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Organizado por CP Iuris

ISBN 978-85-5805-012-8

DIREITO CIVIL

2ª edição
Brasília
CP Iuris
2021
SOBRE OS AUTORES

AURÉLIO BOURET. Advogado especialista em Direito Privado. Professor de Direito Civil da


Escola da Magistratura do Rio de Janeiro – EMERJ e de diversos cursos preparatórios para
concurso público.

MATHEUS ZULIANI. Juiz de Direito Substituto do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.


Aprovado no concurso para Procurador da Imprensa Oficial – SP, do Município de Guarulhos e
de Barretos. Coautor do Código de Processo Civil na Perspectiva da Magistratura – Editora RT.
Pós-graduação lato senso no Complexo Educacional Damásio de Jesus. Professor Assistente do
Curso Preparatório da OAB do Complexo Educacional Damásio de Jesus (2007/2009) e na
Faculdade de Direito Damásio de Jesus (2007/2009) na matéria de Direito Civil. Coordenador
dos Professores Assistentes do Complexo Educacional Damásio de Jesus (2009). Professor de
direito Civil no Instituto Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro (TJDFT). Conclusão do curso de
formação de formadores na ENFAM (2015), Professor de Direito Civil na ESMA – Escola
Superior da Magistratura do DF e Professor de Diversos cursos preparatórios para carreiras
jurídicas.

PAULO CESAR BATISTA DOS SANTOS. Graduado pelo Centro Universitário de Brasília –
UniCeub (2001). Mestrando em Direito Constitucional Comparado pela Universidade de
Samford, Alabama, nos Estados Unidos (2015-2020). Especialista em Direito Notarial e
Registral pela Escola Paulista da Magistratura/SP (2018-2019). Pós-Graduado em Direito
Constitucional pela Escola Superior do Ministério Público Federal – DF (2002). Juiz de Direito
do Tribunal de Justiça da Bahia, de 2004 a 2007. Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de São
Paulo desde 2007. Juiz Titular da 37ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo - SP, desde
2019. Juiz Assessor da Corregedoria-Geral da Justiça do TJSP, no biênio 2018–2019. Juiz
Instrutor no Supremo Tribunal Federal desde setembro de 2019. Professor de cursos de pós-
graduação. Coautor de obras na área de Direitos Reais.
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 – LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB) ................................ 8


1. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB) .................................................................... 8
1.1. Vigência e validade das normas ................................................................................................... 8
1.2. Revogação da lei e suas formas .................................................................................................... 9
1.3. Repristinação .............................................................................................................................. 10
1.4. Normas gerais e normas especiais .............................................................................................. 10
1.5. Da integração das normas .......................................................................................................... 10
1.6. Da equidade ................................................................................................................................ 12
1.7. Da aplicação e interpretação das normas jurídicas .................................................................... 12
1.8. Da irretroatividade das leis ......................................................................................................... 13
1.9. Conflito de leis no tempo ............................................................................................................ 13
1.10. Da vigência da lei no espaço ..................................................................................................... 14
CAPÍTULO 2 – DA PARTE GERAL DO CÓDIGO CIVIL ............................................................................... 16
1. DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO CÓDIGO CIVIL........................................................................................... 16
1.1. Socialidade .................................................................................................................................. 16
1.2. Eticidade ..................................................................................................................................... 16
1.3. Operabilidade ............................................................................................................................. 17
1.4. Direito civil constitucional ........................................................................................................... 17
1.5. Diálogo das fontes ...................................................................................................................... 17
2. DAS PESSOAS .......................................................................................................................................... 18
2.1. Da personalidade jurídica ........................................................................................................... 18
2.2. Do nascituro ................................................................................................................................ 18
2.3. Da capacidade ............................................................................................................................ 19
2.4. Da incapacidade ......................................................................................................................... 20
2.5. Maioridade civil .......................................................................................................................... 23
2.6. Da extinção da personalidade jurídica – morte .......................................................................... 26
2.7. Direitos da personalidade ........................................................................................................... 28
2.8. Das pessoas jurídicas - aspectos gerais ...................................................................................... 38
2.9. Do domicílio ................................................................................................................................ 48
2.10. Dos bens .................................................................................................................................... 50
2.11. Dos fatos jurídicos ..................................................................................................................... 55
2.12. Dos atos ilícitos e lícitos ............................................................................................................ 71
2.13. Da prescrição e da decadência ................................................................................................. 73
CAPÍTULO 3 – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES ............................................................................................ 83
1. TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES ................................................................................................................ 83
1.1. Introdução................................................................................................................................... 83
1.2. Diferença entre direitos reais e direitos obrigacionais................................................................ 84
1.3. Figuras híbridas........................................................................................................................... 85
1.4. Relação jurídica obrigacional ...................................................................................................... 86
1.5. Teoria dualista das obrigações (Brinz) ........................................................................................ 87
1.6. Obrigação como um processo ..................................................................................................... 88
2. ATOS UNILATERAIS................................................................................................................................... 89
2.1. Introdução................................................................................................................................... 89
2.2. Promessa de recompensa ........................................................................................................... 89
2.3. Gestão de negócios ..................................................................................................................... 90
2.4. Pagamento indevido ................................................................................................................... 91
2.5. Enriquecimento sem causa ......................................................................................................... 91
3. CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES................................................................................................................ 92
3.1. Classificação básica das obrigações ........................................................................................... 92
3.2. Classificação especial das obrigações ......................................................................................... 92
4. OBRIGAÇÕES DE DAR................................................................................................................................ 93
4.1. Introdução................................................................................................................................... 93
4.2. Obrigação de dar coisa certa ...................................................................................................... 94
4.3. Obrigação de dar coisa incerta ................................................................................................... 97
5. OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER .......................................................................................................... 97
5.1. Obrigação de fazer...................................................................................................................... 97
5.2. Obrigação de não fazer............................................................................................................... 99
6. OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS E FACULTATIVAS ............................................................................................. 100
6.1. Obrigações Alternativas ............................................................................................................ 100
6.2. Obrigações Facultativas ............................................................................................................ 101
7. OBRIGAÇÕES DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS ...................................................................................................... 101
7.1. Dispositivos relevantes.............................................................................................................. 102
7.2. Remissão ou perdão .................................................................................................................. 102
7.3. Perda do objeto e fim da indivisibilidade .................................................................................. 103
8. OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS ........................................................................................................................ 103
8.1. Introdução................................................................................................................................. 103
8.2. Da Solidariedade Ativa.............................................................................................................. 104
8.3. Da Solidariedade Passiva .......................................................................................................... 106
9. ADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES ........................................................................................................... 107
9.1. Introdução................................................................................................................................. 107
9.2. Pagamento direto ..................................................................................................................... 108
9.3. Das formas especiais de pagamento e das formas de pagamento indireto ............................. 113
10. TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES ............................................................................................................ 121
10.1. Introdução............................................................................................................................... 121
10.2. Cessão de crédito .................................................................................................................... 122
10.3. Cessão de débito (assunção de dívida) ................................................................................... 123
10.4. Cessão de contratos ................................................................................................................ 124
11. INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES....................................................................................................... 125
11.1. Introdução............................................................................................................................... 125
11.2. Inadimplemento por ato culposo do devedor (artigo 389 do CC) ........................................... 125
11.3. Inadimplemento por fato não imputável ao devedor ............................................................. 128
11.4. Cláusula penal e arras ............................................................................................................. 129
QUESTÕES ............................................................................................................................................... 130
GABARITO ............................................................................................................................................... 137
CAPÍTULO 4 — DIREITO DOS CONTRATOS: TEORIA GERAL DOS CONTRATOS ..................................... 139
1. PRINCÍPIOS CONTRATUAIS ....................................................................................................................... 139
1.1. Introdução ao estudo dos contratos ......................................................................................... 139
1.2. Função Social dos Contratos ..................................................................................................... 140
2. PRINCIPIOLOGIA CONTRATUAL ................................................................................................................. 141
2.1. Princípio da autonomia da vontade .......................................................................................... 141
2.2. Princípio da supremacia da ordem pública .............................................................................. 143
2.3. Princípio do consensualismo ..................................................................................................... 144
2.4. Princípio da relatividade dos contratos ................................................................................... 145
2.5. Princípio da obrigatoriedade dos contratos ............................................................................. 145
2.6. Princípio da revisão dos contratos ou da onerosidade excessiva ............................................. 145
2.7. Princípio da boa-fé e probidade ................................................................................................ 147
3. FORMAÇÃO DOS CONTRATOS .................................................................................................................. 151
3.1. Introdução ................................................................................................................................ 151
3.2. Fases para a formação dos contratos ....................................................................................... 151
4. FORMAS CONTRATUAIS .......................................................................................................................... 153
4.1. Contrato preliminar .................................................................................................................. 153
4.2. Estipulação em favor de terceiros – artigos 436 a 438 do CC .................................................. 155
4.3. Promessa de fato de terceiro – artigos 439 e 440 do CC ......................................................... 155
4.4. Contrato aleatório – Artigos 458 a 461 do CC ......................................................................... 156
5. VÍCIOS REDIBITÓRIOS E EVICÇÃO ............................................................................................................... 157
5.1. Definição de vícios redibitórios ................................................................................................. 157
5.2. Evicção – Garantia implícita imposta ao alienante.................................................................. 159
6. REVISÃO DOS CONTRATOS ....................................................................................................................... 160
6.1. Teoria da imprevisão ................................................................................................................ 161
6.2. Teoria da quebra da base objetiva do negócio (art. 6º, V, CDC) ............................................... 161
7. COVID-19 E IMPACTOS NOS CONTRATOS .................................................................................................... 162
7.1. Institutos Pertinentes ................................................................................................................ 162
7.2. Três grupos ou hipóteses de contratos ..................................................................................... 163
CAPÍTULO 5 – DIREITO DOS CONTRATOS: CONTRATOS EM ESPÉCIE .................................................. 166
1. COMPRE E VENDA.................................................................................................................................. 166
1.1. Conceito .................................................................................................................................... 166
1.2. Natureza jurídica ...................................................................................................................... 166
1.3. Elementos constitutivos ............................................................................................................ 166
1.4. Estrutura sinalagmática e os efeitos da compra e venda ......................................................... 167
1.5. Restrições à autonomia privada na compra e venda ................................................................ 168
1.6. Regras especiais da compra e venda ........................................................................................ 170
1.7. Cláusulas especiais da compra e venda .................................................................................... 172
1.8. Terrenos da Marinha ................................................................................................................ 175
2. TROCA OU PERMUTA .............................................................................................................................. 176
2.1. Conceito .................................................................................................................................... 176
2.2. Troca entre ascendentes e descendentes ................................................................................. 177
3. CONTRATO ESTIMÁTORIO ........................................................................................................................ 177
3.1. Conceito .................................................................................................................................... 177
3.2. Natureza jurídica ...................................................................................................................... 177
3.3. Responsabilidade pela perda da coisa consignada ................................................................... 178
4. DOAÇÃO.............................................................................................................................................. 178
4.1. Introdução................................................................................................................................. 178
4.2. Modalidades de doação ............................................................................................................ 179
4.3. Promessa de doação ................................................................................................................. 183
4.4. Revogação da doação ............................................................................................................... 183
5. LOCAÇÃO DE COISAS NO CÓDIGO CIVIL ...................................................................................................... 184
5.1. Introdução................................................................................................................................. 184
5.2. Deveres das partes numa locação ............................................................................................ 185
5.3. Extinção do contrato de locação ............................................................................................... 185
6. EMPRÉSTIMO: COMODATO E MÚTUO ........................................................................................................ 186
6.1. Introdução................................................................................................................................. 186
7. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ......................................................................................................................... 189
7.1. Introdução................................................................................................................................. 189
7.2. Regras da prestação e serviço no CC/02 ................................................................................... 189
7.3. Extinção do contrato de prestação de serviço .......................................................................... 190
7.4. Tutela externa do contrato ....................................................................................................... 190
7.5. Prestação de serviço agrícola ................................................................................................... 191
8. CONTRATO DE EMPREITADA..................................................................................................................... 191
8.1. Introdução................................................................................................................................. 191
8.2. Regras da empreitada no CC/02 ............................................................................................... 191
8.3. Sub-empreitada ........................................................................................................................ 193
9. CONTRATO DE DEPÓSITO......................................................................................................................... 193
9.1. Introdução................................................................................................................................. 193
9.2. Regras quanto ao depósito voluntário ...................................................................................... 194
9.3. Depósito necessário .................................................................................................................. 195
10. MANDATO ......................................................................................................................................... 195
10.1. Introdução............................................................................................................................... 195
10.2. Principais classificações do mandato ...................................................................................... 196
10.3. Principais regras do mandato no CC/02 ................................................................................. 197
10.4. Obrigações do mandatário ..................................................................................................... 197
10.5. Obrigações do mandante ........................................................................................................ 198
10.6. Substabelecimento.................................................................................................................. 198
10.7. Extinção do contrato de mandato .......................................................................................... 198
11. CONTRATO DE COMISSÃO; AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO; CORRETAGEM .............................................................. 199
11.1. Contrato de comissão ............................................................................................................. 199
11.2. Contrato de agência e distribuição ......................................................................................... 200
11.3. Corretagem ............................................................................................................................. 201
12. CONTRATO DE TRANSPORTE .................................................................................................................. 202
12.1. Introdução............................................................................................................................... 202
12.2. Regras gerais previstas no Código Civil ................................................................................... 202
13. CONTRATO DE SEGURO ......................................................................................................................... 207
13.1. Introdução............................................................................................................................... 207
13.2. Regras gerais do seguro no Código Civil ................................................................................. 207
13.3. Seguro de dano ....................................................................................................................... 210
13.4. Seguro de pessoa .................................................................................................................... 214
14. CONSTITUIÇÃO DE RENDA E JOGO E APOSTA .............................................................................................. 215
14.1. Constituição de renda ............................................................................................................. 215
14.2. Jogo e aposta .......................................................................................................................... 216
15. CONTRATO DE FIANÇA .......................................................................................................................... 216
15.1. Introdução............................................................................................................................... 216
15.2. Efeitos e regras da fiança no Código Civil ............................................................................... 217
15.3. Classificação da fiança quanto a sua extensão....................................................................... 219
16. TRANSAÇÃO E COMPROMISSO................................................................................................................ 219
16.1. Transação ............................................................................................................................... 219
16.2. Compromisso .......................................................................................................................... 221
QUESTÕES ............................................................................................................................................... 222
GABARITO ............................................................................................................................................... 229
CAPÍTULO 6 — DIREITO DAS COISAS .................................................................................................. 231
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................................................ 231
1.1. Direitos Reais x Direitos Pessoais (obrigacionais) ..................................................................... 231
1.2. Demais diferenças entre os direitos reais e os direitos pessoais patrimoniais ......................... 232
2. DA POSSE ............................................................................................................................................ 233
2.1. Natureza jurídica da posse........................................................................................................ 233
2.2. Diferenças entre posse e detenção ........................................................................................... 233
2.3. Principais classificações da posse ............................................................................................. 234
2.4. Efeitos materiais e processuais da posse .................................................................................. 236
2.5. Posse e responsabilidade .......................................................................................................... 237
2.6. Posse e processo civil ................................................................................................................ 237
2.7. A legítima defesa da posse e o desforço imediato .................................................................... 239
2.8. Forma de aquisição, transmissão e perda da posse ................................................................. 239
2.9. Composse .................................................................................................................................. 240
3. PROPRIEDADE ....................................................................................................................................... 240
3.1. Conceito .................................................................................................................................... 240
3.2. Principais características do direito de propriedade ................................................................. 240
3.3. Função social e socioambiental da propriedade ....................................................................... 241
3.4. Desapropriação judicial privada por posse-trabalho ................................................................ 242
3.5. Diferença entre propriedade resolúvel e propriedade fiduciária .............................................. 243
3.6. Formas de aquisição da propriedade imóvel ............................................................................ 243
3.7. Formas de aquisição da propriedade móvel ............................................................................. 250
4. DIREITO DE VIZINHANÇA ......................................................................................................................... 253
4.1. Conceito .................................................................................................................................... 253
4.2. Uso anormal da propriedade .................................................................................................... 254
4.3. Árvores limítrofes ...................................................................................................................... 254
4.4. Passagem forçada e da passagem de cabos e tubulações ....................................................... 255
4.5. Águas ........................................................................................................................................ 255
4.6. Direito de tapagem e limites entre prédios............................................................................... 256
4.7. Direito de construir ................................................................................................................... 257
5. DO CONDOMÍNIO.................................................................................................................................. 258
5.1. Conceito .................................................................................................................................... 258
5.2. Condomínio voluntário ou convencional ................................................................................... 259
5.3. Condomínio necessário ............................................................................................................. 260
5.4. Condomínio edilício ................................................................................................................... 260
6. DIREITO REAL DE AQUISIÇÃO DO PROMITENTE COMPRADOR ........................................................................... 266
7. DIREITOS REAIS DE GOZO OU FRUIÇÃO ....................................................................................................... 267
7.1. Introdução................................................................................................................................. 267
7.2. Superfície .................................................................................................................................. 267
7.3. Servidões ................................................................................................................................... 268
7.4. Usufruto .................................................................................................................................... 270
7.5. Uso ............................................................................................................................................ 272
7.6. Habitação.................................................................................................................................. 272
7.7. Concessões especiais para uso e moradia ................................................................................ 273
8. DIREITOS REAIS DE GARANTIA................................................................................................................... 273
8.1. Introdução................................................................................................................................. 273
8.2. Penhor ....................................................................................................................................... 274
8.3. Hipoteca .................................................................................................................................... 279
8.4. Anticrese ................................................................................................................................... 282
8.5. Alienação fiduciária em garantia .............................................................................................. 282
9. DA LAJE............................................................................................................................................... 286
QUESTÕES ............................................................................................................................................... 286
COMENTÁRIOS ......................................................................................................................................... 293
CAPÍTULO 7 — RESPONSABILIDADE CIVIL .......................................................................................... 296
1. DISPOSIÇÕES GERAIS E CLASSIFICAÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................................ 296
2. DOS ELEMENTOS OU PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................................... 297
3. DA CONDUTA HUMANA .......................................................................................................................... 298
4. DA CULPA EM SENTIDO AMPLO................................................................................................................. 298
5. DO NEXO DE CAUSALIDADE ...................................................................................................................... 299
6. DAS EXCLUDENTES DO NEXO DE CAUSALIDADE ............................................................................................. 300
7. DO DANO OU PREJUÍZO........................................................................................................................... 302
8. DO DANO MATERIAL .............................................................................................................................. 302
8.1 Teoria do desvio produtivo do consumidor ................................................................................ 306
9. DANO ESTÉTICO .................................................................................................................................... 307
10. DANO MORAL COLETIVO ....................................................................................................................... 307
11. DANOS SOCIAIS ................................................................................................................................... 308
12. DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE .................................................................................................... 308
13. DANO BUMERANGUE ........................................................................................................................... 309
14. DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO DE TERCEIRO .................................................................................... 309
15. DA RESPONSABILIDADE DO INCAPAZ ........................................................................................................ 311
16. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO DONO OU DETENTOR DE ANIMAIS ................................................................ 311
17. RESPONSABILIDADE CIVIL DO DONO DO PRÉDIO OU CONSTRUÇÃO POR SUA RUÍNA ............................................ 312
18. DA CLÁUSULA DE NÃO DE INDENIZAR ....................................................................................................... 312
CAPÍTULO 8 – DIREITO DAS FAMÍLIAS ................................................................................................ 314
1. DIREITO DE FAMÍLIA............................................................................................................................... 314
1.1. Introdução Ao Direito De Família .............................................................................................. 314
1.2. Princípios do direito de família ................................................................................................. 314
1.3. Concepção constitucional da família e os tipos de famílias ...................................................... 318
1.4. Informativos de Jurisprudência ................................................................................................. 322
2. CASAMENTO ........................................................................................................................................ 325
2.1. Conceito e natureza jurídica ..................................................................................................... 325
2.2. Princípios específicos aplicáveis ao casamento ........................................................................ 326
2.3. Capacidade para o casamento ................................................................................................. 327
2.4. Impedimentos matrimoniais e causas suspensivas .................................................................. 328
2.5. Processo de habilitação e celebração do casamento................................................................ 331
2.6. Espécies de casamentos ............................................................................................................ 334
2.7. Invalidação do casamento ........................................................................................................ 336
2.8. Efeitos do casamento ................................................................................................................ 340
2.9. Provas do casamento ................................................................................................................ 340
2.10. Informativos de Jurisprudência ............................................................................................... 341
3. REGIME DE BENS ................................................................................................................................... 342
3.1. Disposições gerais ..................................................................................................................... 342
3.2. Regras gerais quanto ao regime de bens .................................................................................. 343
3.3. Pacto antenupcial ..................................................................................................................... 345
3.4. Regime de bens em espécie ...................................................................................................... 345
3.5. Informativos de Jurisprudência ................................................................................................. 352
4. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E DO VÍNCULO MATRIMONIAL .............................................................. 355
4.1. Disposições gerais ..................................................................................................................... 355
4.2. Do fim da sociedade conjugal ................................................................................................... 356
4.3. Da dissolução do vínculo matrimonial ...................................................................................... 361
4.4. Discussão de culpa no divórcio ................................................................................................. 362
4.5. O uso do nome após a EC 66 ..................................................................................................... 363
4.6. Dissolução do casamento por morte presumida ...................................................................... 364
4.7. Divórcio e prestação de alimentos ............................................................................................ 364
4.8. Informativos de Jurisprudência ................................................................................................. 365
5. PARENTESCO ........................................................................................................................................ 366
5.1. Relações de parentesco ............................................................................................................ 366
5.2. Graus de parentesco ................................................................................................................. 367
5.3. Filiação ...................................................................................................................................... 368
5.4. Informativos de Jurisprudência ................................................................................................. 381
6. PODER FAMILIAR E A PROTEÇÃO AOS FILHOS ............................................................................................... 382
6.1. Poder familiar ........................................................................................................................... 382
6.2. Proteção aos filhos: a guarda ................................................................................................... 387
6.3. Informativos de Jurisprudência ................................................................................................. 390
7. ALIMENTOS .......................................................................................................................................... 392
7.1. Considerações gerais ................................................................................................................ 392
7.2. Informativos de Jurisprudência ................................................................................................. 401
8. TUTELA E CURATELA ............................................................................................................................... 403
8.1. Considerações gerais ................................................................................................................ 403
8.2. Tomada de decisão apoiada ..................................................................................................... 410
8.3. Informativos de Jurisprudência ................................................................................................. 411
9. UNIÃO ESTÁVEL..................................................................................................................................... 412
9.1. Considerações gerais ................................................................................................................ 412
9.2. Evolução da união estável ........................................................................................................ 413
9.3. A união estável no código civil .................................................................................................. 416
9.4. A união estável e o denominado namoro qualificado .............................................................. 418
9.5. Questões polêmicas quanto à união estável............................................................................. 419
9.6. Informativos de Jurisprudência ................................................................................................. 420
QUESTÕES ............................................................................................................................................... 421
COMENTÁRIOS ......................................................................................................................................... 423
CAPÍTULO 9 – DIREITO DAS SUCESSÕES ............................................................................................. 436
1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS SUCESSÕES .................................................................................................. 436
1.1. Abertura da sucessão ............................................................................................................... 437
1.2. Direito das sucessões e o princípio de saisine .......................................................................... 438
1.3. Espécies de sucessões ............................................................................................................... 438
1.4. Vocação hereditária e classificação dos herdeiros ................................................................... 439
1.5. Diferenças entre herança e legado ........................................................................................... 442
1.6. Procedimento previsto no ncpc para o direito das sucessões ................................................... 442
1.7. Informativos de Jurisprudência ................................................................................................. 443
2. SUCESSÃO HEREDITÁRIA .......................................................................................................................... 444
2.1. A herança e meação: diferenciação .......................................................................................... 444
2.2. Administração da herança ........................................................................................................ 445
2.3. Herança jacente e herança vacante ......................................................................................... 445
2.4. Aceitação e renúncia da herança .............................................................................................. 447
2.5. Excluídos da sucessão: indignidade sucessória e deserdação ................................................... 449
2.6. Ação de petição de herança ...................................................................................................... 451
2.7. Informativos de Jurisprudência ................................................................................................. 452
3. SUCESSÃO LEGÍTIMA .............................................................................................................................. 453
3.1. Considerações gerais ................................................................................................................ 453
3.2. Sucessão dos descendentes (por cabeça ou direito próprio e por representação) e concorrência
do cônjuge e do companheiro.......................................................................................................... 454
3.3. Sucessão dos ascendentes e concorrência do cônjuge e do companheiro................................ 458
3.4. Sucessão do cônjuge e do companheiro isoladamente ............................................................ 459
3.5. Sucessão dos colaterais ............................................................................................................ 461
3.6. Informativos de Jurisprudência ................................................................................................. 462
4. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA ..................................................................................................................... 463
4.1. Conceito de testamento e características ................................................................................. 463
4.2. Modalidades ordinárias de testamento .................................................................................... 466
4.3. Modalidades especiais do testamento ..................................................................................... 470
4.4. Codicilo...................................................................................................................................... 471
4.5. Disposições testamentárias ...................................................................................................... 471
4.6. Legado ...................................................................................................................................... 473
4.7. Substituições testamentárias .................................................................................................... 476
4.8. Redução das disposições testamentárias ................................................................................. 478
4.9. Revogação do testamento ........................................................................................................ 478
4.10. Rompimento do testamento ................................................................................................... 479
4.11. Testamenteiro ......................................................................................................................... 480
4.12. Informativos de Jurisprudência ............................................................................................... 481
5. INVENTÁRIO E PARTILHA.......................................................................................................................... 482
5.1. Considerações gerais ................................................................................................................ 482
5.2. Inventário judicial ..................................................................................................................... 483
5.3. Inventário extrajudicial ............................................................................................................. 490
5.4. Pena de sonegados ................................................................................................................... 492
5.5. Pagamento das dívidas ............................................................................................................. 493
5.6. Colação ou conferência ............................................................................................................. 493
5.7. Redução das doações inoficiosas .............................................................................................. 496
5.8. Partilha ..................................................................................................................................... 496
5.9. Garantia dos quinhões hereditários .......................................................................................... 498
5.10. Anulação, rescisão e nulidade da partilha .............................................................................. 499
5.11. Informativos de Jurisprudência ............................................................................................... 499
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................................... 514
Matheus Zuliani

CAPÍTULO 1 – LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB)

1. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB)

1.1. VIGÊNCIA E VALIDADE DAS NORMAS

A vigência da lei ocorre a partir do momento em que ela passa a ter força coercitiva,
ou seja, a partir do instante em que todas as pessoas devem obedecê-la. Não se pode
confundir a vigência da lei com a sua existência. Pode ser que a lei exista, todavia, ainda não
esteja em vigor.
Assim, o primeiro passo é a existência da lei, uma vez que não tem como exigir a
obrigatoriedade da lei sem que ela exista. A lei passa a existir com sua promulgação. Após a
sua promulgação, é possível que ela entre em vigor nessa mesma data ou em data distinta, a
depender da vontade do legislador.
A regra é que a lei passe a vigorar em todo o território dentro do prazo de 45 dias
depois de oficialmente publicada. É o que dispõe o art. 1º da LINDB.
Denomina-se vacatio legis o prazo entre o início da existência da lei e o início de sua
vigência, caso exista esse intervalo. Trata-se de um período necessário para que a sociedade se
habitue tanto com a lei quanto com o regime jurídico que ela impõe. Nesse sentido, em
atenção ao princípio da obrigatoriedade da lei, ninguém pode alegar seu desconhecimento.
Entende-se que esse princípio não é absoluto, uma vez que há exceção, como o caso do erro
de direito, em que a parte negociante poderia revogá-lo, desde que não tenha o objetivo de
descumprir a lei (CC, art. 139, III).
Há uma corrente que entende que a vacatio legis é imprescindível em leis que
tenham relevante repercussão, não podendo ela entrar em vigor na data da publicação (art. 8ª
caput da LC 95/1998).
Por fim, ainda sobre a vacatio legis, é importante mencionar a forma de contagem.
Dispõe a Lei Complementar nº 95/1998, que trata sobre a elaboração, a redação, a alteração e
a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição
Federal, em seu art. 8º, §1º que “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que
estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia
do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral”. Isto é, inclui-se o
primeiro e o último dia, entrando a lei em vigor no dia subsequente à consumação integral do
prazo. Por isso, não se pode confundir com os prazos processuais do Código de Processo Civil,
no qual não se inclui a data da publicação na contagem.
A lei que nasce e que tem data certa para entrar em vigor pode sofrer alteração em
seu texto antes da vigência ou depois da vigência. A LINDB trata das duas situações. Se, antes
de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo
dos dispositivos alterados começará a correr da nova publicação (LINDB, art. 1º, § 3º). Em
outras palavras, a vacatio se reinicia para esses dispositivos alterados, dando nova
oportunidade de se familiarizar com a lei. Agora, se as correções forem em texto de lei já em
vigor consideram-se lei nova (LINDB, art. 1º, § 4º).
Existe uma questão que pode gerar dúvidas em concurso por confundir a parte
técnica com o que comumente se fala ou se aplica. Alguns entendem que vigência e vigor são
situações distintas. Vigor é a força da lei, da norma. Vigência é a norma que já esteve em vigor,
mas que agora não tem mais aplicabilidade. Assim, no cenário em que vivemos, o CPC/73 não

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Matheus Zuliani

possui mais vigência. Todavia, em maior número, tanto na doutrina quanto na jurisprudência,
vigência é o termo utilizado para indicar a norma que tem força, ou seja, sinônimo de vigor1.
Para finalizar a questão da vigência da lei é importante lembrar que uma lei pode
ingressar no território nacional em um prazo e no estrangeiro em outro. No concurso da
Magistratura do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em 2010, o examinador fez a seguinte
pergunta: é possível que um mesmo fato seja regulamentado por duas leis distintas? A
resposta para essa indagação está no art. 1º, §1º da LINDB, uma vez que “nos Estados,
estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois
de oficialmente publicada”. Assim, se a lei tem uma vacatio de 45 dias, no 60º dia da sua
publicação terá validade no Brasil, mas ainda não no estrangeiro, o que acarreta a aplicação da
lei antiga para uma situação e a lei nova na mesma situação, só dependendo o local em que o
fato for praticado.

1.2. REVOGAÇÃO DA LEI E SUAS FORMAS

Revogar significa anular, invalidar, desfazer, desvigorar. Em outras palavras,


significa tornar sem efeito uma lei ou qualquer outra norma jurídica. É a supressão da força
obrigatória da lei, retirando sua eficácia.
A revogação da lei tem previsão no art. 2º da LINDB, existindo quatros formas de se
revogar uma lei que está em vigor. A revogação pode ser total, parcial, expressa ou tácita.
A revogação total, também conhecida como ab-rogação, ocorre quando uma lei nova
regula inteiramente a matéria da lei anterior, ou então, quando existir incompatibilidade entre
elas.
A revogação parcial, denominada de derrogação, acontece quando apenas parte da
lei é tida como sem efeito, permanecendo parte dela em vigor. Ex.: o novo Código de Processo
Civil derrogou alguns dispositivos do Código Civil, por exemplo, o art. 227.
A revogação pode ser, ainda, expressa ou tácita. A revogação expressa é aquela que
taxativamente se diz qual norma está revogada. O art. 9º da Lei Complementar nº 98/1995,
com a redação da Lei Complementar nº 107/2001, estabelece que “a cláusula de revogação
deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas”. Essa é uma forma
de revogação expressa. A tácita, ao contrário, ocorre quando há incompatibilidade entre elas.
Diz o art. 2º, §1º da LINDB, que ocorre essa forma de revogação quando “seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria que tratava a lei anterior”.
Quando se fala em revogação, questiona-se se o costume pode revogar norma.
No Direito Brasileiro, não existe a possibilidade de retirar o efeito de uma lei em razão
de um costume. É a chamada supremacia da lei sobre os costumes. O desuetudo, ou seja, o
costume negativo (desuso) não revoga lei2. Ele pode, em outro giro, ser considerado um
método de integração para fins de julgamento.
Por fim, é importante mencionar que lei temporária é aquela que nasce com termo
prefixado de duração ou com um objetivo a ser cumprido. A lei já nasce com um prazo para
perder sua vigência. Ela é uma exceção ao princípio da continuidade, já que não tem eficácia

1
Ao verificar uma questão que trata da diferença entre vigor e vigência, lembre-se dessa celeuma para responder.
2
STJ: “A eventual tolerância ou a indiferença na repressão criminal, bem assim o pretenso desuso não se
apresentam, em nosso sistema jurídico-penal, como causa de atipia (Precedentes). II - A norma incriminadora não
pode ser neutralizada ou se considerada revogada em decorrência de, v.g., desvirtuada atuação policial (art. 2º,
caput da LICC). Recurso conhecido e provido”. (REsp 146.360/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA,
julgado em 19.10.1999, DJ 08.11.1999 p. 85+.

9
Matheus Zuliani

continua, ou seja, não precisa de uma lei para revogá-la, pois seu fim tem um prazo certo,
determinado.

1.3. REPRISTINAÇÃO

Repristinação significa restaurar a vigência de uma lei pelo fato de a lei revogadora
ter perdido a sua vigência. É o que dispõe o art. 2º, §3º da LINDB: “salvo disposição em
contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.
Desta forma, em regra, não há repristinação no ordenamento jurídico vigente.
Todavia, esse efeito pode acontecer quando o legislador fizer constar essa previsão na lei
revogadora. Desta forma, se ficar consignado na lei revogadora que um de seus efeitos é
ressuscitar a lei revogada, verifica-se o efeito repristinatório da lei.
Alguns doutrinadores fazem a distinção entre repristinação e efeito repristinatório. O
efeito repristinatório é estudado no campo do Direito Constitucional, mais especificadamente
em controle concentrado de constitucionalidade. Ex.: Lei “A” foi revogada pela Lei “B”.
Posteriormente, o STF declara a inconstitucionalidade da Lei “B”, restaurando-se os efeitos da
norma revogada, já que a norma revogadora será considerada como nunca tivesse existido. É o
que preleciona o artigo 27 da Lei nº 9.868/99. A decisão de inconstitucionalidade é
declaratória e possui efeitos retroativos, ex tunc, concretizando-se com a chamada modulação
dos efeitos da decisão.

1.4. NORMAS GERAIS E NORMAS ESPECIAIS

Há uma classificação de normas no art. 2º, §2° da LINDB em que se entende por
norma especial aquela que possui um conteúdo especializado dentro de um ramo do direito
(por exemplo, Lei de Alimentos, Código de Defesa do Consumidor). Já a norma geral aborda o
conteúdo de um ramo do direito de maneira geral.
A norma geral não revoga a especial e a norma especial não revoga a geral. Tais
normas caminharão conjuntamente. A norma especial pode revogar a geral de duas formas:
de forma explícita, ou então, de forma implícita. A revogação expressa ou explicita ocorre
quando há previsão de que a norma especial está revogando a geral. A revogação implícita,
por sua vez, acontece no momento em que regula a mesma matéria que a geral, modificando
o seu conteúdo.
Pode ser que uma lei especial contenha uma parte específica e outra parte geral que
também está disposta em um Código, sem que haja, entre elas, contradição. Nesse caso,
ambas continuarão em vigor, coexistindo.

1.5. DA INTEGRAÇÃO DAS NORMAS

Pelo fato lógico de que o legislador não consegue prever todos os acontecimentos,
seja para o presente seja para o futuro, e da mesma forma que o juiz não pode ser furtar ao
seu mister de julgar alegando ausência de norma legal sobre o assunto, é que existe o
instrumento de integração das normas, permitindo-se que haja o preenchimento de lacunas
(CPC, art. 140).
Dispõe o art. 4º da LINDB: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo
com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. O juiz não pode deixar de
decidir uma questão alegando que não existe norma regulamentadora para aquele caso em
concreto (julgamento non liquet). Trata-se do princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional.

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Matheus Zuliani

O fenômeno da subsunção se perfaz no encaixe perfeito da norma ao caso concreto.


Contudo, na ausência da subsunção o juiz deverá se valer da analogia, dos costumes e dos
princípios gerais do direito. Com isso, não deixa nenhum caso sem solução.
A doutrina defende que existe uma hierarquia entre os instrumentos de integração
da norma, devendo ser aplicada em primeiro lugar a analogia, depois os costumes, e por fim,
os princípios gerais de direito. Diz que a analogia tem preferência em razão do sistema
brasileiro adotar a supremacia da lei escrita.

1.5.1. ANALOGIA

Consiste a analogia na busca da solução em outra norma que é similar ao caso


desprovido de lei. Utiliza-se de uma norma ou conjunto de normas aproximadas a um caso. A
analogia pode ser classificada como analogia legal e analogia jurídica.
A analogia legal, segundo os ensinamentos de Limongi França, é exatamente a
aplicação de uma lei àquele caso em específico. Cita-se como exemplo o caso da convalidação
do negócio jurídico praticado com o vício da lesão. Dispõe o § 2º do art. 157 do Código Civil
que “não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a
parte favorecida concordar com a redução do proveito”. Porém, e se o caso for cometido em
estado de perigo? O Código Civil não traz a convalidação do negócio praticado em estado de
perigo. Assim, a doutrina e a jurisprudência se valendo da analogia legal permitem a utilização
da convalidação também para o estado de perigo. Inclusive, o enunciado 148 da III Jornada de
Direito Civil é nesse sentido.
A analogia jurídica é diversa. Consiste em utilizar-se de princípios, conceitos,
preceitos consagrados pela doutrina e pela jurisprudência a um caso em específico. Cumpre
mencionar que para alguns doutrinadores, a analogia jurídica se constitui na aplicação dos
princípios gerais do direito.
Há diferença entre a analogia e a interpretação extensiva. A interpretação extensiva
visa adequar o que o legislador realmente pretendia com aquela norma, ou seja, a norma diz
menos do que deveria. É o caso do art. 12 do Código Civil, em caso de violação aos direitos da
personalidade do de cujus, o cônjuge se torna lesado de forma indireta (dano por ricochete), e
tem legitimidade para postular em juízo. Em face dessa regra, deve-se aplicar uma
interpretação extensiva para garantir ao companheiro o mesmo direito previsto ao cônjuge.

1.5.2. COSTUMES

O costume é a conduta reiterada, de forma lícita, e que possui relevância no mundo


jurídico. Assim, um determinado costume pode ser aplicado com forma de integração desde
que apresente esses elementos, ou seja, a prática reiterada (elemento objetivo) e observância
da lei (elemento subjetivo), com relevância no ordenamento jurídico.
Os costumes podem ser classificados como contra legem, praeter legem, secundum
legem, e por fim, costume judiciário.
O costume contra legem é o que contraria a lei. O costume praeter legem é aquele
que preenche os requisitos para servir como método integrativo, ou seja, a conduta reiterada,
de forma lícita, e que possui relevância no mundo jurídico. Já o costume secundum legem é
aquele em que a sua aplicação é imposta pela lei.
Caracteriza o ato emulativo – aquele praticado com abuso do direito – o titular de
um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim

11
Matheus Zuliani

econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (CC, art. 187). Isto é, se a pessoa
excede o bom costume pratica abuso do direito e comete ato ilícito.
Alguns doutrinares ainda trazem o costume judiciário, também conhecido como
jurisprudência sedimentada. Atualmente vivemos em uma era de precedentes obrigatórios,
súmulas vinculantes e não vinculantes, repercussões gerais e jurisprudências uníssonas. Há
casos, como a súmula vinculante, recursos repetitivos e repercussões gerais, em que o juiz não
pode se recusar a aplicar o precedente. Outros, como jurisprudência sedimentada e súmulas
não vinculantes, embora não tenham observância obrigatória, são considerados costumes
jurídicos a serem seguidos na ausência de lei específica sobre o tema.

1.5.3. PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

Segundo sustenta Miguel Reale, os princípios constituem verdadeiros pilares


fundantes do ordenamento jurídico. O artigo 8º do Código de Processo Civil trabalha com a
ideia de que os princípios devem ser compulsoriamente observados.
Os princípios Gerais de Direito são crenças jurídicas já consolidadas na sociedade e
que são universalmente aceitas, como a regra de que ninguém pode ser valer da própria
torpeza para se beneficiar, nem se enriquecer indevidamente à custa de terceiro, dentre
outros.

1.6. DA EQUIDADE

A equidade não é método de integração das normas, sendo considerado um recurso


de julgamento na aplicação das leis. A equidade é o julgamento com senso de justiça, com
bom senso. Para que se aplique a equidade, a lei precisa autorizar o magistrado a fazê-lo (CPC,
art. 140, parágrafo único).
Alguns doutrinadores entendem que há diferença entre julgamento por equidade e
julgamento com equidade. O primeiro é a aplicação da equidade em si, quando a lei autorizar.
O segundo e o julgamento com senso de justiça, com bom senso. Entende-se que o julgamento
com equidade é ínsito a toda decisão judicial proferida.

1.7. DA APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS

A hermenêutica consiste na teoria científica de interpretar e descobrir o sentido da


norma jurídica, fixando seu alcance.
Na interpretação, observa-se a verdadeira essência da norma jurídica, ou seja, o que
verdadeiramente se pretende alcançar. É a chamada mens legis, isso é, a real intenção da lei.
Há diversos métodos e critérios de interpretação. Dentre eles podemos citar a
interpretação autêntica, doutrinária, jurisprudencial, gramatical, lógica, ontológica, histórica,
sistemática, e por fim, a teleológica.
A interpretação autêntica é a feita pelo próprio legislador por meio de outro ato
normativo. A doutrinária é elaborada pelos estudiosos do direito, como doutores, mestres e
livre docente. A interpretação jurisprudencial é feita pelos Tribunais. Quanto aos meios, a
interpretação gramatical é mais pobre de todas, pois leva em conta o sentido literal da palavra.
A ontológica busca a essência da lei, sua razão de ser (ratio legis). Na interpretação histórica se
investigam os antecedentes da lei, analisando o processo legislativo. A interpretação
sistemática é a que faz a interpretação de acordo com as demais normas presentes no
ordenamento jurídico. Por fim, a teleológica (sociológica) busca a finalidade da lei diante da

12
Matheus Zuliani

nova perspectiva social. Carlos Roberto Gonçalves diz que essa interpretação é endereça ao
magistrado e consta do art. 5º da LINDB, quando diz que “na aplicação da lei, o juiz atenderá
aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

1.8. DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS

A regra é que a lei não retroage, abarcando apenas as situações jurídicas criadas a
partir da sua vigência. Trata-se de um princípio que visa dar estabilidade e segurança ao
ordenamento jurídico, preservando situações já consolidadas sob a lei antiga, em que o
interesse particular deve prevalecer. Denomina-se de regra do tempus regit actum. Todavia,
essas regras não são absolutas, podendo sofrer mitigações no âmbito do Direito Penal, por
exemplo.
Observa-se, por fim, o art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal que determina: “a
lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Nessa mesma
linha, temos o disposto no art. 6º da LINDB que prevê: “a lei em vigor terá efeito imediato e
geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

1.8.1. DO ATO JURÍDICO

O ato jurídico perfeito e acabado é aquele que já se consumou perante a lei vigente
do tempo em que se efetuou. Pense em um contrato de compra e venda de bem imóvel, sem
escritura lavrada porque o imóvel tem valor de 28 salários vigentes (CC, art. 108) e com
registro realizado. Posteriormente ao ato, vem uma lei que altera a obrigação de lavrar
escritura para os negócios que tenham como objeto imóvel acima de 20 salários. Essa lei não
vai atingir aquele contrato celebrado.

1.8.2. DIREITO ADQUIRIDO

Consiste no direito que já se incorporou ao patrimônio e a personalidade de seu


titular, podendo ser exercido a qualquer momento. Para ser considerado “direito adquirido”
mister se faz a presença de dois requisitos: a existência de um fato e a existência de uma
norma que faça originar direito do fato. Enquanto não estiverem presentes esses elementos,
não há direito adquirido, mas expectativa de direito.

1.8.3. DA COISA JULGADA

A coisa julgada é a decisão que não comporta mais recurso, tendo atingido o trânsito
em julgado. Assim, uma lei nova não pode alterar aquilo que já foi apreciado em definitivo
pelo Poder Judiciário.
Sobre a coisa julgada é importante constar que consta o enunciado 109 da Jornada
de Direito Civil que diz: “a restrição da coisa julgada, oriunda de demandas reputadas
improcedentes por insuficiência de provas, não deve prevalecer para inibir a busca da
identidade genética pelo investigando”.

1.9. CONFLITO DE LEIS NO TEMPO

É possível que existam leis que se contrariem, aparentemente. Quando isso acontece
há uma antinomia. Diz-se aparentemente porque, em tese, o ordenamento jurídico é perfeito
e não apresenta tais conflitos. Não é o que acontece.

13
Matheus Zuliani

A antinomia pode ser aparente e real. A antinomia real ocorre quando duas leis são
exatamente conflitantes entre si. No caso desse conflito o sistema jurídico não traz uma
solução, devendo ser tal conflito resolvido pelo Poder Judiciário. O Código de Processo Civil, no
art. 8º, prevê que “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às
exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e
observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.
Embora esteja dentro do Código de Processo Civil, pode servir de norte par aplicação de outros
ramos do ordenamento jurídico.
O conflito aparente, como o próprio nome diz, é apenas ilusório. Menciona-se, como
exemplo, o prazo de prisão civil do devedor de alimentos. Na Lei dos Alimentos há uma
previsão de prisão de 1 a 60 dias, enquanto o Código de Processo Civil, no art. 528, §3º, prevê
um prazo de 1 a 3 meses.
Diante de um conflito aparente de normas a doutrina criou alguns critérios para
eliminar a antinomia, sendo o hierárquico, o especial e, por fim, o cronológico.
Pelo critério hierárquico uma lei superior prevalece sobre a lei inferior. Assim, busca-
se na “pirâmide de Kelsen” o fundamento para a aplicação desse critério. Desta forma, a lei
hierarquicamente superior tem preferência em relação a uma lei inferior. Ex.: norma
constitucional possui hierarquia em face de uma norma infraconstitucional. Esse é o primeiro
critério a ser aplicado.
No critério da especialidade leva-se em consideração a amplitude das normas. Isto é,
se o legislador tratou um determinado assunto com mais cuidado e rigor, ele deve prevalecer
sobre o outro que foi tratado de forma geral. Portanto, uma norma especial deve prevalecer
em relação a uma norma geral.
Por fim, no critério cronológico se aplica o momento em que a norma jurídica entra
em vigor, restringindo-se somente ao conflito de normas pertencentes ao mesmo escalão.
Dessa forma, utilizando-se o critério cronológico, uma lei mais recente tem preferência em
relação a uma lei anterior. O critério cronológico será utilizado sempre que o conflito não
puder ser solucionado pelos critérios hierárquico e da especialidade.
Alguns doutrinadores classificam as antinomias em graus. Entende-se por antinomia
de primeiro grau aquela que envolve apenas um dos critérios de eliminação do conflito. Para o
conflito entre uma norma anterior e outra posterior, aplica-se o critério cronológico. Para o
caso de conflito entre uma norma geral e outra especial, usa-se o critério da especialidade.
A antinomia de segundo grau envolve mais de um critério. Assim, concorrendo os
critérios hierárquico e cronológico, prevalece o hierárquico. Concorrendo o critério
hierárquico e o de especialidade, prevalece o hierárquico. Por fim, concorrendo os critérios de
especialidade e cronológico, prevalece o da especialidade.

1.10. DA VIGÊNCIA DA LEI NO ESPAÇO

A regra geral é que, dentro do território brasileiro, aplica-se a lei brasileira.


O Estado politicamente organizado tem soberania sobre o seu território e sobre seus
habitantes. Decorre disso que toda lei, em princípio, tem seu campo de aplicação limitado no
espaço pelas fronteiras do Estado que a promulgou.
O critério a ser utilizado para aplicação das leis no espaço é o critério territorial.
O Brasil adotou a Teoria da Territorialidade, mas de forma moderada, também
chamada de Territorialidade Temperada ou Mitigada. Isso porque, excepcionalmente, nos

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Matheus Zuliani

deparamos com leis ou decisões estrangeiras que podem ser reconhecidas e aplicadas no
Brasil.
Dessa forma, para que haja a aplicação de leis e sentenças estrangeiras no
ordenamento jurídico pátrio, faz-se necessária a observância de duas regras. A primeira prevê
que não se aplica leis, sentenças ou atos estrangeiros no Brasil quando ofenderem a soberania
nacional, a ordem pública e os bons costumes. A segunda, por sua vez, prevê que não se
cumprirá sentença estrangeira no Brasil sem o devido exequatur, que é a permissão dada pelo
Superior Tribunal de Justiça, por meio de homologação, para que esta decisão produza seus
efeitos. É a homologação de sentença estrangeira.
Ainda sobre a sentença estrangeira, dispõe o art. 15 da LINDB que será executada no
Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos: a) haver sido
proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver legalmente se
verificado a revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias
para a execução no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; e)
ter sido homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (corrigindo de ofício o erro da LINDB,
pois lá ainda consta a homologação pelo STF, modificação que ocorreu pela EC 45/2004).
Por fim, a sentença estrangeira poderá ser executada perante a Justiça Federal, de
primeira instância – art. 109, inciso X da CF. Quanto aos títulos executivos extrajudiciais
estrangeiros, estes não precisam ser homologados para serem executados no Brasil.
A LINDB ainda tratou da vigência da lei no espaço no que concerne às questões de
estado da pessoa. Com isso, A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras
sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família
(LINDB, art. 7º).
No que tange ao casamento e ao regime de bens, realizando-se o casamento no
Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da
celebração. O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas
ou consulares do país de ambos os nubentes.
Por fim, no que concerne ao direito sucessório, deve-se obediência à lei do país em
que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos
bens (LINDB, art. 10). A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela
lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente,
sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus (LINDB, art. 10, § 1º). Por
fim, a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder (LINDB, art.
10, § 2º).

15
Matheus Zuliani

CAPÍTULO 2 – DA PARTE GERAL DO CÓDIGO CIVIL

1. DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO CÓDIGO CIVIL

O Código Civil é rodeado de princípios que moldaram o que é atualmente chamado


de o moderno direito civil. O mais importante de todos é o princípio da dignidade humana que
irradia efeitos para todos os ramos do ordenamento jurídico, não sendo exclusividade do
direito privado.
Os princípios norteadores do Código Civil são a eticidade, a socialidade e a
operabilidade3.
Tais princípios vieram para quebrar a ligação que o Código Civil de 1916 mantinha
com o individualismo e patriarcalismo, que colide frontalmente com os ditames da
Constituição Federal de 1988. Desta feita nota-se uma inspiração constitucional nesses
princípios.

1.1. SOCIALIDADE

O Código Civil de 2002 visa atingir um maior número de pessoas, deixando de lado a
aplicação estrita ao indivíduo, passando a respeitar direitos sociais, e assim, exigir uma função
social, como a função social da propriedade (art. 5º, XXII e XXIII e art. 1.228, § 1º do Código
Civil), do contrato (art. 421), da posse e da empresa. A atividade, ainda que privada, deve
considerar em seu contexto a sociedade e não apenas os sujeitos do negócio. Exemplo que
podemos citar: a diminuição dos prazos para a usucapião, quando a pessoa ali exerce posse e
trabalho; o contrato nulo, quando ofende direito dos trabalhadores. Tanto é que a LINDB, no
art. 5º, diz que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum”.
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves defendem que esse princípio encontra-se
atrelado ao direito subjetivo. O direito subjetivo consiste no direito do indivíduo de agir
amparado pelo ordenamento jurídico com o objetivo de satisfazer um interesse legítimo. Para
esses doutrinadores, o direito subjetivo corresponde a uma função social. O sujeito ao agir
sempre age no interesse próprio, mas esse interesse individual não pode contrariar um direito
social, sob pena de perder força.

1.2. ETICIDADE

O Código Civil de 1916, de Beviláquia, não possuía preceitos éticos. O atual Código
Civil mudou isso, tanto que a atuação ética, proba, honesta é valor quase que supremo no
Código Civil de 2002. Prestigia-se a boa-fé objetiva. Abandona o formalismo do direito romano.
Em vários dispositivos do Código Civil, pode-se notar a presença do princípio da eticidade, a
exemplo dos art. 113 (negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa fé e os
usos); art. 187 (abuso do direito que excede os fins econômicos e sociais) e, o principal, art.
422 que valoriza a boa fé na conclusão e execução dos contratos.
A violação positiva do contrato é um reflexo da boa-fé objetiva na relação civil. Assim
a parte contratual que cumpre a obrigação pactuada, todavia, o faz com ofensa a boa-fé
objetiva, eleva a sua conduta contratual a um inadimplemento.

3
Esses três princípios foram tema de dissertação do concurso 180º de ingresso na carreira de Juiz Substituto do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

16
Matheus Zuliani

E mais, a boa-fé não existe apenas no Direito Civil, estando presente no Direito
Processual Civil (art. 80, CPC), já que se exige a ética na condução dos processos, assim como
não alterar a verdade e evitar recursos procrastinatórios, sob pena de litigância de má-fé.

1.3. OPERABILIDADE

O princípio da operabilidade, também chamado de concretude, vem para facilitar a


aplicação e a interpretação das normas pelas pessoas comuns e não apenas pelos operadores
do direito. Há dois exemplos que precisam ser mencionados: o primeiro é a localização, no
Código Civil, de prazos prescricionais e decadenciais. Antes não se sabia qual prazo era
prescricional ou decadencial. Com o princípio operabilidade sabe-se que os prazos dos artigos
205 e 206 são prescricionais, sendo os demais do Código Civil decadenciais.
O outro exemplo é a concretude, ou seja, aplicar a regra do Código de forma simples
e efetiva, visando a solução do caso concreto. Insere-se, no ordenamento jurídico,
cláusulas/normas gerais e conceitos indeterminados, vagos ou abstratos, a serem
interpretados no caso concreto.
Diante disso, surgiu a teoria das janelas abertas idealizada por Judith Martins Costa.
Por essa teoria, na atual codificação material, é possível que se perceba um sistema aberto,
um sistema de janelas abertas, que permitem uma constante incorporação e solução para
novos problemas. É o magistrado, aplicador da lei, que tem a incumbência de preencher esses
espaços abertos, de conceitos indeterminados, com o conceito social da época. Exemplo é a
atividade de risco que permite a responsabilidade civil (CC, art. 927, parágrafo único). O que é
uma atividade perigosa? Uma atividade de risco podia ser perigosa em 1930, e com as técnicas
de segurança e de eletrônica deixou de ser assim taxada em 2020. Nessa senda, é o
Magistrado quem vai dizer qual atividade se encaixa no perigo ou não.

1.4. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

O Código Civil está umbilicalmente ligado à Constituição Federal. A expressão Direito


Civil Constitucional advém do Direito Italiano e baseia-se em uma visão unitária do
ordenamento jurídico. É imprescindível a leitura dos artigos do Código Civil sob a luz da
Constituição Federal. Exemplo claro que reflete a questão é a aplicação dos direitos
fundamentais nas relações privadas (eficácia horizontal dos direitos fundamentais), assim
como a aplicação da dignidade humana nas relações privadas.
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais é a possibilidade que se tem de
aplicar os direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal, na relação entre
particulares. Nota-se que o Código Civil, acompanhando essa permissão, modificou o art. 57
que assim passou a ser redigido: “A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa,
assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos
previstos no estatuto”.

1.5. DIÁLOGO DAS FONTES

Entende-se que os ramos jurídicos diversos não podem se excluir quando da análise
de um caso concreto. Isso quer dizer que se mostra perfeitamente possível a complementação
entre os ramos jurídicos distintos, aplicando-se no caso concreto, sem exclusão mútua. Caso
mais comum é a aplicação harmônica entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código
Civil.

17
Matheus Zuliani

A jurisprudência do STJ já aplicou a teoria do diálogo das fontes4, em caso


envolvendo o contrato de leasing.

2. DAS PESSOAS

Pessoa é todo aquele que titulariza direitos. Para a via processual, pode ser aquele
que ocupa tanto o polo ativo quanto o polo passivo de uma relação jurídica.
É comum ao se falar em pessoa logo imaginar a pessoa como ser humano. Todavia,
no direito civil a pessoa pode ser natural, ou física, ou então, jurídica ou coletiva.

2.1. DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Dispõe o art. 1º do Código Civil que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na
ordem civil”. Ao nascer com vida, a pessoa adquire a personalidade jurídica, que nada mais é
do que a aptidão genérica para se titularizar direitos e deveres.
Diante disso, a pessoa adquire a personalidade jurídica ao nascer com vida, ou seja,
ao respirar. É o disposto no art. 2º, primeira parte, do Código Civil. Para tanto, existia o exame
denominado de docimasia hidrostática de Galeno. Esse método consistia em colocar o pulmão
do recém-nascido em recipiente com água. Se o pulmão boiasse, é porque entrou ar; com isso,
adquiriu personalidade jurídica. Se o pulmão afundasse, é porque não entrou ar, o que indica a
ausência de aquisição de personalidade jurídica. A relevância disso é auferida no direito das
sucessões, já que interfere na ordem da vocação hereditária.
Por fim, a personalidade jurídica coincide com a capacidade de direito, capacidade
que todos têm.

2.2. DO NASCITURO

O art. 2º do Código Civil ao mesmo tempo em que confere personalidade jurídica às


pessoas que respiram, põe a salvo o nascituro, desde a concepção, o que nos faz indagar: teria
também o nascituro personalidade jurídica?
Segundo a doutrina de Limongi França, o nascituro é o ente concebido, mas ainda
não nascido, em outras palavras é o ente de vida intrauterina.
Há uma acirrada discussão sobre a aquisição da personalidade jurídica pelo nascituro.
Com isso surgiram três teorias, a natalista, a da personalidade condicional e a concepcionista.
Pela teoria natalista o nascituro teria personalidade jurídica desde o nascimento.
Antes do nascimento, ou seja, enquanto detentor de vida intrauterina, teria apenas
expectativa de direitos. Essa teoria é defendida por Silvio Rodrigues, Vicente Ráo, Silvio
Venosa.
A teoria da personalidade condicional divide a aquisição da personalidade jurídica a
depender do direito exercido. Por ela, o nascituro seria dotado de personalidade apenas para
direitos existenciais (como o direito à vida). Se, todavia, fosse para direito negocial ou
econômico o seu exercício dependeria do nascimento com vida, ou seja, ficaria condicionado.
Serpa Lopes defende essa teoria.
Por fim, no que tange a teoria concepcionista, teria o nascituro personalidade jurídica
desde sua concepção. A concepção é o momento em que o óvulo da mulher é fertilizado pelo

4
STJ - REsp 1060515 / DF – Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador Convocado do TJ/AP] –
julgado em 04/05/2010.

