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Risco Suicidário em Jovens: Avaliação e Intervenção em


Crise
Youth Suicide Risk: Evaluation and Crisis Intervention
Catarina Pereira *

Resumo: youth suicidal behavior may occur in diverse


As tentativas de suicídio e os comportamentos contexts of child and adolescent psychiatric
suicidários representam um problema comple- activity, not only in the emergency room, but
xo, com elevada prevalência na adolescência. also in liaison work and ambulatory consul-
Estas situações de crise podem ser abordadas tation. In suicidal crisis intervention it´s fun-
em diversos contextos da actividade da Psi- damental to involve the youth and the family
quiatria da Infância e da Adolescência, seja no as this represents a crucial moment for clini-
serviço de urgência, na actividade de ligação, cal assessment and treatment compliance.
ou na consulta de ambulatório. A intervenção This review on child and adolescent suicidal
na crise suicidária requer o envolvimento tan- behavior focuses on characterizing and un-
to do jovem como da família e representa um derstanding the developmental features of
momento determinante na avaliação clínica e these behaviors, risk and protection factors
na adesão ao processo terapêutico. and it offers orientations about assessment
No presente artigo é realizada uma revisão so- and acute management of children and ad-
bre os comportamentos suicidários na infân- olescents who present with suicidal behavior.
cia e na adolescência, focando-se sobre a ca-
racterização dos mesmos e das especificidades Key-Words: Suicide; Children; Adolescents;
ligadas à fase de desenvolvimento, factores de Suicide Attempts; Risk Factors; Mood Disor-
risco e protecção e orientações na avaliação e ders; Treatment.
abordagem terapêutica da crise suicidária em
jovens. CARACTERIZAÇÃO
Palavras-Chave: Suicídio; Crianças; Adoles- Epidemiologia
centes; Tentativa de Suicídio; Factores de Ris- Na maioria dos países da Europa o suicídio,
co; Perturbações do Humor; Tratamento. embora raro na adolescência, representa a se-
gunda causa de morte de jovens entre os 15 e
Abstract: os 24 anos, depois dos acidentes de viação1. Em
Portugal, as taxas de suicídio aumentam com
Suicide attempts and suicidal behaviors rep- a idade, sendo as mortes por suicídio mais fre-
resent a complex problem, with high preva- quentes na idade adulta, sobretudo no homem
lence in adolescence. The management of a partir dos 65 anos. As tentativas de suicídio

* Serviço de Psiquiatria do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, EPE. cat.cpereira@gmail.com

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são, em contrapartida, bastante comuns na ingestão de produtos perigosos…). Estes aci-


adolescência, sendo mais frequentes nas ra- dentes podem ocorrer na infância e associar-
parigas2. Num estudo realizado com adoles- -se a contextos de stress familiar grave, sendo
centes, estudantes em escolas secundárias de importante uma avaliação cuidadosa dada a
Lisboa, com idades compreendidas entre os 15 dificuldade de reconhecimento das tentativas
e os 18 anos, cerca de 7% dos jovens tinha feito de suicídio nesta faixa etária5.
uma ou mais tentativas de suicídio3. Por outro lado, embora a intencionalidade de
morte represente um elemento essencial na
Definição definição de tentativa de suicídio, é impor-
Tentativa de suicídio representa todo o acto ou tante notar que a criança pode não ter ainda
gesto não fatal, auto-infligido e auto-destru- adquirido um conceito de morte definitiva e
tivo, associado a intenção de morrer explícita irreversível, e pode não ter noção da letalidade
ou implícita (O’ Carroll, 1996)4. real do seu comportamento6.
Por outro lado, o conceito de para-suicídio refe-
re-se de acordo com a Organização Mundial de Evolução do Conceito de Morte
Saúde, a um acto ou comportamento não fatal, O conceito de morte é objecto de um processo
eventualmente não habitual num dado indi- evolutivo ao longo da vida da criança e do ado-
víduo, em que este não tem clara intenção de lescente. Na infância, a morte é concebida como
morrer, mas no qual se arrisca a causar danos uma cessação, uma partida, uma separação,
a si próprio (mais ou menos graves) caso não uma ausência temporária e reversível. Segundo
exista a intervenção de outrem; o para-suicídio vários autores, o carácter de irreversibilidade da
pode também ocorrer na sequência de ingestão morte é adquirido por volta dos 8 anos. Sabe-se,
excessiva de determinadas substâncias com contudo, que a construção do conceito de morte
o intuito de provocar alterações desejadas. No está dependente das experiências de vida, pelo
para-suicídio estão incluídos os comportamen- que crianças pequenas confrontadas com ex-
tos de auto-mutilação no sentido de auto-lesão periências de eminência da sua própria morte
deliberada, sem intenção de morte3. (ex: no contexto de uma doença letal) ou de um
O conceito de equivalente suicidário repre- trabalho de luto precoce, podem adquirir esta
senta um conceito para o qual não existe um noção de imutabilidade e irreversibilidade da
verdadeiro consenso. Refere-se a comporta- morte muito mais cedo7.
mentos de alto risco ou acidentes associados Na adolescência assiste-se a uma idealização
a importante impulsividade, sem existir uma do conceito de morte, que pode representar
intencionalidade consciente de morte (ex: algo de mágico, de irreal e não permanente. Ao
correr para a estrada, expor-se a acidentes, negar a irreversibilidade da morte, o adoles-

