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E Book As Igrejas de Cachoeira
E Book As Igrejas de Cachoeira
2020
Copyright © As Igrejas de Cachoeira: história, arquitetura e ornamentação
Copyright © Clio Gestão Cultural e Editora
EDITORA EXECUTIVA:
Tânia Maria T. Melo Freitas
CONCEPÇÃO DA CAPA:
Ludmila Andrade Rennó
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO:
Ludmila Andrade Rennó
REVISÃO GRAMATICAL:
Simone Mara de Jesus
REVISÃO GERAL:
Tânia Maria T. Melo Freitas
REGISTRO E CATALOGAÇÃO:
Gislene Rodrigues da Silva
CDU – 930.85
Belo Horizonte
2020
AS IGREJAS DE CACHOEIRA
HISTÓRIA, ARQUITETURA E ORNAMENTAÇÃO
FICHA TÉCNICA
Pesquisa
Camila Fernanda Guimarães Santiago
Igor Roberto de Almeida Moreira
Sabrina Mara Sant’Anna
Tradução latim-português
Francisco Taborda, SJ
Desenhos
Antônio Wilson Silva de Souza
Samantha Úrsula Sant’Anna
Fotografia
Chico Brito
Edição de imagens
Dionísio Silva
Juninho Motta
Magno Tavares
CONTEÚDO
Agradecimentos................................................................................................... 7
Apresentação...................................................................................................... 11
GLOSSÁRIO................................................................................................... 175
6 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
AGRADECIMENTOS
8 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
- Capela de Nossa Senhora do Rosário do Santíssimo Coração de Maria:
Fausto Cruz;
- Capela de Nossa Senhora da Conceição dos Pobres: Jocelina Lima da
Conceição.
12 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
religiosas de leigos estabelecidas em Cachoeira nos séculos passados
não edificaram capela própria e, por isso, não foram destacadas. É o
caso, por exemplo, da Irmandade do Santíssimo Sacramento, sediada
na Matriz de Nossa Senhora do Rosário, da Irmandade do Bom Jesus
da Paciência, que teve sede na Capela da Ordem Primeira de Nossa
Senhora do Carmo, da Irmandade de São Benedito, que funcionava na
Capela de Nossa Senhora D’Ajuda, e da Irmandade de Nossa Senhora
da Boa Morte, originalmente sediada na Capela da Ordem Primeira do
Carmo. Atualmente, a Irmandade da Boa Morte tem uma casa-sede
e um memorial na rua 13 de maio. A celebração da festa que as irmãs
tradicionalmente realizam no mês de agosto é acompanhada pelos
moradores da cidade e também por muitos turistas.
O livro As igrejas de Cachoeira: história, arquitetura e
ornamentação foi elaborado com base em pesquisas e critérios
metodológicos da História e da História da Arte. Foram consultados
documentos manuscritos no Arquivo Histórico Ultramarino (Projeto
Resgate), no Arquivo Público do Estado da Bahia, no Laboratório
Reitor Eugênio Veiga (Universidade Católica do Salvador), no
Arquivo Municipal de Cachoeira, no Arquivo da Venerável Ordem
Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo e no Arquivo da Santa
Casa da Misericórdia de Cachoeira. As fontes documentais foram
minuciosamente analisadas e interpretadas, possibilitando-nos conhecer
alguns aspectos até então desconhecidos da história de Cachoeira e de
seus templos. Fontes impressas também foram alvo de pormenorizado
estudo. Muitas são antigas, contemporâneas de algumas edificações,
como o tomo nono do Santuário Mariano, de frei Agostinho de
Santa Maria, publicado em 1722. Outras, posteriores, nos legaram
valiosíssimos testemunhos sobre o estado das fachadas e ornamentação
dos templos, como é o caso do relato ilustrado de Epiphanio José de
Meirelles, publicado em 1866 na obra Brasil Histórico, de Alexandre José
de Mello Moraes. Importantes também foram os trabalhos pioneiros
de Pedro Celestino da Silva e as Ephemerides Cachoeiranas de Aristides
Milton. Outras fontes de informação foram o Inventário de Proteção do
Acervo Cultural: monumentos e sítios do Recôncavo e os Inventários de
Bens Móveis e Integrados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Além disso, a pesquisa abarcou a produção acadêmica: livros,
14 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
CAPÍTULO 1
A FORMAÇÃO DO NÚCLEO URBANO DE CACHOEIRA:
DOS PRIMÓRDIOS DA COLONIZAÇÃO AO SÉCULO XIX
16 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
A criação da Freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Porto
da Cachoeira e seu desenvolvimento no final do século XVII
18 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Em 1691, foi criada a Venerável Ordem Terceira de Nossa
Senhora do Monte do Carmo. As ordens terceiras são associações de
leigos que se reúnem em torno de uma devoção comum e são submetidas
a uma ordem religiosa, no caso, à Ordem Carmelita. A vinculação a
uma ordem religiosa é o principal diferencial entre as ordens terceiras e
as irmandades de compromisso, que também são agremiações de leigos.
Esses dois tipos de associações regem-se por documentos chamados
estatutos, no caso das ordens terceiras, e compromissos, no caso das
irmandades. Há também outra categoria, denominada irmandade de
devoção. Esta se distingue por não ser oficialmente instituída, ou seja,
não é regida por livro de compromisso chancelado pelas autoridades
competentes; sua função é primordialmente devocional.
Os estatutos e compromissos estabelecem os deveres dos
agremiados, como o pagamento de taxas de entrada e anuidades, a
participação nas celebrações em honra da invocação padroeira (missas e
procissões) e o acompanhamento dos ritos fúnebres dos outros irmãos;
estabelecem também os seus direitos, dentre os quais destacamos a
celebração de missas em intenção de suas almas e a garantia de uma
sepultura digna.