18
Matheus Zuliani

espermatozoide do homem. Assim, ela acontece entre 11 e 21 dias após o primeiro dia da
menstruação.
Percebemos que, aos poucos, a teoria concepcionista ganhou mais espaço nos
Tribunais, inclusive na própria legislação brasileira, a exemplo da lei de alimentos gravídicos
(Lei nº 11.804/08) e de recentes decisões do STJ que admitiram o dano moral ao nascituro ou
pela morte de nascituro (AgRg no REsp 1341790/RS e REsp 931556 /RS) e até mesmo
pagamento de DPVAT a beneficiária que teve a gestação interrompida por acidente de trânsito
(REsp 1.415.727-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/9/2014 – informativo de
jurisprudência nº 0547).
Para encerrarmos a questão do nascituro, ainda precisamos fazer alguns
apontamentos.
Nascituro é diferente do natimorto. O natimorto é o ser que nasce morto. Sobre o
natimorto, a nova roupagem que recebeu o Código Civil trouxe a ele alguns direitos que não
eram reconhecidos na vigência do Código Civil de 1916. Assim, a proteção que se confere ao
nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como:
nome, imagem e sepultura (isso com base na dignidade da pessoa humana e na eficácia
horizontal dos direitos fundamentais). É o que dispõe o Enunciado nº 1, da 1ª Jornada de
Direito Civil.
Também não se pode confundir nascituro com o concepturo. O concepturo o ente
que nem concebido foi. Trata-se da prole eventual que, nos termos do direito sucessório (CC,
art. 1.799, I), pode ser herdeiro testamentário.
Com o advento da Lei nº 11.105/2005, conhecida como lei da biossegurança, é
preciso tecer algumas considerações sobre o embrião. Essa lei tutela os direitos do embrião,
reforçando a adoção da teoria concepcionista.
O art. 5º da lei diz que é permitida a utilização de células-tronco embrionárias para
fins de pesquisa e terapia, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e
não utilizados no respectivo procedimento, desde que sejam embriões inviáveis; ou seja,
embriões congelados há 3 anos ou mais, na data da publicação da lei, ou que, já congelados na
data da publicação dessa lei, depois de completarem 3 anos, contados a partir da data de
congelamento.
Ainda, para fins de utilização de embrião com o fito de pesquisa e uso terapêutico, a
lei autoriza tal utilização, desde que, em qualquer caso, seja indispensável o consentimento
dos genitores.
A utilização de células-tronco embrionárias é excepcional, pois a regra é a não
utilização. O STF considerou constitucional essa lei.
É importante expor que o descarte dos embriões não utilizados se dá pelo
encaminhamento às pesquisas de células-tronco. Isto é, não terá o embrião direitos da
personalidade. A existência dos direitos da personalidade é condicionada à concepção
intrauterina.

2.3. DA CAPACIDADE

A capacidade é a medida da personalidade. A pessoa plenamente capaz é aquela que


está apta para o exercício dos atos da vida civil sem estar assistido ou representado.
A capacidade pode ser de direito ou de fato.
A capacidade de direito, também conhecida como capacidade de gozo, confunde-se
com a personalidade jurídica, sendo adquirida no momento em que a pessoa nasce com vida.

19
Matheus Zuliani

A capacidade de direito ou de gozo é uma capacidade geral, genérica, que qualquer pessoa
tem. Bebê de 21 dias tem capacidade de direito, homem maior de 18 também. Todos têm.
Capacidade de fato ou de exercício nem toda pessoa a tem. Ela traduz a aptidão para
a prática dos atos da vida civil. O absolutamente incapaz não a tem.
Quando um sujeito reúne as duas capacidades (de direito e de fato), ele atinge a
capacidade civil plena.
A capacidade plena não se confunde com a legitimação. Legitimação é a capacidade
especial para um determinado ato ou negócio jurídico. Ex.: necessidade de outorga conjugal
para vender o imóvel, sob pena de anulabilidade do contrato. Esta legitimação é conferida ao
cônjuge. Veja, o cônjuge varão é plenamente capaz, no entanto, não pode vender o bem
imóvel sem a outorga do outro, sob pena de faltar legitimação para o ato.
Em contraposição à capacidade, temos a incapacidade, que nada mais é do que a
ausência de capacidade de fato.

2.4. DA INCAPACIDADE

A incapacidade é a ausência de capacidade de fato, que torna a pessoa inapta para os


atos da vida civil sem estar assistida ou representada.
Assim, no ordenamento jurídico vigente não existe incapacidade de direito, uma vez
que todos se tornam capazes (de direito) ao nascer com vida.
O instituto da incapacidade sofreu, recentemente, uma reviravolta com a edição do
Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015). Em suma, o Estatuto entendeu que
não é correto atribuir às pessoas com deficiência a pecha de incapazes. Diante disso e atraindo
o princípio da dignidade humana mais uma vez, as pessoas portadoras de deficiência são
consideradas capazes para os atos a vida civil. Essa lei trouxe para o ordenamento jurídico uma
valorização da dignidade/liberdade em detrimento de uma dignidade/vulnerabilidade.
A incapacidade de exercício pode ser de natureza absoluta ou de natureza relativa.
A incapacidade absoluta é a total ausência de exercício de direito. Somente pode
praticar o ato o representante do incapaz, sob pena de nulidade do ato. Os absolutamente
incapazes estão elencados no rol do art. 3º do Código Civil.
A incapacidade relativa, por sua vez, é aquela em que o sujeito detém certo
discernimento para praticar um ato, no entanto, precisa ser assistido para que o ato tenha
validade. Nessa assistência não há supressão da vontade, mas sim, convergência de vontades,
na qual o assistido pratica o ato junto com o relativamente incapaz. Nessa senda, o ato
praticado pelo relativamente incapaz é um ato anulável (CC, art. 171, I). Os relativamente
incapazes estão no rol do art. 4º do Código Civil.

2.4.1. DOS ABSOLUTAMENTE INCAPAZES

Dispõe o art. 3º do Código Civil que: “são absolutamente incapazes de exercer


pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”.
Nota-se que o Legislador trouxe um critério objetivo para definir os absolutamente
incapazes, ou seja, ou a pessoa tem menos de 16 anos e é absolutamente incapaz, ou ela tem
mais de 16 anos e pode ser relativamente incapaz ou capaz.

20
Matheus Zuliani

2.4.2. DOS RELATIVAMENTE INCAPAZES

Os relativamente incapazes estão no rol do art. 4º do Código Civil, que assim vem
redigido:

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade;

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

O critério adotado pelo Legislador, nesse caso, é um critério misto, pois adota tanto o
critério biológico (objetivo) quanto o critério psicológico (subjetivo). Veja que no inciso I adota-
se o critério biológico. Nos demais o critério é o psicológico.
O surdo-mudo pode ser considerado um relativamente incapaz ou não. A pessoa
surda é capaz. No entanto, na hipótese dessa pessoa não conseguir manifestar sua própria
vontade, é que ela poderá ser considerada relativamente incapaz, nos moldes do art. 4º, inciso
III, do Código Civil.
No Código Civil de 1916, o ausente era considerado um relativamente incapaz. No
Código Civil de 2002, a ausência não se relaciona com a incapacidade, possuindo um rito
próprio para que se tenha a declaração de ausência e, com isso, dê procedência aos bens
deixados pelo ausente.
Em 2016 foi editada uma lei que trouxe o conceito do que é a primeira infância da
pessoa. A Lei nº 13.257/2016 regula alguns pontos interessantes sobre a questão da primeira
infância, que é tida nos 72 primeiros meses (6 anos) de vida da criança. Diante da lei, busca-se
o estabelecimento de políticas públicas para melhor desenvolvimento da criança nesses
primeiros meses de vida. Dispõe o art. 2º da referida lei que “considera-se primeira infância o
período que abrange os primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida
da criança”.
O pródigo é a pessoa que dissipa seus bens desvairadamente. Sobre o pródigo,
importa fazer uma ressalva sobre a modificação da visão do direito privado ao logo dos anos.
Certa vez, em uma prova de ingresso no concurso da Magistratura do Estado de São Paulo, o
Desembargador Examinador perguntou ao candidato: analise a interdição do pródigo na visão
do Código atual (2002) no cotejo com o Código anterior (1916).
O que justifica a interdição do pródigo é a proteção do mínimo vital para a sua
sobrevivência. Não somente, a proteção do patrimônio mínimo, corolário do princípio da
dignidade humana. Assim, verifica-se o cunho social da intervenção (princípio da socialidade).
No Código Civil de 1916, a finalidade era estritamente patrimonialista, sem se preocupar com a
pessoa do pródigo. Simplesmente preservar o patrimônio para os herdeiros. Essa modificação
de visão é que deu outra roupagem ao direito civil moderno.
Por fim, sobre os índios, é preciso apenas fazer uma pequena observação, no mesmo
sentido que foi feita em relação ao surdo mudo.

21
Matheus Zuliani

No Código Civil de 1916, os índios eram denominados de “silvícolas” e considerados


relativamente incapazes, simplesmente por serem índios. Com o novo modelo de código, o
Código Civil de 2002 passou a prever que a capacidade dos índios é regida por legislação
específica (CC, art. 4º, parágrafo único).
A Lei nº 6.001/73 que trabalha o Estatuto do Índio estabelece, no art. 8º, que o índio
não inserido na sociedade, caso pratique algum ato, esse ato será nulo. Por outro lado, caso o
índio esteja inserido na sociedade, os atos serão válidos.
A FUNAI (Fundação Nacional do Índio) é o órgão público encarregado de proteção
dos direitos dos índios.

2.4.3. DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA – ASPECTOS RELEVANTES

A Lei nº 13.146/2015 entrou no nosso sistema jurídico em julho de 2015, teve


período de vacatio legis de 180 dias, tendo em vista a grande repercussão no mundo jurídico.
Sua criação teve por finalidade dar maior proteção às pessoas com deficiência.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência revolucionou nosso sistema de incapacidade,
conferindo maiores oportunidades às pessoas com deficiência, inclusive, para atuarem no
mundo cível com maior de liberdade.
Em virtude disso, antes da entrada em vigor da Lei n° 13.146/2015, as pessoas que
tinham discernimento reduzido eram chamadas de relativamente incapaz, ao passo que,
aqueles que não tinham qualquer discernimento, eram denominados de absolutamente
incapaz.
Hodiernamente, a pessoa com deficiência, pela simples deficiência, não é
considerada incapaz, podendo atuar nos atos da vida civil e tomar decisões.
Portanto, a pessoa com deficiência possui capacidade civil plena.
É claro que, na prática, a pessoa com deficiência, ainda possui certa vulnerabilidade
necessitando de atenção especial. A lei não ficou indiferente a essa situação, criando uma
divisão de atos a serem praticados por eles.
Desta forma, entende-se que a pessoa com deficiência não precisa estar amparada
por curador quando estiver diante da prática de atos existenciais, uma vez que é capaz. Assim,
para alterar seu nome ou para casar não precisa do curador. O art. 6º da lei traz essa menção
quando elenca atos, de forma exemplificativa, que podem ser praticados sem que isso afete a
plena capacidade.
Contudo, quando o ato tiver cunho patrimonial, há a necessidade do curador para a
proteção da pessoa com deficiência. O art. 85 da lei deixa isso claro quando diz que: “a
curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e
negocial”.
Nesse sentido, também foi editado um enunciado pela Jornada de Direito Civil
(Enunciado 138 da JDC), que diz: “a vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do
inciso I do artigo 3°, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles
concernentes, desde que demonstrem discernimento suficiente”.
Conclui-se, assim, que a curatela ainda persiste no nosso ordenamento jurídico. No
entanto, nos termos do art. 84, §3º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a definição de
curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às
necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.

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Matheus Zuliani

Outra questão relevante que foi introduzida pelo Estatuto é a tomada de decisão
apoiada.
A tomada de decisão apoiada encontra-se prevista no art. 1.783-A do Código Civil. É o
processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com
as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada
de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários
para que possa exercer sua capacidade.
A doutrina civilista afirma que essa decisão é, efetivamente, “apoiada”. Somente é
possível ter tomada de decisão apoiada se a pessoa a ser apoiada tiver o mínimo de
discernimento. A decisão não é substituída, ou seja, a decisão final será da pessoa que está
sendo apoiada.
Os limites do apoio estarão inseridos no termo, inclusive prazo de vigência do
acordo, conforme §1º do 1.783-A do Código Civil, in verbis:

para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência e os


apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser
oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do
acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem
apoiar.

O pedido de tomada de decisão apoiada é feito perante o Juiz, com a participação do


Ministério Público (CC, art. 1.783-A, § 3º).
Outro ponto interessante a mencionar é quando os apoiadores não estão em
harmonia com a decisão. Neste caso, o juiz vai decidir, após manifestação do Ministério
Público, tudo nos termos do §6º do art. 1.783-A do Código Civil.

2.5. MAIORIDADE CIVIL

A maioridade põe fim à menoridade. Conforme ensina Fábio Ulhoa, a maioridade


inicia-se à zero hora do primeiro dia seguinte àquele em que a pessoa completou seu décimo
oitavo aniversário.
A partir desse instante a pessoa é plenamente capaz para os atos da vida civil.
Embora a maioridade só inicie aos 18 anos, é possível que haja a antecipação de seus
efeitos. Muitos dizem, de forma equivocada, que a maioridade pode ser antecipada. Não, não
pode. O que se antecipa são os efeitos da maioridade. Isso se dá com a emancipação.
Dois pontos merecem atenção quando se fala em maioridade.
O primeiro deles diz respeito a pensão alimentícia. Significa que o genitor que paga
pensão alimentícia não fica automaticamente desobrigado do dever alimentar pelo simples
fato do seu filho atingir a maioridade. Nesse caso, é preciso que se ingresse com ação de
exoneração de alimentos, garantindo, assim, o direito ao contraditório5. Isso porque é possível
que esse filho esteja estudando, fato que prorrogará a pensão alimentícia até os 24 anos de
idade.
O segundo ponto é sobre o termo final de recebimento de pensão por morte. Isso
porque o art. 16, I da Lei nº 8.213/91 diz que são beneficiários do Regime Geral de Previdência
Social, na condição de dependentes do segurado, os menores de 21 anos de idade. Ora, o

5
Súmula 358 do STJ: O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão
judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.

23
Matheus Zuliani

Código Civil diz que o maior de 18 anos é maior e capaz e a lei específica diz que o menor de 21
anos de idade é dependente. Como fazer diante desse conflito? Em primeiro, a lei surgiu
quando a maioridade era atingida aos 21 anos de idade. Em segundo, a doutrina e a
jurisprudência entendem que a redução da maioridade para os 18 anos não atingiu a lei da
previdência, uma vez que ela presume que a dependência econômica, para fins
previdenciários, não cessa aos 18 anos, mas sim, aos 21 anos de idade.
Nesse sentido foi editado o enunciado 3 da I Jornada de Direito Civil6.

2.5.1. DA EMANCIPAÇÃO

A emancipação é a antecipação dos efeitos da maioridade. Ela está prevista no art.


5º, parágrafo único, do Código Civil, podendo ser voluntária, legal ou judicial.
A emancipação somente pode acontecer para os maiores de 16 anos de idade,
mesmo nas hipóteses de emancipação legal. No caso do casamento é preciso fazer apenas
uma observação. A regra é a de que o casamento só pode ser contraído por quem tenha a
idade núbil. Essa é atingida aos 16 anos de idade. Portanto, mesmo no caso de emancipação
pelo casamento, é necessário ter 16 anos de idade.
Por fim, é interessante, antes de ingressar nas formas de emancipação, falar sobre a
emancipação e a permissão para conduzir veículo automotor.
Embora o emancipado esteja, com a emancipação, apto a praticar os atos da vida
civil, podendo, inclusive, comprar um carro, não poderá conduzi-lo. Isso porque o Código de
Trânsito Brasileiro, no art. 140, I, diz que é requisito para adquirir a habilitação ser penalmente
imputável, ou seja, enquanto a maioridade penal for atingida apenas aos 18 anos de idade,
somente com essa idade a pessoa pode dirigir.

2.5.1.1. DA EMANCIPAÇÃO VOLUNTÁRIA

A emancipação voluntária é aquela concedida pelos pais, sendo realizada


diretamente no cartório, mediante escritura pública, ao menor que já tenha atingido 16 anos.
Ela prescinde de homologação judicial, basta a vontade dos pais.
Trata-se de um ato discricionário dos genitores, ou seja, os filhos não podem exigir
de seus pais a disposição do poder familiar. Ex.: Não se pode ajuizar uma ação de obrigação de
fazer contra os genitores exigindo que eles o emancipem.
Aquele que tem o poder familiar tem que participar do ato emancipatório.
E se os pais não concordam com o ato de emancipar? Havendo divergência entre a
vontade dos pais, o juiz decidirá.
Sobre a emancipação voluntária há uma questão relevante que vem sendo decidida
pelo Poder Judiciário. Quando os pais emancipam o maior de 16 anos de idade, isso não tem o
condão de livrá-los o pagamento de indenização pela prática do ato ilícito do filho.
Nesse sentido já decidiu o STJ (AgRg no Ag 1239557/RJ – Rel. Ministra Maria Isabel
Gallotti).

6
Enunciado nº 03, da I Jornada CJF: Art. 5º: “a redução do limite etário para a definição da capacidade civil aos 18
anos não altera o disposto no art. 16, I, da Lei n. 8.213/91, que regula específica situação de dependência
econômica para fins previdenciários e outras situações similares de proteção, previstas em legislação especial”.

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Matheus Zuliani

Nesse sentido, o enunciado 41 da Jornada de Direito Civil traz que “a única hipótese
em que poderá haver responsabilidade solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter sido
emancipado nos termos do art. 5º, parágrafo único, inc. I, do novo Código Civil”.

2.5.1.2. DA EMANCIPAÇÃO JUDICIAL

A emancipação judicial acontece em uma única hipótese, qual seja, quando


concedida a pedido do tutor. É necessária a oitiva do tutor e do Ministério Público.
É importante ponderar que o tutor não pode emancipar o tutelado de forma
voluntária.

2.5.1.3. DA EMANCIPAÇÃO LEGAL

Por fim, a emancipação legal acontece nas hipóteses trazidas pelo Código Civil, sendo
aquelas previstas no art. 5º, parágrafo único, II, III, IV e V do Código Civil, ou seja, pelo
casamento, pelo exercício de emprego público efetivo, pela colação de grau em curso de
ensino superior, e por fim, por ser titular de estabelecimento civil ou comercial, ou pela
existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos
completos tenha economia própria.
Sobre a emancipação legal é preciso pontuar:
a) economia própria é um conceito vago, que será interpretado no caso concreto. É a
aplicação efetiva da teoria das janelas abertas;
b) não há homologação judicial na emancipação legal, basta a ocorrência dos fatos
previstos em lei;
c) em relação ao casamento como hipótese de emancipação legal, não se aplicará
nos casos de união estável. Isso porque, a união estável não possui o fato constitutivo, como
se tem no casamento. Havendo divórcio, o menor não retorna ao estado de incapaz, no
entanto, se o casamento for considerado nulo ou inválido, o menor voltará à condição de
incapaz. Ademais, em se tratando de casamento putativo (casamento nulo ou anulável
contraído de boa-fé por um ou ambos os nubentes) a pessoa permanece da condição de
capaz;
d) a hipótese de emprego público efetivo, previsto no Código Civil, tornou-se um
dispositivo inócuo, pois atualmente é necessário ter 18 anos para esse tipo de emprego.

2.5.1.4. DA REVOGAÇÃO DA EMANCIPAÇÃO

A emancipação possui caráter de irrevogabilidade e irretratabilidade. No entanto,


não significa dizer que não possa ser anulada. A emancipação voluntária, embora não seja um
ato jurídico em sentido estrito, cujos efeitos estão na lei, não significa que não possa ser
invalidado. Até porque, o artigo 185 do CC, estabelece que “poderão aplicar aos atos jurídicos,
os dispositivos relacionados a negócio jurídico”. Ex.: se o filho coage o pai para emancipá-lo, é
possível invalidar essa emancipação. Portanto, quando presente qualquer vício do negócio
jurídico, como coação, erro, dolo, simulação, fraude contra credores, será possível se cogitar
em uma anulação da emancipação.
Outra questão é a revogação da emancipação caso fique comprovado que os
responsáveis legais do relativamente incapaz realizaram a emancipação apenas para se
livrarem do dever de auxiliar o assistido. Nessa hipótese, é possível se cogitar em uma
revogação da emancipação.

25
Matheus Zuliani

2.6. DA EXTINÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – MORTE

A personalidade jurídica é extinta pela morte.


De modo geral, a extinção da personalidade jurídica é extremamente relevante no
mundo jurídico, uma vez que interfere diretamente em outros ramos, como a abertura da
sucessão; transmissão da herança pelo princípio da saisine; extinção do poder familiar;
extinção do matrimônio; fim de relações personalíssimas, dentre outros.
No direito civil temos dois tipos de morte, a real e a presumida.
A morte real é aquela em que temos um corpo morto.
Tem-se morte real com a paralisação da atividade encefálica, segundo dispõe a Lei nº
9.434/97 – Lei dos Transplantes de Órgão. Por essa razão, a extinção da personalidade jurídica
não acontecerá da mesma forma que à sua inquisição, ou seja, com a respiração. Portanto,
basta que um médico ateste o fim da atividade encefálica para se decretar a morte. Todavia, se
a morte tiver fins de transplante de órgãos, a morte precisa ser atestada por dois médicos que
não integre a equipe de remoção do órgão (art. 3º da Lei nº 9.434/97).
A morte presumida é considerada como sendo aquela em que não há a presença de
um corpo morto.
A morte presumida pode ser com declaração de ausência ou sem declaração de
ausência. O art. 7º do Código Civil trata dos casos em que a morte é sem declaração de
ausência, uma vez que a probabilidade da morte ter ocorrido é alta. Já a morte presumida com
declaração de ausência se encontra disciplinada nos artigos 22 ao 39 do Código Civil, possuindo
um procedimento específico de três fases.

2.6.1. DA MORTE SEM DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA

Dispõe o art. 7º, incisos I e II, Código Civil, que pode ser declarada a morte
presumida, sem decretação de ausência, se for extremamente provável a morte de quem
estava em perigo de vida, ou então, se alguém, desaparecido em campanha ou feito
prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra7. Na primeira hipótese
temos os casos recentes de tragédias envolvendo as companhias aéreas, como Air France; Air
Malasia, barragem de Brumadinho, dentre outros.
É importante constar que a declaração da morte presumida, nesses casos, somente
poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a
data provável do falecimento. Para que o juiz profira essa sentença é preciso que haja o
procedimento de justificação.

2.6.2. DA MORTE COM DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA

A morte com declaração de ausência possui um procedimento próprio, previsto no


Código Civil, que visa arrecadar os bens do ausente, dar a posse dos bens aos herdeiros de
forma provisória, e por fim, declarar a morte com a transmissão definitiva da posse e
propriedade dos bens.
Com isso, tal procedimento possui três fases, sendo a primeira a da arrecadação dos
bens do ausente, a segunda da sucessão provisória, e por fim, a terceira que é a sucessão
definitiva.

7
Para os amantes de filme, esse caso reflete exatamente o narrado no Rambo II, a missão, com o autor sylvester
stallone. Nesse filme o Rambo resgata prisioneiros da guerra do Vietnã.

26
Matheus Zuliani

Na fase de arrecadação dos bens do ausente, que se inicia com a judicialização da


notícia do desaparecimento da pessoa, o juiz nomeia um curador dentre as pessoas elencadas
no art. 25 do Código Civil, devendo seguir a ordem da lei.
Esse período de arrecadação, que pode ser de 1 (um) ano ou de 3 (três) anos, encerra
a primeira fase. Será de três anos quando o ausente deixou procurador para administrar seus
bens, sendo de um ano quando não existir procurador constituído (CC, art. 26).
Feita a arrecadação, o juiz mandará publicar editais na rede mundial de
computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado e na plataforma de editais do
Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 1 (um) ano, ou, não havendo sítio, no
órgão oficial e na imprensa da comarca, durante 1 (um) ano, reproduzida de 2 (dois) em 2
(dois) meses, anunciando a arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens
(CPC, art. 745).
Findo o prazo previsto no edital, ou seja, após um ano da arrecadação dos bens do
ausente, poderão os interessados (CC, art. 27) requerer a abertura da sucessão provisória.
Na fase da sucessão provisória, ao ser prolatada a sentença, que somente produzirá
efeitos 180 dias depois de publicada pela imprensa. No entanto, ao transitar em julgado já
poderá dar proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos
bens, como se o ausente fosse falecido (CC, art. 28).
Dessa forma, ao permitir o ingresso dos herdeiros na posse, o juiz exigirá deles uma
garantia de que eles serão restituídos. Essa garantia pode ser de penhor ou de hipoteca. Os
herdeiros necessários estão dispensados dessa garantia (CC, art. 30, § 2º). Os demais, que não
puder prestar a garantia serão excluídos, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob a
administração do curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz, e que preste essa garantia
(CC, art. 30, § 1º).
Nessa fase não se pode alienar os imóveis, salvo para evitar ruína e com autorização
do juiz. O mesmo para se hipotecar o bem. É o que se extrai do art. 31 do Código Civil.
Por fim, é importante tecer algumas considerações acerca dos frutos que os bens
dão. O descendente, ascendente ou cônjuge que for sucessor provisório do ausente, fará 100%
dos frutos que os bens dão. Os outros sucessores (herdeiros facultativos), porém, deverão
capitalizar metade desses frutos e rendimentos, com obrigação de prestar contas anualmente
ao juiz. Essa capitalização ocorre em títulos garantidos pela União, nos termos do art. 29 do
Código Civil.
Essa capitalização é necessária para o caso do retorno do ausente. Se isso acontecer,
e ficar provado que a ausência foi voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do sucessor,
sua parte nos frutos e rendimentos.
Se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, depois de estabelecida a posse
provisória, cessarão para logo as vantagens dos sucessores nela imitidos, ficando, todavia,
obrigados a tomar as medidas assecuratórias precisas, até a entrega dos bens a seu dono. É o
que dispõe o art. 36 do Código Civil.
Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da
sucessão provisória abre-se a sucessão definitiva, por requerimento.
Com a sucessão definitiva atesta-se a morte do ausente e os herdeiros tomam os
bens para si, de forma definitiva. No entanto, ainda é permitido ao ausente reaver os bens. Nos
termos do art. 39 do Código Civil, regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da
sucessão definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão
só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço

27
Matheus Zuliani

que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois
daquele tempo.
Se, nos dez anos da sucessão provisória, o ausente não regressar, e nenhum
interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do
Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se
ao domínio da União, quando situados em território federal (CC, art. 39, parágrafo único).
Por fim, é interessante anotar que o art. 38 do Código Civil traz uma conversão direta
em sucessão definitiva, sem passar pelas fases anteriores. Se comprovar que uma pessoa
ausente, esteja desaparecido a mais de 5 anos e que conta com 80 (oitenta) anos de idade,
poderá ser requerida a abertura da sucessão definitiva. Isso porque a idade do ausente traz
uma presunção de que as chances de sobrevivência dessa pessoa são mínimas. Desta forma, as
medidas protetivas do seu patrimônio também poderão ser mitigadas.

2.6.3. DA COMORIÊNCIA

Comoriência tem relação com o momento da morte, interferindo diretamente nos


direitos sucessórios.
Segundo o art. 8 do Código Civil, se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma
ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-
se-ão simultaneamente mortos.
Há uma discussão na comoriência se o Código Civil, ao se valer do termo mesma
ocasião, pretendeu adotar comocomorientes as pessoas que morrem do mesmo evento, ou
então, que faleceram ao mesmo tempo. A doutrina majoritária, que enfrenta o assunto,
posiciona-se no sentido de que mesma ocasião leva a ideia de tempo e não de lugar. Nesse
caso, considera-se comorientes as pessoas que morreram ao mesmo tempo,
independentemente de ser sido do mesmo evento.

2.7. DIREITOS DA PERSONALIDADE

Os direitos da personalidade por muitos anos ficaram no esquecimento, sem


relevância jurídica, já que a proteção do patrimônio era a única a ser tutelada. O ser humano
não será protegido apenas no seu patrimônio, mas também em elementos que integram a sua
alma.
Os direitos da personalidade têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais
da pessoa, mas não apenas individualmente, mas também socialmente. São direitos inatos, ou
seja, que nascem com o ser humano que não podem ser renunciados ou dispensados.
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves fazem uma correlação interessante sobre os
direitos da personalidade. Eles dizem que, assim como os direitos fundamentais estão para a
Constituição Federal, os direitos da personalidade estão para Código Civil.

2.7.1. ASPECTOS GERAIS

O Código Civil não exauriu todos os direitos da personalidade, podendo existir outros
esparsos pelo ordenamento jurídico. Os direitos autorais é um exemplo que pode ser
mencionado de um direito da personalidade não previsto no Código Civil.
Nesse sentido foi editado o enunciado 274 da Jornada de Direito Civil que diz:

28
Matheus Zuliani

os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil,


são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º,
inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de
colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a
técnica da ponderação.

O enunciado representa muito bem a Escola do Direito Civil Constitucional que


procura analisar o direito privado a partir da Constituição Federal e dos seus princípios
fundamentais.
O artigo 11 do Código Civil menciona que “com exceção dos casos previstos em lei, os
direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício
sofrer limitação voluntária”.
O referido artigo trabalha com mais uma das características dos direitos de
personalidade, o qual não consta no rol já mencionado. Desse modo, quando falamos em
intransmissível e irrenunciável, tem-se que os direitos de personalidade são indisponíveis.
Todavia, tais características não estão revistas de caráter absoluto. Significa que em algumas
situações pode-se dispor desses direitos de personalidade.
A parte destacável dos direitos da personalidade é aquela de cunho patrimonial,
realizada mediante um contrato, que tem que respeitar a sua função social. Essa parte
disponível tem um limite temporal e moral, ou seja, a disponibilidade não pode ser eterna e
não pode ofender a moral e os bons costumes, além de não atentar contra a dignidade
humana. Aqui, não tem como não lembrar do famoso caso de arremessos de anão na França8.
Além disso, o contrato que trata dessa parte destacável tem que respeitar a eficácia
interna da função social, ou seja, entre as partes do contrato é preciso que haja um respeito
aos interesses sociais.
A Jornada de Direito Civil da Justiça Federal editou três enunciados sobre o tema,
sendo o 49, 2310 e 36011.
O Código Civil prevê a proteção dos direitos da personalidade em seu art. 12. Os
direitos da personalidade são protegidos pelos princípios da prevenção e da proteção integral
dos danos. Pelo princípio da prevenção inibe-se, por meio da tutela inibitória o nascimento do
ilícito. É a busca e apreensão de uma revista que está prestes a publicar uma reportagem que
ofende a honra de uma pessoa. Todavia, quando o ilícito já produziu seus efeitos, a proteção é
por meio da tutela ressarcitória ou reparatória. Inclusive, permite-se que o juiz, de ofício, fixe
tutela específica para a proteção dos direitos da personalidade, como é o caso de astreintes.
Nesse sentido, o enunciado 140 da Jornada de Direito Civil traz que “a primeira parte do art. 12
do Código Civil refere-se às técnicas de tutela específica, aplicáveis de ofício, enunciadas no art.
461 do Código de Processo Civil, devendo ser interpretada com resultado extensivo”.

8
O arremesso de anões foi proibido na pequena cidade francesa de Morsang-sur-Orge em 1992, e o caso passou
pelas cortes administrativas de apelação por iniciativa do dublê Manuel Wackenheim – que ganhava a vida como
arremessado – até chegar ao Conselho de Estado, que em 1995 decidiu que uma autoridade municipal poderia
proibir a prática sob a alegação de que ela não respeitava a dignidade humana, sendo, portanto, contrária à ordem
pública; levando à sua proibição (https://pt.wikipedia.org].
9
O enunciado 4 CJF/STJ: O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não
seja permanente nem geral.
10
Enunciado 23 CJF/STJ da I jornada: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não
elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes
interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana
11
Enunciado 360 CJF/STJ da IV jornada: O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna
entre as partes contratantes

29
Matheus Zuliani

Por fim, mister se faz tecer considerações acerca da existência de conflito de direitos
da personalidade, como um possível conflito entre a honra e a informação; liberdade de
imprensa e privacidade; direito de crença e a vida, dentre outros. Diante desses conflitos, e
sabendo que um direito não se sobrepõe ao outro, é preciso socorrer-se ao método da
ponderação de princípios.
Os direitos fundamentais não possuem natureza, e assim, devem ser vistos diante do
caso concreto e dos argumentos fornecidos pelas partes envolvidas. Dessa forma, evidencia-se
a necessidade de se ponderar para se chegar a solução do conflito. A ponderação nada mais é
do que atuar com proporcionalidade diante do caso posto.
Na opinião do Ministro do STF Luís Roberto Barroso, a ponderação é uma “técnica de
decisão jurídica, aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou
insuficiente”. Assim, em breve resumo, a ponderação é o método de redução proporcional de
um determinado princípio em detrimento do outro que, naquela circunstancia mostrou uma
maior relevância jurídica.

2.7.2. DISPOSIÇÃO DO PRÓPRIO CORPO

Dispõe o art. 13, caput e parágrafo único, do Código Civil que, salvo por exigência
médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição
permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. O ato de disposição será
admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
O Código estabelece que essa disposição do corpo de forma permanente é vedada,
salvo se existir uma exigência médica nesse sentido. Caso não exista exigência médica, não há
de que se falar em disposição de parte do corpo vivo de forma permanente, salvo para fins de
transplante.
Nesse ponto, não há como não se falar em transgenitalização. Trata-se do
procedimento cirúrgico que possibilita a retirada de parte do corpo, especificadamente órgão
genital, para a pessoa se transformar no sexo e incorporar a personalidade que acredita
possuir. São denominados de wannabes (essa expressão decorre da língua inglesa, que significa
“I want to be”, e que traduzida para o português significa “eu quero ser”), ou seja, pessoas que
possuem um sexo, mas que querem possuir outro.
Com efeito, entende-se que somente com autorização de um médico, após sessões
com psiquiatra, é que seria autorizada a realização da cirurgia de mudança de sexo.
Nesse caso, haveria a recomendação médica para cirurgia do transexual. Existem
movimentos científicos que pretendem considerar a transexualidade uma condição sexual.
Com a alteração do sexo surge uma questão jurídica a ser resolvida, qual seja, o
registro civil da pessoa, seja no aspecto do gênero seja no nome da pessoa. Com isso,
inicialmente, o Poder Judiciário vinha entendendo que a alteração do gênero e do nome,
incluindo o prenome, era medida a ser adotada para àqueles que procedessem a alteração do
sexo.
Todavia, recentemente o STF possibilitou aos transgêneros a possibilidade de
alteração do registro civil sem a mudança de sexo. A decisão ocorreu no julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, em março de 2018. Todos os ministros da Corte
reconheceram o direito, e a maioria entendeu que, para a alteração, não é necessária
autorização judicial. Assim, o STF não apenas reconheceu o direito de mudança do registro civil
(gênero e nome) sem cirurgia, mas também, sem necessidade de ordem judicial.

30
Matheus Zuliani

Com isso, foi a ação julgada procedente para dar à Lei dos Registros interpretação
conforme a Constituição Federal e pactos internacionais que tratam dos direitos fundamentais,
a fim de conceder aos transgêneros que desejarem o direito à alteração de nome e gênero no
assento de registro civil, independentemente da cirurgia.

2.7.3. DISPOSIÇÃO PÓS-MORTE

Segundo o art. 14 do Código Civil, é válida, com objetivo científico, ou altruístico, a


disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. O dispositivo
legal reflete a possibilidade de doação de órgãos.
A disposição de órgão para depois da morte é plenamente possível, porém esta
disposição do próprio corpo pode ser revogada a qualquer momento. Significa que se permite
o arrependimento, conforme se nota do parágrafo único do art. 14 do Código Civil.
Para regulamentar a questão da doação de órgãos foi editada uma lei específica sobre
o tema.
Quando o doador manifesta sua vontade, de forma expressa, em vida, não há
qualquer discussão sobre o tema. Trata-se do princípio do consenso afirmativo. Antes da
edição desse princípio se entendia que, na omissão, a pessoa era doadora de órgão.
Atualmente, não é mais assim.
A discussão jurídica ocorre quando o doador morre.
Segundo o Enunciado 277 CJF/STJ da IV Jornada de Direito Civil12, o artigo 14 do
Código Civil ao tratar da disposição gratuita do próprio corpo determinou que a manifestação
expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares.
Todavia, quando a pessoa não manifesta, de forma expressa, que é doador de órgãos,
a lei permite que essa decisão seja tomada por parentes.
O art. 4º da Lei nº 9.434/97 estabelece que a retirada de tecidos, órgãos e partes do
corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da
autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou
colateral, até o segundo grau, inclusive, firmada em documento subscrito por duas
testemunhas presentes à verificação da morte.
Em outras palavras, a retirada de órgãos post mortem deverá ser precedida de
diagnóstico de morte encefálica, e depende de autorização de parente maior, na linha reta ou
colateral até o 2º grau, ou do cônjuge sobrevivente.
É importante mencionar que, para pessoas não identificadas, não será permitida a
doação de órgãos. É o disposto no art. 4º, § 6º da Lei nº 9.434/97.

2.7.4. TRATAMENTO SEM CONSENTIMENTO

Dispõe o art. 15 do Código Civil que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se,
com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.
Significa que no caso em que o paciente, ao ser previamente esclarecido do risco do
procedimento, tem o direito potestativo de se negar a realizar o procedimento cirúrgico, sem
que, com isso, atraia a responsabilidade civil do médico. Tanto é que o STJ entendeu que a
12
O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou
altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece
sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à hipótese de
silêncio do potencial doador.

31
Matheus Zuliani

internação forçada do paciente, ainda que por decisão dos pais, é descabida, configurando
constrangimento ilegal13.
O caso ganha contornos diversos quando o paciente, diante de um caso grave, não
tem condições de manifestar sua vontade. Nessas hipóteses o médico tem o dever de realizar o
procedimento cirúrgico tentando salvar a vida da pessoa humana.
AVI Jornada de Direito Civil aprovou o Enunciado 533, dizendo que o paciente
plenamente capaz pode deliberar sobre todos os aspectos concernentes ao tratamento médico
que possa lhe causar algum risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de
emergências no curso de procedimentos médico e cirúrgicos que não possam ser
interrompidos.
Por último, a grande questão polêmica sobre esse dispositivo legal é o conflito que
pode surgir entre a crença religiosa e o direito à vida. Sabe-se que os seguidores da cresça
denominados de testemunha de Jeová, não aceitam, em hipótese nenhuma, a transfusão de
sangue. Assim, imagine a situação da testemunha de Jeová que, inconsciente, chega ao pronto
socorro, estando entre a vida e morte, precisando de transfusão de sangue. Nessa hipótese
deve ser aplicado o método da ponderação, critério utilizado para resolver conflitos entre
princípios. Nessa senda, conforme posição majoritária na jurisprudência, deve o médico salvar
a vida, bem maior protegido pela Constituição Federal.
Desta forma, o direito à liberdade de crença não é absoluto, ele pode ser limitado se
ofender outro direito fundamental garantido na Constituição, como o direito à vida.
O TJSP já julgou demanda em que a testemunha de Jeová ingressou com ação judicial
contra o médico que a salvou. Segundo o TJSP14 não há que se falar em exercício regular das
próprias funções, modalidade de exercício regular de direito (Código Civil, artigo 188, I).
Para finalizar, existe doutrina que diz que a Jornada de Direito Civil foi contra a
posição exposta acima, editando o Enunciado 403. Ao contrário, o enunciado reforma a
posição expressa no art. 15, ou seja, a pessoa consciente, alertada do risco do procedimento,
tem o direito de decidir em prol da cresça religiosa e se negar a realizar o procedimento de
transfusão de sangue. Segue a redação do enunciado:

O Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art. 5º, VI, da


Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento médico,
inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do
tratamento ou da falta dele, desde que observados os seguintes critérios: a)
capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente; b)
manifestação de vontade livre, consciente e informada; e c) oposição que diga
respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante.

2.7.5. DO NOME

O nome é o instrumento que identifica a pessoa no meio social. “É o nome que


identifica a pessoa nos circuitos familiar, profissional e social, daí exsurgindo a sua importância
como traço individualizador que molda e projeta a sua personalidade” (JAMES, Eduardo
Oliveira – Código Civil Anotado e Comentado – Editora Forense).
O nome encontra-se protegido pelo Código Civil e pelas leis especiais, e emerge do
princípio da segurança jurídica. Protege-se a sociedade evitando-se que a pessoa mude seu
nome, sem fundamento, prejudicando terceiros, tanto na esfera criminal quanto na esfera

13
STJ - HC 35301/RJ – Ministra Relatora Nancy Andrhi.
14
TJSP – Apelação Cível 123. 430-4.

32
Matheus Zuliani

cível. Diante disso, o nome é protegido pelo princípio da imutabilidade do nome. Todavia, esse
princípio não é absoluto.
São elementos do nome o prenome; sobrenome, e ainda, o agnome. O prenome é o
primeiro nome da pessoa, podendo ser ele simples ou composto. O sobrenome, antigamente
conhecido como patronímico de família (mudança ocasionada pelo princípio da operabilidade)
é o identificador familiar. Por fim, o agnome é o elemento que identifica, dentro de uma
mesma família, pessoas com o mesmo prenome e sobrenome. Se o patriarca se chama
Antenor Zuliani, seu filho vai se chamar Antenor Zuliani Filho, e seu neto se chamará Antenor
Zuliani Neto.
Conforme ressaltado, o nome se sujeita ao princípio da imutabilidade do nome. No
entanto, essa imutabilidade não é absoluta.
Uma das hipóteses que se excepciona o princípio da imutabilidade do nome é no
caso de adoção. Significa que, uma vez autorizada a adoção permite-se que o adotado inclua o
nome do seu adotante, inclusive a inclusão do nome dos genitores do adotante, que passarão
a ser os avós.
Todavia, é preciso fazer uma distinção entre a adoção estatutária e a adoção simples
que vigia no Código Civil de 1916.
Naquela época permitia-se a adoção por escritura pública *adoção contratual+ que
previa que o parentesco resultante da adoção era meramente civil e limitava-se ao adotante e
ao adotado, não se estendendo aos familiares daquele, uma vez que foram mantidos os
vínculos do adotado com a sua família biológica.
Nesse sentido era o art. 378 do Código Civil de 1916: "Os direitos e deveres que
resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será
transferido do pai natural para o adotivo”.
Portanto, o pedido de inclusão dos nomes dos ascendentes dos pais adotivos não
pode ser aceito dada a impossibilidade de modificação do ato jurídico perfeito e acabado da
adoção levada a efeito na vigência do Código Civil de 1916.
Assim, o STJ entendeu que: “o registro civil de nascimento de pessoa adotada sob a
égide do Código Civil/1916 não pode ser alterado para a inclusão dos nomes dos ascendentes
dos pais adotivos” *REsp 1.736.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020 – informativo de jurisprudência n. 666+.
Dispõe a Lei de Registros Públicos, no art. 56, que: “o interessado, no primeiro ano
após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar
o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será
publicada pela imprensa”. Significa que, entre os 18 e 19 anos, a pessoa pode,
administrativamente, alterar o nome, desde que isso não prejudique a sua identificação no seio
familiar.
A lei traz no art. 57 que a alteração posterior de nome, ou seja, após o primeiro ano
da maioridade, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público,
será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e
publicando-se a alteração pela imprensa.
Em uma leitura rápida de ambos os dispositivos é possível extrair a tese de que no
primeiro ano da maioridade seria possível a alteração do nome administrativamente,
enquanto, após esse primeiro ano, somente mediante ação judicial, com presença do
Ministério Público.

33
Matheus Zuliani

No entanto, a posição da ARPEN (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais


do Estado de São Paulo) defende a tese de, em ambos os casos, a modificação depende de
sentença judicial. O requerimento deve ser efetuado através de processo a ser manejado em
juízo, assim como no caso do art. 57. O que muda é que na hipótese do art. 56 a modificação,
realizada no prazo legal, não precisa ser justificada. Na hipótese do art. 57 a alteração só pode
se operar por exceção e justo motivo.
Por fim, a jurisprudência, interpretando tal dispositivo, chegou à conclusão de que
essa alteração é somente do sobrenome, não se permitindo a alteração do prenome, e
sempre, preservando a identificação familiar. Assim, seria possível modificar a ordem dos
nomes; incluir sobrenome de família que não foi colocado pelos pais; retirar sobrenome que o
titular acredita não se identificar, dentre outros casos.
Sobre a possibilidade de se alterar o prenome, o art. 56 utiliza a expressão nome, o
que engloba todos os elementos. Todavia, é pacífico que a alteração do prenome somente
seria possível diante do procedimento previsto no art. 57, apresentando um justo motivo.
Ainda sobre a relativização do princípio da imutabilidade do nome, permite-se a
alteração nas seguintes hipóteses: exposição ao ridículo; erro de grafia crasso; adequação de
sexo (transgenitalização); introdução de alcunha (alcunha também é conhecida como apelido
ou cognome); introdução do nome do cônjuge ou convivente; introdução do nome do pai ou
da mãe no caso de adoção do filho; tradução de nome estrangeiro, e por fim, proteção de
testemunhas.
A chamada Lei Clodovil (Lei nº 11.924/09), em homenagem ao Deputado Federal e
apresentador de Televisão, modificou o art. 57, incluindo o § 8º, permitindo-se que o enteado
ou a enteada, havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no
registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta,
desde que haja expressa concordância desses, sem prejuízo de seus apelidos de família.
Além desses casos permitidos pela Lei de Registros Públicos, a jurisprudência, a cada
dia que passa, enaltecendo o princípio da dignidade humana, tem flexibilizado mais o princípio
da imutabilidade do nome, como passamos a mencionar.
O STJ, recentemente, entendeu que no caso de abandono afetivo e econômico por
parte de genitor, o filho poderá fazer requerimento de retirada no nome de identificação
familiar desse pai ou mãe15.
O mesmo STJ também entendeu que é possível a retificação do registro civil para
acréscimo do segundo patronímico do marido ao nome da mulher durante a convivência
matrimonial16.
Não se desconhece que a princípio, o propósito de alteração do sobrenome se revela
mais apropriada na habilitação para o futuro casamento, quando o exercício do direito é a
regra. Contudo, não há vedação legal expressa para que, posteriormente, o acréscimo de outro
patronímico seja requerido ao longo do relacionamento, por meio de ação de retificação de
registro civil, conforme artigos 57 e 109 da Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos),
especialmente se o cônjuge busca uma confirmação expressa de como é reconhecido
socialmente, invocando, ainda, motivos de ordem íntima e familiar, como, por exemplo, a
identificação social de futura prole.

15
STJ - REsp 1.304.718-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/12/2014, DJe 5/2/2015 –
Informativo de Jurisprudência n. 555.
16
STJ - REsp 1.648.858-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em
20/08/2019 - Informativo de Jurisprudência n. 655.

34
Matheus Zuliani

Em contrapartida, ainda dentro desse tema, existe a proteção que o ordenamento


jurídico confere ao pseudônimo (CC, art. 19). O pseudônimo é nome adotado por autor ou
responsável por uma obra (literária, artística ou científica, ou de qualquer outra natureza), que
não usa o seu nome civil verdadeiro ou o seu nome consuetudinário, por modéstia ou
conveniência ocasional ou permanente, com ou sem real encobrimento de sua pessoa. Na
verdade, nos termos do art. 5º, VIII, “c” da Lei dos Direitos Autorais, aquele autor que se oculta
sob nome suposto.
O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.
Por fim, sobre a proteção jurídica do nome, dispõe o art. 17 do Código Civil que nome
da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a
exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória. No mesmo
sentido é o art. 18 do Código Civil que diz que sem autorização, não se pode usar o nome
alheio em propaganda comercial. Caso haja infringência ao dispositivo citado haverá a prática
de ato ilícito, passível de indenização, material e moral.

2.7.6. DO DIREITO DE IMAGEM

A imagem é um direito inato da pessoa humana consistindo na sua fisionomia física e


social. É a forma como a pessoa fisicamente se apresenta, bem como o modo que a sociedade
a enxerga. É baseado nesse conceito que a doutrina classifica a imagem em imagem retrato e
imagem atributo. A imagem-retrato é a sua fisionomia e aparência. A imagem-atributo é a sua
qualificação, sendo a imagem pela qual as pessoas lhe julgam.
As duas modalidades de imagem estão protegidas pelo artigo 20 do Código Civil, que
assim dispõe:

salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção


da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a
publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser
proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe
atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins
comerciais.

Pela leitura do dispositivo legal podemos extrair que, nos casos de interesse da
ordem pública e de interesse da administração da justiça, o direito de imagem da pessoa pode
ser utilizado sem necessidade de autorização. Ordem pública e administração da justiça são
cláusulas gerais, ou seja, é o Juiz quem vai dizer, no caso concreto, se fica autorizada a
divulgação dessa imagem da pessoa sem a sua autorização.
Nos demais casos, a autorização de seu titular é imprescindível. Não havendo
autorização, é possível aplicar o princípio da prevenção, impedindo que novas publicações
sejam feitas, bem como o princípio da reparação integral do dano, de forma que, caso haja
violação, deverá reparar o dano.
Outra questão é que, pelo dispositivo legal, somente pode proibir a utilização da
imagem sem autorização, caso ela atinja a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se
destinarem a fins comerciais. Essa interpretação é equivocada do ponto de vista doutrinário e
jurisprudencial. Isso porque, atualmente, em razão da relevância da dignidade humana e dos
princípios fundamentais, a proibição pode ocorrer em qualquer caso quando não exigir
autorização. A natureza da utilização da imagem é que vai ser analisada para gerar ou não
indenização. Assim, se a utilização sem autorização atingir a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais, nascerá o direito de indenizar. Se não
houver essa ofensa, apenas existe o direito de evitar a publicação ou de retirá-la de circulação.

35
Matheus Zuliani

Sobre o dever de indenizar, quando o uso da imagem atingir a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, cabe ao ofendido comprovar o prejuízo. É ônus do detentor do direito de
imagem. É claro que o Juiz tem sensibilidade para analisar se a utilização de imagem de alguém
ofende a honra, boa fama ou respeitabilidade, não sendo um ônus probatório árduo.
No entanto, em se tratando da publicação de imagem de pessoa não autorizada, com
fins econômicos ou comerciais, o prejuízo é presumido, gerando um dano in re ipsa. Nesse
sentido, a Súmula 403 do STJ diz que “independe de prova do prejuízo a indenização pela
publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.”
Em relação às pessoas públicas, não se desconhece que tais cidadãos também são
detentores de direito de imagem. Todavia, o direito de imagem dessas pessoas sofre uma
mitigação em razão do interesse público e do direito de informação. Desta forma, o STJ
entendeu, em caso envolvendo a pessoa pública, que o seu direito de imagem não pode ser
proibido desde que haja compromisso ético com a informação verossímil, que se preserve os
direitos da personalidade, entre os quais se incluem os direitos à honra, à imagem, à
privacidade e à intimidade, e por fim, que se vede a veiculação de crítica jornalística com
intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi). Entendeu
que

a princípio, não configura ato ilícito as publicações que narrem fatos verídicos ou
verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas,
sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente
estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e a crítica referirem-se a
fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa
17
noticiada .

Por fim, é importante constar que a captação do direito de imagem, em ambiente


público, somente passa a ser ofensivo quando contextualizada ou específica, dando a
interpretação de que o foco não é o ambiente, mas sim, a sua pessoa. Caso isso aconteça
ocorrerá violação ao direito de imagem.

2.7.7. VIDA PRIVADA E INTIMIDADE

A intimidade e a vida privada da pessoa humana angariam proteção pelo Código Civil,
como se nota do art. 21 do Código Civil, in verbis: “a vida privada da pessoa natural é inviolável,
e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou
fazer cessar ato contrário a esta norma”.
Existe diferença entre vida privada e intimidade. A vida privada é um núcleo restrito
da vida social da pessoa que ela abre apenas para um grupo seleto de pessoas, enquanto a
intimidade é aquele momento íntimo da pessoa, ou seja, núcleo mais restrito ainda.
No que concerne a proteção, ambos possuem o mesmo peso, tendo a mesma
proteção. Na visão do ato ilícito, o que a faz diferenciar uma da outra é no quantum
indenizatório, sendo que a indenização é maior quando se viola a intimidade.
Mesmo o direito à vida privada e à intimidade não são revestidos de caráter absoluto.
Anderson Schreiber diz que é necessária a ponderação. Um exemplo claro de ponderação de
vida privada é a segurança, por exemplo. No caso do aeroporto, quando se coloca a bagagem
no raio-x, o agente da Infraero visualiza tudo. Todavia, nesse caso, o direito à segurança se
sobrepõe ao direito à privacidade.

17
STJ - REsp 1771866/DF.

36
Matheus Zuliani

Ainda dentro do tema da intimidade e da vida privada encontra-se o a questão da


biográfica. A biografia é um gênero literário em que o autor narra a história da vida de uma
pessoa ou de várias pessoas (conceito retirado da Wikipédia).
Sobre a biografia, surgiu uma discussão jurídica sobre a necessidade ou não de
autorização do personagem principal para que sua vida seja narrada.
O STF, por unanimidade, julgou procedente uma ADIN18, para dar interpretação
conforme a Constituição aos arts. 19 e 20 do Código Civil, sem redução de texto. O STF
declarou inexigível o consentimento da pessoa biografada. Ou seja, ela não tem que autorizar
para que sua vida seja contada. É igualmente desnecessária a autorização das pessoas que
sejam coadjuvantes na biografia, bem como aquelas que tenham morrido, mas que foram
mencionadas.
Além disso, o Supremo reafirmou que o direito à inviolabilidade, da privacidade,
intimidade, da honra e da imagem da pessoa, caso haja lesão aos seus direitos, deve-se haver a
reparação dos danos.
Outra questão polêmica é a publicidade do salário do servidor público. A publicação
da folha de pagamento de um determinado servidor público ofende a sua intimidade (ou vida
privada)? O TJDFT19 julgou um caso em que determinada imprensa escrita publicou uma
reportagem expondo o salário de um servidor da Câmara dos Deputados. Esse Analista
ingressou com ação dizendo que aquela publicidade ofendeu a sua intimidade, pois a partir de
então familiares passaram a pedir dinheiro emprestado, além de despertar a cobiça de
vizinhos.
Nota-se que há forte corrente que entende que o salário do servidor público é pago
pela sociedade, tendo ela interesse e direito de conhecer quanto que o servidor recebe e se
estão observando os ditames legais. Assim, entende-se que a simples publicidade de salário,
sem exposição de descontos da vida pessoal, e sem falácias, não configura ato ilícito.
Ainda sobre a vida privada e intimidade, o STJ entendeu que a veiculação de matéria
jornalística sobre delito histórico que expõe a vida cotidiana de terceiros, não envolvidos no
fato criminoso, ofende o princípio da intranscendência, gerando o dever de indenizar *REsp
1.736.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em
28/04/2020, DJe 04/05/2020 – informativo de jurisprudência n. 670+.

2.7.8. DIREITO DOS MORTOS

O § único do artigo 20 do Código Civil, assim como o § único do artigo 12,


reconhecem direitos da personalidade do morto, havendo legitimidade dos lesados indiretos.
A lesão a direito da personalidade atinge tanto o morto quanto os seus parentes (dano em
ricochete). É uma das hipóteses excepcionais em que se admite a transmissão de direitos
personalíssimos.

Art. 20. (...)

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para


requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

A única observação que deve ser lembrada, embora retórica, é a de que, não
obstante se tenha esquecido da pessoa do companheiro, em razão da interpretação pacífica

18
STF – ADIN 1815 – Relatora Ministra Cármen Lúcia – julgamento 1/2/2016.
19
TJDFT – 10º Vara Cível de Brasília – Juiz Matheus Stamillo Santarelli Zuliani – autos n. 2011.01.1.227261-7

37
Matheus Zuliani

que se faz sobre o Código Civil, tem ele legitimidade, ao lado do cônjuge. Nesse sentido, existe
o Enunciado 275 da IV Jornada de Direito Civil.

2.7.9. DIREITO DE PERSONALIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS

A pessoa jurídica, tida como ente fictício, tem alguns dos direitos da personalidade,
como ser observa do art. 52 do Código Civil, que assim se encontra redigido: “aplica-se às
pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
Quando falamos em dano moral a pessoa jurídica, a mesma se justifica na ofensa a
honra objetiva. A honra objetiva pode ser compreendida como o juízo que terceiros fazem
acerca dos atributos de alguém. A honra subjetiva, noutro giro, se revela no sentimento que a
pessoa tem dela mesma.
Realmente, a pessoa jurídica tem alguns dos direitos da personalidade, caso do
nome, da honra objetiva (repercussão social da honra) e da imagem. No entanto, não tem ela
sentimento próprio, uma vez que se trata de um ente fictício. Por isso, prevê a súmula 227 do
STJ que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral (nunca em relação à honra subjetiva, pois a
Pessoa Jurídica não tem sentimento).
Por fim, é importante constar que a pessoa jurídica de direito público não tem direito
a indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou imagem. É o que decidiu o
STJ20.

2.8. DAS PESSOAS JURÍDICAS - ASPECTOS GERAIS

Temos no nosso ordenamento jurídico os sujeitos de direitos com personalidade


jurídica, a qual é constituída pela pessoa natural e pessoa jurídica.
O princípio da legalidade no campo do direito civil se materializa na ideia de que a
pessoa natural e a pessoa jurídica podem fazer tudo que a lei não proíba.
Desse modo, a pessoa jurídica é uma atividade de criação, que se distingue da pessoa
natural. Por isso, fala-se que a pessoa jurídica tem personalidade jurídica própria, diversa,
portanto, da personalidade jurídica dos seus componentes/sócios.
Trata-se da necessidade ou conveniência de os indivíduos unirem esforços e
utilizarem recursos coletivos para a realização de objetivos comuns, que transcendem as
possibilidades individuais.
O Código Civil adota a expressão “pessoa jurídica” para identificar esse ser fictício. No
entanto, isso não exclui outras terminologias, como: pessoa civil, pessoa moral, pessoa
coletiva, pessoa abstrata, pessoa mística, pessoa fictícia, ente de existência ideal (teoria
abordada por Teixeira de Freitas).
O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves nos ensina:

A pessoa jurídica é, portanto, proveniente desse fenômeno histórico e social.


Consiste num conjunto de pessoas ou de bens dotado de personalidade jurídica
própria e constituído na forma da lei para a consecução de fins comuns. Pode-se
afirmar, pois, que pessoas jurídicas são entidades a que a lei confere personalidade,
capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações.

20
STJ - REsp 1.258.389/PB.

38
Matheus Zuliani

Muito se discute sobre a teoria adotada pelo Código Civil no que concerne a criação
das pessoas jurídicas.
O Código Civil adotou a teoria da realidade técnica. Essa teoria é uma junção de
outras duas teorias, a teoria da ficção, idealizada por Savigny, e, ainda, a teoria da realidade
orgânica, criada por Otto Gierke.
Por essa teoria afirma-se que a pessoa jurídica teria existência real, não obstante a
sua personalidade ser conferida pelo direito. Uma vez personificada pelo direito, a pessoa
jurídica passa a ter a atuação social na condição de sujeito de direito. Não se olvida que a
personalidade jurídica, uma vez concedida pelo direito, passa a ter ela uma função social,
atendendo, assim, ao princípio da socialidade, um dos pilares do Código Civil de 2002.
A teoria da realidade técnica se revela, basicamente, no artigo 45 do Código Civil, que
assim dispõe:

Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição
do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de
autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as
alterações por que passar o ato constitutivo.

Denota-se que, a aquisição da personalidade jurídica da pessoa jurídica de direito


privado, existe a partir do registro dos atos constitutivos, produzindo efeito ex nunc, logo,
possui natureza constitutiva.
Por ter natureza constitutiva que o parágrafo único, do mesmo dispositivo, assenta
que decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito
privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no
registro.
Por último, não se pode perder de vista a questão da presentação da pessoa jurídica.
É muito comum em provas e em doutrinas, utilizarem a expressão de que a pessoa
jurídica é “representada” pelos sócios, administradores e gerentes. Porém, o termo correto é
“presentação”. Isso porque, representação, é um instituto das incapacidades e, a presentação,
é instituto da pessoa jurídica.
Segundo ensinamentos de Pontes de Miranda, por não poder atuar por si própria, a
pessoa jurídica, como ente da criação da lei, deve ser presentada por uma pessoa natural,
exteriorizando sua vontade, nos atos judiciais ou extrajudiciais. O art. 47, do Código Civil diz
que todos os atos negociais exercidos pelo presentante, dentro dos limites de seus poderes
estabelecidos no estatuto social, obrigam a pessoa jurídica, que deverá cumpri-los. Contudo,
se o presentante extrapolar estes poderes, responderá pessoalmente por este excesso.
Para essas circunstâncias, temos a chamada teoria intra viris societatis e ultra vires
societatis.
A teoria intra viris societatis ocorrerá, quando a pessoa natural que a administra, o
sócio, atua de acordo com o previsto no ato constitutivo. Tais atos vinculam a pessoa jurídica. O
ato ultra vires societatis ocorrerá quando o sócio extrapola os poderes que lhes foram
concedidos através do contrato social, como consequência, o próprio sócio responde pelos
atos praticados. Não vincula a pessoa jurídica.
A questão do ato intra e ultra vires é bastante pertinente, no que tange à
desconsideração da personalidade jurídica. Isso porque quando o sócio pratica um ato intra
vires e não possui condições de arcar com essa responsabilização, ocorrerá o fenômeno da
desconsideração da personalidade jurídica (CC, art. 50).

