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Prática Penal

Ana Cristina Mendonça


Geovane Moraes

6ª edição
ampliada e atualizada
Recife – PE

2017
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PEÇAS DE LIBERDADE

1. PRIMEIRO PASSO: IDENTIFICAR QUAL A PEÇA OU


INSTITUTO O CASO CONCRETO APRESENTA OU REQUER

Antes de falar propriamente do relaxamento da prisão em flagrante, da


liberdade provisória ou da revogação da preventiva ou da temporária, é impor-
tante fazer uma breve análise das peças que podem ser requeridas a qualquer
momento da persecução criminal e daquelas que podem ser requeridas na
fase pré-processual.
Assim, o primeiro passo para quem se prepara para a segunda fase da OAB
é saber identificar qual a peça prática ou instituto jurídico que a questão
requer. Da mesma forma, a identificação das peças possíveis e aplicáveis a
determinado caso concreto dependerá, se for essa a hipótese, da identificação
da espécie de prisão cautelar a que se submete o indiciado ou réu. Por tal
motivo, devemos ter especial atenção ao que segue.

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Peças de Liberdade
Capítulo 1

1.1. Peças práticas que podem ser requeridas a


qualquer momento da persecução criminal

I – Habeas Corpus (HC)


Pode ser intentado a qualquer tempo: antes ou durante o inquérito policial,
durante a instrução criminal ou fase recursal ou após o trânsito em julgado
da sentença penal. O limite para sua utilização será o fim da aplicação da
pena privativa de liberdade.
Vale ressaltar que o Habeas Corpus não é uma peça privativa de advogado,
sendo esta a razão de ele não ser tão cobrado nas peças prático-profissionais
da OAB. Entretanto, continua sendo um tema de suma importância para as
questões dissertativas, razão pela qual ele será devidamente analisado no
momento oportuno.

II – Mandado de Segurança


O mandado de segurança em matéria criminal é outra peça processual
cabível em qualquer momento da persecução criminal, sendo mecanismo
que visa, nos termos do art. 5º, inc. LXIX, da CF, proteger direito líquido e
certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável
pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa
jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

1.2. Peças práticas que podem ser requeridas


na fase pré-processual

Requerimento realizado por qualquer pessoa, oralmente ou


por escrito, buscando a instauração de inquérito policial.
Em caso de crimes de ação penal pública condicionada ou
Notícia-crime de ação penal privada, somente poderá ser apresentada pela
própria vítima ou seu representante legal, diretamente, ou
por advogado com poderes especiais.
Não é peça privativa de advogado.
É cabível quando se pretende diligências administrativas,
Requerimento ao realizadas pelo delegado de polícia. Ex: pedido de arbitra-
delegado de polícia mento de fiança, requerimento de exame de corpo de delito,
dentre outros.
Não é peça priva- Cabível de prisão em flagrante legal. O pedido deve ser ende-
tiva de advogado. reçado ao juiz.

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Peças de Liberdade
Capítulo 1

Cabível em caso de prisão em flagrante ILEGAL. O pedido


Relaxamento da deve ser endereçado ao juiz.
prisão em flagrante
É peça privativa de advogado.
Cabível em caso de prisão em flagrante legal, sob o argumento
Liberdade Provi- principal de que encontram-se ausentes os pressupostos da
sória prisão preventiva. O pedido deve ser endereçado ao juiz.
É peça privativa de advogado.
Quando o réu se encontra preso preventivamente e os pres-
supostos da prisão preventiva desaparecem, é possível plei-
Revogação da Pre- tear, junto ao juiz processante, a revogação da preventiva.
ventiva e Revoga- Da mesma forma, se desaparecem os motivos para a prisão
ção da Temporária temporária, poderá ela ser revogada.
São peças privativas de advogado.

1.3. Tipos de prisões

Outro tema de suma importância, que está relacionado com o relaxamento


da prisão em flagrante, bem como com os demais institutos de liberdade, são
os tipos de prisões existentes no nosso ordenamento jurídico. O relaxamento
de prisão, por exemplo, é cabível quando houver uma prisão em flagrante
ilegal. Portanto, dependendo do tipo de prisão existirá uma peça específica
aplicável à hipótese.

A) Prisão Pena
A prisão pena somente ocorrerá APÓS o trânsito em julgado da sentença
condenatória na qual foi aplicada uma pena privativa de liberdade ou restritiva
de direitos ao réu. Quando do cumprimento da pena privativa de liberdade,
nos casos em que os réus estiveram presos durante o processo, em face da
proibição do excesso, haverá o abatimento do tempo de prisão processual
cumprido, ao que denominamos detração penal.

