito
grande nas relações com a sede, porque realmente ganha um outro
espaço nessa relação escola e sede, que antes a gente não tinha."
Diante do Estado, ela percebe que não está mais sozinha, porque
o próprio Estado não a vê mais como apenas um funcionario, tendo de
levar em conta também aqueles que a elegeram e que a apóiam em
suas açöes.

2 PARTIDARIZAÇÃO DAS ELEIÇÕES


A consideração do diretor como ocupante de um "cargo de
confiança" chama a atenção para outro aspecto de grande relevância
nos rumos que pode tomar a implementação das eleições de diretores.
Trata-se do risco da partidarização das eleições, na medida em que o
partido no poder, em vez de governar em nome de toda a população,
acha-se no direito de impor, via aparato administrativo do Estado, seus
estritos interesses partidários. Não se trata de negar o

caráter político de toda educação, em especial da educação escolar,


mas de evitar o "viés partidário» que essa educação pode assumir,
sobre o qual chama a atenção Mendonça, ao afirmar que "0 caráter
político da educação tem assumido um viés partidário que não se
3 IMPLEMENTAÇÃO OS DESAFIOS DA
coaduna com as suas finalidades últimas, especialmente quando essa
educação acontece na escola pública" (MENDONÇA, 1987, p. 58).
Referindo-se ao mstrito Federal de meados da década de 1980, o
mesmo autor afirma que, nesse caso, essa partidarização da política
educacional [...J entrou em contradição como processo de indicação
dos condutores de ponta dessa mesma política. Em

— PRÁTICA

outras palavras, tomar o processo educacional instrumento partidário ao


colocar a máquina administrativa da educação pública submetida a
interesses de um partido, não comporta o processo de indicação de
diretores pela via eleitoral direta, pois os indicados não serão
automaticamente alinhados à política do partido no poder.
(MENDONÇA, 1987, p. 58)
Mas não é só do lado do governo que esse perigo de par-
tidarização, com suas conseqüências deletérias aos objetivos
últimos da educação e da escola, pode existir, Também o pessoal
escolar pode pôr-se a lutar por interesses particularistas,
juntando ao partidarismo estéril as conseqüências do
corporativismo estreito. Essa dicotomia entre corporativismo de
professores e demais servidores da escola, de um lado, e
interesses partidários dos ocupantes do governo, de outro, é
muito bem exposta por Mendonça na seguinte passagem de seu
trabalho:
A comunidade, quando elege urnindivfduo para ocupar um cargo
diretamente ligado aos seus interesses como profissional ou como
usuário dos serviços que lhe são prestados, coloca nesse mesmo
indivíduo uma série de expectativas sobre o seu desempenho. Corre-se
o risco, ao nosso ver, de um corporativismo pernicioso que não se
coaduna com a ocupação de um cargo público. Os governantes, por
outro lado, guiados por interesses conservadores, pessoais ou de
pequenos grupos, nem sempre coincidentes com os interesses da
comunidade, tarnbém esperam que o ocupante do cargo de confiança
exerça de fato essa confiança, traduzida muitas vezes em cega lealdade,
cumprindo sem divergências os seus programas. Por isso, as
86
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
expectativas de ambas as partes são conflitantes, estabelecendo-se um
choque. (MENDONÇA, 1987, p. 59)
Mas a partidarização das eleições não se restringe à
dicotomia entre os interesses dos governantes e os interesses do
pessoal escolar, posto que também os usuários podem-se deixar
envolver por características partidárias da luta política, por
ocasião da eleição de diretores. Ao temor de que as eleições
podem-se constituir em ocasião para exercício de lutas
partidárias com grupos ligados a partidos políticos ou entidades
sindicais disputando votos de pais, alunos e pessoal escolar, têm
correspondido relatos no mesmo sentido, Calaça, por exemplo,
reporta-se às eleições em Goiânia, informando: " [ ...l Alguns
candidatos patrocinados por vereadores distribuíram santinhos,
calendários e camisetas e prometeram favores em troca de votos.
Insere-se, também, nessa lógica, o poder
87
PARO — DE DIRETORES
VrroR HFXR[QUE ELMçÃo

do presidente de Associação de moradores ao tentar impor nomes de


partidários na tentativa de legitimá-los através do crivo das urnas."
(CALAÇA, 1993, p. 88)
Obviamente, embora tudo isso faça parte do jogo democrático, é
preciso, em favor do desenvolvimento da democracia na escola, buscar
a superação desse partidarismo, pois guma eleição de diretor de escola
não é uma eleição partidária, político-partidária. Uma eleição de
diretor de escola não é uma eleição de entidade, nem uma eleição
sindicar (GÓES, 1992, p. 88).
O que se precisa é levar em conta a especificidade da eleição de
diretores escolares. Isso exige que se tenha presente a diferenciação
entre as eleições que se dão no âmbito da democracia política no
sentido estrito e as eleições que se dão no âmbito da democracia social
(BOBBEO, 1989, p. 54-55). No primeiro caso, os partidos políticos se
envolvem na busca de votos e adeptos para seus programas e
candidatos aos cargos legislativos e executivos do aparato estatal; no
segundo, o que se busca é a ampliação da democracia, pela organização
da sociedade civil com vistas ao controle democrático do Estado.
Neste caso, mormente em se tratando de uma instituição que busca fins
educativos, como é o caso da escola, devem-se privilegiar os
mecanismos persuasivos, de convencimento (ou seja, pedagógicos), na
busca do consenso, por oposição aos recursos mais característicos da
luta política entre facções ou grupos antagônicos. Não que na disputa
de eleições para diretores escolares não se devam antepor pontos de
vista divergentes e grupos de apoio a este ou aquele candidato; mas é
que, aqui, para manter os objetivos e as características da democracia
social, esta deve ser o objetivo maior da prática política, não a mera
vitória sobre o grupo antagônico para a tomada do poder, posto que o
que se busca é a melhor forma de todos os envolvidos na eleição (pais,
alunos, professores e demais funcionários), e não apenas o grupo
vencedor, controlarem democraticamente o Estado na busca da melhor
educação escolar para a população. Consiste isso, assim, numa forma
pedagógica de fazer política que é condizente com o que diz Dermeva]
Saviani, quando afirma que "a função política da educação se cumpre
88
VIT0R HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
na medida em que ela se realiza enquanto prática especificamente
pedagógica" (SAVIANI, 1983, p. 93)
PRÅnc,A

Diante da possibilidade de ocorrência, nas escolas, de campanhas


eleitorais que tendem para a polarização em termos político-partidários,
parece que uma boa medida é a exigência da apresentação, por parte de cada
candidato, de uma proposta de trabalho que unifique as açôes no contexto da
escola. Isso é o que foi feito nas eleições de julho de 1993 em Mato Grosso
do Sul, conforme relata Regina da Paixão: A ausência de um projeto comum
assumido coletivamente por todos os segmentos da tmidade escolar tem
dispersado esforços e impedido a existência de açöes integradas e eficazes no
âmbito do gerenciamento escolar. A partir desta constatação, tomou-se
obrigatória a apresentação, por parte dos candidatos à função de diretor, de
uma proposta de trabaltK) a seramplamente debatida com a comunidade
escolar durante a campanha eleitoral e negociada como colegiado escolar
após a eleição, (PAIXÃO, 1994, p, 1 1 7)
Mas, segundo a mesma autora, "Esta experiência revelou a
reprodução do modelo de campanha eleitoral vivido pela sociedade
brasileira no que se refere, principalmente, ao clientelismo e à
veiculação de propostas de impacto que, em geral, não podem ser
cumpridas no

âmbito da escola." (PAIXÃO, 1994, p. 118)


Na verdade, parece inevitável que, na falta de uma tradição
no exercício dos mecanismos democráticos, a escola absorva da
socie dade a que ela pertence os vícios do clientelismo e da
demagogia aí presentes. Mas estas são questões que só
encontrarão solução no exercício continuado da própria prática
democrática. De qualquer forma, não há porque deixar de tomar
algumas providências com relação aos procedimentos que regem
o processo de eleição dos diretores, que visem, não a eliminar,
mas pelo menos a dificultar os vários tipos de prática que levam
à demagogia ou ao clientelismo. Uma dessas providências pode
ser o estabelecimento de regras mínimas para o desenvolvimento
da campanha. Assim, além de se exigir que as candidaturas só se
façam a partir da apresentação, por parte dos candidatos, de
89
3 IMPLEMENTAÇÃO — OS DESAFIOS DA
programas ou plataformas mínimas de gestão da escola, pode-se
estabelecer uma forma de campanha em que seja proibida a
propaganda desordenada, que inclusive costuma conturbar o
andamento normal das atjvidades didáticas na escola. O ideal
talvez seja a previsão de debates em que se ofereçam iguais
oportunidades para cada candidatura expor e defender o seu
programa, dialogando com toda a comunidade presente, que
procurará verificar até que ponto suas propostas são realistas ou são
meras promessas para ganhar eleição.
Todavia, é preciso ter cuidado para que 0 disciplinamento e a
regulamentação do processo eletivo não se torne pretexto para coibir a
liberdade de escolha, introduzindo elementos que são contrários à
própria democracia. Pelo conjunto de contradições que apresenta, o
relato de Guiomar Namo de Mello e Rose Neubauer da Silva (1994) a
respeito do sistema de escolha de diretores escolares em Minas Gerais
pode prestar-se à discussão dessa questão.
No sistema público estadual de educação básica de Minas
Gerais, a escolha de diretores se dá por meio de uma sistemática
denominada "Seleção Competitiva Interna de Diretores
Escolares", referida abre viadamente por Secom. Segundo essa
sistemática, após levantamento das vagas existentes na rede, são
realizadas provas "para avaliação de conhecimentos e
capacidade gerencial" dos candidatos, selecionando.se os três
primeiros colocados em cada escola. Em seguida a essa fase, há
uma segunda etapa visando a apurar a "capacidade de liderança"
dos candidatos aprovados. Para planejar e executar essa fase, é
instituída, em cada escola, "uma Comissão de Seleçäo,
representativa dos diferentes segmentos escolares, inclusive pais
e alunos, eleitos pelos seus pares" (MELLO; SILVA, 1994, p.
26) Com relação à campanha propriamente, Mello e Silva
relatam uma importante medida disciplinadora de sua
implementação: "Três dias após a divulgação dos resultados
oficiais da avaliação, os candidatos de cada escola deveriam
apresentar e defender, em assembléia de professores, outros
funcionários da escola, pais e alunos, um programa de trabalho
90
VIT0R HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES
para a escola, iniciando-se assim a fase de apuração da
capacidade de liderança." (MELLO; SILVA, 1994, p. 26, grifos
no original)
O processo inova quando exige a discussão de programas e
estabelece um meio adequado de divulgá-los e passá-los pelo crivo da
apreciação dos eleitores (assembléia, com debates), acenando, assim,

com a não-partidarizaçáo do processo. Todavia, não-partidarização


não pode ser confundida com processo à margem do indivíduo
enquanto sujeito político, como parece sugerir a continuação do
relato:
91
3 IMPLEMENTAÇÃO —OS DESAFIOS DA PRÁTICA

—Não seria permitida propaganda de tipo eleitoral com o nome dos


candidatos. A apuração de capacidade de liderança não se camcterizaña
como uma eleição mas como uma escolha entre distintos programas de
trabalho. A apresentação e discussão dos programas em assembléia
seria o único critério para a escolha e os candidatos disporiam de igual
tempo e condições para sua apresentação. — Concluída a apresentação,
seria processada, por voto direto e secreto, a escolha do candidato que
apresentasse o melhor programa de trabalho. Teriam direito a voto
todos os seÑidores públicos da escola, os pais (sendo um voto por
família, independentemente do número de filhos matriculados na
escola) e todos os alunos com idade mínima de 16 anos. (MELLO;
SILVA, 1994, p. 26; grifos meus)
Como se pode falar em "apuração de capacidade de liderança» e
dizer que ela "não se caracterizaria como uma eleição"? De quem,
então, é a capacidade de liderança? Do programa de trabalho que se
pretende "escolher"? Programa de trabalho pode liderar alguma coisa?
Se se está preocupado apenas com o programa de trabalho", por
que, então, votar nos "candidatos"? Ademais, se se fala em
programa, nas condições em que se dá hoje o ensino público, deve se
entender que ele tem uma conotação também política. Se fosse apenas
técnico, não precisaria passar pela vontade (política) da comunidade e
dos servidores da escola. Melhor seria, então, assumir de vez o
"tecnicismo" e formar uma equipe de técnicos que produziria o
"melhor" programa de trabalho. Mas, sendo também político, seria
adequado dispor de programas de trabalho sem líderes com vontade
política para defendê-los?
O texto apresenta também outras importantes contradições.
Num momento se afirma que há apenas "uma escolha entre
distintos programas de trabalho", mas em outro se diz que a
escolha é do

candidato que apresentar O melhor programa. Num parágrafo se


afirma que g a escolha do candidato" se dará "por voto direto e
secreto", quando no anterior se -disse que isso "não se caracterizaria
92
VIT0R HENRIQUE PARO— ELEIÇÃO DE DIRETORES
como uma eleição". Como pode ser escolha pelo voto e não ser
eleição?
Ademais, por que esse cuidado em que não seja eleição?... O que
parece existir mesmo é uma preocupação de legitimidade sem voto,
procurando cumprir a Constituição do Estado que estabelece a aferição
da competência e da liderança, mas buscando, por todos os meios,
fazer o processo eletivo caudatário do processo de aferir
"competência".

O processo, a esse respeito, parece revelar um preconceito sem limites


com relação à atividade política.
Algo semelhante parece ter acontecido nas eleições para diretores
de escolas, no município do Rio de Janeiro, em 1994, onde, segundo
Marisa Borba e Jussara Lopes, a Secretaria de Educação procurou por
todos os meios cumprir a legislação, mas esvaziar o significado e o
alcance democrático das eleições: Na tentativa de descaracterizar o
processo como conquista da comunidade, transformando-o em
concessão do Poder, subordina-se a sua realização à avaliação seletiva
e prévia dos candidatos, modificando-se toda a linguagem utilizada
nas portarias de eleições anteriores. Substitui-se 'eleição' por 'consulta',
'eleitores' por 'Comissão Eleitoral' por
'Comissão Coordenadora', 'assembléia' por 'reunião geral', (BORBA;
LOPES, 1995, p. 8)
Mas 0 que não se pode esquecer é que as contradições do
real se fazem presentes em ambos esses casos, bem como em
outros semelhantes em que, apesar de tudo, se dá voz aos
interessados. Na prática, querendo ou não, exercitam-se
vontades e lida-se com o político. Por isso, o processo tende a
produzir resultados não esperados pelos idealizadores, o que
pode ser muito bom para a democracia na escola.