As ordens terceiras e irmandades de compromisso, especialmente
durante o período colonial, desempenharam, na América Portuguesa,
importante papel social, religioso e cultural, posto que funcionaram
como agentes da caridade cristã, prestando assistência material e
espiritual aos seus agremiados, contribuíram para o desenvolvimento
do culto santoral e atuaram como patrocinadoras das artes, edificando
templos e contratando os serviços de entalhadores, pintores, santeiros,
músicos, etc.12
20 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
a do português João Peres Ribeiro (quatro mil réis), a do capitão
Sebastião Pereira (dez mil réis), a de Cristóvão da Rocha Pita (duas
sacas de açúcar branco), a de Antônio Carvalho Pereira (uma dúzia
de panos). Nota-se, assim, a presença de uma elite já assentada e com
peso político e econômico. A Vila de Nossa Senhora do Rosário do
Porto da Cachoeira foi definitivamente instalada no dia 29 de janeiro
do referido ano de 1698.15
No século XVIII, a Vila da Cachoeira e seu termo possuíam
significativa dimensão territorial. A palavra termo designava a região
que fazia parte da jurisdição dos juízes da vila,16 como se fossem distritos
submetidos à administração da câmara. Vejamos, abaixo, um fragmento
do documento que descreve os limites da jurisdição da Câmara da Vila
da Cachoeira:
22 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Em meados do século XVIII, Cachoeira consolidava-se como
a maior e mais próspera vila da Capitania da Bahia. Sua já mencionada
localização privilegiada, no trecho final do percurso navegável do rio
Paraguaçu, transformou-a na porta de entrada e saída de algumas das
principais rotas comerciais. Tal posição geográfica conferiu ao porto da
Cachoeira o status de um dos mais importantes entrepostos comerciais
da América Portuguesa. Por ele, era escoada a produção de tabacos
advinda das cercanias da vila, além de um grande volume de mercadorias
provenientes do alto sertão e das minas, que seguiam com destino a
Salvador, como testemunha o relato abaixo de 1752.
Que por este rio, que é invadiavel, por ser muito largo e
profundo, costumam atravessar de uma parte para outra
parte, não só aqueles moradores circunvizinhos, mas
todos os passageiros e comerciantes que vão, e vem das
minas com seus comboios de escravos, fazendas, muitas
boiadas, que transportam por negociação dos sertões,
do norte para os do sul, donde ei dão consumo e não
tem outro trajeto, e por isso se fundou ali aquela Villa,
e se chama porto da Cachoeira desde então até agora. 24
24 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
A elevação da Vila da Cachoeira à Heroica Cidade e seu
desenvolvimento no século XIX
Figura 2 - Projeto da ponte entre a Vila da Cachoeira e o arraial de São Félix, 1816.
Desenho aquarelado, 38 x 49 cm. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro.
26 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Em 1817, passavam por Cachoeira os naturalistas alemães Carl
Friedrich Philipp von Martius e Johann Baptist von Spix. Eles iniciaram
sua longa jornada científica pelo Brasil no Rio de Janeiro e rumavam
para o norte, onde alcançariam o rio Amazonas. Impressionados com
a intensa atividade comercial da Vila da Cachoeira, eles escreveram o
seguinte:
28 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
No ano de 1855, Cachoeira foi acometida pela famigerada
epidemia de colera morbus, que durante a sua vigência modificou por
completo a dinâmica da cidade. As primeiras vítimas residiam nos
bairros do Caquende e Pitanga, locais onde corriam dois pequenos
rios que serviam de esgoto. Foram vitimados 3.000 cachoeiranos. Se
contabilizarmos os óbitos ocorridos nos distritos da cidade, o total de
mortos chegou a 8.500.39 Nesse mesmo ano, foi iniciada a construção
da Capela de Nossa Senhora da Conceição dos Pobres, no Caquende.40
Em 1859, a cidade recebeu a visita do Imperador Dom Pedro II
e da Imperatriz Tereza Cristina. Os ilustres hóspedes ficaram instalados
no imponente sobrado pertencente a dona Maria de Santa Rosa de
Lima (atual sede da Fundação Hansen-Bahia), localizado no número
13 da então Rua de Baixo (atual rua 13 de Maio).41 Durante a estadia
na Heroica Cidade da Cachoeira, o imperador visitou todos os edifícios
religiosos. As crônicas da viagem revelam que, naquele momento, dez
templos já haviam sido erigidos:
30 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Arantes. As irmandades de São Miguel e as almas do Purgatório: culto e iconografia
no setecentos mineiro. Belo Horizonte: C/Arte, 2013. 247 p. REIS, João José. A
morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São
Paulo: Companhia das Letras, 1991. 357 p.
13 ANDRADE, Adriano Bittencourt. O Recôncavo colonial e a formação da rede
urbana regional no século XVIII. In: REIS, Adriana Danta; ADAN, Caio Figueiredo
Fernandes. (Org.). Estudos em história colonial: a Baía de Todos os Santos e outros
espaços luso- americanos. Feira de Santana: UEFS Editora, 2018. p. 268.
14 Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino Brasil-Bahia. Projeto
Resgate - Bahia Avulsos (1604-1828). Requerimento do procurador da Câmara da
vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira Mathias da Guerra ao rei
[D. João V] solicitando mandar que o escrivão da mesma Câmara passe certidão do
que constar nos livros sobre os rolos de tabaco transportados da dita vila para a cidade
da Bahia. Anexo: 4 docs. Caixa 103, doc. 8104.
15 MEMÓRIA HISTÓRICA DA CACHOEIRA, 1698-1998: salve os 300 anos
da instalação da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. Salvador:
Fundação Maria América da Cruz; Reconcentro; Fundação Cultural do Estado da
Bahia, 1998. p. 5-10.
16 Consulte o verbete TERMO em BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e
Latino. Coimbra: no Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1728. vol. 8. p. 114.
17 MEMÓRIA HISTÓRICA DA CACHOEIRA... op. cit., p. 5-10. A grafia foi
atualizada na transcrição.
18 Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino Brasil-Bahia. Projeto
Resgate - Bahia Avulsos (1604-1828). Representação dos oficiais da câmara da vila
da Cachoeira ao rei [D. João V] solicitando privilégios de nobreza. Caixa 24, doc.
2216. CARRARA, Angelo A. A população do Brasil, 1570-1700: uma revisão
historiográfica. Revista Tempo, vol. 20, p. 1-21, 2014.
19 Arquivo Público do Estado da Bahia, Salvador. Seção Judiciário, Livros de Notas
Cachoeira, n. 022, fls. 88-98.
20 Arquivo Público do Estado da Bahia, Salvador. Seção Judiciário, Livro de Notas
Cachoeira, n. 022, fls. 88-98.
21 Arquivo Público do Estado da Bahia, Salvador. Seção Judiciário, Livro de Notas,
n. 022, fls. 97v.
22 NASCIMENTO, Luiz Cláudio Dias do. Terra de Macumbeiros: Redes de Socia-
bilidades Africanas na Formação do Candomblé Jeje - Nagô em Cachoeira e São Felix.
