Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
cente pode tentar o suicídio como uma forma Salienta-se ainda o lugar central do corpo
de passagem para um estado mais pacífico ou na adolescência, (constituindo a tentativa de
de menor tensão10. suicídio um ataque ao corpo e tudo o que ele
representa), bem como a tendência para o agir
Adolescência e Comportamentos Suicidá- neste período, como meio de provocar resposta
rios nos outros mas também como forma de evi-
A adolescência representa um período do de- tar confrontar-se com a reflexão e elaboração
senvolvimento que envolve uma maior sus- mental8.
ceptibilidade para a ocorrência de comporta- Os comportamentos suicidários constituem
mentos suicidários. uma forma não verbal de comunicação em
A necessidade de mudança por um lado e de que é usado o corpo. Podem ter vários sig-
escolhas por outro explicam a vulnerabilidade nificados: apelo, renascimento, reunião com
psíquica potencial do adolescente. Neste perío- uma pessoa falecida, fuga de uma situação
do de transição para a idade adulta, é necessá- intolerável, passagem para um estado de
rio o adolescente desenvolver um trabalho psí- tranquilidade, ou desejo de vingança, entre
quico de renúncia e de luto (do corpo infantil, outras9.
das imagens parentais idealizadas, do papel Toda a tentativa de suicídio num adolescen-
infantil e dependente, etc), podendo surgir te é um sinal de perturbação grave, e a sua
diversas ameaças, que se intensificam quando importância não deve ser minimizada. É um
surgem constrangimentos nesse processo. A pedido de ajuda de alguém emocionalmente
ameaça ansiosa parece estar directamente li- perturbado e muito vulnerável, e exige uma
gada à emergência pubertária, à transforma- avaliação cuidadosa10.
ção do corpo com a flutuação de identidade O espectro de gravidade dos comportamentos
que ela suscita. A ameaça depressiva resulta suicidários pode ser pensado ao longo de um
do trabalho necessário de perda e de luto (o continuum desde a ideação suicida passiva
adeus à infância) que toda a adolescência e inespecífica, passando pela ideação suicida
implica, com a necessidade de afastamento activa com intenção de morte e/ou plano até
relativamente aos pais reais mas ainda relati- à tentativa de suicídio e o suicídio consuma-
vamente às imagens parentais, e de renúncia à do4,6. Os comportamentos suicidários são fre-
omnipotência infantil para entrar no período quentemente precipitados por acontecimen-
dos paradoxos, dos conflitos e das escolhas. A tos de vida, que não representam a causa,
“depressão” pode instalar-se quando o adoles- mas que vêm acumular-se a um conjunto de
cente “recusa” empenhar-se em tal trabalho factores de risco, desencadeando a crise sui-
psicológico8. cidária9.
Jovens com história prévia de TS com métodos dários em jovens, muitas vezes em co-morbili-
mais letais (como tentativa de enforcamento, dade: perturbações do humor, abuso de álcool
defenestração, utilização de arma de fogo) têm e substâncias, perturbações do comportamen-
um risco especialmente elevado para a ocor- to (sobretudo de tipo impulsivo/agressivo),
rência de suicídio. Contudo, é necessário ter em perturbações do comportamento alimentar,
conta que uma TS com baixa letalidade não perturbações de ansiedade e perturbações da
reflecte necessariamente uma baixa intencio- personalidade (sobretudo a perturbação esta-
nalidade suicida, particularmente em crianças, do-limite). Embora a esquizofrenia esteja as-
que poderão sobrestimar a letalidade dos meios, sociada a taxas elevadas de suicídio, uma vez
sendo importante não minimizar o risco poten- que se trata de uma condição rara na infân-
cial de comportamento suicidário futuro4. cia e adolescência, contribui de forma pouco
significativa para o suicídio nos adolescentes.
Patologia Psiquiátrica Contudo, é importante avaliar a presença de
Estudos de autópsia psicológica mostram que sintomas psicóticos, que aumentam de forma
mais de 90% dos jovens que cometeram sui- significativa a gravidade do quadro e o risco
cídio apresentavam uma perturbação psiquiá- suicidário a curto termo9.
trica pré-existente, e que em aproximadamen- Estudos controlados de suicídio consumado
te metade destes, a perturbação psiquiátrica em jovens sugerem factores de risco seme-
teria estado presente durante 2 ou mais anos9. lhantes para os rapazes e raparigas, mas com
As formas mais comuns de perturbação psi- diferenças marcadas na sua importância re-
quiátrica encontradas nos suicídios consuma- lativa: nas raparigas, o factor de risco mais
dos são as perturbações do humor (sobretudo significativo é a presença de depressão major,
depressão, mas também estados de mania e seguido da ocorrência de TS prévia; nos ra-
mistos), e o abuso de substâncias e/ou álcool, pazes, o factor preditivo mais importante é a
particularmente em rapazes com mais de 15 ocorrência de TS prévia, seguido da presença
anos9. Verifica-se uma elevada prevalência de de depressão, abuso de álcool ou substâncias e
co-morbilidade entre perturbações afectivas e comportamento disruptivo9.