3 ELEIÇÃO POR LISTA TRÍPLICE OU UNINOMINAL


A utilização de lista tríplice, processo em que o pessoal escolar e
os usuários escolhem três nomes para que, dentre estes, O Poder
93
3 IMPLEMENTAÇÃO —OS DESAFIOS DA PRÁTICA
Executivo escolha aquele que ocupará o posto de diretor, é medida
polêmica que ocorre principalmente em duas situações: numa com a
intenção de viabilizar a democracia, noutra para coibi-la. O primeiro
caso aconteceu, por exemplo, no Estado do Paraná, em 1983, quando
o governador José Richa, segundo relato de um assessor da Secretaria
de Educação de então, mesmo com a intenção de instituir a eleição
direta, para cumprir a promessa feita em campanha, aceitou, diante da
resistência dos deputados quanto à eleição uninominal, o
estabelecimento da eleição por lista tríplice porque considerou o
processo mais democrático do que o sistema de nomeação pura e
simples. Mas,

já no ano seguinte, as condições políticas permitiram a instituição, pela


Lei ne 7.961/84, da eleição direta, com voto universal.
O exemplo do segundo caso em que ocorre a utilização da lista
trîplice pode ser buscado também no Paraná, quando o governo
Requião, contrário à eleição nas escolas, e diante da dificuldade de
extingui-la completamente, procura reverter o processo passando da
eleição uninominal para a lista tríplice. As justificativas oficiais
reportam se sempre ao desejo de aperfeiçoamento, racionalização e
"moder nização" do processo visando a viabilizar a democracia na
escola. Mas o que se deseja mesmo é eliminar o moderno e recuperar
ou reforçar o arcaico, ou seja, coibir a democracia e favorecer o
clientelismo.
Essa intenção, às vezes, fica mal-disfarçada no discurso das
autoridades governamentais, como aconteceu, por exemplo, no
Estado de Goiás, em 1987, quando, após a aprovação em duas
votações da Assembléia Legislativa de um projeto de eleições
diretas uninominais, o governador envia à mesma Assembléia
uma proposta de instituição da lista tríplice, e seu secretário de
Administração procura justificar a medida dizendo que assim
deve ser para que "sejam atendidas as reivindicações e as
posições das lideranças no interior... os prefeitos fazem questão
de participar deste processo. Não se pode tirar a participação
94
VIT0R HENRIQUE PARO— ELEIÇÃO DE DIRETORES
dessas lideranças de um processo dessa natureza. Eles fazem
parte da comunidade e estão inseridos no processo educacional,
portanto, merecem ser ouvidos." (O POPULAR, 12 maio 1985
apud CANESIN, 1993, p. 152)
Mas, independentemente das razões que levam à instituição da
escolha de diretores escolares por lista tríplice, o que se precisa
considerar é que, não obstante as sérias críticas que se lhe possam
fazer quanto à relatividade da liberdade de escolha que permite, essa
medida ainda se põe como algo significativamente mais avançado do
que a nomeação pura e simples, na medida em que prevê um processo
de envolvimento das pessoas vinculadas à unidade escolar: pais,
alunos, professores e demais servidores da escola. Por mais limitado
que seja esse envolvimento, ele rompe com uma situação em que
usuários e pessoal escolar apenas aceitam passivamente a vontade dos
governantes sem nenhuma participação na escolha dos dirigentes
escolares. É, pois, um exercício político que, por supor a manifestação
VITOR HENRIQUE PARO ELEIÇÃO DE DIRETORES

da vontade dos envolvidos e a discussão dos problemas que afetam o


ensino público, pode levar a novas conquistas relativas à participação
nas decisões que dizem respeito à escola e a sua gestão.

4 CANDIDATOS
Embora haja quem defenda a candidatura a diretor inclusive
para não-educadores, as experiências examinadas são unânimes
em contemplar a exigência de ser educador escolar (professor,
coordenador pedagógico ou orientador educacional) para
candidatar-se ao posto de diretor de escola. Entre os requisitos
exigidos estão, em geral, dados sobre a competência, a
formação académica e a experiência no magistério.
A competência do candidato está referida diretamente quando se
exige um concurso conjugado com as eleições ou algum tipo de
treinamento imediatamente após a realização destas. Mas, às vezes, tal
competência está suposta na própria formação académica,
especialmente quando se exige que o candidato tenha formação
específica na habilitação de administração escolar, obtida em nível
superior nos cursos de pedagogia. Em qualquer dos casos, o que existe
de comum é a crença de que, do diretor, devem ser exigidos
componentes de formação técnica diferenciados dos que detêm os
demais integrantes do magistério. Esta suposição está bastante presente

na formação diferenciada do diretor de escola, por meio da habilitação


específica de administração escolar, medida que vem sendo bastante
questionada a partir do final da década de 1970 e início da de 1980, no
contexto da crítica que se tem feito ao caráter artificial e irrealista da
formação dos chamados especialistas do ensino no curso de pedagogia.
Algumas universidades têm procurado repensar o currículo desse
curso, buscando uma formação integrada do educador escolar que
supere a fragmentação existente. Este foi o caso da Universidade
Federal de Goiás que, ao reformular o seu curso de pedagogia,
HENRIQUE PARO ELEIÇÃO DE DIRETORES
suprimindo as antigas habilitações, apresentou as seguintes
justificativas:
Considerando a necessidade de se lutar pela não fragmentação da
prática pedagógica, através da formação de um profissional que seja
capaz de pensar, decidir, planejar e executar a educação; considerando
que não há condições de se coordenar um ensino do qual não se
participa diretamente e cujo conteúdo

85
—OS DESMOS

não se conhece; considerando que a criação de uma escola democrática


tem como condição necessária a democratização do processo de trabalho
no interior da própria escola e que a existência do especialista dificulta
essa democratização; considerando que a saturação do mercado de
trabalho do especialista obriga o egresso do curso de pedagogia a
assumir na escola encargos para os quais não está habilitado;
considerando ainda que no ensino de IQ grau, especificamente na
primeira fase, há uma carência de profissionais com qualificação
satisfatória, em virtude da descaracterização a que foi submetido o curso
de magistério, propomos a suspensão da formação do "profissional" da
administração, da supervisão, da orientação e da inspeçáo e o
direcionamento de todo o nosso esforço no sentido de forrnar bem o
novo professor que, tendo um conhecimento totalizante e profundo da
escola brasileira, possa a qualquermomento vir a ocupar, sempre que
necessário e por tempo limitado, as funções de direção da unidade
escolar, de coordenação de disciplina ou mesmo de coordenação geral,
no caso de uma escola cujo núrnero de alunos e professores assim o
exigir,
Estamos convencidos de que o pedagogo, também ele um licenciado, se
quiser participar efetivamente do processo de criação da nova escola,
tem que ser, antes de tudo, um professor. Neste sentido, o curso de
pedagogia deve antes de tudo formar todos os seus alunos para
lecionarem as matérias pedagógicas do 22 grau e as matérias da primeira
fase do IQ grau... (Resolução no 207/84, currículo do Curso de
Pedagogia da (JFG — exposição de motivos. Goiânia, 1984, p. 6-7,
apud DOURADO, 1990, P. 90-91.)
A exigência da formação em pedagogia com habilitação de
administração escolar supõe que esta habilitação forneça os
3 IMPLEMENTAÇÃO DA PRÁTICA

conhecimentos necessários para capacitar o profissional a bem dirigir


uma escola. Entretanto, o que se tem verificado é a quase total
inadequação dos currículos e programas dessa habilitação às ne
cessidades de formação do diretor. A unanimidade das centenas de
diretores com os quais tenho mantido contato afirma quase nada ter
aprendido, nesses cursos, que sirva para resolver seus problemas de
direção. Reclamam, em geral, que há uma falta de conteúdos e práticas
que possibilitem um maior conhecimento e proximidade com a
realidade da escola pública. Por outro lado, quando procuram suprir a
parte técnica, muitos desses cursos dão uma ênfase exagerada aos
conhecimentos relacionados à chamada "Teoria Geral da
Administraçäo", toda ela impregnada pela visão de mundo e pela
realidade da empresa capitalista. Em trabalhos anteriores, tenho
alertado para o perigo de se tomar a escola à imagem e semelhança da
empresa
VrroR

capitalista, deixando de levar em conta sua especificidade como locus


de apropriação do saber sistematizado que, por isso mesmo, para
manter-se como instância da sociedade civil encarregada de divulgação
da cultura, deve necessariamente estar comprometida com objetivos
democráticos, de colaboração entre os homens, realizando suas funções
por meio de métodos dialógicos, não-dominadores, colocando-se,
assim, em seus fins e em seus meios, não apenas como diferente, mas
também como antagônica aos meios e aos fins presentes nas relações
sociais de produção que se concretizam na empresa capitalista.
(PARO, 1986, 1995a)
Dessas considerações decorrem algumas implicações para a
questão dos pré-requisitos profissionais que se colocam ao candidato à
eleição de diretores. Em primeiro lugar, não há porque privilegiar

conteúdos da chamada "gerência científica" empresarial que, embora


remonte a Taylor e Fayol, ainda tem sido preocupação constante dos
modernos teóricos da chamada "teoria das organizações" e motivo de
importação por intelectuais e administradores da educação, a pretexto
de "modernização" da gestão escolar. Tais conteúdos, no limite,
HENRIQUE PARO ELEIÇÃO DE DIRETORES
preocupam-se com o controle do trabalho alheio, o que não tem sentido
numa administração escolar moderna que se volte para a cooperação e
a colaboração dos sujeitos envolvidos. Se for para imitar a empresa
capitalista, que seja, então, no cuidado em levar em conta o objetivo
que se procura atingir, o que exige um conhecimento o mais profundo
possível da própria "coisa administrada", ou seja, a educação e a
escola. Isto implica uma formação do diretor, acima de tudo, como
educador que tenha familiaridade com os fins sociais da educação e as
formas de alcançá-los.
Isto leva a um segundo aspecto que diz respeito ao fato de que essa
formação não pode ser privilégio do diretor. Se estamos preocupados
em agir coerentemente com os objetivos educativos da escola, que
supõe relações dialógicas entre as pessoas, temos que utilizar formas
de organização e realização do trabalho que privilegiem as relações de
colaboração. Por isso, todos, e não apenas o "chefe" ou "gerente",
devem ter acesso aos conteúdos e aos métodos mais adequados para
utilizar os recursos da escola na busca de seus fins. Esta concepção é
compatível com uma formação do diretor que coincide com a formação
do próptio
3 IMPLEMENTAÇÃO — OS DA PRÁTICA

DESAFIOS

professor, ou seja, todo professor deve ter acesso a um tipo de


formação que o habilite, não apenas a prestar concurso para
professor na rede pública, mas também, após certo período de
experiência no magistério, a candidatar-se para o cargo de diretor.
Para isso, acreditoque a formação do professor realizada em nível
superior, deve incluir, confoime lá mencionei no item 1.2 do capítulo
l, "a) seu conteúdo programático específico (Geografia, Matemática,
Biologia, Língua Portuguesa etc.); b) os fundamentos da educação
(históricos, filosóficos, sociológicos, econômicos, psicológicos); c) a
Didáüca e as metodologias necessárias para bem ensinar determinado
conteúdo programáüco; e d) as questões relacionadas à situação da
escola pública." (PARO, 1995a, p. 5)
Finalmente, é preciso considerar o papel da experiência docente
como pré-requisito para o exercício da direçäo de uma escola. Todos
aqueles que conhecem com maior profundidade a vida da escola
pública reconhecem que esse conhecimento se deve, numa medida
considerável, a sua permanência e troca de experiências no interior da
unidade • escolar. Os diretores, em geraly reconhecem grande
importância na experiência anterior como professor e, embora não se
deva absolutizá-la, ela deve fazer parte, juntamente com uma
formação profissional formadora da competência, como pré-requisito
para a candidatura à eleição de diretor.

5 ELEITORES
Em geral, há concordância, nas experiências examinadas, sobre
os grupos com direito a votar nas eleições: professores, funcionários,
pais e alunos. Com relação aos alunos, às vezes estabelecem-se
especificações quanto à idade mínima para ser eleitor (por exemplo,
acima de 12 anos,.como determinou a Lei ng 6,042/83, de 21 de
Outubro de 1983, que regeu as eleiçöes de 1984 nas escolas
municipais de Goiânia) ou quanto ao direito ao voto apenas a alunos
acima de determinada série ou nível de ensino.
HENRIQUE PARO DE DIRETORFS
Mas; quando se trata do peso relativo de cada um desses grupos,
na eleição, existem variações tanto entre as medidas legais que
regulam o assunto nos vários sistemas de ensino quanto na opinião dos
que tratam do tema. O ponto polêmico que interessa aqui abordar é o
que

88
VITOR — ELErçÀo

se refere à opção entre o voto universal, que não discriminaria os


vários grupos (pais, alunos, professores e funcionários), atribuindo o
mesmo valor ao voto de cada uma das pessoas a eles pertencentes, e o
proporcional, que utilizaria uma ponderação entre os vários grupos,
visando, principalmente, a compensar com peso maior os grupos com
menor número de indivíduos. Assim, por exemplo, a citada Lei n o
6.042/ 83, de 21 de outubro de 1983, que instituiu o Estatuto do
Magistério Público do município de Goiânia, em seu Artigo IOQ, §
estabelece que "participarão do Colégio Eleitoral os alunos maiores de
12 (doze) anos, eleitos como representantes de classe, os professores,
os especialistas em educação, o pessoal técnico administrativo e a
Associação de Pais da Escola com representação em número igual ao
total da soma do corpo docente, técnico e administrativo, dos
especialistas em educação, lotados em cada unidade escolar." (Lei ne
6.042/83, 1983 apud DOURADO, 1990, p. 140)
Algo semelhante acontece na rede de escolas públicas estaduais
de Minas Gerais, em que, nas eleições, go peso eleitoral dos segmentos
votantes foi estabelecido da seguinte forma: 50% para professores,
especialistas e demais servidores em exercício na escola e 50% para os
pais e alunos" (MELLO; SILVA, 1994, p. 27), ih, em Vitória, o
processo é bem diferente, Aí, o critério é o voto universal
indiferenciado, O Parágrafo Único do Artigo do Dec. nQ 8.765/ 92,
com a nova redação dada pelo Dec. nQ 8.779/92, estabelece:
"Parágrafo Unico — As eleições de que trata o 'caput' deste artigo
serão processadas através do voto direto, universal e secreto e serão
realizadas na rede municipal de ensino, em datas a serem fixadas por
ato do Secretário Municipal de Educação."
3 — OS DA PRÁTICA

Também no Estado do Paraná, o processo de eleições instituído


pela Lei nQ 7.961, de 21 de novembro de 1984 adotava o voto
universal. Aí a ênfase na universalidade do voto se manifesta nas
próprias Instruções que regulamentam a Lei rp 7961/84, onde se proíbe
até mesmo a utilização de urnas que ensejem a aferição separada dos
votos de cada setor da escola. O Art. 11, § 3% da Resolução na
3.827/91 determina expressamente: "Não será admitida a constituição
de urna exclusiva para recolher votos, seja dos Professores,
Especialistas, seja Funcionários, Servidores, pai, mãe ou alunos."
IMPLÉMFNTAÇÄO

