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ESTUDO
violência, colocada, inicialmente, em segundo plano, área de saúde, deve-se assinalar a abertura de diálo-
embora os incidentes, envolvendo discriminação e go com as áreas do trabalho, da justiça, do turismo e
violência policial, continuassem a acontecer3. O do legislativo, e, como resultado, houve inovações
rebatimento de tais situações nas condições de saú- importantes em algumas dessas áreas (TEIXEIRA
de e de segurança das mulheres e o próprio amadu- RODRIGUES, 2003).
recimento das entidades foram fatores fundamentais A inclusão da/o profissional do sexo dentro da Clas-
para que a discussão sobre a violência sofrida pelas sificação Brasileira de Ocupações (CBO) e a apresen-
“profissionais do sexo” fosse resgatada e situada tação do projeto de Lei do Deputado Fernando Gabeira,
dentro do debate mais amplo acerca da dignidade e que se examinará a seguir, são processos que demons-
dos direitos das mulheres que exercem a prostituição tram essas articulações, bem como os ganhos e impasses
(ALVAREZ; TEIXEIRA RODRIGUES, 2001). encontrados até o momento (BRASIL, 2002, 2003a).
A perspectiva das organizações é colocar a dis-
cussão da prostituição no campo da cidadania –
enfatizando-se em especial, a questão da atividade A Classificação Brasileira de Ocupações e a
referir-se a direitos sexuais e trabalhistas, e não a inclusão do profissional do sexo
uma questão criminal/penal. Esse processo tem re-
querido uma distinção clara de foco e de posicio- A discussão e aprovação da nova versão da Clas-
namento dentro do movimento, acerca de questões sificação Brasileira de Ocupações (CBO)5 se deu
próximas ao seu campo de atuação e da atividade no início dos anos 2000, sob coordenação do Minis-
mesma da prostituição, como o tráfico de pessoas, tério do Trabalho e Emprego (MTE), e envolveu di-
para fins de exploração sexual, e a exploração sexu- ferentes setores da sociedade que atuam na defesa
al de crianças e adolescentes – muitas vezes referi- dos interesses e direitos das prostitutas para discutir
da como “prostituição infantil” ou “infanto-juvenil”. a inclusão da atividade na CBO.
Em termos políticos, esse debate culminou com um As ações coordenadas pelo MTE na discussão
“racha” entre as lideranças do movimento, em virtu- relacionadas ao estatuto do “trabalho sexual” refleti-
de da discordância sobre a inclusão na pauta da Rede ram novas tendências em relação à questão da pros-
Nacional dos referidos temas, em particular da dis- tituição, que emergiram no Brasil, ao longo das duas
cussão sobre a exploração sexual de crianças e ado- últimas do século 20. O debate contou com a partici-
lescentes4 (BARRETO, 1994; TEIXEIRA RODRIGUES, pação de técnicos da área e representantes de orga-
2003). nizações de defesa dos direitos das prostitutas6, como
Vale dizer que essa não é uma polêmica própria se pode depreender das definições contempladas pela
deste período embora revele especificidades do mo- Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
mento histórico em que vive- O novo CBO traduz o re-
mos. A questão étnica, assim conhecimento por parte do
como o fluxo migratório, não A perspectiva das organizações MTE da “profissional do
parecem ser um diferencial sexo” como uma trabalhado-
entre a prostituição neste sé- é colocar a discussão da ra e inovou ante o modelo tra-
culo e no anterior (RAGO, dicionalmente adotado no país
1991). O que parece ter ocor- prostituição no campo da para o enfrentamento da
rido é uma inversão nesse flu- questão da prostituição. A
xo, denominado anteriormen-
cidadania – enfatizando-se em medida foi ao encontro da
te de tráfico de escravas especial, a questão da posição defendida pelo movi-
brancas, e no seu significa- mento de prostitutas de reti-
do, assinala Roberts (1998). atividade referir-se a direitos rar tudo o que diz respeito à
Hoje se constata nessa cor- prostituição do Código Penal,
rente migratória de prostitu- sexuais e trabalhistas, e não a tratando as questões relacio-
tas para países da Europa e nadas à atividade, na esfera
EUA uma forte discriminação uma questão criminal/penal. da legislação trabalhista.
contra essas mulheres nesses (BARRETO, 1995; BRASIL,
países. 2003a, 2003b).