2007. 42 f. Dissertação - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2007.
32 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
de Deus e a Santa Casa de Misericórdia de Cachoeira, Bahia (1756 a 1872). 2015.
23 f. Tese - Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciên-
cias, Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana,
Salvador, 2015.
33 REBELLO, Domingos José Antônio. Corografia ou abreviada história geográfica
do Império do Brasil. Salvador: Bahia na Tipografia Imperial e Nacional, 1829. p. 190.
34 NASCIMENTO, Luiz Cláudio Dias do. Terra de Macumbeiros: Redes de So-
ciabilidades Africanas na Formação do Candomblé Jeje - Nagô em Cachoeira e São
Felix... op. cit., p. 53.
35 NASCIMENTO, Luiz Cláudio Dias do. Terra de Macumbeiros: Redes de So-
ciabilidades Africanas na Formação do Candomblé Jeje - Nagô em Cachoeira e São
Felix... op. cit., p. 43-44.
36 MORAES, Alexandre José de Melo. Brasil Histórico... op. cit., p. 78.
37 NASCIMENTO, Luís Cláudio Dias do. “Igreja de Nossa Senhora dos Remédios
vai desmoronar.” Disponível em: <http://cacaunascimento.blogspot.com.br/2013/07/
igrejade-nossa-senhora-dos-remedios.html>. Acesso em 20 de julho de 2020.
38 Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Periódico O Constitucional, edição 11, 1853,
01/03/1853, p. 3.
39 MILTON, Aristides. Ephemerides Cachoeiranas ... op. cit., p. 259-261.
40 MILTON, Aristides. Ephemerides Cachoeiranas ...op. cit., p. 323.
41 SOUSA, Bernardo Xavier Pinto de. Memórias da Viagem de S.S Magestades
Imperiaes às Provincias da Bahia, Pernambuco, Parahiba, Alagoas, Sergipe, e Espi-
rito-Santo, dividida em 6 partes e um additamento: com retratos de SS. Magestades,
e das Serenissimas Princezas as Senhoras D. Isabel e D. Leopoldina. Rio de Janeiro:
Pinto de Sousa, 1861. p. 145.
42 SOUSA, Bernardo Xavier Pinto de. Memórias da Viagem de S.S Magestades
Imperiaes às Provincias da Bahia, Pernambuco, Parahiba, Alagoas, Sergipe, e Espiri-
to-Santo, dividida em 6 partes e um aditamento... op. cit., p. 154.
43 Arquivo Municipal de Cachoeira. Requerimento enviado à Câmara Municipal.
Documentos Avulsos.
44 Biblioteca Nacional, Periódico Diário de Notícias, edição do dia 14/07/1885, p. 2.
36 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
por linhas retas e desenhos precisos. A arquitetura e a arte clássicas
– obras realizadas pelos gregos e romanos na Antiguidade – eram
consideradas modelos de rigor e perfeição formal. As escavações e
importantes descobertas arqueológicas da cidade de Herculano, em
1738, e de Pompéia, em 1748, bem como a publicação e a circulação
de livros sobre a antiga arte greco-romana favoreceram o entusiasmo
pela retomada do padrão estético clássico. O novo estilo, denominado
Neoclássico, predominou na Europa entre as últimas décadas do século
XVIII e a primeira metade do século XIX.4
Sabemos que durante os períodos de vigência do Barroco, do
Rococó e do Neoclássico na Europa, a presença do colonizador na
América Portuguesa já era uma realidade bem consolidada. Entre o final
do século XVII até por volta da sexta década do século XVIII, as ordens
religiosas e as associações de leigos, principais patrocinadoras da arte
sacra no território americano português, não pouparam esforços para
ornamentar o interior de seus templos conforme a tendência estilística
do Barroco.5 É importante considerar que a colonização intencionava
disseminar o universo cultural europeu, suas crenças e formas de
compreensão do mundo. Os exuberantes interiores barrocos, capazes
de extasiar os sentidos dos que neles adentravam, serviram muito bem
para esse fim. Em Cachoeira, podemos conhecer a concepção decorativa
desse estilo no interior da Capela da Venerável Ordem Terceira do
Carmo, como teremos oportunidade de demonstrar no capítulo 5. Nesse
templo, há dois tipos de retábulo barroco: o nacional português e o
joanino.6 O primeiro foi assim denominado pelos especialistas porque é
uma criação portuguesa, sem precedentes em outros países da Europa;
o segundo, derivado do barroco italiano, foi chamado joanino porque
vigorou na época de Dom João V, monarca português que durante o
seu longo reinado (1706-1750) muito incentivou e patrocinou a arte
no vasto território sob o seu domínio.
Os retábulos do tipo nacional português e do tipo joanino
apresentam características peculiares e muito distintas, perceptíveis
nos modelos executados no templo da Venerável Ordem Terceira do
Carmo de Cachoeira (fig. 3 e 4). No primeiro caso, destacam-se os arcos
concêntricos, no coroamento, com tarja ao centro; no segundo caso,
38 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Figura 4 – Retábulo barroco do tipo joanino. Capela-mor do templo da Ordem
Terceira do Carmo, Cachoeira. Desenho de Antônio Wilson Silva de Souza, 2020.
40 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Decoração importantíssima nos interiores barrocos e rococós
das igrejas edificadas na América Portuguesa são as pinturas dos forros.
Inicialmente, destacavam-se as pinturas realizadas em painéis de
madeira circundados por molduras salientes, os chamados caixotões.
Em Cachoeira, podemos observar esse tipo de ornamentação no forro
da nave da Capela da Venerável Ordem Terceira do Carmo.
42 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Figura 7 – Detalhe da pintura de falsa arquitetura. Forro da nave da Matriz de Nossa
Senhora do Rosário, Cachoeira. Foto: Chico Brito, 2020.