Em pesquisa sobre as eleições de diretores de 1983 no Estado do


Paraná, em que foram coletados dados e opiniões de funcionários,
professores, alunos e pais numa amostra de 34 escolas, Eliana Barbosa
Heemann e Francisco César de Luca Pucci (1986) apresentam dados
sobre a e¥pectativa dos entrevistados quanto a quem deve votar na
eleição para diretor. Em média, a opção mais escolhida foi
"professores, funcionários, alunos e pais" (48,5%). Mas há grandes
discrepâncias entre as categorias. Os pais, em sua maioria (66,6%)
consideram que devem votar "professores, funcionários, alunos e pais
m
; os funcionários se dividem entre gprofessoreŠ funcionários, alunos e
pais" (34,8%) e "professores, funcionários e alunos (31 algo
semelhante acontece com os alunos, com 48,5% para "professores,
funcionários e alunos" e 46,3% para "professores, funcionários,
alunos e pais". Mas o dado mais notável é que 56,8% dos
professores consideram que devem votar apenas "professores e
funcionários". (HEEMANN; PUCCI, 1986, anexo l, item 6). Os
autores, após lembrarem que a escolha do diretor por eleição,
reivindicação antiga dos professores do Paraná, era o fruto udo processo
de amadurecimento e conscientização que já vinha acontecendo dentro
da associação de classe e dos partidos políticos", acrescentam: "Resta
saber, no entanto, em que medida os professores têm contribuído
para o avanço do processo democrático da escola. No que consiste
essa democratização já que a maioria opinou contra o voto de alunos
e pais?" (HEEMANN; PUCCI, 1986, p. 17) l
HENRIQUE PARO DE DIRETORFS
Também no Rio Grande do Sul, segundo o citado estudo de
Castro et al. (1991), aparecem argumentos restritivos à participação
dos pais como eleitores. Segundo as autoras, "há entrevistados que, ao
atribuírem importância ao critério conhecimento, ponderam que 'os
pais devem ter voto proporciona], pois quem conhece a escola são os
professores, funcionários e alunos'." (CASTRO et al., 1991, p. 86) Um
dos professores entrevistados diz: "Alguns critérios não deveriam ser
mudados como pretende o Sr. Governador. Ele quer que os pais
elejam o diretor mas os pais não conhecem a escola. Quem conhece
a escola são os professores, funcionários e alunos e dentre estes o voto
deveria

Ver também Heemann (1986, p. 57).


HENRIQÙE PARO — DE DIRETORE5
VITOR ELEIÇÃO

ser proporcional ao número de anos na escola. Assim os que estão no 32


ano teriam peso maior que os de I a série que estão entrando e não
conhecem muito bem a escola." (CASTRO et al., 1991, p. 84-85)
Defendendo o voto universal contra opinião de professores,
surgida na imprensa por ocasião das eleições de diretores escolares
de 1985, no Paraná, segundo a qual o maior peso dos votos deve ser
dado aos professores, contesta Zabot:
Alia•se ao argumento dos professores favoráveis à proporcionalidade, a
afirmação explicitada na aludida matéria do Jornal: "quem sabe eleger o
melhor diretor é o professor. " Ora, a afirmação nos parece insólita
porque, sem respaldo teórico ou prático, equivale afirmar que, excluídos
os votos dos pais, dos alunos e dos funcionários, seriam
necessariamente escolhidas as pessoas com as melhores condições de
dirigirem as escolas. Será verdadeiro? Será que essas escolas,
controladas exclusivamente pelo segmento ou categoria profissional dos
professores, preferentemente ou prioritariamente, estariam voltadas para
os interesses comuns e, em especial, daqueles que constituem a razão de
ser das instituições escolares? Oua tendência seria privilegiar os
interesses corporativos? [ J A escola está a serviço da sociedade e o
serviço por ela prestado extrapola ao interesse das categorias
profissionais que nela trabalham (professores e funcionários). O
predomínio dos interesses da rnaioria— é bom sempre lembrar —é
essencial à democracia. A democracia se deteriora quando o poder da
minoria preûalece sobre os interesses da maioria! Igualar— em peso
eleitoral — a maioria e a minoria —é subverter a democracia, (ZABOT,
1985a, p. 2-3 )
Mais adiante, o mesmo autor diz que o argumento dos que
afirmam que os alunos e pais "não sabem escolher o diretor da escola é,
no

mínimo, temerário. Lembremo-nos de que o argumento da


competência', velha arma do autoritarismo, funda-se na convicção que
de um lado estão os que sabem e de outro lado, os que não sabem.
Como conseqüência, aqueles que não sabem devem tacitamente
submeter-se às decisões daqueles que detêm a competência técnica."
(ZABOT, 1985a, p. 3)
HENRIQUE PARO DE DIRErORES
Na verdade, o argumento importante dos que defendem o voto
proporcional não é diretamente contra o voto de pais e alunos. Mas
defendem que estes, por serem em muito maior número do que os
professores e funcionários, podem desequilibrar as forças em seu favor
pois, se os votos tiverem todos o mesmo peso, pode acontecer o caso
de um grupo majoritário, pais por exemplo, elegerem, sozinhos, um

IMPLEMENTAÇÀO DBAHOS DB

diretor que porventura não tenha o apoio nem de funcionários nem de


professores. Dessa forma, a representatividade em termos dos vários
grupos que compõem a escola ficaria falha, podendo inclusive ocasionar
problemas de "ingovernabilidade" da escola para o diretor, que precisa
ter um mínimo de legitimidade diante de professores e funcionários.
Mas, já em trabalho anterior, referindo-se às eleições para diretores
escolares realizadas no Paraná em 1983, Zabot refutava a idéia do voto
proporcional:
Um dos aspectos do processo, ou seja, o voto igualitário foi questionado
por parcela significativa dos professores. Tornou-se muito difícil a eles
aceitar que o voto de um especialista tivesse o mesmo "valor" que o de
uma zeladora, por exemplo. Defenderam então o voto
proporcional contra o julgamento da sociologia política que afirrna ser
discriminatório todo o voto de qualidade. Entendemos que não existindo,
ao menos em tese, nem interesse, nem responsabilidades valorativamente
desiguais, apesar de disüntas, não há sentido na existência de votos com
pesos diferentes para a comunidade escolar. Um argumento decisivo em
relação à participação dos pais com o voto igualitário foi o de que não
existe pessoa mais interessada no processo educativo que os pais e não há
como negar-lhes a participação na deciSáo dos destinos da unidade
escolar. (ZABOT, 1984, p. 90)

O argumento de que o número de pais e de alunos é muito maior do


que o de professores e funcionários,' e de que isso pode causar um
desequilíbrio na eleição do diretor — na medida em que este pode ser
eleito por pais e alunos e com pouquíssimos votos do pessoal escolar -
foi apresentado à conselheira do Conselho Estadual de Educação do
3 OS— PRÁTICA

Paraná, anteriormente mencionada, que ponderou: "Mas é que aqui


tem uma suposição de igualdade que é falsa Na verdade, você está
subestimando politicamente a categoria que é a mais forte... A relação
pedagógica, por mais que você pense como igual, a relação de
orientação do professor ela é fortíssima (...l Você tem que deixar o
voto universal para segurar a desigualdade que é real."
Segundo ela, a eleição deve ser sem "privilegiamento; porque
você privilegia os professores desse jeito, mais do que eles já são
privilegiados..." A mesma opinião tem a diretora de escola
entrevistada no município de Vitória, que diz ter sempre defendido o
voto universal porque acha que os maiores interessados são os alunos,
"são os pais, e o professor já é privilegiado do ponto de vista dele
poder influenciar
Vrrox - ELEIÇÃO

e se ele quer ter uma influência maior, ele tem como influenciar o
aluno, ele tem como influenciar o pai, ele já tem um posto
privilegiado; então, eu acho que o voto é universal mas ele tem um
outro instrumento. (...) Apesar do voto 1...1, em termos quantitativos,
desaparecer, mas ele tem uma influência muito grande que vai além do
seu único voto. Eu acho que equilibra."
Um diretor do Fórum Paranaense em Defesa da Escola Pública,
Gratuita e Universal, do Estado do Paraná, anteriormente mencionadot
diz que "essa questão da codificação do voto — quem vota, com que
peso etc. — tem sido uma das mais polêmicas, inclusive no interior do
Fórum." Informa que várias vezes já discutiram e não conseguiram U
chegar, com relação a isso, a um resultado mais consensual." A
respeito do voto universal na eleição do diretor, afirma:
Eu defendo que deva ter uma ponderação. A minha compreensão é que,
talvez, o voto universal deva ser um resultado, não um ponto de partida.
Se você tem as comunidades disformes, desarticuladas, desorganizadas
etc. etc., de um lado, e se, de outro lado, (isto é outra coisa que nós
pusemos na discussão da época) a eleição da escola não é tradução,
digamos, na forma de um da eleição geral do país... Ela não é
exatamente a mesma eleição, exatamente com a mesma natureza e tal...
Não é a eleição geral livre que deve marcar a vidaparüdária e
democrática do país etc. etc. É urna instituição, na verdade, específica,
com natureza própria etc. etc. (...J As marcas da instituição, de alguma
HENRIQUE PARO DE DIRErORES
forma, devem estar refletidas no processo de eleição, 1.. I Eu penso que
a forma do voto ponderado é um mecanismo, ainda que insuficiente,
para você, da mesma forma, não desrespeitar a natureza própria da
instituição,
Assim, é a favor de uma ponderação, a partir da qual "as
comunidades se fortaleçam, fortalecendo simultaneamente os seus
integrantes..." Neste sentido é preciso, segundo ele, que, primeiro, haja
um processo de maior fortalecimento da participação de pais, de modo
que eles se conscientizem melhor, conheçam melhor a escola e o
processo democrático, para poder cada vez mais contribuir na
tomada de decisão. Em outras palavras, o que o depoente quer
evitar é que o pai participe do processo democrático apenas votando
nas eleições. Concomitante a isso, é preciso que ele se envolva mais
com a escola. Quando a massa de pais estiver articulada com os
problemas da escola, aí poderá dar-se o voto universal. "Mas eu penso
que alguma relação com a escola o pai deve travar para... O direito à
intervenção nos destinos
3 OS PRÁTICA
IMPLEMENTAÇÃO - DESAFIOS DA

na escola deve vir acompanhado de uma maior articulação com os


destinos da escola. Não é o pai que passa na rua e que, por passar na
rua, adquire o direito do voto. n
Na verdade, essa argumentação apresenta interesse, na medida em
que a preocupação não é tanto com o receio de os pais influírem mais
do que os professores, mas sim com a necessidade de que a
participação dos pais se efetive de uma forma mais consistente, de
modo que, por um lado, ela não se restrinja apenas ao votar numa
eleição de diretores e, por outro, que, mesmo nessa eleição, a sua
participação seja encarada com consciência e não como mera
obrigação. Mas, se assim é, já não se trata de ser contra o voto
universal, mas sim a favor de medidas que fortaleçam a democracia na
escola e, em particular, a universalidade do voto para diretores.
4
O IMPACTO
CONTRADIÇÕES E AVANÇOS

m dos problemas presentes em todo tipo de inovação diz respeito ao


excesso de expectativas que ela provoca nos grupos e pessoas
envolvidos. Espera-se, em geral, que sua simples introdução resolverá
um número muito maior de questões do que está realmente a seu
alcance resolver, causando frustrações e descrenças a respeito de suas
reais possibilidades. A eleição de diretores não escapa a essa regra. Por
isso, é importante Verificar os principais pontos em que a medida
avançou em termos do encaminhamento de soluções e em quais ela
demonstrou-se ainda impotente para produzir resultados positivos.

1 Os. LIMITES DO SISTEMA ELETIVO


Um dos principais argumentos para a implantação das eleições
de diretores fundamenta-se na crença na capacidade da eleição de
neutralizar as práticas tradicionalistas calcadas no clientelismo e no
favorecimento pessoal, em detrimento de posturas universalistas re
forçadoras da moderna cidadania. A esse respeito, parece que as
eleições tiveram um importante papel na diminuição ou eliminação,
VrroR

nos sistemas em que foram adotadas, da sistemática influência dos


agentes políticos (vereadores, deputados, prefeitos, cabos eleitorais
etc.) na nomeação do diretor.
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES

Mas, isso não significa que o clientelismo tenha deixado de


exercer suas influências na escola. Por um lado, em alguns sistemas
continuaram a existir brechas para a penetração da influência do
agente político na nomeação do diretor; por outro, as práticas
clientelistas passaram a fazer parte também do interior da própria
escola, quer no processo de eleição do diretor, quer durante o
exercício de seu mandato.
Certa permanência da influência político-partidária verificou-se
especialmente nos sistemas em que a escolha se deu por lista
tríplice, com a escolha definitiva de um dos três nomes ficando por
conta do Poder Executivo. No Estado do Paraná, nas eleições de 1983,
Zabot informa que "o tempo exigido para a escolha de um dos nomes
da lista tríplice por parte da Secretaria da Educação, como prescrevia
o Decreto Governamental, suscitou inúmeras iniciativas dos grupos
de pressão interessados na nomeação de determinados
candidatos» (ZABOT, 1984, p. 89).
Também no município de Goiânia, Canesin nos conta que,
"apesar do estabelecimento de critérios que incluía avaliação de
currículos dos candidato (formação acadêmica, formação adicional,
produção e experiência profissional), teste de avaliação, identidade
com o projeto de melhoria do ensino, espírito de liderança, etc., a
primeira experiência teve marcas profundas no clientelismo vigente"
(CANESIN, 1993, p. 127 128). Canesin cita Dourado, cuja informação
é que "alguns candidatos, a despeito de serem classificados em
primeiro lugar, não foram nomeados pelo Executivo, sendo ainda
nomeados candidatos indicados por determinados vereadores — agora
do PMDB e/ou das associações de bairros" (DOURADO, 1990, p.
123).
O depoimento da secretária municipal de educação da época,
feito a Canesin, evidencia bem o tipo de pressão exercido pelos
agentes políticos:
Eu pude sentir o nwel de envolvimento não só de vereadores mas de
escalões mais altos na medida que esses vereadores faziam dobradinha
com os parlamentares... Era uma estrutura piramidal que começava
pelo Senador, deputados federais e estaduais chegando ao vereador. Só
que eles (os
97
40 CONTRADIÇÕES E AVANÇOS
IMPACTO —

dirigentes dos grupos) não vieram diretamente, colocaram os


vereadores para fazer o trabalho no sentido de inviabilizar, dificultar,
fazer o resultado que interessava a eles... Então a classe política
existente na época, com raras exceçöes, não teve um envolvimento
sadio com as eleições. Queriam as eleições desde que os resultados
fossem aqueles que atendessem seus interesses. 1993, p, 128)
Mas não só nos locais em que havia a escolha por lista tríplice
esteve presente a pressão clientelista. Especialmente nas primeiras
eleições, os agentes políticos não desistem de tentar fazer valerem seus
interesses clientelistas. É o caso, por exemplo, do Estado de Minas
Gerais onde, apesar da existência de regras bem definidas e
divulgadas, ainda houve assédio de políticos para burlá-las, como
relatam Mello e Silva: "Alguns problemas começaram a surgir com
certa freqüência no ano de 1992, talvez por ser este um ano de eleições
a nível municipal. Tem sido demandada, por alguns deputados e
candidatos a prefeitos e vereadores (membros das Câmaras
Municipais), a substituição de diretores(as) escolhidos(as) pela
SECOM por outros pertencentes a seus esquemas eleitorais."
(MELLO; SILVA, 1994, p. 32)
Uma peculiar forma de intervir movido por interesses clientelistas
é a praticada por certos agentes políticos que, alijados, pelo sistema
eletivo, de sua anterior oportunidade de influir diretamente na no
meação dos dirigentes escolares, prevalecem-se de sua experiência
política para influenciar no próprio processo de eleição que se dá na
unidade escolar. Calaça, no estudo anteriormente mencionado, dá conta
de práticas desse tipo na eleição de 1984, em Goiânia, ao informar que
"alguns candidatos patrocinados por vereadores distribuíram santinhos,
calendários e camisetas e prometeram favores em troca de votos."
(CALAÇA, 1993, p. 88) A mesma autora pondera, a respeito dessa
prática:
Embora não haja uma avaliação global do processo de eleição nas
escolas dá rede municipal, há evidências que confirmam a ingerêrK2ia
de vereadores e/ou presidentes de Associação de Moradores no processo
eleitoral, com o intuito de compor uma "dobradinha" desses agentes
com o virtual candidato à direção de escola, para, num sistema de trocas
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES

de favores, trabalharem em prol da eleição de algum candidato no


próximo pleito municipal elou estadual. É conhecido também o jogo de
"dobradinha" e de poderde alguns diretores e secretários de uma mesma
escola da rede para se alternarem na direção de unidades escolares, por
longos anos. (CALAÇA, 1993, p. 221)
VIT0R