Esses movimentos, principalmente a partir da As ocupações do mercado brasileiro de que tra-
década de 1990, lograram trazer outros setores da tam a CBO foram organizadas na norma aprovada
sociedade para a discussão de propostas relaciona- em 2002, em conjuntos mais amplos que aquele da
das ao campo da prostituição e influenciar na adoção ocupação – as “famílias”, que abrangem um grupo de
de iniciativas importantes na perspectiva do reconhe- ocupações similares. A ocupação de “profissional do
cimento de direitos e da identidade das pessoas en- sexo” indexada na CBO com o número 5198-05, faz
volvidas. No campo das políticas públicas, além da parte da família “prestador de serviço”e inclui tam-
bém as denominações “garota de programa”, “garoto dentre as “competências pessoais”, sinaliza para um
de programa”, “meretriz”, “messalina”, “michê”, “mu- ponto chave no universo da prostituição: os inúmeros
lher da vida”, “prostituta”, “quenga”, “rapariga”, “tra- conflitos que permeiam as relações entre os “profis-
balhador do sexo”, “transexual” (“profissionais do sionais do sexo”, provocados pela disputa por clien-
sexo”), e “travesti” (“profissionais do sexo”)”. tes, “pontos” ou por atritos envolvendo companhei-
Além da definição, cada ocupação inclui infor- ros, namorados e maridos (ALVAREZ; TEIXEIRA
mações referentes à “descrição” da atividade, às “ca- RODRIGUES, 2001).
racterísticas do trabalho”, às “áreas de atividades”, A inclusão da atividade na legislação do Minis-
às “competências pessoais”, aos “recursos de traba- tério do Trabalho , representa um avanço inequívovo
lho”, aos “participantes da descrição”, ao “relatório no modo como as políticas públicas brasileiras têm
da família”, à “tabela de atividades” e como inexistia tratado o tema da prostituição. Dentre os aspectos
anteriormente, não traz nenhum dado relativo à “con- inovadores da medida, além da inclusão de repre-
versão” (BRASIL, 2003a). sentantes legítimos do grupo interessado na ques-
Chama a atenção na descrição sumária da ocu- tão, há que se ressaltar o fato dessa iniciativa sig-
pação o cuidado em explicitar os diferentes locais em nificar uma alternativa às soluções policialescas –
que o trabalho sexual se rea- sob a responsabilidade de
liza – o que é feito de modo autoridades policiais ou sa-
ainda mais extensivo na des- A inclusão da atividade na nitárias – ainda bastante
crição das “condições gerais demandandas em diferentes
de exercício” –, e, principal- legislação do Ministério do segmentos da sociedade bra-
mente, o cuidado em incor- sileira. (TEIXEIRA RODRI-
porar ao campo de ação dos Trabalho, representa um GUES, 2003, 2007).
“profissionais do sexo” outras A valorização das entida-
atividades não relacionadas
avanço inequívovo no modo des da categoria e o
diretamente com a “presta- como as políticas públicas engajamento dos/as “profis-
ção de serviços de natureza sionais do sexo” em entida-
sexual”: “atendem e acompa- basileiras tem tratado o tema des dessa natureza têm de-
nham clientes homens e mu- monstrado ser uma questão
lheres, de orientações sexu- da prostituição. crucial para o combate à sua
ais diversas; administram or- exclusão e discriminação,
çamentos individuais e fami- bem como para a conquista
liares; promovem a organização da categoria. Re- da sua cidadania. Os êxitos inscritos nessa iniciativa
alizam ações educativas no campo da sexualida- são insuficientes para modificar o estatuto formal da
de; propagandeiam os serviços prestados” (BRA- prostituição ou seu reconhecimento como profissão;
SIL, 2002). circunstância que demandaria outro tipo de iniciativa
O documento elaborado pelo Ministério do Tra- e legislação (TEIXEIRA RODRIGUES, 2003).
balho enfatiza a necessidade de os “profissionais do
sexo” contarem com informações sobre saúde sexu-
al e outras que lhes proporcionem condições de exer- A descriminalização das atividades relacio-
cerem sua atividade com segurança e competência. nadas à prostituição e seu reconhecimento
Na descrição das “características do trabalho”, ao como serviço
abordar a “formação e experiência” destaca ainda a
importância de terem acesso a alternativas que lhes As mudanças por que vêm passando a sociedade
possibilite outros meios de geração de renda que brasileira, em termos de liberação sexual e dos cos-
viabilize o abandono da prostituição se assim o dese- tumes, não se traduziram em alterações na legisla-
jarem. Ali se informa que: ção do Código Penal Brasileiro, que permanecem sem
qualquer revisão até o momento7.
