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Neurodiversidade como vantagem competitiva

Robert D. Austin e Gary P. Pisano

- http://hbrbr.uol.com.br/neurodiversidade-como-
5 de junho de 2017
vantagem-competitiva1/

Por que ela é valiosa nas equipes.

É o caso de John. Ele é um mago em análise de dados. Combina habilidade


matemática e de desenvolvimento de software de forma altamente
incomum. Seu currículo ostenta dois mestrados — ele foi aprovado com
louvor em ambos. Uma contratação óbvia para uma empresa de tecnologia,
certo?

Não até recentemente. Antes de encontrar uma empresa que começava a


experimentar abordagens alternativas de talento, John estava
desempregado havia mais de dois anos. As empresas que o entrevistavam
necessitavam urgentemente de suas habilidades. Mas ele não conseguia
passar no processo de recrutamento.

Observe John por algum tempo e entenderá o motivo. Ele parece…


diferente. Usa fones de ouvido o tempo todo, e quando as pessoas falam
com ele não olha diretamente para elas. De dez em dez minutos se abaixa
para amarrar os sapatos, pois não consegue se concentrar quando estão
desamarrados. Quando amarrados, porém, John é o funcionário mais
produtivo do departamento. Ele trabalha duro e não gosta de fazer
intervalos. Mesmo após ter sido, finalmente, persuadido por seu
“companheiro designado” a fazer pausas, prefere não fazê-las.

“John” é um compósito de pessoas com transtorno do espectro autista cuja


privacidade preferimos proteger. Ele é um dos participantes dos programas
de busca de talentos “neurodiversos” empreendidos por empresas
pioneiras.

Muita gente é como John. Agora, a incidência de autismo nos Estados


Unidos é um em 42 meninos e um em 189 meninas, de acordo com o
Centro de Controle e Prevenção de Doenças. Embora programas
corporativos, por enquanto, foquem principalmente em autistas, deverá ser
possível estendê-los a pessoas com dispraxia (distúrbio físico de base
neurológica), dislexia, TDAH, transtornos de ansiedade social, entre outros.
Muitas pessoas com esses distúrbios têm habilidades superiores à média: a
pesquisa mostra que alguns deles, como autismo e dislexia, podem conferir
habilidades especiais em reconhecimento de padrões, memória ou
matemática. No entanto, as pessoas afetadas muitas vezes lutam para se
ajustar ao perfil buscado pelos empregadores.

Pessoas neurodiversas frequentemente precisam de adaptações no local


de trabalho — como fones de ouvido para evitar superestimulação auditiva
— para ativar ou alavancar ao máximo suas habilidades. Às vezes, elas são
excêntricas. Em muitos casos, as adaptações e as dificuldades são
manejáveis, com perspectiva de ótimos retornos. Mas, para obter esses
benefícios, a maioria das empresas precisaria ajustar suas políticas de
seleção, recrutamento e desenvolvimento de carreira para chegar a uma
definição mais ampla de talento.

Um número crescente de empresas proeminentes, como SAP, Hewlett


Packard Enterprise (HPE), Microsoft, Willis Towers Watson, Ford e EY,
reformou seus processos de RH para ter acesso aos talentos neurodiversos.
Outras, como Caterpillar, Dell Technologies, Deloitte, IBM, JPMorgan Chase
e UBS, já iniciaram o processo ou estudam possibilidades. Tivemos amplo
acesso aos programas de neurodiversidade na SAP, HPE e Specialisterne
(empresa de consultoria dinamarquesa pioneira nesses programas) e
interagimos com pessoas da Microsoft, Willis Towers Watson e EY.

Embora os programas ainda estejam nos primórdios — o da SAP, o mais


antigo entre as grandes empresas, tem apenas quatro anos —, muitos
gestores afirmam que já estão percebendo os retornos, que vão muito
além de melhora da reputação: melhora da qualidade e aumento da
produtividade, das capacidades inovadoras e do envolvimento dos
funcionários. Nick Wilson, o diretor-gerente da HPE South Pacific —
organização com um dos maiores programas do tipo —, diz que nenhuma
outra iniciativa na sua empresa oferece benefícios em tantos níveis
diferentes.