Também no interior da própria unidade escolar, segundo recla


mações do pessoal que af trabalha, podem ser identificadas ocorrências
de práticas mais tradicionalistas que se supunham superadas com a
eleição. Um dos professores entrevistados por Castro et al. no Estado
do Rio Grande do Sul declara que sempre tinha as panelinhas na
escola, mas isso infelizmente com a eleição isto continuou então a
gente não sabe.... eu pessoalmente não sei como fazer uma eleição
porque antes era panelinha continua panelinha, que se tu era candidata
à eleição e eu não votei a teu favor eu sou vista com maus olhos pela
direçâo." (CASTRO et al., 1991, p. 98)
Por seu turno, Holmesland et al. também apresentam depoimentos
de diretores que evidenciam uma concepção clientelista do pessoal
escolar, a qual exige uma contrapartida pessoal ao apoio dado na
eleição. Um desses diretores afirma: "Então os professores que acabam
colocando o diretor, muitas vezes, querem vincular o voto que deram a
uma benevolência no trato."' (HOLMESLAND et al., 1989, p. 128)
O fato, entretanto, de a incipiente prática política introduzida
pelas eleições de diretores não ter sido capaz de eliminar por completo
essas expectativas e comportamentos clientelistas não pode levar a que
se impute às eleições as causas desses males que nada mais são, na
verdade, do que remanescentes de uma cultura tradicionalista que só a
prática da democracia e o exercício autónomo da cidadania poderá
superar.
Outra expectativa que muitas pessoas tinham com relação à
eleição era a de que esta conseguiria eliminar o autoritarismo existente
na escola e a falta de participação de professores, alunos, funcionários
e pais nas decisões. A suposição por trás dessa expectativa era a de que
a falta de participação e o autoritarismo existentes na escola deviam-
se, em grande parte ou exclusivamente, ao fato de o diretor, não tendo
compromissos com o pessoal escolar ou com os usuários da escola,
99
40 CONTRADIÇÕES E AVANÇOS

por não ter sido escolhido por estes, tenderia a articular-se apenas com
os interesses do Estado, voltando as costas para a escola e sua
comunidade. Com a eleição, esperavam que a escola se encaminhasse
rapidamente para uma convivência democrática e para a maior
participação de todos na gestão da escola. Todavia, as experiências
mostraram que havia mais otimismo do que realismo nessas previsões.
Numa apreciação dessa questão no
n.(PACTO —

Distrito Federal, após as eleições, no período de 1985 a 1988, Couto


constata que "o processo de gestão democrática nas escolas não
conseguiu sair, ainda, do rol dos modelos tradicionais, sem avanços na
participação de pais e alunos, professores e servidores na tomada de
decisões, de fórma mais ampla, envolvendo a distribuição de poder."
(COUTO, 1988, p. 145)

Em Vitória, segundo técnicas da Equipe de Organização da Gestão


Participativa, apesar dos avanços, ainda há muita reclamação a respeito
da diretividade e do autoritarismo do diretor. Segundo uma das
técnicas,

o diretor deveria ser o grande articulador do conselho de escola, "mas


isto não acontece. Pelo contrário, o que ele puder fazer para estar
desarticulando, ele faz?' Em Goiânia, a respeito das tentativas de se
instalarem grêmios estudantis e "outros canais de participação na
escola", Dourado constata que essas tentativas de mudanças
encontravam fortes recuos por parte de professores e de muitos dos
diretores que, apesar de eleitos, não concordavam elou não viam com
bons olhos a proclamada abertura de escola à comunidade. Assim, Os
diretores agora legitimados criavam obstáculos concretos à
reestruturação dos Centros Cívicos em Grêmios Estudantis livres, à
criação das associações de pais e ao encaminhamento da discussão do
pedagógico na escola. (DOURADO, 1990, p. 136)
Obviamente, as pessoas que pensavam que, com as eleições, o
diretor mudaria seu comportamento de forma radical e imediata
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETORES

frustraram-se ao perceber que muito das características do chefe


monocrático que detém a autoridade máxima na escola persistiu mesmo
com a eleição. Mas o que isso reafirma é que as causas do autoritarismo
existente nas unidades escolares não advêm exclusivamente do
provimento do diretor pela via da nomeação política. Antes, é preciso
considerar que tal autoritarismo é resultado da conjunção de uma série
de determinantes internos e externos à unidade escolar, que se
sintetizam na forma como se estrutura a própria escola e no tipo de
relações que aí têm lugar. Por isso, mais uma vez é preciso ter presente
que, também neste caso, não se trata em absoluto de culpar a eleição,
mas de reconhecer que ela tem limites que só podem ser superados
quando se conjugarem ao processo eletivo outras
101
HENRIQUE PARO — ELEIÇÀO DE DIRETORES

VITOR

medidas que toquem na própria organização do trabalho e na


distribuição da autoridade e do poder na escola.

Outra circunstância que evidencia os limites da eleição de diretores,


para a qual já chamei a atenção no capítulo anterior, é que ela não está imune
ao corporativismo por parte dos grupos que interagem na escola. A esse
respeito, o maior número de reclamações refere-se à atitude de professores
que, pouco afeitos às regras da democracia que supõe que o eleito, embora
escolhido pela maioria, deve governar visando ao bem de todos, procuram
tirar proveito da situação, buscando favorecimento ao grupo dos docentes,
Segundo o assessor da Secretaria de Educação do Estado do Paraná no
período de 1983-1987, a questão do corporativismo foi uma questão que
muitos levantavam, que a gente tem que assumir como críticas reais, mas que
eu diria, lealmente, fruto... isso sempre existiu na escola; são as mazelas que
a eleição de diretor talvez tomou mais nítidas. [Houve] troca de apoios em
nome de algum cargo burocrático na escola etc., mas eu diria: faz parte do
jogo democrático a demonstração de interesses, a explicitação dos conflitos,
antagonismos entre as pessoas, Agora, se é um jogo aberto, como é a eleição,
com voto direto etc., a própria comunidade tem o poder de anular... e se é
uma eleição com cargo temporário, aí realmente ganha muito mais força o
impedimento dessas mazelas, desses favorecimentos, desse compadrio... Isso
na época de eleição vem à tona. I ...l Agora, faz parte do amadurecimento do
jogo democrático a discussão dessas contradições...
Finalmente, uma importante característica das eleições é que,
como todo processo de democracia, a participação e o envolvimento
das pessoas como sujeitos na condução das açöes é apenas uma
possibilidade, não uma garantia. Especialmente em sociedades com
fortes marcas tradicionalistas, sem uma cultura desenvolvida de
participação social, é muito difícil conseguir-se que os indivíduos não
deleguem a outros aquilo que faz parte de sua obrigação como sujeito

partícipe da ação coletiva. No caso da escola pública, as reclamações;


especialmente de diretores, dão conta de que a eleição dos dirigentes
acabam, em grande medida, significando não a escolha de um líder
102
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIREr0RES
para a coordenação do esforço humano coletivo na escola, mas muito
mais uma oportunidade de jogar sobre os ombros do diretor toda a
responsabilidade que envolve a prática escolar. No relato de sua
pesquisa sobre eleição de diretores em Santa Catarina, Paraná e Rio
Grande do Sul, Holmesland et al. consideram que "o diretor de
escola pública, mesmo eleito, é um indivíduo que tende a sentir-se
desacompanhado, desprotegido, solitário" e que "a eleição de
diretores é urna situação almejada por todos os professores mas, os
diretores eleitos desejariam que houvesse maior partilha nas
responsabilidades entre todos da comunidade escolar."
(HOLMESLAND et al., 1989, p. 138)
As mesmas autoras constatam que "por vezes o diretor busca
apoio no grupo mas este lhe devolve o poder de decisão, o que é
percebido por alguns diretores como uma situação difícil"
(HOLMESLAND et al., 1989, p. 139). Uma diretora entrevistada
pelas autoras afirma: "As pessoas vêem as coisas e dizem — Não
queremos; mas quais são as alternativas e soluções? — Ah! Isso aí não
é de nosso departamento, isso aí é do departamento administrativo. Daí
a direção toma posição, então é autoritária." (HOLMESLAND et ai.,
1989, p. 129)
Dourado, comentando a redução do processo democrático a
"mera delegação de poderes", pondera: "Perde-se, com efeito, a noção
do poder como exercício, exercício legítimo de participação, esti
mulando a criação de mecanismos de apatia e de pretensa neutralidade,
à medida em que a comunidade escolar, ao delegar seu voto, delega
também ao diretor os erros ou acertos, o autoritarismo ou
democratização das relações intra-escolares." (DOURADO, 1990, p.
139)
Não há dúvida de que, se o problema é a falta de tradição de
mocrática, é com a insistência em mecanismos de participação e de
exercício da democracia que se conseguirá maior envolvimento de
todos em suas responsabilidades. Mas, diante da associação que muitos
fazem entre o direito de votar e a omissão em co-participar das res
ponsabilidades do eleito, nunca é demais meditar sobre as palavras de
Agnes Heller sobre a questão da relação entre liberdade e dever:
Toda pessoa tem a liberdade de não reconhecer nenhum valor moral.
Mas, como já disse, isso não a ajuda a ser livre. Hegel tinha razão
103
4 0 IMPACTO —CONTRADIÇÕES E AVANÇOS
quando distinguiu entre liberdade e arbítrio. A liberdade é sempre
liberdade para algo, e não apenas liberdade de algo. Se interpretarmos a
liberdade apenas como o fato de sermos livres de alguma coisa,
no estado de arbítrio, definimonos de modo negativo.
A liberdade é uma relação e, como tal, deve ser continuamente
ampliada.
O próprio conceito de liberdade contém o conceito de dever, o conceito de
regra. de reconhecimento, de intervenção recíproca. Com efeito, ninguém
pode ser livre se, em volta dele, há outros que não o são. (HELLER, 1982,
p,
155, grifos no original)
VrroR

2 DEMOCRACIA NA ESCOLA
Um ponto positivo a creditar à introdução das eleições como
critério de escolha dos dirigentes escolares é o interesse despertado nos
vários sistemas em que o processo se deu. Os vários depoimentos de
pessoas ligadas diretamente à escola ou à administração do sistema de
ensino, no desenvolvimento desta pesquisa, confirmam aquilo que
alguns estudos já haviam constatado com relação ao grande
comparecimento dos vários setores da escola nas eleiçöes. A
conselheira do Conselho Estadual de Educação do Paraná afirma que
no início do processo de eleição houve um "envolvimento absoluto",
registrando, também, sempre uma maior participação no interior do
estado do que em Curitiba. Também em Vitória, segundo membros da
Equipe de Organização da Gestão Participativa, verifica-se uma boa
participação nas eleições, especialmente do pessoal da escola. Mas
também com relação aos pais, o comparecimento é muito grande;
embora raro, há escolas em que esse comparecimento chega a 80%.
Nesse mesmo município, um pai de aluno entrevistado dá conta de
que, em sua escola, a participação dos pais na eleição de diretores foi
de cerca de 90% e, com relação ao pessoal escolar, o comparecimento
foi praticamente total, só faltando uma pessoa. Ainda em Vitória, a
diretora eleita entrevistada confirma uma participação bastante intensa
nas eleições de todos os setores da escola.
104
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIREr0RES
Zabot, referindo-se às eleições de 1983 no Estado do
Paraná, informa que
Apesar de as eleições terem sido realizadas num dia útil (sexta-feira),
houve comparecimento de mais de 70% dos pais (um elemento por
casal). A participação dos estudantes foi vibrante e significativa no
processo. As entidades estudantis percorreram as escolas, discutiram o
processo de escolha, a importância da participação do estudante na
gestão da escola e reiviMicaram dos candidatos a existência e espaço
para a livre atuaçäo dos grêmios estudantis nas escolas. (ZABOT, 1984,
p. 89-90)
Holmesland et al., no estudo sobre as eleições no Rio Grande do
Sul, Paraná e Santa Catarina na década de 1980, apresentam a
percepção dos diretores a respeito do processo eletivo, dizendo:
"Observa-se, como um aspecto muito positivo, que nos três estados o
processo de eleição é percebido pelos diretores como um processo que
promoveu
105
40 IMPACTO — E AVANÇOS

