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Duas Teorias de Democratização. para Além Da Esquerda e Da Direita. Giddens, Anthony, 1996.
Duas Teorias de Democratização. para Além Da Esquerda e Da Direita. Giddens, Anthony, 1996.
CAPÍTULO 4
A popularidade da democracia
1 Citações aqui e seguintes extraídas de: FUKUYAMA, F. The End of History and the
Last Man. London: Hamilton, 1992. p.xiii, 21, 43, 200, 206, 332, 283. (Ed. bras.
O fim da história e o ultimo homem. Trad, de Aulyde Soares Rodrigues. Rio de Janeiro:
Rocco, 1992.]
atual é a falta de derramamento de sangue nas transições que ocorreram
- m e s m o e especialmente aquelas ocorridas no Leste Europeu. Essa
"retirada voluntária d o poder", embora geralmente provocada por situa-
ções críticas específicas, "tornou-se possível basicamente graças a u m a
convicção cada vez maior de que a democracia seria a única fonte legítima
de autoridade n o m u n d o m o d e r n o " . A impotência econômica da U n i ã o
Soviética, na verdade, apenas expôs sua fraqueza mais fundamental: sua
falta de legitimidade.
A o contrário de alguns outros autores, que viram alguma tensão
entre liberalismo e democracia, Fukuyama considera os dois componen-
tes d a democracia liberal como intimamente ligados. O liberalismo é o
d o m í n i o da lei, o reconhecimento dos direitos de liberdade de expressão
e o direito à livre posse de propriedade. A democracia é o direito de todos
os cidadãos de votar e formar associações políticas. Esse direito pode ser
visto c o m o u m entre outros direitos liberais - na verdade, o mais
importante - , daí o laço entre liberalismo e democracia. N o entanto, a
própria democracia só pode ser definida de u m a forma processual; não
se pode transformá-la em substantiva como procuraram fazer os Estados
comunistas. U m Estado é democrático " s e ele concede a seu povo o
direito de escolher seu próprio governo por meio de votação periódica
secreta, eleições multipartidárias, baseadas no sufrágio universal e igual".
D e maneira semelhante, existe u m a estreita e evidente relação entre
a democracia liberal e o capitalismo. Esse laço não é econômico, como
argumentam os neoliberais. N e s s e ponto, diz Fukuyama, precisamos
voltar a Hegel. O avanço universal da democracia liberal está ligado ao
entendimento da história como u m a "luta por reconhecimento". E m b o r a
o desejo de reconhecimento passe por várias vicissitudes, na era burguesa
ele se torna embutido nas convicções liberais, c o m o o reconhecimento
de que todo indivíduo tem o direito de viver autonomamente e com
dignidade. C o m b i n a d a com o capitalismo, a democracia liberal cria
grande abundância material; no entanto, o que motiva a democratização
não é a riqueza m a s " o fim completamente não material d o reconheci-
mento de n o s s a liberdade". A democracia liberal "reconhece" todos os
seres h u m a n o s " a o conceder e proteger seus direitos". A democracia
liberal e o capitalismo estão ligados u m ao outro porque o desenvolvi-
mento econômico amplia as condições de autonomia individual. O
crescimento econômico, fortalecido pela ciência e pela tecnologia, requer
u m sistema educacional desenvolvido; e a educação universal libera " u m
certo desejo de reconhecimento que não existia entre as pessoas mais
pobres e menos escolarizadas".
N o entanto, quão satisfatório será viver nesse universo social de
democracia liberal triunfante ? Fukuyama conclui de uma maneira que
lembra Weber e apoiando-se, da mesma forma que este, e m N ietzsche.
Bravura, heroísmo, nobreza e até mesmo a virtude, para N ietzsche, são
coisas alcançáveis apenas nas sociedades aristocráticas. A sociedade
burguesa significa o domínio da mediocridade - existe mais do que u m
simples eco do V e l h o Conservadorismo naquilo que Fukuyama tem a
dizer. Ele também demonstra uma certa semelhança com os mais recentes
críticos conservadores do relativismo moral. Pode não haver nada além
da democracia liberal, mas essa ordem produz seus próprios problemas
e fragilidades internas:
O que é democracia?
r esposta correta." 4
^ Citações de MILLER, D., Deliberative democracy and public choice. In: HELD, D.
op. cit., 1992, p.55-7.
Essa abordagem tem algumas implicações importantes para a demo-
cratização da democracia. Em uma ordem social cada vez mais reflexiva,
na qual as pessoas também são livres para ignorar a política quando
assim o desejarem, a legitimidade política não vai ser prontamente
mantida apenas porque um aparato de eleição, representação e parlamen-
to está à disposição. Para criar e preservar essa legitimidade, é provável
que os princípios da democracia deliberativa tornem-se cada vez mais
significativos. Em circunstâncias de modernização simples, nas quais a
população possui costumes ou hábitos relativamente estáveis e locais, a
legitimidade política pode depender apenas parcialmente do simbolismo
tradicional. Ninguém se preocupa muito com o que acontece nos
bastidores. T o d o tipo de clientelismo e até mesmo de corrupção absoluta
pode não só sobreviver, como também tornar-se, dentro da liderança
política, a forma homologada de se fazer as coisas. Impostos e outros
recursos usados pelo aparelho governamental ou oficial, por exemplo,
podem ter outra destinação sem muita explicação pública sobre para onde
vai o dinheiro.
Democracias dialógicas