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XIV ENCONTRO PAULISTA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA – XIV EPEM

Educação Matemática e Políticas Públicas: múltiplos diálogos com a Educação Básica


23 e 24 de outubro de 2020
Pensamento Computacional, Matemática e Competências:
possíveis articulações para a BNCC
Luciana Leal da Silva Barbosa1
Marcus Vinícius Maltempi2
Resumo
Este artigo tem como objetivo apresentar e discutir a inclusão das tecnologias digitais e de
conceitos provenientes da ciência da computação na Base Nacional Comum Curricular, bem
como seus fundamentos pedagógicos. O foco da discussão recai sobre o Pensamento
Computacional, contemplado no Ensino Fundamental dentro do componente curricular
Matemática. Pretende-se contribuir com as pesquisas que dialogam sobre possibilidades de sua
inserção na Educação Básica, articulado aos processos de ensino e aprendizagem de
matemática, ao mesmo tempo em que se busca promover o desenvolvimento das competências
previstas pela Base. Por fim, apresenta-se possibilidades advindas da literatura para alcançar tal
articulação.
Palavras-chave: BNCC; Pensamento Computacional; Matemática; Competências; Habilidades.

1. Introdução
A partir da alteração da LDB em 2017, ficaram definidas duas nomenclaturas
para se referir às finalidades da educação: direitos e objetivo de aprendizagem (Art. 35)
e competências e habilidades (Art. 36). Ratificou-se aquilo que deve ser oferecido aos
estudantes na Educação Básica: seus direitos e objetivos de aprendizagem ou, dito de
outra forma, as competências e habilidades da Educação Básica (BRASIL, 2017).
Tendo como base o texto desta lei, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
tornou expresso seu conjunto de competências e habilidades, trazendo consigo diversos
desafios aos sistemas de ensino, escolas e suas equipes pedagógicas. Além disso, as
diretrizes incluem expressamente o uso e produção de tecnologias digitais como
recursos pedagógicos ou como formas de expressão e construção do conhecimento por
parte dos alunos. Novos elementos da área da ciência da computação foram incluídos
como objetos e/ou objetivos de aprendizagem, ou como estratégias de ensino. Dentre
eles, o Pensamento Computacional (PC) dentro do componente curricular Matemática,
relacionando-o a alguns processos e estratégias de aprendizagem (BRASIL, 2008).
Todos esses ingredientes somados impactam diretamente os objetivos e a prática do
professor em sala de aula e sua concepção de formação integral e básica.
Diante desse cenário, este texto tem como objetivo apresentar, discutir e refletir
acerca dos fundamentos pedagógicos que sustentam a BNCC e sobre o pensamento

1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, luciana.leal@ifsp.edu.br


2 Unesp – Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro, marcus.maltempi@unesp.br. Apoiado
pela FAPESP (Processo 2018/14053-2) e CNPq (Processo 308563/2019-0).
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computacional, incluído no texto da Base como uma das habilidades a serem
desenvolvidas no Ensino Fundamental (EF) relacionada aos conteúdos de matemática,
destacando possibilidades para trabalhar alguns dos conceitos relacionados a sua
definição durante os processos de ensino e aprendizagem de matemática. Nossa
proposta não é, portanto, discutir méritos ou agravantes para a educação nacional
decorrentes da BNCC, pois consideramos esta uma situação posta. Dessa forma, a
questão norteadora para as reflexões é: como promover o desenvolvimento das
competências gerais e específicas e o pensamento computacional durante os processos
de ensino e aprendizagem dos conteúdos da matemática, de modo que todos esses
elementos se coadunem na formação básica dos estudantes?
Nossa intenção aqui não é responder a essa pergunta, mas a partir dela buscar
articular elementos pertinentes que favoreçam reflexões visando seu aprofundamento e
discussões acerca de possíveis desdobramentos. Para tanto, este artigo traz
esclarecimentos sobre os fundamentos pedagógicos da BNCC, iniciativas e pesquisas
que tratam sobre a inserção do pensamento computacional na educação básica e sua
articulação com a educação matemática, discutindo por fim, possibilidades para a
articulação entre estes elementos.