a participação dos professores e da comunidade, além do envolvimento


dos professores. Foram baixos os registros de conflito e clima de
hostilidade entre os professores, associado ao processo de eleição, nos
três estados." (HOLMESLAND et ai., 1989, p. 100-101)
Na rede escolar do município de Goiânia, segundo Dourado, ua
participação nas eleições deu-se de modo heterogêneo, pois houve
escolas onde ocorreu ampla campanha eleitoral, com apresentação e
discussão do processo e de suas implicações, além de discussão de
propostas dos candidatos. Entretanto, em outras escolas a mobilização
foi menos intensa." (DOURADO, 1990, p. 131)
Também na experiência mais recente ocorrida no sistema estadual
de ensino de Minas Gerais, segundo relato de Mello e Silva, houve uma
importante participação nas eleições de todos os setores envolvidos na
escola, señdo que '60 comparecimento médio dos que estavam
credenciados para votar foi de 85%." Para dar idéia das dimensões
alcançadas pela inovação, as autoras informam que "estiveram
envolvidos no processo, entre votantes e demais atores, mais de
700.000 pessoas." (MELLO; SILVA, 1994, p. 28) Sobre o interesse
dos pais, assim se manifestam as autoras: "O comparecimento nas
assembléias para ouvir os programas de trabalho, discutir e votar
desmistificou o que o senso comum dos atores internos do sistema de
ensino afirmava, isto é, que os pais de escola pública não se interessam
e são pouco participativos." (MELLO; SILVA, 1994, p. 29)
A grande participação das pessoas nas eleições ganha um
significado especial quando associada à opinião daqueles que
participaram do processo ou com ele estiveram envolvidos. Tanto
nas entrevistas que fiz quanto nos estudos a respeito das eleições em
vários sistemas em que elas se deram, a maioria das pessoas tem uma
opinião bastante positiva sobre os benefícios trazidos pela adoção do
novo critério de escolha. Segundo o ex-assessor da Secretaria da
Educação do Estado do Paraná, uma das provas de que a eleição era
um processo acertado é que, no Estado do Paraná, praticamente
todas as prefeituras adotaram o processo eletivo como critério para
escolha do diretor, Nesse estado, segundo o estudo de Holmesland et
106
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIREr0RES
al., 70,8% dos diretores entrevistados consideraram positiva a
experiência; em Santa
Catarina, 75% dos diretores tiveram essa mesma opinião, enquanto
VIT0R

que no Rio Grande do Sul 82,2% consideraram que a medida foi


acertada. Segundo os mesmos autores, "nos três estados, os diretores
respondentes consideram como positivo o efeito geral da eleição e, a
maioria desses diretores, nos três estados, considera que a eleição teve
um efeito facilitador sobre a administração da escola."
(HOLMESLAND et ai., 1989, p. 103)
A citada pesquisa de Heemann e Pucci sobre as eleições de 1983
no Estado do Paraná apresenta dados que evidenciam a acolhida
positiva das eleições por parte de professores, funcionários, alunos e
pais. Das pessoas consultadas, 52,4% acham que o relacionamento na
escola melhorou depois das eleições, 7,5% acham que piorou, 24,4%
acham que não mudou e 15,7% não sabem (HEEMANN; PUCCI,
1986, anexo l, item 14). Também quanto ao relacionamento com o
diretor e quanto à prestação de serviços da escola à comunidade, a
maioria considera que houve melhora após as eleições
(HEEMANN; PUCCI, 1986, anexo l, itens 1 7 e 18). Mas, com
relação à participação dos entrevistados nas decisões da escola depois
das eleições, embora 38,9% tenham respondido que melhorou
(professores, 50,0%; funcionários 45,0%; alunos, 29,5%; pais, 35,9%),
35,9% consideraram que não mudou, 5,8% que piorou, e 19,5% que
não sabiam. (HEEMANN; PUCCI, 1986, anexo l, item 16)
Sobre o fato de a participação dos vários setores nas decisões da
escola ficar aquém do desejado, é importante atentar para as
observações feitas por Calaça a propósito das eleições em Goiânia.
Segundo a autora, "embora esteja a escola elegendo seu diretor, já há
oito anos, não se instituiu uma prática efetiva de participação dos
vários segmentos em suas decisões com a conseqüente criação de
canais que facilitassem esse processo" (CALAÇA, 1993, p. 210).
Pondera, entretanto, Calaça que "os vários segmentos, pelo fato mesmo
de elegerem o diretor, se sentem compelidos, e bem à vontade, a fazer
interlocução com o diretor. Comumente, as pessoas em conversa de 'pé
107
40 IMPACTO — CONTRADIÇÓFS AVANÇOS

de ouvido' elogiam ou criticam a açäo do diretor e ainda dão sugestões


ou fazem reivindicações." (CALAÇA, 1993, p. 210)
Essa maior possibilidade de opinar, característica de um
ambiente mais democrático, acaba levando os sujeitos envolvidos na
educação escolar a uma postura mais participativa que sobressai
também das considerações de Couto a respeito das eleições no Distrito
Federal:

A partir do movimento de mudanças na área da educação e das idéias


democratizadoras que se seguiram envolvendo a comunidade escolar,
precisamente após as eleições dos diret01es pelo voto direto de seus
integrantes, a participação passou a ser entendida pela comunidade
escolar como um direito de envolvimento ativo, não somente na
execução de tarefas, como anteriormente, mas, de uma forma mais
efetiva e global, na tornada de decisões que viessem importar em
beneficios para as áreas administrativa e pedagógica das escolas.
(COUTO, 1988, p. 97)
Essa nova postura parece uma resposta positiva a medidas, como
a eleição de diretores, que procuram levar em conta o pessoal da
escola e os usuários nos destinos da educação escolar, e que leva
Dourado a constatar que, "de modo claro ou não, a comunidade vai
interferindo nos rumos da escola, forjando novas relações, ao se
contrapor àquelas que lhes negam o papel de sujeitos partícipes de
sociedade. E, em verdade, a construção de um projeto de cidadania,
por aqueles que até então tiveram conferido o status de cidadãos de 2 a
ordem J.
(DOURADO, 1990, p. 147)
Mais adiante, o mesmo autor afirma:
A nosso ver, as eleições diretas para diretores, a despeito de não
estabelecerem democracia interna na escola como esperamos ter
evidenciado nem garantir ou mesmo indicar uma democracia externa, o
que seria esperar demais de uma instituição isolada, apresenta-se como
um caminho que, se associado a outros canais de participação social de
108
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIREr0RES
organização do coletivo escolar, podem possibilitar o resgate à escola de
seu caráter polftico-pedag6gico. (DOURADO 1990, p. 148)
A abertura para um diálogo mais franco certamente possibilita o
surgimento de conflitos de opiniões e interesses. O que não se deve,
porém, é tomar isso como algo negativo, mas considerar O que
verdadeiramente se passa, isto é, a eleição de diretores, ao supor um
processo de discussão e de exame crítico da realidade e dos
interesses em jogo, está apenas fazendo vir à tona conflitos que
permaneciam latentes e que só se resolverão de modo positivo pelo
exercício do diálogo e da democracia. É nessa direção que caminha o
discurso de Zabot ao analisar as eleições no Estado do Paraná:
Num primeiro momento a medida [eleição de diretoresl trouxe às
comunidades escolares algumas dúvidas e mesmo suspeições e durante o
seu desenvolvimento provocou discussões e, em certos casos, alguns
conflitos e tumultos. Convém destacar que a situação de disputa intema
no seio da unidade
109
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DIRETORES
VITOR PE

escolar fez com que alguns conflitos latentes, em geral mascarados ou


abafados pelas necessidades de convivência, viessem à tona, tomando-
se explícitos. Percebeu-se claramente a falta de treino na discussão de
idéias, posições e percepções por parte da comunidade escolar, onde o
nível cultural dos elementos envolvidos fazia crer que seria possível e
necessária essa prática democrática. (ZABOT, 1984, p. 89)
O que se observa também é que os conflitos que vêm à tona
revelam uma maior consciência política que começa a se desenvolver
entre os participantes do processo. A conselheira do Conselho
Estadual do Paraná declara, em entrevista, que g a comunidade educou
muito [.. I Onde as comunidades são mais organizadas elas têm estado
mais presentes; tirou aquela coisa rançosa da Associação de Pais e
Mestres." Em Vitória, os relatos das técnicas da Equipe de
Organização da Gestão Participativa da Secretaria Municipal de
Educação indicam que houve mudanças no que se refere à politização
dos envolvidos

na escola, especialmente pais e professores, que passaram a exigir mais


do diretor eleito.
A maior consciência política do pessoal escolar e dos usuários da
escola manifesta-se também na preferência por soluções democráticas
para a escolha do diretor, não admitindo um retrocesso para a escolha
pela via da simples nomeação por critério político-partidário. Em seu
estudo das eleições em Goiânia, Calaça conclui que, "em termos de
teoria e prática política, a adoçáo de eleição representa um avanço
para o processo de democratização. Ficou bastante evidente neste
estudo que a eleição foi uma conquista importante para os profissionais
da educação e significou um passo para o processo de democratização
da escola. Ficou claro, também, que a comunidade escolar não admite
a idéia da escolha de diretor voltar a ser feita pela via da indicação
política." (CALAÇA, 1993, p. 220)
Dados de Heemann e"Pucci dão conta de que, entre as seguintes
opções apresentadas como as mais adequadas para a escola do diretor:
"eleito diretamenten, "lista tríplice", "concurso", "cargo de confiança",
110
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETOR_ES
"outra", a maioria (73,6%) optou pela eleição direta, sendo a maior
percentagem nesta escolha por parte de alunos (81,7%) e a menor
entre funcionários (67,8%), É interessante observar que, entre os
professores, 71 ,2% optaram pela eleição direta e 13,5% por lista
E

tríplice, com um total de 84,7% optando por escolha que envolva


algum tipo de manifestação da população. Em contrapartida, apenas
10,4% optaram pelo concurso e 3,2% por cargo de confiança.
(HEEMANN; PUCCI, 1986, anexo 1, item 5) Esses dados contrastam
enormemente com os que foram obtidos na cidade de São Paulo, em
1991, em consulta feita entre os professores e especialistas da rede
municipal, em que cerca de 81% dos docentes preferiram a escolha
pela via do concurso. A hipótese que se pode levantar — sujeita,
obviamente, a estudos mais aprofundados que lhe possa Verificar a
validade — é a de que, em ambientes, como o da rede pública estadual
do Paraná, onde se faz presente a discussão política da democracia e
sua efetivação pela via do voto, os sujeitos estão mais propensos a
concordar com essa medida do que nos locais onde a existência do
sistema de concursos com aparência de justiça social tem eclipsado a
discussão a respeito de sua própria inadequação para atender às
necessidades políticas de democracia na escola.
Na verdade, uma consciência política mais desenvolvida e
voltada para os interesses de todos na escola, sem restringir-se ao
corporativismo estreito ou às imposições muitas vezes antieducativas
do Estado, só poderá desenvolver-se num ambiente escolar em que
todos possam conviver como sujeitos, com direitos e deveres
percebidos a partir da discussão aberta de todas as questões que afetam
a vida de todos na escola. Embora a simples existência da eleição de
diretores não tenha a possibilidade de instituir, por si só, esse ambiente
na escola, parece ceno que ela é uma prática que tem concorrido, de
alguma forma, para isso. Segundo Dourado, a partir da implementação
das eleições, em Goiânia, "professores, funcionários, pais e alunos,
começaram a discutir a escola que tinham e, em alguns casos, a
esboçar, ainda que preliminarmente, a escola que queriam"
(DOURADO, 1990, p. 128). Um membro da diretoria do Fórum
Paranaense em Defesa da Escola Pública, Gratuita e Universal, ouvido
111
40 IMPACTO — CONTRADIÇÓFS AVANÇOS

em entrevista, considera que o que houve de positivo com a eleição foi


"a abertura no debate sobre as questões educativas na escola,
envolvendo tanto a comunidade de dentro como a comunidade de fora.

Essa maior discussão e maior participação, especialmente de pais


e alunos, acaba contribuindo para que se dê, na escola, o desejado
VrroR

controle democrático do Estado por parte dos usuários de seus


serviços. Mello e Silva apontam como um dos resultados do novo
processo de seleçáo de diretores em Minas Gerais o "aumento da
capacidade de cobrança, tanto das escolas em relação à administração
central quanto dos pais em relação às escolas" (MELLO; SILVA,
1994, p. 30). Mencionam ainda a "quase impossibilidade de voltar aos
antigos métodos de indicação dos diretores escolares" e aponta o fato
de que se está "criando nas escolas uma cultura de que a direçäo exerce
um papel muito importante e deve responder, principalmente, à
comunidade escolar." (MELLO; SILVA, 1994, p. 30) No estado de
Mato Grosso do Sul, onde a eleição de diretores associou-se à
instalação dos colegiados escolares, Regina da Paixão constata que
algumas decisões tomadas também demonstraram mudanças na
postura tradicional de gestão da escola. As audiências solicitadas à
Secretaria de Educação passaram a ser feitas pelos colegiados e, em
algumas ocasiões, em conjunto com a Associação de Pais e Mestres
(APM). Constata-se, também, fortalecimento da ação colegiada à
proporção que certas irregularidades ocorridas na escola passaram a
ser encaradas com maior seriedade, havendo formalização de
denúncias e instalação de sindicâncias para averiguações e possíveis
correçôes. Desta forma, o poder compartilhado tem inibido a prática de
açóes irresponsáveis. (PAIXÃO, 1994, p. 114)
Esse procedimento de ser um colegiado e não o diretor
isoladamente a levar suas reivindicações aos escalões superiores da
Secretaria de Educação significa importante inversão na forma de
pressão da escola sobre as autoridades estatais, sobre cujos benefícios
me referi em trabalho anterior ao relevar a importância da gestão
112
HENRIQUE PARO — ELEIÇÃO DE DIRETOR_ES
colegiada na busca de melhor apoio para a escola, afirmando que é
mais difícil dizer «não" ao pedido da escola, "quando a reivindicação
não for de uma pessoa, mas de um grupo, que represente outros grupos
e que esteja instrumentalizado pela conscientização que sua própria
organização propicia" (PARO, 1987, p. 53). É interessante observar
como as declarações do ex-assessor da Secretaria de Educação do
Estado do Paraná, que durante todo um mandato governamental esteve
representando o Estado, também confirmam a hipótese de que a escola
ganha força diante do Estado quando não é apenas o diretor, mas um
grupo representativo a reivindicar. Perguntado sobre os avanços
representados pela eleição, assim responde o ex-assessor:
113
40 IMPACTO — CONTRADIÇÕES

