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da-escola-como-inserir-esta-ideia-entre-os-alunos

Publicado em GESTÃO ESCOLAR 08 de Outubro | 2018

Blog de Direção

Gestão democrática da
escola: como inserir esta
ideia entre os alunos
Escolas de educação básica que trabalham com este conceito
observam melhorias na disciplina e colaboração
Cláudio Neto

Foto: Getty Images

Se há uma palavra que nós podemos citar como a grande referência das instituições
contemporâneas é a palavra democracia. Ela tem adquirido importância crescente no
meio educacional e também nos campos político e social. Tanto as instituições quanto
as pessoas afirmam ter vocação para o diálogo e insistem em dizer que o poder que
exercem não é centralizado ou personalista, o que nos leva a crer que a ideia de
democracia é o consenso do nosso tempo.

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colaboração

Na esfera escolar a democracia tem se tornado algo muito além de um princípio de


gestão. Ela tem se constituído em um jargão que sugere legitimidade às instituições de
ensino, especialmente àquelas da Educação Básica. Nesse sentido, nós, gestores e
profissionais da educação em geral, devemos ter uma prática condizente com o valor
da democracia que presumimos ter. Esse alerta é importante porque a falta de sintonia
entre o que dizemos e o que fazemos pode ser involuntária, sobretudo, para quem
atua na educação básica e atende crianças e adolescentes que, na maior parte das
vezes, não têm familiaridade com as formas de organização política do contexto
estudantil. Nesse caso, para além da difusão dos ideais democráticos é necessário se
aproximar dos alunos e construir junto.

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Mas essa aproximação é delicada, uma vez que a linha que separa a intenção de
auxiliar da vontade de controlar os alunos é tênue. O risco de professores e gestores
se tornarem obstáculos na autonomia dos estudantes não é apenas hipotético, é
iminente. Tomado esse cuidado, a construção coletiva envolvendo professores e
alunos pode ser promissora. Escolas de ensino fundamental que têm apoiado os
alunos na criação e organização dos grêmios estudantis apresentam resultados
significativos. Nesse caso, o papel da gestão escolar é fundamental, pois cabe a ela
viabilizar as condições e os recursos necessários para que isso ocorra.

Caminho

Muitas escolas no Brasil inteiro já estão vivendo experiências pedagógicas fundadas


em princípios democráticos que primam pela autonomia dos estudantes. Nessa
perspectiva, a noção de gestão democrática transcende o papel do diretor ou da
diretora. Essa gestão é exercida nos mais diversos âmbitos da escola e nos mais
variados segmentos, seja nas relações interpares, na sala de aula, entre o coordenador
pedagógico e o grupo de professores, entre a família e a escola etc. Essa ideia atravessa
sujeitos e espaços, práticas e pensamentos. Como resultado mais imediato as escolas
vivem a cultura da paz, visto que a indisciplina está entre os aspectos que mais sofre
alteração. Nessas escolas a indisciplina diminui drasticamente e não é especulação, é
um fato comprovado na experiência profissional de muitos colegas com os quais tenho
conversado.

Exercendo a experiência

Não basta anunciar a vocação democrática da escola para que as pessoas passem a se
comportar de acordo com os princípios democráticos. A democracia é acima de tudo
um exercício e como tal ela deve ser aprendida e vivenciada cotidianamente. Nesse
caso, o como fazer se torna o nosso maior desafio e começar dando o exemplo é
sempre o melhor caminho.

No âmbito da escola

O caminho mais seguro e promissor que tem sido adotado pelas escolas progressistas
é iniciar a gestão democrática pela repactuação das regras. Elas rediscutem o
regimento interno e revisam os regulamentos coletivamente. As regras e diretrizes
passam a ser estabelecidas a partir do diálogo entre os estudantes, os profissionais e
as famílias, com vistas a assegurar o direito à educação. Não é mais aceitável uma
disciplina baseada em regras estipuladas pela direção ou pelos professores,
unilateralmente. Quando isso ocorre, geralmente tenta-se regular o comportamento
individual dos estudantes e não as relações no espaço escolar. Um exemplo disso é a
proibição do uso de boné em sala de aula. A quem isso incomoda e por que incomoda?
Esta proibição é frágil, inconsistente e ilegítima e não é à toa que boa parte dos alunos
se rebelam contra ela, porque eles não veem problema em usar o boné em sala de
aula e na escola. Mas quando as regras são discutidas e votadas coletivamente os
alunos tendem a respeitá-las mais porque, geralmente, essas regras são justas e têm
legitimidade.