39
Matheus Zuliani

Em regra, a pessoa natural é a indicada no ato constitutivo da pessoa jurídica. Na sua


omissão, a presentação será exercida por seus diretores. Se a pessoa jurídica tiver
administração coletiva, as decisões serão tomadas pela maioria dos votos, salvo se o ato
constitutivo dispuser de modo diverso (CC, art. 48).

2.8.1. CLASSIFICAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS

No ordenamento jurídico vigente a pessoa jurídica pode ser nacional ou estrangeira,


sendo que, nesse último caso, precisará de autorização do Poder Executivo.
Quanto à estrutura interna, poderá a pessoa jurídica ser classificada como
Corporação ou como Fundação. Naquela há um conjunto de pessoas que atuam para
determinados fins. Por exemplo, as empresas possuem a finalidade de lucro, enquanto as
associações possuam uma natureza sem fins lucrativas e recreativa. A entidade religiosa possui
a finalidade de buscar as suas crenças, e assim por diante. Já a Fundação, por sua vez, é um
conjunto de bens, os quais são arrecadados para uma finalidade de interesse social.
Por fim, quanto a natureza, podem ser elas de direito público ou de direito privado.
As de direito público podem, ainda, ser de direito público interno e externo. Será de direito
público interno quando visar atender interesse público intrínseco. São elas a União, Estados,
DF e Municípios, autarquias, associações públicas. A pessoa jurídica de direito público externo
representa o País perante os países estrangeiros. A Pessoa jurídica de direito privado é aquela
instituída pela vontade dos particulares. O art. 44 do Código Civil elenca as pessoas jurídicas de
direito privado.
O rol do art. 44 do Código Civil não é um rol exaustivo, podendo existir outras
pessoas jurídicas de direito privado esparsas pelo Código Civil ou pela legislação civil especial.
Cita-se, como exemplo, o condomínio edilício, que tem uma personalidade jurídica anômala.
Atente-se que pessoas jurídicas não se confundem com entes despersonalizados.
Entes despersonalizados não têm personalidade jurídica. São conjuntos de bens ou de pessoas
que não tem personalidade própria, tais como a família, a massa falida, espólio, herança
jacente, sociedade de fato e a irregular, dentre outros.

2.8.2. DAS ASSOCIAÇÕES

O art. 53 diz que se constituem as associações pela união de pessoas que se


organizem para fins não econômicos. Por fins não econômicos entende-se pela ausência de
finalidade lucrativa. Isso não significa que a pessoa jurídica não possa angariar dinheiro, o que
é proibido é a distribuição de dividendos.
Geralmente o estatuto de uma associação prevê, no que se refere à sua estrutura,
uma diretoria, uma presidência, um conselho fiscal, um conselho administrativo. No entanto, o
órgão máximo de toda e qualquer associação é a sua assembleia geral, cuja atribuição está
delineada no art. 59 do Código Civil, sendo resumidamente a destituição de administradores e
a alteração de estatuto.
Para as deliberações a que se referem os incisos do art. 59 é exigido deliberação da
assembleia especialmente convocada para esse fim, cujo quórum será o estabelecido no
estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores.
Em uma associação não existe entre os associados direitos e obrigações recíprocos.
Isso porque não há intuito de lucro. A diferença entre a associação e a sociedade é a de que
aquela não tem fins lucrativos e a sociedade sempre tem fins lucrativos. A diferença entre

40
Matheus Zuliani

associação e a fundação é a de que aquela é um conjunto de pessoas e a esta é um conjunto de


bens.
O Código Civil dispõe que dentro da associação deverão os associados ter iguais
direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais. Quem não lembra
do sócio remido do clube. O que não se admite é que dentro de uma mesma categoria de
sócios haja diferenciação entre eles.
Há uma discussão sobre a intransmissibilidade da qualidade de associado. Dispõe o
art. 56 do Código Civil que a qualidade de associado é intransmissível, se o estatuto não
dispuser o contrário. Trata-se de uma definição de natureza personalíssima (intuito personae)
da qualidade de sócio. Todavia, essa característica não se reveste de natureza absoluta,
podendo o estatuto autorizar a transmissão.
No que tange as associações, é importante ressaltar sobre a possibilidade da
expulsão do associado. Explica o art. 57 do Código Civil que “a exclusão do associado só é
admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de
defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto”.
A exclusão do associado só é possível se houver justa causa. Mesmo assim, é preciso
que a exclusão seja decorrente de um procedimento que assegure ampla defesa e recurso, nos
termos previstos no estatuto. Há, aqui, uma aplicação da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais.
Outro tema importante envolvendo as associações é a possibilidade de cobrança de
taxa de manutenção criada por associações de moradores. Quando se envolve um bairro de
uma cidade a questão é simples, que não se associa não pode ser obrigado a pagar a referida
taxa. No entanto, a questão ganha contornos complexos quando se está diante de um
condomínio de fato, ou seja, irregular.
A matéria chegou ao Supremo Tribunal Federal que decidiu pela não obrigatoriedade
de pagamento se a pessoa não aderiu à associação. Sustenta que a Constituição Federal, em
seu art. 5°, incisos II e XX, não aceita a adesão compulsória à associação. Ademais, pelo fato da
associação de moradores não ser igual à associação de condôminos, a imposição compulsória
da mensalidade é ilegal, vez que a obrigação tem como fonte a lei ou a declaração de vontade.
Se não há amparo em nenhuma dessas duas fontes só resta reconhecer a mensalidade dentro
do campo da ilicitude. Assim, não está obrigado ao pagamento da mensalidade imposta pela
associação dos moradores aquele que não aderiu. O STJ firmou, em sede de repetitivo, a tese
(882) de que a taxa de manutenção não é obrigatória, com fundamento na Constituição
Federal de que ninguém é obrigado a associar-se (REsp 1439163 / SP).
Por fim, não há como não tratar do tema da dissolução da associação. O tema vem
delineado no art. 61 do Código Civil. Se for dissolvida a associação, o patrimônio líquido
remanescente será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto. Caso
o estatuto seja omisso, os associados irão deliberar a respeito. O remanescente poderá ser
destinado à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.
Existe discussão em que se considera nula a previsão no Estatuto que determina que
nos casos de dissolução da associação, o patrimônio vai ser rateado entre os associados, eis
que haveria um esbarrar na vedação de lucro. Bastaria pensar numa associação que cresceu
muito e que tenha um patrimônio de 100 milhões de reais com 100 associados.
Maria Helena Diniz comenta que se a finalidade da associação não for altruística, “o
associado poderá receber uma quota de liquidação daquele acervo social, ante seu direito de
participante no patrimônio comum, de quota ideal, conforme os fins da associação, exceto se o
estatuto prescrever o contrário” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – Editora
Saraiva).

41
Matheus Zuliani

Os que discordam dessa posição defendem que inexiste

um patrimônio em comum, eis que a associação possui personalidade e autonomia


patrimonial. Logo, ainda que a associação não possua finalidade altruística, a quota
a ser liquidada não poderá representar uma parcela do patrimônio associativo. Isso,
porque é notório que o associado não poderia ser considerado um proprietário de
quota do capital associativo, mas mero participante (BITTI, Eduardo Silva - A
dissolução de associação e a repartição do patrimônio entre “sócios proprietários).

Francisco Loureiro, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e


professor em diversas entidades, já decidiu que independente da finalidade altruísta ou não da
associação, isso não afasta o caráter não lucrativo da associação, ao certo que, no final de sua
existência o patrimônio não será compartilhado entre os associados, mas, sim, direcionado
pelo estatuto a “entidade de fins não econômicos designada”. Não somente, “à falta de
deliberação da assembleia, se um dia vier a ser extinta a pessoa jurídica, a escolha da entidade
destinatária do patrimônio cabe o juiz, com base na afinidade dos objetivos de entidades
congêneres21”.
Existe a possibilidade de eventualmente o associado recuperar aquilo que ele investiu
na cota. Trata-se do ressarcimento, não havendo falar em enriquecimento.
Vale atentar que, não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no
Território, em que a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas, o que
remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da
União.

2.8.3. DAS FUNDAÇÕES

Fundações podem ser conceituadas como um conjunto de bens, os quais são


arrecadados e personificados para uma determinada finalidade. A fundação é uma pessoa
jurídica especial, pois ela resulta de um patrimônio destacado e se personifica para se
constituir. Só constitui fundação quem tem muito patrimônio.
O art. 62 do Código Civil diz que as fundações são criadas por escritura pública ou por
testamento.
A sua criação pressupõe a existência de afetação de bens livres, a especificação da
sua finalidade, a previsão de como será administrada a fundação, e por fim, a elaboração de
estatuto.
O art. 64 do CC diz que constituída a fundação, num negócio jurídico entre vivos, o
instituidor é obrigado a transferir à fundação a propriedade, ou outro direito real, sobre os
bens dotados. Caso não o faça, os bens serão registrados em nome da fundação por mandado
judicial.
A elaboração do estatuto é submetida à apreciação do Ministério Público, eis que ele
fiscaliza a fundação, cabendo a ele a função de aprovar a elaboração. No entanto, pode ser que
o Ministério Público tenha que, ele próprio, elaborar o estatuto. Isso acontece quando o
estatuto não é elaborado dentro do prazo assinado pelo instituidor, ou, não havendo prazo, em
cento e oitenta dias. É o que dispõe o art. 65, parágrafo único, do Código Civil. Nesse caso, a
quem cabe a aprovação do estatuto elaborado pelo Ministério Público? Caso o Ministério
Público elabore o estatuto, o art. 764, II do Código de Processo Civil estabelece que deverá o
mesmo ser aprovado pelo juiz.

21
Apelação Cível n. 994.09.287598-8, pela 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo –
julgado em 5/8/2010.

42
Matheus Zuliani

É importante constar que Pablo Stolze critica essa norma. Ele defende que isso
escapa da função jurisdicional. Se o juiz aprovar um estatuto, ele não poderá julgar as lides que
envolvam esse estatuto, pois ele o aprovou. Assim, a aprovação do estatuto não parece ser
uma função jurisdicional.
Sobre a atribuição fiscalizatória do Ministério Público, explica o Código Civil, no art.
66, que velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde estão situadas. Se
funcionarem no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público do
Distrito Federal. Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada
um deles, ao respectivo Ministério Público. Quando se tratar de fundações instituídas ou
mantidas pela União, autarquia ou empresa pública federal, ou que destas recebam verbas,
poderá o Ministério Público Federal atuar22.
A alteração das normas estatutárias de uma fundação somente é possível pela
deliberação de 2/3 dos competentes para gerir e representar a fundação. Além disso, esta
alteração não pode contrariar ou desvirtuar o fim desta. Ademais, quando a alteração não se
der por votação unânime, os administradores, ao submeterem o estatuto à análise do
Ministério Público, irão requerer que seja cientificada a minoria vencida para impugnar a
votação se quiser, em 10 dias.
Por fim, tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou
vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe
promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato
constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim
igual ou semelhante. É o art. 69 do Código Civil tratando da extinção da fundação.

2.8.4. DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

2.8.4.1. ASPECTOS GERAIS.

A desconsideração da personalidade jurídica é um instituto advindo do direito inglês,


que autoriza o afastamento da autonomia patrimonial, permitindo-se chegar aos bens
particulares dos sócios por dívidas da sociedade, nas hipóteses previstas no art. 50 do Código
Civil.
Vale destacar que a desconsideração da personalidade jurídica já estava positivada no
Direito brasileiro antes mesmo da promulgação do mencionado artigo 50 do Código Civil, eis
que o artigo 135 do Código Tributário Nacional, o artigo 28 do Código de Defesa do
Consumidor e o artigo 4º da Lei de Crimes Ambientais já previam o referido instituto.
O art. 50 do Código Civil assim prevê:
“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade,
ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério
Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios
da pessoa jurídica”.
O abuso da personalidade jurídica é gênero, que tem como espécies a confusão
patrimonial e o desvio de finalidade. Sócios de uma sociedade empresária, aproveitando-se do
princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a utilizam como subterfúgio para
ludibriar pessoas, causando-as prejuízos econômicos. Quando tentam buscar o recebimento de
seus créditos esbarram em uma sociedade desprovida de bens.

22
Enunciado 147 da Jornada de Direito Civil da Justiça Federal.

43
Matheus Zuliani

O Poder Judiciário sempre foi adepto da desconsideração da personalidade, dando


uma maior elasticidade ao conceito de confusão patrimonial e o desvio de finalidade, já que o
Código Civil não trazia maiores detalhes.
Todavia, foi editada pelo Poder Executivo Federal a Medida Provisória 881, de 30 de
abril de 2019, cujo objetivo, segundo suas razões constantes do artigo 1º, é instituir “a
Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre
iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado
como agente normativo e regulador.
Essa Medida Provisória foi convertida em Lei, dando nascimento a lei 13.874/2019.
Muito se diz que tais alterações promovidas pelo Legislativo se traduz em uma
mensagem clara consistente em reduzir a discricionariedade dos Magistrados a respeito do
tema.
A confusão patrimonial ocorre na hipótese em que os sócios da sociedade utilizam os
proventos da sociedade em benefício próprio, adquirindo bem em seu nome, e não da pessoa
jurídica. Nesse sentido dispõe o § 2º do art. 50 do Código Civil, in verbis:
“§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os
patrimônios, caracterizada por:
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador
ou vice-versa;
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de
valor proporcionalmente insignificante; e
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.”
Já o desvio de finalidade consiste em um desvirtuamento do seu fim, desviando-se
para lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Diante disso, o art. 50,
§ 1º assim prevê:
“§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da
pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer
natureza”.
É importante constar que não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a
alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica, conforme
se nota do § 5º do art. 50 do Código Civil.
Não obstante o legislador tenha sinalizado para uma possível alteração na atividade
*escopo meio ou objeto da sociedade+, na verdade, executou uma alteração na finalidade-fim
da sociedade *objetivo da sociedade empresária+.
Nesse sentido escreveu Raphael Andrade *in www.conjur.com.br - MP 881 e a nova
disciplina do desvio de finalidade no Código Civil+:
“Uma alteração de finalidade (Zweckänderung) ocorreria, por exemplo, ao se cambiar
o objetivo de lucro, próprio da sociedade empresária, pelo objetivo de benemerência, ao qual
se dedicam as associações, que, em decorrência de sua natureza, jamais podem explorar
atividade econômica – isto é, empresa (artigo 53 do Código Civil). A se interpretar dessa
maneira, as consequências do dispositivo seriam muito mais gravosas para terceiros do que,
em minha opinião, quis cogitar a MP 881. Se a finalidade se confunde com o escopo-fim e, na
sociedade empresária, é sempre a partilha dos resultados, a alteração sobre a qual se debruça
o dispositivo é aquela da atividade (isto é, da empresa), de modo que o excerto “da finalidade
original” deveria, simplesmente, ter sido suprimido, bastando, para os propósitos do legislador,

44
Matheus Zuliani

dizer que “a alteração da atividade econômica específica da pessoa jurídica” não é elemento
apto a, per se, configurar o desvio de finalidade autorizativo da desconsideração da
personalidade jurídica”.
Por fim, é importante constar o enunciado 146 da III Jornada de Direito civil que
dispõe no sentido de que esses parâmetros permissivos da desconsideração da personalidade
jurídica devem ser interpretados restritivamente23.
Quando se trata de desconsideração da personalidade jurídica em uma relação regida
pelo Código Civil, ou seja, diante de paridade de partes, não se falar em desconsideração de
ofício pelo Juiz. Embora, quando se trate de relação sob a égide do Código de Defesa do
Consumidor, em função da norma cogente, essa possibilidade é real.
A desconsideração da personalidade jurídica é uma medida excepcional, que dever
ser tomada com cautela, calcada em provas, para evitar abusos em face dos sócios
empreendedores. A sua realização é para um determinado negócio jurídico, sendo assim,
temporário. Uma vez pago a dívida a personalidade é restabelecida, permitindo-se uma nova
desconsideração em caso de novo abuso. Por isso que se diz que a desconsideração é
temporária, e não permanente.
Existe uma diferença entre a desconsideração e a despersonalização da pessoa
jurídica. A desconsideração permite o afastamento da autonomia patrimonial, de forma
temporária, para a hipótese de abuso da personalidade jurídica, com fulcro no Código Civil. Já a
despersonalização, ao revés, é a perda da autonomia patrimonial em virtude do não
cumprimento das regras atinentes ao direito de empresa, o que torna a pessoas uma
sociedade de fato. Possui como característica a definitividade, a não ser que regulamente a
situação irregular que a circunda.
Muito se discute, quando se cogita na desconsideração, da imprescindibilidade da
decretação da insolvência da sociedade.
É certo que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
estampada no art. 50 do Código Civil, pressupõe que o credor não esteja – de alguma forma –
conseguindo buscar o seu direito de crédito em face desta sociedade.
De modo que, provando o abuso da personalidade jurídica ou o simples
inadimplemento *relações sob a égide do Código de Defesa do Consumidor+, o credor pode
buscar nos bens dos sócios desta sociedade, o que não obteve êxito em face da pessoa jurídica.
Assim, conclui-se que se a sociedade não está de algum modo inviabilizando o
pagamento do crédito, existindo bens a serem penhorados, não há motivo para desconsiderar
a personalidade jurídica, já que vigora no nosso sistema jurídico o princípio da autonomia
patrimonial da pessoa jurídica.
Nessa senda, acompanhado o posicionamento do STJ, não cabe desconsiderar a
personalidade jurídica se a sociedade for solvente. Alguns doutrinadores, calcado no
enunciado 281, da IV Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, vem sustentando
o oposto24. Não é essa a interpretação correta a ser dispensada ao enunciado. O que ele quis
dizer foi que prescinde do lesado mostrar a insolvência da empresa, uma vez que se os sócios
não quiserem que haja constrição sobre seus bens particulares, cabe a eles indicarem bens da
empresa para suprirem o débito. O exemplo pode elucidar bem a questão. Se o credor pede a

23
Enunciado 146 da III Jornada de Direito Civil: “Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os
parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social
ou confusão patrimonial)”
24
Enunciado 281 da IV Jornada de Direito Civil: “A aplicação da teoria da desconsideração descrita no
art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica”.

45
Matheus Zuliani

penhora “on-line” e não encontra bem, pede a penhora de bem imóvel e não encontra
registro, pede a penhora de automóvel e não encontra registro, vai então, atrás dos bens
pessoais. Nesse caso pode o sócio peticionar indicando, no galpão, uma máquina valiosa.
Nesse sentido decidiu o STJ *STJ - REsp 1.729.554+: “É possível afirmar, ademais, que
além de a constatação da insolvência não ser suficiente à desconsideração - para o caso do art.
50 do CC -, com mais razão a inexistência de bens do devedor não pode ser condição para
instauração do procedimento que objetiva aquela decretação. Na verdade, pode a
desconsideração da personalidade jurídica ser decretada ainda que não configurada a
insolvência, desde que verificados o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial,
caracterizadores do abuso de personalidade.”

2.8.4.2. TEORIAS.

No que concerne as teorias que circundam o tema, o Código Civil adotou a teoria
maior, já que exige, para a desconsideração da personalidade jurídica, a presença dos
requisitos do artigo 50, somado ao inadimplemento do título. Para essa teoria não basta o
simples inadimplemento, deve haver a existência de outros requisitos, como a prova do abuso
da personalidade. Já a teoria menor, por sua vez, exige menos requisitos para que ocorra a
desconsideração da personalidade jurídica, bastando para tanto, o inadimplemento da
obrigação. Foi a teoria adotada no Código de Defesa do Consumidor.
Ainda sobre as teorias, fala-se em concepção subjetivista e objetivista da teoria maior
na desconsideração da personalidade jurídica.
Sabe-se que o Código Civil, em seu art. 50, adotou a teoria maior da personalidade
jurídica, necessitando-se, para atingir os bens pessoais dos sócios, por dívida da sociedade, a
demonstração do abuso da personalidade jurídica da sociedade, consubstanciada na confusão
patrimonial ou no desvio de finalidade. Pois bem, caso entenda-se que cabe ao credor da
sociedade provar o abuso, adota-se, assim, a concepção subjetivista, onde não basta a prova
da confusão patrimonial ou do desvio de finalidade, mas também a prova cabal de que foi
empregada a fraude.
Esta prova era demasiadamente difícil de ser realizada, o que aniquilava a
possibilidade de ver o seu crédito satisfeito.
Assim, chegou-se à conclusão de que bastaria a demonstração da confusão
patrimonial ou do desvio de finalidade para viabilizar o atingimento dos bens particulares dos
sócios, por dívidas da sociedade, adotando-se, assim, a concepção objetivista da teoria maior.
A análise fica restrita aos elementos de cunho objetivo, sem perquirir a intenção de fraudar ou
não.

2.8.4.3. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA.

A desconsideração da personalidade jurídica inversa é a possibilidade de buscar os


bens da sociedade por dívidas particulares dos sócios, quando esses, com intuito
manifestamente fraudulento, transferem ao ente todo o seu patrimônio.
A desconsideração da personalidade jurídica, mesmo de forma inversa, é mecanismo
voltado para afastar o manto protetivo da autonomia da personalidade jurídica das empresas
quando ocorrer abuso caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Tal
manobra é corriqueira nas relações familiares que estão à beira do fracasso. O cônjuge,
vislumbrando o fim do casamento, começa a transferir todos os bens para a sua sociedade,
evitando-se, assim, a divisão dos bens com o outro consorte. Nítida manobra fraudulenta. O

46
Matheus Zuliani

Conselho da Justiça Federal editou o enunciado 283, na IV Jornada de Direito Civil nesse
sentido25.
Antes não existia previsão no ordenamento jurídico acerca da desconsideração
inversa. Agora, o novo Código de Processo Civil trouxe essa possibilidade de forma expressa no
art. 133, § 2º.

2.8.4.4. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INDIRETA.

A desconsideração da personalidade indireta consiste na retirada da personalidade


jurídica de uma determinada empresa que pertence à um grupo econômico, para viabilizar a
responsabilidade da empresa controladora, angariando seus bens e ressarcindo o lesado.
Em regra, a sociedade que se encontra na prática de atos fraudulentos, prejudicando
os credores, é apenas uma fachada para blindar o patrimônio de outra sociedade, a principal
do grupo econômico. Com a desconsideração indireta viabiliza o recebimento do crédito
burlado, atingindo o patrimônio da empresa protegida.
O art. 50, § 4º do Código Civil dispõe que: “A mera existência de grupo econômico
sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração
da personalidade da pessoa jurídica”.
Ou seja, para que seja possível atingir os bens de pessoas jurídicas pertencentes ao
mesmo grupo econômico é preciso que os requisitos do art. 50 estejam presentes.
2.8.4.5. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE PESSOAS SEM FINS
LUCRATIVOS.
Muito embora tais pessoas de direito privado tenham como principal característica a
ausência de finalidade lucrativa, isso não tem o condão de afastar a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem como finalidade precípua
a preservação do visa conservar a alma da pessoa jurídica. Nessa trilha, o jurista alemão Rolf
Serick aduz que "a desconsideração da personalidade jurídica poderá ser aplicada em qualquer
país em que se apresente a separação incisiva entre pessoa jurídica e os membros que a
compõem, colocando o problema de que essa separação radical pode conduzir a resultados
injustos”.
Tendo em vista a semelhança entre as associações e as sociedades, em especial no
que concerne à reunião de pessoas *característica essa denominada de corporação+, a
facilidade para desvirtuar a finalidade da pessoa formada não se mostra trabalhosa,
permitindo-se, dessa forma, a aplicação da teoria em estudo.
Tanto é que o Código Civil dispõe, no art. 44, § 2º, a aplicação subsidiária das regras
inerentes ás sociedades para as associações. Mais um indicativo de que a desconsideração da
pessoa jurídica se mostra factível ante a constatação de confusão patrimonial ou de desvio de
finalidade *abuso da personalidade jurídica+. O enunciado 284 da IV Jornada de Direito Civil
segue essa linha26.

25
Enunciado 283 da IV Jornada: “É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada
“inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens
pessoais, com prejuízo a terceiros”.
26
Enunciado 284 da IV Jornada: “As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins
não-econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica”.

47
Matheus Zuliani

Nesse sentido é a jurisprudência desse e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal -


Acórdão n. 517250, 20110020091392AGI, Relator: VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, Data de
Julgamento: 29/06/2011, Publicado no DJE: 07/07/2011. Pág.: 192.

2.8.4.6. AUTODESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

Se cogita se a própria pessoa jurídica poderia invocar a sua desconsideração.


Não obstante a raridade de se verificar um pleito nesse sentido, doutrinariamente é
possível cogitar-se em pedido de desconsideração da personalidade jurídica pela própria
pessoa jurídica no instante em que há uma deliberação pela maioria dos sócios, justamente
com o objetivo de indicar os bens de determinado sócio, que à revelia dos demais incidiu no
abuso da personalidade jurídica.
Menciona-se, com a devida licença, a decisão do C. Superior Tribunal de Justiça que
assim decidiu27: “A decisão jurisdicional que aplica a aludida teoria importa prejuízo às pessoas
físicas afetadas pelos efeitos das obrigações contraídas pela pessoa jurídica. A rigor, ela
resguarda interesses de credores e da própria sociedade empresária indevidamente
manipulada”. Por isso, o Enunciado 285 da IV Jornada de Direito Civil descreve que "A teoria da
desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica em
seu favor”.

2.9. DO DOMICÍLIO

As regras quanto ao domicílio da pessoa natural estão entre os arts. 70 e 78 do


Código Civil.
Domicílio é o local em que a pessoa pode ser sujeito de direitos e deveres na ordem
privada. É o local onde poderá ser cobrada ou cobrar direitos e deveres na ordem jurídica.
Domicílio é o local da sua residência. Há quem diga que domicílio é residência com
ânimo definitivo. O domicílio eleitoral é mais amplo do que o domicílio civil.
Existe o elemento objetivo e o elemento subjetivo do domicílio. O elemento objetivo
representa a fixação da pessoa em um determinado lugar. É a cidade que o sujeito escolhe para
morar, por exemplo. O elemento subjetivo, por sua vez, é a vontade de ali permanecer de
forma definitiva.
O Código Civil admite a pluralidade de domicílios, ou seja, a pessoa poderá ter duas
ou mais residências, o qual ela viva alternadamente, considerando-se domicílio seu qualquer
delas. É o que se extrai do art. 71 do código privado.
O art. 72 do Código Civil diz que o local em que a pessoa exercitar profissão também
é domicílio da pessoa natural, também sendo permitida a pluralidade domiciliar. Nesse caso, se
a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as
relações que lhe corresponderem.
É possível a mudança de domicílio. Estabelece o art. 74 do Código Civil que se muda o
domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta de mudar o domicílio. Para se
provar a intenção manifesta de mudar, basta que a prova da intenção resulte da declaração da
pessoa às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não
fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem.

27
STJ - AgRg no REsp 1307639 / RJ – Rel. Min. Herman benjamin – julgado em 17/5/2012.

48
Matheus Zuliani

Essa intenção é vislumbrada por meio das declarações da pessoa à municipalidade,


tanto de onde ela está saindo como onde ela está indo morar. Ex.: alteração do domicílio
eleitoral é exemplo de intenção manifesta de se mudar.

2.9.1. CLASSIFICAÇÃO DO DOMICÍLIO

O domicílio pode ser voluntário, de eleição, legal ou necessário, contratual, e por fim,
o aparente.
O domicílio voluntário, também conhecido como convencional, é o que decorre de
um ato de escolha da pessoa como exercício da autonomia privada. O legal ou necessário é o
fixado pela lei.
O artigo 76, do Código Civil, apresenta um rol daqueles que possuem domicílio legal,
e em seu parágrafo único, define o local onde elas terão domicílio.
Dessa forma, o domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente. Vale
lembrar que a súmula 383, STJ, estabelece que a competência para processar e julgar ações
conexas de interesse de menor, em geral, é o foro do domicílio do detentor da sua guarda.
O domicílio do servidor público é o lugar em que ele exerce permanentemente as
suas funções. Até para o servidor público admite-se a pluralidade de domicílios.
O domicílio do militar é o do local onde ele servir e se for da marinha ou da
aeronáutica é da sede ou comando a que se encontrar imediatamente subordinado.
O domicílio do marítimo é o do lugar em que seu navio estiver matriculado.
Por fim, o domicílio do preso é o do lugar em que ele cumpre a sentença. E o preso
preventivo? Ele não está cumprindo sentença, então, não há para ele essa hipótese de
domicílio legal.
No que tange as pessoas que não tem domicílio, o Código Civil classifica esse como o
de domicílio aparente, ou seja, seu domicílio é o local em que elas forem encontradas (CC, art.
73).
Domicílio contratual é aquele que consta em contrato escrito especificando local para
cumprimento de deveres e obrigações contratuais. Nesse ponto, não podemos confundir
domicílio contratual com foro de eleição.
O foro de eleição é utilizado para aspectos processuais, para fins de definição de uma
determinada ação judicial. Por exemplo, em uma cláusula contratual consta que eventuais
conflitos resultantes do contrato serão discutidos na cidade “A”.
O domicílio contratual ocorrerá nos contratos escritos, em que os contratantes
poderão especificar domicílio onde se exercitem, e cumpram os direitos e obrigações deles
resultantes. É o disposto no art. 78, do Código Civil.
Dessa forma, estabelece a Súmula 335 do STF que “é válida a cláusula de eleição do
foro para os processos oriundos do contrato”.
No entanto, quando estivermos diante de contrato de adesão, ou seja, aquele com
conteúdo imposto por uma das partes, principalmente, no que tange as relações
consumeristas, a imposição de cláusula de eleição de foro é abusiva, podendo ser declarada de
ofício se houver prejuízo ao aderente.

49
Matheus Zuliani

É importante ponderar que o contrato de adesão não necessariamente é de


consumo28.
Por conseguinte, os contratos de adesão e de consumo, possuem proteção no Código
de Defesa do Consumidor, no entanto, no campo das relações civilistas, possuem proteções aos
contratos civis que não envolvam necessariamente relações de consumo.
O domicílio da pessoa jurídica pode ser estatutário ou aparente. Domicílio estatutário
é local previsto no estatuto. O domicílio aparente, noutro giro, é o local de funcionamento das
diretorias ou administrações. Se a pessoa jurídica tiver sede no exterior, deve-se considerar
como seu domicílio o local da filial no Brasil (CC, art.75, § 2º).

2.10. DOS BENS

Antes de ingressar no instituto jurídico denominado “dos bens”, que tem


regulamentação a partir do art. 79 e seguintes do Código Civil, é preciso fazer uma distinção
entre bem e coisa, já que não são vistos como sinônimos.
No conceito adotado pelo Código Civil de 2002, idealizado por Miguel Reale, coisa é
gênero (tudo o que não é humano), sendo que bem é espécie (coisa com interesse econômico
e/ou jurídico).
Diante disso, bens são as coisas materiais ou imateriais que têm valor econômico-
jurídico e que são elementos de uma relação jurídica. Desta forma, bem é uma coisa que
proporciona ao homem uma utilidade, sendo suscetível de apropriação. O ar não é bem, pois
apesar da utilidade, não é suscetível de apropriação.
Ao conjunto de bens pertencentes a um particular dá-se o nome de patrimônio.

2.10.1. CLASSIFICAÇÃO DOS BENS

Os bens podem ser classificados de diversas maneiras. O Código Civil divide os bens
em bens considerados em si mesmos e bens reciprocamente considerados.
Quando se fala em bens considerados em si mesmo, considera-se o bem
individualmente, sem a necessidade de ter outro bem atrelado. Nessa classificação
encontramos os bens imóveis, bens móveis, bens fungíveis e infungíveis, bens consumíveis, e
ainda, bens singulares e coletivos.
Nos termos do art. 79 do Código Civil, são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe
incorporar natural ou artificialmente. Noutro giro, bens móveis são os bens suscetíveis de
movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da
destinação econômico-social (CC, art. 82).
Os bens imóveis sofrem, ainda, uma subclassificação, sendo por natureza, por
acessão física, industrial ou artificial, ou ainda, pela disposição da lei.
Os bens imóveis por natureza são formados pelo solo e tudo aquilo que se incorporar
a ele de forma natural. Abrange o solo, subsolo, superfície, espaço aéreo e tudo que lhe for
incorporado. Ex.: árvore que é incorporada naturalmente.
Os imóveis por acessão física são aqueles que o homem incorpora permanentemente
ao solo, não podendo remover do solo sem a destruição, será bem imóvel por acessão física, as
plantações, construções, etc. Segundo o art. 81, não perdem o caráter de imóveis as

28
Enunciado 171 da Jornada de Direito Civil – “Art. 423: O contrato de adesão, mencionado nos artigos 423 e 424 do
novo Código Civil, não se confunde com o contrato de consumo”

50
Matheus Zuliani

edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para
outro local, bem como os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se
reempregarem.
Os imóveis por acessão física intelectual, por sua vez, são aqueles empregados
intencionalmente para exploração industrial, aformoseamento ou comodidade, estes bens
móveis seriam considerados imóveis por acessão física intelectual. A posição majoritária sobre
o assunto é a de que essa classificação ficou totalmente esvaziada com a introdução, no Código
Civil, do instituto da pertença.
Por fim, temos os bens imóveis por disposição legal: são bens considerados imóveis
pela lei, a fim de dar maior proteção jurídica, tais como: o direito à sucessão aberta, direitos
reais sobre imóveis, como a hipoteca e penhor agrícola, excepcionalmente, bem como as ações
que os asseguram (CC, art. 80).
Já os bens móveis podem ser classificados em móveis por natureza, móveis por
determinação legal, e por fim, móveis por antecipação. Os bens móveis por natureza são
aqueles que podem ser transportados sem qualquer dano, seja por força própria (semoventes)
ou por força alheia. Os móveis por determinação legal, a exemplo dos imóveis por
determinação legal, são aqueles estabelecidos pela lei, nos termos do art. 83 do Código Civil,
sendo o penhor, a energia elétrica, os direitos reais sobre objetos móveis e as ações
correspondentes, e por fim, s direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. Por
fim, os bens móveis por antecipação são os bens que eram imóveis, mas que foram
mobilizados por uma atividade humana. Ex.: colheita de uma plantação. Todo ano o fazendeiro
semeia para colher. Trata-se de um bem móvel por antecipação.
Há uma dúvida sobre a natureza dos navios e aeronaves, pois embora estejam
sujeitos a hipoteca, conforme determinação do Código Civil, são considerados bens móveis.
Isso porque eles possuem alto valor econômico, o que exige uma maior garantia, como a
hipoteca. Flávio Tartuce considera que são bens imóveis especiais ou bens móveis sui generis.
Para concurso, essa não é a posição majoritária.
Os bens infungíveis são aqueles que não podem ser substituídos por outro da mesma
espécie, qualidade ou quantidade. Pense em um quadro pintado por um artista renomado.
Trata-se de um bem que não pode ser substituído por outro quadro, pois não é daquele artista
específico. Os bens fungíveis, ao contrário, podem ser substituídos por outro da mesma
espécie, qualidade ou quantidade (CC, art. 85).
São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria
substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação (CC, art. 86).
Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância,
diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam. É importante
mencionar que o Código Civil não se importa com a fração da coisa, mas sim, com a perda da
propriedade da coisa. Um diamante é considerado um bem indivisível, pois se partido em
várias frações perderá no seu aspecto econômico. É relevante considerar que o Código Civil, no
art. 88 autoriza que os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por
determinação da lei ou por vontade das partes.
Os bens singulares são os que, embora reunidos, se consideram de per si,
independentemente dos demais. O livro, um boi, uma ovelha, são exemplos de bens
singulares. Os bens universais, por sua vez, são bens que se encontram agregados a um todo,
constituído por várias coisas singulares, mas considerados em seu conjunto, formando um todo
individualizado. Essa união poderá ser fática ou mesmo jurídica.
Neste sentido, de acordo com o artigo 90 do Código Civil, constitui universalidade de
fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes a mesma pessoa, tenham destinação

51
Matheus Zuliani

unitária. Um rebanho e uma frota de automóveis são exemplos dessa classificação. Já a


universalidade de direito é a união de bens materiais ou imateriais, corpóreas ou incorpóreas,
com natureza coletiva. A herança, a massa falida são exemplos de universalidade de direito.
Com relação à classificação que leva em conta a dependência em relação a outro
bem, temos o bem principal e o bem acessório. Principal é aquele que existe de forma
autônoma e independente, não dependendo de qualquer outro objeto. O acessório, por sua
vez, é aquele que a existência e finalidade depende de outro bem, que é denominado
principal. Quando se fala nessa particular classificação surge um princípio muito importante
para o direito, sendo o princípio da gravitação jurídica. Por ele, a regra é a de que o bem
acessório segue o bem principal. No entanto, essa regra não é absoluta.
Os frutos são classificados como bem acessórios.
Os frutos têm origem no bem principal, mas mantêm a integridade deste último, sem
diminuir a substância ou quantidade. Classificam-se como:
Frutos naturais: ex.: frutos de uma árvore, mas mantém a inteireza da coisa principal,
no caso a árvore; frutos industriais: decorrendo de uma atividade humana. Ex.: saco de
balinhas feita por uma fábrica; frutos civis: decorrendo de uma relação jurídica econômica,
denominados de rendimentos. Ex.: aluguel é fruto para o dono do imóvel, assim como os juros
e dividendos. Quanto ao estado que normalmente se encontram os frutos, podem ser
classificados em: frutos pendentes: são os frutos que ainda não foram colhidos. Ex.: fruta que
está na árvore. Frutos percebidos: são os frutos que já foram colhidos. Frutos estantes: são os
frutos que já foram colhidos e já estão armazenados. Ex.: maçãs colhidas e que estão
armazenadas. Frutos percipiendos: são os frutos que deveriam ter sido colhidos, mas não
foram. Por fim, os frutos consumidos: são os frutos que foram colhidos e não existem
mais, pois foram consumidos.
Fruto não se confunde com produto. Produtos são bens acessórios que saem da coisa
principal, diminuindo a sua quantidade e substância. Neste ponto difere do fruto, pois este sai
da coisa principal, mas não diminui a sua substância ou quantidade. Ex.: pepita de ouro
retirado de uma mina. Explora-se a mina até que irá acabar o ouro.

2.10.2. DAS PERTENÇAS

Nos termos do art. 93 do Código Civil, são pertenças os bens que, não constituindo
partes integrantes, destinam-se, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao
aformoseamento de outro. A doutrina traz um exemplo que esclarecedor. Ex.: em uma
fazenda, o sujeito compra uma caminhonete para utilizar dentro da fazenda. Este bem é uma
pertença, pois é destinado a servir um bem principal, que é um imóvel, não perdendo a sua
individualidade e não é parte integrante desse bem.
As pertenças vieram para substituir a antiga classificação de bem imóvel por acessão
intelectual.
A regra é a de que o bem acessório segue o bem principal (gravitação jurídica),
todavia, quando se trata de pertença, essa regra não prevalece. Nota-se que o Código Civil, no
art. 94 diz que os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as
pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das
circunstâncias do caso. Assim, quando resultar da lei, da vontade manifestada, ou então, das
circunstâncias do caso, ela pode seguir o bem principal.
O STJ determinou a restituição, para o devedor fiduciário, de equipamento de
monitoração que havia sido acoplado ao caminhão apreendido por falta de pagamento do
contrato de financiamento. Segundo o colegiado, o equipamento é considerado uma pertença

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Matheus Zuliani

e, portanto, pode ser retirado do caminhão sem causar prejuízos ao bem (STJ - REsp nº
1667227/RS).

2.10.3. DAS BENFEITORIAS

Benfeitorias são bens acessórios introduzidos em um bem móvel ou bem imóvel,


visando a sua conservação, ou melhor, de sua utilidade.
Podem ser classificadas em necessárias, úteis e voluptuárias.
Benfeitorias necessárias são as que têm por finalidade conservar ou evitar que o bem
se deteriore. Ex.: reforma no telhado da casa para evitar que o telhado desabasse. As
benfeitorias úteis aumentam ou facilitam o uso ou a utilidade da coisa. Ex.: instalar grades na
janela da casa. Por fim, as benfeitorias voluptuárias são benfeitorias para mero deleite. Ex.:
piscina numa casa.
Não devemos confundir benfeitorias com acessões, visto que as primeiras são
melhorias e as últimas são incorporações.

2.10.4. DOS BENS PÚBLICOS

Os bens públicos pertencem a pessoa jurídica de direito público interno. Os bens


públicos podem ser classificados como bens de uso geral, bens de uso especial, e por fim, bens
dominicais (CC, art. 99).
Bens de uso geral, também conhecido como bem de uso comum do povo são aqueles
necessários ao uso geral do povo, sem a necessidade de uma permissão especial. Ex.: praças e
ruas, ainda que cobre pedágio. Os bens de uso especial são bens ou terrenos que são utilizados
pelo próprio estado para execução de um serviço público especial. Isto é, há uma destinação
especial àquele bem, denominado de afetação. Ex.: repartições públicas, sede da prefeitura,
etc. por último, os bens públicos dominicais são bens que fazem parte de um patrimônio
disponível da pessoa jurídica de direito público. Ex.: terras devolutas, pois não têm uma
destinação específica. Os bens dominicais podem ser convertidos em bem de uso comum ou
bem de uso especial.
Os bens de uso comum e de uso especial são inalienáveis, enquanto os bens
dominicais são alienáveis. Todavia, essa inalienabilidade não é absoluta, podendo perdê-la,
desde que haja desafetação, ou seja, que mude a destinação do bem. Na afetação, o bem
dominial passa a ser afetado a uma função. Ex.: terreno vazio passou a ser a sede da prefeitura.
Na desafetação, há a mudança da destinação do bem para a categoria de bens dominicais. Ou
seja, passam a fazer parte do patrimônio disponível da pessoa jurídica de direito público,
podendo ser alienado. Os bens públicos podem ou não ser alienáveis, a depender da
destinação ou não do bem, se há afetação ou não.
Seja qual for a espécie de bem público, nenhum deles está sujeito a usucapião (CC,
art. 102; CF, art. 183, § 3°, e súmula 340 do STF).

2.10.5. DO BEM DE FAMÍLIA

O bem de família é o imóvel utilizado como residência da entidade familiar.


No direito de família existem duas formas de prever o bem de família. Existe o bem
de família voluntário e o bem de família involuntário. O voluntário, também conhecido como
convencional, é aquele indicado pela entidade familiar. Tem previsão no art. 1.711 do Código

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Matheus Zuliani

Civil. Já o bem de família involuntário é aquele que foge a indicação da pessoa, sendo instituído
pela lei, no caso, a Lei nº 8.009/90.

2.10.5.1. DO BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO

A instituição do bem de família convencional se dará por escritura pública ou


testamento. Porém, não pode ultrapassar 1/3 do patrimônio líquido da pessoa que faz a
instituição. O bem de família convencional não revoga o bem de família legal, podendo,
inclusive, conviverem. No caso do bem de família convencional, os cônjuges devem aceitar
expressamente este benefício. Para que seja bem de família convencional, é necessário que o
bem seja imóvel, residencial rural ou urbano, e que inclua todos os bens acessórios que o
compõem.
São consequências da instituição do bem de família convencional a inalienabilidade
do imóvel; a impenhorabilidade do imóvel, e ainda, a isenção de execução por dívidas
posteriores à instituição.
Há situações em que, a despeito de o bem ser de família convencional, e ter tais
características, essas condições não prevalecerão, como em situações de dívidas anteriores à
constituição do bem de família, em casos de dívidas posteriores relacionadas a tributos
relacionados ao prédio, e ainda, com relação a dívidas de condomínio.
O art. 1.715, parágrafo único do Código Civil diz que no caso de execução dessas
dívidas, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da
dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução,
a critério do juiz.
A inalienabilidade é a regra geral do bem de família convencional, mas é possível a
alienação do referido bem se houver o consentimento dos interessados, ouvido o Ministério
Público, desde que houvesse autorização judicial.
Eventualmente, comprovada a impossibilidade de manutenção do bem de família
convencional, poderá o juiz extinguir o bem de família ou autorizar a sub-rogação real,
colocando um bem no lugar do outro para fins de bem de família convencional.
O art. 1.722 diz que se extingue, igualmente, o bem de família com a morte de ambos
os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela. Essa extinção não
impede a aplicação da proteção do bem de família legal, constante da Lei nº 8.009/90.

2.10.5.2. DO BEM DE FAMÍLIA INVOLUNTÁRIO

O art. 1º da Lei nº 8.009/90 diz que o imóvel residencial próprio do casal, ou da


entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil,
comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais
ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nessa lei.
O conceito de bem de família vem sofrendo transformações ao longo do tempo, tudo
com o objetivo de acompanhar e dar efetividade ao princípio da dignidade humana. Assim, a
jurisprudência tem ampliado seu conceito para abarcar situações que antes nem eram
cogitadas.
O bem pertencente a pessoa solteira, pode ser considerado bem de família legal. Isso
porque o conceito de família sofreu uma evolução, sendo que se considera família o lar da
pessoa solteira. Dessa forma, o STJ editou a Súmula 364 que diz que “o conceito de
impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas
solteiras, separadas e viúvas”.

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Matheus Zuliani

A vaga de garagem também recebe a proteção do bem de família, desde que não
tenha matrícula própria. Caso a vaga de garagem tenha matrícula própria, é perfeitamente
possível a sua penhora, não sendo ela considerada bem de família. É o mais recente
entendimento do Superior Tribunal de Justiça, explanado na edição da Súmula 449, que diz: “A
vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de
família para efeito de penhora”.
A pessoa que tem apenas um único bem imóvel e aluga esse bem para, com a renda
oriunda, alugar outro maior que cabe toda a família, também tem a atenção do instituto da
proteção do bem de família. Entende-se que esse bem é considerado bem de família,
insuscetível de penhora. O motivo é a tutela do patrimônio mínimo, pois a renda do único vem
encontra-se destinada a garantir as necessidades vitais mínimas da família. A Súmula 486 do
STJ, nesse sentido, assim dispõe: “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que
esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a
subsistência ou a moradia da sua família”.
A questão do contrato de fiança e da proteção do bem de família já rendeu muita
discussão doutrinária e jurisprudencial. Tanto que o STJ pacificou o tema com edição da
Súmula 549 que diz que “é válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de
contrato de locação." A Lei nº 8.009/90 também traz essa permissão quando excepciona, no
art. 3º, os casos em que não há a proteção da impenhorabilidade. No inciso VII, do art. 3º diz
que A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal,
previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido por obrigação decorrente de
fiança concedida em contrato de locação.
No entanto, é preciso ficar atento ao tipo de contrato de locação. Isso porque o STF
decidiu que se o contrato de locação foi não residencial, ou seja, comercial, não há essa
exceção, estando o bem do fiador protegido. Em outras palavras, não é possível a penhora de
bem de família do fiador em contexto de locação comercial. (STF. 1ª Turma. RE 605709/SP, Rel.
Min. Dias Toffoli, red. p/ ac. Min. Rosa Weber, julgado em 12/6/2018 (Informativo de
jurisprudência n. 906)).
Outra questão decidida pelos Tribunais Superiores foi a do bem pertencente a pessoa
jurídica na qual reside seu sócio. Na hipótese de sobrevier dívida da sociedade, esse bem não
pode ser penhorado por ser considerado bem de família. Assim, é impenhorável a residência
do casal, ainda que de propriedade de sociedade comercial, da qual os cônjuges são sócios
exclusivos. Foi o que decidiu o STJ (STJ. 4ª Turma. EDcl no AREsp 511.486-SC, Rel. Min. Raul
Araújo, julgado em 3/3/2016 (Informativo de jurisprudência n 579)).

2.11. DOS FATOS JURÍDICOS

Fato jurídico é o acontecimento, natural ou humano, que interessa ao direito,


relevância jurídica. O fato jurídico não se confunde com o ato jurídico. Esse é um fato que tem
relevância jurídica, mas com elemento volitivo e conteúdo lícito (ou ilícito). É a atuação da
vontade de alguém. O ato jurídico também pode ser ilícito, diga-se de passagem. Além do fato
jurídico e do ato jurídico existe o negócio jurídico. Negócio jurídico é um ato jurídico, com
elemento volitivo e de conteúdo lícito, mas que há composição de interesse das partes, com
finalidade específica e desejada pelas partes.
O negócio jurídico é o ponto principal da parte geral do Código Civil, uma vez que é a
base de um contrato, a base de atos familiares e nas sucessões, estando presente, também,
nas obrigações.
O ato jurídico pode ainda ser classificado com ato jurídico stricto sensu, sendo aquele
ato jurídico com elemento volitivo, ou seja, com manifestação de vontade. Todavia, essa

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Matheus Zuliani

manifestação de vontade já está pré-determinada na lei. É o caso do sujeito que adquire um


bem imóvel ou veículo. Como consequência desse ato ele terá que pagar o imposto que incide,
ou seja, no caso do bem imóvel, o IPTU, e no do bem móvel, o IPVA.
Por fim, ainda existe o ato-fato jurídico. Por esse, existe um ato ou um
comportamento humano sem vontade, mas que produziu um resultado. Carlos Roberto
exemplifica bem esse ato.

Muitas vezes o efeito do ato não é buscado nem imaginado pelo agente, mas
decorre de uma conduta e é sancionado pela lei, como no caso de uma pessoa que
acha, casualmente, um tesouro. A conduta do agente não tinha por fim imediato
adquirir-lhe a metade, mas tal acaba ocorrendo, por força do disposto no art. 1.264,
ainda que se trate de um louco (GONÇALVES, Carlos Roberto – Direito Civil
Brasileiro – volume 1 – parte geral – editora Saraiva jur).

2.11.1. DO NEGÓCIO JURÍDICO

O negócio jurídico tem origem no Código Civil alemão, trata-se de um ato ou uma
pluralidade de atos, entre si relacionados, quer sejam de uma ou de várias pessoas, que tem
por fim produzir efeitos jurídicos e modificações nas relações jurídicas no âmbito do direito
privado.
No campo dos negócios jurídicos a autonomia privada é ampla, traduz uma
declaração de vontade limitada pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, pela qual
o agente pretende livremente alcançar determinados efeitos juridicamente possíveis. Tal
situação, segundo Judith Martins, vive-se a era da autonomia solidária.
Por fim, tem-se como negócio jurídico, a manifestação da vontade através de uma
finalidade negocial, que abrange a aquisição, conservação, modificação ou extinção de direitos.
Existem doutrinadores que trazem, dentro do negócio jurídico, teorias que explicam a
natureza jurídica do negócio jurídico. Assim, entende-se que existe a teoria da declaração e a
teoria da vontade.
Pela teoria da declaração (Erklärungstheorie), afirma-se que o negócio jurídico teria a
sua essência, não na vontade interna, mas na vontade externa ou declarada. Já pela teoria da
vontade (Willenstheorie), entende-se que o núcleo essencial do negócio jurídico seria a
vontade interna, a intenção do agente. Por ela, o negócio jurídico se explica pela intenção do
agente.
A teoria adotada pelo sistema civilista é a teoria da vontade, que por sua vez, pode
ser dividida em: vontade externada e vontade interna. Via de regra, a vontade interna condiz
com a vontade exteriorizada (intenção do sujeito). Caso elas sejam destoantes poderá haver
um vício do consentimento.

2.11.1.1. CLASSIFICAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

O negócio jurídico sofre classificações.


Quanto ao número de declarantes o negócio jurídico pode ser unilateral ou bilateral.
O negócio jurídico unilateral é aquele em que há uma única manifestação de vontade, podendo
ser receptícios (destinatário deve saber para ter efeitos, como revogação de procurações) ou
não receptícios (não precisa de ciência do destinatário, como testamentos). Nos bilaterais
existem duas manifestações e vontade coincidentes sobre o mesmo objeto, o que se chama de
consentimento mútuo ou acordo de vontades, podendo ser simples (uma parte aufere

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Matheus Zuliani

vantagem) ou sinalagmáticos (vantagens recíprocas, deriva do vocábulo grego sinalagma, que


significa contrato com reciprocidade).
Quanto as vantagens patrimoniais podem ele ser gratuito ou oneroso. No gratuito
apenas uma das partes aufere vantagem ou benefício, como doação e comodato. No oneroso,
ambas as partes contratantes auferem vantagens às quais correspondem um sacrifício ou uma
contraprestação. Os onerosos podem ser comutativos (prestações certas e determinadas) ou
aleatórios (caracterizados pela incerteza, o risco é a essência do negócio). Há, ainda, os
bifrontes, que são os que podem ser onerosos ou gratuitos, segundo a vontade das partes,
como o mútuo, o mandato, o depósito. Nem todo contrato gratuito pode se tornar oneroso,
como por exemplo, a doação e o comodato, pois, nesses casos tornar-se-iam venda e locação,
respectivamente, segundo Orlando Gomes. Por fim, existem os neutros. Caracterizam-se pela
destinação do bem, possuindo, ainda, uma vinculação com bem. É o caso da cláusula de
incomunicabilidade e inalienabilidade.
Quanto ao modo de existência pode ser principal e acessório. Principal é aquele que
tem existência própria e não depende de nada para produzir seus efeitos. O acessório, por sua
vez, é aquele que tem sua existência subordinada à do contrato principal, como ocorre com a
cláusula penal, fiança, penhor e hipoteca.

2.11.1.2. TRICOTOMIA DO NEGÓCIO JURÍDICO (ESCADA PONTEANA)

A escada ponteana foi pensada e idealizada por Pontes de Miranda, nos quais o
negócio jurídico perpassa por três planos/degraus: 1º plano de existência; o 2º plano de
validade e o 3º o plano de eficácia.
No plano de existência, observam-se os elementos que conferem a possibilidade de
se chegar à validade. Diante disso, para que o negócio jurídico exista é necessário: vontade,
agente, objeto e forma.
O plano de validade visa adjetivar os elementos de existência, para assim, verificar se
o negócio jurídico é válido ou inválido. Eles se encontram no art. 104 do Código Civil, ou seja, a
vontade tem que se livre e de boa-fé; o agente necessita ser capaz; o objeto tem que ser lícito,
possível, determinado ou determinável, e por fim, a forma tem que ser aquela prescrita ou não
defesa em lei.
Uma vez violado tais requisitos, o negócio jurídico poderá ser nulo ou anulável, a
depender da situação.
Por fim, no plano da eficácia, temos os elementos acidentais, ou seja, a condição, o
termo e o encargo.
No Código Civil, nas disposições gerais do negócio jurídico, há algumas questões que
precisam ser observadas e que tratam, especificadamente, sobre os elementos de existência e
de validade do negócio jurídico.
No art. 105 do Código Civil há regramento sobre a incapacidade. Explica que a
incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra em benefício
próprio, nem aproveita aos cointeressados capazes, salvo se, nesse caso, for indivisível o
objeto do direito ou da obrigação comum.
A primeira parte do art. 105 trata do venire contra factum proprium, instituto ligado
a boa-fé objetiva das relações negociais.
Venire contra factum proprium consiste na vedação de práticas antagônicas àquelas
praticadas anteriormente pelo próprio agente. Nada mais é do que um desdobramento do
princípio da boa-fé objetiva.

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Matheus Zuliani

Também chamada de “teoria dos atos próprios” ou “proibição de comportamento


contraditório”.
No venire contra factum proprium, há uma sequência lógica de dois
comportamentos. Cada um deles, observados isoladamente, certamente se mostraria lícito;
mas eles se tornam ilícitos pela incoerência comportamental. Existe enunciado nesse sentido29.
O art. 106 do Código Civil, por sua vez, trata da impossibilidade inicial e relativa do
objeto. Assim, a impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa,
ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado. Desta forma, entende
a doutrina que para macular o negócio jurídico a impossibilidade do objeto deve ser absoluta,
ou seja, não ligada ao declarante, mas sim, a todas as pessoas que possam ter alguma relação
com tal objeto.
Sobre a vontade e a forma, o Código Civil explica, no art. 107 que a validade da
declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a
exigir. De acordo com Anderson Shreiber, “forma do negócio jurídico é o meio através do qual
o agente exprime a sua vontade” (Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência –
Editora Gen). Diante disso, o Código Civil diz que a regra, no negócio jurídico, é a do ato não
solene. No entanto, quanto à lei exigir o negócio jurídico passa a ser um ato solene, onde a
desobediência da forma macula a validade do ato. Cite-se como exemplo a compra e venda de
uma casa, em uma cidade do interior, localizada no bairro mais pobre. Se essa casa tiver o
valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), o negócio jurídico de compra e venda envolvendo-a
pode ser feito por instrumento particular. Isso porque o Código Civil, no art. 108, diz que “não
dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos
que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre
imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”. Se superasse
30 salários a compra e venda deveria ser por escritura pública, ou seja, um ato solene (formal).
No entanto, é importante constar que, nesse negócio envolvendo essa casa de R$
20.000,00, se as partes fizerem constar no contrato que o negócio não tem validade se não for
feito por escritura pública, passa a ser essa forma a substância do ato. Assim, o art. 109 do
Código Civil explica que “No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem
instrumento público, este é da substância do ato”.
O art. 110 do Código Civil traz a reserva mental. A redação do dispositivo legal expõe
que “a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de
não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”. A pouco, em
comentário supra, dizemos que o Código Civil, no âmbito do negócio jurídico, adotou a teoria
da vontade, onde a intenção manifestada interessa para o negócio. Assim, mesmo que o
agente manifeste uma vontade não condizente com a vontade desejada, esse negócio existe e
será válido. Para a doutrina, quando a outra parte, aquela que recebe a declaração de
vontade, conhece dessa divergência entre a vontade querida e a vontade externada, o negócio
passa a ter um vício na sua existência, sendo considerado um negócio jurídico inexistente.
Sobre o silêncio como manifestação de vontade, o Código Civil, no art. 111 explica
que O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de vontade expressa. Nesse sentido, o silêncio, como regra, não
produz vontade. Ele apenas passa a ser considerado uma manifestação de vontade quando as
circunstâncias ou os usos o autorizarem, e ainda, desde que não seja necessária a declaração
de vontade expressa.

29
Enunciado 362 da IV Jornada de Direito Civil: “a vedação do comportamento contraditório (Venire contra factum
proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos art. 187 e 422 do Código Civil”

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Matheus Zuliani

No que concerne a interpretação do negócio jurídico, o Código Civil traz três regras
importantes.
A primeira encontra-se no art. 112 do Código Civil que diz que “nas declarações de
vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da
linguagem”. Isso significa que, precisando o negócio jurídico de uma interpretação, buscará a
solução no que pretendiam as partes quando da celebração do negócio. Busca-se a essência do
negócio na visão dos personagens. Mais uma vez é o Código Civil sinalizando pela adoção da
teoria da vontade.
A segunda, por sua vez, está no art. 113 do Código Civil, que recentemente
experimentou uma modificação advinda da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica
(Lei nº 13.874/2019). Assim dispõe o art. 113 do Código Civil: “os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Nota-se que a boa-fé
objetiva é um elemento interpretativo do negócio jurídico, impondo um comportamento leal,
probo, baseado na confiança. Nesse sentido, entende-se que a interpretação deve levar em
conta o comportamento das partes após a celebração do contrato, obedecendo as práticas
costumeiras para aquele negócio, sem, contudo, se depreender da boa-fé, e ainda, ser mais
benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável (CC, art. 113, § 1º).
Além disso, o Código Civil permitiu que as partes trouxessem para o negócio critérios
e regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos
diversas daquelas previstas em lei (CC, art. 113, § 2º).
A terceira e última regra de interpretação diz respeito aos negócios jurídicos
benéficos e a renúncia. Nessas duas modalidades o negócio jurídico deve ser interpretado
estritamente, ou seja, aquela interpretação que se revela menos ampla (CC, art. 114). Isso
acontece porque nessa modalidade de negócio a parte, em regra, já não aufere qualquer
vantagem, não podendo, ainda, sofrer uma interpretação extensiva.