Olha, alguns aspectos em muitas escolas avançou o seguinte (que a


gente lá na própria Secretaria sentia) : alguns problemas, algumas das
necessidades sentklas para a escola, vinham para a Secretaria discutir
o problema, não era o diætor,.. Quando o diretor não era atendido (era
esquecido) ele pegava "vamos lá, minha gente", pegava os professores,
os alunos, a comunidade e ia lá na Secretaria. Houve vários fatos
assim, e, inclusive, provavelmente isso af estava crescendo (eu não
quero dizer com todas as letras porque é apenas uma opinião) mas, que
estava crescendo realmente uma articulação da escola com a
comunidade ao ponto de eles tomarem... questionarem decisões
btnocráticas da Secretaria. Mas não questionarem assim isoladamente o
diretor, mas dizer "olha, quem está dizendo isso aqui é a escola inteira"
E a própria decisão da Secretaria sobre a escola... ela sabia que a escola
tinha uma vida própria, tinha uma organização própria, quer dizer,
certas decisões não passavam impunes na comunidade escolar. E o
diretor, em vez de se articular com outro diretor, ele se articulava com a
própria comunidade, com os pais, com os alunos e iam lá na
Secretaria (e dizia] "Olha, nossa situação é precária, precisamos
providências." E as próprias associações de pais e as próprias lideranças
estudantis, elas passaram a ser mais respeitadas. Por exemplo, o
aluno [passou a ser mais respeitado]. Esse foi o efeito claro, imediato,
que a gente sentia claramente assim, tanto assim que a contra-
argumentação "Agora o aluno está mandando na escola" era exatamente
porque o aluno ganhou força e o diretor sabia que a hora que ele era
autoritário com os alunos ele não tinha mais o mandato, ele não tinha
porque os alunos iam se articular e na hora da eleição ir jogar, divulgar
para todos o que estava acontecendo.
Certamente o impacto das eleições sobre a democracia na escola
ficou muito aquém do esperado pelos mais otimistas que queriam,
senão todos, pelo menos um grande número de pessoas, entre pais,
alunos, funcionários e professores, participando intensamente das
decisões da escola pública. O que se deu, na verdade, além da
ocorrência importantíssima de um novo clima de liberdade de
expressão e de uma maior consciência de direitos e deveres, foi que a
participação mais ativa ficou por conta de alguns poucos elementos
114114
HENRIQUE PARO ELEIÇÃO DE DIRETORES
mais persistentes em suas açóes. Mas, a lição importante a tirar parece
ser precisamente a respeito da importância de se contar com pessoas
que se dispõem a participar democraticamente, porque, mesmo
contando com reduzido número de adeptos atuantes, a prática
democrática tem conseguido imprimir uma nova qualidade nos rumos
das açöes desenvolvidas no interior da escola. Embora não se deva
contentar com isso como ideal último para a democracia, talvez essa

situação esteja de acordo com o pensamento de R. H. S. Crossman a


respeito das minorias democráticas. Diz ele:
Em última o êxito das instituições democráticas depende da existência
de uma minoria de aüvos e æsponsáveis democratas que as rmva. Ern
qualquer sistema a maioria sempre integrará um condescendente 'Þnto
central de suavidade", que deixa a responsabilidade a uma minoria
ativa. Numa ditadura, tal minoria se transforma numa classe dirigente
ou numa elite privilegiada. Porém, isto não acontece numa democracia.
A minoria ativa de democratas não goza de nenhum privilégio nem é o
amo do público, mas sim é um servidor do público, o crítico, o que
apresenta objeçöes conscientemente e, por vezes, é o edificador de uma
organização voluntária apolítica. Todos estes tipos diferentes de
democratas ativos têm duas coisas em comum: um forte sentimento
individual de resll)nsabilidade pública e uma tolerância cétka. Se eles
existem em número suficiente, a democracia está assegurada.
(CROSSMAN, 1980, p. 228)

3 A NOVA SITUAÇÃO DO DIRETOR


Passar de uma situação clientelista, onde o que vale é o critério
político-partidário, para uma situação de escolha democrática,
legitimada pela vontade dos sujeitos envolvidos na situação escolar,
faria supor, para muitos, mudanças significativas no perfil do diretor da
escola pública básica. Entretanto, se assim aconteceu, isto não foi
percebido de modo inequívoco pelos que compartilham de alguma
forma o espaço escolar. Como já foi referido no item I deste capítulo, o
processo de escolha é apenas um dos múltiplos determinantes a influir
na maneira de gerir a escola e, em especial, no modo de agir do próprio
115
40 IMPACTO — CONTRADIÇÓFS AVANÇOS

diretor. Além disso, se, por um lado, a eleição pressupõe mudanças de


condutas do diretor (movidas, especialmente, pelo compromisso que a
eleição provoca com os eleitores), por outro lado, os inúmeros
problemas da gestão escolar, que permanecem, contribuem para
dificultar a percepção das mudanças ocorridas. Isto sem falar em
problemas novos que surgem em substituição a antigos. Um desses
novos problemas é referido por Castro et al. quando apresentam as
dificuldades do novo diretor para ter acesso aos órgãos centrais do
sistema escolar:
Quando o sistema era clientelístico, o diretor era escolhidocom base
em critérios políticos e tinha uma forna de relacionamento baseada
nesta indicação política.Com a eleição de diretores, isto se modifica e o
velho sistema entra em
E

desuso, mas uma nova forma de relacionamento está em processo de formação e


assim o diœtor eleito tem muito menos acesso às fontes de poder— a de thras do
Estado e aos contactos tradiciornis. O diretor eleito enfrenta, além de todas as
dificuldades inerentes à função, a de construir uma nova forma de
relacionamento com os órgãos num breve período de mandato. Isso
ocorrerá até que a eleição de diretores esteja reguhmentada a nÑel estadual e um
novo processo de relacionamento entre a escola e os órgãos superiores se
estabeleça e se solidifique. (CASTRO et al., 1991, p. 101)
Em Holmesland et al. (1989, p. 132 et seq.), encontram-se
evidências de que, apesar da eleição, o diretor continua numa situação
de dubiedade entre o poder do Estado e as reivindicações da escola.
Dizem as autoras que 't a posição do diretor eleito é imprecisa, dúbia e
de 'senhor e servo da ambigüidade"' (p, 132). O depoimento de um
diretor a respeito dessa questão é sintomático: "A pessoa que assume
uma direçäo, o professor, ele tem obrigação com o sistema, mas de
repente o sistema fere a tua classe. E agora, para que lado tu vais?
Então a gente tenta achar o bom senso, tenta ajeitar com o professor,
ajeitar o sistema e a gente fica no meio. É muito difícil, eu considero as
outras direçöes mais fáceis. Elas recebiam orientações, impunham, está
acabado." (HOLMESLAND et ai., 1989, p. 132-133)
116116
HENRIQUE PARO ELEIÇÃO DE DIRETORES
Não deixa de ser reveladora essa declaração porque, afora a
evidência da contradição, mostra que esta se deve ao processo
democrático de escolha do diretor. Ora, esta é precisamente uma
qualidade que se busca com a instituição da eleição: que as
contradições venham à tona e, no caso do diretor, que este seja,
pelo menos em parte, desarticulado do poder autoritário do
Estado e se articule com os interesses da escola. O tema aparece
também no depoimento de outro diretor
O diretor de escola, ele é um tipo de marisco entre o rochedo e o mar.
( ...l É muito fácil prometer coisas, mas no momento que tu assumes o
cargo... Têm coisas implícitas no teu cargo e uma delas diz o seguinte
que é cumprir as leis superiores, emanadas de órgãos superiores. Isso tu
não podes fugir. Caso tu desobedeças, estás rigorosamente enquadrado
dentro das penalidades da lei. Então, se tu desobedeces uma coisa, o
corpo docente fica beneficiado, agora, o teu nome, toda a tua posição, tu
podes perder num ato mal pensado. [ ...l O discurso é um, a prática é
bem outra, a gente não pode prometer aquilo que não pode cumprir; a
gente só pode prometer aquilo que está previsto em lei.
(HOLMESLAND etal., 1989, p. 133)
117
HENRIQUE PARO— ELEIÇÄo DE DIRErORËS
VITOR

Mas parece que o diretor consegue perceber melhor, agora, sua


situação contraditória pelo fato de ser mais cobrado pelos que o
elegeram. Este é um fato novo que não pode ser menosprezado. A sua
condição de responsável último pela escola e de preposto do Estado no
que tange ao cumprimento da lei e da ordem na instituição escolar,
soma-se agora seu novo papel de líder da escola, legitimado
democraticamente pelo voto de seus comandados, que exige dele um
maior apego aos interesses do pessoal escolar e dos usuários, em
contraposição ao poder do Estado. Isso serviu para introduzir mudanças
na conduta dos diretores eleitos, que passaram a ver com maior cuidado
as solicitações de professores, funcionários, alunos e pais. O membro da
diretoria do Fórum Paranaense em Defesa da Escola Pública, Gratuita e
Universal, do Paraná, considera que, se a eleição não mudou o papel do
diretor, pelo menos o afetou, servindo para quebrar "a marca autoritária
presente na relação entre a direção da escola e o corpo docente, discente
etc. etc." Considera ele que houve uma maior proximidade entre diretor
e professores bem como com funcionários, alunos e pais e cita como
exemplo a maior facilidade e possibilidade de existência dos grêmios
estudantis, que eram muito

dificultados anteriormente e que passaram a ser vistos com maior


simpatia por parte da direção-
Uma evidência da maior aproximação do diretor com o corpo
docente foi sua mudança de atitude com relação aos movimentos
grevistas dos professores. Holmesland et a]. assim se referem à postura
dos professores no Estado do Rio Grande do Sul: "O sentimento de
não cooptação por parte dos diretores parece ser bastante forte e se
tornou mais evidente por ocasião das greves gerais de magistério. No
Rio Grande do Sul os diretores tomaram o partido dos professores e
foram juntos à praça pública. Por essas razões a hierarquia do sistema
de ensino tenha, talvez, se sentido ameaçada, percebendo a eleição
como um fator desestruturante de sua posição de poder."
(HOLMESLAND et ai., 1989, p. 164)
118118
HENRIQUE PARO ELEIÇÃO DE DIRETORES
Antes, era praxe o diretor nomeado encaminhar listas com os
nomes dos professores em greve sempre que solicitado pelas auto
ridades superiores do sistema. Com a eleição do dirigente escolar, essa
prática passou a ser questionada e negada pelo diretor, que passou a
E

reivindicar um melhor tratamento dos governos aos movimentos


grevistas. Um exemplo típico dessa nova postura é relatado por
Calaça, referindo-se à greve no sistema municipal de ensino de
Goiânia no início do segundo semestre de 1983;
Nesse confronto aberto, o prefeito contava apenas com o apoio de um
bloco pequeno de vereadores que exigia dele a demissão imediata dos
grevistas. Já os 83 diretores, na condição de eleitos pela comunidade
escolar posicionaram se contra a decisão do prefeito Nion e defendiam o
diálogo; alguns vereadores e a Secretária da Educação cobravam do
Prefeito as promessas de palanque do PMDB e o
pressionavam para resolver o impasse que ele próprio criou.
(CALAÇA, 1993, p. 74)
Em Santa Catarina, em 1987, conforme relatado por Leal e Silva, os
diretores assumem posição semelhante, ao emitirem o chamado "Manifesto
dos Diretores das Escolas Estaduais de Santa Catarina", resultante de
assembléia realizada em 4 de junho, em Florianópolis: Outro aspecto que a
leitura do Manifesto e da ata da assembléia revela é a posição de mediadores
que os diretores parecem assumir. Colocam-se numa clara posição de defesa
dos professores e de seus direitos, na medida em que consideram suas
reivindicações justas e legítimas e decidem não encaminhar, às instâncias
superiores, as listas com os nomes dos professores grevistas, solicitadas pelo
governo.Ao mesmo tempo, exercem pressão sobre o governo para que apresse
os entendimentos com as associaçöes, cumpra a legislação em vigore não
puna os professores em greve. (LEAL; SILVA, 1987, p. 71-72)
Todavia, parece que a nova situação ainda não teve a qualidade de dotar
o diretor e a escola de um novo poder de barganha diante do próprio Estado.
As mesmas autoras, a propósito da posição dos diretores diante do Estado na
questão das greves, ponderam mais adiante: Pode-se concluir, da análise da
situação dos diretores nesta questão específica da greve, que o simples fato
de os diretores de escola serem eleitos rompeu com algumas práticas nefastas
para as escolas — como o era a sua indicação a partir de interesses
partidário-clientelísticos — mas ainda não permitiu a construção de relações
rmras, entre a cúpula dirigente do sistema de ensino e a
119
4 0 IMPACTO CONTRADIÇÓFS AVANÇOS

sua base, de modo a substituir ou arnenizar as relações de caráter


esffitamente burocrático, acentudas nas últirrns décadas de regime autoritário.
(LEAL; SILVA, 1987, p. 74)
De qualquer forma, o ter conseguido uma nova postura pelo
menos do diretor é uma conquista do processo eletivo que não se
deve menosprezar. Além disso, há indícios de que os próprios
diretores consideram a nova situação mais positiva para a
administração da

escola. Perguntados sobre o efeito das eleições na administração da


escola, os diretores eleitos nos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio
Grande do Sul, pesquisados por Holmesland et a]. responderam, em
sua maioria (59,6%), que a eleição facilitou a situação do diretor,
enquanto apenas 13,9% consideraram que tal situação foi dificultada
pelas eleições. (HOLMESLAND et ai., 1989, p. 164)
E interessante observar que a eleição de diretores não apenas traz
novas determinações ao papel do diretor, mas, em muitos casos,
possibilita o acesso ao cargo a um novo Contingente de professores

que, pelo critério da nomeação clientelista, dificilmente viriam a se


tornar dirigentes escolares. O que se observa também é que o antigo
diretor era mais identificado com as obrigações burocráticas e não
tinha um passado de escolha livre por seus comandados como estímulo
para defender mecanismos democráticos como passa a ter o diretor
eleito. As educadoras da Equipe de Organização da Gestão
Participativa da

Secretaria Municipal de Educação de Vitória identificam uma


mudança no próprio discurso dos diretores, que passaram a defender a
democracia, a eleição e os conselhos de escola, sendo essa mudança
bastante significativa quando comparada com a oposição que os
diretores nomeados faziam a essas idéias.
120120
HENRIQUE PARO ELEIÇÃO DE DIRETORES
Com a menor preocupação com as questões mais propriamente
burocráticas, ganha espaço na pauta de ocupações do diretor a atenção
ao pedagógico. O ex-assessor da Secretaria de Educação do Estado do
Paraná, falando sobre sua experiência, declara;
De cena forma, era muito mais característico o alheamento anterior do
diretor em relação às questões pedagógicas. Ele permanece (isso aí eu
acho que é da cultura da direçäo, realmente desvincular o burocrático [do
pedagógico)), essa cultura ainda é de certa forma arraigada na escola,
mas eu diria que o envolvimento, a participação no processo de escolha,
realmente o diretor autoritário e o burocrata, ou aquele que só se ligava ao
govemo e vivia de costas para sua comunidade escolar; aquele que só
dava prioridade na escola para as questões burocráticas, realmente eles
tiveram que mudar essa postura com a eleição, porque, na realidade, o
professor, os professores que sentem em sua pele esse afastamento do
diretor da questão pedagógica eram os críticos e eu os ouvia muito dizer
"Puxat (,..l agora o novo diretor é nosso, agora que nós escolhemos, é dos
nossos, ele cuida da questão pedagógica." Então, isso a gente sentia
muito após a eleição, que um critério de articulação para a escolha do
diretor era exatamente a pessoa identificada com a questão pedagógica.
121
40 IMPACTO — CONTRADIÇÕESE AVANÇOS

Essa observação é muito importante porque acena para uma nova


orientação na prática diretiva escolar, que deixa de identificar-se com
uma práxis "burocratizada" no sentido que lhe dá Adolfo Sánchez
Vázquez (1977, p. 260 et seq.), de prática reiterativa como um fim em
si mesma, passando a constituir-se em prática mediadora que, em seu
caráter administrativo de "utilização racional de recursos para a
realização de fins determinados" (PARO, 1986, p. 18), instrumentaliza
a consecução dos objetivos educativos da instituição escolar.