2. A BNCC para o Ensino Fundamental: fundamentos pedagógicos, tecnologias
digitais e pensamento computacional
Nossas reflexões recaem sobre os fundamentos pedagógicos da BNCC. Desta
forma, cabe aqui uma breve explanação sobre eles, a fim de compreendermos suas
definições e como são utilizadas para estruturar o EF.
O conceito de competência ocupa o centro de toda a estrutura da Base, de tal
forma que foram definidas dez competências gerais que devem orientar a construção
dos currículos das escolas em todos os níveis de ensino. As tecnologias digitais estão
contempladas em três das dez competências gerais. A competência de número dois,
orienta a
Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das
ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a
imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar
hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive
tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
(BRASIL, 2018, p. 11)
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Nela, observa-se que a tecnologia está posta como uma possibilidade para a
construção da solução de problemas, como resultado de um processo de resolução
pautado numa abordagem própria das ciências que contempla a investigação, reflexão,
análise crítica, imaginação e criatividade. Para tanto, exige-se do aluno a capacidade de
criar produtos tecnológicos, que conheça e manipule ferramentas de autoria,
abandonando uma postura de mero usuário tecnológico e coloque em prática
habilidades relacionadas ao letramento digital.
A competência quatro - “utilizar diferentes linguagens – verbal […], corporal,
visual, sonora e digital [...]” (BRASIL, 2018, p. 11) - inclui a linguagem digital como
uma possibilidade de expressão e compartilhamento de informações, experiências,
ideias e sentimentos. Numa sociedade repleta de ambientes sociais digitais, a linguagem
digital se torna uma forma de expressão natural para os jovens. Neste contexto, é
imprescindível que tal linguagem seja contemplada no ambiente escolar como objeto de
investigação e reflexão, no sentido de promover seu conhecimento, suas potencialidades
e o reconhecimento dos estudantes como agentes capazes de interagir e impactar os
ambientes virtuais que participam, devendo, portanto, agir de forma intencional e com
consciência cidadã.
A competência de número cinco assenta:
Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e
comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas
diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar,
acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver
problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
(BRASIL, 2018, p. 11)
Esta é uma competência que trata única e especificamente da tecnologia
concebendo-a como objeto de ensino e aprendizagem, recurso de usuário e ferramenta
para resolução de problemas e construção do conhecimento. Destaca-se aqui a postura
que deve ser assumida pelo aluno enquanto usuário e/ou produtor de tecnologias:
protagonista e autor em sua vida pessoal e coletiva.
No EF, as aprendizagens essenciais estão organizadas em cinco áreas do
conhecimento, cada uma das quais possui um conjunto de competências específicas que
se aplicam a todos os seus componentes curriculares. Elas expressam de maneira mais
específica como as competências gerais devem se expressar em cada área. Além disso,
cada componente curricular também possui seu conjunto de competências.
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A fim de organizar os conteúdos de cada componente, foram criadas categorias
chamadas de Unidades Temáticas, as quais congregam conteúdos de mesmo tema, os
chamados objetos de conhecimento. Cada um destes reúne um conjunto de habilidades,
que consistem nas aprendizagens essenciais e último nível da estrutura do documento.
Para a área do conhecimento Matemática, foco do nosso estudo, foram definidas
oito competências específicas que devem ser articuladas às competências gerais através
dos processos de aprendizagem. Referências a conceitos da ciência da computação e a
tecnologias digitais são encontradas em duas das oito competências. A de número cinco
orienta para a utilização de “processos e ferramentas matemáticas, inclusive tecnologias
digitais disponíveis, para modelar e resolver problemas cotidianos, sociais e de outras
áreas de conhecimento, validando estratégias e resultados.” (BRASIL, 2018, p. 269).
Nela, observa-se a recomendação expressa para o uso das tecnologias digitais para
modelar e resolver problemas, reconhecendo assim o importante papel que ocupam e
desempenham nas demandas provenientes das diferentes áreas do conhecimento.