B) Prisão Cautelar
Existem três modalidades de prisão cautelar em nosso ordenamento jurí-
dico. Chamamos de prisão cautelar toda e qualquer prisão que ANTECEDA
o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Sabemos que a Constituição Federal de 1988 garante, no art. 5º, inc. LVII,
a presunção de inocência ou presunção de não culpabilidade, mas, o fato

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Capítulo 1

de ser o réu presumidamente inocente não impede seja o mesmo, quando


extremamente necessário, submetido à prisão. É, portanto, prisão processual,
dependendo, como em qualquer medida cautelar, da presença do fumus
boni juris e do periculum in mora (no processo penal, fumus comissi delicti e
periculum libertatis).
Quanto às espécies de prisão cautelar e respectivas peças cabíveis, podemos
fazer a seguinte distinção:

• Prisão em Flagrante – cabível tanto o pedido de RELAXAMENTO DA


PRISÃO EM FLAGRANTE quanto a LIBERDADE PROVISÓRIA. O rela-
xamento da prisão será requerido se houver uma prisão em flagrante ilegal.
Já a liberdade provisória se houver uma prisão em flagrante legal.

• Prisão Preventiva – quando uma prisão preventiva é legalmente decre-


tada, deve-se pleitear, no caso do desaparecimento dos motivos que antes
a autorizaram, a REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. Se a prisão
preventiva for ilegal (por ausência de fundamentação ou por fundamen-
tação inidônea) deve a mesma ser atacada por meio de Habeas Corpus.
Entretanto, se a preventiva for legalmente decretada e, em um momento
posterior, passar a se configurar como prisão ilegal, seja a título de excesso
de prazo ou alteração legislativa, poderá ser relaxada pelo juiz de ofício ou
a requerimento, tornando-se desnecessária, muitas vezes, a impetração do
writ. Mas, caso o juiz não a relaxe de ofício, o mesmo passa a se configurar
como autoridade coatora, devendo-se impetrar Habeas Corpus no Tribunal.

• Prisão Temporária – trata-se de prisão com prazo certo, somente permi-


tida durante a fase de inquérito policial. Entretanto, somente o juiz pode
decretá-la. Quando legalmente decretada, se, em momento anterior ao
prazo final, desaparecerem os motivos, deve-se pedir a REVOGAÇÃO da
prisão temporária. Se a prisão temporária for ilegal, deve ser atacada pela
via do Habeas Corpus.

 AT E N Ç ÃO ! Verifica-se do disposto acima o quão importante será


conhecer o tipo de prisão cautelar para identificar a peça processual cabível.
Novamente: para um pedido de RELAXAMENTO de prisão ou de LIBER-
DADE PROVISÓRIA faz-se necessária uma prisão em flagrante; em caso de
decretação de uma prisão preventiva ou prisão temporária será requerida
a REVOGAÇÃO da preventiva ou da temporária. Relaxamento de prisão,
liberdade provisória e revogação são medidas de contra cautela (cautelares
de liberdade) e devem ser, SEMPRE, endereçadas ao juízo processante.

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Capítulo 1

Portanto, identificada a espécie de prisão cautelar e, em consequência,


o pedido de liberdade cabível, devemos estar atentos às diferenças a seguir:

• Relaxamento da Prisão em Flagrante – como só é cabível para flagrante


ILEGAL (ilegalidade material ou formal), o que se discute é a legalidade
da prisão em flagrante. Neste caso, deve-se demonstrar onde reside a ile-
galidade, no caso concreto. A arguição é objetivo-normativa.

• Liberdade Provisória – Quanto à legalidade do flagrante, ela é perfeita,


não devendo ser discutida. O que se discute é a ausência de necessidade
da manutenção da prisão e ausência dos pressupostos da preventiva. Neste
caso, devem ser observados os arts. 312 e 313 do CPP, pois atualmente, seja
por entendimento jurisprudencial dominante, seja em face das alterações
implementadas no Código de Processo Penal pela Lei nº 12.403/2011, no
caso de inexistirem os requisitos da prisão preventiva, consoante jurispru-
dência do STF e STJ, deve o juiz conceder ao preso, de ofício, a liberdade
provisória, não sendo mais possível a manutenção do flagrante além da
ciência formal do juiz (art. 310, CPP). A arguição, na liberdade provisória,
caso haja necessidade de seu requerimento, é subjetivo-normativa, o que
será objeto de um dos tópicos a seguir.