Na sala de aula

As assembleias têm sido o instrumento mais eficaz na formulação dos combinados de


convivência e na mediação de conflitos em sala de aula. Quando há algo importante a
decidir ou quando há um conflito entre os alunos, uma assembleia é convocada para
discutir a questão. Esse processo é fundamental porque é nessas rodas de conversa,
pensando sobre as suas ações ou sobre a ações dos colegas, que os alunos vão
construindo a noção de respeito e de valores públicos. Esse processo é fundado na
responsabilidade e não no medo de sofrer uma punição pelo erro cometido. Outro
resultado igualmente importante e pouco lembrado é que as assembleias possibilitam
o desenvolvimento de habilidades como a argumentação, o respeito pelo ponto de
vista divergente, a capacidade de análise e de generalização entre outras.

Nos projetos da escola

A participação dos alunos nos projetos da escola favorece tanto o desenvolvimento de


todos os aspectos apontados anteriormente como também possibilita o
desenvolvimento de espírito colaborativo. Isso se dá, pelo menos, de duas maneiras:
primeiro pela oportunidade de realizar projetos de interesse dos alunos, voltados para
temas específicos e ao lado de colegas que têm aspirações e objetivos comuns.
Segundo, porque esses projetos podem ser elaborados para tratar de temas latentes
na escola como a imigração, as questões étnico-raciais e de gênero, a educação
inclusiva, revitalização e melhoria do território no qual a escola está localizada etc.
Encontrar soluções para os problemas locais tem sido uma boa alternativa para a
realização de projetos que motivam os alunos.

Assembleia de alunos/ Foto: Cláudio Marques da Silva Neto

Nos conselhos participativos


Ter consciência do processo de aprendizagem é um direito dos alunos e de seus
familiares. Por isso, os conselhos participativos são importantes. Deles fazem parte
alunos, pais, professores, coordenadores e gestores, que ao final de cada bimestre se
reúnem para discutir o percurso de aprendizagem de cada estudante. Esse é o
momento de conversa franca e construtiva que tem um único objetivo: discutir a
melhor maneira de fazer com que os alunos aprendam. Nos conselhos participativos se
exercita a autocrítica, a argumentação, a reflexão e outras capacidades necessárias à
vida democrática.

No pátio e nas demais áreas livres

É justamente nesses espaços de maior socialização que os alunos aprendem a exercer


os princípios democráticos incorporados nas outras experiências. Valores como
respeito, empatia, solidariedade e colaboração favorecem a integração entre os
estudantes, que passam a saber mais a respeito dos seus colegas e também sobre a
própria comunidade. A reciprocidade passa a ser um dos valores sociais mais
importantes no contexto escolar, uma vez que os alunos se reconhecem e agem
cooperativamente.

É para qualquer escola?

Incutir o conceito de democracia nos alunos não é uma tarefa fácil, mas isso já tem
avançado em algumas escolas brasileiras, especialmente naquelas que optaram pelo
caminho do diálogo e da participação dos estudantes e das famílias nas decisões. O
meio mais usado para atingir esse objetivo tem sido a aposta na autonomia dos
estudantes. A escola do controle dos alunos não faz mais sentido, principalmente
porque a nossa juventude não se presta mais a isso. As pesquisas sobre indisciplina
têm indicado que a lógica do disciplinamento não faz com que os alunos se tornem
mais disciplinados. Se na democracia os problemas da sociedade são de
responsabilidade de todos isso não pode ser diferente na escola, porque nela também
as decisões afetam a todos, principalmente aos alunos e às suas famílias. Logo, a nossa
resposta a essa última pergunta é sim. Qualquer escola que optar pela escuta atenta
de todos os segmentos, principalmente dos estudantes e das suas famílias, pode
alcançar bons resultados, mas isso exige tempo, dedicação e crença na capacidade dos
alunos.

Claudio Marques da Silva Neto é diretor da EMEF Infante Dom Henrique, em São
Paulo. Tem experiência em direitos humanos, formação docente, cultura escolar,
indisciplina, violência e gênero. É mestre e doutorando em Educação pela
Universidade de São Paulo (USP).

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