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A PARTICIPAÇÃO E A GESTÃO ESCOLAR

A escola é um universo especifico cuja realidade, assim como a ação de


seus atores, só pode ser compreendida a partir de um conhecimento prévio.
Contudo, não deixa de guardar pontos em comum com o debate até aqui
apresentado, tanto no que diz respeito à natureza conceitual da participação,
como com relação à experiencia pratica de gestão participativa no terceiro grau.
O primeiro aspecto a ser destacado, para evidenciar a especificidade da
escola pública, é a sua intensa relação com a comunidade, quer na pratica
cotidiana da administração, quer no que se refere à enorme heterogeneidade
cultural que caracteriza a sociedade brasileira. Ou seja, a escola púbica acaba
lidando com o Brasil real, no brasil da miséria, da pobreza em todos os seus
sentidos, de uma forma muito mais direta e urgente que universidade ou a
empresa.
Isto significa dizer que quando falamos em gestão participativa no âmbito
da escola pública estamos nos referindo a uma relação entre desiguais onde
vamos encontrar uma escola sabidamente desemparelhada do ponto de vista
financeiro para enfrentar os crescentes desafios que se apresentam e , também,
uma comunidade não muito preparada para a prática da gestão participativa da
escola, assim como do próprio exercício da cidadania em sua expressão mais
prosaica.
A participação na administração da escola está, pelo menos
teoricamente, garantida por meio do funcionamento do conselho de escola, cuja
forma atual é resultado de uma longa, e dura luta política que data do início da
década de 80, com o sentido de dotar a escola de autonomia pra poder elaborar
e executar seu projeto educativo.
Preocupado com essas questões, Daniel Garcia Flores, em sua
dissertação de mestrado, desenvolve uma cuidadosa pesquisa de campo
objetivando conhecer as razões do mau funcionamento do conselho de escola
ou, em outras palavras, por que este Conselho não atinge a participação,
transparência e democracia que, do ponto de vista formal, poderia atingir.
Em artigo onde procura sintetizar suas conclusões, Daniel Garcia Flores
afirma que
“ A grande porcentagem dos entrevistados declara nada conhecer
sobre as atribuições legais e sobre o funcionamento dos conselhos de
escola; os alunos apresentam maior índice de deslocamento, mas há
também professores que declaram não ter conhecimento desses
aspectos. Apenas o funcionário, o supervisor e o delegado
responderam conhecer tudo a respeito do conselho de escola. Nossa
indagação é, portanto, será o conselho de escola, uma entidade tão
burocratizada, que seja melhor conhecida por ‘funcionários,
supervisores e delegados? E que espécie de atuação que pode ter um
conselho cuja maioria dos membros são sabe nada a respeito de sua
abrangência, competência, área e poder de decisão?
“o segundo bloco de perguntas procurou detectar a participação de
cada entrevistado nas reuniões e decisões do conselho de escola. As
respostas obtidas demonstram algumas críticas nesse aspecto, apesar
de a maioria dos entrevistados achar importante os assuntos tratados
e considerar que pode fazer alguma coisa pela escola através da
participação no conselho de escola. Há, enfim, uma boa imagem dos
participantes sobre ele. A participação, no entanto, não é a mesma
entre os diferentes grupos. Os professores, pelas respostas, parecem
ser os mais participativos.

“O terceiro bloco de questões pretendeu dar um espaço para as


sugestões dos participantes sobre a melhoria do papel e do poder do
conselho de escola. As sugestões foram muitas, revelando uma
vontade geral de que o conselho seja realmente aquilo que se espera
dele: uma instancia de participação dos diferentes segmentos
interessados na melhoria da escola pública, através da atuação dos
seus maiores interessados: pais, alunos, professores, funcionários e
autoridades educacionais. As maiores críticas estão no emperramento
desta participação, passando pela manipulação dos conselhos por
diretores, extrema burocracia, chegando à má-vontade em participar,
denunciada por diferentes elementos” (in Vietez, 1997: 122).

Particularmente significativa nessa ultima colocação é a referencia à


função do diretor enquanto condutor do processo decisório pelos conselhos. Isto,
na verdade, é um dos resultados da sua pesquisa, onde fica evidente o poder do
diretor para encaminhar o conselho no sentido de assumir posições coerentes
com a sua visão do que é melhor naquelas circunstancias.
De qualquer forma, a atuação do diretor é essencialmente contraditória e
difícil. A este respeito Vitor Henrique Paro declara que:
“O que temos hoje é um sistema hierárquico que pretensamente
coloca todo o poder nas mãos do diretor. Não é possível falar das
estratégias para se transformar os sistemas de autoridade no interior
da escola, em direção a uma efetiva participação de seus diversos
setores, sem levar em conta a dupla contradição que vive o diretor de
escola hoje. Esse diretor, por um lado, é considerado a autoridade
máxima no interior da escola, e isso, pretensamente, lhe daria um
grande poder e autonomia; mas, por outro lado, ele acaba se
constituindo, de fato, em virtude de sua condição de responsável
ultimo pelo cumprimento de lei e da ordem na escola, em mero
preposto do estado. Esta é a primeira contradição.