Sobre o cabimento das medidas liberatórias (relaxamento de prisão,


liberdade provisória e revogação da preventiva e temporária) vejam o quadro
sinótico ao final deste capítulo.

 OBS. 1: Prisões cautelares NÃO ofendem a Constituição Federal, desde


que elas sejam decretadas nos limites da lei e quando estritamente necessárias.

 OBS. 2: Não mais existem as prisões decorrentes de pronúncia e de sen-


tença condenatória recorrível, ambas banidas do ordenamento jurídico. Con-
tudo, no momento da pronúncia (art. 413, § 3º, CPP), ou ainda no momento
da sentença (art. 387, § 1º, CPP), o juiz poderá decretar a prisão preventiva, da
mesma forma que em outros momentos processuais, caso estejam presentes
os requisitos que a autorizem (art. 312, CPP). Embora não persista a prisão
decorrente de sentença, em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal
alterou o posicionamento até então adotado, e passou a permitir a execução
provisória da pena a partir do julgamento de 2º grau. Foi, com certeza, uma
alteração significativa e relevante do precedente anterior (HC 84.078/MG,
julgado pelo STF em 05 de fevereiro de 2009), alteração esta que passaremos
a abordar no tópico a seguir.

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Capítulo 1

C) Execução Provisória da Pena


Com o julgamento do HC 126.292/SP pelo Supremo Tribunal Federal, em
17 de fevereiro de 2016, ressurge no processo penal brasileiro a possibilidade
de cumprimento de pena antecipada, decorrente do esgotamento das vias
recursais ordinárias (julgamento de 2º grau).
Desde a Constituição de 1988, que expressamente consagrou o princípio
da presunção de inocência, a discussão sobre a possibilidade de execução
provisória da pena sempre foi um dos temas mais polêmicos do processo
penal brasileiro.
Mas, afinal, quais são as razões histórico-legais da discussão?
Desde a Carta Constitucional de 1988, o Código de Processo Penal demons-
trava-se incompatível com muitos dos princípios e garantias constitucionais,
em especial com os princípios da ampla defesa e da presunção de inocência.
Inúmeros eram, e ainda são, os dispositivos do CPP questionáveis frente à
tais princípios. Fato é que o art. 393 do CPP, já revogado, estabelecia como
efeitos da sentença penal condenatória recorrível a inclusão do nome do
réu no rol dos culpados, bem como sua prisão nos crimes inafiançáveis e nos
afiançáveis enquanto não prestasse fiança.
Da mesma forma, a antiga redação do artigo 594 (também revogado) condi-
cionava o recurso de apelação ao recolhimento do réu ao cárcere, nos crimes
inafiançáveis e nos afiançáveis enquanto não prestasse fiança, definindo como
única exceção a hipótese de ser o réu primário e de bons antecedentes.
Portanto, para o CPP de 1941, configurava efeito da sentença condenatória
de 1º grau, o encarceramento do acusado.
Ocorre que, com o surgimento da Constituição de 1988, não mais se
sustentava a ideia de uma prisão decorrente da sentença, uma vez que a
presunção de inocência ou presunção de não culpabilidade, associada aos
princípios da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição, demonstravam
não haver qualquer justificativa para uma prisão processual desnecessária.
Assim, os tribunais passaram a dar nova interpretação aos dispositivos
antes mencionados, compreendendo que os juízes de 1º grau, ao proferirem
sentença condenatória, deveriam avaliar se presentes os pressupostos da
prisão preventiva (art. 312 CPP) e, somente na presença destes, decretar a
prisão dos réus. O processo penal abandonava, portanto, a ideia de uma pri-
são decretada como consequência apenas de um ato processual, passando a
exigir a demonstração de sua real necessidade. Estávamos, agora, diante de
uma prisão preventiva decretada não em função da sentença, mas apenas no
momento da sua prolação. Este posicionamento tornou inócua a Súmula nº 9
do STJ, que indicava: “A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende
a garantia constitucional da presunção de inocência”, e acabou culminando na