O benefício mais surpreendente é talvez o fato de que os gestores


começaram a refletir mais profundamente sobre como alavancar os
talentos de todos os funcionários e dessa forma ser mais sensíveis às
necessidades individuais. O programa da SAP “nos força a conhecer a
pessoa melhor, e assim você aprende a lidar com elas”, diz Silvio Bessa,
vice-presidente sênior de serviços de negócios digitais. “Sem dúvida, ele fez
de mim um gerente melhor.”

Por que a neurodiversidade representa oportunidades


“Neurodiversidade é a ideia de que diferenças neurológicas como autismo e
TDAH são o resultado de uma variação normal e natural no genoma
humano”, escreve John Elder Robison — pesquisador visitante e
copresidente do Neurodiversity Working Group no College of William &
Mary — em um blog no site da revista Psicology Today. Robison, ele mesmo
portador da síndrome de Asperger, acrescenta: “Muitos que abraçam o
conceito da neurodiversidade acreditam que pessoas diferentes não
precisam ser curadas — elas precisam de ajuda e acolhimento”. Estamos de
pleno acordo.

Todos são, em certo grau, diferentes em suas capacidades (ou “differently


abled”, expressão aprovada por muitos neurodiversos), porque nascemos
diferentes e crescemos de forma diferente. Nossa maneira de pensar
resulta tanto de nossas “máquinas” inatas quanto das experiências que nos
“programam”.

A maioria dos gestores conhece as vantagens que as organizações podem


obter com a diversidade de experiências, formação disciplinar, gênero,
cultura e certas qualidades individuais dos funcionários. Os benefícios da
neurodiversidade são semelhantes, mas mais diretos. Por terem cérebro
programado diferentemente do cérebro dos “neurotípicos”, os
neurodiversos podem trazer novas perspectivas para empresas que
buscam criar ou reconhecer valor. Na HPE, testadores de software
neurodiversos observaram que os projetos de um cliente pareciam sempre
entrar em crise antes do lançamento. Como os neurodiversos não aceitam
a desordem, questionaram vigorosamente a aparente tolerância da
empresa ao caos. Isso levou esse cliente a perceber que havia de fato se
tornado muito tolerante a essas crises e, com a ajuda dos testadores,
reprojetou com sucesso o processo de lançamento. Na SAP, um analista
neurodiverso de suporte ao cliente localizou uma oportunidade para que
os clientes ajudassem, eles próprios, a resolver um problema comum —
posteriormente, milhares passaram a usar os recursos criados por ele.

A população neurodiversa, porém, ainda é uma reserva de talentos


praticamente inexplorada. O desemprego pode chegar a 80% (incluindo
pessoas com distúrbios mais graves, não beneficiadas pelos programas de
neurodiversidade). Mesmo quando trabalham, neurodiversos altamente
capazes não raro são subaproveitados. Participantes do programa nos
contaram numerosas histórias de como, apesar das credenciais sólidas,
tiveram de se contentar com empregos que as pessoas geralmente deixam
para trás no ensino médio. Quando a SAP começou seu programa Autismo
no Trabalho, havia entre os candidatos pessoas com mestrado em
engenharia elétrica, bioestatística, estatísticas econômicas e antropologia, e
bacharelado em ciência da computação, matemática aplicada e
computacional, engenharia elétrica e engenharia física. Alguns tinham dois
diplomas. Muitos tinham notas altas e foram aprovados com louvor ou
outras distinções. Um deles tinha uma patente.

Não surpreende, portanto, que, quando autistas com credenciais desse tipo
conseguem ser contratados, muitos se revelam capazes, e alguns são
excelentes. Nos últimos dois anos, o programa da HPE colocou mais de 30
participantes em funções de teste de software no Departamento de
Serviços Humanos (DHS) da Austrália. Os resultados preliminares sugerem
que as equipes de teste neurodiversas da organização são 30% mais
produtivas que as demais.

Inspirado pelo sucesso no DHS, o Departamento de Defesa australiano está


agora trabalhando com a HPE para desenvolver um programa de
neurodiversidade em cibersegurança. Os participantes vão usar suas
habilidades superiores de detecção de padrões em determinadas tarefas,
como exame de registros e fontes de dados desordenados em busca de
sinais de invasão ou ataque. Usando métodos de avaliação emprestados
das Forças de Defesa de Israel (IDF), o Departamento e Defesa encontrou
candidatos cujas habilidades relevantes estão muito acima da média. (A
Unidade de Inteligência Especial número 9900 do IDF, que analisa imagens
aéreas e de satélite, tem um grupo composto principalmente de autistas.
Eles conseguem detectar padrões que os neurotípicos não percebem.)