44 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Conforme explicamos no capítulo anterior, Cachoeira
desenvolveu-se e tornou-se próspera graças a sua privilegiada localização
geográfica – no último trecho navegável do rio Paraguaçu – e, também,
devido ao cultivo do açúcar, especialmente na região do Iguape,
e do tabaco. Açúcar, tabaco e atividades portuárias assentaram-se,
principalmente, sobre a mão de obra africana e crioula (negros nascidos
na América Portuguesa) escravizada. Embora ainda careçamos de
estudos acadêmicos sobre esse assunto em relação a Cachoeira, é lógico
e plausível pressupor, baseando-se em pesquisas realizadas para outras
localidades, que o trabalho de construção e ornamentação dos templos
que iremos analisar neste livro também contou com a mão de obra dos
escravizados.13 Não devemos pensar nesses sujeitos históricos apenas
como executores de trabalhos braçais que desempenhavam tarefas
gerais, como desbastar e carregar pedras ou transportar madeiras. É
preciso considerar e destacar que muitos dominavam ofícios, como o
de pintor ou entalhador, e passaram a desempenhá-los com maestria. É
verdade que o aprendizado de um ofício os tornava mais valorizados no
mercado de escravizados, mas também possibilitava a alguns a conquista
da liberdade (alforria).14
Afrodescendentes alforriados ou nascidos livres, a maioria
pardos, como eram chamados os mestiços na época, ascenderam
à condição de mestres, sendo requisitados pelas ordens religiosas
e associações leigas para executarem obras artísticas nos templos.
Seus trabalhos foram aclamados e muitos alcançaram destaque. Eles
adaptaram os modelos europeus, criaram obras ímpares, aclimatadas
ao gosto e cultura locais e dirigiram suas oficinas e equipes de trabalho,
normalmente integradas por aprendizes e ajudantes livres, alforriados
e escravizados. Como exemplo, citamos José Teófilo de Jesus, pintor
pardo que se destacou no cenário artístico de Salvador no final do
século XVIII e início do XIX, responsável por importantes pinturas,
como a do forro da nave da Capela da Ordem Terceira do Carmo de
Salvador,15 e Joaquim Francisco de Mattos (Roseira), mestre entalhador
pardo, nascido em Cachoeira por volta de 1792, atuante em Salvador
entre 1818 e 1851, onde executou várias obras, dentre elas o retábulo-
mor e toda a talha da Matriz do Santíssimo Sacramento e da Matriz de
Nossa Senhora do Pilar.16
46 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Notas
1 BAETA, Rodrigo Espinha. Teoria do Barroco. Salvador: EdUFBA, 2012. p. 19-22.
2 Sobre o barroco consulte ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e Persuasão: ensaios
sobre o barroco. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. WOLFFLIN, Heinrich.
Conceitos Fundamentais da História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
3 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil e seus
antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 23-25.
4 SOUZA, Antônio Gilberto Abreu de. Arquitetura neoclássica e cotidiano social do
centro histórico de Fotaleza – da Belle Époque ao ocaso do início do século XXI. 2012.
f. 81-86. Tese - Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2012. MIRABENT, Isabel Coll. Saber ver a arte neoclássica. São Paulo:
Martins Fontes, 1991. 78 p. ANACLETO, Regina. História da Arte em Portugal:
neoclassicismo e romantismo. Lisboa: Alfa, 1986. 184 p. v. 10
5 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. Maneirismo, barroco e rococó na arte
religiosa e seus antecedentes europeus. In: BARCINSKI, Fabiana Werneck (Org.).
Sobre a arte brasileira: da Pré-história aos anos 1960. São Paulo: Edições SESC/WMF,
Martins Fontes, 2014. p. 104-117.
6 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A talha no período colonial. In:
SANT’ANNA, Sabrina Mara; FREIRE, Luiz Alberto Ribeiro; CAMPOS, Adalgisa
Arantes. Cultura Artística e Conservação de acervos Coloniais. Belo Horizonte: Clio
Gestão Cultural, 2015. p. 51-60. FREIRE, Luiz Alberto Ribeiro. A talha na Bahia do
século XVIII. Cultura Visual, Salvador, n. 13, p. 137-151, maio, 2010. BOHRER,
Alex Fernandes. A Talha do Estilo Nacional Português em Minas Gerais: contexto
sociocultural e produção artística. 2015. 427 f. 2 v. Tese - Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.
PEDROSA, Aziz José de Oliveira. A produção da talha joanina na capitania de Minas
Gerais: retábulos, entalhadores e oficinas. 2016. 591 f. Tese - Escola de Arquitetura,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016. SANT’ANNA, Sabrina
Mara. Sobre o meio do altar: os sacrários produzidos na região centro-sul das Minas
Gerais setecentistas. 2015. 208 f. - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.
7 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil e seus
antecedentes europeus... op. cit., p. 183.
8 GUIMARÃES, Francisco de Assis Portugal. Pintura Religiosa na Cidade de
Salvador, Bahia: séculos XVII, XVIII e XIX, In: _____ (Coord.) Museu de Arte
Sacra: Universidade Federal da Bahia. Salvador: Impressão Bigraf, 2008. p. 159-160.
Sobre o assunto, consulte VICENTE, Mônica Farias Menezes. Tesouros no alto:
o patrimônio artístico, científico e iconográfico nas pinturas de teto da Bahia. In:
SANT’ANNA, Sabrina Mara; FREIRE, Luiz Alberto Ribeiro; CAMPOS, Adalgisa
48 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
CAPÍTULO 3
A CAPELA DE NOSSA SENHORA D’AJUDA
50 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Arquitetura e ornamentação
O frontispício
52 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Nossa Senhora D’Ajuda, 1950, acesse: <http://acervodigital.iphan.
gov.br>, doc. F037676).
De acordo com o Inventário de Proteção do Acervo Cultural
da Bahia, publicado em 1982, a Secretaria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (SPHAN, atual Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, IPHAN) realizou obras de restauração e conservação
na capela em 1940, 1959 e 1965. Sobre a arquitetura do templo e o
resultado das intervenções feitas, a equipe que preencheu o citado
inventário registrou o seguinte:
A planta baixa
6 3 4
A ornamentação interna
54 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Figura 12 - Vista do interior do templo. Foto: Chico Brito, 2020.
56 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
15 Notícia publicada no dia 12/08/2015. < http://iphanba.blogspot.com/2015/08/
capela-de-nossa-senhora-da-ajuda-em.html>. Acesso em: 06/09/2020.
16 Desenho baseado na planta baixa publicada em: BAHIA. Secretaria da Indústria
e Comércio. IPAC-BA: Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia... op.
cit., p. 49.
17 MORAES, Alexandre José de Mello. Brasil Histórico... op. cit., p. 36-37.
18 SILVA, Pedro Celestino da. Datas e Tradições Cachoeiranas... op. cit., p. 335.
Arquitetura e ornamentação
O frontispício
60 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
extremidades, vedados por alvenaria, apresentam óculos circulares.