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cente pode tentar o suicídio como uma forma Salienta-se ainda o lugar central do corpo
de passagem para um estado mais pacífico ou na adolescência, (constituindo a tentativa de
de menor tensão10. suicídio um ataque ao corpo e tudo o que ele
representa), bem como a tendência para o agir
Adolescência e Comportamentos Suicidá- neste período, como meio de provocar resposta
rios nos outros mas também como forma de evi-
A adolescência representa um período do de- tar confrontar-se com a reflexão e elaboração
senvolvimento que envolve uma maior sus- mental8.
ceptibilidade para a ocorrência de comporta- Os comportamentos suicidários constituem
mentos suicidários. uma forma não verbal de comunicação em
A necessidade de mudança por um lado e de que é usado o corpo. Podem ter vários sig-
escolhas por outro explicam a vulnerabilidade nificados: apelo, renascimento, reunião com
psíquica potencial do adolescente. Neste perío- uma pessoa falecida, fuga de uma situação
do de transição para a idade adulta, é necessá- intolerável, passagem para um estado de
rio o adolescente desenvolver um trabalho psí- tranquilidade, ou desejo de vingança, entre
quico de renúncia e de luto (do corpo infantil, outras9.
das imagens parentais idealizadas, do papel Toda a tentativa de suicídio num adolescen-
infantil e dependente, etc), podendo surgir te é um sinal de perturbação grave, e a sua
diversas ameaças, que se intensificam quando importância não deve ser minimizada. É um
surgem constrangimentos nesse processo. A pedido de ajuda de alguém emocionalmente
ameaça ansiosa parece estar directamente li- perturbado e muito vulnerável, e exige uma
gada à emergência pubertária, à transforma- avaliação cuidadosa10.
ção do corpo com a flutuação de identidade O espectro de gravidade dos comportamentos
que ela suscita. A ameaça depressiva resulta suicidários pode ser pensado ao longo de um
do trabalho necessário de perda e de luto (o continuum desde a ideação suicida passiva
adeus à infância) que toda a adolescência e inespecífica, passando pela ideação suicida
implica, com a necessidade de afastamento activa com intenção de morte e/ou plano até
relativamente aos pais reais mas ainda relati- à tentativa de suicídio e o suicídio consuma-
vamente às imagens parentais, e de renúncia à do4,6. Os comportamentos suicidários são fre-
omnipotência infantil para entrar no período quentemente precipitados por acontecimen-
dos paradoxos, dos conflitos e das escolhas. A tos de vida, que não representam a causa,
“depressão” pode instalar-se quando o adoles- mas que vêm acumular-se a um conjunto de
cente “recusa” empenhar-se em tal trabalho factores de risco, desencadeando a crise sui-
psicológico8. cidária9.