Já a competência de número seis, orienta para “Enfrentar situações-problema em
múltiplos contextos, […] expressar suas respostas e sintetizar conclusões, utilizando
diferentes registros e linguagens (gráficos, tabelas, esquemas, […] algoritmos, como
fluxogramas [...]” (BRASIL, 2018, p. 269). Aqui, observa-se a recomendação expressa
para a diversificação dos registros e linguagens usadas durante a resolução de
problemas, incluindo como possibilidade a linguagem algorítmica como uma forma de
expressão a ser compreendida e explorada pelos estudantes durante os processos
matemáticos de resolução de problemas. A representação de algoritmos através de
fluxogramas é apenas uma sugestão. No entanto, diversas pesquisas têm apontado para a
adoção de diferentes linguagens e estratégias relacionadas à construção de algoritmos.
Citam-se como exemplos a programação de computadores, programação desplugada e
robótica educacional (AZEVEDO; MALTEMPI, 2020; BARBOSA; MALTEMPI,
2019; BARCELOS et al., 2015; BRACKMANN, 2017).
Além de estar fundamentada no conceito de competências e habilidades, a
BNCC introduz um elemento que vem sendo enfatizado no contexto educacional
mundial apenas a partir de 2006: o pensamento computacional. O contexto em que este
termo é inserido no texto da base sugere que o PC consiste numa competência e/ou
habilidade a ser desenvolvida durante o processo de aprendizagem de conteúdos da
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matemática, afirmando que ao se trabalhar determinados processos de aprendizagem da
matemática como resolução de problemas, investigação e modelagem matemática, cria-
se um ambiente rico para se desenvolver competências relacionadas a ele. Ou ainda, que
aprender álgebra contribui para o desenvolvimento do PC nos alunos (BRASIL, 2018).
Posto desta forma, entende-se que, assim como as competências gerais e
específicas deverão ser desenvolvidas durante o processo de aprendizagem das
habilidades matemáticas, o mesmo se aplica ao PC. Assim, cabe ao professor de
matemática não apenas ensinar o conhecimento matemático (conteúdo), mas também,
desenvolver nos seus alunos as competências gerais, específicas e o PC.
Esta é, portanto, a nova realidade do professor de matemática, que agora precisa
não apenas dominar o conhecimento do núcleo pedagógico e específico de sua área do
conhecimento, mas também dominar a arte de planejar e construir ambientes de
aprendizagem que incluam uma riqueza de elementos – dentre eles, o pensamento
computacional e as tecnologias digitais – capazes de suportar processos de ensino que
assumam o estudante como autor e protagonista do seu processo de aprendizagem.
Diante dos inúmeros desafios que surgem nesta nova realidade posta, este
trabalho pretende contribuir apresentando nas próximas seções um panorama sobre os
conceitos atribuídos ao pensamento computacional, iniciativas no sentido de incluí-lo
no currículo da Educação Básica e possibilidades para sua articulação com a matemática
advindas destas iniciativas bem como de pesquisas relacionadas ao tema
3. Entendimentos sobre o Pensamento Computacional
O termo Pensamento Computacional surgiu na literatura nos trabalhos de Papert
(1980) com a linguagem Logo, o qual concebe o computador como um recurso que
estende as capacidades da mente humana para “forjar ideias”, permitindo que as pessoas
analisem, modelem e resolvam problemas com mais eficiência e fazendo uso de mais e
melhores recursos. Mas foi a partir do artigo de Wing (2006) que o termo despertou o
interesse da comunidade de educadores e de cientistas da computação. Nesta
publicação, ela define o PC como uma abordagem para resolução de problemas, projetar
sistemas e compreender o comportamento humano que se baseia em conceitos da
ciência da computação, atribuindo ao PC a mesma importância de habilidades básicas
como ler, escrever e calcular.