Logo acima, emoldurando essa primeira parte, está a cimalha.
Na sequência, seguindo a mesma disposição dos arcos da galilé,
observamos cinco janelas de guilhotina sobrepostas por cimalhas
de sobreverga e decoração em estuque. No alto da fachada estão
a cimalha real e o frontão de cartela. Este último elemento é
contornado por rocalhas e constituído por três peças separadas por
tocheiros; ornamento que coroa as pilastras e cunhais do edifício.
A peça central do frontão, encimada por cruz, apresenta um óculo e o
brasão da Ordem Carmelita. À direita, em posição recuada, destaca-se
a torre sineira com arremate bulboso sobre cúpula.
62 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Figura 14 – Gravura publicada em 1866, Brasil Histórico, p. 37.
A planta baixa
9
8
6 7
4
5
Térreo 2 1 3
0 5 10 20
12
Primeiro Pavimento 11 11
0 5 10 20
10
A ornamentação interna
64 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Segundo a descrição publicada em 1866 por Alexandre José
de Mello Morais, as artes no interior do templo já estavam muito
deterioradas:
O corpo da igreja é vasto e um pouco escuro, o solo
é coberto de tijolos de barro, quadrados; as paredes
estão nuas e despidas dos enfeites e molduras que, por
estragadas, têm pouco a pouco caído em destroços. Os
retábulos e forros acham-se partidos e corroídos pelo
cupim; as pinturas, quadros e emblemas tudo está
coberto de grossa camada de pó e arruinado.
A capela-mor, tão rica de ornatos de escultura e de gosto
arquitetônico, segue com rapidez para a sua completa
ruína. Os finos dourados dos remates das colunas, dos
enfeites e dos arabescos, que adornavam os altares, estão
enegrecidos pela poeira e nodoados pelos morcegos.
A capela do Santíssimo Sacramento, onde está uma
belíssima e veneranda imagem do Crucificado, está
muito estragada pelas chuvas que penetram pela
claraboia, que é interiormente forrada de madeira.
Aspira-se ao penetrar nesta capela um ar pouco
agradável, talvez devido às águas que durante as
invernadas descem-lhe pelas paredes.
Esta capela foi feita, segundo se supõe, pelo coronel
Lourenço Corrêa Lisboa, em cuja campa aí está
colocada a data de 1734.
Fronteira a esta capela fica a de Santa Tereza, concedida
pelos religiosos aos irmãos terceiros, que comunica, por
duas portas laterais, para a ordem terceira.
Na capela-mor está a formosa imagem de Nossa Senhora
do Monte do Carmo, e aos lados os patriarcas S. Elias
e S. Eliseu. Aí, nas paredes e nos intervalos das janelas
das tribunas, estão alguns quadros, cobertos de pó e
enfumados, representando santos bispos e cardeais
que pertenceram a esta ordem.
Aos lados da capela-mor ficam dois altares; o da esquerda
é consagrado a Sant’Anna. No supedâneo deste está
uma campa privilegiada da família do comendador
Navarro de Andrade; o da direita é de São José, junto
66 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
deixar claro para os observadores que os forros e as pinturas originais
não chegaram intactos aos nossos dias.
Capela-mor
68 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Simão Stock nasceu por volta de 1165 na Inglaterra. Aos 12
anos consagrou-se a Deus e retirou-se para uma floresta, abrigando-se,
como ermitão, no tronco de uma árvore por mais de 15 anos.20 Passou
a integrar a Ordem Carmelita, na qual foi eleito prelado em 1247.21
Segundo a tradição carmelitana, Simão Stock suplicava à Virgem
Maria algum privilégio para os carmelitas. Em 1261, atendendo suas
orações, Nossa Senhora apareceu para ele e entregou-lhe o escapulário
dizendo:
Nave
70 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
1770.23 As cenas representadas são: o transporte da Arca da Aliança
(tema inspirado no Antigo Testamento e que expressa a presença de
Deus no meio do seu povo) e o milagre da multiplicação de pães (tema
inspirado no Novo Testamento: narrativas sobre a primeira e a segunda
multiplicação de pães e peixes registradas, respectivamente, em Mt
14:13-21; Mc 6:31-44; Lc 9:10-17; Jo 6:1-13; Mt 15:32-39; Mc 8:1-10).
72 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Figura 19 - Forro da nave. Foto: Chico Brito, 2020.
Sacristia
74 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
sua obra O Convento e a Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira, pu-
blicada em 1976, destacou os “elementos de gosto rococó” e o “colori-
do suave e harmonioso” da cena central.29
76 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
11 Desenho baseado na planta baixa publicada em: BAHIA. Secretaria da Indústria
e Comércio. IPAC-BA: Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia... op.
cit., p. 39.
12 MORAES, Alexandre José de Mello. Brasil Histórico... op. cit., p. 44 e 45. A grafia
foi atualizada na transcrição.
13 O livro de compromisso da Irmandade do Nosso Senhor Bom Jesus dos Martírios
dos Homens Pretos Nação Jeje é de 1765. A Irmandade de Nosso Senhor Bom Jesus
da Paciência dos Crioulos aprovou seu compromisso em 1853, mas há indícios de
que tenha existido desde o início do século XIX. A Irmandade de Nossa Senhora da
Boa Morte não se regia por um livro de compromisso aprovado pelas autoridades
competentes, sendo classificada, portanto, como irmandade de devoção. Teve início
no século XIX, em data desconhecida. Em 1866, o texto publicado por Alexandre
José e Mello Moraes assim tratou da festividade da Boa Morte, sempre realizada no
mês de agosto: “Esta devoção pertence às crioulas, que, vestidas no clássico gosto de
cores garridas, acompanham o palio, misturando-se com padres e freiras!!” MORAES,
Alexandre José de Mello. Brasil Histórico... op. cit., p. 44 e 45. A grafia foi atualizada
na transcrição.
14 BAHIA. Secretaria da Indústria e Comércio. IPAC-BA: Inventário de Proteção
do Acervo Cultural da Bahia... op. cit., p. 40. FLEXOR, Maria Helena Ochi (Org.);
LACERDA, Ana Maria; SILVA, Maria Conceição da Costa e; CAMARGO, Maria
Vidal de Negreiros. O Conjunto do Carmo de Cachoeira... op. cit., p. 51-52, 55, 57 e
87-97.