abuso de substâncias. As perturbações disrup-
tivas do comportamento são também comuns Factores Psicológicos
nos rapazes vítimas de suicídio, muitas vezes Traços de personalidade e características indi-
coexistindo com perturbações do humor, an- viduais associados a risco de suicídio incluem:
siedade e abuso de substâncias9. impulsividade – comportamento impulsivo/
Salientam-se como perturbações psiquiátricas agressivo em resposta à frustração; desesperan-
associadas a risco de comportamentos suici- ça – está correlacionada com a intencionalida-
como os media apresentam notícias de suicídio vulneráveis. Existem diferentes sites e fóruns
(por ex: a cobertura mediática intensiva do sui- de suicídio na internet: alguns aconselham a
cídio de uma celebridade) ou a representação procurar a ajuda e fornecem ligações e con-
ficcional de um suicídio num filme conhecido tactos no sentido do jovem procurar apoio.
ou programa televisivo. O risco de suicídio por Contudo, outros sites e fóruns assumem uma
imitação/contágio é especialmente elevado nos mensagem pró-suicídio, fornecendo informa-
jovens. O fenómeno de “clusters” de suicídio, ções sobre métodos e valorizando positiva-
que envolve um número excessivo de suicídios mente os comportamentos suicidários14.
que ocorrem em estreita proximidade temporal
e geográfica, parece estar relacionado com pro- Isolamento Social / Rede de Suporte Social
cessos de imitação. Os clusters de suicídio geral- Pobre
mente envolvem adolescentes ou jovens adultos
previamente perturbados, que tomaram conhe- Disponibilidade de Meios Letais
cimento da morte por suicídio de outra pessoa, A presença de armas de fogo em casa (especial-
não conhecendo a vítima pessoalmente9. mente nas zonas rurais), e de outros meios le-
Dadas as características deste período de de- tais (cordas, facas, medicamentos) e, por outro
senvolvimento, os adolescentes são mais sus- lado, a supervisão parental inadequada aumen-
ceptíveis a reproduzir e imitar modelos de tam o risco de suicídio consumado em jovens4.
comportamento do seu grupo ou círculo de
influência. Neste âmbito, verificou-se que jo- FACTORES DE RISCO - DESENCADEAN-
vens vulneráveis expostos a comportamentos TES
suicidários entre os seus pares têm um maior
risco de desenvolver comportamentos suicidá- No adolescente, os factores desencadeantes mais
rios imitativos, nomeadamente perante uma frequentes são: conflitos com os pais, conflitos
situação de stress interpessoal6. ou roturas afectivas (rotura de relação amoro-
sa) e os problemas disciplinares e académicos4.
Internet e Suicídio Estes acontecimentos precipitam o comporta-
Mais recentemente, têm sido publicados re- mento suicidário no jovem que se encontra em
latos de casos acerca de cybersuicidas. É ne- sofrimento e vulnerável pela acumulação de
cessário ter em atenção o crescimento de si- factores de risco, mas não representam a sua
tes e fóruns na internet em que é incentivado causa9. O prognóstico é pior quando não há fac-
o suicídio como estratégia de resolução de tor desencadeante ou quando os precipitantes
problemas, levando a um risco acrescido de são crónicos e continuados, especialmente no
comportamentos suicidários em adolescentes abuso físico ou sexual recorrente4.
tuação dolorosa, e estes jovens apresentam – História Suicidária: Mantém ideação suicida
um risco elevado de recorrência. Muitos jo- ou TS prévia;
vens que tentam o suicídio descrevem que – Demográficos: Rapaz, isolamento social;
procuravam provocar uma resposta no ou- – Estado Mental: Estado depressivo, maníaco,
tro ou comunicar um sentimento4. Se estas hipomaníaco, gravemente ansioso, ou uma
motivações não forem exploradas na ava- combinação destes estados;
liação, poderá persistir um elevado grau de – Abuso de substâncias isolado ou em associa-
intencionalidade suicida9. Por outro lado, a ção a perturbação do humor;
compreensão da motivação da TS tem im- – Agitado, irritável, delirante ou com alucina-
portantes implicações para o tratamento, ções.
na medida em que a intervenção pode focar-
-se em ajudar o jovem a identificar as suas Tratamento na Crise Suicidária
necessidades de forma mais explícita e a Deve ser estabelecida uma relação com o jo-
encontrar formas alternativas de as comu- vem e a família e reforçar a importância do
nicar e respostas mais adaptadas, que não o tratamento, sendo dada prioridade aos aspec-
coloquem em risco4. tos ligados à segurança9. É necessário o en-
volvimento tanto do jovem como da família,
Avaliação do Risco de Recorrência ou Suicídio seja na colheita de informação clínica para
Consumado avaliação, seja na intervenção. Contudo, é
São considerados factores de alto risco de sui- igualmente importante existir um momento
cídio em adolescentes: TS em rapaz; nos rapa- individual com o adolescente9.