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Já na literacia computacional de Vee (2013), o termo PC está fortemente
relacionado à programação de computadores, a qual afirma que a literacia
computacional consiste na habilidade de dividir um problema complexo em
subproblemas menores, os quais devem ser representados por meio de uma mídia que
pode ser lida por uma máquina.
Apesar de não existir consenso sobre uma definição única para o PC, seus
defensores concordam em afirmar que a Educação Básica pode e deve usufruir de
diversos benefícios quando articulada a ele. Neste sentido, surgiram diversas iniciativas
ao redor do mundo na tentativa de construir uma definição mais clara e próxima da
prática do docente.
A Computer Science Teachers Association (CSTA, 2016) define o PC em termos
dos seguintes conceitos: formulação de problemas, organização e análise lógica de
dados, abstração, simulação, pensamento algorítmico, avaliação de eficiência e
corretude, e generalização. Já a Computing at School (2015) relaciona ao PC às
habilidades de raciocínio lógico, pensamento algorítmico, decomposição, generalização,
reconhecimento de padrões, abstração, representação e avaliação. Citemos ainda a
concepção da International Society for Technology in Education (ISTE, 2016) sobre o
PC: coleta, análise e representação de dados, decomposição, abstração, algoritmos,
automação, teste, paralelização e simulação.
No Brasil, a Sociedade Brasileira de Computação (SBC) publicou um
documento com diretrizes para o ensino de computação na Educação Básica, o qual
organiza o conhecimento em computação em três eixos: Cultura Digital, Mundo Digital
e Pensamento Computacional. Sobre este último, atribui-se o seguinte conceito:
“capacidade de compreender, definir, modelar, comparar, solucionar, automatizar e
analisar problemas (e soluções) de forma metódica e sistemática, através da construção
de algoritmos” (SBC, 2019, p. 5). Em sua definição, o PC inclui três habilidades ou
processos de pensamento: abstração, análise e automação. No entanto, percebe-se no
texto uma ênfase à construção de algoritmos como um produto resultante do processo
de formulação e resolução de problemas, concebendo a abstração e análise como
processos de pensamento anteriores e postos em prática com o objetivo de se modelar e
construir a solução de um problema através de um algoritmo, que poderá ser escrito
numa linguagem de programação e executado por uma máquina (automação).
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Da mesma forma, o CIEB – Centro de Inovação para a Educação Brasileira –,
dentre outras iniciativas, elaborou e publicou um currículo de referência em tecnologia e
computação para a Educação Infantil e Ensino Fundamental como uma proposta
curricular complementar à BNCC que enfatiza o uso das tecnologias. Nele, os
conteúdos relacionados à tecnologia estão organizados em três eixos estruturantes:
Cultura Digital, Tecnologia Digital e Pensamento Computacional, o qual é definido
como a “capacidade de resolver problemas considerando conhecimentos e práticas da
computação […] sistematizar, representar, analisar e resolver problemas” (CIEB, 2018,
p. 19). Ele é abordado em termos de quatro conceitos: abstração, algoritmos,
decomposição e reconhecimento de padrões.
Analisando-se as diferentes abordagens para a definição do PC, percebe-se que
alguns dos conceitos se repetem. Além disso, todos os conceitos possuem amplo uso no
domínio da ciência da computação e, também, em outros domínios. A despeito das
diferentes concepções, um questionamento importante e de ordem prática surge: como
colocar o PC em prática numa sala de aula que tem por objetivo o desenvolvimento de
competências gerais e específicas por meio de conceitos matemáticos? Partindo do
disposto pela BNCC, nas próximas seções discute-se articulações possíveis entre o PC,
matemática e competências, buscando contribuir para as pesquisas e práticas docentes
relacionadas a estes temas.
4. Pensamento Computacional e Educação Matemática – possíveis articulações
O pensamento computacional tem sido considerado em diversas pesquisas na
educação matemática como um aliado no processo de mudança na forma como os
conceitos matemáticos são ensinados. Além disso, pesquisas indicam a importância de
se desenvolver o PC já na Educação Básica, comparando-o a habilidades básicas como
ler, escrever e calcular. Seus defensores, tanto na área da educação quanto na ciência da
computação, sugerem a inclusão de um currículo voltado ao estudo da ciência da
computação na Educação Básica.