2.11.2. VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

O negócio jurídico nasce para ser perfeito e produzir efeitos jurídicos desejados entre
as partes. No entanto, pode ocorrer que, em razão de uma mácula nesse negócio, passe ele a
ser considerado viciado, e assim, podendo ser anulado ou declarado nulo, a depender do vício
apresentado.
Os vícios, também conhecidos como defeitos do negócio jurídico, podem ser
classificados em vícios do consentimento ou vícios sociais.
Vícios do consentimento são aqueles em que a manifestação de vontade interna do
agente não condiz com a manifestação externada ao outro negociante. Já o vício social consiste
naquele em que a manifestação de vontade querida pelo agente é a mesma externada,
contudo, praticada com o intuito de prejudicar terceiros.
São vícios do consentimento o dolo, o erro, o estado de perigo, a lesão e a coação.
Por sua vez, são vícios sociais a fraude contra credores e a simulação.

2.11.2.1. DO ERRO OU DA IGNORÂNCIA

A legislação brasileira não diferencia o erro da ignorância, embora a doutrina


costume dizer que o erro é uma falsa representação positiva da realidade, ao passo que a
ignorância traduz um estado negativo de desconhecimento.
O erro consiste numa falsa representação da realidade ou o próprio agente se faz
enganar, sem perceber o erro.

59
Matheus Zuliani

Segundo a doutrina clássica de Clóvis Beviláqua, para que haja invalidação do negócio
jurídico, é necessário que o erro seja essencial ou substancial. Nessa perspectiva, erro
essencial/substancial é o que recai sobre circunstâncias e aspectos relevantes do negócio
jurídico. É a causa determinante, ou seja, a causa que se fosse conhecida no momento da
realização do negócio jurídico, o mesmo não seria celebrado (CC, art. 139). Outra espécie de
erro é o acidental o qual não invalida o negócio jurídico. Ele se opõe ao erro substancial, uma
vez que se refere a circunstâncias de menos importância e que não acarretam efetivo prejuízo,
ou seja, qualidades secundárias do objeto ou da pessoa. Significa que mesmo tendo que
conhecida do sujeito, o negócio seria celebrado.
Pense o caso de Manuel que deseja comprar um lote em um condomínio horizontal
fechado. Ao sentar com o vendedor escolhe o lote 2, da quadra “a” porque fica ao lado do
parquinho, já que possui dois filhos pequenos. No entanto, ao celebrar o contrato e escolher o
lote no mapa, acaba por selecionar o lote 2 da quadra “d”, que fica bem distante do parquinho
e ao lado da portaria. O lote da quadra “a” é mais caro, tendo Manuel pago preço. Nesse caso,
estamos diante de um erro essencial.
Quando se fala em erro, a doutrina clássica exigia que o erro deveria ser essencial e
escusável. O erro escusável, também conhecido como perdoável, é aquele em que qualquer
pessoa de mediana prudência incidiria. É o erro que qualquer pessoa poderia cometer. O erro é
perdoável, qualquer um cometeria.
Seguindo tendência moderna, o enunciado 12, da 1ª Jornada de Direito Civil30,
sustenta, à luz do princípio da confiança, ser dispensável a escusabilidade para a caracterização
do erro. Assim, para a doutrina mais modera, deve exigir-se que o erro seja essencial, mas não
que seja escusável. Basta que o erro seja essencial. Não precisa ser escusável, desculpável,
inevitável.
O Código Civil admite o erro de direito, como se nota do art. 139, III, desde que não
implique recusa a aplicação da lei, ou então, for o único motivo ou principal motivo do negócio
jurídico. O erro de direito é o equívoco sobre a regra que disciplina o negócio jurídico que se
está celebrando. Ele não se confunde com o total desconhecimento da lei.
Dispõe o art. 140 do Código Civil que O falso motivo só vicia a declaração de vontade
quando expresso como razão determinante. Também chamado de erro de motivos. Os motivos
do negócio jurídico não interessam para formação deste, via de regra. Se a pessoa vende uma
casa, o motivo pelo qual ela vende essa casa não interessa para o direito. Entretanto, se o
motivo constituir expressamente como razão essencial do negócio, e ainda, for falso, ele viciará
o negócio celebrado. Por exemplo, a pessoa faz uma doação ao sujeito porque este
supostamente lhe salvou a vida e posteriormente descobre que não é verdade. O motivo da
doação é o salvamento. Por ser um motivo falso, e ainda, que constou no negócio como razão
determinante da doação, pode levar a invalidade do negócio celebrado.
O Código Civil ainda permite que se anule por erro a transmissão errônea da vontade.
O art. 141 do Código Civil explica que “a transmissão errônea da vontade por meios
interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta”. Se o declarante não
se encontra na presença do declaratório, valendo-se de interposta pessoa (mensageiro) ou de
um meio de comunicação (fax, telégrafo, e-mail) e a transmissão da vontade, não se faz com
fidelidade, estabelecendo-se uma divergência entre o querido e o que foi transmitido
erroneamente (mensagem truncada), caracteriza-se o vício que torna anulável o negócio
jurídico.

30
I Jornada de Direito Civil – enunciado 12: “Na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro,
porque o dispositivo adota o princípio da confiança”.

60
Matheus Zuliani

Por fim, o Código Civil permite que o negócio jurídico errôneo possa ser convalidado
(CC, art. 144). Desta forma, se a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para
executá-la em conformidade da vontade real do manifestante, o erro fica superado,
convalidando-se o negócio jurídico, tornando-se válido.

2.11.2.2. DO DOLO

O dolo é o vício do negócio jurídico em que o contratante se vale de qualquer meio


para induzir ou manter alguém em erro na prática de um ato jurídico.
O dolo é classificado em dolo principal, dolo acidental, dolus bonus, dolus malus, dolo
positivo (comissivo), omissivo (negativo), dolo do representante, dolo de terceiro, dolo
unilateral, e por fim, dolo bilateral.
Dolo principal consiste naquele em que o engodo centra-se na causa determinante
do negócio jurídico. Encontra previsão no art. 145 do Código Civil. O negócio se realizou
somente por que houve o dolo de umas das partes. Já o dolo acidental é o que se concentra
em elementos acessórios, circunstanciais no negócio jurídico. Mesmo que previsto o negócio
jurídico se realizaria, contudo, não da forma que foi feito. É o que dispõe o art. 146 do Código
Civil, segunda parte. O exemplo é contrato de permuta em que uma das partes induz em erro a
questão dos valores. Pelo fato de que o negócio seria realizado de qualquer forma é que este
dolo não anula o negócio jurídico gerando, apenas, perdas e danos.
Dolus bonus é o dolo tolerável, destituído de gravidade suficiente para viciar a
manifestação da vontade. Essa modalidade é muito comum no comércio, principalmente em
publicidade. Já o dolus malus é o revestido de gravidade, sendo exercido com o propósito de
ludibriar e de prejudicar. Podem consistir em atos, palavras e até mesmo no silêncio maldoso.
Essa espécie vicia o consentimento.
Dolo omissivo é o engodo praticado pelo silêncio, quando a parte tinha obrigação de
alertar sobre determinado fato relevante. Tem previsão no art. 147 do Código Civil. Já o dolo
comisso é aquele materializado por ações maliciosas.
O dolo de terceiro é aquela artimanha para enganar uma pessoa a fazer um negócio
malfeito com uma terceira pessoa, que se beneficia do ato. O dolo de terceiro somente tem o
condão de anular o negócio jurídico se o terceiro beneficiado tivesse devesse ter conhecimento
do engodo. Caso não tenha esse conhecimento, resta ao contratante enganado apenas perdas
e danos contra o que praticou a artimanha.
O dolo do representante não é igual ao dolo de terceiro. O representante age se fosse
a própria parte. A questão está tratada no artigo 149 do CC, e faz uma diferenciação entre
representante legal e representante convencional. Na representação legal, o representado
responde civilmente até importância do proveito que teve. Não somente, em se tratando de
representante convencional, acarretará a responsabilidade solidária do representado. Com
isso, terá o representado direito a ação regressiva contra o representante.
Por fim, temos o dolo unilteral e o bilateral. Dolo unilateral é o dolo de uma das
partes. O dolo bilateral, noutro giro, é o dolo praticado por ambas as partes. Esse está regulado
no artigo 150 do CC que traz que “se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode
alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização”. O dolo bilateral é reflexo do brocardo
jurídico de que ninguém pode se beneficiar da própria (Nemo auditur propriam turpitudinem
allegans).

61
Matheus Zuliani

2.11.2.3. DA COAÇÃO

Coação é toda ameaça ou pressão injusta exercida sobre um indivíduo para forçá-lo,
contra sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio. O que caracteriza é o emprego
da violência psicológica para viciar a vontade. Não é a coação em si um vício, mas o temor que
ela inspira, tornando defeituosa a manifestação de vontade de querer do agente.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a coação é o vício mais grave e profundo que
pode afetar o negócio jurídico.
Dispõe o artigo 151, do Código Civil que:

A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente
fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos
seus bens. Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do
paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.

Assim, nem toda ameaça configura a coação como vício, a não ser que tenha os
seguintes requisitos: causa determinante + grave + injusta + dizer respeito a dano atual ou
iminente + constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima ou pessoa de sua
família.
A coação não é apreciada em juízo abstrato (critério do homem médio), mas em uma
análise concreta da condição da vítima, como se verifica dos elementos a serem analisados no
art. 152 do Código Civil, in verbis: “No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a
condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam
influir na gravidade dela”.
A coação pode ser absoluta (física), relativa (moral), sobre a pessoa e de sua família,
sobre os bens da pessoa, e por fim, sobre pessoa diversa da família.
A coação absoluta, também conhecida como vis absoluta, é aquela que a vantagem
decorre de violência física. Trata-se na hipótese de negócio jurídico inexistente, por ausência
de manifestação de vontade. Pense no caso em que se pega a mão da velhinha e força a
assinatura de um cheque. A relativa, que pode ser denominada de vis compulsiva, é a que
torna o negócio anulável. Neste caso, deixa-se opção de escolha à vítima: praticar o ato ou
correr o risco. Trata-se de uma coação psicológica. Nesse caso, aponta-se uma arma para a
pessoa e manda que ela assine o cheque. São casos diversos.
A coação pode ser ainda contra a própria pessoa, seus familiares, ou então sobre os
seus bens. Quando a coação é exercida sobre uma pessoa que não pertence à família do
contratante, é preciso analisar as circunstancias do caso. Nessa hipótese, é o juiz quem vai
fazer essa análise, verificando se aquela pessoa ameaçada é relevante para o coagido ao ponto
de causar nele um grave temor de dano.
Na coação, é preciso ressaltar que nem o temor reverencial e nem o exercício regular
de um direito, caracterizam vício do negócio jurídico. Dispõe o art. 153 do Código Civil que
“não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor
reverencial”. Temor reverencial é o respeito à autoridade instituída (é a autoridade reconhecida
pela vítima). Isso não caracteriza coação. Pablo Stolze, Juiz do TJBA e professor de Direito Civil,
dá o seguinte exemplo: “pai de sua noiva, no início de namoro, pede R$ 10.000,00 emprestado
e diz “você confia em mim, não é?”– Você empresta sem pestanejar para não desagradar o
sogrinho. Porém, isso não caracteriza coação, mas mero temor reverencial”. O exercício regular
de um direito, ato lícito pelo Código Civil, também não gera coação. Se alguém lhe ameaça
inscrever seu nome nos órgãos de proteção ao crédito porque você não paga a dívida, isso não
pode ser considerado uma coação, mas sim, o exercício regular de um direito.

62
Matheus Zuliani

A coação exercida por terceira pessoa tem previsão no art. 154 do Código Civil, in
verbis: “vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter
conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por
perdas e danos”. Todavia, o negócio subsiste se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte
a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento, todavia, o autor da coação
responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto (CC, art. 155).
Desse modo, prevalece o princípio da boa-fé e a tutela da confiança da parte que
recebe a declaração de vontade. É importante se atentar para o caso de que nos atos
unilaterais, como testamentos e promessa de recompensa, a coação de terceiro continuará
ensejando sempre anulação, uma vez que ali não existem “partes”, mas sim, agentes e
terceiros que se dirigem a declaração de vontade.

2.11.2.4. DO ESTADO DE PERIGO

O estado de perigo é um vício do negócio jurídico que não existia no Código Civil de
1916.
Dispõe o art. 156 do Código Civil que “configura-se o estado de perigo quando
alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano
conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”.
O Estado de perigo é a situação de extrema necessidade (conhecido pela parte
contrária) que conduz uma pessoa a celebrar negócio jurídico em que assume obrigação
desproporcional e excessivamente onerosa. O exemplo clássico é do náufrago que doa seu
patrimônio para ser salvo.
O professor Carlos Roberto Gonçalves ensina que a anulabilidade do negócio jurídico
celebrado mediante estado de perigo encontra justificativa em diversos dispositivos do novo
código civil, principalmente, naqueles que consagram os princípios da boa-fé e da probidade, e
ainda, condiciona o exercício da liberdade de contratar a função social do contrato (artigos 421
e 422 do CC).
Há que se mencionar, ainda, os dizeres de Teresa Ancona Lopez:

evidentemente se o declarante se aproveitar da situação de perigo para fazer um


negócio vantajoso para ele e muito oneroso para outra parte, não há como
agasalhar tal negócio. Há uma frontal ofensa à justiça comutativa que deve estar
presente em todos os contratos.

Ao estudar o estado de perigo nota-se que o Código Civil não tratou, de forma
expressa, da possibilidade de se convalidar o negócio, a exemplo do que faz com a lesão.
Assim, a doutrina entendeu que a mesma situação prevista no art. 157, §2º do Código Civil,
tem incidência, por analogia, no caso de estado de perigo. Dispõe o no art. 157, §2º do Código
Civil que: “não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou
se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”. Nesse mesmo sentido foi editado
o Enunciado 158 da Jornada de Direito Civil31.
Da mesma forma que a coação, é possível que uma pessoa, sob a premente
necessidade de salvar alguém que não é da família, assume prestação onerosa. Seguindo o
mesmo raciocínio, o Código Civil, no art. 156, parágrafo único, diz que, em se tratandode
pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
Portanto, fica ao crivo do Magistrado o decreto do negócio viciado ou não.

31
Enunciado 148 da III Jornada de Direito Civil: “Ao "estado de perigo" (art. 156) aplica-se, por analogia, o disposto
no § 2º do art. 157”.

63
Matheus Zuliani

Por fim, no estado de perigo é preciso que haja um requisito indispensável, qual seja,
o dolo de aproveitamento. Consiste no fato de uma das partes se aproveitar da outra para levar
vantagem, enquanto a outra experimenta prejuízo. O dolo de aproveitamento deve ser aferido
no instante da realização do contrato. Se posteriormente à sua subscrição a parte descobre que
está levando vantagem enquanto a outra experimenta prejuízo não se pode pleitear a anulação
pelo vício do negócio jurídico.

2.11.2.5. DA LESÃO

Igual ao estado de perigo, o instituto da lesão não tinha previsão no Código Civil
antigo. É inovação. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por
inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação
oposta. Lesão é, assim, o prejuízo resultante da enorme desproporção existente entre as
prestações de um contrato no momento de sua celebração, determinada pela premente
necessidade ou inexperiência de uma das partes. Dessa forma, não se contenta a lei com
qualquer desproporção, mas sim a manifesta.
O objetivo é reprimir a exploração usurária de um dos contratantes com o outro, que
não precisa ser de conhecimento da parte contrária, ao contrário do estado de perigo, que
exige o conhecimento da parte contrária.
O CC de 2.002 adotou a lesão especial ou lesão enorme, na qual apenas se verifica a
vantagem exagerada ou desproporcional, não se indagando a má-fé ou ilicitude do
comportamento da parte contrária (dolo de aproveitamento). O nosso código, neste caso, não
está preocupado em punir o sujeito, mas em proteger o lesado. Veja que a doutrina entende
que há dolo de aproveitamento para o estado de perigo, mas não para a lesão. Nesse sentido
foi editado o Enunciado 150 da Jornada de Direito Civil32.
Em suma: Ocorre lesão quando por premente necessidade ou por inexperiência,
obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
A desproporção das prestações será apreciada segundo os valores vigentes ao tempo
em que foi celebrado o negócio jurídico, conforme consagra o art. 157, § 1º do Código Civil.
O Código de Defesa do Consumidor trata a lesão como causa de nulidade absoluta do
negócio (arts. 6º, V; 39, V; e 51, IV, todos do Código de Defesa do Consumidor).
Por fim, é importante fazer a distinção entre a lesão e a onerosidade excessiva. A
diferença é que na lesão o negócio jurídico já nasce viciado, enquanto no caso da teoria da
imprevisão não. Na lesão o vício é congênito. Ao contrário da teoria da imprevisão, onde o
contrato nasce válido, e devido ao fato imprevisível e inevitável, que altera substancialmente a
base do contrato, acaba por tornar a prestação excessivamente onerosa para uma das partes. A
saída encontrada pelos protagonistas é a revisão do contrato (CC, art. 479), ou até mesmo a
extinção do negócio, essa como última medida. A resolução por onerosidade excessiva
encontra-se regulamentada no art. 478 do Código Civil33.

32
III Jornada de Direito Civil – enunciado 150: “A lesão de que trata o art. 157 do Código Civil não exige dolo de
aproveitamento”.
33
Art. 478. “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar
excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à
data da citação”.

64
Matheus Zuliani

2.11.2.6. DA FRAUDE CONTRA CREDORES

A fraude contra credores é um vício social do negócio jurídico passível de


anulabilidade.
Os defeitos do negócio jurídico como erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo,
podem ser discutidos como questões principais no processo através de uma ação anulatória,
ou então, até mesmo de forma incidental. Por via incidental, hipoteticamente, poderia ocorrer
na hipótese de alguém ajuizar ação de adimplemento contratual (questão principal), e parte
contrária, em sua defesa, alegar algum vício social quando da celebração do contrato(questão
incidental).
Por outro lado, quando falamos em fraude contra credores, tem-se o manejo de uma
ação própria, denominada de Ação Pauliana, também denominada de Ação Revocatória, que
tem o mesmo sentido de uma ação anulatória. Todavia, neste caso, não é possível suscitar a
fraude contra credores por via incidental.
Notadamente, a referida ação pauliana de origem romana, foi idealizada pelo
jurisconsulto chamado Paulo, tendo como razão de ser a nomenclatura “ação pauliana”.
Esse instituto jurídico encontra-se previsto nos artigos 158 ao 165 do Código Civil, e
trata-se de um ato de disposição patrimonial pelo devedor com objetivo de prejudicar o credor.
Colocando-se em estado de insolvência.
Nesse contexto, temos na doutrina alemã um binômio que rege as relações
obrigacionais, denominados de schuld – débito e haftung – responsabilidade patrimonial.
Significa, portanto, que quando o sujeito contrai uma obrigação na condição de devedor, a
partir do fenômeno “vínculo obrigacional” origina o binômio schuld e haftung.
Schuld, portanto, é uma relação estática do direito civil, quem detém o débito, é o
devedor. O haftung, por sua vez, constitui uma relação dinâmica do direito processual civil e,
portanto, trata-se da responsabilidade patrimonial. No campo do Processo Civil, este se revela
através do princípio da patrimonialidade, pois, em caso de não cumprimento da obrigação pelo
devedor, este responderá com seu patrimônio.
Conforme doutrina clássica, para a comprovação da fraude contra credores é preciso
demonstrar o elemento objetivo e o elemento subjetivo. O elemento objetivo consiste na
diminuição ou esvaziamento do patrimônio do devedor, até a sua insolvência. É também
denominado de eventus damni. Por sua vez, o elemento subjetivo é a intenção maliciosa do
devedor de causar o dano. Também chamado de consilium fraudis. Todavia, recentemente o
STJ34 entendeu que na fraude contra credores não precisa mais da prova do elemento subjetivo
(consilium fraudis), ou seja, conluio fraudulento, basta que se comprove a quatro elementos I
anterioridade do crédito/ II – prejuízo/ III – redução da insolvência/ IV – conhecimento do
terceiro.
Existe na doutrina e na jurisprudência uma discussão acerca da consequência do
reconhecimento da fraude contra credores. É pacífico que todos os vícios do negócio jurídico
levam a anulação, com exceção da simulação, que é um negócio nulo. Cresceu na doutrina e na
jurisprudência a tese de que o reconhecimento da fraude gera a ineficácia do negócio.
Portanto, provado pelo credor os requisitos, a alienação será ineficaz em relação ao credor,
considerando-se como se nunca tivesse produzido efeitos. Estenderam à fraude os mesmos
efeitos da fraude à execução, institutos que não se confundem.

34
STJ - REsp nº 1294462/GO.

65
Matheus Zuliani

Na fraude à execução há uma diminuição patrimonial do devedor para reduzir-se à


insolvência, com alienação de bens no curso do processo. Além de prejudicar o credor é,
também, considerado um ato atentatório a dignidade da justiça. Para a sua configuração basta
a alienação do bem, nas hipóteses do artigo 792 do Código de Processo Civil.
Para finalizar o tema da fraude contra credores, é importante tecer comentários
acerca da legitimidade passiva da ação paulina.
A legitimidade passiva (quem responde na Pauliana) é em face do devedor
insolvente, da pessoa que com ele contratou e, eventualmente, do terceiro de má-fé (art. 161,
ver também REsp. 242.151, MG). Haverá um litisconsórcio passivo necessário entre os
legitimados passivos.
Se o bem estiver com terceiro de boa-fé que o adquiriu sem ter ciência da fraude o
credor terá de buscar outros meios de ressarcimento.
Não se pode alegar a fraude contra credores em sede de embargos de terceiros. É o
disposto na súmula 195 do STJ35. Por quê? Porque nessa ação falta a presença do vendedor do
bem, justamente aquele que praticou o negócio fraudulento, o Ou seja, o devedor insolvente.
O devedor vende seu bem a um terceiro. O credor consegue a penhora desse bem. O
comprador do bem entra com embargos de terceiro contra o credor que penhorou e não
coloca o devedor vendedor no polo passivo. Como discutir se ele praticou fraude se não consta
do processo? É esse o motivo pelo qual não se discute fraude contra credores em embargos de
terceiro.

2.11.2.7. DA SIMULAÇÃO

A simulação consiste em um vício social, ou seja, sempre visa prejudicar uma terceira
pessoa, ainda que não definida, enquanto na fraude contra credores a investida fraudulenta é
destinada a prejudicar o credor. Na simulação, ao contrário, o prejudicado pode não se
nominado, não se tratando de uma vítima especifica. No CC/16 era causa de anulabilidade; no
CC/2.002 passa a ser tratada como causa de nulidade absoluta do negócio jurídico.
Na simulação celebra-se um negócio jurídico aparentemente normal, mas que, em
verdade, não pretende atingir o efeito que juridicamente deveria produzir. Por essa razão, a
simulação será sempre bilateral, na qual, “A” e “B”, por exemplo, em conluio para enganar “C”
ou fraudar a lei.
Há duas espécies de simulação, a absoluta e a relativa. Na simulação absoluta as
partes não realizam qualquer ato, apenas fingem na criação de um negócio que não existe. Na
simulação relativa as partes pretendem realizar negócio jurídico prejudicial a terceiro ou para
fraudar a lei, mas realizam um diverso “simulado” para ocultar o “dissimulado”, oculto, mas
verdadeiramente desejado.
É o caso da velhinha e da cuidadora. A velhinha prometeu doação da casa em que ela
morava para sua cuidadora se ela cuidasse dela até o fim da vida. Passou uma procuração para
ela fazer a doação. A cuidadora, se valendo da procuração, faz uma escritura de compra e
venda com a própria filha, representando a velhinha. O negócio simulado é nulo, mas o
dissimulado pode ser válido se for na substância e na forma36.

35
Súmula 195 do STJ: “Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores”.
36
Autos n. 0702397-17.2017.8.07.0004 – sentença proferida Juiz Matheus Stamillo Santarelli Zuliani 11/12/2019.

66
Matheus Zuliani

Sobre a simulação relativa, existe enunciado da Jornada de Direito Civil sobre o


tema37.
Por fim, a doutrina ainda fala em simulação inocente. Tal modalidade era prevista no
código civil de 1916 e tratava-se de uma simulação desprovida de intenção de prejudicar
terceiros ou violar a lei. Essa modalidade não se aplica mais, uma vez que qualquer simulação é
nula.

2.11.3. INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

Quando se fala em invalidade do negócio jurídico se fala em nulidade (nulidade


absoluta) ou anulabilidade (nulidade relativa).
Todos os vícios do negócio jurídico levam a anulação, com exceção da simulação,
conforme visto acima, que leva a nulidade.
A Nulidade é a sanção imposta pela lei aos atos e negócios jurídicos realizados sem
observância dos requisitos essenciais, impedindo-os de produzir os efeitos que lhes são
próprios. Ofendem preceitos de ordem pública que interessam à sociedade, ou seja, o
interesse público é lesado.
A nulidade pode ser absoluta ou relativa. Enquanto a nulidade absoluta ofende as
normas de ordem pública, a nulidade relativa ofende norma de interesse particular. A nulidade
absoluta não se convalida nunca, enquanto a relativa pode ser convalidada por vontade das
partes. O juiz pode conhecer de ofício de uma nulidade absoluta, no entanto, tal atitude não
pode ser tomada diante de uma nulidade relativa.
Para se postular o reconhecimento de uma nulidade absoluta é preciso o manejo de
uma ação declaratória de nulidade, e, como o nome mesmo sugere, sua natureza é de ação
declaratória. A nulidade relativa é reconhecida por meio de ação anulatória, possuindo efeito
desconstitutivo. A sentença declaratória, efeitos ex tunc, isso é, retroativos, enquanto na
sentença desconstitutiva (ou constitutiva negativa) o Juiz desfaz o negócio jurídico, produzindo
efeitos ex nunc (não retroativos). Não obstante tal posição, a jurisprudência tem reconhecido o
efeito retroativo também para a ação anulatória, retornando as partes ao estado anterior. Por
fim, podem ajuizar ação declaratória o Ministério Público ou qualquer interessado, enquanto a
ação anulatória somente pode ser ajuizada pelo interessado no reconhecimento.
Para finalizar a questão das ações cabíveis, é preciso mencionar a questão do prazo
para o manejo.
Enquanto a ação declaratória de nulidade é imprescritível, a ação anulatória pode ser
ajuizada em 2 (dois) anos ou em 4 (quatro) anos, a depender do defeito.
Consoante dispõe o art. 179 do Código Civil, quando a lei dispuser que determinado
ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a
contar da data da conclusão do ato.
Todavia, quando se tratar de defeitos do negócio jurídico, o prazo é de 4 (quatro)
anos, podendo ter termos iniciais distintos. Assim, no caso de coação, o termo inicial é do dia
em que ela cessar (CC, art. 178, I). Na hipótese de erro, dolo, fraude contra credores, estado de
perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico (CC, art. 178, II). Por fim, no de
atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade (CC, art. 178, III).

37
Enunciado 153, da III Jornada de Direito Civil: “Na simulação relativa, o negócio simulado (aparente) é nulo, mas o
dissimulado será válido se não ofender a lei nem causar prejuízos a terceiros”.

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Matheus Zuliani

O negócio jurídico é nulo, conforme art. 166 do Código Civil, quando celebrado por
pessoa absolutamente incapaz; quando for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
quando o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; quando não revestir a
forma prescrita em lei; quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial
para a sua validade; quando tiver por objetivo fraudar lei imperativa, e por fim, quando a lei
taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Embora se tenha dito que o negócio jurídico nulo não aceita convalidação, não se
pode deixar de mencionar o instituto da conversão substancial.
A conversão substancial consiste na possibilidade de convalidação de um negócio
nulo em um válido, desde que contenha os requisitos de outro negócio, subsistindo este, e
ainda, que se possa presumir que era a intenção das partes, se houvessem previsto a nulidade.
É o que vem expresso no art. 170 do Código Civil. Não se confunde com a convalidação livre da
anulabilidade, com previsão no art. 172 do Código Civil, em que as partes por livre vontade
convalidam o negócio anulável.

2.11.4. DA REPRESENTAÇÃO

O Código Civil traz um capítulo sobre o negócio jurídico concluído por meio da
representação.
É importante constar que os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo
interessado. Assim, a manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus
poderes, produz efeitos em relação ao representado (CC, art. 116).
O contrato consigo mesmo, também conhecido na doutrina como autocontrato, tem
regulamentação no art. 117 do Código Civil. Dispõe tal dispositivo legal que “salvo se o permitir
a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou
por conta de outrem, celebrar consigo mesmo”. Dessa forma, o representante só pode fazer
contrato consigo mesmo (de um lado ele e do outro ele representando terceiro) quando a lei
ou quando o próprio representado der poderes específicos para tanto.
Alguns entendem que essa modalidade de contrato não tem validade. Silvio de Salvo
Venosa escreveu que:

Para muitos, o chamado autocontrato é vedado, ainda que o ordenamento não o


faça expressamente, porque faltaria o essencial acordo de vontades: uma única
vontade se imporia no negócio, podendo trazer enorme prejuízo ao mandante. (...)
verificamos que, para a configuração dos ditos autocontratos é essencial que o
negócio jurídico seja concluído por meio do representante (Cavalcanti, 1983:1).

Já Carlos Roberto Gonçalves defende a validade, desde que não haja conflito de
interesses, sendo essa a melhor posição a ser adotada. Assim, o Desembargador do TJSP, disse:

É de se supor que, malgrado a omissão do novo diploma, a jurisprudência


continuará exigindo a ausência do conflito de interesses, como condição de
admissibilidade do contrato consigo mesmo, como vem ocorrendo. O
supratranscrito parágrafo único do art. 117 do novo Código trata de hipótese em
que também pode configurar-se o contrato consigo mesmo de maneira indireta, ou
seja, quando o próprio representante atua sozinho declarando duas vontades, mas
por meio de terceira pessoa, substabelecendo-a para futuramente celebrar negócio
com o antigo representante. Ocorrendo esse fenômeno, tem se como celebrado
pelo representante o negócio realizado por aquele em que os poderes houverem
sido substabelecidos.

68
Matheus Zuliani

Por fim, é anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses


com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou
(CC, art. 119). Essa ação deve ser ajuizada no prazo de 180 dias a contar da conclusão do
negócio ou da cessação da incapacidade.

2.11.5. DA CONDIÇÃO, DO TERMO E DO ENCARGO

Condição, termo e encargo são denominados de elementos acidentais do negócio


jurídico. Recebem essa denominação porque podem ou não constar do negócio jurídico, a
depender da vontade das partes. Eles estão relacionados a eficácia do negócio jurídico.

2.11.5.1. DA CONDIÇÃO

A condição é um acontecimento futuro e incerto de que depende a eficácia do


negócio jurídico. Estabelece o artigo 121, do Código Civil que “considera-se condição a cláusula
que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a
evento futuro e incerto”.
A condição como elemento acidental deve-se derivar exclusivamente pela vontade
das partes, pois, se imposta pela lei, não se trata da condição que estamos analisando. A
expressão “exclusivamente da vontade das partes”, mesmo mencionada à palavra “partes”, no
plural, poderá ser imposta unilateralmente. Por exemplo, “te dou um carro se você for
aprovado no vestibular do final do ano”.
São elementos da condição a voluntariedade, futuridade e a incerteza. A
voluntariedade é a que permite que as partes possam instituir a cláusula e não a lei, sob pena
de se ter conditio iuris. A Futuridade exige que o objeto da condição seja ser futuro, não
podendo versar sobre fatos passados ou presentes. Se assim tratar serão considerados
condições impróprias. Por exemplo, “prometo certa quantia se o bilhete for premiado. E nesse
caso o sorteio foi ontem”. Por fim, a incerteza é algo que não se sabe se vai acontecer.
A condição pode ser classificada de diversas formas.
Quanto à licitude, elas podem ser lícitas ou ilícitas. São lícitas, em geral, todas as
condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições
defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro
arbítrio de uma das partes (CC, art. 122). As ilícitas, noutro sentido, são as que invalidam o
negócio jurídico que lhes são subordinados. Elas podem ser ilícitas ou de fazer coisa ilícita. A
condição ilícita invalida o negócio jurídico de forma integral.
Quanto à fonte podem ser causais, potestativas ou mistas. São causais as que
decorrem de fato alheio à vontade das partes, mesmo que decorra da vontade de terceiro. Por
exemplo, “te dou dinheiro se chover amanhã”. As potestativas Decorrem da vontade ou do
poder de uma das partes. Podem ser elas puramente potestativas ou simplesmente
potestativas. As puramente Potestativas sujeitam os efeitos do negócio jurídico ao puro arbítrio
de uma das partes. É a cláusula si voluero (se me aprouver). O artigo 122 inclui como condição
defesa, ou seja, vedada pelo ordenamento. As simplesmente potestativas são admitidas por
dependerem não só da manifestação de vontade de uma das partes como também de algum
acontecimento ou circunstância exterior que escapa do controle da parte. As mistas, por seu
turno, dependem da vontade das partes e de um terceiro ao mesmo tempo. Por exemplo, “te
dou o dinheiro se você se casar com João”.
Dentro das condições vedadas, existem as perplexas, também conhecida como
contraditórias. Está prevista no art. 122 do Código Civil, sendo as que privarem de todo efeito o

69
Matheus Zuliani

negócio jurídico. O exemplo tradicional é o contrato de locação residência que impede o


inquilino de morar no bem locado.
Quanto à possibilidade podem ser possíveis ou impossíveis. As possíveis são as
fisicamente possíveis de serem cumpridas. As impossíveis são as que podem ser fisicamente
impossíveis e juridicamente impossíveis. No primeiro caso tem-se a promessa de um carro se
chegar caminhando até a lua. No segundo caso, temos a hipótese de fazer contrato de herança
de pessoa viva.
Quanto ao modo de atuação podem ser suspensivas ou resolutivas.
A condição suspensiva é aquela que impede a aquisição e o exercício do direito.
Dessa maneira, não haverá produção de efeitos até a realização do evento futuro e incerto. Por
exemplo, “te dou o carro se você for aprovado no vestibular do final do ano”. A aprovação é
incerta e o vestibular é futuro.
Se houver uma condição impossível e suspensiva, ela invalida todo o negócio jurídico.
A condição resolutiva é aquela que não desempenha suspensão da aquisição nem do
exercício. Após a ocorrência do evento futuro e incerto, ocorre a extinção do direito. Por
exemplo, “te dou o carro enquanto você for aluno CP IURIS”. Na hipótese de condição
impossível e resolutiva, é tida por não escrita, todavia, o contrato permanece válido, íntegro e
produz seus efeitos. Por exemplo, “te dou o carro se você não respirar”.
Sobre a retroatividade da condição, dispõe o art. 128 do Código Civil que

sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que


ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a
sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já
praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e
conforme aos ditames de boa-fé.

Tem-se como exemplo de negócio de execução continuada ou periódica: “te dou uma
mesada mensal enquanto você for aluno CP IURIS”. No momento em que a pessoa deixa de ser
aluno, a condição resolutiva resolve o negócio jurídico, mas não atinge os atos já praticados.

2.11.5.2. DO TERMO

O termo, também elemento acidental do negócio jurídico, é o acontecimento futuro e


certo que interfere na eficácia jurídica do negócio.
É o dia ou momento em que começa ou se extingue a eficácia do negócio jurídico,
podendo ter como unidade de medida a hora, o dia, o mês ou o ano.
O termo convencional é cláusula que subordina a eficácia do negócio a evento futuro
e certo. Por exemplo, “te dou o carro no natal deste ano”.
O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito (CC, art. 131).
O termo não suspende a aquisição do direito por ser evento futuro, mas dotado de
certeza, sendo assim, inexiste estado de pendência, podendo o titular, com maior razão,
exercer atos de conservação.
Pode ainda ocorrer conjugação de termo e condição num mesmo negócio jurídico –
“te dou um carro se você se formar em direito até 22 anos de idade”.
A morte no contrato de seguro de vida não é condição, é termo. Isso porque é certeza
que um dia todos morreremos. No entanto, se a pessoa coloca em contrato que doa ao filho do

70
Matheus Zuliani

outro R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) se ele morrer até dezembro de 2025, a morte
passa a ser uma condição.
O termo pode ser inicial, final, convencional, de direito, de graça, certo e incerto. O
termo inicial é o que marca o início, também conhecido como de dies a quo. Tem-se como
exemplo, “te dou o carro no dia 10 do próximo mês”. O final é aquele que põe fim ao elemento
acidental, também denominado de dies ad quem. Por exemplo, “te dou o carro até o dia 10 do
mês que vem”. Termo final não se confunde com condição resolutiva, porque esta pressupõe
incerteza, e aquela, certeza de que irá acontecer. Termo convencional é o aposto pela vontade
das partes. Termo de direito é o que decorre da lei. Termo de graça é a dilação de prazo
concedida ao devedor. Termo certo é o que tem data específica. Termo incerto, noutro giro, é
o que não tem data específica para ocorrer, mas é certo que ocorrerá – morte.

2.11.5.3. DO ENCARGO OU MODO

Encargo é uma determinação que, imposta pelo autor por liberalidade, obriga o
beneficiário. É utilizada em doações ou testamentos. Por exemplo, “te dou minha casa para
que você institua uma creche”. Não pode ser aposta em negócio oneroso, pois equivaleria a
uma contraprestação.
Dispõe o art. 136 do Código Civil que o encargo não suspende a aquisição nem o
exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo
disponente, como condição suspensiva. Nesse caso, é preciso fazer uma breve anotação
relevante. Se a pessoa doa uma casa em que vive para um cuidador com o elemento acidental
dele cuidar do doador até o fim da sua vida, esse elemento acidental é um encargo ou uma
condição suspensiva? Caso se entenda que é encargo, então o cuidador se torna dono da casa
imediatamente. No entanto, caso se entenda como condição suspensiva, o cuidador somente
se torna dono da coisa com a morte, atrelada ao elemento incerto de cuidar da idosa até o fim
da sua vida. Portanto, tem que ficar bem atento aos elementos do negócio, devendo vir
expressamente como condição suspensiva. E veja bem, não tem que vir que trata-se de
condição suspensiva, mas sim, que subordinou o negócio a fazer algo, como no caso de cuidar
da idosa.
Se o beneficiário morrer antes do cumprimento do encargo a liberalidade prevalece,
mesmo se instituída causa mortis. Se o encargo não for cumprido, a liberalidade poderá ser
revogada. O terceiro beneficiário pode exigir o cumprimento do encargo, mas não está
legitimado a propor ação revocatória que é privativa do instituidor, podendo os herdeiros
apenas prosseguir na ação por ele intentada. O instituidor também pode reclamar o
cumprimento do encargo e o Ministério Público somente poderá fazê-lo, depois da morte do
instituidor se este não o tiver feito, e se o encargo foi imposto no interesse geral.

2.12. DOS ATOS ILÍCITOS E LÍCITOS

2.12.1. DOS ATOS ILÍCITOS

O ato ilícito é aquela conduta humana, omissiva ou comissiva, que ofende o


ordenamento jurídico. Assim, o ilícito pode ser civil, penal, administrativo, dentre outros. Para
nós, o relevante é o ilícito civil.
O ilícito civil pode ser extracontratual ou contratual. O ilícito contratual é a ofensa ao
contrato firmado entre as partes. É a violação negativa do contrato, que será mais bem
estudado no tema dos contratos.

71
Matheus Zuliani

O ilícito extracontratual, também conhecido como responsabilidade aquiliana38, é a


ofensa a um dever jurídico de não lesar outrem. Encontra previsão no art. 186 do Código Civil
que diz que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
O ato ilícito é o ato que dá surgimento à responsabilidade civil extracontratual,
gerando o dever de indenizar. Se você, teclando no celular, não se atentar para o farol que
ficou vermelho logo a sua frente, e abalroar o carro a sua frente, terá infringido o dever jurídico
imposto pelo ordenamento jurídico de não lesar outrem (princípio alterum non
laedere ou neminem laedere). Nesse momento, terá cometido um ilícito civil, gerando a sua
responsabilidade extracontratual, que acarretará no dever de indenizar.
Além do ato ilícito extracontratual, é considerado um ato ilícito o ato emulativo. O ato
emulativo nada mais é do que o abuso do direito.
O abuso do direito encontra regulamentação no art. 187 do Código Civil e diz que
“também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Abuso do direito é o exercício de forma abusiva ou irregular do direito. O ato é
originariamente lícito, mas foi exercício fora dos limites impostos pelos seus fins econômicos,
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Aqui há a consagração dos princípios da
socialidade e da eticidade.
A teoria do abuso de direito está consagrada em quatro conceitos jurídicos
indeterminados, ou seja, em cláusulas gerais que serão preenchidas pelo juiz (fins econômicos,
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes).
Para que o abuso do direito esteja configurado, é importante que a pessoa esteja
exercendo o direito de forma abusiva ou irregular. É a atuação do exercício irregular do direito.
Para tanto, não é necessário que se discuta ou que se levante o elemento culpa. Basta
que a conduta exceda manifestamente os parâmetros do art. 187 (fins econômicos, fins sociais,
boa-fé objetiva ou pelos bons costumes).
Em suma, o abuso de direito é causa de responsabilidade objetiva, não se discutindo
a presença ou não de culpa. Inclusive há um enunciado acerca desse tema39.

2.12.2. DOS ATOS LÍCITOS

São considerados atos lícitos pelo art. 188 do Código Civil os praticados em legítima
defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido, e ainda, a deterioração ou destruição
da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Em resumo, são atos
lícitos o estado de necessidade, a legítima defesa, e ainda, o exercício regular de um direito.
A legítima defesa consiste no ato de se defender de uma agressão injusta e real, ou
seja, se ataca alguém quando está sendo atacado. O Código Civil permite isso, tanto como
excludente da responsabilidade civil como defesa da posse.

38
“Por volta do final do século III a.C., um Tribuno da Plebe de nome Aquilius, dirigiu uma proposta de lei aos
Conselhos da Plebe, com vistas a regulamentar a responsabilidade por atos intrinsecamente ilícitos. Foi votada a
proposta e aprovada, tornando-se conhecida pelo nome de Lex Aquilia. A Lex Aquilia era na verdade plebiscito, por
ter origem nos Conselhos da Plebe. É lei de circunstância, provocada pelos plebeus que, desse modo, se protegiam
contra os prejuízos que lhes causavam os patrícios, nos limites de suas terras. Antes da Lei Aquília imperava o
regime da Lei das XII Tábuas (450 a.C.), que continha regras isoladas” (César Fiuza in Por uma nova teoria do ilícito
civil].
39
Enunciado 37 da I Jornada de Direito Civil: “A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito
independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”.

72
Matheus Zuliani

O estado de necessidade é a lesão a um bem ou a uma pessoa para remover-se de


um perigo iminente. Esse o ato somente será legítimo somente quando as circunstâncias o
tornarem absolutamente necessário e não exceder os limites do indispensável para a remoção
do perigo.
Por fim, o exercício regular de um direito consiste na atuação amparada pelo
ordenamento jurídico, como o ato de inscrever o nome do devedor que não lhe paga nos
órgãos de proteção ao crédito.
Sobre os atos lícitos é preciso fazer uma explanação. A regra é a de que a prática do
ato lícito não gera o dever de indenizar. No entanto, existe uma pequena exceção, sendo a
hipótese em que um ato lícito gera o dever de indenizar. Quando a pessoa, para remover o
perigo iminente e real, volta-se contra o bem ou a pessoa de terceiro, ainda que tenha
praticado um ato lícito, terá que indenizar. Trata-se do estado de necessidade agressivo. É o
que dispõe o art. 929 do Código Civil, in verbis: “Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no
caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização
do prejuízo que sofreram”.
Noutro giro, se a agressão ou lesão para remover perigo for contra o próprio
causador do perigo ou da agressão, nesse caso, não há o dever de indenizar. Nessa hipótese se
está diante de um estado de necessidade defensivo.
O art. 930 consagra o direito de regresso daquele que causou o dano em relação ao
causador do estado de perigo (hipótese de estado de necessidade agressivo). Portanto,
indeniza-se, mas tem o direito de regresso.
Embora os arts. 929 e 930 sejam aplicados para o caso de estado de necessidade, a
doutrina o aplica, de forma uníssona, para o caso da legitima defesa, por analogia.

2.13. DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA

2.13.1. DA PRESCRIÇÃO – DISPOSIÇÕES GERAIS

A prescrição é a perda da pretensão pelo decurso do tempo. A prescrição na parte


geral do código denota uma compreensão de perda. Essa perda é da pretensão. É errado dizer
que a prescrição aniquila a ação. Essa afirmação foi feita durante muitos anos atrás, não
persistindo.
Direito de ação é estudado pelo direito processual civil, a qual advém três institutos:
jurisdição, ação e processo. Dessa forma, temos que o direito de ação é a materialização, a
corporificação da provocação da jurisdição que, por sua vez, é inerte. Nesse aspecto, temos
várias características do direito de ação (dentre eles: público, subjetivo, processual e abstrato),
mas, uma delas, é que o direito de ação é imprescritível.
Segundo o professor Carlos Roberto Gonçalves, “para evitar o debate sobre a
prescrição ou não da ação, adotou-se a tese da prescrição da pretensão, por ser considerada a
mais condizente com o Direito Processual contemporâneo”.
Após contribuição do direito alemão, Agnelo Amorim Filho e Miguel Reale dirão que o
Código Civil de 2002 não comete o erro do Código revogado, uma vez que não há confusão
entre o direito de ação e prescrição.
A pretensão nasce no momento em que o direito subjetivo da parte é violado. Nesse
momento tem o titular desse direito violado a pretensão, que deve ser exercida dentro de um
lapso temporal, sob pena de ocorrência da prescrição.

73
Matheus Zuliani

A prescrição tem como alicerce um grande princípio constitucional, qual seja, o


princípio da segurança jurídica. E por quê? Porque não se pode permitir que o credor se
eternize em um crédito, podendo infinitamente exercer esse direito em crédito em face do
devedor. Outros institutos também encontram a base no princípio da segurança jurídica: são
eles a coisa julgada e o direito adquirido.
No que tange à prescrição, é preciso comentar a dualidade conceitual da prescrição.
A prescrição, na sua concepção dual, serve ao mesmo tempo para extinguir direitos
pelo decurso do tempo, funcionando com uma punição ao seu titular pela sua inércia, e por
outro lado, permitir a aquisição de direitos (aquisitiva).
No direito brasileiro o termo prescrição aquisitiva recebeu o nome de usucapião,
ficando subentendido que o termo prescrição pura e simples se refere a prescrição extintiva. A
prescrição aquisitiva é conhecida como usucapião, e é vista no livro especial do direito das
coisas.
Trataremos da prescrição extintiva, da Parte Geral do Código Civil. Essa modalidade
também é conhecida como prescrição liberatória, porque libera o devedor da sujeição a que
estava preso (a uma dívida).
A importância dessa correlação é para lembrar que se aplica a usucapião as regras
gerais da prescrição extintiva, como as hipóteses de suspensão e de interrupção do prazo
prescricional.
O STJ40 entende que se não estiver contemplado no Código Civil como causa
interruptiva ou suspensiva da prescrição o fato não tem o condão de interromper ou suspender
o prazo para a usucapião.
Dispõe o art. 190 do Código Civil que “a exceção prescreve no mesmo prazo em que a
pretensão”. A exceção empregada pelo dispositivo em análise se refere à defesa da parte.
Portanto, há equívoco em dizer que a defesa é imprescritível. Dessa forma, a matéria que pode
ser alegada na ação, poderá ser alegada também na exceção. Pense no caso em que seu
vizinho lhe deve R$ 50 mil reais, de uma dívida feita por meio de contrato de empréstimo, há
dois anos. Ao notificá-lo para pagamento, o mesmo se nega. Ao ingressar com uma demanda
de cobrança, em sua defesa, o vizinho alega que existe uma compensação a ser feita, uma vez
que ele pagou, há 10 anos, uma conta de água da sua casa, de R$ 1.000,00 que estava
vencendo. A tese de dívida na contestação de R$ 1.000,00 também prescreve, sendo que, no
caso, certamente ela está prescrita.
O Código Civil permite que haja a renúncia da alegação da prescrição. Explica o art.
191 que “a renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem
prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se
presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição”.
Dessa forma, é possível a renúncia desde que sejam obedecidos alguns requisitos,
como feita após a consumação do prazo, e ainda, que não prejudique terceiros. Significa que,
para que haja renúncia da parte a quem aproveita a prescrição é preciso que o prazo
prescricional tenha se consumado, e ainda, que não há um credor do devedor, uma vez que a
consumação da prescrição gera um incremento no patrimônio do devedor. Assim, se existir um
credor do devedor não há possibilidade de renunciar a prescrição.
Por fim, a renúncia pode ser expressa ou tácita. Renúncia tácita é aquela se presume
em razão do comportamento do devedor que são incompatíveis com a vontade de alegar a
prescrição. Pense no caso do devedor que faz um acordo para pagamento. Após a assinatura e

40
REsp 149.186/RS

74
Matheus Zuliani

antes do pagamento muda de ideia pelo fato da dívida estar prescrita. Sobre a renúncia tácita
o STJ afirmou que não é qualquer postura do devedor que leva à renúncia tácita, mas apenas
aquela considerada manifesta, patente, explícita, irrefutável e facilmente perceptível41.
Ainda sobre a renúncia, o Código Civil não se admite a renúncia prévia da prescrição.
Isso porque a prescrição é matéria de ordem pública e uma cláusula contratual impedindo a
alegação de prescrição é deixar ao arbítrio das partes, de submeter ou não, a questão ao
regime legal da prescrição.
A questão da renúncia tem que ser estudada junto com a possibilidade de se
reconhecer de ofício a prescrição pelo juiz. Isso porque, embora o juiz possa reconhecer de
ofício a prescrição, é importante ouvir as partes para tomar conhecimento se não houve, por
parte do devedor, a renúncia expressa, ou então, alguma conduta que possa levar a renúncia
tácita.
Sabe-se que a prescrição é matéria de ordem pública, e com isso, pode ser
reconhecida de ofício pelo juiz. A atenção que se recomenda é imposta pelo Código de
Processo Civil, uma vez que, diante no novo código processual, se a prescrição não foi
ventilada pelas partes durante o curso do processo, o juiz tem que converter o julgamento em
diligência, abrindo-se vista as partes para que elas se manifestem sobre o instituto. Trata-se do
princípio da vedação da decisão surpresa, o qual estabelece o seguinte: “O juiz não pode
decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se
tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a
qual deva decidir de ofício”. Conclui-se que o juiz pode reconhecer de ofício a prescrição e a
decadência legal, porém, é necessário consultar as partes antes, a fim de promover o
contraditório efetivo. O respectivo contraditório é substancial/material, que tem por
finalidade, além de ofertar a manifestação da parte, influenciar na decisão do julgador. Além
disso, o art. 487, parágrafo único, trata da matéria de forma específica na sentença, quando
diz que, ressalvada a hipótese do art. 332, § 1º, a prescrição e a decadência não serão
reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar-se.
Ainda sobre a conduta das partes, é importante ressaltar que os prazos prescricionais
não podem ser alterados por vontade das partes (CC, art. 192). Isso porque a prescrição é
norma cogente, não podendo ser convencionado entre as partes.
Outra característica da prescrição é que ela não se curva ao instituto da preclusão.
Consoante dispõe o art. 193 do Código Civil, a prescrição pode ser alegada em qualquer grau
de jurisdição, pela parte a quem aproveita. Nessa senda, embora o requerido não alegue a
prescrição da pretensão autoral na primeira oportunidade que fala no processo, ele pode
alegar em qualquer grau de jurisdição. Qual a interpretação que se dá “em qualquer grau de
jurisdição”? Entende-se que em qualquer grau de jurisdição se aplica somente as instâncias
ordinárias, uma vez que, para as extraordinárias, é imprescindível o prequestionamento.
Por fim, o antigo Código de Processo Civil continha uma regra de que o réu que, por
não arguir na sua resposta fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, dilatar
o julgamento da lide, será condenado nas custas a partir do saneamento do processo e
perderá, ainda que vencedor na causa, o direito a haver do vencido honorários advocatícios
(art. 22 do Código de Processo Civil de 1973). O novo Código de Processo Civil não repetiu essa
regra. Com isso, se arguir a prescrição em momento posterior ao da contestação, isso não
acarretará a extinção do direito de receber os honorários advocatícios de sucumbência, mesmo
sendo vencedor.
O Código Civil não deixou desamparado o sujeito que é prejudicado pela conduta
daquele que deixou um direito prescrever, ou então, que não alegou a alegou na oportunidade

41
STJ - REsp 1.250.583

75
Matheus Zuliani

correta. Assim, os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus
assistentes ou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a alegarem
oportunamente. É o que dispõe o art. 195 do Código Civil.
Uma vez iniciada a prescrição contra uma pessoa ela continua a correr contra o
sucessor. É o que dispõe o art. 196 do Código Civil. Desta forma, a sucessão não interfere na
prescrição, nem suspendendo, nem interrompendo. O prazo prescricional flui sem ligação
subjetiva com os sujeitos envolvidos. Desse modo, ainda que haja a transferência do crédito
por ato inter vivos ou por causa mortis, o prazo prescricional não será alterado.
Não poderia deixar de comentar a prescrição intercorrente. O novo Código de
Processo Civil disciplina com muita precisão a denominada prescrição intercorrente, que
constitui causa de suspensão e de extinção da execução.
Nota-se que o Código de Processo Civil, no art. 921, III, narra que uma vez não
encontrado bens penhoráveis de propriedade do executado o juiz determinará a suspensão do
processo pelo prazo de 1 (um) ano, ficando, também, suspensa a prescrição.
O § 4º do mesmo dispositivo legal explica que ultrapassado o prazo anuo inicia-se a
prescrição intercorrente.
José Rogério Tucci42 explica muito bem o procedimento:

Atingido tal interregno temporal, o juiz deverá determinar a intimação das partes
para que se manifestem no prazo de 15 dias (parágrafo 5º do artigo 921). Justifica-
se esta providência no princípio do contraditório efetivo, caro ao novo Código de
Processo Civil (artigo 10), evitando-se decisão escudada em fundamento-surpresa.
O exequente, em particular, terá oportunidade de explicar o motivo de sua
prolongada inércia. Em seguida, considerando a manifestação das partes, sendo
injustificável a paralisação do processo, o juiz, reconhecendo, de ofício, a prescrição
intercorrente, proferirá sentença extintiva do processo executivo.

2.13.2. DAS CAUSAS IMPEDITIVAS E SUSPENSIVAS DA PRESCRIÇÃO

O Código Civil elenca quais são as hipóteses em que o prazo prescricional não se
inicia, ou então, quando iniciado fica suspenso. Assim, as causas impeditivas obstam o início do
prazo, enquanto as causas suspensivas suspendem o prazo que já se iniciou. Nessa última,
quando o fato se encerra, o prazo continua seu curso, cessando a suspensão.
As causas que impedem ou suspendem a prescrição, encontram-se previstas nos
artigos 197, 198 e 199 do CC.
Em regra, essas causas não se aplicam aos prazos decadenciais; somente em casos
excepcionais existem causas que interferem no curso de prazo decadencial, que estão
elencados nos artigos 195 e 198, inciso I do Código Civil. São elas o regresso contra o
representante e a incapacidade absoluta.
Algumas dessas hipóteses merecem observação. Para as outras, basta a leitura
simples do dispositivo legal.
O art. 198, I, do Código Civil diz que não corre prescrição contra os incapazes que
trata o art. 3º do Código Civil. Quando se faz uma leitura acelerada do dispositivo em questão,
pode-se gerar uma interpretação, equivocada, diga-se de passagem, que não corre prescrição
contra qualquer incapaz, seja ele relativamente ou absolutamente. O art. 3º do Código Civil

42
TUCCI, José Rogério - A prescrição intercorrente no novo CPC e na atual jurisprudência do STJ in CONJUR –
publicado no dia 4/10/2016.

76
Matheus Zuliani

trata apenas do absolutamente incapaz. Assim, corre prescrição contra o relativamente incapaz
(CC, art. 4º).
O inciso III afirma que não corre prescrição contra os que se acharem servindo nas
Forças Armadas, em tempo de guerra. É importante mencionar que essa guerra é a declarada.
O art. 200 do Código Civil traz uma hipótese em que o prazo fica suspenso/obstando
até que a responsabilidade criminal seja definida. É um reflexo da independência das instâncias
prevista no art. 935 do Código Civil. Nesse sentido, quando a ação se originar de fato que deva
ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.
Entende-se por sentença definitiva o trânsito em julgado da sentença penal.
Por fim, é interessante mencionar que a tramitação de inquérito não tem força para a
suspensão do prazo prescricional. O sujeito não pode ficar aguardando a conclusão do
inquérito policial acreditando que o prazo prescricional da ação civil está suspenso.
O mesmo ocorre quando a denúncia é rejeitada pelo Juiz. Nesse caso, não ocorre a
suspensão do prazo prescricional.
A prescrição é uma exceção pessoal. Assim, pode ser que ela corra contra uma
determinada pessoa e não contra outra (incapaz, por exemplo). Desta forma, em se tratando
de diversos devedores, a suspensão da prescrição em favor de um não aproveita ao outro. O
Código Civil, no art. 201, segue essa linha dizendo que, mesmo em caso de solidariedade de
credores, a suspensão da prescrição em favor de um não aproveita o outro, salvo se a
obrigação for indivisível. Assim, a extensão da suspensão pressupõe a indivisibilidade do
objeto.

2.13.3. DAS CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO

Uma causa interruptiva da prescrição não tem o mesmo significado que uma causa
suspensiva da prescrição. Enquanto na suspensão o prazo volta a correr de onde parou, na
interrupção ele volta a correr desde o início. Outra diferença é que a suspensão do prazo pode
ocorrer por diversas vezes, enquanto a interrupção do prazo prescricional só acontece uma
única vez.
As causas interruptivas estão nos art. 202, 203 e 204, todos do Código Civil.
Da mesma maneira que as causas que obstam e suspendem a prescrição, algumas
das causas interruptivas merecem atenção doutrinária, enquanto outras se bastam com a
simples leitura da lei.
O art. 202, I, do Código Civil diz que a interrupção da prescrição dar-se-á por
despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover
no prazo e na forma da lei processual.
Nesse ponto, faz-se necessária análise do disposto no artigo 240, §1º do CPC:

A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz


litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o
disposto nos arts. 397 e 398 do Código Civil. § 1º A interrupção da prescrição,
operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo
incompetente, retroagirá à data de propositura da ação.

Veja, portanto, que a interrupção da prescrição não é efeito da citação válida, mas
sim, o despacho do juiz que manda citar.
Questiona-se: e a decisão que ordena a emenda da inicial? O art. 321 do Código Civil
prevê a possibilidade de o Magistrado ordenar a emenda da inicial para sanar determinado

77
Matheus Zuliani

vício da petição inicial. O STJ tem entendimento que a interrupção da prescrição no caso em
que se ordena a emenda da inicial ocorre na data em que se ordenou a emenda e não da data
do ajuizamento da ação. Sendo assim, entende que

A interrupção da prescrição, na forma prevista no § 1º do artigo 219 do Código de


Processo Civil, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de
desenvolvimento válido e regular do processo, o que, no caso, deu-se apenas com a
43
emenda da inicial, momento em que já havia decorrido o prazo prescricional .