15 FLEXOR, Maria Helena Ochi. (Org.); LACERDA, Ana Maria; SILVA, Maria
Conceição da Costa e; CAMARGO, Maria Vidal de Negreiros. O Conjunto do Carmo
de Cachoeira... op. cit., p. 157-161. Agradecemos a Jomar Lima pelas informações
prestadas sobre esse assunto.
16 Sobre esta urna eucarística, consulte: Inventário Nacional de Bens Móveis e
Integrados. Bahia. Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, Cachoeira, v. 1, módulo
I, Recôncavo. Salvador: MinC/Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, 1994.
Ficha Ba/94-0001.0077.
17 CAMPOS, Maria de Fátima Hanaque. As pinturas dos tectos da Igreja do Convento
e Ordem Terceira do Carmo e da Igreja de Nossa Senhora da Purificação no Recôncavo
Baiano. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DO BARROCO, 2., 2001, Porto.
Actas. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2001. p. 504.
18 CALDERÓN, Valentim. O Convento e a Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira...
op. cit., p. 19.
19 Consulte o verbete LÍRIO. HEINZ-MOHR, Gerd. Dicionário dos símbolos:
imagens e sinais da arte cristã. São Paulo: Paulus, 1994. p. 222-223.
78 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
CAPÍTULO 5
A CAPELA DA VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA
DE NOSSA SENHORA DO MONTE DO CARMO
Arquitetura e ornamentação
O frontispício
80 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
inscrição numérica que alguns estudiosos interpretam como 1724 e
outros como 1742, sendo a dúvida suscitada pela disposição dos
algarismos.8 Em todo caso, é provável que a data registrada indique
o ano de conclusão das obras na fachada principal da capela. Logo
acima, está o brasão da Ordem Carmelita, no qual se destacam, além
da representação do Monte Carmelo, das três estrelas e da coroa, dois
braços humanos: o do Profeta Elias, do lado esquerdo, segurando uma
espada, e o de Santa Teresa D´Ávila, do lado direito, segurando uma
pena. A espada refere-se à passagem do Antigo Testamento em que
Elias degolou os profetas de Baal (deus pagão) no Monte Carmelo
(1 Rs 18:40). A pena simboliza a atividade de Santa Teresa D’Ávila
como escritora, pois, como veremos adiante, ela escreveu vários
livros religiosos. Ladeando o brasão, há duas janelas de guilhotina
com cimalhas de sobreverga. No alto, arrematando essa parte do
edifício, está o frontão triangular com óculo circular ao centro; nas
extremidades, sobre o telhado, há dois pináculos.
Na parte esquerda da fachada, delimitada por cunhal e
pilastra, há um arco pleno vedado por alvenaria e ladeado por dois
óculos ovalares. Acima desses elementos, há uma cimalha com
terminações em volutas e uma janela de guilhotina.
Voltando o nosso olhar para a parte direita da fachada,
observamos duas fileiras de arcos, uma sobre a outra, separadas por
cimalha com terminação em voluta (correspondente e alinhada com
aquela que ornamenta a parte esquerda do edifício). A lógia inferior
é formada por cinco arcos plenos e a lógia superior por cinco arcos
rebaixados com balaustrada de madeira.
À frente do edifício da Venerável Ordem Terceira do Carmo
há um muro com grades de ferro e dois portões. Sobre o portão da
direita, consta o número 1810; registro que, provavelmente, marca
o ano de sua construção. Em 1866, tendo como fonte a gravura que
acompanha a descrição publicada no livro de Alexandre José de Mello
Moraes, o muro não tinha as grades que apresenta hoje e o outro
portão, localizado na frente da entrada principal da capela, não existia
(fig. 14, no capítulo anterior).9
5
2
3 1 4
Térreo
0 5 10 20
7 8
9
6
Primeiro Pavimento
0 5 10 20
82 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
A ornamentação interna
Capela-mor
84 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
e usada no século XVIII), esse livro é denominado Quarto Livro dos
Reis. Por esta razão, consta no painel o registro “Lib 4° Reg Cap. 2º nº
11” e a inscrição em latim correspondente Ecce currus igneus et equi
ignei diviserunt utrumque, et accendit Elias per turbinem in caelum,
cuja tradução para o português é “Eis que ambos avistaram um carro
de fogo e cavalos de fogo e Elias subiu ao céu num torvelinho”.13
- O segundo painel é o mais deformado do conjunto, mas a inscrição
em latim e sua respectiva referência bíblica estão legíveis. A inscrição
foi tomada da Vulgata e, conforme nos esclareceu o teólogo Francisco
Taborda, SJ, nesta antiga versão da Bíblia a passagem encontra-se
registrada no Livro do Eclesiástico (não confundir com Eclesiastes),
capítulo 24, versículo 22, onde se lê: Ego quase terebinthum extendi
ramos meos (“Como um terebinto estendi meus ramos”). O terebinto,
citado várias vezes no Antigo Testamento, é uma árvore frondosa de
porte médio, típica da Bacia Mediterrânea, que dá flores de cor púrpura
avermelhada. A desconexão dos azulejos não nos permite identificar
a cena representada. Em todo caso, a inscrição menciona o terebinto.
- No terceiro painel, menos danificado que o anterior, é possível
ver claramente a Virgem Maria sentada e suas mãos segurando as
extremidades de um tecido. À sua frente está um homem vestido com
o hábito carmelita e com as mãos cruzadas sobre o peito. A cabeça e os
ombros dele estão sob um pano. É provável que, na montagem original
dos azulejos, o homem estivesse um pouco abaixo da Virgem e o tecido
que ela segura se estendesse sobre ele. Considerando essa possibilidade
e a referência bíblica registrada no painel – “Prov. Cap. 31 nº 21” – é
plausível pensar que a cena apresentava a mãe de Jesus cobrindo o frei
Simão Stock com um manto, simbolizando, portanto, a sua benção e
proteção. Além disso, o manto sinaliza que Simão Stock recebeu sobre
si o legado de Elias e Eliseu, tendo ele a missão de zelar pela perpetuação
e expansão da Ordem do Carmo.14 A história de São Simão Stock e sua
importância na tradição carmelita foram tratadas no capítulo anterior.