4 SOBRE A QUANTIDADE E A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO


Se se admite que a preocupação básica da escola pública deve ser
a universalização do saber, então a principal prova da relevância de
qualquer inovação que se promova no sistema educacional deve passar
pela verificação de sua capacidade de contribuir para tornar realidade
esse objetivo. Com relação à eleição de diretores, trata-se, portanto,
de saber em que medida sua introdução tem propiciado o incremento
da quantidade e da qualidade da educação escolar oferecida.
No que concerne à quantidade, a questão tem a ver com a
expansão da oferta de vagas e de escolas com condições satisfatórias de
funcionamento. O papel da eleição de diretores nesse assunto parece-
me ligado a dois pontos essenciais. Preliminarmente, trata-se de
saber em que medida as eleições afetam a produtividade do sistema,
em especial, da unidade escolar, tornando-o mais eficiente na busca de
seus objetivos, com menor dispêndio de recursos e de esforço. A esse
respeito, não obstante depoimentos que dão conta de uma melhoria no
clima organizacional, propiciando relações mais transparentes entre
os envolvidos, nada há que permita afirmar terem as modificações
alcançado uma maior racionalização do trabalho, propiciadoras de uma
economia de esforços e recursos que poderiam ser endereçados à
expansão dos serviços.
O segundo ponto a que se relaciona a eleição em termos do
incremento da quantidade do ensino oferecido refere-se a sua
capacidade em propiciar condições para uma participaçä0 mais
efetiva da população no controle do Estado, com vistas a exigir
122
HENRIQUE PARO— ELEIÇÃO DE DIRETORES
vagas em quantidades compatíveis com suas necessidades.
Quanto a isso, não
VITOR

há dúvida de que as eleições, como instrumento de democratização,


tendem a contribuir para uma maior particiÞaçäo dos usuários nas
tomadas de decisões que dizem respeito à escola e ao ensino.
Entretanto, ela é apenas um dos elementos democratizadores que,
como temos visto, não pode ser considerado, sozinho, como tendo a
propriedade de promover a desejada participação da população na
tomada de decisões na escola em níveis e intensidades capazes de
produzir as mudanças necessárias.
Em trabalho anterior (PARO, 1995b), em que examinava as possi
bilidades e obstáculos da participação da comunidade na gestão da
escola pública, tive a oportunidade de enfatizar os determinantes
internos e externos dessa participação. Entre os internos, colocam-se os
condicionantes institucionais, dos quais a escolha do diretor, embora
de grande importância, não pode deixar de ser relacionada com outros
elementos da estrutura organizacional da escola e, para efeito de
medidas tendentes à democratização da gestão escolar, especialmente
com a maneira como se dá a distribuição da autoridade e do poder em
tal instituição. Em face da estrutura hierarquizada e burocratizada que
costuma conformar a escola pública, há que se atentar para os efeitos e
relações que o processo eletivo pode manter com outras medidas que
visem a transformar tal estrutura. Destacam-se aqui as que se referem
criação e implementação de mecanismos de ação coletiva no interior
da escola, como os grêmios estudantis, as associações de pais e
professores e especialmente os conselhos de escola deliberativos. Da
mesma forma, exercem importante influência na participação as
relações que a escola mantém com os órgãos superiores do sistema, o
que aponta para a questão específica de sua autonomia enquanto
instituição.
Ainda com relação aos determinantes internos, além dos
institucionais é preciso considerar os condicionantes político-sociais,
os condicionantes materiais e os condicionantes ideológicos. Os
condicionantes político-sociais dizem respeito aos interesses
123
40 CONTRADIÇÕES AVANÇOS

contraditórios dos grupos que se relacionam no interior da escola


(professores, direção, demais funcionários, alunos e pais), Quanto a
esses interesses, ganha relevo, por um lado, a maneira como são vistas
medidas que visem à democratização do poder na escola, em
particular a eleição de diretores e, por outro lado, a forma como se
encaminham
IM E

medidas tendentes a explicitar e atender os vários interesses imediatos


em jogo, de forma articulada com os interesses dos usuários do ensino
publico. Os condicionantes materiais dizem respeito às condições
objetivas de trabalho e de desenvolvimento das atividades no interior
da unidade escolar, tendo em vista o cumprimento dos objetivos
pedagógicos da instituição, e ganha importância na medida direta em
que a democratização da gestão escolar é vista como mecanismo de
busca coletiva de melhoria em tais condições e de pressão diante do
Estado para a conquista de tal melhoria. Os condicionantes ideológicos
da participação, entendidos como o conjunto de crenças e concepções
sedimentadas historicamente na personalidade de cada indivíduo, e que
movem práticas e comportamentos reforçadores ou violadores da
autonomia do outro (PARO, 1992, p. 45; 1995b, p. 304), trazem à tona
pontos importantes para serem relacionados com o tema da
democratização da escolha dos dirigentes escolares, que dizem respeito
tanto à questão pedagógica (como, por exemplo, O próprio processo
ensino-aprendizagem e o problema da avaliação, com a conotação
repressiva e culpabilizadora do aluno que esta geralmente assume)
quanto à questão do relacionamento, quase sempre preconceituoso,
entre pessoal escolar e membros da comunidade.
Com relação aos determinantes imediatos da participação
externos à escola, é preciso considerar:
l) as reais condições de vida da população e a medida em quetais
condições tempo, condições materiais e disposição pessoal para
participar; 2) a visão das pessoas sobre a viabilidade e a possibilidade da
participação, movidas por uma visão de mundo e de educação escolar
que lhes favoreça ou não a vontade de participar; 3) os mecanismos
coletivos, institucionalizados ou não, presentes em seu ambiente social
124
HENRIQUE PARO— ELEIÇÃO DE DIRETORES
mais próximo, dos quais a população pode dispor para encaminhar sua
ação participativa, (PARO, 1995b, p, 2 73)
Obviamente, todos esses determinantes apresentam
relevância significativa na promoção da participação da
população usuária na escola, tendo em vista o controle
democrático do Estado na reivindicação pela expansão de seus
serviços. Daí porque não se pode esperar que a mudança no
processo de escolha do diretor possa dar conta, sozinha, de
provocar uma participação da população usuária que, como
resultado de sua pressão, redunde em incremento da quantidade
do ensino oferecido.
125
HENRIQUE PARO ELEIÇÃO DE DIRETORES
VrroR —

Com relação ao efeito das eleições de diretores sobre a qualidade


do ensino, dois pontos fundamentais da questão precisam ser levados
em conta. Em primeiro lugar, é preciso considerar que, na atual
situação de precariedade no funcionamento da escola pública, não será
uma medida isolada, por mais importante que seja, que terá condições
de provocar uma melhoria na qualidade da educação que seja
percebida a curto prazo. Fatores como a falta de recursos de toda
ordem nas escolas (material didático, equipamentos, laboratórios,
merenda etc.) as insatisfatórias condições de trabalho do professor
(baixos salários, classes abarrotadas de alunos etc.), a baixa
qualificação de professores e a inadequada organização didática e
curricular da escola não são passíveis de se solucionarem apenas
porque se adotaram as eleições como critério de escolha do diretor.

Por isso, muito raramente se encontram pessoas que identificam


melhoria da qualidade do ensino a partir da adoção das eleições, como
é o caso de um pai de aluno entrevistado em Vitória que afirma que, a
partir da eleição, os pais sempre têm feito cobrança aos profissionais,
participando com eles de reuniões, e isto tem feito com que melhore a
qualidade do ensino.
a gente participa de reuniões pedagógicas até com os próprios profissionais,
I Então, a gente quanto conselheiro está questionando porquê de
repetência, porquê de nota baixas I o porquê dessas notas baixas, que
que tá havendo isso. Se é um problema do profissional, se é um
problema da criança, se um problema da família; onde está esse erro que
não está havendo esse aproveitamento melhor desse aluno. E a gente tem
percebido também, nessas reuniões dentro da escola, de que os
profissionais, uns profissionais, ainda não perceberam que o conselho de
escola está ali justamente pra isso. A gente ainda consegue pôr alguma
resistência do magistério com a presença dos conselheiros nesse tipo de
reuniões. Eles resistem justamente porque eles não querem estar sendo
vigiados pelos conselheiros. Os profissionais de um modo geral, eles não
gostam da participação dos pais dentro da escola. Agora, também tem
o outro lado. Não basta só estar cobrando do profissional. Os pais
126
também têm que estar-se preparando pra fazer cobrança também de seus
filhos em casa.
Todavia, as mudanças detectadas por esse pai não se deram em
função apenas da eleição de diretores, mas também como efeito de
outras medidas com as quais ela foi conjugada. Segundo as
componentes da Equipe de Organização da Gestão Participativa, a
insti-
IMPACro — CONTRADIÇÖFS E

tucionalização das eleições em Vitória deu-se ao mesmo tempo que a


do conselho de escola, e foi um momento de valorização da educação
pública, com medidas de melhoria das condições de trabalho na escola
(salariais, jornada de trabalho, material didático, merenda).
O segundo ponto fundamental a ser considerado quando se
examina a questão da relação entre eleição de diretores e a qualidade
da educação oferecida refere-se ao próprio entendimento que se tenha
dessa qualidade. Se se parte de uma compreensão da educação escolar
como um processo que não se desenvolve apenas nas salas de aula nem
se reduz à aquisição de conteúdos, mas que, mais do que isso, perpassa
todas as relações sociais que se dão na escola e inclui a apropriação de
valores de cidadania e o desenvolvimento de comportamentos
compatíveis com a colaboração recíproca entre os homens, então,
parece inquestionável que a adoção das eleições de diretores
contribuiu para a melhoria da qualidade do ensino na escola pública.
Na verdade, a introdução da eleição implica uma mudança
radical na anterior concepção a respeito do papel das próprias pessoas
envolvidas na vida da unidade escolar. Ao prescindir da intervenção
do pessoal escolar e dos usuários para decidir sobre quem dirigiria a
escola, esses personagens eram tratados apenas como objeto das
decisões do Estado ou da burocracia estatal. A introdução da eleição
os eleva à condição de sujeitos desse processo, e isto não é pouco em
termos de avanço no relacionamento pessoal. Nas entrevistas
realizadas, foram constantes as referências a uma melhoria no
relacionamento humano entre direçäo e pessoal escolar e entre a
escola e os usuários. Professores e demais funcionários sentiram-se
mais à vontade para dialogar com um diretor que saiu de seu meio,
127
40 AVANÇOS

escolhido pela escola, e não imposto pelos escalões superiores do


sistema escolar. O próprio diretor teve de reconhecer uma nova
realidade no relacionamento com todos, ao reconhecer neles os
responsáveis por seu cargo, Pais e alunos passaram a se sentir mais à
vontade, não apenas para perguntar e inteirar-se melhor do que
acontece na escola, mas também para experimentar um novo padrão de
relacionamento com a direçäo, com funcionários e com professores.
Na medida em que, em educação, não se pode separar
método de conteúdo, os padrões mais avançados de
relacionamento e
VITOR HENRIQUE PARO — ELErçA0 DE DIRETORF.S

convivência entre os envolvidos passam a fazer parte integrante do


conteúdo educacional que se realiza em um ambiente escolar mais
democrático, mais dialógico, portanto de melhor convivência humana.
Nisto consiste, sem dúvida, a melhoria da qualidade da educação
propiciada por um componente democrático na vida da escola pública,
como é a eleição de diretores.
CONCLUSÕES

1
conveniência de um diretor com a função de controlar
externamente o trabalho das pessoas envolvidas no processo
escolar pode ser contestada — como pretendo fazer mais
adiante, à luz da própria especificidade da instituição escolar.
Todavia, nos sistemas de ensino em que essa existência é um
fato, parece que a eleição é a forma de escolha de dirigentes
escolares mais compatível com a luta por uma escola básica de
qualidade e acessível ao maior número de pessoas,
Os que defendem a nomeação política alegam que a eleição é
antidemocrática porque subtrai ao Estado (representado pelo governo
eleito) a prerrogativa de nomear seus auxiliares, contrariando, assim, a
vontade do próprio povo que elegeu O governante, ao impor ao
Estado a vontade dos usuários e servidores da escola. Essa alegação
não se sustenta porque toma o Estado como um fim em si mesmo, es
tranhando que o interesse da população é que deve conformar sua ação.
Além disso, ao confinar a manifestação desse interesse às eleições
periódicas de governantes e legisladores (âmbito da democracia
política), ignora os mecanismos de construção da democracia social
(BOBBIO, 1989), que prevêem o controle democrático do Estado pela
população. Um conceito moderno de democracia, que não se restringe
aos estreitos limites da democracia política, toma, em vez disso, a
democracia social como parâmetro para justificar precisamente as
VrroR ELEIÇÃO

medidas, como a eleição de diretores, que contribuem para que o


Estado desempenhe de forma mais completa sua função de mediação
social a serviço da população ao ser por esta controlado na prestação
129
CONCLUSÕES
de seus serviços. Controlar o Estado não é ir contra a população que
elegeu os governantes. É, antes disso, ir contra os que, detentores do
poder estatal, não se fazem representantes da população que os elegeu.
A eleição de diretores escolares, nesse sentido, é um meio eficaz de
servidores e usuários, por meio de sua participação política,
concorrerem para que o Estado, inteirado de seus interesses, possa
agir de acordo com eles e não a sua revelia.
Os que defendem o concurso público como meio privilegiado de
escolha de diretores, por oposição à eleição, incorrem no equívoco de
pretender dar um tratamento meramente técnico a urna questão que é
de natureza preponderantemente política. O concurso é recurso
imprescindível para selecionar bons educadores escolares que estejam
familiarizados minimamente com os fundamentos teóricos da
educação, que dominem os conteúdos científicos e culturais de sua
área de ensino, que saibam ensinar bem esses conteúdos e que
conheçam a realidade da escola pública onde vão atuar. Mas esses são
também os requisitos técnicos que se exige de um bom diretor. A partir
daí, o que ele precisa é de aptidão política para poder, juntamente com
os demais servidores da escola e em consonância com os interesses da
população usuária, não apenas gerir a unidade escolar, mas tudo fazer
para que o Estado lhe forneça os recursos e as condições necessárias
para seu bom funcionamento.