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FACTORES DE RISCO – PREDISPONEN- da puberdade é preditivo de comportamento


TES suicidário na adolescência9.
Factores Individuais Género
Idade A taxa de suicídio consumado é significativa-
As taxas de suicídio e de tentativas de suicídio mente mais elevada no sexo masculino, embo-
aumentam com a idade, apresentando uma ra a ideação suicida e as tentativas de suicídio
maior incidência na fase final da adolescên- sejam mais comuns no sexo feminino11. Este
cia e adulto jovem11. Esta distribuição parece padrão de diferença de género relativamente
acompanhar a distribuição modal das idades ao suicídio consumado em jovens não se ve-
de início das perturbações psiquiátricas que rifica, contudo, em todos os países do mun-
aumentam o risco de comportamento suicidá- do (Organização Mundial de Saúde, 2002).
rio e que tendem a ser mais comuns na fase A  maior taxa de suicídio nos rapazes parece
final da adolescência (ex: depressão major, estar relacionada com a maior frequência de
perturbação bipolar, abuso de substâncias, es- factores de risco associados, nomeadamente
quizofrenia, perturbações da personalidade) 9. abuso de substâncias e comportamento agres-
A raridade do suicídio consumado antes da sivo, e com a tendência nos rapazes à utiliza-
puberdade é um fenómeno universal (Orga- ção de métodos mais violentos e letais, relati-
nização Mundial de Saúde, 2002)11. Embora vamente às raparigas11.
a criança possa apresentar ideação suicida,
a sua imaturidade cognitiva parece limitar História Prévia de Comportamentos Suicidá-
a sua capacidade para planear e executar rios
tentativas de suicídio letais4. Os comporta- A história de tentativa de suicídio (TS) ante-
mentos suicidários na infância, sendo raros, rior representa um dos factores preditivos mais
podem contudo assumir a forma de equiva- fortes para a ocorrência de suicídio, conferin-
lentes suicidários, com passagens ao acto e do um risco mais elevado nos rapazes do que
exposição a situações de risco, por vezes com nas raparigas. Cerca de 1/3 dos jovens vítimas
elevado índice de gravidade (ex: atirar-se de suicídio fizeram uma tentativa de suicídio
para a estrada, defenestração, afogamento, prévia11. Após uma primeira TS verifica-se
ingestão de produtos domésticos)12. Nestes um risco elevado de recorrência, que é mais
casos, é comum a associação a maus-tratos acentuado no período imediato que se segue,
físicos e/ou sexuais bem como a perturba- mantendo-se elevado nos 3-6 meses seguintes.
ção das relações intra-familiares4. O início Pode ocorrer uma escalada dos meios com re-
precoce de comportamento suicidário antes curso a métodos cada vez mais perigosos4.

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Jovens com história prévia de TS com métodos dários em jovens, muitas vezes em co-morbili-
mais letais (como tentativa de enforcamento, dade: perturbações do humor, abuso de álcool
defenestração, utilização de arma de fogo) têm e substâncias, perturbações do comportamen-
um risco especialmente elevado para a ocor- to (sobretudo de tipo impulsivo/agressivo),
rência de suicídio. Contudo, é necessário ter em perturbações do comportamento alimentar,
conta que uma TS com baixa letalidade não perturbações de ansiedade e perturbações da
reflecte necessariamente uma baixa intencio- personalidade (sobretudo a perturbação esta-
nalidade suicida, particularmente em crianças, do-limite). Embora a esquizofrenia esteja as-
que poderão sobrestimar a letalidade dos meios, sociada a taxas elevadas de suicídio, uma vez
sendo importante não minimizar o risco poten- que se trata de uma condição rara na infân-
cial de comportamento suicidário futuro4. cia e adolescência, contribui de forma pouco
significativa para o suicídio nos adolescentes.
Patologia Psiquiátrica Contudo, é importante avaliar a presença de
Estudos de autópsia psicológica mostram que sintomas psicóticos, que aumentam de forma
mais de 90% dos jovens que cometeram sui- significativa a gravidade do quadro e o risco
cídio apresentavam uma perturbação psiquiá- suicidário a curto termo9.
trica pré-existente, e que em aproximadamen- Estudos controlados de suicídio consumado
te metade destes, a perturbação psiquiátrica em jovens sugerem factores de risco seme-
teria estado presente durante 2 ou mais anos9. lhantes para os rapazes e raparigas, mas com
As formas mais comuns de perturbação psi- diferenças marcadas na sua importância re-
quiátrica encontradas nos suicídios consuma- lativa: nas raparigas, o factor de risco mais
dos são as perturbações do humor (sobretudo significativo é a presença de depressão major,
depressão, mas também estados de mania e seguido da ocorrência de TS prévia; nos ra-
mistos), e o abuso de substâncias e/ou álcool, pazes, o factor preditivo mais importante é a
particularmente em rapazes com mais de 15 ocorrência de TS prévia, seguido da presença
anos9. Verifica-se uma elevada prevalência de de depressão, abuso de álcool ou substâncias e
co-morbilidade entre perturbações afectivas e comportamento disruptivo9.
abuso de substâncias. As perturbações disrup-
tivas do comportamento são também comuns Factores Psicológicos
nos rapazes vítimas de suicídio, muitas vezes Traços de personalidade e características indi-
coexistindo com perturbações do humor, an- viduais associados a risco de suicídio incluem:
siedade e abuso de substâncias9. impulsividade – comportamento impulsivo/
Salientam-se como perturbações psiquiátricas agressivo em resposta à frustração; desesperan-
associadas a risco de comportamentos suici- ça – está correlacionada com a intencionalida-