Por fim, ainda tratando do inciso I, nos casos dos Juizados Especiais Cíveis e na Justiça
do Trabalho, onde não há o despacho inicial, uma vez que o juiz recebe os autos já em
audiência, já tendo sido citado o requerido, deve ser considerado como marco a interromper a
prescrição a data do ajuizamento da demanda.
O art. 202, VI, afirma que interrompe a prescrição por qualquer ato inequívoco, ainda
que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor. Nesse caso, pouco
importa se o ato é judicial ou extrajudicial, qualquer um deles tem o condão de interromper a
prescrição. Enquanto todos os demais comportamentos elencados no art. 202 são do credor,
nessa hipótese, o comportamento é do devedor, dispensando-se atitude do credor. Pense a
hipótese do devedor que paga a dívida, antes da prescrição, pedindo dilação de prazo para
pagar os juros de mora vencidos. Nesse caso, estamos diante de uma hipótese em que
interrompe o prazo prescricional desse valor.
É importante constar que a prescrição pode ser interrompida por qualquer
interessado (CC, art. 203). Assim, o terceiro juridicamente interessado pode praticar ato
tendente a interromper a prescrição. Ademais, qualquer terceiro pode praticar tal ato, não
necessitando ser apenas o terceiro interessado, mas também o terceiro que tem interesse
moral ou apenas econômico.
Afirmamos, linhas acima, que a prescrição é uma exceção pessoal. Dessa forma, o art.
204 do Código Civil assevera que a interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos
outros; semelhantemente, a interrupção operada contra o codevedor, ou seu herdeiro, não
prejudica aos demais coobrigados.
Todavia, ao contrário do que ocorre com a suspensão, a interrupção por um dos
credores solidários aproveita aos outros, assim como a interrupção efetuada contra o devedor
solidário envolve os demais e seus herdeiros (CC, art. 204, § 1º).
Além disso, existe mais uma regra quando se trata de interrupção e solidariedade. A
interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros
herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis. Aqui, a
ideia do § 2º é a mesma do caso da suspensão prevista no art. 201 do Código Civil. Noutro giro,
embora o Código Civil não fale, presume-se que não havendo solidariedade a interrupção não
alcança os demais devedores.
O STJ entendeu que a citação válida contra devedor solidário interrompe-se a
prescrição contra todos (STJ – AgRg no AI 787.029/SP).
Por último, ainda dentro do art. 204, a interrupção produzida contra o principal
devedor prejudica o fiador.

43
EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1.527.154 – PR.

78
Matheus Zuliani

2.13.4. DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS

O Código Civil elenca, nos artigos 205 e 206, todos os prazos prescricionais. Essa
facilitação veio somente com o Código Civil de 2002, em razão do princípio da operabilidade,
uma vez que no Código Civil de 1916 tais prazos estavam esparsos pelo Código. Para saber,
naquela época, se um prazo era prescricional ou decadencial era preciso se socorrer ao critério
de Agnelo Amorim Filho.
Agnelo Amorim Filho criou, durante a vigência do CC/16, um critério para fazer a
correta diferenciação entre os prazos considerados prescricionais e os prazos decadenciais.
Pelo critério desse jurista paraibano, os prazos prescricionais estão diretamente associados
com as ações condenatórias, enquanto os prazos decadenciais estão interligados com as ações
constitutivas, derivadas do direito potestativo. Por fim, para as ações declaratórias, ligadas à
nulidade absoluta, encontram-se os prazos imprescritíveis.
Com a entrada em vigor do Código Civil atual, o art. 205 trouxe o prazo residual
decenal, enquanto o art. 206 trouxe os prazos específicos, podendo ser de um ano, dois anos,
três anos, quatro anos, e por fim, quinquenal.
Como se sabe, a prescrição como instituto de direito material conta-se o prazo
incluindo o dia da violação do ato, assim, de determinada dívida não foi paga no dia 10 de
novembro, esse dia entra na conta. Se o prazo é de 10 anos, no dia 10 de 2023 a pretensão foi
fulminada, o último dia é o dia 9.
Ao analisar a literalidade do art. 189 do Código Civil é possível extrair uma
interpretação equivocada de que o termo inicial da contagem do prazo é o primeiro dia logo
após a violação do direito. Essa interpretação é equivocada porque o STJ encampou a teoria da
actio nata.
Trata-se de um princípio do Direito que consiste no nascimento do prazo prescricional
com o conhecimento da violação pelo seu titular, assim como das consequências dessa
violação, prestigiando-se, assim, a boa-fé e a confiança.
O STJ editou a Súmula 278 no sentido de se acolher a teoria da actio nata. Veja: “O
termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve
ciência inequívoca da incapacidade laboral”.
Finalmente, antes de ingressar nos prazos propriamente ditos, é preciso falar um
pouco sobre a questão intemporal.
Tema que gera muitas dificuldades na prova de sentença é a questão do início do
prazo prescricional durante a vigência do CC/16 com interregno no CC/02. Dispõe o art. 2.028
do Código Civil que: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se,
na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo
estabelecido na lei revogada”.
Nessa senda, para que haja a incidência desse dispositivo legal é preciso que haja
conjugação de dois requisitos, o primeiro que o Novo Código Civil tenha reduzido o prazo
prescricional previsto na legislação anterior, e, o segundo que na entrada em vigor do novo
Código Civil já tenha transcorrido mais da metade do prazo previsto no CC/16.
O STJ já decidiu vários casos aplicando o mencionado dispositivo44.
O art. 205 do Código Civil traz o prazo geral. Esse prazo é considerado residual porque
ele somente terá aplicação para os casos não regulamentados de forma específica nos §§ do

44
REsp 1276316 / RS – Min. Eliana Calmon – julgado em 20/08/2013

79
Matheus Zuliani

art. 206. Esse prazo é de dez anos. O art. 206 traz, em seus parágrafos e incisos, prazos
específicos para determinadas relações jurídicas.
No § 1º temos a pretensão para as causas envolvendo seguro. Porém, pode-se dizer
que todas as pretensões envolvendo seguro obedecem ao prazo de 1 ano? Não, o seguro
DPVAT tem o prazo prescricional de 3 anos a contar da data em que o segurado teve ciência
inequívoca da capacidade laboral (Súmula 278 do STJ). Entende-se que o seguro DPVAT tem
natureza indenizatória, e por isso incide no inciso IX do § 3º do art. 206.
Ainda sobre o seguro é importante mencionar a súmula 229 do STJ que diz: “o pedido
do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado
tenha ciência da decisão”.
No § 2º temos a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em
que se vencerem. Nesse caso não é a pretensão para o reconhecimento do direito aos
alimentos, uma vez que esse direito é imprescritível. O art. 206, § 2º trata da prescrição para
cobrar prestações referentes ao direito a alimentos já reconhecidos.
No § 3º temos a pretensão geral da indenização para a reparação civil e para o
enriquecimento sem causa.
Questiona-se: a ação de ressarcimento por dano ao erário também obedece ao prazo
de 3 anos?
Antes existia o entendimento pacífico, tanto na jurisprudência do STJ45 e do STF que a
ação de ressarcimento por danos ao erário é imprescritível. No entanto, o STF mudou tal
entendimento. concluiu que, somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário
fundadas na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de
Improbidade Administrativa – Lei 8.429/199246. Em relação a todos os demais atos ilícitos,
inclusive àqueles atentatórios à probidade da administração não dolosos e aos anteriores à
edição da Lei 8.429/1992 aplica-se a prescritibilidade, seguindo a regra geral da prescrição
contra a Fazenda Pública.
Já para as demais sanções, contra servidor público ocupante de cargo efetivo, a
contagem da prescrição se dá à luz do art. 23, II da Lei nº 8.429/1992 e do art. 142 da Lei nº
8.112/1990, tendo como termo a quo a data em que o fato se tornou conhecido da
Administração.
Ainda no que se refere à responsabilidade civil e ao prazo prescricional, muitos
entendiam que o § 3º, V, do art. 206 abrangia tanto a responsabilidade civil contratual quanto
a extracontratual. No entanto, o STJ concluiu que: “a partir do exame do Código Civil é possível
se inferir que o termo “reparação civil” empregado no artigo 206, §3º, V, somente se repete no
título 9 do livro 1º do mesmo diploma, o qual se debruça sobre a responsabilidade civil
extracontratual47”. Diante disso, a prescrição para a responsabilidade contratual obedece ao
art. 205 do Código Civil, ou seja, prazo decenal.
No que tange ao prazo para cobrança de seguro DPVAT, o STJ editou a Súmula 405, a
qual expõe que “a ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos”.
Temos, no § 5º, a pretensão para a cobrança de honorários de profissionais liberais.
Não se pode dizer que na expressão genérica “profissionais liberais” se encontra os honorários
advocatícios. A prescrição para a pretensão de recebimento de honorários advocatícios
encontra previsão expressa no art. 25 da Lei nº 8.906/94. Ressalta-se que o prazo previsto na
lei especial coincide com o mesmo do Código Civil, ou seja, 5 anos.

45
STJ - AREsp 1546193 / SP.
46
STF – Tema 897 – RE 636.886.
47
STJ - EREsp 1.281.594

80
Matheus Zuliani

2.13.5. DA INDEPENDÊNCIA DAS JURISDIÇÕES.

Dispõe o art. 200 do Código Civil que: “Quando a ação se originar de fato que deva
ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva”.
Trata-se do princípio da independência das instâncias.
Uma conduta pode ser classificada ao mesmo tempo como ilícito penal, civil e
administrativo. Nesse caso poderá ocorrer a condenação em todas as esferas ou não, ou seja,
na ação civil poderá ser condenado e na ação penal absolvido, pois vale a regra da
independência e autonomia entre as instâncias.
Mas há exceções, nas quais haverá vinculação entre as instâncias, o que significa que
não poderá ser condenado na esfera civil ou administrativa quando for absolvido na esfera
penal por inexistência do fato e negativa de autoria.
O ordenamento jurídico estabelece a relativa independência entre as jurisdições cível
e penal, de tal modo que quem pretende ser ressarcido dos danos sofridos com a prática de
um delito pode escolher, de duas, uma das opções: ajuizar a correspondente ação cível de
indenização ou aguardar o desfecho da ação penal, para, então, liquidar ou executar o título
judicial eventualmente constituído pela sentença penal condenatória transitada em julgado.
A decretação da prescrição da pretensão punitiva do Estado impede, tão somente, a
formação do título executivo judicial na esfera penal, indispensável ao exercício da pretensão
executória pelo ofendido, mas não fulmina o interesse processual no exercício da pretensão
indenizatória a ser deduzida no juízo cível pelo mesmo fato [REsp 1.802.170-SP, Rel. Min.
Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/02/2020, DJe 26/02/2020 -
Informativo de jurisprudência n. 666].

2.13.6. DA DECADÊNCIA

A decadência também é conhecida como caducidade.


A decadência é o instituto que fulmina o direito.
Para entender decadência temos que nos lembrar do conceito de direito potestativo.
Inicialmente, vale lembrar que direito potestativo é um simples direito de
interferência ou de sujeição, por meio do qual o seu titular, ao exercê-lo, interfere na esfera
jurídica de terceiro, sem que esta pessoa nada possa fazer. O direito potestativo é aquele que
confere ao titular o direito de interferir na esfera jurídica de outrem sem que haja um dever
correspondente.
Por isso se diz que ele não tem conteúdo prestacional (não se espera prestação da
outra parte). O direito potestativo é simplesmente um dever de interferência. Quando alguém
o exerce, o outro simplesmente se sujeita a ele.
Existem direitos potestativos sem prazo para o seu exercício. É o caso do direito de
divórcio. Quando eu o exerço, o cônjuge apenas sofre a interferência do direito, não podendo
gritar aquela célere frase de que não assina. Também existem direitos potestativos com prazo
para o seu exercício. Nessa linha, concluímos que toda vez que um direito potestativo tiver
prazo para o seu exercício, este será sempre decadencial. Ou seja, o prazo decadencial é o
prazo para o exercício de um direito potestativo.
Assim temos a decadência legal (prazo decadencial previsto na lei) e a decadência
convencional (prazo decadencial previsto contratualmente).

81
Matheus Zuliani

Exemplo de prazo decadencial previsto na lei é o prazo para o exercício do direito de


anular o negócio jurídico (CC, art. 178). O direito de anular é potestativo, pois ao exercê-lo, não
se formula pretensão condenatória contra a parte contrária, isto é, você não espera que a
outra parte cumpra um dever. O pedido de perdas e danos é separado. O direito de anular é
que é potestativo.
Exemplo de prazo decadencial previsto em contrato é o prazo para desistência do
negócio. Se o contrato traz a cláusula “o contratante tem o prazo de 30 dias para desistir do
negócio”. Essa é uma faculdade conferida pelo contrato. Tem natureza de prazo decadencial
convencional.
Em suma, prazo prescricional está sempre na lei, mas o prazo decadencial (que se
refere ao exercício de direito potestativo) pode estar na lei ou nos contratos (legais ou
convencionais).
Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que
impedem, suspendem ou interrompem a prescrição (CC, art. 207). Afirmar que a decadência
nunca se suspende é um erro. Excepcionalmente, poderá haver a suspensão do prazo
decadencial. É o caso do Código de Defesa do Consumidor, no art. 26, § 2º. O prazo
decadencial para exercer o direito de reclamar no âmbito do Direito do Consumidor é de 30
dias para bens não duráveis e 90 dias para bens duráveis. No Código de Defesa do Consumidor
está dito que algumas situações podem interromper o prazo decadencial. É o caso de ser
protocolar uma reclamação sobre o produto. Enquanto esta não me der uma resposta, o prazo
não começa a correr.
O art. 209 do Código Civil afirma ser nula a renúncia à decadência fixada em lei. A
decadência estipulada em lei é de ordem pública, e por isso não pode haver a disposição pelas
partes. No entanto, quando se trata da decadência prevista contratualmente a renúncia pela
parte mostra-se perfeitamente possível.
Como afirmado, a decadência é matéria de ordem pública (decadência legal). Assim,
deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei. É o que dispõe o
art. 210 do Código Civil. O mesmo raciocínio não se aplica ao caso de decadência convencional.
Essa modalidade de decadência o juiz está impedido de reconhecer de ofício, porque as partes
podem dispor.

82
Aurélio Bouret

CAPÍTULO 3 – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

1. TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

1.1. INTRODUÇÃO

Consoante às lições do professor Carlos Roberto Gonçalves, podemos conceituar o


direito obrigacional com sendo:

O vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do


devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação. Corresponde
a uma relação de natureza pessoal, de crédito e débito, de caráter transitório, cujo
objeto consiste numa prestação economicamente aferível.

Desse modo, obrigações são relações jurídicas que possuem conteúdo econômico;
vínculo ou sujeição da pessoa e a submissão a uma regra de conduta. Todavia, será que
podemos afirmar que todas as obrigações possuem vínculo patrimonial?
Há uma obrigação estudada no Direito da Família e no campo da bioética, que não
possui natureza econômica, mas que gera uma obrigação de dar, na modalidade
entregar/restituir, que é obrigação decorrente da gestação em útero alheio, também
conhecida como “barriga de aluguel ou barriga em comodato”, em que a gestante tem a
obrigação de cumprir a prestação de entregar a criança para os pais.

1.1.1. ESTRUTURA DO LIVRO DAS OBRIGAÇÕES NO CÓDIGO CIVIL

CONTEÚDO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES DISPOSIÇÃO LEGAL


CÓDIGO CIVIL

Modalidade das obrigações: obrigação de Arts. 233 ao 285 do CC;


dar; de fazer; de não fazer. Abrangendo
multiplicidade de situações que podem
ocorrer, como: solidariedade;
divisibilidade; indivisibilidade,
contextualização dos institutos,
características e etc.

Transmissão das obrigações: por meio dos Arts. 286 ao 303 do CC;
institutos da cessão de crédito ou cessão
de débito, tem-se a possibilidade de
transmissão de um crédito ou débito,
respectivamente.

Adimplemento e extinção das obrigações: a Arts. 304 ao 388 do CC;


extinção normal de uma obrigação é
exatamente o seu adimplemento. O
adimplemento normal é aquele que
observa quem deve pagar; a quem deve
receber; objeto/tempo/lugar/prova do

83
Aurélio Bouret

pagamento. Por outro lado, caso ocorra


algum evento diverso do pactuado, ter-se-á
formas especiais de pagamento, como:
consignação em pagamento, novação,
dação em pagamento, compensação,
confusão, remissão.

Inadimplemento das obrigações e suas Arts. 389 ao 420 do CC.


consequências: pode ser absoluto ou
relativo. Nesse ponto, estudaremos a mora
exre e mora ex persona, cláusula penal,
arras ou sinal.

1.1.2. FONTES OBRIGACIONAIS

São consideradas fontes obrigacionais:


 Lei: isso porque da lei pode surgir a obrigação. Como nos Direitos de Vizinhança
(art. 1277 do CC).
 Contrato: é a fonte principal do direito obrigacional.
 Atos ilícitos: praticado um ato ilícito (art. 186 e 187 do CC) que venha a causar
dano a alguém, nasce a obrigação de indenizar a vítima do dano (art. 927 do CC).
 Atos unilaterais: são as denominadas declarações unilaterais de vontade, como é
o caso da promessa de recompensa.
 Títulos de crédito: de onde surgem as obrigações cambiais.

1.2. DIFERENÇA ENTRE DIREITOS REAIS E DIREITOS OBRIGACIONAIS

DIREITOS REAIS DIREITO OBRIGACIONAL

Objeto Coisa Prestação

Sujeito passivo Indeterminado: pois a Determinados ou


figura do sujeito somente determináveis. São
surgirá quando houver determinados ante a
violação do direito. Os existência da figura do
direitos reais são erga credor e devedor. Porém,
omnes, ou seja, oponível pode haver, também, uma
contra qualquer sujeito indeterminabilidade
que viole o direito real. transitória, caracterizada
como sujeitos
determináveis.

84
Aurélio Bouret

Duração São perpétuos. Transitórios: pois a relação


obrigacional vai existir
enquanto houver vínculo. O
vínculo deixa de existir com
o adimplemento da
obrigação.

Formação Criados somente por lei São ilimitados: têm-se


(art. 1225 do CC). categorias de obrigação
(dar; fazer; não fazer), mas
possível à criação de
obrigações atípicas.

Ação Ação contra qualquer Somente em face do sujeito


sujeito. passivo.

Dentro da classificação de direitos reais e direitos obrigacionais, temos duas teorias: a


teoria unitária e a teoria dualista/clássica.
 Teoria unitária: Define a união entre os direitos reais e direitos obrigacionais como
sendo direitos patrimoniais. Desse modo, não haveria tanta distinção entre ambos os
institutos, por essa razão é que não adotamos essa teoria.
 Teoria dualista/clássica: Direito reais e direitos obrigacionais tratam-se de direitos
patrimoniais, contudo, são institutos diferentes. Essa teoria é adotada no nosso
ordenamento jurídico.

1.3. FIGURAS HÍBRIDAS

Figuras híbridas são aquelas que situam entre o direito real e o direito obrigacional, ou
seja, são obrigações com características de direito real e pessoal.
São figuras híbridas: obrigações propter rem ou ob rem, ônus reais e obrigações com
eficácia real.
Obrigação propter rem ou ob rem - É a obrigação que recai sobre o titular do bem,
independentemente de ter sido ele ou não que
constituiu o débito. Origina-se com a coisa e
transmite-se com ela automaticamente
(obrigação ambulatorial). O adquirente do direito
real não pode negar-se a assumir esta obrigação.
Por exemplo, para ser proprietário de um veículo,
deve-se assumir a obrigação de pagamento do
IPVA; o proprietário de um imóvel se obriga no
pagamento do IPTU. Em ambos os casos temos
como credor a Fazenda Pública e, como devedor,
o proprietário dos respectivos bens.
- REsp 846.187/SP – taxa condominial é uma

85
Aurélio Bouret

obrigação propter rem.


- Quando houver o inadimplemento dessa
modalidade de obrigação, as consequências
recairão sobre o patrimônio do devedor.

Ônus reais - São obrigações que limitam o uso e gozo da


propriedade; é um gravame que recai sobre uma
coisa, restringindo o direito do titular de um
direito real.
- O ônus real constitui um limitador do exercício
do direito de propriedade, como: usufruto,
enfiteuse, superfície, penhor, anticrese, hipoteca.

Obrigação com eficácia real - Em sua essência, trata-se de uma obrigação


pessoal, como qualquer outra, mas que, em
virtude do seu registro, nos termos da lei, passa a
ter uma oponibilidade erga omnes.
- São obrigações que resultam de contratos e
alcançam, por força de lei, a dimensão de direito
real.
- Por exemplo, havendo o registro no contrato de
locação, não impede a venda do bem, no
entanto, caso haja a venda desse imóvel, o
adquirente deve respeitar o contrato de locação,
não podendo retirar o locatário do bem - artigo
576 do CC e art. 8º da Lei nº 8245/91. Desse
modo, o contrato de locação tem eficácia real e,
portanto, oponível erga omnes.

1.4. RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL

São elementos básicos da relação jurídica obrigacional: elemento subjetivo (credor e


devedor); elemento objetivo ou material (prestação); elemento imaterial ou vínculo jurídico
(vínculo/liame entre credor e devedor).
O objeto da obrigação pode ser imediato ou mediato.
Objeto imediato Obrigação de dar; fazer; não fazer
Objeto mediato O bem da vida discutido

Em um caso hipotético, havendo a celebração de um contrato de compra e venda de


um celular, por exemplo, o objeto imediato é a obrigação de dar, ao passo que o objeto
mediato é o celular.

86
Aurélio Bouret

1.5. TEORIA DUALISTA DAS OBRIGAÇÕES (BRINZ)

A partir do elemento imaterial, também chamado de elemento espiritual ou abstrato,


um autor alemão chamado Brinz identificou que a relação obrigacional pode ser dividida em
dois momentos distintos, através do binômio: schuld (débito)e haftung (responsabilidade
patrimonial).
Schuld, portanto, é uma relação estática do direito civil, criada a relação obrigacional
nasce o débito, e quem detém o débito é o devedor. O haftung, por sua vez, constitui uma
relação dinâmica do direito processual civil e, portanto, trata-se da responsabilidade
patrimonial, não cumprida a prestação pactuada (débito ou schuld), nasce a responsabilidade
(haftung) pelo inadimplemento. No campo do processo civil, este se revela através do princípio
da patrimonialidade, pois, em caso de não cumprimento da obrigação pelo devedor, este
responderá com seus bens.

1.5.1. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO DEVEDOR

Nos primórdios do Direito Romano o devedor respondia pessoalmente com seu


próprio corpo por suas dívidas, podendo ser açoitado, escravizado ou até morto como forma
de punição pelo inadimplemento. Hoje impera a responsabilidade patrimonial do devedor, que
não irá mais responder com seu próprio corpo pelo inadimplemento, irá responder com seu
próprio patrimônio.
Podemos dividir a responsabilidade patrimonial de duas maneiras:
 Responsabilidade patrimonial primária (art. 391 do CC e 789 do CPC), que se revela
naquela em que o patrimônio do próprio devedor vai responder pela obrigação
(devedor é detentor do schuld e do haftung).
 Responsabilidade patrimonial secundária, que diz respeito àquela responsabilidade
que recai sobre o patrimônio de pessoa diversa do devedor (terceiro é detentor
somente do haftung). Tal modalidade de responsabilidade encontra-se disciplinada no
art. 790 do CPC.
Cumpre destacar que há um resquício de responsabilidade pessoal do devedor no
nosso ordenamento jurídico. É o caso do permissivo constitucional de prisão civil (leia-se
prisão por dívida) no caso de depositário infiel e devedor inescusável de alimentos (art. 5º
LXVII da CRFB). Lembre-se que apesar da previsão constitucional da prisão civil do depositário
infiel, essa não é mais possível em razão do controle de convencionalidade exercido em face
do Pacto de São José da Costa Rica, que só permite a prisão civil no caso de devedor
inescusável de alimentos (SV. 25 do STF).

1.5.2. OBRIGAÇÕES PERFEITAS E IMPERFEITAS

A partir da teoria dualista das obrigações, podemos classificar as obrigações em


perfeitas e imperfeitas. Obrigações perfeitas seriam aquelas em que débito (schuld) e
responsabilidade (haftung) recaem sobre o mesmo sujeito. Já obrigações imperfeitas seriam
aquelas em que há o débito (schuld), mas não há a responsabilidade (haftung), ou aquelas em
que débito e responsabilidade recaem sobre pessoas distintas.
São exemplos de obrigações imperfeitas em que há o débito, mas não há a
responsabilidade pelo inadimplemento, as obrigações naturais, que são inexigíveis, tais como
dívida de jogo e dívida prescrita, em que há o débito presente, mas não há a responsabilidade
pelo inadimplemento.

87
Aurélio Bouret

São exemplos de obrigações imperfeitas em que há a responsabilidade pelo o


adimplemento mesmo sem ter constituído o débito, as obrigações do avalista ou do fiador,
que são responsáveis pelo inadimplemento do devedor principal, sem nunca terem constituído
o débito. O fiador, portanto, tem o haftung, mas não constituiu o schuld. Débito e
responsabilidade recaem sobre pessoas distintas.

1.6. OBRIGAÇÃO COMO UM PROCESSO

A partir de uma teoria do renomado autor alemão Karl Larenz, trazida para o Brasil por
Clóvis Couto e Silva, atualmente há uma nova concepção de obrigação. Ela não é vista apenas
como um mero vínculo jurídico que se presta apenas à satisfação do interesse do credor. Hoje,
a obrigação é vista com um processo.
Segundo essa tese, a obrigação se revela como um conceito dinâmico e deve ser vista
como um processo, uma série de atos relacionados entre si que, desde o início, caminha com
uma finalidade, qual seja, a satisfação da prestação.
Não mais deve prevalecer a ideia formal de vínculo que subordina o devedor ao
credor, mas sim a noção de que a relação jurídica é voltada para o adimplemento de forma
mais satisfativa para o credor e menos onerosa para o devedor, que são “parceiros de um bem
comum”. Atendendo assim ao princípio da boa-fé objetiva.
Como exemplo de aplicação da nova concepção da obrigação como um processo,
podemos citar o chamado duty to mitgate the loss.

1.6.1. DUTY TO MITIGATE THE LOSS (DEVER DE MITIGAR AS PRÓPRIAS PERDAS

O duty to mitage the loss ou o dever de mitigar as próprias perdas consiste em uma
vedação ao abuso do direito do credor. O credor deve evitar que o seu devedor fique em
situação cada vez mais delicada, deve evitar o agravamento da situação do devedor. Configura
abuso do direito do credor estimular situações que deixam o devedor cada vez mais preso com
as suas próprias dívidas. Isso se releva em diversas situações, sobretudo nas questões sobre o
superendividamento.
Exemplo: quando se fala se em superendividamento, como nos casos de cheque
especial em banco quando o devedor procura seguradora financeira menor que diz que
empresta dinheiro sem consulta ao SPC e ao SERASA. Ele pega o dinheiro emprestado para
saldar a dívida com o banco, depois pega dinheiro emprestado para pagar a seguradora
anterior e vira uma bola de neve. O indivíduo fica superendividado. Conceder crédito só vai
agravar a situação.
O credor tem o dever de evitar a agravação do prejuízo, ou seja, tem o dever de evitar
as próprias perdas. Ao final, quem vai perder é também o credor, pois não irá receber. Não
estamos tratando de calote. Isso é um fundamento para o devedor, reconhecido nessa
situação de superendividamento, pleitear em juízo uma revisão contratual, uma dilatação dos
prazos, reduzir juros abusivos.
Esse dever de mitigar as próprias perdas revela mais uma aplicação do princípio da
boa-fé objetiva, ressaltando os deveres anexos de lealdade, proteção, confiança e cooperação,
evitando assim o abuso de direito do credor.

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Aurélio Bouret

2. ATOS UNILATERAIS

2.1. INTRODUÇÃO

Nas declarações unilaterais de vontade, a obrigação nasce de uma simples declaração


de uma única parte. Essa declaração, uma vez emitida, torna plenamente exigível aquilo que
foi declarado. Ao chegar ao conhecimento daquele em que foi direcionada a obrigação, se o
sujeito cumpriu, terá direito ao que foi emitido.
O Código Civil consagra expressamente alguns atos unilaterais:
 promessa de recompensa;
 gestão de negócios;
 pagamento indevido;
 enriquecimento sem causa.

2.2. PROMESSA DE RECOMPENSA

O art. 854 diz que, aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a
recompensar, ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço,
contrai obrigação de cumprir o prometido.
A pessoa que cumpriu a tarefa, ainda que não tivesse movida pelo interesse da
promessa de recompensa, poderá exigir a recompensa (art. 855).

2.2.1. REVOGAÇÃO DA PROMESSA

O sujeito poderá revogar a promessa de recompensa, mas essa só é possível antes de


prestado o serviço. Ainda, para que a revogação surta efeitos, deverá ser feita com a mesma
publicidade da declaração.
Então, antes de o sujeito prestar o serviço, poderá ser feita a revogação da promessa,
mas deve ser feita com a mesma publicidade da declaração.
No caso de revogação, se algum candidato de boa-fé tiver efetuado despesas para
cumprir o serviço realizado para obter a recompensa, estas despesas deverão ser
reembolsadas por quem havia prometido e revogou.

2.2.2. EXECUÇÃO CONJUNTA E SIMULTÂNEA

Se o ato contemplado na promessa foi praticado por mais de um indivíduo, terá direito
à recompensa quem primeiro executou a tarefa (art. 857).
Sendo a execução simultânea, cada um tocará quinhão igual na recompensa.
E se for estipulada como recompensa um bem indivisível?
Nesse caso, não dá para dividir o bem, situação na qual deverá haver um sorteio, e
aquele que obtiver a coisa dará ao outro o valor de seu quinhão.

2.2.3. PRAZO E JULGAMENTO

Nos concursos que se abrirem com promessa pública de recompensa, é condição


essencial, para valerem, a fixação de um prazo.

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Aurélio Bouret

A decisão da pessoa nomeada, nos anúncios, como juiz, obriga os interessados. Em


falta de pessoa designada para julgar o mérito dos trabalhos que se apresentarem, entender-
se-á que o promitente se reservou essa função.
Tais obras premiadas, nos concursos mencionados, só ficarão pertencendo ao
promitente, se assim for estipulado na publicação da promessa.

2.3. GESTÃO DE NEGÓCIOS

Na gestão de negócios há uma atuação sem poderes. Ou seja, a parte atua sem
receber a incumbência do sujeito que seria o mandatário.
O gestor de negócios não tem direito à remuneração e deve agir conforme a vontade
presumível da vontade do dono do negócio, pois, do contrário, responderá pelos danos que
causar.
Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, o
gestor irá responder, inclusive por casos fortuitos ou força maior, não provando que teriam
sobrevindo, ainda quando se houvesse abatido.
Em regra, a responsabilidade é subjetiva. No entanto, caso aja contra a vontade do
dono do negócio, responderá objetivamente, inclusive força maior e caso fortuito.
Se os prejuízos da gestão excederem o seu proveito, o dono do negócio pode exigir do
gestor que ele restitua as coisas ao estado anterior, ou o indenize da diferença. Ex.: João viajou
e o seu vizinho percebeu que em sua casa estava pegando fogo. Com isso, arrombou a porta
(primeiro dano) e apagou o fogo com o tapete persa de João (segundo dano). No entanto,
evitou um prejuízo enorme, e agiu conforme a vontade presumível do seu dono, João.
Em regra, o gestor só será responsabilizado se tiver agido com culpa, conforme a
responsabilidade subjetiva do art. 866 do CC. Ou seja, o gestor envidará toda sua diligência
habitual na administração do negócio, ressarcindo ao dono o prejuízo resultante de qualquer
culpa na gestão.
Se o gestor se fizer substituir por outrem, responderá pelas faltas do substituto. Ou
seja, se o gestor eleger alguém para atuar, responderá pelas faltas do seu substituto. Atente-se
que a responsabilidade por fato de terceiro é objetiva e solidária.
Se a gestão for conjunta, prestada por várias pessoas ao mesmo tempo, existe
responsabilidade solidária entre todos os gestores, consagrada no art. 867, parágrafo único.
Quando o dono do negócio retorna, há duas opções:
 concordar e ratificar a gestão, convertendo a atuação do vizinho em mandato,
devendo ressarcir o gestor por todas as despesas necessárias e úteis pela sua
atuação. Essa ratificação retroage ao dia do começa da gestão, tendo efeito ex
tunc (art. 873);
 desaprovar a atuação do gestor, situação na qual poderá pleitear perdas e danos,
ainda que se trate de operações arriscadas no caso fortuito ou força maior, mesmo
que o dono costumasse fazê-las, ou quando preterir interesse deste em proveito
de interesses seus.
Observa-se que o dono do negócio só pode recusar a ratificar a atuação do gestor se provar
que sua atuação foi contrária aos seus interesses diretos. A lei presume a boa-fé. Se o gestor
atuou com boa-fé, não se pode recusar a ratificação dos atos do gestor, devendo provar que
ele não agiu de acordo com seus interesses diretos.

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Aurélio Bouret

2.4. PAGAMENTO INDEVIDO

O pagamento indevido é o pagamento sem o débito. Segundo o art. 876, todo aquele
que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir. Portanto, o pagamento
indevido, que é um ato unilateral, faz nascer a obrigação de restituir. Pagamento indevido é
espécie do gênero enriquecimento sem causa.
O art. 878 dispõe que aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à
coisa dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto quanto ao possuidor de boa-fé ou de
má-fé, a depender da existência de boa-fé ou má-fé de quem recebeu o pagamento.
Ex.: alguém recebe o imóvel de boa-fé à título de pagamento. Nesse caso, terá direito
aos frutos colhidos na vigência em que ele teve o imóvel consigo. Em razão disso, terá direito
de indenização e direito de retenção quanto às benfeitorias úteis e necessárias. Questiona-se:
e se essa pessoa recebeu o imóvel como pagamento sabendo da inexistência da dívida, ou
seja, de má-fé? Nesse caso, não há direito aos frutos, nem direito de retenção, podendo ser
indenizado apenas quanto às benfeitorias necessárias.
Fica isento de restituir pagamento indevido quem, recebendo como parte de dívida
verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão ou abriu mão das garantias que
asseguravam seu direito (art. 880). Porém, aquele que pagou dispõe de ação regressiva contra
o verdadeiro devedor e seu fiador.
Atente-se que a regra é a restituição simples do valor pago, não em dobro. No entanto,
a lei consagra hipóteses em que cabe restituição em dobro:
 aquele que demanda por dívida já paga ficará obrigado a pagar em dobro o que
houver cobrado do devedor (art. 940);
 o CDC, no art. 42, p.ú., diz que o consumidor poderá pleitear a restituição do
pagamento indevido em dobro.
O CC afasta a possibilidade de repetição de indébito quando se tratar de obrigação
natural ou quando se tratar de pagamento de obrigação imoral.
Com relação à obrigação natural, não se pode repetir o que se pagou para solver dívida
prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível, pois existe o schuld, apesar de não
existir o haftung.
Em relação à obrigação imoral, quem paga recompensa a alguém por ter matado
outrem, não tem direito a esta restituição. Isto é, não terá direito à repetição aquele que deu
alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei. Neste caso, o que se deu
reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz.
Se o pagamento indevido tiver consistido no desempenho de obrigação de fazer ou
para eximir-se da obrigação de não fazer, aquele que recebeu a prestação fica na obrigação de
indenizar o que a cumpriu, na medida do lucro obtido.

2.5. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

Segundo o art. 884, aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será
obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
São pressupostos para que haja direito à restituição:
 enriquecimento de quem recebe;
 empobrecimento de quem paga (não é pacífico);

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Aurélio Bouret

 relação de causalidade entre o enriquecimento de um e o empobrecimento do


outro;
 inexistência de causa jurídica que justifique isso;
 inexistência de ação específica.
Não caberá a restituição por enriquecimento sem causa, se a lei conferir ao lesado
outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido. Isto é, a ação de enriquecimento sem causa
é subsidiária.
Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a
restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em
que foi exigido.
Portanto, a restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique
o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

3. CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

3.1. CLASSIFICAÇÃO BÁSICA DAS OBRIGAÇÕES

Quanto à classificação das obrigações, elas podem ser básica ou especial. A


classificação básica é dividida em:
 obrigação positiva - consubstanciada em uma obrigação de dar (coisa certa ou
incerta) e de fazer;
 obrigação negativa - trata-se da obrigação de não fazer.

3.2. CLASSIFICAÇÃO ESPECIAL DAS OBRIGAÇÕES

A classificação especial possui as seguintes divisões.

3.2.1. QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO (OS SUJEITOS)

a) Fracionárias: pluralidade de devedores ou credores, cada um deles responde apenas


por parte da dívida.
b) Conjuntas: pluralidade de devedores ou credores, impondo-se a todos o pagamento
conjunto de toda a dívida, não se autorizando aos credores exigi-la individualmente.
c) Disjuntivas: devedores se obrigam alternativamente ao pagamento da dívida. Se um
cumpre a obrigação, os demais são exonerados.
d) Solidárias: existe solidariedade quando, na mesma obrigação, concorre uma
pluralidade de credores, cada um com direito à dívida toda (solidariedade ativa), ou
uma pluralidade de devedores, cada um obrigado à dívida por inteiro (solidariedade
passiva).

3.2.2. QUANTO AO ELEMENTO OBJETIVO (A PRESTAÇÃO)

a) Alternativas: aquelas que têm por objeto duas ou mais prestações, sendo que o
devedor exonera-se cumprindo apenas uma delas.
b) Facultativas: aquelas que têm um único objeto e o devedor tem a faculdade de
substituir a prestação devida por outra de natureza diversa.

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Aurélio Bouret

c) Cumulativas: aquelas que têm por objeto uma pluralidade de prestações a serem
cumpridas conjuntamente.
d) Divisíveis e indivisíveis: as obrigações divisíveis admitem o cumprimento fracionado
ou parcial da prestação; nas obrigações indivisíveis só podem ser cumpridas por
inteiro.
e) Líquidas e ilíquidas: obrigações líquidas são aquelas certas quanto à existência e
determinadas quanto ao objeto; nas ilíquidas não há especificação do quantum para o
seu cumprimento.

3.2.3. QUANTO AO ELEMENTO ACIDENTAL

a) Obrigação condicional: condicionadas a evento futuro e incerto.


b) Obrigação a termo: exigibilidade subordinada a evento futuro e certo.
c) Obrigação modal: possuem um encargo (ônus) imposto a uma das partes, que
experimentará benefício maior.

3.2.4. QUANTO AO CONTEÚDO

a) Obrigações de meio: o devedor se obriga a empreender a atividade sem garantir o


resultado esperado.
b) Obrigações de resultado: o devedor se obriga não apenas a empreender a
atividade, mas, principalmente, produzir o resultado.
c) Obrigações de garantia: eliminar riscos que pesam sobre o credor, reparando suas
consequências.

4. OBRIGAÇÕES DE DAR

4.1. INTRODUÇÃO

É a obrigação que tem por objeto a prestação de COISA. A expressão “dar” se divide
em duas situações: (i) dar na modalidade entregar e; (ii) dar na modalidade restituir. Veja que
nas obrigações de dar, não é simplesmente dar de entregar, mas também como forma de
restituição da coisa.
Dessa forma, o verbo “dar” em direito civil tem o sentido de “entregar” (transferir a
propriedade ou posse) ou de “restituir” (devolução da coisa ao proprietário).
Na obrigação de dar, como na compra e venda de um celular, por exemplo, impõe-se o
dever de entregar o bem ao comprador. Noutro sentido, tem-se a obrigação de restituir,
quando a pessoa empresta o celular para outra, por exemplo, por pequeno período tempo,
mas a propriedade continua sendo do dono e, após o uso, deve-se restituir o celular ao
proprietário.
OBS.: O CPC denomina ação de restituição de obrigação reipersecutória.
A obrigação de dar pode ser dividida: obrigação de dar coisa certa e obrigação de dar
coisa incerta.
 Obrigação de dar coisa certa: envolve uma coisa já qualificada; quantificada;
especificada; individualizada. Por exemplo, “te darei este iphone”.

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Aurélio Bouret

 Obrigação de dar coisa incerta: é aquela cuja incerteza é temporária, pois logo após,
conseguirei discriminar a coisa. Por exemplo, “vou te dar um iphone”.

4.2. OBRIGAÇÃO DE DAR COISA CERTA

A regra de ouro inserida no campo do direito das obrigações se encontra prevista no


artigo 313 do CC, que diz que “o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe
é devida, ainda que mais valiosa”. É por isso que o credor deve receber exatamente aquilo que
foi pactuado, mas, em razão da autonomia da vontade, o credor poderá consentir em receber
prestação diversa da devida.
Contudo, a entrega de coisa diversa somente poderá ocorrer com o consentimento do
credor, no caso dação em pagamento (credor recebe coisa diversa da devida, por sua própria
vontade). Art. 321 c/c 346 do CC.

4.2.1. PERECIMENTO/DETERIORAÇÃO DA COISA

Acerca do assunto, deve-se identificar se o dar é entregar ou restituir, após, deve-se


definir quem é o dono e quem é o devedor. O perecimento da coisa segue a regra do res perit
domino, ou seja, a coisa perece para o dono.
O dono da coisa na modalidade de entregar é devedor (enquanto a coisa permanece
com o proprietário – antes da tradição –, ele é dono, mas após a relação jurídica, o
proprietário passa a ser devedor, pois cabe a ele a entrega do bem). Na modalidade restituir, o
dono da coisa é o próprio credor (aquele que emprestou o bem, por exemplo, é o dono, e
aquele que deve restituir o bem é devedor).
Dessa forma:
 Coisa se perder COM culpa: incidirá perdas e danos.
 Coisa se perder SEM culpa: a coisa perece para o dono. A obrigação se resolve
sem ônus para as partes.

 Exemplo na obrigação de dar: se em um contrato de compra e venda de


um celular, antes da entrega do bem, a coisa perece nas mãos do
proprietário, sem culpa sua. Quem sofrerá a perda é o dono da coisa,
devendo este devolver o valor que foi pago pelo comprador. Porém, se
antes da entrega, a coisa perecer por culpa do proprietário, a coisa
perecerá ao dono + incidência de indenização por perdas e danos pelo não
cumprimento da obrigação + devolução do equivalente (valor que foi
pago).

 Exemplo na obrigação de restituir: se “A” pede emprestado o celular de


“B”. E no momento do uso a coisa vem a se perder sem culpa de “A”, “B”
sofrerá a perda do bem em virtude de ser o dono. Agora, se o perecimento
do celular ocorre por culpa de “A”, muito embora o credor sofra com a
perda, “A” deverá indenizar “B” com perdas e danos em razão do não
cumprimento da obrigação.

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Aurélio Bouret

4.2.2. REGRAS SOBRE PERDA E DETERIORAÇÃO DO OBJETO

Quem suporta o prejuízo? Se antes da tradição, o prejuízo é do dono res


perit domino.

Perecimento É a perda total.

Deterioração É a perda parcial.

Perecimento na entrega Sem culpa: (art. 234 - 1ª parte) Obrigação


extinta para ambas as partes, que voltam ao
status quo ante; se já recebeu pela coisa tem
que devolver o valor (art. 492).
Com culpa: (art. 234 - 2ª parte) Responde o
devedor por perdas e danos mais o
equivalente.

Deterioração na entrega Sem culpa: (art. 235) Credor pode resolver a


obrigação ou aceitar a coisa, abatido do preço o
valor que perdeu.
Com culpa: (art. 236) Credor pode exigir o
equivalente ou aceitar a coisa no estado em
que se acha, com direito de reclamar perdas e
danos.

Perecimento na restituição Sem culpa: (art. 238) O credor sofre a perda,


ressalvados os direitos até o dia da perda.
Com culpa: (art. 239) Responde pelo
equivalente mais perdas e danos.

Deterioração na restituição Sem culpa: (art. 240) Credor recebe como se


encontra a coisa e sem direito a indenização.
Com culpa: (art. 239) Responde pelo
equivalente mais perdas e danos.

OBS.: perdas e danos constituem somatório de indenização que a parte pode pleitear em
virtude do não cumprimento de uma obrigação. Por exemplo, dano moral, lucro cessante,
dano emergente, honorários de advogado, entre outras.

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Aurélio Bouret

4.2.3. ARTIGOS MAIS COBRADOS EM PROVAS

Art. 237 do CC. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus
melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o
credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.

Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os


pendentes.

Veja que o dispositivo acima diz respeito à obrigação de dar na modalidade entregar e,
portanto, o dono é o devedor. Resolver a obrigação no direito civil significa desfazer a
obrigação, é o retorno do status quo ante.
Ex.: se na compra e venda de uma fazenda, por exemplo, mas antes da tradição, tem-
se a ocorrência da avulsão (deslocamento terra e acréscimo na propriedade), fazendo com que
a propriedade fique ainda maior. O vendedor pode exigir aumento no preço, mas se não
houver concordância do comprador, haverá devolução do valor, desfazendo-se o negócio. Isso
porque, os melhoramentos e os acrescidos da coisa autorizam o aumento do preço.
Obs.: frutos pendentes são aqueles que ainda não foram colhidos, pois não estão no
momento de serem retirados da coisa.

Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor,
se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá,
ressalvados os seus direitos até o dia da perda.

Lembre-se, na restituição, o dono é o próprio credor


Ex.: se até o dia da perda da coisa, o devedor pagava ao credor aluguel pelo uso do celular,
serão devidos os alugueis até o dia do perecimento, se ocorreu sem culpa do devedor.

Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo
equivalente, mais perdas e danos.

Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o


credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor,
observar-se-á o disposto no art. 239.

Art. 241. Se, no caso do art. 238, sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa,
sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de
indenização.

Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou


dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias
realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o


disposto neste Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Na obrigação de dar na modalidade entregar, os melhoramentos cabem ao devedor,


que pode exigir aumento do preço. Ao passo que quando o melhoramento ocorrer na
restituição é preciso analisar se aquele que deve restituir, ou seja, o devedor trabalhou para
aquele acréscimo ou não. Em caso negativo, este não possui direito a nada, mas se sim, o
credor deverá indenizá-lo. Aplica-se a regra do possuidor de boa-fé ou má-fé (art. 1219 e 1220
do CC).

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Aurélio Bouret

Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não
mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.

Deve-se observar que, na obrigação de dar coisa certa, envolvem-se os acessórios que
sejam frutos, produtos e benfeitorias (constituem partes integrantes do bem). As pertenças
que são bens móveis inseridos nos bens imóveis com caráter de definitividade, a qual assume
as características de imobilidade, não acompanham o principal (Informativo 629 do STJ).

Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do
devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a
obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor,
responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.

Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor
resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.

4.3. OBRIGAÇÃO DE DAR COISA INCERTA

A coisa incerta é indicada apenas pelo gênero e pela quantidade, não há uma indicação
da qualidade – são obrigações genéricas. Por exemplo, “vou te dar um (quantidade) iphone
(gênero)”. A coisa é incerta até que seja escolhida, pois se disser “vou te dar este iphone”, a
coisa já foi escolhida e, portanto, a coisa passa a ser certa. Conforme artigo 243 do CC.
Indeterminabilidade é temporária – há momento certo para escolha. No momento em
que a coisa passa a ser certa, aplicam-se as regras para as obrigações de dar coisa certa.
Via de regra, quando estivermos diante de coisa incerta, a escolha cabe ao devedor,
contudo, é possível que as partes convencionem de forma diversa. É o dispõe o artigo 244, do
CC.
No momento da escolha ou concentração da obrigação esta deve ser feita pela média,
não pode ser a pior e nem mesmo a melhor. É a chamada virtude da prestação média, art. 244
parte final do CC.
Via de regra, o gênero nunca perece. A partir disso, dispõe o artigo 246 do CC que
“antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por
força maior ou caso fortuito”.
Contudo, o professor Pablo Stolze, nesse ponto, faz uma ponderação reflexiva, o qual
afirma que o artigo 246 é falho, pois quando se fala em gênero limitado na natureza, poderá
perecer. Por exemplo, obrigação de entregar determinada espécie em extinção. Caso ocorra a
morte do animal, não é possível fazê-lo substituir, tendo em vista o perecimento do gênero.

5. OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER

5.1. OBRIGAÇÃO DE FAZER

É a obrigação que tem por objeto a prestação de um fato, podendo ser, personalíssima
(infungível) ou não personalíssima (fungível).Abrange o serviço humano em geral, seja material
ou imaterial. Constitui-se de atos e serviços - qualquer atividade lícita, possível e vantajosa.
Por exemplo, a pessoa contrata um advogado para redigir um contrato; contrata
cantor para cantar na festa de casamento; contrata um pedreiro para construir uma casa,
dentre outras variadas possibilidades de obrigação de fazer.

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Aurélio Bouret

 Obrigação personalíssima - Também chamada de obrigação infungível, trata-


se de uma obrigação de fazer que deva ser prestada exatamente por aquela
pessoa que foi contratada. Por exemplo, se contratada Ivete Sangalo para
tocar na festa de casamento, a cantora é insubstituível. A obrigação de fazer
infungível é definida pela pessoa contratada, por suas qualidades ou pela
própria instituição em contrato.
 Obrigação não personalíssima -Também denominada de obrigação fungível, é
a possibilidade de substituição daquele que deve prestar o serviço. Por
exemplo, contrato pedreiro para construir o muro, nada impede que em caso
de não cumprimento da obrigação, ele seja substituído por outro.
Desse modo, em se tratando de uma obrigação infungível e o devedor não cumpre a
obrigação por sua culpa, incidirá perdas e danos. Vejamos:
“Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a
prestação a ele só imposta, ou só por ele exequível.”
Na mesma linha, o não cumprimento de uma obrigação fungível, sem culpa do
devedor, não incidirá perdas e danos, mas, havendo culpa, incidirá.
“Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-
se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.”
Ademais, caso o devedor em uma obrigação fungível não cumpre a obrigação, o
terceiro pode cumprir em seu lugar. Em caso de urgência, a contratação do terceiro pode ser
feita sem autorização do magistrado.

Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo
executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da
indenização cabível.

Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de


autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.

Notadamente, as obrigações alhures mencionadas possuem íntima ligação com o


direito processual civil, especialmente, no estudo do processo de execução. Pois, quando se
fala em execução tem-se o cumprimento de uma obrigação (direito subjetivo de crédito).
Assim sendo, o princípio da especialidade é a busca da tutela específica, ou seja, é
conceder aquilo que foi pactuado entre as partes; que é de direito do credor. Diante disso, as
técnicas executivas devem ser suficientes para alcançar ao credor a tutela específica.
As técnicas indiretas executivas de coerção que são utilizadas para fazer cumprir uma
obrigação de fazer podem ser de duas modalidades:
 prisão, utilizada para prisão civil do devedor de alimentos;
 multas, que podem ser:
o multas legais (previstas na lei – obrigação de dar quantia certa) e;
o multa judicial - astreintes (podem ser fixadas pelo juiz na sentença e na
execução, não transitam em julgado, pode ser majorada se
insuficiente, ou reduzida se excessivamente onerosa). Vale mencionar
que as astreintes são fixadas de acordo com o caso concreto e a favor
do credor.
Nesse trilhar, caberá ao credor além da tutela específica, o pagamento da quantia
referente às astreintes, que são fixadas por dia e somente se encerra com a satisfação da
obrigação.

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Aurélio Bouret

Art. 814. Na execução de obrigação de fazer ou de não fazer fundada em título


extrajudicial, ao despachar a inicial, o juiz fixará multa por período de atraso no
cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida.

5.1.1. NÃO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER

Primeiramente, deve-se verificar se a obrigação é fungível ou infungível.


 Fungível: terceiro poderá satisfazer a obrigação às custas do devedor OU
converter em perdas e danos (art. 816, do CPC).
 Infungível: são obrigações que somente o devedor pode cumprir, caso em que
o inadimplemento se converte em perdas e danos.

5.2. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER

A obrigação de não fazer tem por objeto uma prestação negativa, um comportamento
omissivo do devedor, e está regulada nos artigos 250 e 251 do CC. É um dever de abstenção de
um fato. Desse modo, a execução da obrigação de não fazer, é um fazer, e o credor requererá
o desfazimento daquilo que não deveria ser sido feito.
Obs.: o artigo 814 do CPC também é aplicado nas obrigações de não fazer.
“Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se
lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar.”

Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode
exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o
culpado perdas e danos.

Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar


desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do
ressarcimento devido.

5.2.1. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER

Deve-se verificar se a obrigação é permanente/contínua ou instantânea.


 Permanente/contínua: terceiro poderá satisfazer a obrigação às custas do
devedor MAIS perdas e danos.
 Instantânea: são obrigações que não admitem serem desfeitas, em caso de
inadimplemento, converte-se em perdas e danos.

Art. 822 do CPC. Se o executado praticou ato a cuja abstenção estava obrigado por
lei ou por contrato, o exequente requererá ao juiz que assine prazo ao executado
para desfazê-lo.

Art. 823 do CPC. Havendo recusa ou mora do executado, o exequente requererá


ao juiz que mande desfazer o ato à custa daquele, que responderá por perdas e
danos.

Parágrafo único. Não sendo possível desfazer-se o ato, a obrigação resolve-se em


perdas e danos, caso em que, após a liquidação, se observará o procedimento de
execução por quantia certa.

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Aurélio Bouret

6. OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS E FACULTATIVAS

6.1. OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS

Obrigações alternativas são aquelas em que há uma pluralidade de objetos, desde o


início o devedor se compromete a cumprir uma prestação em caráter alternativo, ele só irá se
desobrigar entregando um objeto ou outro. As obrigações alternativas não envolvem
incertezas, mas envolve a prestação dois objetos ou mais. Por exemplo, “você tem que me
entregar o pincel preto ou o pincel vermelho”.
Em regra, dá-se ao devedor a alternativa de escolha. Contudo, nada impede que seja
estipulado de forma diversa, por exemplo, pactuam que a escolha será do credor; do terceiro;
por sorteio etc. (art. 252 do CC).
Desse modo, se eventualmente o credor interpuser uma ação de execução decorrente
de um título executivo extrajudicial em face do devedor, a qual prevê o cumprimento de uma
obrigação alternativa, deve-se oportunizar ao devedor seu direito de escolha.
As obrigações alternativas encontram-se guarida nos arts. 252 ao 256 do CC.

Art. 252. Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa
não se estipulou.

§ 1º Não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e


parte em outra.

Ex.: o devedor deve entregar ao credor 50 computadores ou 50 impressoras e à


escolha cabe ao devedor. O que não pode ser feito neste caso, é o cumprimento da obrigação
mediante entrega de 25 computadores e 25 impressoras. Tal situação encontra respaldo na
regra de ouro disposta no artigo 313, do CC: “O credor não é obrigado a receber prestação
diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa”. Todavia, caso o devedor consinta em
receber prestação diversa, ter-se-á dação em pagamento.
“Art. 252 § 2º Quando a obrigação for de prestações periódicas, a faculdade de opção
poderá ser exercida em cada período.”
Prestações periódicas são aquelas que se prolonga no tempo. Se, por exemplo,
durante o lapso temporal de 12 meses e no dia 10 de cada mês o devedor deva entregar ao
credor 50 computadores ou 50 impressoras. Optando o devedor no primeiro mês pela entrega
de 50 computadores, não significa que nos demais meses ele deverá entregar tão somente os
computadores. Isto é, as escolhas serão renovadas periodicamente.
“Art. 252 § 3º No caso de pluralidade de optantes, não havendo acordo unânime entre
eles, decidirá o juiz, findo o prazo por este assinado para a deliberação.”
Em uma situação hipotética em que dois são os devedores, a escolha deve ser feita de
forma conjunta. Havendo divergência na escolha do objeto, caberá ao magistrado a escolha.
“Art. 252 § 4º Se o título deferir a opção a terceiro, e este não quiser, ou não puder
exercê-la, caberá ao juiz a escolha se não houver acordo entre as partes.”
Competindo a escolha a um terceiro, e esse não puder ou não quiser exercer a escolha,
caberá ao magistrado à escolha. Cuidado! A escolha somente será do credor se o contrato
assim o prever.
“Art. 253. Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se
tornada inexequível, subsistirá o débito quanto à outra.”
Desse modo, se alguma das prestações tornarem inexequível, por exemplo, por
perecimento do objeto, a outra subsistirá.

100
Aurélio Bouret

Art. 254. Se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações,
não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor da que
por último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar.

Havendo perecimento de um dos objetos, a escolha persistirá naquele que se encontra


íntegro (objeto que sobrou). Contudo, havendo perecimento deste último também, por culpa
do devedor, caberá a este o pagamento do objeto escolhido (aquele objeto que havia
sobrado), mais perdas e danos.

Art. 255. Quando a escolha couber ao credor e uma das prestações tornar-se
impossível por culpa do devedor, o credor terá direito de exigir a prestação
subsistente ou o valor da outra, com perdas e danos; se, por culpa do devedor,
ambas as prestações se tornarem inexequíveis, poderá o credor reclamar o valor
de qualquer das duas, além da indenização por perdas e danos.

“Art. 256. Se todas as prestações se tornarem impossíveis sem culpa do devedor,


extinguir-se-á a obrigação.”
Inexistindo culpa do devedor, resolve-se a obrigação, é o retorno do status quo ante.

6.2. OBRIGAÇÕES FACULTATIVAS

As obrigações facultativas não estão previstas em lei, mas são reconhecidas pela
doutrina e jurisprudência. Na obrigação facultativa o devedor se compromete a cumprir uma
prestação, mas reservando-se a faculdade de se desobrigar cumprindo outra prestação.
Ex.: João se compromete a entregar um carro para Maria, podendo também se liberar
entregando uma lancha. Neste caso a faculdade de substituição será sempre do devedor.
Caso o objeto da prestação principal venha a se perder antes do cumprimento da
obrigação, sem culpa do devedor, a obrigação se resolve sem ônus para qualquer das partes.
Não há que se falar em concentração da prestação restante, uma vez que o devedor só se
obrigou ao cumprimento de uma prestação, a outra era facultativa.

7. OBRIGAÇÕES DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS

Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância,
diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam. Por exemplo, o
dinheiro, saca de café etc. Já os bens indivisíveis são aqueles que não admitem fracionamento,
pois, se houver, perdem sua qualidade. Têm-se como exemplo de bens indivisíveis os animais.
Torna-se relevante o estudo das obrigações divisíveis e indivisíveis quando houver
pluralidade de credores. Desse modo, havendo um credor e um devedor, não há relevância em
sabermos se a obrigação é divisível ou indivisível. A problemática reside na situação em que
houver um credor com vários devedores ou vários credores com apenas um devedor – nessa
situação, é necessário sabermos se a obrigação é divisível ou não.
Desse modo, em uma obrigação divisível, por exemplo, em que três devedores devem
três mil reais ao credor, cada devedor está obrigado ao pagamento de mil reais – fracionam-se
as obrigações em quantos forem os sujeitos.
Por outro norte, se a prestação envolver uma obrigação indivisível, por exemplo, em
que dois devedores devem entregar ao credor um cavalo que custa dois mil reais, cada
devedor estará obrigado pela dívida toda.
No entanto, se a obrigação for cumprida por apenas um dos devedores, este se sub-
roga no direito do credor em relação ao outro devedor. A partir disso, aquele devedor que não

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Aurélio Bouret

cumpriu a obrigação torna-se devedor daquele que pagou na quantia de mil reais – quota
parte na obrigação (art. 259, parágrafo único do CC).

7.1. DISPOSITIVOS RELEVANTES

“Art. 257. Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível,


esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou
devedores.”
Em suma, quando a obrigação é divisível cada sujeito terá o direito de pagar ou de
receber, a sua quota parte. Desse modo, se em uma obrigação possui somente um devedor
com vários credores, cada credor poderá exigir do devedor sua referida quota.
“Art. 258. A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou
um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou
dada a razão determinante do negócio jurídico.”
Conforme visto em parte geral, a indivisibilidade da obrigação pode ser determinada
pela vontade das partes. Porém, na maioria das situações, a indivisibilidade é inerente ao
próprio objeto da obrigação.

Art. 259. Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada
um será obrigado pela dívida toda.

Parágrafo único. O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em


relação aos outros coobrigados.