Outros cursos complementares de formação pro- No campo do legislativo, as organizações de de-
fissional, como por exemplo, cursos de beleza, de fesa dos direitos de prostitutas que têm procurado
cuidados pessoais, de planejamento do orçamen- mudar o estatuto legal da prostituição, lograram en-
to, bem como cursos profissionalizantes para ren- contrar aliados para a apresentação de propostas de
dimentos alternativos também são oferecidos pe- mudanças capazes de alterar o estatuto legal da pros-
las associações, em diversos Estados (BRASIL, tituição e se contrapor às iniciativas mais conserva-
2002a, online). doras em curso no período8. O tema foi colocado em
pauta no Parlamento Brasileiro pela primeira vez, em
Por fim, a recomendação de “prestar solidarieda- fevereiro 2003, por meio da apresentação de um Pro-
de aos companheiros”, incorporadas pela legislação jeto de Lei ao Plenário da Câmara Federal. O docu-
mento foi elaborado por um deputado de esquerda, e Justiça e Cidadania (CCJE). Antes mesmo da apre-
ligado ao movimento ecológico e, então, filiado ao ciação do voto do relator, foram apresentadas pro-
Partido dos Trabalhadores – o jornalista e deputado postas de substituições do texto, como a do PL n.
federal Fernando Gabeira. 2169/2003 e aos pareceres contrários, emitidos por
A proposta trata da “exigibilidade de pagamento dois dos três relatores. Em sentido contrário ao pro-
por serviço de natureza sexual e suprime os arts. 228, jeto do deputado carioca, o PL n. 2169/2003 tipifica o
229 e 231 do Código Penal” (BRASIL, 2003b, 2007a). crime de contratação de serviço sexual, e inclui na
A proposta implica uma alteração radical no modelo mesma pena quem aceita a oferta de prestação de
adotado no país na abordagem da questão. Desde as serviço de natureza sexual, sabendo que o serviço
primeiras iniciativas legislativas referentes à prosti- está sujeito à remuneração.
tuição, a alternativa adotada, no Brasil, convergiu com À falta de novo parecer da relatoria, o deputado
a perspectiva segundo a qual a prostituição é um “mal Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) foi designado
necessário”. Em termos concretos isto sempre signi- como novo relator, em agosto de 2004. Seu parecer
ficou permitir a atividade em si e estabelecer limites acolheu parcialmente a proposta do deputado Gabeira
ao seu exercício. Para isso optou-se, no início do sé- com a supressão do artigo n. 229 e vetou os demais
culo 20, por adotar mecanismos de segregação es- itens – inclusive o artigo primeiro do PL 98/2003, que
pacial e controle direto – por meio de instituições trata da exigibilidade de pagamento de serviço de
policiais e de saúde - sobre aqueles que a exerciam natureza sexual (FERREIRA, 2004).
(RAGO, 1991, TEIXEIRA RODRIGUES, 2003). Embora conclua pela aprovação, no mérito, na
A suspensão dessas medidas não significou o aban- forma do substitutivo, o parecer do deputado mo-
dono da referida perspectiva. Ao contrário, foi cris- difica a concepção que levou à formulação da pro-
talizada na legislação, que se manteve alheia à pros- posta, indo de encontro aos objetivos do PL 98/
tituição propriamente dita e criminalizou todas as ati- 2003, fundamentalmente, no que se refere ao re-
vidades e pessoas envolvidas com a infra-estrutura conhecimento da relação de trabalho estabelecido
para o funcionamento do “negócio”, como menciona por prostitutas/os e “clientes”, reivindicado pelos
o próprio autor do Projeto de Lei (PL) na “Justifica- movimentos de defesa dos diretitos de profissio-
ção”. Ou seja, ao propor a supressão dos artigos 228 nais do sexo.