A segunda advém do fato de que, por um lado, ele deve deter uma
competência técnica e u conhecimento dos princípios e métodos
necessários a uma moderna e adequada administração dos recursos
dos recursos da escola, mas, por um lado, sua falta de autonomia em
relação aos escalões superiores e a precariedade das condições
concretas em que se desenvolvem as atividades no interior da escola
tornam uma quimera a utilização dos belos métodos e técnicas
adquiridos( pelo menos supostamente) em sua, formação de
administrador escolar, já que o problema da escola pública no país não
é, na verdade, o da administração de recursos, mas o da falta de
recursos”(1997:11).
Toda e qualquer organização que tente implantar e desenvolver práticas
de natureza participativa vive sob a constante ameaça da reconversão
burocrática e autoritária dos seus melhores esforços. As razões, para isso são
diversas: história de vida dos membros, supervalorização ideológica das formas
tradicionais de gestão, demandas politicas difíceis de conciliar etc. de tudo isso,
contudo, um ponto deve ser destacado: a participação se funda no exercício do
dialogo entre as partes. Esta comunicação ocorre, em geral, entre pessoas com
diferentes formações e habilidades, ou seja, entre agentes dotados de distintas
competências para a construção de um plano coletivo e consensual de ação. Na
pratica da gestão escolar, esta diferença, que em si não é original nem única,
assume uma dimensão muito maior do que a grande maioria das propostas de
gestão participativa e autogestão que pode ser observada.
Um pequeno depoimento pode ajudar a ilustrar essa gama de
dificuldades. Entre os dias 15 e 17 de julho de 1996 os autores deste artigo
proferiram uma ´serie de palestras para os professores e diretores da rede
estadual de ensino do estado de Rondônia, na cidade de Ji-paraná. O tema
central era administração escolar, enfatizando as vantagens e benefícios da
adoção ou simplesmente da aceitação, de práticas participativas muitas vezes já
contempladas na própria legislação. A receptividade, como é normal nestes
casos, foi gentil e atenciosa, embora as posições politicas pudessem,
eventualmente, divergir. Num determinado momento das exposições, uma
diretora de escola pediu a palavra e fez um longo elogio á participação, apenas
com uma ressalva: os pais analfabetos não poderiam opinar sobre a
alfabetização dos filhos já que eles mesmos não eram alfabetizados.
Complementando, outra colega manifestou a confiança em que cada um poderia
participar a partir da sua própria experiência, ou seja, uma mãe que fosse
faxineira poderia participar ajudando na limpeza da escola, e assim por diante.
Tais exemplos apenas ilustram as enormes dificuldades para a pratica da
participação no âmbito de uma cultura autoritária, contraditória e no interior de
organizações fragilizadas em termos de recursos e composta de membros
profundamente díspares.
Do ponto de vista teórico, os exemplos citados não constituem formas
políticas de participação, mas apenas manipulações autoritárias onde se procura
realçar a alienação ou obter trabalho não remunerado. Na pratica, contudo, as
coisas são muito mais complicadas. É preciso ter sempre presente que estamos
lidando com uma realidade bastante complexa e dinâmica, e que as
reconversões tanto ocorrem no sentido de autoritarismo como no caminho
inverso, potencializando a participação onde ela deveria, talvez, ter sido inibida.
O exemplo da faxineira nos remete à seguinte colocação de Vitor Paro:
“Não se trata, todavia, de destacar a participação na execução como
se ela fosse um mal em si, pois ela pode constituir até mesmo uma
estratégia para se conseguir maior poder de decisão. O que temos
observado a esse respeito é que, na medida em que a pessoa passa a
contribuir quer financeiramente, quer com seu trabalho na escola, ela
se acha em melhor posição para cobrar o retorno de sua colaboração,
e isso pode dar-lhe maior estímulo na defesa de seus direitos e resultar
em maior estimulo na defesa de seus direitos e resultar e maior
pressão por participação nas decisões. Além disso, a participação de
pais( e especialmente mães, como tem sido mais frequente) na
realização de pequenos reparos, em serviços de limpeza, na
preparação da merenda, ou ainda na organização e cumprimento de
tarefas ligadas a festas, excursões e outras atividades, acaba por lhes
dar acesso a informações sobre o funcionamento da escola e sobre
fatos e relações que aí se dão e que podem ser de grande importância,
seja para conscientizarem-se da necessidade da sua participação nas
decisões, seja como elemento para fundamentar suas
reivindicações”.(1997:51).

Vale a pena observar ainda que a nova lei de diretrizes e bases da


educação (LDB, lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996) procura,
diferentemente da legislação e pratica de ensino anteriores, “flexibilizar e
descentralizar as estruturas educacionais”. O conselho estadual de educação
paulista aprovou, para a rede pública do estado, dispositivos legais que
concedem às escolas maior autonomia de gerenciamento.
Editorial do jornal folha de s. Paulo sintetiza com felicidade o que estamos
destacando:
“Cada estabelecimento[...] terá de elaborar o próprio regimento
que inclui desde aspectos funcionais até a proposta pedagógica a ser
implementada nas salas de aula, passando por normas disciplinares e
sistema de avaliação[...] as novas diretrizes também valorizam o papel
dos pais na educação, uma vez que preveem um aumento de sua
participação no conselho escolar, instancia responsável pela
elaboração do regimento[...] além disso, caberá a cada escola elaborar
também um plano de gestão, válido por quatro anos, do qual devem
constar não apenas metas de trabalho, mas critérios de
acompanhamento e avaliação do cumprimento dessas metas”(6.4.98,
p.2). o editorial é concluído alertando que apenas bons propósitos não
bastarão:” uma vez aberta essa possibilidade de autogestão transfere-
se para a comunidade parte da responsabilidade por um sérvio que,
mais do que estatal, deve ser genuinamente público”.

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