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de e prediz risco de TS e suicídio consumado; Verificou-se também associação com doenças


perfeccionismo – traço de personalidade que ou lesão física envolvendo prejuízo funcional4.
está associado a TS em jovens, mas não se en-
controu associação com suicídio consumado; e Factores Familiares
dificuldades ao nível das estratégias de coping e História Familiar de Comportamento Suici­
na resolução de problemas interpessoais4,11. dário
A investigação sugere o envolvimento tanto de
Factores Biológicos mecanismos genéticos como ambientais na
Embora a maior parte dos estudos sobre me- transmissão familiar do comportamento sui-
canismos neurobiológicos tenha sido condu- cidário e que o comportamento suicidário é
zido em adultos, a investigação tem vindo a transmitido em famílias de uma forma distinta
apontar o papel importante das alterações da da sua associação com doença psiquiátrica fa-
função serotoninérgica nos comportamentos miliar. Os familiares de 1º grau de adolescentes
suicidários, bem como no comportamento que fizeram TS ou que se suicidaram apresen-
agressivo-impulsivo, independentemente do tam uma taxa de TS 2 a 6 vezes superior à da
diagnóstico psiquiátrico11,6. população geral, mesmo após controlo para
as elevadas taxas de psicopatologia. Por outro
Orientação Sexual lado, a descendência de adultos com perturba-
Verifica-se a presença de risco acrescido de ção do humor associada a história de TS tem 4
tentativa de suicídio em jovens com orienta- a 5 vezes maior risco de TS, quando comparada
ção homossexual e bissexual. A relação entre com a descendência de adultos com perturba-
homossexualidade e suicidalidade pode ser ção do humor sem história de TS4,11.
mediada pela coexistência de elevadas taxas
de outros factores de risco suicidário nesta po- Psicopatologia Parental
pulação de jovens, nomeadamente maior risco Verificaram-se elevadas taxas de psicopato-
de rejeição parental e pelos pares, fenómenos logia parental, particularmente depressão e
de bullying; e maior risco de depressão, abuso abuso de substâncias, associadas a TS e suicí-
de álcool e substâncias4. dio consumado na adolescência11.

Doenças Médicas Outros Factores Familiares


Condições médicas crónicas específicas, in- Outros factores relativos ao contexto e funciona-
cluindo diabetes e epilepsia, foram associadas mento familiar que estão associados a risco sui-
a risco suicidário em populações pediátricas, cidário em jovens incluem: ausência ou baixos
mesmo após controlo de outros factores de risco. níveis de comunicação entre os pais e o jovem,