- O quarto painel nos apresenta Nossa Senhora do Carmo (o brasão da
Ordem está nas suas vestes) cobrindo frades e freiras carmelitas com seu
manto (fig. 23). A referência bíblica registrada nesse painel é a mesma
que consta no anterior: “Prov. Cap. 31 nº 21”. O trecho do versículo
86 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
madeira realizadas no século XVIII. Elas medem 110 cm de altura e 78
cm de largura e possuem belas molduras douradas e ornamentadas.15 Os
nomes de cada um dos personagens representados estão inscritos nas
pinturas. No lado do evangelho, lemos: “S. Zacarias p.” (São Zacarias
profeta), “S. Proto” (São Proto) e “S. Pelagia” (Santa Pelágia). No lado
da epístola, os nomes são: “S. Ozias. p.” (Santo Oséias profeta), “S.
Jacinto” (São Jacinto) e “S. M.a Egipçiaca” (Santa Maria Egipcíaca).
Apenas as Santas Pelágia e Maria Egipcíaca não estão vestidas com o
hábito carmelitano.
- Santo Oséias, um dos profetas do Antigo Testamento, viveu no século
VIII a.C e, por exigência divina, casou-se com a prostituta Gomer (Os
1:2-3). Na pintura, destacamos um ferro, ou flecha, que lhe transpassa
a fronte. A cena não condiz com a história do Profeta Oséias narrada
nos textos bíblicos. Entretanto, representa bem o Profeta Amós, que
foi martirizado por outro Oséias com uma flecha na cabeça.16
- O quadro de São Zacarias, profeta que viveu no século VI a.C,
apresenta-o dormindo, maneira como teve as visões que estão descritas
na primeira parte do seu livro (Zc 1:7-17).
- São Proto e São Jacinto estão representados lendo livros. Eles viveram
no século III d.C e foram servos de Eugênia, filha do governador
de Alexandria. Eugênia, Proto e Jacinto dedicavam-se aos estudos,
converteram-se ao cristianismo e entraram para um convento. Proto
e Jacinto foram presos e, como se recusaram a realizar sacrifícios para
deuses pagãos, foram martirizados: suas cabeças foram cortadas.17
- Santa Maria Egipcíaca e Santa Pelágia viveram no século III d.C.
Foram pecadoras, entregues à luxúria e à vaidade até o momento de
suas conversões ao cristianismo, quando se arrependeram e passaram
a seguir a vida em penitência e isolamento.18
Embora todos os personagens retratados nas pinturas tenham
vivido bem antes da criação da Ordem Terceira do Carmo (1476),
eles foram considerados exemplos de terceiros carmelitas, pois,
tradicionalmente, como já informamos, os carmelitas remetem a
fundação de sua Ordem – tanto o ramo primeiro, quanto o terceiro –
aos tempos do Profeta Elias.19
88 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
A talha que recobre as ilhargas do arco cruzeiro se funde com
a dos retábulos, criando uma harmoniosa junção entre o nacional
português e o joanino. Nos nichos simulados no lado da epístola e no
lado do evangelho, estão representados, respectivamente, o pelicano
alimentando três filhotes (símbolo do sacrifício de Cristo) e a fênix
(símbolo da ressurreição de Cristo). Acima desses pássaros há dosséis
representados em alto-relevo. Os nichos simulados são ladeados por
figuras antropomorfas que fingem sustentar os guarda-pós que pendem
das paredes.
Os outros quatro retábulos localizados na nave são da segunda
metade do século XVIII. Eles são do tipo joanino com dossel bulboso.
Apresentam figuras antropomorfas – anjos trombeteiros e atlantes
com corpos terminados em volutas – e estrutura ornamentada com
folhas de acanto, flores, volutas, feixe de plumas e conchas. Os frontões
de cartela que coroam esses retábulos e a decoração na parte frontal
de suas mesas de altar são introduções do Rococó.21 Também o coro,
localizado acima da entrada principal do templo, tem balaústres e
elegante movimento sinuoso típicos do estilo Rococó. A grade de
madeira que separa os retábulos da parte central da nave e que sustenta
seis confessionários – treliças contornadas por madeira recortada em
curvas e contracurvas decorada com volutas – é da segunda metade
do século XVIII.22 Os dois púlpitos, localizados no lado da epístola
e no lado do evangelho, respectivamente, são Neoclássicos e datam,
portanto, do século XIX; ambos são decorativos, pois não existe
acesso para os seus balcões (as portas são falsas).23
Atualmente constam na nave oito painéis de azulejos com
cercadura em estilo Rococó e cenas representadas em tons de azul. Ao
que tudo indica, no século XVIII havia dez, mas dois painéis foram
mutilados e sobraram apenas suas respectivas tarjas com inscrições.
As cenas são inspiradas em passagens do Antigo Testamento e, assim
como na capela-mor, as referências bíblicas estão registradas conforme
a Vulgata. Seguindo a ordem da disposição dos painéis no templo,
elaboramos uma lista dos temas representados; transcrevemos todas as
inscrições contidas nas tarjas e, para facilitar a compreensão, oferecemos
90 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
- “Sol parado. Josue 10” (Js 10).
Acima dos altares laterais, alternando-se com as tribunas da
nave, há seis pinturas a óleo sobre madeira com molduras douradas
e ornamentadas. Cada quadro mede 134 cm de altura e 90 cm de
largura e apresenta um único personagem identificado por seus
respectivos atributos e nome inscrito. São obras do século XVIII,
muito parecidas com os quadros localizados entre as falsas tribunas
da capela-mor, diferenciando-se deles pelas dimensões maiores e pela
ornamentação de suas molduras.24
No lado da epístola, partindo do arco cruzeiro, podemos
ler os seguintes nomes: “S. Franco” (São Franco), “Santa Izabel R.”
(Santa Izabel Rainha), “S. Espiridão. B.” (Santo Esperidião Bispo).
No lado do evangelho, no mesmo sentido, lemos: “S. Eduardo R.
de ingltr.a” (São Eduardo Rei de Inglaterra), “S. Joanna” (Santa
Joana) e “S. Luis R. de frança” (São Luís Rei de França). Os quadros
de Santo Esperidião, Santa Izabel, São Luís Rei de França e Santa
Joana encimam os altares laterais da nave em que estão entronizadas
as imagens desses mesmos santos. Todos os personagens retratados
vestem o hábito carmelita.