a 231, do Código Penal de 1940, que além de constar Arquivado uma vez mais, sem ser submetido
no caput é objeto do artigo segundo, o Projeto de Lei à apreciação do plenário da CCJE dentro do ano
joga por terra a solução tradicionalmente adotada pelo legislativo de 2004, o PL 8/2003 voltou a exame no
legislativo nacional para solucionar a paradoxal pers- início do ano legislativo de 2005, com a indicação
pectiva do “mal necessário”, que entende ser a pros- do deputado federal, Antônio Carlos Magalhães Neto
tituição útil apesar de moralmente reprovável, como (PFL-BA), como relator. Pouco mais de dois me-
assinalado por Castro (1993). A tramitação do PL do ses depois de designado, seu parecer afirmava “pela
deputado Gabeira perdura por cinco anos e duas constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa
legislaturas e as reações e posicionamentos antagô- e, no mérito, pela ‘rejeição deste’; e pela consti-
nicos que têm suscitado expressam tendências pre- tucionalidade, juridicidade, má técnica legislativa e,
sentes no parlamento e na sociedade brasileira. (BRA- no mérito, pela ‘rejeição do PL 2169/2003’, apen-
SIL, 2003b, 2007). sado” (NETO, 2005, p. 11, grifos da autora). Embo-
Apresentado em Plenário, em fevereiro de 2003, ra tenha acolhido parte substantiva do parecer ela-
o PL n. 98/2003, foi objeto de uma audiência pública, borado anteriormente, o deputado baiano rejeitou a
na Comissão de Constituição e Justiça e de Reda- proposta de substitutivo do PL 98/2003 e do PL 2169/
ção, em agosto de 2003. Convocada especificamen- 2003, “em que pese seus relevantes objetivos”
te para discuti-lo, a audiência contou com a presença (NETO, 2005, p. 10).
de representantes de entidades feministas, da Rede Novamente arquivado ao fim da legislatura, o PL
Nacional de Profissionais do Sexo, universidades e 98/2003 voltou a ser discutido na Câmara, em abril
representantes dos órgãos governamentais que tem de 2007, mediante a solicitação de desarquivamento
trabalhado com o tema9. apresentada pelo deputado Gabeira. De volta à CCJE,
O relator designado após a audiência pública se a proposição recebeu pedido de vista conjunta de um
pronunciou “pela constitucionalidade, juridicidade e grupo de treze parlamentares, das mais diferentes
adequada técnica legislativa, e, no mérito, pela apro- filiações partidárias que, após o exame do PL, utili-
vação” (ALENCAR, 2004). Entre outras justificativas zaram-se do Voto em Separado (VS) para registrar
arroladas para substanciar o parecer, o relator afir- suas posições. Dos seis parlamentares que optaram
ma os “incontáveis benefícios sociais decorrente da por esse artifício, alguns se manifestaram contrários
medida”. Único posicionamento favorável de todo o ao parecer do relator e também ao PL 98/2003, en-
processo, o parecer encontrou oposição na Câmara, quanto outros, por serem favoráveis ao PL 98/2003,
durante o seu exame pela Comissão de Constituição posicionaram-se contra o parecer do relator.
O deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA) segregacionistas e repressivas com relação à prosti-
propôs em seu VS o acolhimento do PL 98/2008, por tuição, registradas no país ( PIMENTEL , 1994;
acreditar que ROBERTS, 1998; TEIXEIRA RODRIGUES, 2003).
Vale notar ainda, a ausência ostensiva de parla-
[...] a previsão de exigibilidade do pagamento pela mentares identificados com as lutas feministas nos
prestação de serviços de natureza sexual não ofen- debates legislativos. Embora algumas entidades te-
de o mandamento da função social dos contratos; nham se feito representar em audiências e debates
antes, realiza-o, pois prestigia os princípios da pro- públicos, o mesmo não se verificou em termos do
bidade e da boa fé, inscritos no artigo 422 do Códi- “apadrinhamento” e defesa do PL. Essa situação
go Civil como corolários da regra do artigo 421 [...] pode ser atribuída às divergências que marcam o di-
(BRASIL, 2007, online). álogo dos dois movimentos e a postura abolicionista
adotada por muitas vertentes do feminismo.