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elevados níveis de conflito e violência familiar, Os avanços na tecnologia permitiram o sur-


morte ou ausência parental, maus-tratos no seio gimento de novas formas de bullying. O cy-
familiar, isolamento da família (jovens em fuga, berbullying pode ocorrer através de mensa-
isolados ou sem casa, muitas vezes associando- gens e imagens enviadas através de e-mails,
-se uma história pessoal de maus-tratos), assim telemóvel ou comentários nas redes sociais
como a desvalorização por parte da família de TS (ex: Facebook, Myspace, Twitter), podendo ser
anterior do adolescente11,4. promovido por jovens ou adultos. A associação
entre cyberbullying e suicídio é uma área que
Acontecimentos de Vida Adversos ainda carece de estudos publicados14.
Situações de stress, como conflitos ou perdas
interpessoais (ex: rotura de relação amorosa Abuso Físico e Sexual
ou com o grupo de pares), conflitos familia- Tanto o abuso físico como o abuso sexual têm
res, problemas académicos ou disciplinares na uma associação significativa com TS e suicí-
escola ou problemas legais, estão associadas a dio consumado na adolescência, mesmo após
TS e suicídio consumado em jovens, mesmo controlo para outros factores de risco11. Assim,
após controlo para psicopatologia11. perante suspeita de abuso de criança ou ado-
lescente, recomenda-se que seja avaliada a pre-
Bullying sença de ideação ou comportamentos suicidá-
Seja como vítima e/ou agressor, o bullying rios actuais ou no passado. Inversamente, uma
está associado a aumento do risco de compor- vez que o risco atribuído é bastante elevado (15
tamentos suicidários11. Num estudo prospec- a 20% das raparigas que fazem TS têm uma
tivo de 2009 que analisou a associação entre história de abuso), quando se avalia uma TS
bullying na infância e desenvolvimento poste- deve-se investigar a ocorrência de anteceden-
rior de comportamentos suicidários na adoles- tes ou experiências actuais de abuso físico ou
cência verificou-se que os rapazes com perfil sexual11. O abuso sexual intra-familiar, abuso
de agressor-vítima de bullying apresentavam sexual continuado, e a maior gravidade do abu-
maior risco de comportamentos suicidários, so conferem um risco acrescido de tentativas de
embora esta associação não se mantivesse suicídio.
quando era feito controlo para psicopatologia;
as raparigas vítimas de bullying apresenta- Factores Sociais
vam maior risco de comportamentos suici- Efeito de Imitação/Contágio
dários, mantendo-se esta associação mesmo Sabe-se que suicídio pode ser facilitado em ado-
após controlo de sintomas de depressão e de lescentes vulneráveis pela exposição a situações
problemas do comportamento13. de suicídio real ou ficcional, incluindo a forma

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como os media apresentam notícias de suicídio vulneráveis. Existem diferentes sites e fóruns
(por ex: a cobertura mediática intensiva do sui- de suicídio na internet: alguns aconselham a
cídio de uma celebridade) ou a representação procurar a ajuda e fornecem ligações e con-
ficcional de um suicídio num filme conhecido tactos no sentido do jovem procurar apoio.
ou programa televisivo. O risco de suicídio por Contudo, outros sites e fóruns assumem uma
imitação/contágio é especialmente elevado nos mensagem pró-suicídio, fornecendo informa-
jovens. O fenómeno de “clusters” de suicídio, ções sobre métodos e valorizando positiva-
que envolve um número excessivo de suicídios mente os comportamentos suicidários14.
que ocorrem em estreita proximidade temporal
e geográfica, parece estar relacionado com pro- Isolamento Social / Rede de Suporte Social
cessos de imitação. Os clusters de suicídio geral- Pobre
mente envolvem adolescentes ou jovens adultos
previamente perturbados, que tomaram conhe- Disponibilidade de Meios Letais
cimento da morte por suicídio de outra pessoa, A presença de armas de fogo em casa (especial-
não conhecendo a vítima pessoalmente9. mente nas zonas rurais), e de outros meios le-
Dadas as características deste período de de- tais (cordas, facas, medicamentos) e, por outro
senvolvimento, os adolescentes são mais sus- lado, a supervisão parental inadequada aumen-
ceptíveis a reproduzir e imitar modelos de tam o risco de suicídio consumado em jovens4.
comportamento do seu grupo ou círculo de
influência. Neste âmbito, verificou-se que jo- FACTORES DE RISCO - DESENCADEAN-
vens vulneráveis expostos a comportamentos TES
suicidários entre os seus pares têm um maior
risco de desenvolver comportamentos suicidá- No adolescente, os factores desencadeantes mais
rios imitativos, nomeadamente perante uma frequentes são: conflitos com os pais, conflitos
situação de stress interpessoal6. ou roturas afectivas (rotura de relação amoro-
sa) e os problemas disciplinares e académicos4.
Internet e Suicídio Estes acontecimentos precipitam o comporta-
Mais recentemente, têm sido publicados re- mento suicidário no jovem que se encontra em
latos de casos acerca de cybersuicidas. É ne- sofrimento e vulnerável pela acumulação de
cessário ter em atenção o crescimento de si- factores de risco, mas não representam a sua
tes e fóruns na internet em que é incentivado causa9. O prognóstico é pior quando não há fac-
o suicídio como estratégia de resolução de tor desencadeante ou quando os precipitantes
problemas, levando a um risco acrescido de são crónicos e continuados, especialmente no
comportamentos suicidários em adolescentes abuso físico ou sexual recorrente4.