O argumento favorável à contratação de neurodiversos é especialmente


convincente dada a escassez de habilidades que cada vez mais aflige a
tecnologia e outros setores. A União Europeia, por exemplo, enfrentará
uma escassez de 800 mil trabalhadores de TI até 2020, de acordo com
estudo da Comissão Europeia. Esperam-se os maiores déficits em áreas de
importância estratégica e em rápida expansão, como anlytics de dados e
implementação de serviços de TI, cujas atribuições combinam bem com as
habilidades de alguns neurodiversos.

Por que tantas empresas não aproveitam o talento neurodiverso

O que as impede de admitir pessoas com habilidades de que tanto


precisam? A resposta está na forma como encontram e recrutam talentos e
decidem quem vão contratar (e promover).

Especialmente nas grandes empresas, os processos de RH são


desenvolvidos com foco na aplicação ampla em toda a organização. Mas há
um conflito entre capacidade escalável e meta de contratar neurodiversos.
“A SAP foca em processos escaláveis de RH. No entanto, se tivéssemos de
usar os mesmos processos para todos, deixaríamos de fora os autistas”, diz
Anka Wittenberg, chefe de diversidade e inclusão da SAP.

Além disso, o comportamento de muitos neurodiversos contraria as noções


comuns sobre o bom empregado — aquele que trabalha bem em equipe,
tem amplas habilidades de comunicação, inteligência emocional, poder de
persuasão e personalidade de vendedor; tem facilidade de fazer networking,
segue práticas padronizadas sem precisar de adaptações especiais, e assim
por diante. Esses critérios excluem, sistematicamente, as pessoas
neurodiversas.

Mas eles não são a única maneira de fornecer valor. Nas últimas décadas,
competir com base na inovação tem se tornado crucial para muitas
empresas. A inovação as leva a adicionar variedade na mistura, incluindo
pessoas e ideias “fronteiriças”, como a SAP explica no press release do
programa. Ter pessoas que enxergam as coisas de forma diferente e que
talvez não se encaixam na perfeição “ajuda a compensar nossa tendência,
como grande empresa, de olhar todos na mesma direção”, diz Bessa.

Você pode pensar que as organizações poderiam simplesmente procurar


maior variedade nos funcionários prospectivos, mas mantendo suas
práticas de recrutamento, contratação e desenvolvimento. Muitos têm
adotado essa abordagem: seus gestores ainda trabalham de cima para
baixo, das estratégias para as capacidades necessárias, traduzindo-as em
funções organizacionais, descrição de funções e listas de recrutamento.
Mas dois grandes problemas fazem com que deixem escapar o talento
neurodiverso.

O primeiro esbarra na abordagem universal e tradicional de recrutamento:


a entrevista. Embora os neurodiversos sobressaiam em áreas importantes,
muitos não se dão bem em entrevistas. Por exemplo, os autistas não
costumam fazer bom contato visual, são propensos a digressões e podem
ser excessivamente honestos sobre suas fraquezas. Alguns têm problemas
de confiança decorrentes de dificuldades enfrentadas em entrevistas
anteriores. Neurodiversos em geral têm menos probabilidade de ganhar
pontuação maior em entrevistas que candidatos neurotípicos menos
talentosos. A SAP e a HPE descobriram que podem levar semanas ou meses
para constatar a alta qualidade de alguns participantes do programa (ou,
igualmente importante, quais são suas limitações). Felizmente, como
veremos, as entrevistas não são a única maneira de avaliar a aptidão do
candidato.
O segundo problema, especialmente comum em grandes empresas, deriva
do pressuposto de que os processos escaláveis requerem conformidade
absoluta com abordagens padronizadas. Como mencionado, funcionários
de programas de neurodiversidade precisam ser autorizados a se desviar
de práticas estabelecidas. Isso muda a orientação do gestor, pois ele
precisa ajustar contextos de trabalho individual sem, no entanto, infringir as
normas da empresa. As acomodações providas de diferentes tipos de
iluminação e com disponibilidade de fones de ouvido antirruído, por
exemplo, não são muito caras em sua maioria. Mas isso exige que os
gestores personalizem os locais de trabalho mais do que fariam
habitualmente.