O parecer do relator foi aprovado na primeira (EDWARDS, 1997; ROBERTS, 1998).
semana de novembro de 2007, em uma sessão da
CCJE, com a presença de 60 deputados. Seis depu-
tados manifestaram-se contrários10 ao parecer e seis A título de encerramento
apresentando voto em separado11. A única mulher,
integrante do grupo embora tenha apresentado VS, Os processos examinados nesse artigo mostram
acompanhou integralmente o parecer do relator (BRA- avanços e obstáculos enfrentados pelos movimentos
SIL, 2007a). sociais de prostitutas brasileiras, em busca de garan-
O parecer aprovado foi encaminhado à Coorde- tir cidadania e enfrentar a discriminação contra as
nação de Comissões Permanentes (CPP) para pu- pessoas que exercem a prostituição. São ilustrativos
blicação. Cerca de 15 dias depois o PL 98/2003 foi da tônica dominante no período que abre possibilida-
alvo de dois requerimentos apresentados à Mesa des, até há pouco inimagináveis, de ressignificação
Diretora da Câmara solicitando a inclusão da Comis- da prostituição e reinserção social das pessoas que
são de Segurança Pública e Combate ao Crime Or- sobrevivem da atividade, ao mesmo tempo em que
ganizado (REQ-2012/2007, Deputado Dr. Talmir, PV- amplifica sobremaneira também os processos de se-
SP) e as Comissões de Seguridade Social e Família gregação e discriminação dessa população. Não sig-
(CSSF) e de Trabalho, de Administração e Serviço nificaram a modificação do estatuto da prostituição
Público (CTASP) (REQ-2033/2007, Deputado João ou seu reconhecimento como “um trabalho como
Campos). Enquanto o Requerimento n. 2012/2007 foi outro qualquer” (EDWARDS, 1997).
indeferido devido à temática não se inserir na com- As resistências manifestadas no legislativo e as
petência da referida Comissão, o 2033/2007 foi par- divisões internas, demarcadas mais recentemente,
cialmente deferido, incluindo-se a Comissão de Tra- levaram os movimentos em defesa dos direitos de
balho, de Administração e Serviço Público, no exa- profissionais do sexo a procurar aliar-se e a se forta-
me da matéria (BRASIL, 2007b, 2007c). lecer junto a sujeitos institucionais e responsáveis por
Encaminhada à CTASP, às vésperas do recesso ações em outras áreas de política pública, como as
parlamentar do final do ano de 2007, a proposição do trabalho, a da justiça e a do turismo. Nesses âm-
teve designado como relator, o autor do REQ-2033/ bitos, parece haver pelo menos alguns núcleos, den-
2007, o deputado João Campos (PSDB-GO). Sem tro da burocracia estatal, mais receptivos à perspec-
que houvesse nesse período qualquer manifestação tiva da cidadania, aos direitos humanos e sexuais
a respeito, a matéria aguarda a apreciação do Plená- (ALVAREZ; TEIXEIRA RODRIGUES, 2001; TEIXEIRA
rio, em regime ordinário de tramitação. RODRIGUES, 2003; SZTERENFELD, 1994).
O fato de ter se passado mais de um ano sem que É o que se pode depreender dos avanços logra-
haja qualquer movimentação em relação ao PL re- dos nas últimas décadas no campo da saúde e, mais
trata as dificuldades e divergências em relação ao recentemente no campo do trabalho, como as altera-
tema entre as bancadas parlamentares e, também, ções na CBO, aqui analisadas. Essas iniciativas são
as dificuldades advindas da dinâmica do próprio Con- importantes para a construção de políticas públicas,
gresso, em ano eleitoral. Os obstáculos à tramitação condizentes com os compromissos assumidos pelo
e à aprovação da proposta pelo Congresso demons- Brasil em diferentes fóruns internacionais e para
tram fundamentalmente, entretanto, a resistência dos modificar o estatuto legal da atividade, seu significa-
grupos organizados, cujas bases se situam principal- do social e a inserção daquelas e daqueles que delam
mente entre representantes de instituições religiosas, sobrevivem. Contrapropostas e formulações de ori-
funcionários e ex-funcionários do sistema de justiça entação higienista e controlista têm procurado anulá-
criminal, com destaque para parlamentares ex-inte- las, como se observou, por exemplo, nas reações às
grantes do judiciário e da polícia. Não por acaso, seg- mudanças mais profundas, que poderiam advir com
mentos historicamente articulados às inciativas a aprovação do PL 98/2003.