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FACTORES DE PROTECÇÃO A avaliação da presença e do grau de intencio-


nalidade suicida é importante para a compre-
São considerados factores de protecção a pre- ensão da gravidade da TS e do risco de recor-
sença de coping adequado (competências do rência. Assim, elevada intencionalidade como
jovem na resolução de conflitos e problemas), traduzida pela expressão do desejo de morrer/
bom suporte familiar, boa ligação do jovem crença que a tentativa iria conduzir à morte,
à escola e a um grupo de pares pró-social, a planeamento prévio da TS, programação de
religiosidade4,11, e por outro lado, ao nível das forma a não ser encontrado e não obter aju-
respostas dos serviços de saúde, a existência de da e comunicação da intenção suicida antes
uma boa acessibilidade ao tratamento e apoio da tentativa, está associada a TS recorrentes e
médico adequado. suicídio consumado.

Avaliação da Letalidade Médica


ABORDAGEM TERAPÊUTICA Tentativas de suicídio com elevada letalidade
médica (ex: enforcamento, utilização de arma
Avaliação do Jovem em Crise Suicidária de fogo ou medicações letais) associam-se
Avaliação do Comportamento Suicidário frequentemente a elevada intencionalidade
É importante obter um conhecimento deta- e a um maior risco de suicídio consumado
lhado sobre o método utilizado na TS e sobre ulterior. Contudo, a evidência também apon-
a sequência de acontecimentos, qual a leta- ta que uma TS impulsiva com relativa baixa
lidade médica potencial (risco de morte que intencionalidade mas com acesso imediato a
ocorreu realmente), o grau de planeamento meios letais pode conduzir a uma TS grave ou
versus impulsividade envolvido, qual a pro- mesmo letal. Por outro lado, as crianças e ado-
babilidade de receber ajuda (avisou pessoas, lescentes tendem a sobrestimar a letalidade de
esperava ficar sozinho?), história de TS prévia, diferentes métodos suicidários, de forma que
grau de intensidade e frequência da ideação uma TS com baixa letalidade pode, contudo
suicida actual (pervasiva), e a acessibilidade a estar associada a elevada intencionalidade4.
agentes potencialmente letais (armas, cordas,
medicações letais)9. Avaliação da Motivação
A motivação refere-se ao motivo que o jovem
Avaliação da Intencionalidade Suicida atribui a sua suicidalidade. Indivíduos com
A intencionalidade suicida representa o balan- elevada intencionalidade tendem a indicar
ço entre o desejo de morte e o desejo de vida que a sua primeira motivação era morrer
que coexiste no indivíduo face ao suicídio9. ou escapar permanentemente de uma si-