Como os pioneiros estão mudando o jogo da gestão de talentos

Tradicionalmente, a indústria de tecnologia contrata pessoas excêntricas. O


nerd talentoso sem traquejo social se tornou um ícone cultural, uma parte
da mitologia da indústria tanto quanto a empresa que começa na garagem.
Em seu livro NeuroTribes, Steve Silberman demonstra que a incidência de
autismo é particularmente alta em lugares como o Vale do Silício (por
razões não completamente compreendidas). Ele e outros levantaram a
hipótese de que muitos dos “excêntricos” e “nerds” da indústria poderiam
muito bem estar “no espectro”, mas sem o diagnóstico. Contratar a
neurodiversidade, então, poderia ser visto como uma extensão das
tendências da cultura que reconhece o valor dos nerds. Nos últimos anos,
algumas empresas pioneiras formalizaram e profissionalizaram essas
tendências. Embora seus programas variem, elas têm elementos em
comum, principalmente por se basearem no conjunto de conhecimentos
desenvolvido na Specialisterne. Thorkil Sonne fundou a empresa em 2004,
motivado pelo diagnóstico de autismo de seu terceiro filho. Ao longo dos
anos seguintes, desenvolveu e aprimorou métodos de avaliação sem
entrevista, treinou e gerenciou talentos neurodiversos e demonstrou a
viabilidade de seu modelo gerindo uma empresa focada em testes de
software muito bem-sucedida.

Insatisfeito com a baixa capacidade de sua empresa de gerar emprego,


Sonne fundou a Specialist People Foundation (recentemente renomeada
Specialisterne Foundation) em 2008 para divulgar o know-how de sua
empresa e persuadir multinacionais a iniciar programas de
neurodiversidade. A maioria das empresas que o fizeram trabalhou com a
fundação para introduzir alguma versão da abordagem da Specialisterne.
Ela tem sete elementos principais:
Conte com “parceiros sociais” para conseguir as capacidades que você não tem.
Muitos gestores de empresas de tecnologia sabem muito sobre muitas
coisas, mas geralmente não são especialistas em autismo ou outros tipos
de neurodiversidade. Além disso, hesitam em estender suas atividades para
a vida particular dos funcionários, uma vez que neurodiversos podem
precisar de ajuda adicional.

Para preencher essas lacunas, as empresas que estudamos se associaram


com “parceiros sociais” — governos ou organizações sem fins lucrativos
(ONGs) comprometidos em ajudar as pessoas com deficiência a arrumar
emprego. A SAP trabalhou com o Departamento de Reabilitação da
Califórnia, com o Departamento de Reabilitação Profissional da Pensilvânia,
com a ONG EXPANDability, dos Estados Unidos, e com agências como a
EnAble India; a HPE trabalhou com a Autism SA (sul da Austrália). Esses
grupos ajudam as empresas a navegar pelos regulamentos de emprego
locais para pessoas com deficiência, sugerem candidatos de listas de
pessoas neurodiversas que procuram emprego, ajudam na pré-seleção,
auxiliam na obtenção de financiamento público para treinamento,
promovem treinamento e fornecem orientação e apoio contínuo
(especialmente fora do horário de trabalho) para garantir que os
funcionários neurodiversos tenham êxito. Na Alemanha, o reconhecimento
dos benefícios de tirar as pessoas da assistência pública e colocá-las em
empregos que geram receitas fiscais motivou o financiamento público de
cargos cuja função é apoiar a retenção de funcionários neurodiversos. As
estimativas dos benefícios que um governo ganha transformando essas
pessoas em trabalhadores de TI e contribuintes variam, mas chegam à
ordem de US$ 50 mil por pessoa por ano.