Art. 260. Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida
inteira; mas o devedor ou devedores se desobrigarão, pagando:

I - a todos conjuntamente;

II - a um, dando este caução de ratificação dos outros credores.

“Art. 261. Se um só dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um dos outros
assistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte que lhe caiba no total.”

7.2. REMISSÃO OU PERDÃO

Art. 262. Se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para
com os outros; mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor
remitente.

Parágrafo único. O mesmo critério se observará no caso de transação, novação,


compensação ou confusão.

 Transação = acordo.
 Novação = extinção de uma obrigação, para criação de outra.
 Compensação = compensar as dívidas.
 Confusão = quando a pessoa do credor e do devedor se concentrarem na
mesma pessoa.

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Aurélio Bouret

7.3. PERDA DO OBJETO E FIM DA INDIVISIBILIDADE

“Art. 263. Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e


danos.”
No momento em que o bem deixa de ser indivisível, cessa as regras de indivisibilidade.
Por conta disso, se o devedor está obrigado a entregar um cavalo para dois credores, e o
animal morre, o devedor deverá pagar a quantia de dois mil reais (valor do bem). Tendo em
vista que dinheiro é divisível, aplicam-se as regras de divisibilidade.
“§ 1º Se, para efeito do disposto neste artigo, houver culpa de todos os devedores,
responderão todos por partes iguais.”
Seguindo o exemplo apresentado acima, havendo dois devedores obrigados na
entrega de um cavalo no valor de dois mil reais. Se a coisa vier a se perder por culpa dos
devedores, cada um responderá pelo valor de mil reais (equivalente - valor do animal) mais a
importância referente às perdas e danos.
“§ 2º Se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse pelas
perdas e danos.”
Havendo culpa apenas de um dos devedores, o valor sobre o equivalente continua
sendo dos dois devedores, mas o culpado na morte do cavalo deverá arcar com as perdas e
danos.

8. OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS

8.1. INTRODUÇÃO

Obrigações solidárias são aquelas em que concorrem mais de um credor ou mais de


um devedor em uma obrigação – pluralidade de sujeitos. Solidariedade ativa é aquela em que
há uma pluralidade de credores; na solidariedade passiva, tem-se uma pluralidade de
devedores.
Regras básicas relacionadas à solidariedade:
“Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor,
ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.”
Na solidariedade ativa, pressupõe vários credores, cada um possui o direito ao
recebimento do todo. Na solidariedade passiva, cada devedor tem obrigação pelo pagamento
do todo. A solidariedade “é um por todos”.
“Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.”
Exemplo de solidariedade legal: no contrato de fiança, se os fiadores renunciarem o
benefício de ordem (exigência de que seja executado por primeiro os bens do devedor, para
em seguida atingir os bens dos fiadores), serão considerados devedores solidários juntamente
com o devedor principal.
Atente-se: se uma situação hipotética for cobrada em prova envolvendo solidariedade,
deve-se fazer a seguinte indagação. Essa situação enseja solidariedade legal ou não? Se
considerar que NÃO, somente pode-se considerar que há solidariedade se tiver constando na
situação hipotética que de fato há uma solidariedade. Haja vista que a solidariedade não se
presume.
Nas obrigações solidárias pouco importa se as obrigações são divisíveis ou indivisíveis,
pois o credor ou os credores terão direito ao todo, e o devedor ou os devedores terão a
obrigação pelo todo.

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Aurélio Bouret

“Art. 266. A obrigação solidária pode ser pura e simples para um dos co-credores ou
co-devedores, e condicional, ou a prazo, ou pagável em lugar diferente, para o outro.”
Embora tenha pluralidade de sujeitos, têm-se várias relações jurídicas/vínculos
jurídicos de cada credor, em face de cada devedor. Sendo possível, portanto, que em face de
um dos devedores subsista uma condição; em face do outro, o lugar do cumprimento da
obrigação é distinto dos demais; e em relação a outro devedor, o prazo para pagamento é
diferenciado etc.
Não é porque existe solidariedade que todas as relações jurídicas serão estritamente
iguais, permite-se que haja peculiaridades diferenciadas dentro das respectivas classes de
devedores e/ou credores.

8.2. DA SOLIDARIEDADE ATIVA

A solidariedade ativa consiste na pluralidade de credores. Sendo possível que haja


pluralidade de sujeitos em ambos os polos da demanda.
Dispositivos pertinentes:
“Art. 267. Cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o
cumprimento da prestação por inteiro.”
Na hipótese de haver quatro credores solidários e um devedor, referente a um
montante de quatro mil reais. Cada co-credor tem direito de receber e cobrar a totalidade da
dívida em face do devedor.
“Art. 268. Enquanto alguns dos credores solidários não demandarem o devedor
comum, a qualquer daqueles poderá este pagar.”
Nesse caso, enquanto nenhum dos credores ingressa com ação em face do devedor,
este poderá pagar para qualquer deles.
No que diz respeito à divisibilidade e indivisibilidade, a regra é diversa. E no caso de
obrigação divisível, o devedor deverá pagar para cada credor sua quota parte, ao passo que na
obrigação indivisível o bem é entregue a todos os credores de forma conjunta ou ocorre à
entrega para um deles, mediante caução de ratificação dos demais.
Havendo solidariedade ativa em face de uma obrigação indivisível, na entrega de um
cavalo, por exemplo, não é necessária caução de ratificação e nem mesmo a entrega do bem
de forma conjunta. Visto que existe uma prévia autorização imposta pela própria solidariedade
ativa de que qualquer credor pode receber a obrigação na totalidade, seja um bem divisível,
seja bem indivisível.
Além do mais, se apenas um credor ingressa com ação em face do devedor, este
deverá adimplir a obrigação em face daquele que ajuizou a ação, por própria disposição do
artigo 268. Em virtude disso, a demanda fará coisa julgada material, ou seja, atingirão os
demais credores, haja vista que o devedor se desonera da obrigação pagando a qualquer
deles.
São modalidades de coisa julgada material:
 Coisa julgada inter partes: é a regra, atinge as partes do processo.
 Coisa julgada ultra partes: é aquela que atinge pessoa que não seja
participante do processo.
 Coisa julgada erga omnes: é aquela presente nos processos abstratos, que
discutem, por exemplo, controle de constitucionalidade. A decisão atinge
todos os jurisdicionados.

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Aurélio Bouret

A solidariedade ativa e passiva é exemplo de coisa julgada material ultra partes. Isso
porque, a coisa julgada na demanda proposta por um dos credores solidários atingirá os
demais. Ou seja, tem-se uma coisa julgada que atinge quem não é parte - pois todos os
credores poderiam ajuizar ação conjuntamente formando litisconsórcio ativo. Nesse contexto,
ter-se-á um litisconsórcio facultativo unitário, ou seja, a decisão será unânime para todos.
É importante ponderar, ainda, que caso o juiz entenda necessário, poderá determinar
a citação de interessados/credores, é a chamada intervenção iussu iudicis, ou seja, é aquela
provocada pelo juiz a qual determina o ingresso daqueles que poderiam participar do processo
em virtude de um litisconsórcio facultativo, mas como é unitária, a decisão daquele processo
poderá atingir todos.
“Art. 269. O pagamento feito a um dos credores solidários extingue a dívida até o
montante do que foi pago.”

Art. 270. Se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes
só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu
quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível.

Por exemplo, em uma relação obrigacional composta por um devedor e quatro


credores, em virtude de um montante de quatro mil reais. Havendo falecimento do credor 1,
deixando como herdeiro seus dois filhos, estes terão direito de receber a quota parte que era
devido ao falecido. Desse modo, se a dívida era de quatro mil reais, cada credor poderá exigir
o valor total da dívida, mas os herdeiros não poderão exigir o montante integral, pois cada
filho do de cujus receberá a quota do crédito que corresponde seu quinhão hereditário, que no
caso seria 500 reais.
Agora, se a obrigação for indivisível, tendo por objeto a entrega de um cavalo, por
exemplo, os filhos do de cujus poderiam exigir o bem – em razão da invisibilidade do objeto.
“Art. 271. Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos os
efeitos, a solidariedade.”
Em se tratando de obrigação solidária na entrega do cavalo, havendo morte do animal,
todos os devedores permanecem obrigados pelo valor integral do animal.
“Art. 272. O credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento responderá
aos outros pela parte que lhes caiba.”
Havendo o perdão da dívida por um dos credores solidários, significa que ele está
perdoando a dívida inteira, de modo que o respectivo credor se obriga ao pagamento da quota
parte dos demais.
“Art. 273. A um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções pessoais
oponíveis aos outros.”
Exceção pessoal é defesa pessoal. O devedor poderá apresentar defesa geral e defesa
pessoal. No entanto, a defesa pessoal fica atrelada ao devedor/demandado e o
credor/demandante. De modo que o devedor/demandado não poderá opor exceção pessoal
de outro co-devedor.

Art. 274. O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os


demais, mas o julgamento favorável aproveita-lhes, sem prejuízo de exceção
pessoal que o devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer deles.

O art. 274 do CC é um típico exemplo de coisa julgada ultra partes.

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Aurélio Bouret

8.3. DA SOLIDARIEDADE PASSIVA

Solidariedade passiva é aquela que possui pluralidade de devedores, e o credor, por


sua vez, pode exigir de qualquer devedor o cumprimento da obrigação por inteiro, seja o bem
divisível ou indivisível.

Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores,
parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os
demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação


pelo credor contra um ou alguns dos devedores.

Art. 276. Se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, nenhum


destes será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão
hereditário, salvo se a obrigação for indivisível; mas todos reunidos serão
considerados como um devedor solidário em relação aos demais devedores.

Em uma relação processual em que há único credor e onze devedores solidários na


quantia de onze mil reais. Havendo o falecimento de um dos devedores, deixando dois
herdeiros – filhos -, o credor somente poderá exigir de cada herdeiro a quota do quinhão
hereditário de cada um (mil reais), salvo se a obrigação for indivisível.
Contudo, será possível ainda, que o credor ajuíze ação em face de um dos filhos do de
cujus cobrando a respectiva quota. Além do mais, tendo em vista que a herança constitui um
todo, o credor poderá cobrar toda a dívida do herdeiro, e este sub-roga nos direitos do credor
para cobrar os demais devedores.
Vale destacar que no momento do falecimento do autor da herança, através do
princípio da saisine, tem-se a transmissão imediata dos ônus e dos bônus. De modo que se o
de cujus tinha crédito a receber, os créditos serão transferidos para os herdeiros; em caso de
dívidas, também haverá responsabilização pelo pagamento até os limites da herança.
“Art. 277. O pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida
não aproveitam aos outros devedores, senão até à concorrência da quantia paga ou relevada.”
Seguindo o exemplo acima, se um dos devedores solidários paga a quantia de mil reais,
continua existia solidariedade em relação ao restante da obrigação. Bem como, perdoando o
credor um dos devedores, continua existindo solidariedade em relação ao restante da dívida,
que seria dez mil reais.
“Art. 278. Qualquer cláusula, condição ou obrigação adicional, estipulada entre um dos
devedores solidários e o credor, não poderá agravar a posição dos outros sem consentimento
destes.”
Havendo solidariedade passiva em relação aos onze mil reais. E, realizado acordo entre
credor e um dos devedores, impondo-o outra obrigação, este acordo não vincula/obriga os
demais devedores.
“Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários,
subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o
culpado.”
Suponhamos que os devedores devem entregar um cavalo que corresponde à quantia
de onze mil reais. Se o animal vier a falecer por culpa de um dos devedores, os demais
devedores ficam obrigados pelo pagamento do equivalente (valor do animal). Aquele que agiu
com culpa responderá também pelas perdas e danos.

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Aurélio Bouret

“Art. 280. Todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha
sido proposta somente contra um; mas o culpado responde aos outros pela obrigação
acrescida.”
Não havendo o cumprimento da obrigação até a data estipulada, todos os devedores
respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um dos
devedores. Todavia, aquele devedor que agiu com culpa e deu causa ao acréscimo, estará
obrigado ao pagamento desse acréscimo.
“Art. 281. O devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe forem
pessoais e as comuns a todos; não lhe aproveitando as exceções pessoais a outro co-devedor.”
É por isso que o devedor que esta sendo demandado em uma ação judicial, não
poderá opor exceção pessoal de outro devedor que foi coagido pelo credor, por exemplo.

Art. 282. O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de


todos os devedores. (Dispositivo recorrente em provas).

Parágrafo único. Se o credor exonerar da solidariedade um ou mais devedores,


subsistirá a dos demais.

Renunciar a solidariedade não significa perdoar a dívida. Desse modo, se o credor


renunciar a solidariedade a um dos devedores, em relação aos demais, a solidariedade
permanece íntegro e o credor cobrará o restante da obrigação de qualquer deles (dez mil
reais).
“Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um
dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver,
presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores.”
Havendo algum devedor insolvente – aquele que não tem bens para pagamento da
dívida – a quota parte que seria dele, devem ser partilhados entre os demais devedores
solidários para cumprimento da obrigação.
“Art. 284. No caso de rateio entre os co-devedores, contribuirão também os
exonerados da solidariedade pelo credor, pela parte que na obrigação incumbia ao
insolvente.”
Quando o credor libera da solidariedade qualquer um dos devedores, a quota do
insolvente também integrará a quota daquele que foi exonerado da solidariedade.
“Art. 285. Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores,
responderá este por toda ela para com aquele que pagar.”
Havendo solidariedade entre o locatário e fiador (este somente é devedor em razão da
renúncia ao benefício de ordem da fiança, por exemplo). Se este paga a dívida por inteiro,
cobrará a integralidade da dívida do locatário, visto que a responsabilidade do fiador somente
ocorreu em razão do não cumprimento de uma obrigação que cabia ao locatário.

9. ADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

9.1. INTRODUÇÃO

A obrigação nasce para ser adimplida, e existem três formas de adimplemento:


 pagamento direto – quando o devedor satisfaz direta e imediatamente o
interesse do credor;
 pagamento indireto – quando o devedor satisfaz de forma indireta,
mediata, o interesse do credor;

107
Aurélio Bouret

 formas especiais de adimplemento – quando o interesse do credor não é


satisfeito, mas mesmo assim a obrigação é extinta pelo adimplemento.

9.2. PAGAMENTO DIRETO

O pagamento direto representa a satisfação direta e imediata dos interesses do credor


por parte do devedor. Ao estudar o pagamento direto precisamos analisar cinco pontos:
 sujeitos do pagamento;
 objeto do pagamento;
 prova do pagamento;
 lugar do pagamento.
 tempo do pagamento;

9.2.1. SUJEITOS DO PAGAMENTO

9.2.1.1. SOLVENS

É aquele que irá solver a obrigação, ou seja, é quem vai pagar. Via de regra, o solvens é
o devedor, mas outras pessoas também podem pagar.
O art. 304 do CC diz que qualquer interessado na extinção da dívida pode pagar,
usando-se, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.
Quem é o terceiro interessado na dívida? É aquela pessoa que tenha interesse
patrimonial na extinção daquela dívida, como o fiador, avalista, herdeiro, etc.
Havendo o pagamento pelo interessado, ele irá se sub-rogar nos direitos do credor. Há
uma sub-rogação legal. O pai que paga a dívida do filho não é terceiro interessado, devendo
haver interesse jurídico.
Cabe ressaltar que o solvens poderá ser o terceiro não interessado. Se o terceiro não
interessado fizer o pagamento em seu próprio nome, terá direito ao reembolso, não se sub-
rogando nas posições do credor. Na verdade, terá direito apenas ao reembolso. Se pagar a
dívida antes do vencimento, só terá direito ao reembolso quando houver o vencimento
daquela dívida.
Questiona-se: e se o terceiro não interessado fizer o pagamento em nome do devedor,
e em conta desse devedor? Não existindo oposição do devedor quanto a este pagamento, que
o terceiro não interessado faz em seu nome, este terceiro não interessado não terá direito a
nada. Nesse caso, considera-se como se tivesse feito uma doação, já que fez em nome do
devedor e não houve oposição desse devedor.
Diferente é o art. 306, que diz que realizado o pagamento por terceiro não
interessado, em seu próprio nome (terceiro), sem conhecimento ou havendo oposição do
devedor, não existirá a obrigação de reembolso em relação a este terceiro, se o devedor
provar que ele tinha meios para ilidir a ação do credor. Ex.: disser que a dívida estava prescrita,
situação na qual não poderá cobrar do devedor.
Por outro lado, se o devedor não prova que tinha meio para ilidir a ação do credor, aí é
claro que deverá pagar ao terceiro não interessado, a despeito de ter pagado com a oposição,
visto que o sujeito deveria ter de pagar de alguma forma ao credor. Porém, como o terceiro
pagou, terá esse direito ao reembolso. Isso porque a lei veda o enriquecimento sem causa.
O que obsta o direito ao reembolso é considerar que o devedor poderia dizer que não
pagaria o credor, pois ele era devia ao devedor, razão pela qual seria compensada a dívida, ou

108
Aurélio Bouret

a dívida estava prescrita, ou ainda havia confusão. Se o devedor conseguir provar que não iria
pagar a dívida, o terceiro não interessado não terá direito a reembolso.
O art. 307 estabelece que só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da
propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu. Isto é, veda-
se a venda a non domino, ou seja, alienação por quem não é dono.
O parágrafo único diz que, se a parte der em pagamento coisa fungível que pertença a
um terceiro, não será mais possível que este terceiro reclame do credor que recebeu de boa-fé
a coisa fungível e que a consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la.

9.2.1.2. ACCIPIENS

É quem vai receber o pagamento, ou seja, a quem se deve pagar. Quem recebe
normalmente é o credor, mas o pagamento pode ser feito a um representante do credor, que
tenha poderes para receber o pagamento. Caso este representante não tenha poderes, este
pagamento só irá valer após uma ratificação do credor, ou ainda se o devedor provar que
houve a reversão do pagamento em proveito do credor.
O art. 309 do CC é válido o pagamento ao credor putativo, ou seja, aquele que parece
credor, mas que não o é, desde que o credor tenha agido com boa-fé. Este dispositivo aplica a
teoria da aparência.
Vamos pegar um exemplo, Eduardo é locatário de um imóvel e vem fazendo
pagamentos do aluguel na imobiliária X. Após um ano, o locador mudou para imobiliária Y,
sem informar ao locatário. Neste caso, Eduardo continuou depositando em favor da imobiliária
X. Este é credor putativo, pois o devedor fez pagamentos por meio da teoria da aparência.
Segundo o art. 310, não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de dar
quitação, salvo se o devedor provar que houve reversão do valor pago em favor daquele
credor incapaz de dar quitação.
É preciso conferir uma interpretação extensiva para esta incapacidade, não
abrangendo apenas a incapacidade stricto sensu (absoluta e relativa), funcionando também
como tal o credor que não tinha autorização para isso. Neste caso, o pagamento deve
acontecer novamente.
O art. 311 diz que deve ser autorizado para receber o pagamento quem está munido
do documento representativo da quitação. Presume-se autorizado a receber o pagamento
quem detém o recibo nas mãos, salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí
resultante.
Já o art. 312 enuncia que, se o devedor pagar ao credor, apesar de já ter sido intimado
da penhora feita sobre o crédito, ou sobre a impugnação feita sobre aquele crédito por uma
terceira pessoa, não deve ser tido como válido o pagamento perante o terceiro. Na verdade,
será considerado ineficaz, apesar de a lei falar em invalidade. Ex.: João é credor do Samer,
tendo um cheque de 30 mil reais. João está devendo José, o qual promove ação de execução
contra João. O cheque é penhorado, e Samer já tem ciência disso. Samer faz o pagamento da
dívida em favor de João. Este pagamento é inválido, segundo a lei, em face de José.

9.2.2. DO OBJETO DO PAGAMENTO DIRETO

O art. 313 diz que o objeto da prova é a prestação, e o credor poderá se recusar a
receber o que não foi pactuado, ainda que esta coisa seja mais valiosa do que aquilo que foi
pactuado.

109
Aurélio Bouret

Além disso, se não tiver sido acordado o pagamento parceladamente, não se pode
obrigar o credor a receber de forma parcelada, e nem o devedor a pagar parceladamente,
salvo se o contrato tiver previsão nesse sentido.
Todavia, há uma exceção legal, conforme o art. 916, o qual diz que, no prazo para
embargos, reconhecendo o crédito do exequente, e comprovando o depósito de 30% do valor
da execução, acrescido de custas e honorários de advogado, o executado pode requerer que
lhe seja permitido pagar o restante em até 6 parcelas mensais. Trata-se de uma imposição
legal de recebimento parcelado da dívida.
O art. 314 enuncia que, ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível,
não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se
ajustou.
Já o art. 315 afirma que, as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em
moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subsequentes. Trata-se de
aplicação do princípio do nominalismo, o qual sofrerá temperamentos porque poderá se estar
diante de uma hipótese de correção monetária.
Para se evitar os efeitos da inflação, aplicam-se índices de correção monetária, sendo
absolutamente válido, encontrando previsão no art. 316, o qual afirma que é lícito
convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas, e, nesse caso, tem-se uma
cláusula de escala móvel ou escolamento, pois aí consegue vislumbrar a manutenção do
poder aquisitivo ou do valor real da prestação.
O art. 317 estabelece que, quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção
manifesta entre o valor da prestação devida e o valor do momento de sua execução, poderá
o juiz corrigir essa desproporção, desde que haja pedido da parte, de modo a assegurar o
valor real da prestação.
Este dispositivo traz a revisão contratual por um fato superveniente diante de uma
imprevisibilidade que resultou em onerosidade excessiva. É a denominada teoria da
imprevisão.
O art. 318 diz que são nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda
estrangeira, também são nulas as convenções que prevejam a possibilidade de compensar o
valor de uma prestação com a comparação entre a moeda nacional e uma moeda estrangeira.
Existem exceções, casos em que serão ressalvados pela legislação, como é o caso do art. 2 do
DL 857/69, que diz serem essas proibições inaplicáveis aos:
 contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias;
 contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às
operações de exportação de bens e serviços vendidos a crédito para o
exterior;
 contratos de compra e venda de câmbio em geral;
 empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja
pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuados os contratos de
locação de imóveis situados no território nacional;
 contratos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção
ou modificação das obrigações referidas no item anterior, ainda que ambas as
partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no país.

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Aurélio Bouret

9.2.3. PROVA DO PAGAMENTO DIRETO

O devedor que paga tem direito a quitação pelo credor, e pode reter o pagamento,
enquanto não lhe seja dada.
Essa quitação deverá ter os seguintes requisitos, previstos no art. 320:
 valor expresso da obrigação;
 dívida que está sendo quitada (especificidade);
 identificação do devedor, ou de quem está pagando em seu lugar;
 tempo e lugar do pagamento;
 assinatura do credor, ou de seu representante.
O parágrafo único do art. 320 diz que, ainda que a quitação não tenha os requisitos
estabelecidos, valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias conseguir se
perceber que a dívida foi paga.
Deve-se obstar o enriquecimento sem causa do credor.
Existem algumas regras que fazem nascer a presunção de pagamento. Esta presunção
é relativa, admitindo prova em contrário:
 nas obrigações de trato sucessivo, a quitação da última estabelece a presunção
de que foram solvidas as prestações anteriores, salvo se houver ressalva
expressa da quitação;
 se for dada quitação ao capital, sem a reserva dos juros, presume-se que
houve o pagamento dos juros também. Trata-se de aplicação do princípio da
gravitação jurídica;
 a entrega do título ao devedor firma a presunção relativa do pagamento, mas
esta presunção de quitação fica sem efeito se o credor provar em 60 dias que
não houve o pagamento.
Flávio Tartuce diz que tal presunção se dará apenas em relação aos títulos de crédito,
pois se for outro instrumento contratual, será presumido o perdão da dívida.
 Presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação.
Isto é, se o contrato não tratar sobre de quem serão as despesas, correrão por
conta do devedor. Agora, se houver um aumento dessas despesas por fato
imputado ao credor, em relação a este acréscimo, quem deverá suportar será
o credor.
 Se houver o pagamento por medida ou por peso, e havendo silêncio das
partes, presume-se que foram adotados os critérios do lugar da execução da
obrigação.
Vamos pegar um exemplo, Samer compra 10 alqueires no Estado de SP, e ele mora em
Goiás. Porém, qual seria a metragem do alqueire? Não foi falado. Em São Paulo, 1 alqueire é
24.000m, enquanto no Goiás 1 alqueire é 48.000m. Dessa forma, presume-se que a medida
seguirá o critério do lugar da coisa.

9.2.4. DO LUGAR DO PAGAMENTO DIRETO

Com relação ao lugar do pagamento, a obrigação pode ser classificada em:

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Aurélio Bouret

 obrigação quesível: é a regra. O devedor fica quieto, não saindo do lugar, pois
o pagamento é feito no seu domicílio. É o credor que vai buscar o pagamento.
Há uma presunção relativa de que as obrigações têm pagamento quesível,
salvo se o instrumento negocial, ou a natureza da própria obrigação, ou
mesmo a lei, impuser uma lei em sentido contrário;
 obrigação portável: o local de cumprimento é o domicílio do credor, ou um
terceiro lugar.
Designados dois ou mais lugares para o pagamento ser feito, quem escolhe entre eles
é o credor. Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relativas à
imóvel, este pagamento será feito no lugar em que se encontra o imóvel (o bem).
O art. 329 estabelece que, se ocorrer um motivo grave para que se não justifique o
pagamento no lugar determinado, poderá o devedor fazer o pagamento em outro lugar, sem
que gere prejuízo para o credor. Motivo grave será dito pelo juiz, como enchente, greve no
serviço público, etc.
O art. 330 estabelece que o pagamento reiteradamente feito em outro local faz
presumir a renúncia do credor relativamente ao lugar previsto no contrato. Trata-se da
consagração do princípio da boa-fé objetiva, nascendo a surrectio para o devedor e a supressio
para o credor.
 Supressio: é uma supressão, por uma renúncia tácita de um direito pelo seu
não exercício pelo passar do tempo.
 Surrectio: é o nascimento de um direito para a parte em razão do não
exercício da outra parte.

9.2.5. DO TEMPO DO PAGAMENTO

O devedor deverá pagar quando houver o vencimento da obrigação. O vencimento é o


momento em que a obrigação deverá ser satisfeita.
Lembre-se que, salvo disposição legal em contrário, não se ajustando o tempo do pagamento,
poderá o credor exigir imediatamente.
As obrigações condicionais devem ser cumpridas na data em que ocorrerá a condição,
cabendo ao credor a prova de que deste teve ciência o devedor.
A obrigação poderá ser:
 obrigação de execução instantânea: é a obrigação em que é cumprida
imediatamente após a sua constituição. Ex.: compra de pão na padaria;
 obrigação de execução diferida: neste caso, o cumprimento se dá de uma vez
só, mas ocorre no futuro, de forma diferida. Ex.: Samer compra um bem por 10
mil reais, mas ele quer 30 dias para pagar o valor;
 obrigação de execução continuada (ou de trato sucessivo): o cumprimento da
obrigação se dará por subvenções periódicas. Ex.: comprou um bem por 10 mil
reais, mas pagou em 10 meses.
O art. 333 traz um rol de situações em que há o vencimento antecipado da dívida. Se
a dívida deve ser paga no momento do seu vencimento, e se há um rol de vencimento
antecipado, há uma antecipação do pagamento desta dívida.
O vencimento antecipado da dívida poderá ocorrer, situação na qual terá o credor
direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado:
 quando há falência do devedor, ou de concurso de credores;

112
Aurélio Bouret

 quando os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em


execução por outro credor;
 quando se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito,
fidejussórias, ou reais, e o devedor, tendo sido intimado, se negou a reforçar
as garantias.
Nestas situações, haverá o vencimento antecipado da dívida. Porém, e se houver uma
solidariedade passiva, o devedor solidário também sofrerá o vencimento antecipado? Não.
Não irá se reputar antecipado o vencimento com relação aos demais devedores solventes.
Lembrando que o rol acima é meramente exemplificativo.

9.3. DAS FORMAS ESPECIAIS DE PAGAMENTO E DAS FORMAS DE PAGAMENTO INDIRETO

9.3.1. DO PAGAMENTO EM CONSIGNAÇÃO

Conceitua-se como um depósito feito pelo devedor da coisa devida, a fim de que o
devedor se libere de uma obrigação, podendo ocorrer na esfera judicial ou na esfera
extrajudicial, neste caso o dinheiro é depositado em estabelecimento bancário oficial.
O pagamento em consignação é um meio indireto de o devedor exonerar-se do liame
obrigacional que vincula o devedor ao credor.
Está sempre relacionada a uma obrigação de dar, não podendo estar relacionada a
uma obrigação de fazer ou não fazer, visto que é necessário depositar a coisa.
O art. 335 estabelece um rol de situações em que a consignação poderá acontecer:
 poderá haver consignação em pagamento se o credor não puder, ou, sem
justa causa, recusar receber o pagamento, ou se recusar a dar quitação;
 poderá haver consignação em pagamento se o credor não for, nem mandar
representante para receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos
(obrigação quesível);
 poderá haver consignação em pagamento se o credor for incapaz de receber,
for desconhecido, declarado ausente, ou se o credor residir em lugar incerto
ou de acesso perigoso ou difícil;
 poderá haver consignação em pagamento se ocorrer dúvida sobre quem deva
legitimamente receber o objeto do pagamento;
 poderá haver consignação em pagamento se pender litígio sobre o objeto do
pagamento.
Para que a consignação em pagamento seja válida e eficaz, é necessário que o devedor
observe todos os requisitos do pagamento direto, como pessoas, objeto, modo e tempo do
pagamento e todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento.
Promovida a ação de consignação em pagamento, será citado o credor para que apresente
contestação. Na contestação, o credor poderá alegar:
 não houve recusa do pagamento;
 que houve justa recusa;
 que o depósito não foi efetuado no prazo e no lugar do pagamento;
 que o depósito não foi integral, situação na qual deverá indicar o valor.
O art. 546 do NCPC estabelece que, julgado procedente o pedido, o juiz declarará
extinta a obrigação e condenará o réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios. É o
princípio da causalidade.

113
Aurélio Bouret

O CC, no art. 339, diz que, julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá
levantar o objeto da consignação, eis que o levantamento da quantia consignada só será
possível se os outros devedores concordarem e os fiadores concordarem. Tanto é que o art.
340 do CC diz que o credor que, depois de contestar a lide ou aceitar o depósito, aquiescer
no levantamento, perderá a preferência e a garantia que lhe competiam com respeito à
coisa consignada, ficando para logo desobrigados os codevedores e fiadores que não tenham
anuído.
Se o credor anuiu, a despeito da concordância dos fiadores, eles “lavaram as mãos”,
não respondendo mais em relação àquela dívida.
O art. 342 diz que, se houver a obrigação de dar coisa incerta, é preciso que se faça a
escolha (concentração). Se esta escolha couber ao credor, será ele citado para promover a
concentração, sob pena de não o fazendo perder o direito de escolha, e ser depositada a coisa
à escolha do devedor.
O devedor de uma obrigação litigiosa se exonerará através de consignação. Supondo
que o devedor pague a um dos pretendidos credores, tendo o conhecimento do litígio. Neste
caso, o devedor de obrigação litigiosa assumirá o risco do pagamento.
Se ele achou que João venceria e João vencer, não há problema. O problema surge se
Pedro pagou a João, mas quem venceu foi José. Então deverá pagar a José, visto que assumiu o
risco, a despeito do litígio que pesava sob o objeto.
Se a dívida vencer, pendendo litígio entre os credores, pode qualquer dos credores
requerer a consignação. Veja, via de regra, a consignação é requerida pelo devedor, mas no
caso do art. 345 é o credor que pede a consignação (art. 345).
Se houver prestações sucessivas e houver consignação de uma delas, o devedor pode
continuar depositando as que forem se vencendo no curso do processo, sem maiores
formalidades.
Deverá fazer este depósito no prazo de 5 dias, contados da data do respectivo
vencimento de cada uma das prestações em que forem se vencendo no curso do processo.
O §1º do art. 539 do NCPC estabelece que em se tratando de obrigação em dinheiro, poderá o
valor ser depositado em estabelecimento bancário, oficial onde houver, situado no lugar do
pagamento, cientificando-se o credor por carta com aviso de recebimento, dando o prazo de
10 (dez) dias para a manifestação de recusa.
Decorrido o prazo de 10 dias, contado do retorno do aviso de recebimento, sem a
manifestação de recusa, será liberado o devedor da obrigação, ficando à disposição do credor
a quantia depositada.
No entanto, se houver recusa, poderá ser proposta, dentro de 1 (um) mês, a ação de
consignação, promovida pelo devedor, instruindo a inicial com o comprovante do depósito e
comprovante da recusa pelo credor. Não propondo a ação, o depósito ficará sem efeito,
podendo o devedor levantar este depósito.

9.3.2. DA IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO

Imputar é apontar para alguém ou para algo. Uma pessoa que está obrigada por dois
ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem a pessoa o direito de indicar a qual
deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos. Ex.: Samer deve a João 50 mil
reais de um cheque, outro de 50 mil reais e mais um de 50 mil reais. Cada um desses cheques
venceu em 3 meses, 2 meses e 1 mês, respectivamente. Samer deposita 50 mil reais.

114
Aurélio Bouret

A imputação é dizer qual é a dívida que está sendo paga. Esta escolha geralmente cabe
ao devedor, sendo possível ao contrato estabelecer que esta escolha caiba ao credor.
Caso o devedor não fazer qualquer declaração, transfere-se o direito de escolha ao
credor.
Caso não haja manifestação do credor, quem fará a imputação é a própria lei.
A ordem de imputação é a seguinte:
 havendo capital e juros, o pagamento será feito primeiro em relação aos
juros;
 havendo duas dívidas, será imputado o pagamento à dívida mais antiga;
 havendo as dívidas com mesmo vencimento, será imputada à dívida mais
onerosa;
 não havendo dívida mais onerosa, a imputação será feita a todas as
dívidas, na mesma proporção, apesar de ausência de previsão legal.
Perceba que há uma ordem legal quando o devedor e o credor não exercem esse
direito que a lei lhes concede. O ato de imputação é um ato unilateral, razão pela qual é
consagrado como uma regra especial de pagamento.

9.3.3. DO PAGAMENTO COM SUB-ROGAÇÃO

Sub-rogar-se é substituir uma coisa por outra. Coloca-se uma coisa no lugar da coisa
primitiva. E esta nova coisa terá os mesmo ônus e mesmos atributos.
Porém, se fizer uma substituição não de uma coisa, mas de uma pessoa por outra,
tendo esta os mesmos direitos e as mesmas ações daquela pessoa antiga, haverá uma sub-
rogação pessoal.
Na sub-rogação pessoal ativa, troca-se o credor. O que se percebe é que não há
extinção da obrigação, só sendo trocado o credor. Isto é, uma terceira pessoa passa a ser o
credor da relação jurídica obrigacional.
A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:
 do credor que paga a dívida do devedor comum;
 do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem
como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito
sobre imóvel;
 do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado,
no todo ou em parte.
O art. 349 afirma que a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações,
privilégios e garantias que o credor primitivo tinha, em relação à dívida, contra o devedor
principal e os fiadores.
A sub-rogação poderá ser classificada em:
 sub-rogação legal;
 sub-rogação convencional.

9.3.3.1. SUB-ROGAÇÃO LEGAL

São as hipóteses de pagamento feitas por terceiro interessado, o qual irá se sub-rogar
na posição do credor. Ex.: o credor paga a dívida do devedor comum a outro credor. Samer e

115
Aurélio Bouret

João são credores de José de 100 mil reais. Samer dá 50 mil reais a João, passando a ter o
crédito de 100 mil reais de José. Neste caso, há sub-rogação legal.
Também tem sub-rogação legal o adquirente de um imóvel hipotecado que paga ao
credor hipotecário, situação na qual ficará sub-rogado na posição de credor hipotecário.
Também será possível a sub-rogação do terceiro interessado que paga a dívida pela
qual podia ser responsabilizado.

9.3.3.2. SUB-ROGAÇÃO CONVENCIONAL

O pagamento efetivado por terceiro não interessado, via de regra, não gera sub-
rogação, mas poderá gerar se estiver previsto em contrato. Quando o credor recebe o
pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos, há aqui uma sub-
rogação convencional.
Quando uma terceira pessoa empresta ao devedor uma quantia necessária para que o
devedor solva sua dívida, mas com a condição de que deste que está emprestando (mutuante)
ficar sub-rogado nos direitos do credor satisfeito, também haverá sub-rogação convencional.
Segundo o CC, a sub-rogação é convencional:
 quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe
transfere todos os seus direitos;
 quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para
solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado
nos direitos do credor satisfeito. Nesta hipótese, aplicam-se as regras da
cessão do crédito.
Em relação à sub-rogação legal, o sub-rogado pode exercer todos os direitos do credor
até a soma do que ele tiver desembolsado para desobrigar o devedor. Não há intuito de lucro,
havendo caráter gratuito na sub-rogação legal.
Veja, se o terceiro pagou 100 mil para se sub-rogar no direito de credor, só poderá
cobrar do devedor 100 mil, e não 150 mil, que era a dívida originária, por exemplo.
O que se discute é saber se a sub-rogação legal pode justificar que o sub-rogado cobre
valor a mais, não havendo definição aos entendimentos.
Flávio Tartuce entende que não pode, pois, do contrário, a sub-rogação passaria a ter a
mesma feição da cessão de créditos, a qual tem natureza onerosa. Ele entende que a sub-
rogação só pode ter natureza gratuita.
Existe outra corrente que entenda que possa ter caráter oneroso, com base no
princípio da autonomia privada (Maria Helena Diniz).
Relativamente ao credor originário, que só em parte for reembolsado, somente ele vai
ter preferência em relação ao sub-rogado parcial, na cobrança da dívida restante. Isto se os
bens do devedor não forem suficientes para saldar inteiramente o que dever ao credor
originário e agora dever ao sub-rogado parcial.
É o teor do art. 351, o qual dispõe que o credor originário, só em parte reembolsado,
terá preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não
chegarem para saldar inteiramente o que a um e outro dever.
Vamos pensar num exemplo, João é credor de José de 100 mil reais. Samer dá 50 mil
reais a João, e irá se sub-rogar parcialmente. Samer poderá cobrar 50 mil reais de José nas
mesmas condições que João, mas ele é credor originário. No entanto, se José só tiver 50 mil
reais para pagar, ele irá pagar João, visto que ele tem preferência em relação ao sub-rogado.

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Aurélio Bouret

9.3.4. DA DAÇÃO EM PAGAMENTO

Dação em pagamento é uma forma de pagamento indireto. Trata-se da hipótese em


que o credor consente em receber prestação diversa da que lhe é devida.
Há um acordo privado entre os sujeitos da relação obrigacional, em que pactuam a
substituição do objeto obrigacional por outro. Ex.: João deve 100 mil reais a Pedro. Pedro dá
um lote para João e resta quitada a dívida. Houve aqui uma dação em pagamento.
O art. 358 diz que, se for título de crédito a coisa dada em pagamento, a
transferência importará em cessão. Ex.: João deve 100 mil reais a Samer, mas ele resolve dar
um cheque de 100 mil que era de José. Nesse caso, se a coisa dada é título de crédito, haverá
uma cessão.
Não existe identidade entre cessão de crédito e dação em pagamento.
Na cessão de crédito, há uma transmissão de uma posição contratual, ou seja, da
obrigação. Na dação, há o pagamento indireto.
Neste caso, é preciso interpretar o art. 358, no sentido de que serão aplicadas as
regras da cessão de crédito por analogia.
Supondo que o terceiro, devedor do título, não tenha sido notificado, é necessário
notificar, visto que é necessário saber quem é o credor do título. Na cessão ele seria
notificado, razão pela qual aqui na dação também o será.
Se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, a obrigação primitiva será
restabelecida e ficará sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros de boa-
fé. Ex.: João deve um cavalo a Pedro, mas este aceitou um lote de Pedro. Feita a dação. No
entanto, por conta de uma ação, houve evicção lote, voltando João a dever um cavalo a Pedro.
Ocorre que, no período, o cavalo havia sido vendido para um terceiro de boa-fé. Neste caso,
João deverá para Pedro um valor equivalente ao cavalo.

9.3.5. DA NOVAÇÃO

A dação em pagamento não se confunde com novação real. Na dação não há


substituição de uma obrigação por outra. O que há é a substituição do objeto da prestação.
Na novação, a dívida anterior se extingue e nasce uma nova. A novação também é uma
forma de pagamento indireto, ocorrendo a substituição de uma obrigação por outra obrigação
nova.
O principal efeito da novação é a extinção de uma dívida primitiva, com todos os
acessórios e garantias, com o surgimento de uma dívida nova.
Pode ser que seja ressalvada, mantendo-se os acessórios e as garantias. Porém, nesse
caso, Tartuce afirma que se houver essa previsão, significa que não houve a novação total, mas
parcial, pois parte dela foi mantida.

Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não
houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o
penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a
terceiro que não foi parte na novação.

9.3.5.1. ELEMENTOS ESSENCIAIS DA NOVAÇÃO

 existência de obrigação anterior;

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Aurélio Bouret

 obrigação nova surgir;


 intenção de novar (animus novandi).
Segundo o art. 360, dá-se a novação:
 quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e
substituir a anterior;
 quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;
 quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao
antigo, ficando o devedor quite com este.
Segundo o art. 361, o ânimo de novar poderá ser expresso ou tácito, mas deverá ser
inequívoco. Não podem ser validadas por novação obrigações nulas ou obrigações extintas,
visto que não se pode novar o que não existe, e a obrigação já extinta inexiste. Também não se
pode novar obrigação que não produz efeitos jurídicos, e, portanto, obrigação nula.
Por outro lado, a obrigação anulável, que produz efeitos, poderá ser confirmada pela
novação, sendo, portanto, uma forma de convalidação.
Se a obrigação é nula, a novação é nula. Supondo que a obrigação anterior era válida, e
aí veio a novação, a qual seria nula. Nesse caso, se a novação é nula, vai prevalecer a obrigação
antiga, visto que deverá retroagir.

9.3.5.2. ESPÉCIES DE NOVAÇÃO

 Novação objetiva (real): o devedor vai contrair com o credor uma nova dívida, mas o
credor e devedor são os mesmos.
 Novação subjetiva (pessoal): há alteração dos sujeitos da relação, podendo ser
classificada em:
o Novação subjetiva ativa: há substituição do credor. Para isso, a lei traz alguns
requisitos: i) consentimento do devedor perante o novo credor; ii) consinta o
antigo credor; iii) consinta do novo credor. Todos precisam consentir.
o Novação subjetiva passiva: há a extinção da dívida anterior por uma nova,
mas com a substituição do devedor. Aqui também há uma subclassificação:
 novação subjetiva passiva por expromissão: em que o terceiro
assume a dívida do devedor originário, substituindo o devedor
originário, mas sem consentimento do devedor originário. E por isso
expromissão.
 novação subjetiva passiva por delegação: nesse caso, é feita com
consentimento do devedor originário, concordando em ser
substituído.
 novação subjetiva mista: há alteração do objeto e a alteração dos
sujeitos da relação jurídica. Ex.: Samer devia um cavalo a José. Agora,
quem deve é João, e não mais um cavalo, e sim um boi. Houve uma
novação subjetiva e objetiva.
No caso da novação subjetiva passiva: altera-se o devedor. A obrigação anterior está
extinta e se altera a obrigação com um novo devedor. Caso este novo devedor seja insolvente,
o credor não terá direito de regresso contra o antigo devedor, visto que a dívida anterior está
extinta. Isto, salvo se o credor demonstrar que o devedor originário obteve esta novação
passiva por má-fé.
Em outras palavras, se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou,
ação regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição (art. 363).

118
Aurélio Bouret

Se não houver o consentimento do fiador, e for feita uma novação, estará ele exonerado, visto
que da nova ele não participou.
O art. 365 vai dizer que ocorrendo a novação entre o credor e um dos devedores
solidários, somente sobre os bens do que contrair a nova obrigação vão subsistir as
preferências e garantias do crédito novado. Isto é, os outros devedores solidários ficam, por
esse fato, exonerados.
Isto é, se os devedores solidários da obrigação primitiva estão exonerados, visto que
aquela dívida se extinguiu.
Cabe ressaltar que o STJ tem analisado o instituto da novação com as lentes do
princípio da função social do contrato. Esta forma de enxergar a novação fica evidenciada pela
Súmula 286 do STJ, que diz que a negociação do contrato bancário, ou a confissão da dívida,
não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos
anteriores.

9.3.6. DA COMPENSAÇÃO

Compensação ocorre quando duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor
uma da outra, situação na qual as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.
O art. 369 estabelece que compensação efetua-se quando houver:
 dívidas líquidas;
 dívidas vencidas; e
 coisas fungíveis.
O art. 370 diz que, embora sejam do mesmo gênero as coisas fungíveis, elas não
poderão ser compensadas, se for verificado que elas diferem na qualidade, quando a
qualidade estiver especificada no contrato.
Por exemplo, se apesar de serem sacas de café, um ser de tipo exportação e o outro
não, haverá uma diferença de qualidade, razão pela qual não se poderá fazer compensação
legal.
O devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever. Todavia, o
fiador pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado. Está dizendo que o
fiador pode, quando cobrado pelo credor, dizer que o credor deve 10 mil reais ao afiançado,
devendo haver a compensação primeiramente.
Os prazos de favor (prazos graciosamente concedidos pelo credor), embora
consagrados pelo uso geral, não obstam a compensação. Isto é, se o devedor souber que o
credor está deve 10 mil, mas está devendo a ele 20 mil, mas o devedor apenas quer cobrar os
10 mil, sem que seja compensado dos 20 mil. Nesse caso, o devedor pede prazo de favor,
período no qual cobrará os 10 mil do credor. Quando o credor for dizer que o devedor ainda
deve 10 para ele, não poderá alegar que o prazo de favor prolongou o vencimento, situação na
qual ocorreria a prorrogação.
Em outras palavras, prazos de favor não obstam a compensação.
A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, porém existem algumas
exceções a esta regra:
 não haverá compensação se a dívida provier de esbulho, furto ou
roubo não será possível a compensação;
 não haverá compensação se a dívida se originar de comodato,
depósito ou alimentos;

119
Aurélio Bouret

 não haverá compensação se a dívida for de coisa não suscetível de


penhora.
Portanto, a dívida impenhorável também é incompensável. O art. 375 traz a
possibilidade de cláusula excludente de compensação. Isto é, diante da autonomia privada e
liberdade contratual, permite-se que as partes consagrem a cláusula de exclusão à
compensação. Dessa forma, não haverá compensação quando as partes, por mútuo acordo, a
excluírem, ou no caso de renúncia prévia de uma delas. Veja, então, que também se admite a
renúncia à compensação.
O art. 376 diz que, obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa
dívida com a que o credor dele lhe dever.
O devedor que, notificado, nada opuser à cessão que o credor faz a terceiros dos seus
direitos, este devedor não pode opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão
teria podido opor ao cedente.
A lei diz que, quando é feita a cessão, o cessionário receberá o crédito, passando a ser
credor do cedido. Depois de cedido, e não tendo se oposto, não poderá alegar que teria à
época crédito contra o cedente, pois não havia se manifestado em tempo.
Cabe ressaltar que se a cessão lhe não tiver sido notificada, poderá opor ao
cessionário compensação do crédito que antes tinha contra o cedente.
O art. 379 diz que, se a mesma pessoa for obrigada por várias dívidas compensáveis,
serão observadas, no compensá-las, as regras estabelecidas quanto à imputação do
pagamento. Isto é, se há várias dívidas compensáveis, o devedor vai dizer qual é a dívida que
está compensando. Caso não o faça, quem irá dizer será o próprio credor.
Caso ninguém se valha dessa faculdade, quem vai decidir será a lei:
 havendo capital e juros, o pagamento será feito primeiro em relação
aos juros;
 havendo duas dívidas, será imputado o pagamento à dívida mais
antiga;
 havendo as dívidas com mesmo vencimento, será imputada à dívida
mais onerosa;
 não havendo dívida mais onerosa, a imputação será feita a todas as
dívidas, na mesma proporção, apesar de ausência de previsão legal.
Por fim, não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro. O devedor
que se torne credor do seu credor, depois de penhorado o crédito deste, não pode opor ao
exequente a compensação, de que contra o próprio credor disporia.

9.3.7. DA CONFUSÃO

Confusão está presente quando há, na mesma pessoa, credor e devedor. Isso pode
ocorrer tanto por ato inter vivos como por ato causa mortis.
A confusão operada na pessoa do credor ou devedor solidário só extingue a obrigação
até a concorrência da respectiva parte no crédito, ou na dívida, subsistindo quanto ao mais a
solidariedade.
Confusão ocorre quando o credor e o devedor são a mesma pessoa, situação na qual
extinguiu a obrigação.
No caso de causa mortis, a confusão poderá ocorrer quando o filho deve ao pai, mas,
tendo aquele morrido, o filho recebeu a herança, extinguindo a dívida.

120
Aurélio Bouret

No caso do credor solidário, João deve com outros 3 indivíduos 100 mil reais ao pai.
João era o único herdeiro. Em relação a ele, houve a confusão. Portanto, 25 mil reais houve
confusão, faltando 75 mil reais, situação na qual persistirá a solidariedade, passando João ser o
credor do crédito.
Cessando a confusão, para logo se restabelece, com todos os seus acessórios, a
obrigação anterior.

9.3.8. DA REMISSÃO DAS DÍVIDAS

A remissão é o perdão, é o direito exclusivo do credor de exonerar o devedor. O art.


385 estabelece que a remissão da dívida é um negócio jurídico bilateral, ou seja, o perdão
deverá ser aceito pelo devedor, situação na qual, se aceita, extinguirá a obrigação, mas sem
prejuízo de terceiro.
A remissão só poderá ocorrer se não houver prejuízo a terceiros.
A remissão concedida a um dos codevedores extingue a dívida na parte a ele
correspondente, mas não atinge a solidariedade em relação aos demais, de modo que não
possa cobrar o débito sem dedução da parte remitida. Ex.: João é credor de Pedro e mais 4, no
valor de 100 mil reais. João perdoa Pedro, mas ainda será credor de 80 mil reais, mantendo a
solidariedade em relação aos demais.
A devolução voluntária do título da obrigação, quando por escrito particular, prova
desoneração do devedor e seus coobrigados, se o credor for capaz de alienar, e o devedor
capaz de adquirir.
O perdão poderá ser expresso ou tácito.
Atente-se que, se houver a entrega do negócio empenhado, não haverá o perdão da
dívida, mas tão somente a exoneração da garantia que existia em relação àquela dívida. Ou
seja, a restituição voluntária do objeto empenhado prova a renúncia do credor à garantia real,
não a extinção da dívida.
Não confundir renúncia com remissão, pois renúncia é gênero e remissão é espécie. Na
renúncia, é possível recair sobre diversos direitos pessoais, inclusive é um ato unilateral. A
remissão é perdão, ou seja, é ato bilateral, só podendo se dar em relação a direitos creditórios.

10. TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

10.1. INTRODUÇÃO

Transmitir é passar para frente. Quando há uma transmissão há uma cessão. E com
isso é possível extrair um conceito importante de que é o conceito de cessão.
Cessão é a transferência, a título oneroso ou gratuito, de uma posição na relação
jurídica obrigacional.
O direito brasileiro admite três formas de cessão:
 cessão do crédito;
 cessão do débito;
 cessão do contrato.

121
Aurélio Bouret

10.2. CESSÃO DE CRÉDITO

A cessão de crédito pode ser conceituada como um negócio jurídico bilateral, gratuito
ou oneroso, através do qual o credor transfere a outrem, totalmente ou parcialmente, a sua
posição na relação obrigacional.
Isto é, o credor passa para outra pessoa a posição de credor.
Há um credor primitivo que cede este crédito, denominado de cedente, bem como
uma pessoa que passa a ser credora, denominada cessionário. Há, ainda, o devedor, que é
denominado de cedido.
Com a cessão, são transferidos todos os elementos da obrigação, tanto os acessórios
como as garantias, visto que a obrigação é a mesma, pois há mudança dos sujeitos que
compõem a obrigação. No entanto, os acessórios poderão não ser abrangidos, caso haja
disposição em contrário.
Cabe ressaltar que o cessionário de crédito hipotecário tem o direito de fazer averbar
a cessão no registro do imóvel.
A verdade é que a cessão de crédito independe da anuência do devedor, mas ele deve
ficar sabendo que houve esta cessão.
O art. 286 vai dizer: o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a
natureza da obrigação, a lei, ou se não houver vedação no contrato (convenção) com o
devedor.
Essa cláusula proibitiva da cessão, que poderá estar prevista no contrato, não será
oponível ao cessionário de boa-fé, se ela não estiver escrita no contrato (instrumento da
obrigação).
Em regra, a cessão tem eficácia inter partes, e não exige sequer que seja escrita, ou
seja, poderá ser verbal.
Porém, para ter eficácia perante terceiros, será necessário que seja formulada por um
instrumento escrito, já que a cessão é negócio jurídico bilateral. Ou seja, é ineficaz, em relação
a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público,
ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654.
Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessionário exercer os
atos conservatórios do direito cedido (art. 293).
Para a cessão ser válida, é desnecessária a anuência do devedor. Porém, o art. 290
dispõe que a cessão não tem eficácia em relação ao devedor se ele não for notificado.
Todavia, considera-se notificado o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou
ciente da cessão feita.
O devedor pode opor ao cessionário (que passou a ter a condição de credor) as
exceções que ele tinha em face do antigo credor ao novo credor, bem como as exceções que,
no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente. Isso
significa que quando o cedido for notificado da cessão, poderá alegar uma cessão em face do
cedente.
A cessão de crédito pode ser onerosa (pode envolver lucro), situação na qual o
cedente ficará responsável pela existência do crédito ao tempo que cedeu (pro soluto).
Sendo a título gratuito, o cedente também terá responsabilidade, caso tenha procedido de
má-fé.

122
Aurélio Bouret

Ex.: contrato de faturização (factoring) é exemplo de cessão de crédito onerosa. Há um


cheque para receber 10 mil reais daqui a 30 dias, mas o sujeito busca a factoring para obter 9
mil reais hoje. Aqui houve uma cessão de crédito onerosa. O cedente só responderá pela
existência do crédito e não pela solvência. O credor originário não responde pela solvência,
mas apenas pela existência.
A cessão de crédito, em regra, é pro soluto, e não pro solvendo. Todavia, é possível
existir esta previsão contratual, no sentido de que a cessão é pro solvendo, ou seja, o cedente
terá responsabilidade pelo pagamento do crédito. Nesse caso, a cessão será pro solvendo.
Nessa hipótese, o cedente não responderá por mais do que recebeu com os seus
respectivos juros, mas tem de ressarcir as despesas da cessão e as que o cessionário houver
feito com a cobrança.
Ex.: supondo que no contrato com a factoring, Samer tenha recebido 9 mil reais pela
cessão do crédito de 10 mil reais. Daqui a 30 dias, se a factoring não receber os 10 mil reais,
Samer deverá pagar os 9 mil, mais os respectivos juros durante este intervalo de tempo à
factoring. Trata-se de cessão pro solvendo.
O crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor que tiver
conhecimento da penhora. Todavia, o devedor que o pagar, não tendo notificação dela, fica
exonerado, subsistindo somente contra o credor os direitos de terceiro.
Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor
primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe
apresenta, com o título de cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de
escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação.
Segundo o art. 291, ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se
completar com a tradição do título do crédito cedido.

10.3. CESSÃO DE DÉBITO (ASSUNÇÃO DE DÍVIDA)

Na cessão de débito, haverá um novo devedor. Trata-se de um negócio jurídico


bilateral pelo qual um devedor, com anuência do credor, transfere a um terceiro a posição de
sujeito passivo da relação obrigacional.
O art. 299 estabelece que é facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor,
desde que haja o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo,
salvo se, ao tempo da assunção, o devedor derivado fosse insolvente e o credor o ignorava.
Veja, se ficar demonstrado que, ao tempo da assunção, o devedor que ingressava já era
insolvente, e o credor desconhecia esta situação.
Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que se manifeste, consentindo
na assunção da dívida, situação na qual será interpretado o silencia como recusa. Ou seja,
quem cala não consente. É preciso que o credor concorde com a assunção da dívida.
Na assunção de dívida, há o antigo devedor (cedente), o novo devedor (cessionário) e
o credor (cedido).
A cessão de débito pode ser classificada de duas formas:
 Assunção por expromissão: uma terceira pessoa assume
espontaneamente o débito da outra, e o devedor principal nem toma
parte dessa situação. O devedor originário não anui. Essa assunção de
dívida pode ser sub-classificada em liberatória e cumulativa:

123
Aurélio Bouret

o assunção por expromissão liberatória: o devedor primitivo se


exonera, ingressando um novo devedor, liberando o devedor
antigo;
o assunção por expromissão cumulativa: o expromitente entra
como um novo devedor, mas ao lado do devedor primitivo. O
devedor primitivo não é exonerado nessa circunstância.
 Assunção de delegação: o devedor originário participa dessa relação,
transferindo débito para terceiro, com a anuência do credor. Esta é a mais
comum de ocorrer.
O art. 300 consagra como regra geral que devem ser consideradas extintas todas as
garantias especiais dadas ao credor originário, salvo com consentimento expresso do devedor
primitivo.
Isso significa que as garantias especiais dada pelo credor primitivo, serão consideradas
extintas, pois ele está exonerado. O novo devedor passará a responder, salvo se houver
consentimento expresso do devedor primitivo, no sentido de que as garantias por ele
prestadas continuam valendo.
Sendo anulada a assunção de dívida, restaura-se o débito. Sendo ele restaurado,
serão restauradas também as suas garantias, salvo garantias prestadas a terceiros, com
exceção do caso em que terceiros conheciam o vício da assunção (art. 301).
Ou seja, a assunção de dívida é negócio jurídico, podendo ser anulado. Se for anulado,
terá efeitos retroativos, motivo pelo qual o devedor primitivo, que outrora estava exonerado,
não mais está. Há o retorno ao status anterior, devendo voltar tudo ao normal, inclusive às
garantias especiais.
No que toca ao terceiro, esta garantia que tinha prestado não volta, salvo se o terceiro
tivesse conhecimento desse vício anteriormente, situação na qual também voltará como
garantidor.
Na assunção de dívida, não poderá o novo devedor opor ao credor as exceções
pessoais que competiam ao devedor primitivo. Ou seja, o novo devedor não poderá opor
exceções pessoais pertencentes ao devedor primitivo.
Ademias, o adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do
crédito garantido. Se o credor, notificado, não impugnar em 30 dias a transferência do
débito, entender-se-á dado o assentimento.

10.4. CESSÃO DE CONTRATOS

A cessão contratual não está regulamentada em lei, mas ainda assim é válida. Trata-se
de um negócio jurídico atípico.
É a transferência da inteira posição ativa ou passiva na relação contratual. O que há é a
cessão da posição contratual.
Na maioria das vezes, nos contratos, as partes são mutuamente credores e devedores
de obrigações. Trata-se de uma relação complexa, já que se trata de uma cessão de um
complexo de direitos e obrigações.
Para que haja a cessão contratual, é indispensável que haja o consentimento do outro
contratante.
Isso porque o contrato faz lei entre as partes, obrigando as partes que contrataram. O
princípio que orienta os contratos é o princípio da relatividade.

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Aurélio Bouret

Ex.: no mandato, o sujeito faz um substabelecimento, situação na qual cede a posição


de mandatário. Isto é, há uma cessão contratual.

11. INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

11.1. INTRODUÇÃO

Tem-se como inadimplemento o não cumprimento da obrigação, ou seja, devedor que


não cumpriu; credor que não foi buscar; não faz o que deveria ter sido feito; fazer o que não
era pra ser feito; não entregar o que era pra ser entregue; não restituir o que era pra ser
restituído; inadimplemento por culpa ou sem culpa etc.
O inadimplemento deveria ser uma exceção na relação obrigacional. E esse não
cumprimento da obrigação pode se dar:
 por ato culposo do devedor: a expressão “culpa” é aplicada em sentido lato,
abrangendo tanto a culpa stricto sensu - imprudência, negligência e imperícia - como o
dolo;
 por fato não imputável ao devedor: quando o inadimplemento da obrigação ocorrer
sem culpa do devedor, ou seja, ocorrência de fato invencível, fortuito ou de força
maior.