Gadanidis (2015) define dois principais impedimentos para uma reforma mais
ampla e profunda na educação matemática: a estrutura curricular e a crença de que
ideias matemáticas mais complexas e abstratas não podem ser compreendidas por
crianças. Sobre o currículo, ele afirma que sua estrutura estanque e rígida, que divide
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grandes ideias matemáticas encaixando-as em níveis específicos de ensino, tem como
consequência a perda de conexões e relacionamentos significativos entre os conceitos.
Por outro lado, existe a crença de que o sistema cognitivo das crianças pequenas não
está pronto para compreender ideias matemáticas mais complexas e abstratas. Estes dois
impedimentos trabalham juntos para diminuir o potencial matemático das crianças,
resultando numa educação que enfatiza aquilo que as crianças não podem fazer,
corroborando a afirmação de Maltempi e Mendes (2016) de que a matemática escolar é
organizada pela dificuldade dos cálculos e técnicas associadas.
Diante deste cenário de impedimentos, Gadanidis (2015) sugere o uso da
programação de computadores como recurso para realizar uma ampla e profunda
reforma na educação matemática, e como estratégia para ensinar conceitos matemáticos
e ideias mais complexas a crianças pequenas, construindo assim um ambiente de
modelagem e resolução de problemas (GADANIDIS et al., 2017).
Resnick (2008) vai além da necessidade de ensinar e aprender os conteúdos
previstos no currículo. A ela, adiciona a importância e, portanto, necessidade de se
incluir uma habilidade indispensável para a sociedade atual: a criatividade. Ele define o
termo Pensamento Criativo e discute duas tecnologias desenvolvidas sob sua liderança,
Scratch e Crickets, com o objetivo de estimular o pensamento criativo das crianças,
sugerindo seu uso nas escolas para apoiar metodologias de ensino não tradicionais
capazes de inserir os alunos como protagonistas de seu aprendizado, como construtores
do seu próprio conhecimento com autonomia e criatividade.
O currículo do CIEB contribui para articulação entre PC e matemática por
meio das Práticas, que consistem em uma ou mais sugestões de práticas pedagógicas
para cada uma das 147 habilidades computacionais. É por meio delas que se estabelece
um alinhamento possível entre as habilidades do currículo do CIEB e as habilidades da
BNCC, contribuindo para definir a relação entre os conceitos de computação e os
conceitos das demais áreas do conhecimento (CIEB, 2018). A Tabela 1 apresenta um
exemplo da relação entre uma habilidade do PC e uma habilidade matemática da BNCC
para o segundo ano do EF, por meio da qual o professor pode trabalhar,
concomitantemente, a habilidade em computação e a habilidade matemática através de
experiências práticas envolvendo a construção de algoritmos que incluam estruturas de
repetição. A própria ideia da multiplicação envolvendo múltiplas adições de parcelas
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iguais pode ser explorada na construção de algoritmos que resolvam cálculos de
multiplicações em diferentes contextos. A prática cumpre assim seu objetivo de alinhar
o currículo de computação à BNCC.
Tabela 1: Relação entre habilidade em computação e habilidade da BNCC

Habilidade do currículo de Prática Sugerida Habilidade da BNCC


Tecnologia e Computação
PC02AL01: Compreender o Criar algoritmos utilizando EF02MA07: Resolver e elaborar
uso de repetição com repetições – por exemplo, criando problemas de multiplicação (por 2, 3,
número fixo de iterações programas simples que utilizem 4 e 5) com a ideia de adição de
pelo menos uma iteração com 4 parcelas iguais por meio de
repetições, encontrando e estratégias e formas de registro
corrigindo seus erros e ajudando pessoais, utilizando ou não suporte de
os demais colegas imagens ou material manipulável.