zes, ocorrência de TS prévia, idade ≥ 16 anos, Reforçar junto do jovem e da família a im-
perturbação do humor associada, e abuso de portância da TS como sinal de perturbação
substâncias; nas raparigas, presença de per- grave e o risco real de morte envolvido. O
turbação do humor e TS prévia. O risco suici- adolescente pode estar a proteger-se da com-
dário é imediato se existir alteração marcada pleta realização da morte e esta pode assu-
do estado mental. mir vários significados. Muitos adolescentes
tentam matar-se mas comportam-se como
Exame do Estado Mental e Avaliação de Psico- se algo neles pudesse permanecer vivo; ou,
patologia Subjacente inconscientemente, esperam um renasci-
Tentativas com maior risco de suicídio (“Che- mento. Alguns tentam destruir, eliminar ou
cklist for Assessing Child or Adolescent Suicide adormecer alguma parte deles sem a inten-
Attempters in an Emergency Room or Crisis ção de se matarem. É importante desvendar
Center”)9: estas fantasias, decifrar o que a morte sig-
nifica em termos reais, e lembrar-lhes o seu pela avaliação do estado mental e do nível de
medo da morte10. desenvolvimento, que o doente compreende
Explorar com o adolescente as motivações o compromisso que está a ser estabelecido.
para o comportamento suicidário e procu- Mesmo quando o jovem concorda com o con-
rar estabelecer um espaço de conversação trato, o risco suicidário pode persistir e devem
entre o jovem e a família no sentido de pro- evitar-se comunicações coercivas, que tendem
mover a comunicação e a identificação de a reforçar atitudes de defesa e desafio por parte
potenciais precipitantes, bem como ajudar do jovem9,4.
a perspectivar alternativas na resolução de
problemas, sendo este na realidade o início Decisão de Internamento Versus Alta do Jovem
do tratamento9. Esta decisão deve ter em conta a avaliação do
risco suicidário. São indicadores para a neces-
Contrato de Segurança sidade de internamento: incapacidade para
O Contrato de Segurança representa um estabelecer uma aliança terapêutica / recusa
compromisso que o adolescente assume no do contrato de segurança; alteração marcada
sentido de não desenvolver qualquer compor- do estado mental (pensamento, humor); pre-
tamento suicidário e informar o médico, os sença de sintomas psicóticos ou persistência
pais ou outro adulto significativo no caso de de ideação suicida; presença de elevado risco
voltar a ter ideias de suicídio9,4. Não existem suicidário (por ex. tentativa de suicídio pré-
estudos que confirmem a eficácia do contrato via, especialmente no sexo masculino, e maior
de segurança. Contudo, este continua a ser risco de letalidade); falta de suporte familiar/
um instrumento útil como forma: de esta- social e acessibilidade de meios letais9.
belecer uma aliança terapêutica; identificar
uma sequência de comportamentos alter- Quando se Considera Alta / Tratamento em
nativos a que o jovem pode recorrer perante Ambulatório
crises futuras; perceber o que prevalece na Os pais devem ser responsabilizados por
ambivalência entre desejo de vida e desejo de medidas de protecção e supervisão do ado-
morte no jovem, as suas forças e fragilidades, lescente, devendo comprometer-se a remo-
e também como indicador para a necessidade ver de casa e/ou limitar o acesso a meios
de internamento, quando o jovem recusa es- suicidários (medicamentos, facas, cordas,
tabelecer o contrato de segurança9,4. armas); os pais e o adolescente devem ser
É necessário, por outro lado, ter em conta as informados quanto aos riscos associados
limitações do contrato de segurança. Apenas ao consumo de álcool e drogas, pelos seus
se deve recorrer a este se existe indicação, efeitos desinibidores; ajudar a família a
9. Shaffer D, Pfeffer CR: Practice Parameter 12. Jacobsen et al.: Interviewing Prepuber-
for the Assessment and Treatment of Chil- tal Children about Suicidal Ideation and
dren and Adolescents with Suicidal Beha- Behavior. Journal American Academy of
vior. Journal American Academy of Child Child and Adolescent Psychiatry; 33:4,
and Adolescent Psychiatry; 40:7 Supple- 1994.
ment, 2001: 24S-51S. 13. Klomek AB, Sourander A, Niemela S et
10. Laufer M: O adolescente Suicida. 1ª ed., al.: Childhood Bullying Behaviors as a
Lisboa, Climepsi Editores, 2000. Risk for Suicide Attempts and Comple-
11. Gould MS, Greenberg T, Velting DM, Sha- ted Suicides: a Population-Based Birth
ffer D: Youth Suicide Risk and Preventive Cohort Study. Journal American Academy
Interventions – A Review of the Past 10 of Child and Adolescent Psychiatry; 48:3,
Years. Journal American Academy of Child 2009, 254-261.
and Adolescent Psychiatry; 42:4, 2003: 14. Cash SJ, Bridge JA: Epidemiology of Youth
386-405. Suicide and Suicidal Behavior. Current
Opinion Pediatric; 21 (5), 2009, 613-619.