11.2. INADIMPLEMENTO POR ATO CULPOSO DO DEVEDOR (ARTIGO 389 DO CC)

O inadimplemento por ato culposo do devedor pode ser absoluto ou relativo.

11.2.1. INADIMPLEMENTO ABSOLUTO

Quando ocorre o total descumprimento da obrigação, de modo que a obrigação não


possa ser mais cumprida ou não for mais útil ao credor - artigo 389 e 402 do CC.
Ex.: “A” se compromete a entregar a “B” um carro no dia de amanhã, mas hoje, “A”
sofre acidente acarretando em perda total do veículo. Não há como efetivar a entregar o
veículo à “B” por impropriedade do bem e consequente inadimplemento absoluto da
obrigação.
Ex.: Noiva contrata “A” para confeccionar seu vestido de noiva. Na data estipulada
para a realização do casamento, a profissional não entrega/não faz a vestimenta. Embora
possa ser entregue após o casamento, o cumprimento a posteriori não é interessante à
credora, por inutilidade do bem.
“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e
atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de
advogado.”
“Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas
ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de
lucrar.”

11.2.2. INADIMPLEMENTO RELATIVO

Ocorre quando há o atraso, somente, ou seja, a obrigação não é cumprida no


tempo/vencimento que deveria. Porém é possível seu cumprimento posterior, como forma de
minimizar os impactos do atraso.

125
Aurélio Bouret

Inadimplemento relativo é também chamado de instituto da mora, que ocorrerá


quando o pagamento não é feito no tempo, lugar e forma convencionados.
O inadimplemento decorrente de ato culposo do devedor enseja ao credor o direito de
acionar o mecanismo sancionatório do direito privado para pleitear o cumprimento forçado da
obrigação ou, na impossibilidade deste se realizar, a indenização cabível – sempre que houver
culpa no não cumprimento da obrigação haverá fixação de indenização. Somente
quando o não cumprimento resulta de fato que lhe seja imputável se pode dizer,
corretamente, que o devedor falta ao cumprimento. Ou seja, quando o devedor não cumpre a
obrigação deve-se analisar o motivo pelo qual não houve esse cumprimento, pois, via de regra,
o devedor não responde pelo extraordinário, visto se tratar de acontecimentos que não
decorrem da vontade humana.
Por exemplo, não entrega o bem na data estipulada, tendo em vista a ocorrência de
enchente que ocasionou a deterioração da coisa.
Qualquer que seja a prestação prometida (dar, fazer ou não fazer), o devedor está
obrigado a cumpri-la, e tem o credor o direito de receber exatamente o bem, serviço ou valor
estipulado na convenção, não sendo obrigado a receber coisa diversa, ainda que mais valiosa
(art. 313, do CC).
Como explanado, no inadimplemento relativo temos o fenômeno da mora em razão
do atraso no cumprimento da obrigação. Portanto, a mora pode ser tanto do devedor quanto
do credor, vejamos:

11.2.2.1. MORA DO DEVEDOR

Também chamado de mora debendi; mora solvendi; mora debitoris – configura-se


mora do devedor quando ocorre o descumprimento ou cumprimento imperfeito da obrigação
por parte deste, por causa a ele imputável.
Veja que somente haverá responsabilidade do devedor pela mora, quando houver
culpa deste em relação ao não cumprimento da obrigação.
É preciso dívida líquida e certa; dívida exigível e, vale lembrar que, se a obrigação tem
vencimento certo, a regra é de que a mora seja ex re, é preciso viabilidade do cumprimento
tardio da obrigação.
Sobre viabilidade, não é justo analisar se é viável mediante arbítrio do devedor, mas
deve partir de uma análise objetiva. O enunciado 162 da III Jornada de Direito Civil adverte que
a análise da viabilidade ou não do cumprimento tardio da obrigação deve ser feita
objetivamente e de acordo com a boa-fé. É o que preceitua o parágrafo único, do artigo 395
do CC.

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros,
atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado.

Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este


poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.

A mora pode ser de duas espécies:


 mora ex re (em razão de fato previsto na lei): configura-se quando o devedor nela
incorre automaticamente, sem necessidade de qualquer ação por parte do credor, o
que sucede:

126
Aurélio Bouret

o quando a prestação deve realizar-se em um termo prefixado e se trata de


dívida portável. O devedor incorrerá em mora ipso iure desde o momento do
vencimento dies interpellat pro homine – o dia interpela pelo homem;
o nos débitos derivados de um ato ilícito extracontratual, em que a mora
começa no exato momento da prática do ato;
o quando o devedor houver declarado por escrito que não pretende cumprir a
prestação.
 mora ex persona: dá-se a mora ex persona em todos os demais casos. Será, então,
necessária uma interpelação ou notificação por escrito para a constituição em mora.
o Ex.: em um contrato de empréstimo em que “A” empresta veículo a “B”, sem
que houvesse estipulação da data de devolução. Para que haja exigência da
devolução do veículo, é necessário que “A” constitui “B” em mora, e assim o
faz através de interpelação ou notificação.
A mora do devedor gera dois efeitos básicos:
 A responsabilidade civil pelos prejuízos causados ao credor (art. 395, do
CC).
“Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros
de mora, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado.”
 Durante a mora, o devedor é responsável pela integridade da coisa devida,
ainda que o dano resulte de caso fortuito ou força maior (inadimplemento
objetivamente imputável – perpetuatio obligationis – art. 399).

Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora


essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem
durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda
quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

Em suma, o devedor não responde pelo extraordinário, via de regra. No entanto, se o


devedor não cumpre a obrigação de forma voluntária por culpa ou dolo, tem-se configurado o
inadimplemento absoluto ou a incidência de mora, ou seja, é o que chamamos de
inadimplemento subjetivamente imputável.
Por outro lado, o devedor responderá pela impossibilidade da prestação, quando
ocorrer o que chamamos de inadimplemento objetivamente imputável, ou seja, quando no
momento em que ocorreu o caso fortuito ou força maior o devedor estava inadimplente
perante o credor, salvo se provar que o extraordinário teria acontecido de qualquer forma, ou
seja, estando o bem em suas mãos ou não.

11.2.2.2. MORA DO CREDOR

Também chamada de mora cedendi, mora accipiendi ou mora creditoris – professor


Silvio Rodrigues diz que a mora do credor existe e a análise da culpa do credor é desnecessária
– ou seja, mesmo que a culpa não esteja presente haverá responsabilidade do credor.
Dessa forma, em uma obrigação quérable, por exemplo, em que o credor deve ir até o
devedor para buscar um cavalo e não o faz na data estipulada. Quem responde pelo
inadimplemento é o credor.
Segundo o jurista Washington de Barros Monteiro,

127
Aurélio Bouret

configura-se a mora do credor quando ele se recusa a receber o pagamento no


tempo e lugar indicados no título constitutivo da obrigação, exigindo-o por forma
diferente ou pretendendo que a obrigação se cumpra de modo diverso. Decorre
ela, pois, de sua falta de cooperação com o devedor para que o adimplemento
possa ser feito do modo como a lei ou a convenção estabelecer (art. 395, do CC).

Constituem efeitos da mora do credor:

Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade


pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em
conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o
seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.

 1ª parte: se o credor não recebe a coisa, durante o tempo que o devedor


ficar com a coisa não responde pela conservação, salvo se agir com dolo.
 2ª parte: se o devedor tiver despesa para conservar a coisa, o credor deve
indenizar o devedor.
 3ª parte: se houver uma obrigação a ser cumprida em determinada data,
considera-se o valor do dia. Caso o pagamento não tenha sido feito no dia
por culpa do credor, será considerado o valor mais benéfico ao devedor
entre estas datas.

11.2.2.3. VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO

A violação positiva do contrato consiste em mais uma forma de inadimplemento — ao


lado de inadimplemento absoluto e inadimplemento relativo (mora) —, derivada da violação
dos deveres anexos da boa-fé objetiva, deveres tais como lealdade, informação, proteção,
cooperação e confiança. Na violação positiva do contrato, temos um cumprimento imperfeito
da obrigação na medida em que há uma lesão à boa-fé objetiva.
Em decorrência do princípio da boa-fé objetiva, há um padrão ético de
comportamento que se espera de todos em sociedade, e ética impõe os chamados deveres
anexos da boa-fé objetiva, deveres esses que estão presentes implicitamente em toda e
qualquer relação obrigacional. São eles: dever de lealdade, informação, proteção, confiança e
cooperação.
Dessa forma, ainda que o devedor não tenha incorrido em inadimplemento absoluto
ou relativo, caso seja violado um desses deveres, estaremos diante também de uma forma de
inadimplemento.
Podemos citar o exemplo da compra e venda de um imóvel em que o vendedor
entrega o apartamento em perfeito estado e na data avençada. Ou seja, não houve
inadimplemento absoluto nem relativo; porém, se o vendedor deixou de informar que existia
no prédio um vizinho extremamente inconveniente que perturbava o sossego de quem residia
no referido apartamento, estaremos diante de uma quebra do dever de informação, um
inadimplemento por violação positiva do contrato.

11.3. INADIMPLEMENTO POR FATO NÃO IMPUTÁVEL AO DEVEDOR

O inadimplemento decorrente de fato não imputável ao devedor, mas “necessário,


cujos efeitos não era possível evitar ou impedir” (art. 393, do CC), denominado caso fortuito
ou força maior, configura-se o inadimplemento fortuito da obrigação. Nesse caso, o devedor
não responde pelos danos causados ao credor, “se expressamente não se houver por eles
responsabilizado” (art. 393, do CC).

128
Aurélio Bouret

Em geral, o inadimplemento fortuito extingue a obrigação sem que haja consequente


obrigação de indenizar (art. 393, do CC).
Numa relação obrigacional, existe o credor e o devedor, não havendo o pagamento,
entra-se no campo do inadimplemento. Quando a obrigação é descumprida por fortuito há o
inadimplemento total, absoluto, sem obrigação de indenização a se pagar.
Às vezes mesmo havendo o fortuito ou força maior, em algumas situações, ainda assim
haverá responsabilidade civil.
Nesse contexto, o inadimplemento pode ser dividido em imputável ou inimputável.
 Inadimplemento imputável: quando as consequências são atribuídas
ao devedor. Podendo ser inadimplemento subjetivamente imputável,
quando o devedor agiu com culpa ou inadimplemento objetivamente
imputável quando a inexecução tenha decorrido de fato alheio e não
imputável ao devedor, como o fortuito e a força maior, mas ao tempo
do evento já estava em mora.
 Inadimplemento inimputável: é o inadimplemento cujas
consequências não podem ser atribuídas ao devedor, por ausência de
culpa.
Quando ocorre o descumprimento dos deveres anexos de boa-fé dentro da relação
contratual, tem-se o chamado adimplemento ruim, que ocorre quando a obrigação é
cumprida, mas cumprida de maneira ruim ou violando os deveres anexos de boa-fé - os
deveres da boa-fé observam-se a analise da lealdade, da proteção, de esclarecimento entre os
contraentes.
Para a teoria do substancial performance ou adimplemento substancial, os contratos
que gozam que execução continuada/diferida com parcelas substancialmente adimplidas (ou
seja, restando três parcelas para o término, por exemplo) e sendo a mora irrelevante, não
ensejará em extinção da obrigação, podendo incidir, além da cobrança, a indenização por
perdas e danos.
Contudo, o STJ possui entendimento de que NÃO é possível a alegação da teoria do
adimplemento substancial quando a obrigação envolver alimentos e nos contratos de
financiamento regidos pelo Decreto n° 911.

11.4. CLÁUSULA PENAL E ARRAS

Cláusula Penal Arras

- A cláusula penal é um pacto acessório de - Arras constituem verdadeiro sinal e têm


natureza pessoal, previsto nos artigos 408 a natureza de direito real – artigos 417 a 420
416 do CC. do CC.
- Trata-se uma antecipação, ou seja, - É a possibilidade de desistência do contrato
prognose de possíveis perdas e danos. Diante ou de confirmação da obrigação.
disso, é possível que as partes, de antemão,
- As arras podem ser confirmatórias ou
consignem no contrato a possibilidade de
penitenciais:
cláusula penal em caso de não cumprimento
da obrigação. a) Confirmatórias: reforçam a
obrigatoriedade contratual; cumulável com
- A cláusula penal embutida no contrato não
perdas e danos ou execução parcial da
pode ultrapassar o valor da obrigação

129
Aurélio Bouret

principal. obrigação.
- Segundo entendimento recente no STJ no Nessa modalidade de arras, a parte dá o
informativo n° 627, é possível a redução de sinal, mas deve ser devolvido no momento
cláusula penal de ofício pelo juiz, quando em que o negócio jurídico é efetivado ou
excessiva. compensado.
- Têm-se duas modalidades de cláusula penal:
b) Penitenciais: viabiliza eventual
arrependimento; não admite cumulação com
a) Moratória: é fixada para o caso de
perdas e danos. Servem como forma de
inadimplemento relativo e admite
indenização em caso de desistência da
cumulação com pedido indenizatório
celebração do negócio jurídico.
(cláusula penal + indenização);
b) Compensatória: é fixada para o caso de
inadimplemento absoluto; é uma forma de
antecipação das perdas e danos, mas não
admite cumulação com indenização.

Constatado o caráter manifestamente excessivo da cláusula penal contratada, o


magistrado deverá, independentemente de requerimento do devedor, proceder à
sua redução. Fundamento: CC/Art. 413. A penalidade deve ser reduzida
equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou
se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a
natureza e a finalidade do negócio. STJ. 4ª Turma. REsp 1.447.247-SP, Rel. Min.
Luis Felipe Salomão, julgado em 19/04/2018 (Info 627).

Na hipótese de inexecução do contrato, revela-se inadmissível a cumulação das


arras com a cláusula penal compensatória, sob pena de ofensa ao princípio do non
bis in idem.Ex: João celebrou contrato de promessa de compra e venda com uma
incorporadora imobiliária para aquisição de um apartamento. João comprometeu-
se a pagar 80 parcelas de R$ 3 mil e, em troca, receberia um apartamento. No início
do contrato, João foi obrigado a pagar R$ 20 mil a título de arras. No contrato,
havia uma cláusula penal compensatória prevendo que, em caso de
inadimplemento por parte de João, a incorporadora poderia reter 10% das
prestações que foram pagas por ele. Trata-se de cláusula penal compensatória.
Suponhamos que, após pagar 30 parcelas, João tenha parado de pagar as
prestações. Neste caso, João perderá apenas as arras, mas não será obrigado a
pagar também a cláusula penal compensatória. Não é possível a cumulação da
perda das arras com a imposição da cláusula penal compensatória. Logo, decretada
a rescisão do contrato, fica a incorporadora autorizada a apenas reter o valor das
arras, sem direito à cláusula penal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.652-DF, Rel. Min.
Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017 (Info 613).

Se a proporção entre a quantia paga inicialmente e o preço total ajustado


evidenciar que o pagamento inicial englobava mais do que o sinal, não se pode
declarar a perda integral daquela quantia inicial como se arras confirmatórias fosse,
sendo legítima a redução equitativa do valor a ser retido. STJ. 3ª Turma. REsp
1.513.259-MS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 16/2/2016 (Info
577).

QUESTÕES

130
Aurélio Bouret

1- (FCC – Juiz Substituto – MS/2020) O pagamento


a) feito de boa-fé ao credor putativo é válido, salvo se provado depois que ele não era
credor.
b) deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de
por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito.
c) não vale quando cientemente feito ao credor incapaz de quitar, em nenhuma hipótese.
d) autoriza-se a recebê-lo o portador da quitação, fato que origina presunção absoluta.
e) feito pelo devedor ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre o crédito, ou da
impugnação a ele oposta por terceiros, não valerá contra estes, que poderão constranger
o devedor a pagar de novo, prejudicado o direito de regresso contra o credor.
2- (FCC – Juiz Substituto – MS/2020) Quanto à mora e às perdas e danos, é correto afirmar:
a) A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da
coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la e sujeita-o a
recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia
estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.
b) Havendo fato ou omissão imputável ao devedor, este não incorre em mora.
c) Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora a partir do
ajuizamento da ação indenizatória correspondente.
d) O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, salvo, em qualquer caso,
se essa impossibilidade resultar de caso fortuito ou força maior.
e) Salvo se a inexecução resultar de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os
prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do
disposto na lei processual.
3- (VUNESP – Juiz Substituto – RJ/2019) Uma dívida prescrita, o penhor oferecido por terceiro,
uma dívida de jogo e a fiança representam, respectivamente, obrigação:
a) com Schuld sem Haftung, com Haftung sem Schuld próprio, com Schuld sem Haftung e com
Haftung sem Schuld atual.
b) sem Schuld e sem Haftung, com Haftung sem Schuld próprio, com Schuld sem Haftung e
com Haftung sem Schuld atual.
c) com Schuld sem Haftung, com Haftung sem Schuld próprio, sem Schulde sem Haftung e com
Haftung sem Schuld atual.
d) com Haftung sem Schuld, com Haftung sem Schuld atual, com Schuld sem Haftung e com
Haftung sem Schuld próprio.
e) com Haftung sem Schuld, com Schuld sem Haftung, com Haftung sem Schuld atual, e com
Haftung sem Schuld próprio.
4- (VUNESP – Juiz de Direito Substituto – RO/2019) Tício cedeu onerosamente um crédito
que tinha contra Mélvio para Caio, constante de um instrumento particular de confissão
de dívida. No instrumento de cessão, constou que o cedente não se responsabiliza pela
solvência do devedor, mas era omisso acerca da responsabilidade pela existência do
crédito. Apesar de notificado da cessão do crédito, Mélvio não se manifestou. No dia do
vencimento da dívida, entretanto, Mélvio alegou que o crédito foi obtido mediante coação
realizada por Tício. A suposta coação ocorreu há exatamente três anos e um dia. Acerca do
caso hipotético, pode-se corretamente afirmar que

131
Aurélio Bouret

a) caso provada a coação, não responderá Tício a Caio pelo valor devido, tendo em vista que
somente se responsabilizaria se houvesse previsão expressa no termo de cessão.
b) caso provada a coação, responderá Tício a Caio pelo valor devido, mesmo não havendo
previsão expressa no termo de cessão.
c) somente seria oponível a Caio a alegação de coação se este soubesse ou devesse saber
acerca da existência do vício do consentimento.
d) a alegação da ocorrência de coação não é oponível a Caio, tendo em vista que Mélvio
deveria ter, imediatamente após tomar conhecimento da cessão do crédito, alegado a
existência do vício de consentimento.
e) decorreu o prazo decadencial para que Mélvio pudesse pleitear a desconstituição do
crédito em razão do vício de consentimento.
5- (FCC – Juiz Substituto – AL/2019) Acerca das preferências e privilégios creditórios,
segundo o Código Civil, considere as seguintes proposições:
I. O credor por benfeitorias necessárias tem privilégio geral sobre a coisa beneficiada.
II. O crédito real prefere ao crédito pessoal privilegiado.
III. O crédito por despesas com a doença de que faleceu o devedor goza de privilégio especial.
IV. Os credores hipotecários conservam seu direito sobre o valor da indenização mesmo se a
coisa hipotecada for desapropriada.
V. Direitos reais não são títulos legais de preferência, embora confiram prioridade sobre o
produto da alienação.
É correto o que se afirma APENAS em
a) I e II.
b) I e III.
c) II e IV.
d) III e V.
e) IV e V.
6- (FCC – Juiz Substituto – AL/2019) Por conta de mútuo oneroso, João devia a Teresa a
importância de cem mil reais. No intuito de ajudar o amigo em dificuldade, Leopoldo assumiu
para si a obrigação de João, para o que houve expressa anuência de Teresa. Nesse caso,
a) João ficará exonerado da dívida, salvo se Leopoldo, ao tempo da assunção, fosse insolvente
e Teresa ignorasse essa sua condição.
b) Leopoldo poderá opor a Teresa as exceções pessoais que competiam a João.
c) se a substituição do devedor vier a ser anulada, restaura-se o débito de João, sem nenhuma
garantia, independentemente de quem a tenha prestado.
d) preservam-se as garantias especiais originariamente dadas a Teresa por João,
independentemente do assentimento dele.
e) João responderá apenas pela metade da dívida, ainda que Leopoldo não cumpra a obrigação
assumida perante Teresa.
7- (FCC– Promotor de Justiça Substituto– MT/2019) No tocante ao pagamento,
a) não é lícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas, pela
insegurança patrimonial causada ao devedor.

132
Aurélio Bouret

b) o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, salvo se mais
valiosa, pois nesse caso faltará interesse econômico à rejeição.
c) quando feito de boa-fé ao credor putativo é válido, salvo se provado depois que não era
credor.
d) em qualquer hipótese considera-se autorizado a receber o pagamento o portador da
quitação, pela presunção legal absoluta daí decorrente.
e) o terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a
reembolsar-se do que pagar, mas não se sub-roga nos direitos do credor; se pagar antes de
vencida a dívida, só terá direito ao reembolso no vencimento.
8- (FCC – Promotor de Justiça Substituto – MT/2019) Em relação às obrigações de dar coisa
certa, é correto afirmar que,
a) como regra geral, a obrigação de dar coisa certa não abrange os acessórios, salvo se o
contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.
b) se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da
tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos
até o dia da perda.
c) sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no
estado em que se acha, nesses casos sem direito a reclamar perdas e danos.
d) até a tradição, pertence a coisa ao credor, com seus acréscimos, pelos quais poderá exigir
aumento do preço, com ou sem anuência do devedor.
e) deteriorada a coisa, sem culpa do devedor, poderá o credor resolver a obrigação, ou
aceitar a coisa, nesse caso sem abatimento do preço pela referida ausência de culpa do
devedor.
9- (MPE/SP – Promotor de Justiça Substituto – SP/2019) Gabriel Vieira, Paulo Martins, Carlos
Andrade e Marcelo Pereira emprestaram de Jorge Manuel a quantia de R$ 400.000,00
(quatrocentos mil reais) para a compra de um carro esportivo. As partes estabeleceram
que o referido valor seria dividido em quatro parcelas iguais e sucessivas bem como que
todos os devedores ficariam obrigados pelo valor integral da dívida.
Diante dessa situação, assinale a alternativa correta.
a) O pagamento parcial feito por Carlos e a remissão dele obtida pelo credor Jorge Manuel
não aproveitam aos outros devedores, senão até a concorrência da quantia paga ou
relevada.
b) Se houver atraso injustificado no cumprimento da obrigação por culpa de Paulo, somente
este responderá perante Jorge Manuel pelos juros da mora decorrentes do atraso.
c) Se Gabriel falecer deixando herdeiros, o credor Jorge Manuel poderá cobrar de qualquer
um dos herdeiros a integralidade da dívida.
d) A propositura de ação pelo credor Jorge Manuel contra Paulo e Carlos importará na
renúncia da solidariedade em relação a Gabriel e Marcelo.
e) Sendo Paulo demandado judicialmente pelo total da dívida, pode ele opor ao credor Jorge
Manuel as exceções que lhe forem pessoais, as comuns a todos, além das exceções
pessoais dos demais codevedores, por se tratar de obrigação solidária.
10- (MPE/SC – Promotor de Justiça – Matutina – SC/2019) Nos termos do Código Civil, quanto
ao lugar do pagamento, efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes

133
Aurélio Bouret

convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou


das circunstâncias. Designados dois ou mais lugares, cabe ao devedor escolher entre eles.
( ) Certo
( ) Errado
11- (CESPE – Defensor Público – DF/2019) Tendo como referência as disposições do Código
Civil a respeito de sucessão provisória, perdas e danos e venda com reserva de domínio, julgue
o item subsecutivo.
As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, devem compreender as custas
e os honorários advocatícios e, além da atualização monetária, os juros de mora a partir do
descumprimento contratual.
( ) Certo
( ) Errado
12- (CESPE – Juiz Substituto – SC/2019) A multa estipulada em contrato que tenha por objeto
evitar o inadimplemento da obrigação principal é denominada
a) multa penitencial.
b) cláusula penal.
c) perdas e danos.
d) arras penitenciais.
e) multa pura e simples.
13- (CESPE – Juiz Substituto – PR/2019) De acordo com o Código Civil, nas consignações em
pagamento, o ato de depósito efetuado pelo devedor faz cessar
a) os riscos, mas os juros da dívida continuam a correr até a declaração de aceitação do
credor.
b) os riscos e os juros da dívida, podendo o devedor requerer o levantamento do depósito
mesmo após a aceitação do credor.
c) os juros da dívida e impede o levantamento do valor depositado pelo devedor até que seja
aceito ou impugnado pelo credor.
d) os riscos e os juros da dívida; uma vez declarada a aceitação pelo credor, o depósito não
mais pode ser levantado pelo devedor.
14- (CESPE – Promotor de Justiça Substituto – PI/2019) Acerca do conceito, das formas e de
consequências das obrigações, é correto afirmar que
a) a lei é uma fonte de obrigações, porque estabelece o dever de cada indivíduo em função
de seu comportamento, o que não é viável pela vontade humana ou manifestação volitiva.
b) a responsabilidade objetiva cria obrigações que são verificadas independentemente da
configuração da ilicitude ou licitude da conduta do agente, bastando, para isso, verificar o
nexo causal entre a ação do ofensor e o dano.
c) o credor, em caso de obrigações por coisa certa, na impossibilidade de cumprimento do
acordado, poderá ser compelido a receber outra coisa desde que mais valiosa que a
inicialmente pactuada.
d) a obrigação que tenha por objeto prestação divisível poderá ser cumprida de forma
parcial, ainda que não tenha sido assim convencionado anteriormente pelas partes.

134
Aurélio Bouret

e) o comportamento desejado, em situação de obrigações de fazer, deverá ser


desempenhado pelo próprio devedor, sendo vedada a substituição do ato por terceiros,
mesmo que isso não gere nenhum prejuízo ao credor.
15- (MPE-PR – Promotor Substituto – PR/2019) Sobre pagamento, assinale a alternativa
correta:
a) O terceiro não interessado que paga a dívida em seu próprio nome se sub-roga nos
direitos do credor.
b) O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é sempre inválido.
c) A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento.
d) O credor é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, se ela for mais
valiosa.
e) É ilícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas.
16- (FCC – Defensor Público – MA/2018) Lucas e Bruno realizaram um contrato de trato
sucessivo em que se estampava uma obrigação portável. Entretanto, reiteradamente, o
pagamento era feito de forma diversa da que fora pactuada, sem que os envolvidos
apresentassem objeção. Neste caso, os pagamentos realizados são:
a) inválidos, porque realizado de forma diversa daquela constante do instrumento da avença,
e o credor poderá exigir que o pagamento passe a ser realizado da forma constante do
instrumento da avença, uma vez que não há fundamento para se presumir a renúncia ao
previsto no contrato nessas circunstâncias.
b) válidos, e o credor não poderá exigir que o pagamento passe a ser realizado da forma
constante do instrumento da avença, uma vez que se presume que o credor renunciou ao
previsto no contrato.
c) inválidos, porque realizado de forma diversa daquela constante do instrumento da avença,
mas o credor não poderá exigir que o pagamento passe a ser realizado da forma constante
do instrumento da avença, uma vez que se presume que o credor renunciou ao previsto no
contrato.
d) válidos, mas o credor poderá exigir que o pagamento passe a ser realizado da forma
constante do instrumento da avença, uma vez que não há fundamento para se presumir a
renúncia ao previsto no contrato nessas circunstâncias.
e) válidos, e o credor não poderá exigir que o pagamento passe a ser realizado da forma
constante do instrumento da avença, uma vez que, apesar de não existir fundamento para
a renúncia, é caso de duty to mitigate the loss.
17- (FCC – Defensor Público – MA/2018) No direito das obrigações, a novação
a) exige a inequívoca intenção de novar, mas ela pode ser expressa ou tácita.
b) somente se configura caso se refira a todos os elementos da obrigação anterior, pois
inexiste novação parcial.
c) é presumida diante da modificação unilateral da forma de cumprimento da obrigação
originalmente estatuída.
d) pode ser utilizada licitamente como meio de validar obrigações nulas ou extintas.
e) da obrigação principal não tem reflexos sobre as obrigações acessórias, tal como a fiança.
18- (VUNESP – Juiz Substituto – SP/2018) A solidariedade pode ser ativa ou passiva, mas não
se identifica com a indivisibilidade, pois,

135
Aurélio Bouret

a) nesta, a fim de que os devedores se exonerem para com todos os credores, exige-se o
pagamento conjunto ou mediante caução, enquanto naquela não se exige tal cautela; a
obrigação indivisível, quando se resolver em perdas e danos, torna-se divisível, enquanto a
obrigação solidária conserva sua natureza; a remissão de dívida não extingue a obrigação
indivisível para com os outros credores, entretanto, extingue-a a solidariedade até o
montante do que foi pago, e pode a obrigação ser solidária e divisível ou indivisível e não
solidária.
b) nesta, a fim de que os devedores se exonerem para com todos os credores, exige-se o
pagamento conjunto ou mediante caução, enquanto naquela não se exige tal cautela; a
obrigação indivisível, quando se resolver em perdas e danos, torna-se divisível, enquanto a
obrigação solidária conserva sua natureza; a remissão de dívida não extingue a obrigação
indivisível para com os outros credores, entretanto, extingue-a a solidariedade, até o
montante do que foi pago, não podendo, porém, a obrigação ser solidária e divisível ou
indivisível e não solidária.
c) naquela, para que os devedores se exonerem com todos os credores, exige-se o
pagamento conjunto ou mediante caução, enquanto nesta não se exige tal cautela; a
obrigação solidária, quando se resolver em perdas e danos, torna-se divisível, enquanto a
obrigação indivisível conservará sua natureza; a remissão de dívida não extingue a
obrigação solidária para com os outros credores, entretanto, extingue-a a obrigação
indivisível, não podendo a obrigação ser solidária e divisível ou não solidária e indivisível.
d) naquela, para que os devedores se exonerem com todos os credores, exige-se o
pagamento conjunto ou mediante caução, enquanto nesta não se exige tal cautela; a
obrigação solidária, quando se resolver em perdas e danos, torna-se divisível, enquanto a
obrigação indivisível conservará sua natureza; a remissão de dívida não extingue a
obrigação solidária para com os outros credores, entretanto, extingue-a a obrigação
indivisível, e pode a obrigação ser indivisível e não solidária ou divisível e solidária.
19- (VUNESP – Juiz de Direito Substituto – RS/2018) João emprestou a José, Joaquim e
Manuel o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais); foi previsto no instrumento
contratual a solidariedade passiva. Manuel faleceu, deixando dois herdeiros, Paulo e
André. É possível afirmar que João poderá
a) cobrar de Paulo e André, reunidos, somente até o valor da parte relativa a Manuel, ou
seja, R$ 100.000,00 (cem mil reais), tendo em vista que o falecimento de um dos
devedores extingue a solidariedade em relação aos herdeiros do falecido.
b) cobrar a totalidade da dívida somente se acionar conjuntamente todos os devedores,
tendo em vista que o falecimento de um dos devedores solidários ocasiona a extinção da
solidariedade em relação a toda a obrigação.
c) cobrar de Paulo e André a totalidade da dívida, tendo em vista que ambos, reunidos, são
considerados como um devedor solidário em relação aos demais devedores; porém,
isoladamente, somente podem ser demandados pelo valor correspondente ao seu
quinhão hereditário.
d) cobrar o valor da totalidade da dívida de José, Joaquim, Paulo ou André, isolada ou
conjuntamente, tendo em vista que, após o falecimento de Manuel, resultou numa
obrigação solidária passiva com 4 (quatro) devedores.
e) cobrar de Paulo ou André, isoladamente, a importância de R$ 100.000,00 (cem mil reais)
tendo em vista que o quinhão hereditário de Manuel é uma prestação indivisível em
relação aos herdeiros.

136
Aurélio Bouret

20- (MPE/MS – Promotor de Justiça Substituto – MS/2018) Considere como Verdadeiras (V)
ou Falsas (F) as proposições a seguir:
I. Quanto aos bens reciprocamente considerados, podemos afirmar que a pertença é um
acessório sobre o qual não incide o princípio da gravitação jurídica.
II. Na hipótese da inexecução de contrato, não é possível a cumulação da perda das arras com
a imposição da cláusula penal compensatória, sob pena de ofensa ao princípio do non bis in
idem.
III. É imprescritível a ação de investigação de paternidade e a de petição de herança, por
abordar direito fundamental, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.
IV. Os juros moratórios fluem do evento danoso tão somente nos casos de responsabilidade
aquiliana.
V. A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide a partir da citação
válida.
Assinale a alternativa correta da sequência:
a) V, V, F, F, V
b) V, F, V, V, V.
c) F, V, F, F, F.
d) F, F, V, V, V.
e) V, V, F, V, F.
21- (FCC – Defensor Público – Reaplicação – AM/2018) No tocante ao adimplemento e
extinção das obrigações, considere as afirmações a seguir:
I. Nos débitos, cuja quitação consista na devolução do título, perdido este, poderá o devedor
exigir, retendo o pagamento, declaração do credor que inutilize o título desaparecido. II. A
sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do
primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal, mas não contra os fiadores, por se
tratar a fiança de contrato acessório e benéfico. III. Havendo capital e juros, o pagamento
imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário,
ou se o credor passar a quitação por conta do capital; essa regra não se aplica às hipóteses de
compensação tributária. IV. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas ou não,
mas desde que fungíveis entre si. V. Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem
ser objeto de novação obrigações nulas ou extintas.
Está correto o que se afirma APENAS em
a) II, III, IV e V.
b) I, II, III e IV.
c) III, IV e V.
d) I, III e V.
e) I, II e IV.

GABARITO

1. B

137
Aurélio Bouret

2. A
3. A
4. B
5. C
6. A
7. E
8. B
9. A
10. Errado
11. Errado
12. B
13. D
14. B
15. C
16. B
17. A
18. A
19. C
20. E
21. D

138
Aurélio Bouret

CAPÍTULO 4 — DIREITO DOS CONTRATOS: TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

1. PRINCÍPIOS CONTRATUAIS

1.1. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS CONTRATOS

Previsto a partir do artigo 421, do Código Civil, contratos é a mais comum e mais
importante fonte de obrigação ao lado das declarações unilaterais de vontade (testamento) e
os atos ilícitos (responsabilidade civil).
O contrato constitui uma das principais formas de movimentação da economia, sendo,
portanto, o responsável pela circulação de riquezas. Tudo que fazemos gira em torno de
relações contratuais, por exemplo, se você compra um livro da editora “X”, tem-se um
contrato; se você recebe sinal de TV a cabo, há uma relação contratual. Há quem diga, ainda,
que na seara do direito de família, o casamento é espécie contratual.
Notadamente, nesta oportunidade, estudaremos sobre um ato jurídico lícito, ou seja, a
vontade humana prevista na elaboração do contrato está direcionada para as consequências
do ato. Por exemplo, se “A” celebra contrato de compra e venda de um celular com “B”, o
contrato é assinado por ambas às partes. Contudo, faz-se necessário a seguinte indagação: a
vontade de vender o celular é exteriorizada por meio da assinatura do contrato? Não, a
vontade de “A” está voltada para as consequências, ou seja, a entrega do celular e o
recebimento do dinheiro.
Dessa forma, tem-se como contrato, espécie de negócio jurídico, que depende, para
sua formação, da participação de pelo menos duas vontades, sendo, portanto, negócios
jurídicos bilaterais (manifestação de duas vontades) ou plurilaterais (manifestação de mais de
duas vontades).
Logo, levando-se em consideração a classificação de negócio jurídico, todos os
contratos são negócios jurídicos bilaterais, porém, admite-se negócio jurídico unilateral.
Negócio jurídico bilateral é aquele que está direcionado a produção de vantagens,
como no contrato de doação pura, que é unilateral no que diz respeito à vantagem, mas com
relação à manifestação de vontade, é bilateral. Isso porque o doador manifesta-se a vontade
de doar e o donatário a vontade de receber, com a prevalência do silêncio em algumas
situações (art. 539 do CC).
Em resumo: Quando se fala em contrato, tem-se um negócio jurídico bilateral ou
plurilateral, não existe contrato formalizado com uma única manifestação de vontade, pois,
neste caso, estaremos diante de ato unilateral. Diante disso, sempre que na classificação de
contratos houver unilateralidade, estará relacionada à produção de vantagens.
Segundos os ensinamentos do professor Clóvis Beviláqua: “contrato é acordo de
vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir relações jurídicas”.
A autonomia da vontade é um princípio clássico do direito contratual, tendo em vista
que a elaboração do contrato ocorre por meio da manifestação de vontade dos contratantes.
Consequentemente, o contrato de aperfeiçoa, pura e simplesmente, pela manifestação de
vontade, não há maiores formalidades.
Salienta-se ainda que, anteriormente, tínhamos a autonomia da vontade como um
princípio absoluto, o que não ocorre nos dias atuais. O anterior Código Civil (1.916) era um
sistema extremamente preocupado com questões patrimoniais, ou seja, buscava proteger tão
somente o patrimônio dos sujeitos. Havia figuras específicas neste código, por exemplo:

139
Aurélio Bouret

(i) o homem que tomava as decisões nas relações familiares - o homem fixava
domicílio conjugal; ele que autoriza a esposa a trabalhar; o salário da esposa era regido pelo
homem, bem como, poderia ser retido por ele; o homem detinha o pátrio poder sob os filhos;
(ii) o testador nas relações sucessórias, poderia dispor livremente e da forma que
quisesse os seus bens;
(iii) os contratantes poderiam contratar da forma que melhor lhe convier; sobre o
objeto que quisesse; estipulavam as cláusulas contratuais; total ausência de aplicação da
teoria da imprevisão e aplicação do princípio pacta sunt servanda – o contrato faz lei entre as
partes;
(iv) os proprietários poderiam utilizar a propriedade da maneira que pretendia.

1.2. FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS

Nesta seara, verificam-se alguns princípios basilares que regem o direito civil
contemporâneo, também chamado de “pedras de toque” do direito civil moderno, como:
princípio da socialidade, princípio da eticidade e princípio da operabilidade, concretude ou
simplicidade.
O princípio da função social dos contratos decorre do princípio da socialidade. Isto é,
continua-se presente a autonomia da vontade, mas, limitado pela “ética, boa-fé, probidade”. É
importante ponderar, que as expressões alhures mencionadas, encontra-se positivado no
Código Civil, em seu artigo 422, que diz: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Ademais, informa o princípio da operabilidade, concreto ou simplicidade que o direito
deve ser concretizado. Assim, para não engessar o direito, o legislador insere no ordenamento
jurídico cláusulas/normas gerais, conceitos indeterminados, vagos ou abstratos, a serem
interpretados no caso concreto.
Tem-se, portanto, como função social dos contratos, transmitir um sentido social. Em
outras palavras, “é a retirada do sentido egoísta enraizado desde o CC/16, para algo
extremamente preocupado com a coletividade”. Ou seja, o princípio da socialidade coloca as
avenças em um plano transindividual.
Nesse sentido, dispõe o artigo 421, do CC:
“Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do
contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)”
A expressão “função social” é vaga, ou seja, trata-se de um conceito aberto, desse
modo, deve-se realizar uma interpretação do que venha a ser função social no caso concreto. É
por isso que é vedada a utilização do contrato como forma de “esmagamento social”. Por
exemplo, não é permitido em contrato de financiamento com instituição bancária, cláusulas
que transcendem os limites do egoísmo, ou seja, que rompe a função social do contrato e as
bases do diploma civilista, com utilização autoritária e exacerbada para satisfação da vontade
das partes.
Com o advento do CC/2002 e segundo os ensinamentos de Judith Martins, atualmente,
vive-se a era da autonomia da vontade solidária, ou seja, os contratantes continuam tendo
autonomia da vontade, de modo que podem contratar com quem quiser; o objeto do contrato
é escolhido pelas partes; contratam quando querem e da forma que desejam, contudo, deve-
se observância a função social dos contratos.
Há uma grande probabilidade de ser cobrada em provas subjetivas a seguinte
indagação: Discorra acerca da função social do contrato e a autonomia da vontade contratual

140
Aurélio Bouret

Conclui-se, portanto, que a autonomia da vontade sempre esteve presente do campo


do direito civil, ao passo que se o sujeito não pode manifestar sua vontade, considera-se
incapaz. Com efeito, enquanto a autonomia da vontade perante o sistema civilista revogado
era absoluta, hoje, continua-se coexistindo essa autonomia, mas com algumas limitações, o
que não descaracteriza o regime privado, mas aproxima-se com a preocupação com o coletivo,
inerente ao direito público.
Notadamente, nós tínhamos uma relação entre o direito público e direito privado
marcada por uma verdadeira dicotomia, ou seja, um não tinha relação com o outro. O direito
público era pensado para reger as relações de direito público, ou seja, do Estado. Por sua vez,
o direito privado, para reger as relações privadas, dos particulares. Tal dicotomia refere-se à
chamada summa divisio, e podemos citar como exemplo, a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais nas relações privadas.
Em decorrência da função social do contrato, importante se faz algumas ponderações:
 o contrato deve ser concluído em benefício dos contratantes sem conflito com o
interesse público;
 o contrato não pode ser usado como instrumento de atividades abusivas, causando
dano à parte contrária ou terceiros;
 complementa a aplicação da boa-fé, pois, caso contrário, não se fala em preocupação
com o coletivo;
 questão de ordem pública, ou seja, verificando o magistrado que houve violação a
função social do contrato, ele poderá reconhecê-las de ofício. Tem-se como exemplo,
a boa-fé, função social do contrato, interpretação de cláusulas gerais, etc.;
 consoante às lições do professor Caio Mario: “A autonomia da vontade, à luz da
função social, somente sofrerá restrição quando em confronto com interesses sociais.
Assim, é fonte de equilíbrio social”.

2. PRINCIPIOLOGIA CONTRATUAL

São princípios clássicos dos contratos: autonomia da vontade, relatividade dos


contratos, obrigatoriedade dos contratos dentre outros. Nessa linha, tem-se, ainda, uma
principiologia contemporânea, consubstanciada a luz do direito civil constitucionalizado, de
modo que a interpretação do direito privado deva ser realizada conforme regras e ditames da
Constituição Federal.

2.1. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE

O princípio da autonomia da vontade nos conduz a uma liberdade contratual, de modo


que a pessoa é livre para contratar; estipular cláusulas contratuais; escolher com quem irá
contratar; a escolha do objeto contratual.
Hodiernamente, tem-se uma autonomia da vontade que não é absoluta, ou seja,
comporta algumas limitações, e estas, por sua vez, podem ser visualizadas por meio da função
social dos contratos e de cláusulas gerais, como é o caso da boa-fé objetiva.

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do
contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

141
Aurélio Bouret

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da


intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela Lei
nº 13.874, de 2019)

Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos


até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa
presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido
também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a


interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de
resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e


(Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.


(Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)”

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Aurélio Bouret

2.1.1. ENUNCIADOS DA JORNADA DE DIREITO CIVIL

Enunciado 21: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui
cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação
a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.”
 Tem-se como exemplo de terceiro atuando na relação contratual, na estipulação em
favor de terceiro.
Enunciado 22: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui
cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e
justas.”
 Dessa forma, sempre que houver a possibilidade de desfazimento do contrato, pela
aplicabilidade da teoria da imprevisão, por exemplo, deve-se verificar a possibilidade
de conservação do contrato antes do seu desfazimento. A conservação do contrato
ocorre justamente em razão da função social do contrato.

Enunciado 23: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código
Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o
alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse
individual relativo à dignidade da pessoa humana.

Enunciado 166: “A frustração do fim do contrato, como hipótese que não se confunde com a
impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no Direito
brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil.”

Enunciado 167: Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação
principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor no que
respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma
nova teoria geral dos contratos.

 Teoria geral dos contratos assentada na boa-fé objetiva.


Enunciado 360: “O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna
entre as partes contratantes.”
 Muito embora a função social do contrato seja vista com uma preocupação com a
coletividade, a função social em sentido stricto sensu, está intimamente ligada à
própria essência contratual do que temos atualmente. Ex.: ser ético no contrato, ter
boa-fé – ou seja, a função social é aplicada no que diz respeito à intimidade dos
contratantes.
Enunciado 361: “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de
modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva,
balizando a aplicação do art. 475.”
O entendimento sumular 302 do STJ prevê uma forma de descumprimento da função
social do contrato e limita a autonomia da vontade, in verbis: “É abusiva a cláusula contratual
de plano de saúde que limita o tempo de internação hospitalar do segurado."

2.2. PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA ORDEM PÚBLICA

A liberdade de contratar pode gerar desequilíbrio e exploração econômica dos mais


fracos, principalmente, em setores mais sensíveis, onde há uma fiscalização do estado nos

143
Aurélio Bouret

contratos privados que tenham uma atuação maior no direito público – coletividade - do que
no direito privado, é o que chamamos de dirigismo contratual. Por exemplo, os contratos de
telecomunicações, de seguros, de sistema financeiro, etc.
Acerca do seguro de vida, entendeu o STJ quando da edição do Informativo 594:

Não é devida a indenização securitária decorrente de contrato de seguro de


automóvel quando o causador do sinistro – preposto da empresa segurada –
estiver em estado de embriaguez, salvo se o segurado demonstrar que o infortúnio
ocorreria independentemente dessa circunstância. STJ. 3ª Turma. REsp 1.485.717-
SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/11/2016 (Info 594).

Nesse trilhar, prevê o artigo 2035, parágrafo único, do Código Civil.

Artigo 2035, parágrafo único: Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar


preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para
assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

O dispositivo acima assinalado é bastante estudado quando falamos em LINDB, haja


vista que uma lei nova, quando entra no ordenamento jurídico, é aplicada imediatamente,
inclusive em casos pendentes. Porquanto, com a vigência do CC/2002, houve a aplicação
imediata das novas regras civis assentados sobre os novos princípios, aos contratos que se
encontravam em andamento, ou seja, aqueles de trato sucessivo.
Dessa forma, o dirigismo contratual decorre justamente da preocupação com a função
social do contrato e a dignidade da pessoa humana no âmbito contratual.
Embora no dirigismo contratual tenha a atuação firme e efetiva do estado na
fiscalização de contratos privados, alguns doutrinadores, sobretudo, defendem que o dirigismo
contratual é o mesmo que publicização do direito privado, o que é equivocado. Pois, em
verdade, dirigismo contratual trata-se do princípio da supremacia da ordem pública no âmbito
dos contratos e, por outro lado, publicização do direito civil estaria intrinsecamente ligado a
uma constitucionalização do diploma civilista, o que é muito mais amplo.

2.3. PRINCÍPIO DO CONSENSUALISMO

Pelo princípio do consensualismo, os contratos se formam pela manifestação da


vontade e, via de regra, a forma é livre, conforme mencionado quando do estudo dos
elementos de existência do negócio jurídico – agente, vontade, objeto e forma.
Forma, portanto, é a exteriorização da vontade, e a lei não impõe forma específica, no
entanto, quando a lei exigir forma ou solenidade específica, deve ser compulsoriamente
observada, pois, caso contrário, o contrato será nulo - conforme alusão ao artigo 166, do
Código Civil.
Tem-se como exemplo do princípio em comento: quando “A” pergunta a “B” se este
deseja comprar um celular, e este diz que sim, o contrato está formado e pode-se exigir o
adimplemento contratual. Mesmo que o bem ainda esteja com “A”, isso porque, nesse
contrato, a lei não impõe a tradição (entrega do bem).
Ademais, como mencionado, para formar um contrato não se faz necessário a
tradição. Porém, o direito real só se transmite com a observância dos artigos 1226 e 1227 do
CC, ou seja, se o bem for móvel, será com a tradição (entrega), sendo o bem imóvel, a
transmissão se dará com o registro ou tradição solene.

144
Aurélio Bouret

Desse modo, se houver a celebração de um contrato com determinada pessoa cujo


objeto é um bem móvel, e não ocorre à entrega do bem, a pessoa que comprou e pagou pelo
que foi pactuado, em nenhum momento foi proprietário. Agora, se o alienante vende e
transfere esse mesmo bem a um terceiro, o bem será do terceiro, porque houve a tradição.
Nesse contexto, o sujeito que realizou o pagamento e não lhe foi entregue o bem, NÃO
poderá pleitear ação reivindicatória, tendo em vista que este nunca foi proprietário. Todavia,
ante a formalização do contrato que não foi adimplido, o sujeito terá duas opções: (i) exigir o
adimplemento contratual, se a obrigação for incerta ou; (ii) desfazimento do contrato
(devolução do montante + perdas e danos).
Importante: não confundir contratos que estabelecem obrigações com direitos reais.
Via de regra, os contratos são consensuais. Excepcionalmente, tem-se os contratos
reais, que se formam por meio da entrega da coisa, por exemplo, no contrato de comodato
(empréstimo de uso) e no contrato de depósito (cuidado com a coisa).

2.4. PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS

Em regra, o contrato só produz efeitos em relação às pessoas que dele participam e


que manifestaram suas vontades. Todavia, de forma excepcional, pode atingir terceiro.
Portanto, trata-se de um princípio não absoluto.
O atingimento do terceiro ocorrerá, quando houver estipulação em favor de terceiro.
Exemplo disso ocorre no contrato de seguro de vida, em que os beneficiários do de cujus
poderão exigir o pagamento referente ao seguro.

2.5. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DOS CONTRATOS

O princípio da obrigatoriedade dos contratos refere-se à intangibilidade dos contratos,


ou seja, força vinculante dos contratos. Dessa forma, uma vez contratado, as partes estão
obrigadas.
Pontos básicos: segurança jurídica + pacta sunt servanda - o contrato faz lei entre as
partes.
Atualmente, vive-se uma relativização da obrigatoriedade. A doutrina, por sua vez,
estabelece uma limitação clássica (existente desde o CC/16) e uma limitação moderna (criada
através do CC/02).
Logo, o inadimplemento da parte, ocorrerá em duas situações:
 Imputável: quando as consequências são atribuídas ao devedor. Podendo ser
inadimplemento subjetivamente imputável, quando o devedor agiu com culpa ou
inadimplemento objetivamente imputável quando a inexecução tenha decorrido de
fato alheio e não imputável ao devedor, como o fortuito e a força maior, mas ao
tempo do evento já estava em mora.
 Inimputável: é o inadimplemento cujas consequências não podem ser atribuídas ao
devedor, por ausência de culpa (Essa é a limitação clássica – artigo 393, parágrafo
único, CC).

2.6. PRINCÍPIO DA REVISÃO DOS CONTRATOS OU DA ONEROSIDADE EXCESSIVA

A teoria da imprevisão é uma mitigação moderna à obrigatoriedade dos contratos


(ausência no CC/16) – artigo 478 e 479, do CC.

145
Aurélio Bouret

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma


das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra,
em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor
pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à
data da citação.

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta


entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz
corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real
da prestação.

Aplica-se a teoria da imprevisão: (i) nos contratos de execução continuada ou diferida;


(ii) quando houver desequilíbrio nas prestações; (iii) em contrato comutativo (aquele em que
as prestações estão previamente definidas).
Trata-se de circunstâncias não contemporâneas à formação do contrato. Os
contratantes, por sua vez, recorrem ao judiciário a fim de alterar o convencionado entre as
partes, no que tange as prestações futuras.
A teoria da imprevisão, também conhecida como cláusula rebus sic stantibus, é aquela
em que, ainda que não prevista no contrato primitivo, é inerente aos contratos de execução
continuada ou diferida. Logo, como se trata de cláusula implícita, gera revisão ou resolução do
contrato, mantendo-se o negócio íntegro, mas objetivando o equilíbrio entre os contratantes –
conservação do negócio jurídico e função social do contrato.
Pressupostos de incidência da teoria da imprevisão:
 Imprevisibilidade: é objetiva, ou seja, não há como ninguém prever;
o Atenção: a análise subjetiva está relacionada a imprevistos, e estes são não
aplicados na teoria da imprevisão.
 Excepcionalidade do fato;
 Desequilíbrio entre as prestações mesmo sem demonstrar o “efeito gangorra”: esse
efeito é aquele em que uma das partes detém vantagem e a outra não;
 Não se aplica aos contratos aleatórios.
Com a aplicação a teoria da imprevisão, deve-se observar a tentativa de manutenção
da conservação do contrato, mas caso não seja possível, faz-se necessário à resolução
contratual. É o que prevê o artigo 479, do CC.
Por derradeiro, calha mencionar, que o STJ reconhece a aplicação da teoria da
imprevisão aos contratos consumeristas, entendendo que é possível contabilizar imprevistos
para revisão de contratos dessa natureza, na qual chamamos de teoria da quebra da base.
Ademais, importante ponderar, que a teoria da imprevisão é inaplicável aos contratos
aleatórios, vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO


CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE SOJA. ENTREGA FUTURA.

RESCISÃO. ONEROSIDADE EXCESSIVA. TEORIA DA IMPREVISÃO.

INAPLICABILIDADE.

1. Reconhecidas no acórdão de origem as bases fáticas em que se fundamenta o


mérito, não configura reexame de fatos e provas sua mera valoração.

146
Aurélio Bouret

2. Nos contratos agrícolas de venda para entrega futura, o risco é inerente ao


negócio. Nele não se cogita a imprevisão.

3. Agravo não provido.

(AgRg no REsp 1210389/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,


julgado em 24/09/2013, DJe 27/09/2013).

Contratos aleatórios, por sua vez, são aqueles que possuem a álea – risco - e envolvem
sorte ou azar aos contratantes. São modalidades de contrato aleatório: emptio spei – compra
da esperança – e emptio rei speratae – compra da coisa esperada.
Geralmente, no próprio contrato aleatório há a incidência de fatos imprevisíveis, desse
modo, se uma das partes propõe a outra, a entrega de sementes de tomates para plantio,
comprometendo-se a comprar todos os tomates que nascerem dessa safra, pelo valor de
R$ 1,00 cada, na qual costumeiramente perfaz a produção de mil tomates.
Independentemente da quantidade de tomates que nascerem nesta safra, aquele que se
obrigou, deve pagar pelo que compactuou.
Obs.: se no contrato aleatório, o fato imprevisível não estiver inerente à álea, é
possível a aplicação da teoria da imprevisão, tendo em vista que esta teoria é implícita nos
contratos aleatórios.
Tem-se como exemplo, o preço. Desse modo, se a parte se compromete a pagar um
dólar por tomate, e a moeda esteja valendo R$ 3,15. Havendo modificação na economia e
passando o dólar a valer R$ 1,00, haverá prejuízo a uma das partes.

2.7. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E PROBIDADE

Sob a perspectiva do Código Civil de 2002, especialmente no artigo 422, encontra-se


presente o princípio da probidade e da boa-fé, tendo como princípio básico, a eticidade.
“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
O princípio da boa-fé exige que as partes se comportem de forma correta não só
durante as tratativas, como também durante a formação e o cumprimento do contrato.
O juiz presume a boa-fé, devendo a má-fé ser provado por quem alega. O previsto no
artigo 422, do CC, trata-se de uma cláusula geral, devendo ser interpretada no caso concreto.
A boa-fé se divide em:
 boa-fé subjetiva ou aspecto psicológico da boa-fé: trata-se da boa-fé interiorizada na
mente do sujeito; nas crenças internas de cada indivíduo;
 boa-fé objetiva ou aspecto ético da boa-fé: trata-se de um padrão comportamental
ético, pautada na confiança adjetivada – eticização da conduta social – na qual não
oscila de sujeito para sujeito. A boa-fé principiológica que estudamos é a objetiva.

2.7.1. TEORIA DO ABUSO DE DIREITO

No novo CC, a matéria do abuso de direito tem real destaque; é o novo regime dos
atos ilícitos.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes.

147
Aurélio Bouret

Quando violada a boa-fé objetiva, ocorre à quebra da confiança, que tem como
reflexo, o cometimento do ato ilícito.
São vertentes da boa-fé objetiva em relação aos contratantes: dever de informação;
dever de proteção; dever de cooperação e dever de lealdade.
Atente-se, o inadimplemento não ocorre tão somente com o inadimplemento da
obrigação, mas também, com o adimplemento ruim da obrigação e, consequentemente, há
quebra da confiança, o que enseja o pagamento pelas perdas e danos. Convém mencionar
ainda, que a responsabilidade em decorrência de ato ilícito pelo abuso de direito, é objetiva,
de forma que o sujeito responderá independentemente de ter agido com culpa.
O dispositivo dispensa o “sentimento mau” e introduz o sistema da culpa social
residente no comportamento excessivo.
São figuras comuns que retratam o rompimento da confiança: venire contra factum
proprium; suppressio, surrectio, tu quoque, duty to mitigate the loss.

2.7.1.1. VENIRE CONTRA FACTUMPROPIUM

Pune o exercício do direito subjetivo quando se caracterizar abuso da posição jurídica,


ou seja, trata-se do aproveitamento da própria torpeza. Funda-se na proteção da confiança –
teoria dos atos próprios.
Requisitos:
 conduta inicial (factumproprium);
 confiança da parte contrária;
 comportamento contrário à conduta inicial (violador da legítima confiança);
 dano ou potencial dano a partir da contradição.
Constitui exemplo de venire contra factumproprium, a Súmula 370 do STJ, que diz: que
“caracteriza dano moral a apresentação antecipada do cheque pré-datado”. Ex.: João realiza
compras na loja de José, e aquele, pergunta a José se ele aceita que o pagamento seja feito
mediante entrega de cheque pré-datado, José diz que sim (conduta inicial). João entrega o
cheque (confiança), mas no mesmo instante, José deposita o cheque (comportamento
contrário à conduta inicial). A responsabilidade civil de José, neste caso, é objetiva.
Resta caracterizado, portanto, abuso do direito, pois, muito embora José tenha o
direito de depositar o cheque, age com abuso de direito, ante a violação do dever de
confiança.

2.7.1.2. SUPRESSIO E SURRECTIO

O supressio, expressão alemã verwirkun, é, a priori, a perda de um direito pelo seu não
exercício no tempo; um protelamento desleal do exercício de um direito.
Requisitos para caracterização da supressio:
 omissão no exercício de um direito;
 transcurso de um período de tempo;
 objetiva deslealdade;
 intolerabilidade do posterior exercício.

148
Aurélio Bouret

Na surrectio, por sua vez, o raciocínio é o inverso; este configura o surgimento do


direito pelo costume ou comportamento de uma das partes; constituição de novo direitos.
São três os requisitos que caracterizam a surrectio:
 certo lapso de tempo;
 conjunção de fatores que apontem a criação deste novo direito;
 ausência de condições que impeçam a surrectio.
Verifica-se, portanto, que supressio e surrectio possuem o mesmo enfoque, onde tem
uma, tem-se presente a outra.
Ex.1: na convenção condominial de um prédio, ficou convencionado entre os
proprietários, que tais imóveis seriam utilizados para moradia, ou seja, imóveis residenciais –
quitinetes. Contudo, alguns proprietários passaram a alugar os referidos imóveis com o
objetivo de, ali, instalarem salas comerciais. Por longos anos, o condomínio era composto por
salas comercias e residenciais. Todavia, um ocupante das salas comerciais, passou a realizar
atividades com bastantes ruídos/barulhos, causando incomodo nos demais usuários. O
condomínio, por sua vez, ajuíza ação requerendo o cumprimento da convenção condominial,
ou seja, que tais imóveis fossem utilizados para fins de moradia, somente. O Tribunal
entendeu que já havia se passado muito tempo, para, só agora, requererem o cumprimento da
convenção condominial. De modo que, com o passar dos anos, a atividade comercial foi sendo
tolerada pelos condôminos, perdendo-se, portanto, o direito de exigir o disposto na
convenção.
Ex. 2: em um contrato de locação ficou consignado que o locatário deveria realizar o
pagamento dos alugueres na imobiliária, no dia 10 de cada mês. Após a assinatura do contrato,
ficou estabelecido, verbalmente, que determinado funcionário da imobiliária passaria na
residência do locatário para recebimento dos alugueres, durante todos os meses de vigência
do contrato. Durante o primeiro ano, realizou-se dessa forma. Contudo, no 13º mês, o
funcionário não passou para receber o aluguel. Em contato com o locador, este alega ao
locatário, que ele deveria ir até a imobiliária realizar o pagamento, tendo em vista que haviam
pactuado uma dívida portável. Porém, veja que, consoante o disposto no artigo 330, do CC: “o
pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor
relativamente ao previsto no contrato”. Dessa forma, não pode locatário cobrar multa em
razão da mora.
Verifica-se, portanto, que o locador tem o direito de cobrar o aluguel, mas assim o faz,
com abuso do direito. Pois, para o locador ocorreu a supressio – perda do direito de exigir uma
dívida portável – e para o locatário, ocorreu a surrectio – direito de ter uma dívida quérable.