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revogação dos artigos 393 e 594 do CPP (leis 11.719/08, 12.403/11 e 12.736/12),
fazendo ainda surgir a redação do então parágrafo único – atualmente § 1º
– do art. 387 do mesmo Código.
Deixava então, definitivamente, de existir uma prisão decorrente de
sentença de primeiro grau, e, em consequência, de qualquer chance de uma
execução antecipada da pena antes ou durante o trâmite de uma apelação,
até porque, em sendo esta interposta, a condenação e a pena dela decorrente
estariam suspensas.
Vale lembrar que a apelação é um recurso tradicionalmente com duplo
efeito (devolutivo e suspensivo), estando seu efeito suspensivo expresso no
art. 597 do CPP.
Contudo, novo problema surgia com o julgamento da apelação, uma vez
que, esgotado o 2º grau de jurisdição, os recursos agora cabíveis (especial e
extraordinário) não possuem efeito suspensivo, conforme art. 637 do CPP e o
então vigente art. 27, § 2º da lei 8.038/90 – este último revogado pelo NCPC.
Assim, embora a CF/88, consagrando o princípio da presunção de inocên-
cia, trouxesse uma nova interpretação ao Código de Processo Penal, não mais
permitindo a prisão decorrente de sentença ou mesmo a execução antecipada
da pena durante o trâmite de uma apelação, ainda restava a ausência de efeito
suspensivo aos recursos especial e extraordinário, o que permitia ao tribunal
(TJ ou TRF) expedir o mandado de prisão para fins de execução provisória da
pena. Corroborava este entendimento, o artigo 669, inciso I, do Código de
Processo Penal: “Só depois de passar em julgado, será exequível a sentença,
salvo: I – quando condenatória, para o efeito de sujeitar o réu a prisão, ainda
no caso de crime afiançável, enquanto não for prestada a fiança.”.
Apesar de evidente a ausência de efeito suspensivo para os recursos especial
e extraordinário, grande parte da doutrina defendia que a execução provisó-
ria da pena prevista no artigo 669, I do CPP, caracterizava flagrante ofensa à
presunção de inocência e que o referido artigo estaria derrogado pelo artigo
105 da Lei de Execuções Penais. Este último artigo indica que somente após
passar em julgado a sentença condenatória será possível a expedição da guia
de sentença para fins de execução.
Tal discussão persistiu até 2009, quando o STF, julgando o HC 84.078/
MG, decidiu ser impossível a execução provisória da pena. Vejamos a decisão:

HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA


“EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. Art. 5º, LVII, DA CONSTI-
TUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Art. 1º,
III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece
que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez

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arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão


à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução
Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito
em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988
definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado cul-
pado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí
que os preceitos veiculados pela Lei nº 7.210/84, além de adequados à
ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente,
ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em jul-
gado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A
ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas
as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária.
Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de ape-
lação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando
desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do
acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos
efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exem-
plar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem
muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte
assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo,
no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio
delinquente”. 6. A antecipação da execução penal, ademais de incom-
patível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em
nome da conveniência dos magistrados – - – não do processo penal.
A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se
STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e
subsequentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será
preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudên-
cia defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa
garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de
funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. (...) A Corte
que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional
em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se
trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem
mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo
efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os crimi-
nosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se
transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre
aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade
(art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão

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social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias,


as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode
apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de
cada qual. Ordem concedida. (HC 84078, Relator(a): Min. EROS
GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009, DJe-035 DIVULG
25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-05 PP-01048)

Firmava então o STF o posicionamento em favor da prisão cautelar,


afastando – ao que tudo indicava – definitivamente, a execução provisória
da pena, entendimento que foi corroborado em seguida pela revogação do
art. 393 do CPP pela Lei 12.403/2011.
Porém, em 17/02/2016, a Suprema Corte surpreendeu a comunidade jurí-
dica ao “derrubar”, por maioria (7 x 4), o precedente acima citado, durante o
julgamento do HC 126.292/SP.
Neste julgamento, o relator, Ministro Teori Zavascki, sustentou em seu
voto que:

“(...) a presunção da inocência não impede que, mesmo antes do


trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra
o acusado. (...) A execução da pena na pendência de recursos de natu-
reza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto
da não culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como
inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os
direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras
probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a
garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou
pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos
efeitos próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas ins-
tâncias ordinárias”. (Passagem do voto do Relator no HC 126.292/
SP, julgado em 17/02/2016)

Desta forma, atualmente, apesar das duras e, para muitos, devidas críticas
a esta nova decisão, devemos considerar que:

1) A presunção de inocência ou de não culpabilidade impede a execução


provisória da pena somente enquanto estiver tramitando a apelação, uma
vez que esta possui efeito suspensivo;

2) Assim, antes do julgamento da apelação, para que a prisão seja decretada


deverão estar presentes os pressupostos da prisão preventiva (art. 312 do CPP);

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