2
Embora haja experiências localizadas que remontam à década de
1960, a reivindicação da escolha de diretores escolares por meio de
processo eletivo, em âmbito nacional, é um fenômeno que se inicia no
começo da década de 1980, no contexto do movimento de rede
mocratização política do país. Em vários estados, iniciam-se processos
de eleição de diretores escolares na primeira metade dessa década,
com a ascensão dos primeiros governadores estaduais eleitos após a
ditadura iniciada em 1964. Em 1989, vários estados inscrevem em suas
constituições a obrigatoriedade da eleição como critério de escolha dos
diretores nas escolas públicas. Entretanto, já ao final da década de
1980 e início da de 1990, verifica-se certo refluxo das eleições em
130
HENRIQUE PARO — DE DÎRËTORES
alguns estados, produto da ação de governos pouco comprometidos
com a democracia, que entram com Açóes Diretas de
Inconstitucionalidade contra as eleições, com a clara intenção de
proteger seus interesses político-partidários identificados com práticas
clientelistas.
Apesar disso, porém, a adoçäo de processo eletivo como critério
para escolha de diretores expande-se em todo o país, fazendo-se
realidade em grande número de municípios e em estados onde antes
vigorava a nomeação política. Em alguns sistemas que já haviam
experimentado a escolha democrática dos diretores, como o Estado do
Paraná e o Distrito Federal, os governadores eleitos em 1994 voltam a
introduzir a eleição direta, em cumprimento a suas plataformas de
governos ou a promessas feitas em suas campanhas eleitorais. O fato,
aliás, de os políticos passarem a inscrever em suas plataformas
eleitorais o compromisso com a eleição de diretores indica sua
sensibilidade para algo que passou a fazer parte dos desejos da
população. E este parece ser mais um resultado positivo do movimento
em torno da eleição de diretores que se verificou a partir de inícios da
década de 1980: o de inscrever-se no imaginário da população a
escolha democrática de diretores escolares como um valor positivo e
como um direito a ser reivindicado.
Por outro lado, o fato de governos conservadores e pouC0
interessados na melhoria do atendimento escolar movimentarem-se de
forma incisiva contra a eleição de diretores em alguns dos sistemas em
que ela foi instituída, indica que a mesma constitui importante recurso
para pressionar o Estado a cumprir suas obrigações com respeito à
educação escolar. Ou seja, na medida em que governos claramente
descomprometidos com o fortalecimento do ensino sentem-se
incomodados com uma medida, deduz-se que esta tem, de alguma
forma, logrado algum efeito no sentido contrário.

3
Como toda inovação, a eleição de diretores provocou, nas
pessoas envolvidas, um conjunto de expectativas que não
puderam
131
CONCLUSÕES
VITOR ELEIçÄo

ser satisfeitas por estarem fora do alcance de suas


potencialidades. A aspiração de que, com a introdução da
eleição, as relações na escola se dariam de forma harmoniosa e
de que as práticas clientelistas desapareceriam mostrou-se
ingênua e irrealista, posto que a eleição de diretores, como todo
instrumento de democracia, não garante o desaparecimento dos
conflitos: constitui apenas uma forma de permitir que eles
venham à tona e estejam ao alcance da açäo das pessoas e grupos
para resolvê-los. Democracia não é panacéia: é apenas um meio
— o mais avançado, socialmente, até hoje criado pelos homens
— a partir do qual indivíduos e grupos põem-se em relação para
encaminharem, de forma civilizada e autônoma, a solução de
seus problemas.
Também os que esperavam que a eleição de diretores provocasse
mudanças substanciais na escola em direção ao incremento da
qualidade e da quantidade do ensino oferecido sentiram-se frustrados
diante dos resultados verificados. A atua] situação de precariedade da
escola pública só poderá ser superada a partir de forte vontade política
dos governantes, que se concretize na necessária atenção para com o
ensino e no provimento dos recursos imprescindíveis para a realização
de uma escola pública de qualidade. A esse respeito, a eleição de
diretores não tem o imediatismo que muitos desejariam. Seu papel é
apenas o de contribuir para que a população possa contar com um
recurso que lhe possibilite exercer alguma pressão sobre o Estado para
que ele atue na direçäo desejada. Em síntese, a razão determinante da
opção pela eleição como mecanismo de seleçáo de diretores é a crença
de que, por um lado, pode-se escolher um profissional que se articule
com os interesses da escola, e por outro, o próprio método de escolha
condiciona, em certa medida, seu compromisso, não com o Estado,
como fazem as opções do concurso e da nomeação, mas com os
servidores e usuários da escola. Mas, por mais importante que seja
esse comprometimento — porque deixa aberta a possibilidade de o
132
HENRIQUE PARO — DE DÎRËTORES
diretor, articulando-se com usuários e servidores, pressionar o Estado
ele é apenas um recurso para melhorar a escola, não uma certeza de
sua melhoria. Tudo dependerá do jogo de forças envolvidas, que não
é função, obviamente, apenas da eleição do diretor.

4
O reconhecimento do processo eletivo na escolha dos dirigentes
escolares como medida importante na democratização da escola não
pode obscurecer a percepção de seus limites e a consciência de que o
autoritarismo hoje presente na escola pública é produto de um
conjunto de determinantes que só poderão ser convenientemente
atacados quando se conjugarem, ao processo eletivo, mudanças
profundas na própria estrutura da escola e nas relações que aí se
desenvolvem.
Sem a pretensão de aprofundar esse assunto na dimensão que sua
importância requer, julgo relevante fazer algumas considerações que
possibilitem, pelo menos, o vislumbre de ultrapassagem da questão
particular (processo eletivo) para a mais ampla (transformação da
escola pública em instância integralmente democrática) l . Para pensar
essa transformação, parece-me adequado ter presente a idéia da
instituição escolar perpassada em sua organização e funcionamento
pelas concepções de democracia e de pluralismo, nos termos em que
Bobbio entende a democracia moderna: "A teoria democrática toma em
consideração o poder autocrático, isto é, o poder que parte do alto, e
sustenta que o remédio contra este tipo de poder só pode ser o poder
que vem de baixo. A teoria pluralista toma em consideração o poder
monocrático, isto é, o poder concentrado numa única mão, e sustenta
que o remédio contra este tipo de poder é O poder distribuído."
(BOBBIO, 1989, p. 60)
Com base nesses princípios, é preciso começar por rever o próprio
papel do atual diretor da escola pública de ensino básico no Brasil.
Hoje, como "responsável último pela escola" e diante das inadequadas
condições de realização de seus objetivos, o diretor acaba sendo O
133
CONCLUSÕES
culpado primeiro pela ineficiência da mesma, perdido em meio à
multiplicidade de tarefas burocráticas que nada têm a ver com a busca
de objetivos pedagógicos. Dotado de toda autoridade2 para mandar e

I Os próximos parágrafos constituem forma ligeiramente modificada do que apresento


em Paro (1995a, p. 5).

2 Weber considera a autoridade como ga probabilidade de que um comando ou ordem


especifica seja obedecido" (WEBER, 1967, p. 17).
134
HENRIQUE PARO — DE DIRETORES
VrroR ELEIÇÃO

desmandar, mas sem nenhum poder 4 para fazer atingir os objetivos


educativos, o diretor de hoje, por mais bem-intencionado que seja, é
levado a concentrar em suas mãos todas a decisões, acabando por
mostrar-se autoritário e ser visto por todos como defensor apenas da
burocracia e do Estado. E de pouco adianta, como tem mostrado a
prática, um conselho de escola, por mais deliberativo que seja, se a
função política de tal colegiado fica inteiramente prejudicada pela
circunstância de que a autoridade máxima e absoluta dentro da escola é
um diretor que em nada depende das hipotéticas deliberações desse
conselho, e que tem claro que este não assumirá em seu lugar a
responsabilidade pelo (mau) funcionamento da escola.
É preciso, por isso, libertar o diretor de sua marca antieducativa,
começando por redefinir seu papel na unidade escolar. À escola não
faz falta um chefe, ou um burocrata; à escola faz falta um colaborador,
alguém que, embora tenha atribuições, compromissos e
responsabilidades diante do Estado, não esteja apenas atrelado ao seu
poder e colocado acima dos demais. Para que isso aconteça, é preciso
pensar na substituição do atual diretor por um coordenador geral de
escola que não seja o único detentor da autoridade, mas que esta seja
distribuída, junto com a responsabilidade que lhe é inerente, entre
todos os membros da equipe escolar.
A título de sugestão, pode-se pensar na direçäo da escola sendo
exercida por um colegiado restrito, com até quatro membros, para
proporcionar maior agilidade nas decisões. Nesse conselho diretivo, o
coordenador geral não teria, em conseqüência, o papel que
desempenha hoje o diretor, sendo apenas um de seus membros que,
com mandato eletivo, assumiria por certo período a presidência desse
colegiado, dividindo com seus membros a direção da unidade escolar.
Isto implicaria ser o conselho diretivo, e não seu presidente, o
responsável último pela escola. Além do coordenador geral, faria parte

4 Para Weber, poder significa a probabilidade de impor a própria vontade, dentro


U

de uma relação social, mesmo contra toda resistência e qualquer que seja o
fundamento dessa probabilidade" (WEBER, 1979, p. 43),
135
CONCLUSÕES
um coordenador pedagógico, um coordenador comunitário e um
coordenador financeiro. Nessa composição, embora a tomada de

decisões fosse coletiva, cada um teria maior responsabilidade sobre os


assuntos de sua área. Ao coordenador geral estariam mais ligadas as
questões relativas ao desempenho do pessoal, às atividades-meio e à
integração dos vários setores da escola; ao coordenador pedagógico
caberia cuidar mais das atividades-fim, preocupado com a situação de
ensino e tudo O que diz respeito diretamente a sua viabilização; o
coordenador comunitário cuidaria mais de perto das medidas
necessárias para promover o envolvimento da comunidade, em
especial os usuários, na vida da escola; e ao coordenador financeiro
estariam subordinadas as questões relativas à aplicação dos recursos
disponíveis bem como a parte escritural da unidade escolar.
Os coordenadores escolares seriam recrutados na própria uni
dade escolar entre os professores (providos pela via do concurso
público) e teriam mandatos temporários (dois ou três anos),
sendo escolhidos por via eletiva por parte de pessoal escolar,
alunos e pais. As funções seriam previstas na carreira do
magistério e a formação acadêmica exigida seria a de
licenciatura em nível superior. A formação específica em
habilitação de administração escolar ou similar seria totalmente
dispensada, por inútil que se tem mostrado na prática. O
concurso para professor procuraria avaliar o conhecimento do
candidato sobre: a) seu conteúdo programático específico
(geografia, matemática, biologia, língua portuguesa etc.); b) os
fundamentos da educação (históricos, filosóficos, sociológicos,
econômicos, psicológicos); c) a didática e as metodologias
necessárias para bem ensinar determinado conteúdo
programático; e d) as questões relacionadas à situação da escola
pública.
Paralelamente ao conselho diretivo, e como órgão
imprescindível para a gestão escolar, existiria o conselho de
escola, de caráter consultivo e deliberativo, com dimensões
136
HFNRIQUE PARO— DE DIRETORES

semelhantes às atuais (representação de pais, alunos, professores


e funcionários em geral), e com enriquecimento de suas funções:
além das atribuições atuais, englobaria também as finalidades
(legais) das atuais APMs, que seriam extintas. O conselho de
escola funcionaria basicamente como um órgão de assessoria e
fiscalização do conselho diretivo e teria como um de seus
propósitos prioritários fazer da participação dos pais um objeto
de preocupação e um fim
VrroR ELEIÇÃO

da própria escola, de modo a aproximar a família das questões


pedagógicas e a tornar a unidade escolar integrada ao seu meio, e
não um corpo estranho como é hoje.
Outro ponto de extrema relevância a se considerar numa
desejável reestruturação administrativa das escolas públicas visando a
uma gestão escolar consistente diz respeito aos conselhos de classe e
de série. Hoje esses conselhos se atêm às questões de avaliação do
rendimento discente, com pelo menos dois vícios ou desvios de suas
funções. O primeiro consiste na redução da avaliação do aluno à
verificação de seu desempenho em provas, hipervalorizando as notas e
conceitos, corno se a isso pudesse restringir-se o objetivo de
distribuição do saber historicamente produzido. O segundo vício tem
sido o de não conseguir perceber a inadequação da escola para o
ensino e jogar a culpa de seu fracasso sobre o aluno, sob a alegação de
que este "não quer aprender", como se a principal atribuição da escola
moderna, em termos técnicos, não devesse ser precisamente utilizar
todo o progresso da teoria didático-pedagógica para levar o educando a
querer aprender.
Se estamos convencidos da relevância social da escola, é preciso
afirmar seu compromisso com a qualidade dos serviços que presta, ou
seja, com a eficiência com que ela alcança seu fim específico, que
consiste na apropriação do saber pelo educando, não na capacidade
deste para tirar notas ou responder a provas e testes; daí a total
irracionalidade e falta de sentido das alternativas de avaliação externa
da escola por meio de testes e provas à imagem e semelhança dos
concursos vestibulares. Por isso, em termos administrativos, a escola
137
CONCLUSÕES
tem de ser avaliada em seu conjunto, levando em conta a avaliação
como elemento imprescindível no processo de realização de objetivos.
Além disso, a natureza específica de seu produto (PARO, 1986, p. 135
1 49) exige que a avaliação seja um processo permanente que
permeie todas as atividades e procedimentos no interior da escola,
procurando dar conta da qualidade e adequação do desempenho de
todos os envolvidos, não apenas do aluno. Daí a relevância de que
mecanismos coletivos cornõ os conselhos de classe e de série sejam
integrados por professores, funcionários, alunos e pais, bem como
rearticulados
138
CONCI_USÓÉS

em suas funções e propósitos, de modo a constituir elemento de


constante avaliação e redimensionamento de todas as atividades-fim da
escola, e instrumento de prestação de contas da qualidade de seu
produto à sociedade.
139

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Xamã VM Editora e Gráfica Ltda.
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vendas@xamaediton.com.br
Vitor Henrique Paro é titular em
Educação pela USP. Lecionou
nos cursos de graduação e
pósgraduação em Educação da
PUC-SP e foi pesquisador sênior
da Fundação Carlos Chagas.
Atualmente é professor titular da
Faculdade de Educação da USP,
onde exerce a docência e a
pesquisa. É autor, entre outros
trabalhos na área educacional, de
Por dentro da escola pública
(Xamã, 2000), Qualidade do
ensino -a contribuição dos pais
(Xamã, 2000), Gestão
democrática da escola pública
(Ática, 2000), Administração
escolar: introdução crítica
(Cortez, 2001) e Reprovação
escolar: renúncia à educação
(Xamã, 2001). e-mail:
eleição de diretor de escola
é uma realidade em várias
redes de ensino público no
Brasil. Este livro tem por
objetivo analisar as características e os
problemas da institucionalização e da
implementação dessa experiência, bem como captar
seus efeitos sobre a democratização da gestão
escolar e sobre a

qualidad
e e a quantidade da oferta de ensino.

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