Tendo em mente estas e outras possibilidades de práticas docentes no sentido de


articular matemática e PC, cabe agora refletir e discutir sobre a integralidade proposta
para a formação básica dos estudantes, partindo da seguinte pergunta: quem é o
estudante que a BNCC pretende formar? Considerando especificamente a componente
Matemática, refletimos aqui sobre uma possível articulação entre pensamento
computacional, matemática e BNCC como forma de alcançar tal integralidade e
contribuir para pesquisas e discussões relacionadas a estes temas.
5. Considerações Finais
Tomando como referência o objetivo da BNCC de estimular e desenvolver
diferentes competências nos alunos, surge a seguinte pergunta: como articular
competências gerais, específicas da matemática e pensamento computacional, de modo
que todos se coadunem na formação básica dos estudantes?
De acordo com as iniciativas e pesquisas apontadas no texto, o PC se mostra
como uma possibilidade viável para o ensino e aprendizagem da matemática, sendo
constantemente relacionado ao uso das tecnologias digitais, ao mesmo tempo em que
pode desenvolver nos aprendizes diversas habilidades relacionadas à ciência da
computação. Dentre elas, citam-se a abstração, reconhecimento de padrões, automação,
formulação de problemas, pensamento algorítmico, generalização, raciocínio lógico e
decomposição.
Tais habilidades relacionadas ao PC podem ser associadas às competências
gerais e específicas da BNCC. Por exemplo, a competência geral de número dois
pretende desenvolver nos alunos a capacidade de “investigar causas, elaborar e testar
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hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções [...]”. Para tanto, durante o
processo de formulação, representação e resolução do problema, faz-se necessário
colocar em prática algumas habilidades:
 Abstração, para identificar e isolar mentalmente o objeto em estudo, separando-o de
um todo do qual faça parte, para assim compreender e definir o que é importante e
precisa ser destacado para a formulação e representação do problema.
 Decomposição pode ser usada durante o processo de formulação e representação do
problema, com o objetivo de dividir o problema alvo em problemas menores, que
deverão ser resolvidos separadamente, buscando-se assim resolver o todo.
 Reconhecimento de padrões. Durante o processo de compreensão e abstração do
problema, padrões podem surgir como característica do problema, os quais precisam
ser detectados para a construção do seu modelo. Esta habilidade é também essencial
durante o processo de investigação de causas definido na competência dois.
 Generalização para reconhecer que o problema em estudo pertence a uma classe de
problemas cuja solução pode ser generalizada para outras situações, ou contextos
diferentes. Pode ser trabalhada junto com a decomposição.
 Pensamento algorítmico, colocado em prática durante a construção de algoritmos,
processo em que se usa o raciocínio lógico para garantir a coerência e corretude da
solução. A solução de um problema pode ser representada através de algoritmos, os
quais podem ser escritos em alguma linguagem de programação para serem
executados por uma máquina, resultando assim na automação do processo de
resolução
Notem que para estimular e desenvolver apenas uma das competências gerais
diversas habilidades relacionadas ao PC precisam ser exercidas. A mesma relação pode
ser percebida entre o PC e as competências específicas da matemática. Isso acontece,
pois o desenvolvimento das competências envolve o estímulo e exercício de diversos
processos de pensamento – muitos deles incluídos na definição do PC – que quando
executados objetivam perceber e processar informações mentalmente rumo a resolução
de um problema. Processos esses necessários e úteis em todos os domínios do
conhecimento, e que, portanto, devem ser preconizados durante a formação básica dos
estudantes.
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Fica, então, estabelecida uma relação entre competências e habilidades do PC
que pode ser explorada no sentido de se promover o desenvolvimento de ambos durante
os processos de ensino e aprendizagem dos estudantes e, de modo específico, durante os
processos e estratégias de aprendizagem de matemática.
Esses elementos podem ser considerados de forma articulada durante a
construção de ambientes de ensino e aprendizagem que favoreçam uma atitude ativa dos
alunos, a fim de promover a aprendizagem de competências gerais e específicas por
meio da matemática e do pensamento computacional, cumprindo assim o proposto pela
BNCC.
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