Use processos de avaliação não tradicionais e sem entrevista. Para isso, a


Specialisterne criou os “hangouts” — encontros confortáveis, geralmente de
um dia, nos quais os candidatos neurodiversos podem demonstrar suas
habilidades em interações casuais com os gestores da empresa. No final de
um hangout, alguns candidatos são selecionados para duas a seis semanas
de avaliação e treinamento adicional (a duração depende da empresa).
Durante esse período, eles usam os kits de construção e programação
robótica da Lego Mindstorms para trabalhar nos projetos designados —
primeiro individualmente e depois em grupos; vale dizer que os projetos se
tornam cada vez mais parecidos com o trabalho real conforme o processo
avança. Algumas empresas têm sessões adicionais. A SAP, por exemplo,
estabeleceu um módulo de “habilidades interpessoais” para ajudar
candidatos ao primeiro emprego a se familiarizar com as normas do
ambiente profissional. Esses esforços são tipicamente financiados pelo
governo ou sem fins lucrativos. Os estagiários geralmente são pagos.
Apesar das dificuldades sociais vivenciadas por muitos neurodiversos, eles
geralmente apresentam, durante o período de avaliação baseada em
projetos, comportamentos complexos de colaboração e apoio. Na HPE, por
exemplo, os grupos foram convidados a conceber um sistema robótico
confiável de dispensação de pílula. Durante a apresentação das soluções,
um candidato ficou paralisado. “Desculpe, não consigo fazer isso”, disse ele.
“As palavras estão todas embaralhadas na minha cabeça.” Seus colegas de
equipe neurodiversos correram em seu socorro, tranquilizando-o, e ele
conseguiu terminar.

Ao estender o processo de avaliação, esses programas permitem que as


capacidades dos candidatos venham à tona. Há, naturalmente, outras
maneiras de fazer isso. A HPE começou a adotar estágios que incluem
elementos semelhantes.

Treine outros funcionários e gestores. Sessões de treinamento curtas


(algumas de apenas meio dia) e leves ajudam os funcionários a entender o
que esperar de seus novos colegas — por exemplo, que eles talvez
precisem de acomodações especiais e podem parecer diferentes. Os
gestores recebem treinamento um pouco mais extenso para familiarizar-se
com os canais de apoio ao funcionário do programa.

Prepare um ecossistema de apoio. Empresas com programas neurodiversos


projetam e mantêm sistemas de apoio simples para seus novos
funcionários. A SAP define dois “círculos de apoio”: um para o local de
trabalho, outro para a vida pessoal do empregado. O círculo de apoio no
local de trabalho inclui um gerente de equipe, um companheiro de equipe,
um coach profissional e de habilidades pessoais, um mentor de trabalho e
um “parceiro de negócios de RH”, que supervisiona um grupo de
participantes do programa. Os companheiros são membros da mesma
equipe que prestam assistência com tarefas diárias, gerenciamento de
carga de trabalho e priorização. O coach profissional e o de habilidades
pessoais geralmente são de organizações sociais parceiras. Outras funções
de parceiros sociais incluem o conselheiro de reabilitação profissional e
conselheiro pessoal. Em geral também as famílias dos funcionários
oferecem apoio.

A HPE adota uma abordagem diferente. Ela coloca novos funcionários


neurodiversos em “turmas” de 15 pessoas em média, nas quais eles
trabalham ao lado de colegas neurotípicos na proporção de 4: 1, e dois
gerentes e um consultor são encarregados de abordar questões
relacionadas à neurodiversidade.
Customize métodos para gerenciar carreiras. Tal como outros trabalhadores,
funcionários contratados por esses programas precisam de planos de
carreira a longo prazo. Isso exige uma reflexão séria sobre a avaliação e o
desenvolvimento contínuos que levarão em conta as circunstâncias
especiais do emprego neurodiverso. Felizmente, ao longo do tempo, os
supervisores costumam adquirir uma boa noção dos talentos e limitações
dos funcionários do programa. Os participantes passam pelas mesmas
avaliações de desempenho dos outros funcionários, mas os gerentes
trabalham dentro desses processos para estabelecer metas específicas.
Embora alguns objetivos possam estar relacionados com o distúrbio
neurológico dos participantes, não há complacência com desempenho
insatisfatório. Pelo contrário, os funcionários neurodiversos devem
satisfazer ainda mais requisitos que os demais, pois, além dos objetivos do
programa, devem cumprir os objetivos de desempenho esperados de
qualquer pessoa em sua função.

Alguns participantes rapidamente demonstram potencial para se integrar


na organização principal e avançar na carreira. As turmas da HPE são
projetadas para fornecer um ambiente no qual os participantes possam
desenvolver habilidades que lhes permitam bom desempenho e,
eventualmente, a transição de suas turmas para empregos mais
tradicionais.