No século XVIII, publicaram-se várias edições de um livro
sobre a Ordem Terceira do Carmo no mundo português, intitulado
Thesouro Carmelitano.25 Esse livro considerava que os seguintes
santos, dentre outros, pertenceram à Ordem Terceira:
- Santo Esperidião: bispo, nascido em Chipre, viveu entre 270 d.C e
350 d.C.26
- Santa Izabel Rainha da Bohemia: trata-se, provavelmente, de Santa
Izabel Rainha da Hungria, uma vez que, em alguns períodos, Hun-
gria e Boêmia estavam unidas sob o domínio de uma mesma dinastia.
27
Viveu entre 1207 e 1231.
- São Luís Rei de França: viveu entre 1215 e 1270.
- Santa Joana de Régio: seria a Beata Joanna Scopelli, nascida em Ré-
gio, ducado de Mântua. Viveu entre 1428 e 1491.28
- Eduardo Mártir, Rei de Inglaterra: viveu no século X.29
92 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
laterais representam visões que Santa Teresa D’Ávila e São João da Cruz
tiveram da Virgem do Carmo com o Menino Jesus.33
94 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
1-Cristo entrega seu coração para Santa Teresa D’Ávila. Cristo está de pé,
sobre uma nuvem, e estende a mão direita com seu coração para Santa
Teresa, que está ajoelhada a sua frente. Na pintura, estão representados
também a Santíssima Trindade (Deus Pai, Cristo e a pomba que sim-
boliza o Espírito Santo); Santa Catarina de Siena (1347-1380) vestida
com o hábito dominicano (túnica branca e manto preto) e usando a
coroa de espinhos sobre a cabeça; o mártir Santo Ângelo Carmelita
(1185-1220) com espada no coração e palma com três coroas.
2-São João da Cruz cura uma monja carmelita. João da Cruz está em pé
abençoando uma carmelita deitada com olhos fechados segurando um
crucifixo e um terço. Na cena, há três outras religiosas e um religioso,
todos com hábito carmelita, duas velas acessas, uma delas sobre a mesa
que também sustenta um crucifixo e um livro, provavelmente a Bíblia.
No chão, está a caldeira de água benta.
3-Virgem do Carmo, Menino Jesus, Profeta Elias e Santa Teresa D’Ávila.
Elias, representado com o hábito carmelita, segura um livro cuja inscrição
ressalta ser ele o fundador da Ordem do Carmo: EGO PLANTAVI (Eu
plantei). Teresa segura uma pena, atributo relacionado ao fato dela ter
escrito vários livros. Abaixo da Virgem do Carmo, estão as habitações
dos primitivos carmelitas no Monte Carmelo, a fonte de Elias e outras
construções que representam os conventos fundados por Teresa.
4-São João da Cruz tem a visão do Cristo da Paixão. João da Cruz está
ajoelhado diante de Jesus que está com a coroa de espinhos e a cruz às
costas. Anjinhos seguram tarjas com os seguintes dizeres: QUID VIS
PRO LABORIBUS [?] (Que queres pelos trabalhos [?]); PATI, ET
CONTE[M]NI PRO TE (Padecer e ser desprezado por ti [por causa,
por amor a ti]).
5-São João da Cruz salvo pela Virgem de um poço. O episódio teria
ocorrido quando João tinha apenas cinco anos.34 Na pintura, à esquerda,
um anjinho segura uma fita com a seguinte frase TRANSIERUNT
AMBO PER SICCUM (Ambos passaram pelo [leito] seco).
6-A entrega do escapulário a São Simão Stock. Simão Stock recebe
das mãos da Virgem do Carmo o escapulário que passaria a compor
o hábito carmelita. O episódio foi detalhadamente apresentado no
96 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
adentro, de modo que chegava às entranhas. Ao
tirá-lo tinha eu a impressão de que as levava consigo,
deixando-me toda abrasada em grande amor de
Deus.37
Cemitério
Sacristia
98 AS IGREJAS DE CACHOEIRA
Em uma das paredes da sacristia há um belo armário, cuja
pintura decorativa aproxima-se da estética oriental (fig. 28). A partir
do século XVI, os portugueses expandiram suas fronteiras comerciais,
dinamizando trocas de produtos, circulação de pessoas e influências
artísticas entre o oriente e o ocidente. Exibir um objeto oriental, ou
inspirado nas formas orientais, passou a ser considerado chic, distinto.
O armário da sacristia da capela dos terceiros carmelitas, produzido no
século XVIII, insere-se nesse contexto. Esse móvel serve para guardar
imagens alusivas aos passos da paixão: Cristo no Horto, Cristo da Prisão
(chamado localmente de Cristo Manietado), Cristo Flagelado (ou da
Coluna), Cristo Coroado de espinhos (ou Senhor da Pedra Fria), Ecce
Homo (Eis o Homem; chamado localmente de Cristo da Paciência
ou Atado), Cristo Ressuscitado, São João Evangelista e Santa Maria
Madalena. Essas imagens, muito provavelmente, eram usadas nas
antigas procissões da Semana Santa. Excetuando o Cristo Flagelado
e o Ressuscitado, todas as demais eram vestidas e ornamentadas por
ocasião das celebrações e, por isso, apresentam articulações nos membros
superiores, o que facilita vesti-las e mudá-las de posição.41 Nota-se
influência oriental nos olhos amendoados das cinco primeiras imagens
de Cristo que citamos.
Consistório
O frontispício
9 12
8 8
7
11 11
5 6
4 3 4
11 11
1 2 10
A ornamentação interna
Nave
Arquitetura e ornamentação
O frontispício
A planta baixa
6 9
5 3 4
8 8
2 1 8
Figura 36 – Planta baixa da Capela do Hospital São João de Deus, Santa Casa da
Misericórdia, Cachoeira. Desenho de Samantha Úrsula Sant’Anna, 2020.
A ornamentação interna
Nave
O frontispício
A planta baixa
8 9 11 11
7
5 6
4 3 4 11 11
1 2 10
Capela-mor
Nave
[...] disse que por ser morador nesta mesma Vila sabe
por ver, que os ditos irmãos tem um altar da senhora
do Rosário na igreja paroquial desta vila porem que em
razão de haver na dita igreja a sacristia da Irmandade
do Santíssimo e a própria do pároco, não tem os ditos
irmãos de fazerem outra própria da sua irmandade nem
casa para o consistório, e mesa dela, a qual fazem com
muito acanhamento em um corredor e igualmente não
tem aonde façam sepulturas próprias da sua irmandade
sendo preciso pagá-las para os irmãos mortos [...]11
Arquitetura e ornamentação
O frontispício
A ornamentação interna
O frontispício
Verbetes