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tuação dolorosa, e estes jovens apresentam – História Suicidária: Mantém ideação suicida
um risco elevado de recorrência. Muitos jo- ou TS prévia;
vens que tentam o suicídio descrevem que – Demográficos: Rapaz, isolamento social;
procuravam provocar uma resposta no ou- – Estado Mental: Estado depressivo, maníaco,
tro ou comunicar um sentimento4. Se estas hipomaníaco, gravemente ansioso, ou uma
motivações não forem exploradas na ava- combinação destes estados;
liação, poderá persistir um elevado grau de – Abuso de substâncias isolado ou em associa-
intencionalidade suicida9. Por outro lado, a ção a perturbação do humor;
compreensão da motivação da TS tem im- – Agitado, irritável, delirante ou com alucina-
portantes implicações para o tratamento, ções.
na medida em que a intervenção pode focar-
-se em ajudar o jovem a identificar as suas Tratamento na Crise Suicidária
necessidades de forma mais explícita e a Deve ser estabelecida uma relação com o jo-
encontrar formas alternativas de as comu- vem e a família e reforçar a importância do
nicar e respostas mais adaptadas, que não o tratamento, sendo dada prioridade aos aspec-
coloquem em risco4. tos ligados à segurança9. É necessário o en-
volvimento tanto do jovem como da família,
Avaliação do Risco de Recorrência ou Suicídio seja na colheita de informação clínica para
Consumado avaliação, seja na intervenção. Contudo, é
São considerados factores de alto risco de sui- igualmente importante existir um momento
cídio em adolescentes: TS em rapaz; nos rapa- individual com o adolescente9.
zes, ocorrência de TS prévia, idade ≥ 16 anos, Reforçar junto do jovem e da família a im-
perturbação do humor associada, e abuso de portância da TS como sinal de perturbação
substâncias; nas raparigas, presença de per- grave e o risco real de morte envolvido. O
turbação do humor e TS prévia. O risco suici- adolescente pode estar a proteger-se da com-
dário é imediato se existir alteração marcada pleta realização da morte e esta pode assu-
do estado mental. mir vários significados. Muitos adolescentes
tentam matar-se mas comportam-se como
Exame do Estado Mental e Avaliação de Psico- se algo neles pudesse permanecer vivo; ou,
patologia Subjacente inconscientemente, esperam um renasci-
Tentativas com maior risco de suicídio (“Che- mento. Alguns tentam destruir, eliminar ou
cklist for Assessing Child or Adolescent Suicide adormecer alguma parte deles sem a inten-
Attempters in an Emergency Room or Crisis ção de se matarem. É importante desvendar
Center”)9: estas fantasias, decifrar o que a morte sig-

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nifica em termos reais, e lembrar-lhes o seu pela avaliação do estado mental e do nível de
medo da morte10. desenvolvimento, que o doente compreende
Explorar com o adolescente as motivações o compromisso que está a ser estabelecido.
para o comportamento suicidário e procu- Mesmo quando o jovem concorda com o con-
rar estabelecer um espaço de conversação trato, o risco suicidário pode persistir e devem
entre o jovem e a família no sentido de pro- evitar-se comunicações coercivas, que tendem
mover a comunicação e a identificação de a reforçar atitudes de defesa e desafio por parte
potenciais precipitantes, bem como ajudar do jovem9,4.
a perspectivar alternativas na resolução de
problemas, sendo este na realidade o início Decisão de Internamento Versus Alta do Jovem
do tratamento9. Esta decisão deve ter em conta a avaliação do
risco suicidário. São indicadores para a neces-
Contrato de Segurança sidade de internamento: incapacidade para
O Contrato de Segurança representa um estabelecer uma aliança terapêutica / recusa
compromisso que o adolescente assume no do contrato de segurança; alteração marcada
sentido de não desenvolver qualquer compor- do estado mental (pensamento, humor); pre-
tamento suicidário e informar o médico, os sença de sintomas psicóticos ou persistência
pais ou outro adulto significativo no caso de de ideação suicida; presença de elevado risco
voltar a ter ideias de suicídio9,4. Não existem suicidário (por ex. tentativa de suicídio pré-
estudos que confirmem a eficácia do contrato via, especialmente no sexo masculino, e maior
de segurança. Contudo, este continua a ser risco de letalidade); falta de suporte familiar/
um instrumento útil como forma: de esta- social e acessibilidade de meios letais9.
belecer uma aliança terapêutica; identificar
uma sequência de comportamentos alter- Quando se Considera Alta / Tratamento em
nativos a que o jovem pode recorrer perante Ambulatório
crises futuras; perceber o que prevalece na Os pais devem ser responsabilizados por
ambivalência entre desejo de vida e desejo de medidas de protecção e supervisão do ado-
morte no jovem, as suas forças e fragilidades, lescente, devendo comprometer-se a remo-
e também como indicador para a necessidade ver de casa e/ou limitar o acesso a meios
de internamento, quando o jovem recusa es- suicidários (medicamentos, facas, cordas,
tabelecer o contrato de segurança9,4. armas); os pais e o adolescente devem ser
É necessário, por outro lado, ter em conta as informados quanto aos riscos associados
limitações do contrato de segurança. Apenas ao consumo de álcool e drogas, pelos seus
se deve recorrer a este se existe indicação, efeitos desinibidores; ajudar a família a