Dimensione o programa. A SAP anunciou que, até 2020, pretende tornar 1%


de sua força de trabalho neurodiversa — porcentagem escolhida por ser
praticamente a mesma de adultos autistas na população. A Microsoft, a
HPE e outras empresas estão trabalhando para ampliar seus programas,
embora não tenham definido metas numéricas. É mais fácil expandir o
emprego em áreas como teste de software, analytics de negócios e
cibersegurança, cujas tarefas combinam bem com os talentos dos
neurodiversos. A SAP, porém, colocou seus mais de 100 funcionários do
programa em 18 funções. “A expectativa original, como eu entendi, era que
esses colegas se concentrassem principalmente no trabalho repetitivo,
como teste de software”, disse um gestor. Mas, na prática, eles têm sido
capazes de agregar valor em um leque muito mais amplo de funções, como
gestor de produtos, que coordena o desenvolvimento de novas ofertas da
SAP; associado de serviços de RH, que organiza e planeja atividades de RH;
consultor associado, que ajuda os clientes a aplicar soluções da SAP a
problemas de negócios; e apoio ao cliente, que atende clientes por telefone
para ajudá-los a usar os softwares da SAP. Os dois últimos desmentem o
mito de que autistas não podem realizar trabalhos que exigem habilidades
sociais.
A HPE está alocando nove especialistas neurodiversos de cada vez, nas
turmas, para clientes — na verdade, está vendendo pacotes de capacidades
avançadas derivadas da neurodiversidade. O modelo tem intrigantes
possibilidades de escala, não só porque muitos trabalhadores são
contratados ao mesmo tempo, mas porque as demandas dos clientes
ampliam o número de vagas possíveis.

Incorpore o programa. O sucesso dos programas de neurodiversidade levou


algumas empresas a reconhecer que processos comuns de RH excluem
talentos de alta qualidade. A SAP está realizando uma avaliação para
estender o escopo das fases de recrutamento, contratação e
desenvolvimento. Seu objetivo declarado é tornar seus principais processos
de talentos tão “receptivos à neurodiversidade” que, em última instância,
possam fechar seu programa de neurodiversidade. A Microsoft tem
ambições semelhantes.

As empresas desfrutaram de uma surpreendente variedade de benefícios


derivados dos programas de neurodiversidade. Alguns são simples: elas
agora localizam e contratam pessoas capazes, ou até grandes talentos, para
competências que de outra forma seriam difíceis de suprir. Produtos,
serviços e resultados têm apresentado menores taxas de defeito e maior
produtividade. Tanto a SAP como a HPE relatam exemplos de participação
de funcionários neurodiversos em equipes que geraram inovações
significativas (uma, na SAP, ajudou a desenvolver uma correção técnica que
gerou economia no valor estimado de US$ 40 milhões).

Alguns benefícios são mais sutis. Um executivo nos disse que os esforços
para tornar a comunicação corporativa mais direta — e dessa forma dar
conta das dificuldades que os funcionários autistas têm com nuance, ironia
e outras sutilezas de linguagem — melhoraram a comunicação global. As
tendências perfeccionistas de algumas turmas de teste de software da HPE
levaram os clientes a aumentar o nível de exigência e deixar de encarar
problemas comuns como inevitáveis. Além disso, o engajamento dos
funcionários aumentou em áreas relacionadas com os programas: pessoas
neurotípicas relatam que o envolvimento torna seu trabalho mais
significativo e seu moral mais elevado. E indicações iniciais sugerem que os
funcionários do programa, gratos pela oportunidade, são muito leais e têm
baixas taxas de rotatividade.

Por fim, não se deve esquecer que os programas permitem que as


empresas colham os frutos da boa reputação. As empresas pioneiras foram
reconhecidas pelas Nações Unidas como exemplos de gestão responsável e
conquistaram prêmios globais de cidadania corporativa.
Desafios

É claro que as empresas que implementam programas de neurodiversidade


enfrentam desafios. Embora existam muitos candidatos em potencial,
muitos são difíceis de identificar, porque as universidades — atentas às
questões de discriminação — não classificam os alunos em termos de
neurodiversidade, e os potenciais candidatos não necessariamente se
autoidentificam. Em resposta, a HPE está ajudando faculdades e escolas a
preparar programas de “experiência de trabalho” não tradicionais para
populações neurodiversas. Eles incluem jogos de vídeo, programação
robótica e outras atividades. A Microsoft também está colaborando com
universidades para melhorar os métodos de identificação e acesso a
talentos neurodiversos.