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Mulheres: vigiadas e castigadas. São Paulo: Cladem-Brasil, 2 Explicação fornecida a pesquisadora durante uma conversa
1995, p. 463-470. com a Presidente da Rede.
3 Esta situação se deve principalmente ao fato de as entidades
LIPOVETSKY, G. El crepúsculo del deber. Barcelona: terem que adequar seus projetos às temáticas propostas
Anagrama, 1994. pelos organismos de financiamentos. Circunstância comum
às diferentes entidades – movimentos sociais e organizações
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Garland Publishing Inc., 1993, p. 225-247. 4 Informações obtidas em conversas informais travadas pela
autora com lideranças do movimento de prostitutas e com
NETO, A. C. M. Parecer do relator, dep. Antonio Carlos outras pesquisadoras que estudam o tema.
Magalhães Neto (DEM-BA), Disponível em: <http://
www.camara.gov.br/sileg/integras/308020.pdf>. Acesso 5 A CBO “trata do reconhecimento da existência de determinada
em: dez. 2005. ocupação (no mercado de trabalho)” e foi apresentada pela
primeira vez em 1982.
PARKER, R.; BASTOS, C. A Aids no Brasil 1982-1992.
Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. 6 Os representantes da Associação de Mulheres “profissionais
do sexo” da Bahia, o Núcleo de Estudos da Prostituição de
PIMENTEL, S. A prostituição e o Código Penal. In: Porto Alegre, a Davida – Prostituição, Direitos Civis, Saúde,
SEMINÁRIO NACIONAL: PROSTITUIÇÃO E TRÁFICO a Igualdade – Associação de Travestis e Transexuais do Rio
DE MULHERES, 1994, Belém/PA. Anais... São Paulo: Grande do Sul e o Grupo de Prostitutas do Estado do Pará,
Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Belém; participaram ativamente das discussões,
Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo,
1994, p. 10-11. 7 A tentativa de reformulação do Código Penal, que ganhou
força somente na última década do século 20, ensejou a
RAGO, M. Os prazeres da noite – prostituição e códigos elaboração de propostas de reformulação que, todavia, não
da sexualidade feminina em São Paulo (1890-1930). Rio de alcançam os artigos referentes à prostituição. Continua-se a
Janeiro: Paz e Terra. 1991. criminalizar todas as atividades que, de algum modo, fornecem
a infra-estrutura para o seu funcionamento, o que revela a
ROBERTS, N. As prostitutas na história. Tradução de prevalência do debate no marco da moralidade (BRASIL,
Magda Lopes. Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Tempos, 2002; PIMENTEL, 1994).
1998.
8 Assistiu-se, em 1997, a nova tentativa de incorporar
SZTERENFELD, C. Prostitutas: de transmissoras à perspectiva “regulamentarista” à legislação brasileira, por
educadoras. In: PAIVA, V. (Org.). Em Tempos de Aids. São meio de Projeto de Lei apresentado pelo deputado federal
Paulo. Summus Editorial, 1994. p.193-201. Wigberto Tartucce (1994-1998), do Partido Progressista
Brasileiro. Conforme detalhado no caput do Projeto de Lei
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estudo de caso. 372 p. Tese (Doutorado em Sociologia) – regulamentação das atividades exercidas por pessoas que
Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, praticam a ‘prostituição’ em desacordo com os ‘costumes
2003. morais e atentatórios ao pudor ’” (BRASIL, 1997, grifos da
autora).
______. Prostituição e polícia em Brasília na década de
1990. In: COSTA, A.; BANDEIRA, L. M. (Org.). A 9 A autora participou dessa audiência como convidada.
segurança pública no Distrito Federal: práticas
institucionais e dilemas culturais. Brasília: Editora LGE, 10 Foram eles, os Deputados Maurício Quintella Lessa, Sarney
2007. v. 1, p. 135-164. Filho, Maurício Rands, Sérgio Barradas Carneiro, Marcelo
Itagiba e José Genoíno.
UnB
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