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identificar potenciais precipitantes e a to- Bibliografia / References


mar medidas de resolução de problemas 1. Sampaio D, Oliveira A, Vinagre MG, Pereira
e preventivas eficazes; ajudar a família a MG, Santos N, Ordaz O: Representações so-
construir uma teoria sobre a situação e o ciais do suicídio em estudantes do ensino
comportamento suicidário; a família deve secundário. Análise Psicológica. 2000; 2
comprometer-se a assegurar a continuidade (XVIII): 139‑155.
do seguimento do adolescente em consultas 2. Organização Mundial de Saúde, Suici-
de Pedopsiquiatria; e estabelecer um con- de Prevention and Special Programmes.
trato de segurança com o adolescente9. Country Reports and Charts. 2009; (Versão
De forma a promover a adesão ao tratamento electrónica).
em ambulatório, é importante deixar marca- 3. Oliveira A, Amâncio L, Sampaio D: Arris-
ção de consulta num curto período de tempo car morrer para sobreviver – Olhar sobre
e manter consultas próximas temporalmente, o suicídio adolescente. Análise Psicológica.
com maior flexibilidade e disponibilidade para 2001, 4 (XIX): 509-521.
receber o jovem em caso de agravamento da 4. Goldstein TR, Brent DA: Youth Suicide.
ideação suicida. É igualmente necessário in- Dulcan’s Textbook of Child and Adolescent
formar o jovem sobre os limites da confiden- Psychiatry. American Psychiatry Publicing.
cialidade na relação médico-doente (sendo a 1st Edition, 2010.
confidencialidade mantida para vários aspec- 5. Tedo FP: O suicídio na criança. Dicionário
tos, mas se o médico apurar a presença de ide- de Psicopatologia da criança e do adoles-
ação ou comportamento suicidário eminente, cente. 1ª ed., Lisboa, Climepsi Editores,
essa informação será partilhada com os pais)9. 2004.
6. Collett B, Kathleen M: Suicidality and
Conflitos de Interesse / Conflicting interests: ­Youth – Identification, Treatment and
Os autores declaram não ter nenhum conflito de inte- Prevention. Child and Adolescent Psychia-
resses relativamente ao presente artigo. try – The Essentials. Lippincott Williams &
The authors have declared no competing interests Wilkins, 2005.
exist. 7. Ferrari P: Morte na criança (conceito de).
Dicionário de Psicopatologia da criança
Fontes de Financiamento / Funding: e do adolescente. 1ª ed., Lisboa, Climepsi
Não existiram fontes externas de financiamento para Editores, 2004.
a realização deste artigo. 8. Braconnier A, Marcelli D: As mil faces da
The authors have declared no external funding adolescência. 1ª ed., Lisboa, Climepsi Edi-
was received for this study. tores, 2000.

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9. Shaffer D, Pfeffer CR: Practice Parameter 12. Jacobsen et al.: Interviewing Prepuber-
for the Assessment and Treatment of Chil- tal Children about Suicidal Ideation and
dren and Adolescents with Suicidal Beha- Behavior. Journal American Academy of
vior. Journal American Academy of Child Child and Adolescent Psychiatry; 33:4,
and Adolescent Psychiatry; 40:7 Supple- 1994.
ment, 2001: 24S-51S. 13. Klomek AB, Sourander A, Niemela S et
10. Laufer M: O adolescente Suicida. 1ª ed., al.: Childhood Bullying Behaviors as a
Lisboa, Climepsi Editores, 2000. Risk for Suicide Attempts and Comple-
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ffer D: Youth Suicide Risk and Preventive ­Cohort Study. Journal American Academy
Interventions – A Review of the Past 10 of Child and Adolescent Psychiatry; 48:3,
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