Outra dificuldade comum são as esperanças frustradas de candidatos que


não são selecionados — uma circunstância inevitável que deve ser tratada
com cuidado. Em uma empresa, os pais cujo filho não se qualificou para um
trabalho escreveram para o CEO, compreensivelmente decepcionados, pois
o programa havia criado expectativas de que ele finalmente conseguiria um
emprego significativo. Alguns executivos ficaram preocupados, pois isso
poderia criar um potencial problema de relações públicas. No fim, uma
conversa abrangente entre os pais desse candidato e os gestores do
programa — alguns dos quais tinham famílias que haviam experimentado
problemas semelhantes — acalmou a situação.

Podem surgir também questões relacionadas com a Justiça e as normas de


interação. Em um caso que encontramos, um participante do programa que
sofria com o excesso de estímulos ganhou um escritório próprio, enquanto
quatro pessoas em um departamento próximo ficavam espremidas em um
espaço semelhante, gerando queixas. Mas tudo chegou a bom termo
quando uma explicação foi oferecida. Também ouvimos falar de casos em
que a honestidade excessiva, típica dos autistas, causava irritação. Um
deles dizia respeito a um funcionário do programa que disse a um colega:
“Você é incompetente”. O treinamento de gerentes e mentores pode ajudar
a lidar com esse tipo de situação.

Alguns supervisores relataram que o programa gerou trabalho adicional


para eles. Por exemplo, a tendência perfeccionista de alguns participantes
dificultou na hora de discernir quais problemas valia a pena consertar,
quais não, e quais exigiam busca de orientação adicional.

Gerenciar o estresse dos funcionários neurodiversos é outro desafio.


Ouvimos relatos de que eventos inesperados e incontroláveis como
interrupções de sistemas que interferiram com a rotina de trabalho
causavam níveis anormalmente altos de ansiedade entre os participantes.
Muitos entrevistados enfatizaram a necessidade de ser sensível ao estresse
dos funcionários do programa. Para mantê-lo sob controle, alguns
participantes trabalham apenas em tempo parcial — uma limitação que
pode criar problemas, especialmente quando os prazos se aproximam.

Para lidar com essas situações, as organizações precisam de pessoas que


possam detectar e resolver os problemas antes que saiam do controle.
Muitos gerentes disseram que, com esses e outros apoios, eles poderiam
realizar seu trabalho de forma relativamente normal. E, ao contrário dos
seus pressupostos iniciais, os gerentes da SAP descobriram que eles
poderiam até mesmo supervisionar os participantes do programa
remotamente, desde que os companheiros e mentores fornecessem
suporte localmente.

Uma grande mudança na gestão de pessoas

Programas de neurodiversidade induzem empresas e líderes a adotar um


estilo de gestão que coloca cada pessoa em um contexto que maximize
suas contribuições.

A SAP usa uma metáfora para comunicar essa ideia em toda a organização:
pessoas são como peças de quebra-cabeça, com formas irregulares.
Historicamente, as empresas pediam aos funcionários que aparassem suas
irregularidades, porque é mais fácil encaixar as pessoas se todas são
retângulos perfeitos. Mas isso exige que os funcionários deixem suas
diferenças em casa — diferenças de que as empresas precisam para inovar.
“O mundo corporativo quase não aproveitou esse benefício”, observa Anka
Wittenberg.

Isso sugere que as empresas devem adotar uma filosofia alternativa, que
exija dos gestores o trabalho duro de montar peças irregulares de quebra-
cabeça, tratando as pessoas não como recipientes de recursos humanos
fungíveis, mas como ativos individuais únicos. Para os gerentes o trabalho
será mais difícil. Mas para as empresas o retorno será considerável: o
acesso a mais talentos, junto com perspectivas diversas que podem ajudá-
los a competir de forma mais eficaz. “É mais provável”, observa Wittenberg,
“que a inovação venha de partes de nós que não compartilhamos”.
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Robert D. Austin é professor de sistemas de informação da Ivey Business
School e coautor de The adventures of an IT leader — Harvard Business
Review Press, 2016. Gary P. Pisano é professor da cátedra Harry E. Figgie e
membro do U. S. Competitiveness Project na Harvard Business School.

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