2.7.1.3. TU QUOQUE

A expressão tu quoque tem origem na frase dita pelo governante romano Júlio Cesar, a
seu filho adotivo Marcus Brutus: “Tu quoque, Brute, fili mi?”.
O fenômeno da tu quoque se encontra estampado no artigo 476 do CC, o qual se
refere à doutrina do exceptio non adimplente contractus, ou seja, exceção (defesa) do
contrato não cumprido.
Por exemplo, as partes convencionam que o veículo somente será entregue após o
pagamento de trinta mil reais. Porém, mesmo não efetuando o pagamento da obrigação, o
devedor ajuíza ação em face do credor, requerendo o adimplemento do contrato. O credor,
por sua vez, apresentará defesa alegando a tese da exceptio non adimplente contractus.

149
Aurélio Bouret

Dispõe o artigo 476 do CC:


“Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua
obrigação, pode exigir o implemento da do outro.”
Igualmente, no âmbito dos contratos, pode ser consignado, ainda, a chamada cláusula
solve et repete, que trata-se da renúncia à exceção do contrato não cumprido. Ou seja, as
partes pactuam que, mesmo havendo o não cumprimento da obrigação por uma delas, à outra
se submete ao cumprimento da obrigação que lhe cabe.
Ademais, temos ainda, a exceção ao contrato não cumprido em relação ao modo de
cumprimento da obrigação, que ocorrerá quando a parte cumpre a obrigação que lhe
compete, mas o faz de maneira diversa. Isto é, viola o meio pelo qual deva ser cumprida a
obrigação pactuada. (Tema já cobrado em prova subjetiva)
Prevê o artigo 477 do CC:

Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes
contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar
duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que
lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante
de satisfazê-la.

O dispositivo acima mencionado assegura o inadimplemento da obrigação de forma


antecipada, ou seja, a parte visualiza que a outra não conseguirá cumprir com o pactuado e,
por essa razão, também não cumpre o que lhe cabe.
Em outras palavras, a teoria da exceptio non adimpletii contractus assegura que,
aquele que descumpriu norma legal ou contratual, atingindo com isso determinada posição
jurídica, não pode exigir do outro o cumprimento do preceito que ele próprio já descumprira
(não faça aquilo que não quer que lhe façam) – espécie da teoria dos atos próprios.
Acerca do tema, disporá a Súmula 385 do STJ: “Da anotação irregular em cadastro de
proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima
inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.

2.7.1.4. DUTY TO MITIGATE THE LOSS

Este instituto tem origem no direito norte-americano e tem seu reconhecimento


perante o STJ e na doutrina civilista. Trata-se, portanto, do dever de mitigar as próprias perdas.
Logo, tal instituto, é uma vertente da confiança e da boa-fé objetiva. Dessa forma,
embora o sujeito tenha o direito de exigir do devedor o adimplemento da obrigação, se o
credor não mitigar suas perdas, ou seja, reduzir as perdas, acaba por prejudicar o devedor.
Além de gerar desconforto sob a égide da função social do contrato, descumprem-se, também,
as regras de boa-fé objetiva por abuso de direito, sendo, o violador, responsabilizado
civilmente, independentemente de culpa.
É confirmado pelo enunciado 169 do Conselho da Justiça Federal, que prevê:
“Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do
próprio prejuízo”.
Reflete a exigência imposta ao credor de atuar para minimizar os próprios danos, os
quais serão reparados posteriormente pelo devedor (autor do fato que gerou o dano), na
medida do possível.
Caso o credor não observe a incumbência imposta pelo ordenamento, deverá suportar
consequências de natureza econômica. Ou seja, deverá haver uma redução proporcional do

150
Aurélio Bouret

valor a ser pago como indenização, isto em razão do ato ilícito também praticado pelo credor
(vítima do dano). Trata-se de parcial inadimplemento contratual (dever anexo de reduzir o
dano) que gera uma compensação.
Exemplos:
1ª hipótese: João verifica algumas faíscas de fogo saindo do motor de seu veículo,
muito embora o automóvel tenha seguro, João tenta conter o incêndio (mesmo que tenha
danificado parte do veículo).
2ª hipótese: por outro lado, se João, deixar que o fogo se espalhe, nada fazendo para
minimizar os prejuízos. Mesmo que João tenha direito de acionar a seguradora, também
possui o dever de reduzir as próprias perdas.
Sendo devidamente comprovada esta última situação, João age com abuso do direito,
tendo em vista que o mesmo não procurou evitar um prejuízo maior - com inobservância da
boa-fé objetiva no caso concreto.

3. FORMAÇÃO DOS CONTRATOS

3.1. INTRODUÇÃO

De antemão, é importante memorar, que o princípio do consensualismo ganha


destaque, quando do estudado de contratos, isso porque, via de regra, os contratos são
formados pela manifestação de vontade. Todo contrato, é negócio jurídico bilateral ou
plurilateral, ou seja, deve ter, ao menos, duas manifestações de vontade.
Atente-se, o contrato também pode ser visualizado na doação pura, pois o doador
manifesta-se a vontade de doar e o donatário a vontade de receber.
Calhar mencionar que, excepcionalmente, temos os contratos reais, que se formam
por meio da entrega da coisa (tradição), como ocorre no contrato de comodato (empréstimo
de uso) e no contrato de depósito (cuidado com a coisa).
Ademais, em algumas situações, a lei exige certas formalidades/solenidades para a
formação dos contratos, trata-se da chamada ad solemnitatem, exemplo disso, é o que prevê
o artigo 108, do CC: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade
dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de
direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no
País”.

3.2. FASES PARA A FORMAÇÃO DOS CONTRATOS

a) Negociações preliminares ou fase de puntuação: envolve as conversas prévias, ou


seja, é o momento em que as partes pontuam o que será contratado. No entanto, as
negociações preliminares não fazem parte do direito contratual (ou seja, não há vinculação
contratual) e, portanto, a responsabilidade civil nessa fase é aquilina, ou seja, trata-se de
responsabilidade civil extracontratual.
É importante ponderar que a responsabilidade civil decorrente das relações jurídicas
contratuais é uma responsabilidade civil contratual.
b) Fase de proposta ou policitação: tem-se o início da formação do contrato, que é
feita pela declaração/proposta do proponetente/policitante, e a aceitação, é feita pelo
aceitante/oblato. A proposta, por sua vez, trata-se de declaração receptícia de vontade,
devendo ser séria, concreta, pautada na boa-fé objetiva.

151
Aurélio Bouret

 Proponente ou policitante = denominação conferida àquele que faz a proposta.


 Aceitante ou oblato = denominação conferida àquele que aceita a oferta.
"Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos
termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.”
Atente-se: a proposta é vinculante – vincula o proponente. Dessa forma, a mera
proposta e aceitação da mesma, inicia a formação de um contrato, não necessitando da
efetiva entrega da coisa – tendo em vista que o contrato de compra e venda não se trata de
contrato real.
Somente os contratos reais se formam com a tradição. Diante disso, a propriedade de
bem móvel se transmite com a tradição, e de bem imóvel, através da tradição solene, ou seja,
com o registro, ou ainda, quando a lei exigir tal solenidade.
Cuidado! Sendo realizada a proposta, tem-se um contrato, e este, por sua vez, é fonte
de obrigação. Neste contexto, muito embora o objeto do contrato envolva um direito real que
é a propriedade do bem, não se pode confundir direitos reais com direitos obrigacionais. Haja
vista que o direito real é daquele que o credor entregou o bem, ainda que a entrega não seja
realizada para o efetivo comprador.
Desse modo, se houver a celebração de um contrato com determinada pessoa cujo
objeto é um bem móvel, e não ocorre à entrega do bem, a pessoa que comprou e pagou pelo
que foi pactuado, em nenhum momento foi proprietário. Agora, se o alienante vende e
transfere esse mesmo bem a um terceiro, o bem será do terceiro, porque houve a tradição.
Ademais, o sujeito que realizou o pagamento e não lhe foi entregue o bem, NÃO
poderá pleitear ação reivindicatória, tendo em vista que este nunca foi proprietário.
Como dito, a proposta obriga o proponente, salvo no que tange as excepcionalidades
consignadas no artigo 427 do CC.
“Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos
termos delaA, da natureza do negócioB, ou das circunstâncias do casoC.”
a) A oferta não obriga o proponente se contiver cláusula expressa a respeito. É quando o
próprio proponente declara que não é definitiva e reserva o direito de retirá-la. Muitas
vezes a aludida cláusula contém dizeres: “proposta sujeita a confirmação” ou “não vale
como proposta”. Isso faz com que o oblato (aceitante) tenha conhecimento de que o
proponente não se vincula.
 Nessa situação, tem-se a vontade do ofertante em não vincular-se.
b) A proposta não obriga o proponente em razão da natureza do negócio. É o caso, por
exemplo, das chamadas propostas abertas ao público que se consideram limitadas ao
estoque existente (artigo 429 do CC). Isto é, não há potestatividade do aceitante, pois,
pode-se ter algo alheio a vontade do ofertante na qual limita o nascimento do
contrato e obrigatoriedade da proposta;
 Nessa situação, em razão da própria da natureza do negócio, extrapola a
vontade do ofertante em se vincular do caso.
c) Em razão das circunstâncias do caso: não são quaisquer circunstâncias, mas as
mencionadas no artigo 428 do CC.
Dessa forma, disporá o artigo 428 do Código Civil:
Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta:
I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi
imediatamente aceita. Considera-se também presente a

152
Aurélio Bouret

pessoa que contrata por telefone ou por meio de


comunicação semelhante;
II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido
tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do
proponente;
III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a
resposta dentro do prazo dado;
IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao
conhecimento da outra parte a retratação do proponente.
Proposta feita entre Presentes (ou seja,- - Sem prazo: deve ser imediatamente aceita,
pessoa presente, com comunicação sob pena de perder a eficácia (art. 428, I); é o
imediata, instantânea,como por exemplo, caso do “pegar ou largar”, se o oblato não
proposta feita por telefone). aceita de imediato, o policitante está
desobrigado.
- - Com prazo: é obrigatória durante o prazo
assinado.

Proposta feita entre Ausentes (ou seja, sem


- - Sem prazo: perde a validade se a resposta
comunicação imediata ou instantânea, como não chegar ao proponente em prazo razoável
por exemplo, proposta realizada por carta, - “prazo moral” - (art. 428, II). Tem-se como
por e-mail). prazo razoável, uma cláusula geral, que deve
ser interpretada no caso concreto.
- - Com prazo: é obrigatória durante o prazo,
não se formando o contrato se a aceitação
for expedida depois de vencido. Ou seja, a
aceitação deve ser exteriorizada/expedida
antes de escoado o prazo, ainda que chegue
ao conhecimento do proponente fora desse
prazo.

Obs.: as declarações que visem simplesmente à aproximação e o “convite a fazer oferta” não
configuram oferta.
Obs.: a oferta pode ser feita a pessoa indeterminada (oferta ao público), valendo, nesse caso,
como proposta e não como “convite a fazer oferta” (art. 429 do CC). Ex.: proposta realizada em
outdoor.

4. FORMAS CONTRATUAIS

4.1. CONTRATO PRELIMINAR

Dispõe o artigo 462 do CC:


“Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os
requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.”
O contrato preliminar é um pré-contrato, ou seja, um contrato de promessa, que tem
por objeto a celebração de outro contrato no futuro.

153
Aurélio Bouret

Por exemplo, João se desloca até uma construtora e relata sua intenção em adquirir
um apartamento alocado no décimo andar de determinado prédio que mesma construirá.
João celebra contrato preliminar com a construtora, por meio de um contrato de promessa de
compra e venda.
Não se trata de um contrato de compra e venda, pois, quando se trata de bem imóvel
cujo valor excede a trinta salários mínimos, faz-se necessário a escritura pública. Contudo, para
haver escritura pública, é preciso ter o bem, mas o imóvel ainda não foi construído (não
existe).
Dessa forma, com intenção de criar vínculo entre as partes, o que pode ser feito no
momento, é um contrato de promessa de compra e venda – ou seja, promete-se que será
realizado um contrato definitivo posteriormente.

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo


antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer
das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à
outra para que o efetive.

Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

“Art. 464. Esgotado o prazo (para que efetive o contrato definitivo), poderá o juiz, a
pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo
ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.”
“Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra
parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos.”
“Art. 466. Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a
mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que
lhe for razoavelmente assinado pelo devedor.”
O contrato preliminar, também conhecido como pactum de contrahendo ou contrato
promessa, é aquele que tem por objetivo garantir a realização de um contrato definitivo.
Tal contrato possui caráter provisório, interino e apenas é celebrado quando as partes
se comprometem a convencionar, posteriormente, um contrato definitivo.
Normalmente é utilizado nos casos em que as partes têm interesse recíproco no
negócio jurídico, porém, por algum inconveniente momentâneo, a contratação definitiva é
efetivada em circunstância oportuna subsequente.
Não se confunde com acordos provisórios – minutas, esboços ou cartas de intenção e
negociações preliminares.
Notadamente, os contratos preliminares possuem as mesmas regras e requisitos do
contrato definitivo, exceto quanto à forma.
Entendimento sumular e enunciado acerca do tema:
Súmula 84 do STJ: “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de
posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do
registro.”
Súmula 308 do STJ: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou
posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os
adquirentes do imóvel.”
Súmula 413 do STF: “O compromisso de compra e venda de imóveis, ainda que não loteados,
dá direito à execução compulsória, quando reunidos os requisitos legais.”
Enunciado 30 da Jornada de Direito Civil: “A disposição do parágrafo único do art. 463 do
novo Código Civil deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros.”

154
Aurélio Bouret

4.2. ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIROS – ARTIGOS 436 A 438 DO CC

Consigna o princípio da relativização dos contratos que, via de regra, os contratos


produzem efeitos entre as partes, ou seja, entre contratante e contratado. Todavia,
excepcionalmente, o contrato pode atingir terceiros.
Dessa forma, o instituto em comento, trata-se de uma hipótese de atingimento de
terceiro no contrato.
Exemplo disso é o seguro de vida, em que o sujeito celebra contrato com instituição
bancária, e neste caso, tem-se a estipulação de um beneficiário (terceiro). Contudo, o terceiro
somente atuará neste contrato, quando este produzir seus efeitos, que ocorrerá por meio da
morte do estipulante. Atente-se, a morte é termo no contrato de seguro de vida.
Consoante os ensinamentos do doutrinador Orlando Gomes: “A estipulação em favor
de terceiro é o contrato por via do qual uma das partes se obriga a atribuir vantagem
patrimonial gratuita a pessoa estranha à formação do vínculo contratual”.
Na estipulação em favor de terceiro, tem-se as seguintes figuras:
 estipulante (estipula a vantagem a terceiro);
 promitente (promete a cumprir algo relacionado ao terceiro) e;
 beneficiário (próprio terceiro)
Esse contrato se forma com o consentimento do estipulante e do promitente, sendo
necessário apenas que o terceiro (beneficiário) seja determinável (inclusive pessoa futura). É
importante ponderar que a estipulação em favor de terceiro é muito utilizada nos contratos de
seguro em geral, especialmente, nos seguros de vida e de veículo etc.
Regras:
 o terceiro torna-se credor do promitente. Podendo aquele, ajuizar ações em face do
promitente para assegurar seu direito, mesmo não sendo parte na relação contratual;
 o direito subjetivo do terceiro nasce com o contrato;
 o terceiro pode recusar-se a receber;
 se o estipulante falece antes de indicar o beneficiário: negócio jurídico é inexistente;
 se o beneficiário falece antes de tomar ciência: aplicam-se as regras de sucessão causa
mortis;
 se o beneficiário não detém legitimidade: negócio jurídico é nulo (art. 104 do
CC/2002).
 o estipulante pode exigir o cumprimento da obrigação;
 o estipulante pode trocar o beneficiário por ato inter vivos ou causa mortis –
testamento.

4.3. PROMESSA DE FATO DE TERCEIRO – ARTIGOS 439 E 440 DO CC

Prescreve o artigo 439 do Código Civil:


“Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos,
quando este o não executar.”
A promessa de fato de terceiro trata-se de contrato por outrem, ou seja, promete-se
um fato que o terceiro irá cumprir.

155
Aurélio Bouret

O único vinculado é o que promete, assumindo obrigação de fazer que, não sendo
executada, resolve-se em perdas e danos. Dessa forma, ninguém pode vincular o terceiro a
uma obrigação. As obrigações têm como fonte somente a própria manifestação da vontade do
devedor, da lei ou eventual ato ilícito por ele praticado.
Inovação: art. 439, parágrafo único: “Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for
o cônjuge do promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que,
pelo regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens”.
Por exemplo, quando um dos cônjuges – casado sob o regime da comunhão um
universal de bens – se compromete a ser fiador em determinado imóvel e, garante ao
estipulante, que seu cônjuge também assinará o contrato na qualidade de fiador. Porém, ao
final, este último se recusa a assinar o contrato. Diante dessas situações, a regra é que aquele
que prometeu fato de terceiro responderá por perdas e danos, contudo, no caso apresentado,
tendo em vista que em decorrência dessa responsabilização, os bens do terceiro, que é
cônjuge do promitente, poderão ser atingidos na hipótese de eventual inadimplemento do
contrato, não haverá qualquer tipo de responsabilização em face do promitente.
Assim sendo, a proteção de um dos cônjuges contra desatinos do outro, negando
eficácia à promessa de fato de terceiro quando este for cônjuge do promitente, o ato a ser por
ele praticado depender da sua anuência e, em virtude do regime de casamento, os bens do
casal venham a responder pelo descumprimento da promessa.

4.4. CONTRATO ALEATÓRIO – ARTIGOS 458 A 461 DO CC

Os contratos aleatórios são aqueles que possuem a álea – risco - e envolvem sorte ou
azar aos contratantes. Se no contrato aleatório, o fato imprevisível não estiver inerente à álea,
é possível a aplicação da teoria da imprevisão.
Em outras palavras, trata-se de contratos onerosos em que a prestação de uma ou
mais partes contém elementos de incerteza quanto à sua existência, verificação, quantidade
ou qualidade, ficando sua plena definição na dependência de fato futuro.
Nessa seara, importante se faz a distinção entre contratos comutativos e contratos
aleatórios. No contrato comutativo, sabe-se exatamente qual é o objeto do contrato – ou seja,
tem ciência do que vai receber e do que será pago. Noutro sentido, os contratos aleatórios
pressupõem incerteza, e podem ser divididos em naturalmente aleatórios e acidentalmente
aleatórios, vejamos:
 naturalmente aleatórios: contrato de seguro (o sujeito sabe quanto deverá pagar pelo
seguro, mas a seguradora não sabe quando irá indenizá-lo, em virtude de um sinistro,
por exemplo), jogo e aposta;
 acidentalmente aleatórios: trata-se de contratos naturalmente comutativos, mas em
razão de circunstâncias ou cláusula, tornou-se aleatório – contrato de compra e venda.
Obs.: o contrato pode ser aleatório para ambas as partes ou para apenas uma delas.
Obs.: o disposto no artigo 458, diz respeito tão somente dos contratos acidentalmente
aleatórios. Tendo em vista que os contratos naturalmente aleatórios serão estudados no
campo dos “contratos em espécie”. Ou seja, o contrato de seguro, por exemplo, encontra-se
previsão nos artigos 757 e seguintes; jogo e a aposta, nos artigos 814 e seguintes.
Assim sendo, os contratos acidentalmente aleatórios, podem ser de duas espécies:
1. Compra e venda de coisa futura:

156
Aurélio Bouret

a) Emptio spei - compra da esperança: assume o risco da coisa existir ou não (risco
total).
Por exemplo, João propõe a José que este pesque e pegue a quantia de mil peixes
(objeto do contrato), na qual pagará um real por peixe, totalizando o montante de mil reais
(valor do contrato). Naquele dia, José pescou dez mil peixes, em razão deste contrato, João
deve pagar a José a quantia mil reais. Por outro lado, se José tivesse pescado novecentos
peixes, por exemplo, ainda assim, João teria que lhe pagar a quantia pactuada, ou seja, mil
reais. Outro exemplo, é a compra de safra futura.
Tal modalidade de contrato encontra-se previsão no artigo 458 do CC.
b) Emptio rei speratae - compra da coisa esperada: não assume o risco da inexistência,
mas da quantidade (risco parcial).
Por exemplo, João quer mil peixes na qual pagará a quantia de mil reais. José lhe traz
dez mil peixes, João deve pagar a quantia de mil reais; se José trouxer dois mil peixes, João
deve pagar mil reais; se José não trouxer peixe, João não terá que pagar nenhuma quantia,
pois, no caso em comento, assume-se tão somente o risco da quantidade e não da existência.
Com efeito, a teoria da imprevisão poderá ser aplicada nessas modalidades de
contrato, mas desde que NÃO seja em relação ao emptio spei em razão da existência da coisa e
no emptio rei speratae, no que tange a quantidade da coisa. Dessa forma, se no contrato
aleatório, o fato imprevisível não estiver inerente à álea, como no caso do preço, por exemplo,
é possível a aplicação da teoria da imprevisão.
A parte somente não ficará obrigada pelo que pactuou se ficar definido que houve
desídia da parte contrária pelo não cumprimento do contrato.
2. Coisas existentes expostas a risco: coisa existe, mas está exposta a risco;
Assunção do risco pelo adquirente, ainda que a coisa não mais exista,
no todo em parte, no dia do contrato. Anulação caso o alienante tivesse conhecimento da
consumação do risco.
“Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas a
risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que
a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato.”
Por exemplo, o adquirente faz compra pela internet de coisa sujeita a risco de
deterioração. O adquirente assume o risco do transporte. O alienante, nessa situação, não será
responsabilizado, caso o objeto, no destino, esteja danificado/deteriorado.
“Art. 461. A alienação aleatória a que se refere o artigo antecedente poderá ser
anulada como dolosa pelo prejudicado, se provar que o outro contratante não ignorava a
consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa.”

5. VÍCIOS REDIBITÓRIOS E EVICÇÃO

5.1. DEFINIÇÃO DE VÍCIOS REDIBITÓRIOS

O vício redibitório é uma garantia implícita imposta nos contratos comutativos e ao


alienante. Uma vez que, aquele que aliena o bem, deve ser responsável pela integridade,
fruição e funcionamento da coisa.

Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada
por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou
lhe diminuam o valor.

157
Aurélio Bouret

Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.

É possível que os contratos tenham, basicamente, três tipos de garantias: (i) garantias
materiais: que são os vícios redibitórios; (ii) garantias jurídicas: consiste na evicção e; (iii)
garantias atípicas: impostas/criadas pelas partes.
O vício redibitório trata-se de um defeito material da coisa (garantia material
implícita) existente nos contratos onerosos e comutativos ou, na doação onerosa (trata-se de
doação com encargo, por exemplo, “lhe dou este carro para você promova o transporte das
crianças”). O vício redibitório nunca pode ser aplicado nos contratos aleatórios ou gratuitos.
Este vício é um defeito grave que torna uma coisa inadequada a certos fins ou funções
a que se propõe - princípios de probidade e boa-fé. Dessa forma, aquele que aliena o bem de
forma onerosa, deve garantir a fruição da coisa, pois se houver algum vício sobre o bem objeto
da alienação, estamos diante de um vício redibitório, vício oculto, interiorizado na coisa.
Dessa forma, mesmo que no contrato não haja garantia do vício redibitório, ainda
assim, persistirá.
Paira mencionar que, nas relações consumeristas, a análise desses vícios difere do
campo civilista, porque naquele, tem-se os denominados vícios aparentes e não aparentes.
Redibir significa anular judicialmente uma venda ou outro contrato comutativo em que
a coisa negociada foi entregue com vícios ou defeitos ocultos, que impossibilitam o uso ao
qual se destina ou que lhe diminuem o valor.
São defeitos ocultos em coisa recebida – descobertos: ocorrerá a redibição da coisa, ou
seja, torna-se sem efeito o contrato, acarretando-lhe a resolução, com a restituição da coisa
defeituosa ao seu antigo dono ou sendo concedido um abatimento no preço, se preferir o
adquirente.

5.1.1. AÇÕES EDILÍCIAS

Constatando a presença de vício redibitório, cabe ao sujeito a escolha de um dos


meios de reclamação:
 AÇÃO REDIBITÓRIA: objeto da demanda é o desfazimento do contrato – redibir o
negócio (uso impossível).
A natureza jurídica do pedido de desfazimento do contrato e, consequentemente, da
sentença proferida neste processo, será desconstitutiva ou constitutiva negativa
(Natureza jurídica do mérito da ação é a mesma natureza jurídica da sentença).
 AÇÃO QUANTI MINORIS OU ESTIMATÓRIA: objeto da demanda será o abatimento do
preço e manutenção do negócio.
A natureza jurídica do pedido e da sentença será condenatória.
Atente-se: não é porque o bem possa ser utilizado ainda, que o adquirente terá o
dever de exigir tão somente o abatimento do preço. Isso porque, ainda que a coisa esteja
funcionando, pode-se requerer o desfazimento do contrato, tendo em vista que o adquirente
não é obrigado a permanecer com um bem na qual acreditava que funcionaria.
Indaga-se: responde pelo vício redibitório em caso de boa fé, não ciência do defeito?
R: Sim, tendo em vista que no vício redibitório não exige má-fé do alienante. Dessa forma, se
de boa-fé o alienante, haverá a resolução do contrato; se de má-fé, além da resolução do
contrato, incumbe ao alienante à condenação por perdas e danos (inclusive dano moral).

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Aurélio Bouret

Assertiva de prova:
Para configuração do vício redibitório é importante à caracterização da culpa do alienante 
Incorreta, pois no vício redibitório a analise é objetiva, ou seja, independe de culpa.

5.1.1.1. PRAZOS PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO REDIBITÓRIA E AÇÃO QUANTI MINORIS

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no


preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel,
contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação,
reduzido à metade.

Vamos fazer uma ponderação reflexiva: Nas ações quanti minoris – estimatória – não
se aplica o dispositivo acima mencionado, tendo em vista que a sentença é condenatória e a
relação entre credor e devedor é de direito subjetivo. Os direitos subjetivos, por sua vez, estão
sujeitos a prazos prescricionais, enquanto os prazos decadenciais estão ligados a direitos
potestativos.
Dessa forma:
 redibir o contrato  direito potestativo;
 cobrar o abatimento do preço  direito subjetivo.
Desta maneira, para a ação quanti minoris, aplicam-se as regras de prazo prescricional
– 03 anos -; e para ação redibitória, aplica-se o prazo decadencial previsto no artigo 445 do CC.
Nesse contexto, quando da leitura do artigo 445, deve-se excluir a expressão
“abatimento no preço”. Todavia, se em prova objetiva for cobrada a literalidade do dispositivo,
deve-se assinalar como correta.
Possibilidade de burlar o prazo: Se as partes num contrato de compra e venda de um
bem móvel, por exemplo, realizam a entrega desse bem na data de hoje, mas somente
formalizam o contrato de compra e venda no dia de amanhã. Tendo em vista que no momento
da formalização do contrato o adquirente já estava na posse do bem, o prazo para o
ajuizamento de redibitória cai para 15 dias. Essa redução é realizada, independentemente de
quanto tempo faz que o adquirente se encontre na posse do bem.

5.2. EVICÇÃO – GARANTIA IMPLÍCITA IMPOSTA AO ALIENANTE

O instituto da evicção trata-se de uma garantia jurídica, pois o vício/defeito encontra-


se na relação jurídica e não na coisa, como ocorre no vício redibitório. Podem ocorrer nos
contratos onerosos e comutativos ou, na doação onerosa.
A evicção ocorre quando quem vendeu não poderia ter vendido e quem comprou
perde o bem para o verdadeiro proprietário. Em outras palavras, evicção é a perda ou
desapossamento de um bem, judicial ou, excepcionalmente administrativa, em razão de um
defeito jurídico anterior à alienação. Tem-se como exemplo de evicção administrativa, a
apreensão de veículo por falsificação de documento realizado pelo antigo dono.
A má-fé na evicção é latente.
Cabe ao alienante a obrigação da evicção. Trata-se de uma obrigação de fazer -
garantir a propriedade ou vir a indenizar pela impossibilidade da manutenção de tal benefício
em favor do adquirente.
Possui íntima conexidade com o princípio da boa-fé objetiva.

159
Aurélio Bouret

São figuras inerentes a evicção:


 evicto (quem perde o bem);
 evictor (quem retoma o bem);
 alienante.
O evicto, ao exercer o seu direito, resultante da evicção, formulará, em face do
alienante, uma pretensão tipicamente indenizatória. Inclusive, a prática de atos conservatórios
em casos de cláusulas condicionais.
O evicto poderá pleitear, pois, salvo estipulação em contrário, a restituição integral do
preço ou das quantias que pagou (art. 450 do CC):
a) a indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir;
b) a indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente
resultarem da evicção;
c) as custas judiciais e os honorários do advogado por ele constituído.
Obs.: dispõe o artigo 457 do CC: “Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que
a coisa era alheia ou litigiosa”. Típico exemplo de grilagem de terra. Que ocorrerá quando o
indivíduo invade área pública para vendê-la e, aquele que compra sabendo de tal situação, não
poderá, posteriormente, demandar evicção.
Obs.: ação edilícia deve ser observado o prazo prescricional de 3 (três) anos, na forma do art.
206, § 3º, inciso V, CC.
Os prazos de evicção são prescricionais de 03 anos - evicção possui a mesma natureza
da ação quanti minoris.
Aquele que perde o bem (adquirente) tem duas opções: (i) proprietário ajuíza ação
contra ele e, após, ajuíza-se ação em face do alienante ou; (ii) o verdadeiro proprietário ajuíza
ação em face do adquirente, e este denuncia a lide ao alienante.
É importante ponderar que a denunciação da lide é uma opção do adquirente.

Art. 125 do CPC. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das
partes:

I - ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido


ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;

“Art. 448 do CC. Podem as parte, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a
responsabilidade pela evicção.”

6. REVISÃO DOS CONTRATOS

Em razão do princípio da força obrigatória dos contratos, a princípio, o contrato deve


ser cumprido, conforme avençado pelas partes. No entanto, nada impede que as partes, em
comum acordo, possam revisar as cláusulas contratuais, inserindo modificações na avença
estabelecida.
Fica evidente que, da mesma forma que as partes têm liberdade para contratar, elas
também têm liberdade para consensualmente reajustar o contrato.
A questão que se revela mais dificultosa é a possibilidade de uma das partes
unilateralmente exigir a revisão do contrato. Diante da pretensão resistida de uma parte que

160
Aurélio Bouret

busca a revisão e da outra parte que espera o cumprimento do contrato nos termos em que foi
ajustado, nasce a necessidade da chamada revisão judicial dos contratos.
A revisão judicial dos contratos pode se dar com a aplicação de duas teorias: (i) teoria
da imprevisão; e (ii) teoria da quebra da base objetiva do negócio.

6.1. TEORIA DA IMPREVISÃO

A teoria da imprevisão, disciplinada nos arts. 317 e 478 do CC, exige três elementos
para que o contrato seja revisado:
 Fato superveniente;
 Fato imprevisível;
 Onerosidade excessiva.
Toda vez que a superveniente imprevisibilidade fática acarretar um desequilíbrio entre
as prestações (onerosidade excessiva) será possível exigir a revisão do contrato ou, em último
caso, a sua extinção, sem ônus para qualquer das partes, conforme art. 478, CC.
Exemplo: XYZ Distribuidora Ltda., situada na cidade de Niterói, fixa contrato de um ano
de distribuição de laticínios com uma rede de padarias com filiais situadas na cidade do Rio de
Janeiro. O contrato estabeleceu a forma de cumprimento e o preço, de acordo com a vontade
das partes. Para fixar o preço, a XYZ calculou os gastos referentes a combustível, manutenção
e verbas trabalhistas para a entrega dos produtos. Dois meses após a celebração do contrato,
surge uma rachadura no vão central da ponte Rio-Niterói, via de acesso mais rápido entre as
duas cidades. Diante disso, a empresa distribuidora ingressou com ação de revisão judicial do
contrato para reajustar o valor devido, uma vez que diante dessa situação para entregar os
produtos no Rio de Janeiro terá que utilizar um trajeto mais longo, com estradas mal
conservadas, causando consequentemente maior gasto com combustível e manutenção dos
veículos. Conforme se verifica, estamos claramente diante de um caso em que houve um fato
superveniente à celebração do contrato (rachadura no vão central da ponte Rio-Niterói), que
também se mostra como algo imprevisível, e que acarretou a desproporção entre as
prestações (onerosidade excessiva).

6.2. TEORIA DA QUEBRA DA BASE OBJETIVA DO NEGÓCIO (ART. 6º, V, CDC)

O CDC prevê como direito básico do consumidor a possibilidade de exigir a revisão de


um contrato toda vez que um fato superveniente acarretar uma onerosidade excessiva.
Conforme se verifica, a teoria da quebra da base objetiva do negócio exige apenas dois
requisitos para a revisão:
 Fato superveniente;
 Onerosidade excessiva.
Dessa forma, diferentemente da teoria da imprevisão, verifica-se que o consumidor
não precisa demonstrar que o fato que gerou a desproporção entre as prestações era
imprevisível.
Como exemplo, podemos mencionar a situação de um contrato de leasing de um
veículo automotor pelo prazo de 48 meses, com índice de atualização das prestações atrelado
à variação cambial do dólar. Nesse caso, ocorrendo uma alta valorização da moeda americana,
a prestação que o consumidor irá pagar será excessivamente onerosa. Contudo, não se pode
dizer que esse fato era imprevisível, uma vez que a variação cambial é esperada no mercado.

161
Aurélio Bouret

Dessa forma, pode-se afirmar que não seria possível aplicar a teoria da imprevisão,
porém, estando o contrato de leasing inserido em uma relação de consumo, o consumidor
poderia exigir a revisão contratual com fulcro na teoria da quebra da base objetiva do negócio.

7. COVID-19 E IMPACTOS NOS CONTRATOS

A pandemia da Covid-19 trouxe diversos desafios, e mais uma vez o Direito Civil é
conclamado para resolver os principais conflitos daí advindos no âmbito das relações privadas.
Em um primeiro momento, pode parecer que as restrições impostas à população em
geral para conter a disseminação do vírus, que geraram impacto nas relações contratuais,
podem ser resolvidas com a pura e simples aplicação da teoria da imprevisão. No entanto, as
soluções vão muito além disso, e dependem do caso concreto.
Destarte, de acordo com Tartuce, é o momento adequado para relembrar institutos
que podem ser invocados para resolver problemas decorrentes da pandemia:

7.1. INSTITUTOS PERTINENTES

7.1.1. ALEGAÇÃO DE CASO FORTUITO

 Evento totalmente imprevisível — ou força maior: evento previsível,


mas inevitável —, nos termos do art. 393 do Código Civil, para justificar
o inadimplemento.
 Por esse comando, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes
desses eventos se expressamente não se houver por eles
responsabilizado, por força do contrato.

7.1.2. RESOLUÇÃO OU REVISÃO DO CONTRATO COM BASE NA TEORIA DA IMPREVISÃO OU


DA ONEROSIDADE EXCESSIVA:

 Tem fundamento, nas relações civis, nos arts. 317, 478, 479 e 480 do
Código Civil.
 Nunca é demais lembrar que a codificação privada exige, além da
onerosidade excessiva, que o fato novo superveniente que causou o
desequilíbrio seja, ao menos, imprevisível, afirmação que vale para a
pandemia de Covid-19.
 Quanto aos contratos de consumo, a revisão ou resolução contratual
dispensa a imprevisibilidade, bastando um fato novo que cause a
quebra da base objetiva do negócio, da proporcionalidade das
prestações (art. 6º, inc. V, da Lei n. 8.078/1990).

7.1.3. UTILIZAÇÃO DO INSTITUTO DA IMPOSSIBILIDADE DA PRESTAÇÃO:

 Mesmo que sem culpa da parte da relação obrigacional, o que gera a


sua resolução ou extinção, sem a imputação de perdas e danos, ou
seja, sem que surja o dever de responder por eventuais prejuízos
causados pela extinção do negócio.
 A impossibilidade tem por fundamento o art. 234 do Código Civil — no
caso de obrigação de dar —, o seu art. 248 — em se tratando de

162
Aurélio Bouret

obrigação de fazer — e o art. 250 da codificação privada - presente a


obrigação de não fazer.

7.1.4. ALEGAÇÃO DA FRUSTRAÇÃO DO FIM DA CAUSA DO CONTRATO.

 Como se retira do Enunciado n. 166 da III Jornada de Direito Civil, outra


afirmação doutrinária interessante para os dias atuais: "a frustração do
fim do contrato, como hipótese que não se confunde com a
impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem
guarida no Direito brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil".
 Apesar de o Código Civil Brasileiro não ter adotado expressamente a
teoria da causa do contrato ou do negócio jurídico — como fez, por
exemplo, o Código Civil Italiano (arts. 1.325, 1.343 a 1.345) —, tem-se
associado a tese da frustração do fim com a função social do contrato,
em sua eficácia interna, o que conta com o meu apoio doutrinário.
 Assim sendo, se, por um motivo estranho às partes, o contrato perder
sua razão de ser, será reputado extinto, mais uma vez com a resolução
sem perdas e danos.

7.2. TRÊS GRUPOS OU HIPÓTESES DE CONTRATOS

O professor Flávio Tartuce salienta que não é possível criar uma regra geral de como
resolver as questões provenientes da pandemia. Será necessário analisar caso a caso. Para
tanto ele dividiu os contratos em três grandes grupos para facilitar a aplicação dos institutos
supramencionados.
De acordo com Tartuce são esses os grupos:
1º Grupo:
 No primeiro grupo estão aqueles contratos em que houve a
intervenção do Estado por atos normativos para fazer cessar as
atividades, um fato do príncipe, como nos casos de cinemas,
restaurantes, teatros e lojas em shopping centers ou fora deles.
 Para esses negócios, os autores sugerem a incidência da
impossibilidade da prestação, com a suspensão de pagamentos ou
eventual resolução no futuro, sem imputação de culpa a qualquer uma
das partes.
2º Grupo:
 No segundo grupo de contratos situam-se os negócios em que não há
ato normativo de intervenção, mas está presente a falta de interesse
da parte quanto ao seu conteúdo, o que se verifica para as compras de
passagens áreas.
 Nesses, incide a tese da frustração do fim da causa, que, como visto,
tem relação com a função social do contrato, resolvendo-se este sem a
imputação de culpa a qualquer uma das partes.
 De todo modo, não se pode admitir, com essa solução, uma proteção
exagerada de qualquer uma dos partes para que, por exemplo, os
valores sejam devolvidos somente após um longo período de tempo,
fora da esperada razoabilidade. Assim, um prazo de doze meses para a
devolução dos valores relativos às passagens áreas me parece algo
excessivo.

163
Aurélio Bouret

3º Grupo:
 No terceiro grupo temos os contratos em que houve um agravamento
do sacrifício econômico para uma ou ambas as partes, caso de grandes
contratos de fornecimento entre empresas, ou empréstimos bancários
para o incremento do capital de giro.
 Aqui, devem ser subsumidos os preceitos relacionados à revisão ou
mesmo resolução por onerosidade excessiva, caso dos arts. 317 e 478
do Código Civil. Não se pode esquecer que, diante do princípio da
conservação e da correspondente função social do contrato, a extinção
do contrato deve ser a última medida a ser tomada.
 Nesse contexto, podemos citar o Enunciado n. 176 da III Jornada de
Direito Civil: "em atenção ao princípio da conservação dos negócios
jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre
que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução
contratual".

7.2.1. EXEMPLOS DE ANÁLISE CASUÍSTICA:

Vejamos a situação de um contrato de aluguel em que o locatário, profissional


autônomo, teve a sua renda reduzida em 70% em razão da pandemia. Com isso, ele tem
dificuldade de continuar pagando R$ 1.000,00 referentes ao aluguel do imóvel em que reside
com a sua família.
Nesse caso, o locatário não poderia invocar a teoria da imprevisão para revisar o preço
do seu aluguel porque, muito embora tenha ocorrido um fato superveniente e imprevisível,
qual seja, a crise econômica decorrente da pandemia, não estamos diante de uma onerosidade
excessiva. A onerosidade excessiva é verificada no desequilíbrio entre as prestações, ou seja,
nesse caso, o valor do aluguel teria que ser desproporcional em relação à coisa alugada.
Mesmo diante de uma crise econômica, os valores de mercado dos imóveis
residenciais não sofreram impacto a ponto de provocar uma desvalorização no valor dos
aluguéis. Pode-se dizer que, infelizmente, o valor do aluguel é justo. O problema é que o
locatário não tem recursos para pagar.
Obs.: diante de um ordenamento jurídico que tem como princípios regentes a boa-fé
objetiva e a função social dos contratos, decorrentes do valor constitucional da solidariedade
(art. 3º, I, CRFB), é salutar que as partes busquem um acordo no caso concreto, buscando
formas de viabilizar o cumprimento do contrato de maneira a atender às possibilidades do
devedor e também satisfazer a contento os interesses do credor. Na busca por soluções,
podemos mencionar a possibilidade de Moratória legal, prevista no art. 916 do Código de
Processo Civil.
Vejamos agora outro exemplo. Em um cenário de locação não residencial, como nos
casos de shopping centers, algumas medidas restritivas em razão da pandemia determinaram
o fechamento desses centros comerciais por longo período de tempo, o que gerou evidente
prejuízo para os lojistas, que perderam o acesso à sua clientela.
Nesse caso, estaríamos diante dos três elementos da teoria da imprevisão. A pandemia
que culminou nas medidas restritivas de fechamento dos shopping centers estaria em um
contexto de fato superveniente e imprevisível, enquanto a onerosidade excessiva estaria
evidenciada pelo fato de o lojista ter que continuar pagando um valor de aluguel em um
imóvel comercial que obrigatoriamente estará fechado.

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Aurélio Bouret

Por isso, há um desequilíbrio evidente entre as prestações: aquilo que o locatário está
dispendendo não corresponde ao benefício que está sendo auferido, sendo assim possível
exigir a revisão do contrato para, por exemplo, suspender os pagamentos de aluguel durante a
vigência das medidas restritivas da pandemia.

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Aurélio Bouret

CAPÍTULO 5 – DIREITO DOS CONTRATOS: CONTRATOS EM ESPÉCIE

1. COMPRE E VENDA

1.1. CONCEITO

O art. 481 conceitua compra e venda, pois estabelece que, pelo contrato de compra e
venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a
pagar-lhe certo preço em dinheiro.
Trata-se de um contrato translativo, mas o contrato de compra e venda por si só não
transmite a propriedade, pois a propriedade móvel se transfere através da tradição, e a
transferência da propriedade imóvel se dá por meio do registro no cartório de registro
imobiliário.
O contrato de compra e venda só traz o compromisso do vendedor de transmitir essa
propriedade e promover a tradição ou o registro.

1.2. NATUREZA JURÍDICA

A respeito da natureza jurídica da compra e venda, esta possui algumas características:


 Contrato bilateral.
 Contrato sinalagmático: as duas partes prestam e sabem, como regra, o que estão
prestando.
 Contrato oneroso: há sacrifício patrimonial para ambas as partes.
 Contrato comutativo: sabe de antemão quais são as prestações. Poderá assumir a
forma de contrato aleatório, como é o caso de compra da esperança (ex.: compra
da colheita futura).
 Contrato consensual: reputa-se celebrado o contrato a partir do momento em que
há encontro das vontades. O art. 482 diz que, a compra e venda, quando pura,
considera-se obrigatória e perfeita, desde que as partes acordem quanto ao objeto
e quanto ao preço.

1.3. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

São elementos constitutivos da compra e venda:


 Partes: as partes devem ser capazes.
 Coisa: a coisa deve ser lícita, determinada ou determinável. A coisa deve ser de
propriedade do vendedor, pois se estiver vendendo coisa que não é dele, será
denominado de venda a non domino. Nesse caso, a lei nos faz concluir que a
venda a non domino é caso de ineficácia perante o seu real proprietário.
 Preço: deve ser certo e determinado, em moeda nacional corrente, e por um valor
nominal, com base no princípio do nominalismo.
 Categorias especiais de preço - existem algumas categorias especiais de preço:
 preço por cotação: admitido no art. 487 do CC. Nos casos de compra e venda
em que o preço está fixado com base num índice, há um preço por cotação.
Este índice permite uma objetiva determinação, pois não há arbitrariedade de
uma das partes. Poderá o preço ser fixados com base na taxa de mercado, na
bolsa de valores, etc.;

166
Aurélio Bouret

 preço por avaliação: o art. 485 permite que o preço seja arbitrado pelas
partes ou por um terceiro de sua confiança. Ex.: venda de um imóvel, mas
chamarão três imobiliárias para fazerem a avaliação;
 preço tabelado ou preço médio: não são a mesma coisa. O art. 488 do CC diz
que, convencionada a venda sem fixação do preço ou sem a fixação de
critérios para fixação do preço, senão houver tabelamento oficial (preço
fixado pelo Estado), entende-se que as partes se sujeitaram ao preço médio
ou corrente, nas vendas habituais do vendedor.
o O parágrafo único vai dizer que, não havendo acordo sobre o preço,
vai prevalecer o preço médio. Isto é, na falta de acordo sobre o preço,
não se presume que está concluída a compra e venda. O parágrafo
único do art. 488 somente se aplica se houver uma diversidade de
preços habitualmente praticado pelo vendedor. Se o vendedor possui
diversos preços praticados, vai valer o termo médio;
 preço unilateral: o art. 489 consagra a nulidade da compra e venda se a
fixação do preço for deixada ao livre arbítrio de uma das partes. No entanto, o
preço unilateral é o preço fixado por uma das partes unilateralmente, mas
sem que haja a arbitrariedade, sem a liberdade de arbítrio. O que o comando
legal veda é o preço manipulado por cartéis.

1.4. ESTRUTURA SINALAGMÁTICA E OS EFEITOS DA COMPRA E VENDA

O conceito de sinalagma tem uma relação íntima com o equilíbrio contratual. O direito
do comprador é de receber a coisa, mas o devedor tem o direito de receber o preço.
Dessa estrutura sinalagmática é possível extrair que os riscos relacionados à coisa, ao
preço, ao transporte da coisa, ao registro, vão correr ora por parte do comprador ora por parte
do vendedor.
 Risco em relação a coisa correm por conta do vendedor: é o vendedor que tem a
obrigação de entregar a coisa ao comprador. Enquanto não ocorre essa tradição, a
coisa é do vendedor. É a tradição que transmite a propriedade (res perit domino).
 Risco do preço corre por conta do comprador: isso porque ainda não houve a
tradição.
 Despesas com transporte da coisa: via de regra correm por conta do vendedor,
salvo se estipularem de forma diferente.
 Despesas com escritura e despesas com o registro: são pagas pelo comprador.
O art. 491 do CC diz que não sendo a venda à crédito ou à prazo, o vendedor não é
obrigado entregar a coisa antes de receber o preço.
O art. 492 traz a regra que diz que, até o momento da tradição, os riscos correm por
conta do vendedor, e os riscos do preço peço comprador.
Os casos fortuitos que ocorrerem no ato de contar, marcar ou de assinalar as coisas
(ex.: gado marcado e pesado), se elas já estiverem à disposição do comprador, os riscos
correrão pelo comprador. Ex.: o vendedor já levou os gados para a fazenda do comprador,
situação em que ele já está marcando o gado. Se naquele momento ocorrer um caso fortuito e
o gado vier a se perder, os riscos do gado correrão por conta do comprador, visto que a coisa
já estava à disposição do comprador.
Também correrão os riscos por conta do comprador, se este estiver em mora de
receber as coisas, desde que estejam à sua disposição no tempo em que foi ajustado, no modo
e da forma ajustada.

167
Aurélio Bouret

Em relação à tradição da coisa vendida, se não houver estipulação entre as partes, a


tradição irá ocorrer no lugar onde se encontrava a coisa ao tempo em que foi celebrada a
venda. As despesas com a tradição via de regra correm pelo vendedor, mas a coisa deverá ser
entregue no lugar onde estava quando foi pactuado o contrato, salvo se houver disposição
diversa.
É possível que as partes negociem a expedição da coisa por parte do vendedor. Isso é
comum nas vendas realizadas fora do estabelecimento comercial.
Nesses casos, se a coisa é expedida para um lugar diverso, por ordem e por conta do
comprador, correrão os riscos por conta dele, salvo se o vendedor não seguir as instruções do
comprador.
O art. 495 do CC diz que, não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da
tradição o comprador cair em insolvência civil, poderá o vendedor sobrestar a entrega da
coisa até que o comprador lhe dê garantias, seja real ou fidejussória, de que vai pagar o preço
por aquela coisa. H, aqui, exceptio non adimpleti contractus, um inadimplemento antes da
entrega da coisa.

1.5. RESTRIÇÕES À AUTONOMIA PRIVADA NA COMPRA E VENDA

1.5.1. VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE

O art. 496 do CC diz que é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os


outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
O parágrafo único desse dispositivo dispensa o consentimento do cônjuge se o regime
for de separação obrigatória de bens.
Este dispositivo é uma norma restritiva de direitos, não admitindo interpretação
extensiva e nem analogia aos casos de união estável.
O prazo para anular essa venda de ascendente para descendente é um prazo
decadencial de 2 anos, contado da celebração do negócio.
O Enunciado 545 do CJF diz que o prazo para anular esse contrato de 2 anos é
contado da ciência do ato, e que esta ciência se presume absolutamente quando houver um
registro dessa transferência.
A jurisprudência do STJ tem entendido que a anulação da venda de ascendente para
descendente só será admissível se houver prova do prejuízo para a parte que levantou essa
anulabilidade.

1.5.2. VENDA ENTRE CÔNJUGES

Há outra espécie de restrição à autonomia privada.


Cônjuge pode comprar do outro cônjuge bens, mas não qualquer bem.
O art. 499 possibilita a compra e venda entre cônjuges, desde que o contrato de
compra e venda seja compatível com o regime de bens adotado pelo casal. Isso porque só é
possível compra e venda de bens excluídos da comunhão. Se o bem estiver dentre aqueles
constantes da comunhão, a compra e venda será nula, visto que há a impossibilidade do
objeto (art. 166, II).

168
Aurélio Bouret

É possível que haja a compra e venda de bens entre cônjuges mesmo que se trate de
comunhão universal, pois existem bens excluídos do regime da comunhão universal, como
são os bens de uso pessoal e utensílios de trabalho dos cônjuges.
 Regime de comunhão parcial: a compra e venda poderá se dar desde que seja de
bens particulares.
 Regime de comunhão universal: a compra e venda poderá se dar desde que seja
de bens incomunicáveis.
 Regime de participação final nos aquestos: a compra e venda poderá se dar em
relação ao bens que não entram na participação.
 Regime de separação legal ou convencional: a compra e venda poderá se dar,
desde que não haja fraude ou ilicitude. Lembre-se que a má-fé não se presume.
Não é porque o indivíduo é casado sob o regime de separação que não poderá
vender bens ao seu cônjuge.

1.5.3. VENDA DE BENS SOB ADMINISTRAÇÃO

O art. 497 diz que não podem ser comprados, ainda que estejam em hasta pública,
pelos tutores, curadores, testamenteiros, administradores, os bens confiados à sua guarda
ou administração.
Neste caso, haveria um conflito de interesses. Ademais, é vedada a compra pelos
servidores públicos em geral dos bens e dos direitos da pessoa jurídica a que estes
servidores servirem ou dos bens que estiverem sob a sua administração direta ou indireta.
A lei está buscando impedir a ocorrência de situações nas quais a atividade funcional
da pessoa possa influir no negócio que será firmado, e o agente ser beneficiado pela influência
que sustenta.
É ainda vedada a compra pelos juízes e serventuários em geral dos bens a que se litigar
no tribunal em que servirem, tanto o juiz quanto os serventuários da justiça.
Também não poderá comprar os bens o leiloeiro ou seus pressupostos quanto aos
bens cuja venda esteja encarregado.
Perceba que há uma vedação de cunho moral.
Mais uma vez o STJ faz uma interpretação no sentido de que o juiz não pode comprar
um bem que esteja no seu tribunal, mas poderá comprar em outro tribunal, assim como os
servidores. Isso porque se não há risco da influência não há prejuízo e nem ilegalidade.

1.5.4. VENDA DE BENS EM CONDOMÍNIO

O art. 504 do CC diz que um condômino não pode, em relação ao condomínio de


coisa indivisível, vender a sua parte a estranhos se outro condômino quiser tanto por tanto,
ou seja, em igualdade de condições.
Há uma espécie de preempção legal. O condômino, se não tiver o conhecimento da
venda, poderá simplesmente depositar o preço, e haver para si a coisa vendida para um
terceiro ou estranho, desde que o faça em 180 dias. Este prazo é decadencial.
Contudo, o STJ julgou recentemente um caso em que, ao conceder o direito de
preferência aos demais condôminos, o que o legislador procurou foi conciliar objetivos
particulares do vendedor com o intuito da comunidade dos coproprietários. É a ideia de que
a função social recomenda que é mais cômodo manter a propriedade entre os seus titulares,

169
Aurélio Bouret

evitando que haja desentendimentos naquele condomínio pela entrada de um estranho. É


uma hipótese de preferência legal.
O STJ entende que, se o imóvel se encontra em estado de indivisão, apesar de este
imóvel ser divisível, ainda assim há de se reconhecer o direito de preferência do condômino
que pretenda adquirir o quinhão do comunheiro. Há uma restrição da autonomia privada. Ou
seja, se o vendedor condômino quiser vender por 100 mil reais o imóvel a um terceiro, mas o
condômino oferecer 100 mil reais, deverá vender a este.
Parte da doutrina entende que, sendo preterido o condômino, deverá propor a ação
anulatória da compra e venda feita.
Porém, encontra-se um entendimento no sentido de que deve ser proposta uma ação
de adjudicação, pois o principal efeito da ação é constituir positivamente a venda para o
condômino que foi preterido.
Portanto, estaríamos diante de uma ação de adjudicação e não anulatória.
Questiona-se: o prazo de 180 dias é contado de quando?
A lei não diz. Maria Helena Diniz diz que esse prazo de 180 dias é contado da data da
alienação do bem. Sílvio Venosa diz que o prazo começa a correr da data em que o
condômino tomar ciência do negócio, ou do registro imobiliário, no caso de imóvel.
Sendo muitos os condôminos, como se saber qual tem a preferência?
A lei traz uma ordem que deve ser respeitada:
1. quem tiver benfeitoria de maior valor;
2. quem tiver o maior quinhão;
3. quem depositar judicialmente o preço.

1.6. REGRAS ESPECIAIS DA COMPRA E VENDA

1.6.1. VENDA POR AMOSTRA (POR PROTÓTIPO OU POR MODELO)

É uma compra e venda que funciona como condição suspensiva.


Isso é comum no caso dos mascates que passavam nas casas com amostras de tecidos.
Caso a pessoa se interessasse por aquele pedaço de tecido, faria um pedido de 5, 10, 20, 40
metros, e o vendedor pediria para a fábrica fazer. Havia ali uma promessa de entrega das
peças ou do tecido, conforme o mostruário.
A venda por amostra tem a eficácia suspensiva, de forma que não ocorre o
aperfeiçoamento do negócio até que haja a tradição com a qualidade esperada do bem que foi
adquirido.
Se os bens não foram entregues conforme o que foi contratado, o contratante poderá
simplesmente não aceitar. O contrato de compra e venda será desfeito, por uma condição
resolutiva, visto que o produto não tem a qualidade da amostra do produto apresentado.
O parágrafo único do art. 484 do CC diz que vai prevalecer a amostra, se houver uma
contradição ou ao modo de descrição da coisa no contrato. O dispositivo está dizendo que se
o sujeito apareceu na loja e disse que era egípcio e depois constar no contrato de que o fio era
chinês, a amostra irá prevalecer, por uma questão de boa-fé.

170
Aurélio Bouret

1.6.2. VENDA A CONTENTO OU SUJEITA À PROVA

A venda a contento ou sujeita à prova são tratadas como cláusulas especiais no


contrato de compra e venda.
Muitas vezes serão presumidas em alguns contratos, não precisando de previsão
expressa algumas vezes. Ex.: no caso dos vinhos, o garçom coloca um pouco para que o cliente
verifique a qualidade do vinho. No momento em que concorda, a pessoa concorda com a
venda, estando implementada a condição suspensiva.
A venda não se aperfeiçoa enquanto o comprador não se declara satisfeito com o
bem que está sendo adquirido. Há uma condição suspensiva. Na venda a contento, a tradição
não transfere a propriedade, mas apenas da posse. Há a posse direta, pois, enquanto o
comprador não manifestar a vontade, as obrigações que ele teria é de simples comodatário.
A rejeição funcionará como uma condição resolutiva do contrato.
No caso de venda a contento, o prazo para manifestação do comprador, quando não
for de imediato (como no vinho), o vendedor tem o direito de intimar esse comprador,
judicial ou extrajudicialmente, para que se manifeste sobre a venda (art. 582).
Quando é intimado, surge para o comprador o dever de pagar até a restituição da
coisa um aluguel que será arbitrado pelo comodante a título de pena, e será cabível eventual
reintegração de posse.
Foi promovida uma venda a contento, mas o sujeito não se manifestou. O vendedor
interpelou o comprador para que ele se manifestasse em 2 dias, para que este se manifestasse
ou para que este pagasse a coisa. Se ele não paga e nem devolve, passados os 2 dias,
considera-se como se houve uma locação, havendo a necessidade de pagar um aluguel cabível,
bem como ação de reintegração de posse.
Qual a diferença entre venda a contento e a venda sujeita a prova?
Na venda a contento, o comprador não conhece o bem, sendo necessário provar e
manifestar a vontade de celebrar o contrato.
Na venda sujeita à prova, a coisa já é conhecida, mas o comprador somente necessita
da prova de que o bem é o mesmo que ele já conhece, tendo todas as qualidades assegurada
ao vendedor.

1.6.3. VENDA POR MEDIDA

A venda por medida, também denominada de venda ad mensuram. Nesse caso, as


partes podem estipular um preço por medida de extensão. Nessa situação, a medida passa a
ser uma condição essencial do contrato.
Na venda ad mensuram, a área do imóvel não é apenas enunciativa, sendo
simplesmente enunciativa no caso da venda ad corpus, situação em que se vende um corpo
certo (ex.: rancho, chácara, etc.). Na venda ad mensuram, o comprador está comprando com
base na metragem,caso em que a compra e venda terá a área como essencial, como é o caso
de compra e venda de imóvel por metro quadrado.
No caso de venda por extensão, admite-se que haja uma variação de até 5% (ou seja,
até um vigésimo da área). Existe uma presunção relativa de que essa variação de 5% a mais ou
a menos é tolerável pelo comprador.
No entanto, se houver uma variação superior ao tolerável, então haverá um vício.
Neste caso, o comprador poderá exigir:

171
Aurélio Bouret

 complementação da área;
 abatimento do preço (ação quanti minoris);
 resolução do contrato.
Nesse caso, se ficar evidenciada a má-fé do vendedor, vem cumulada com perdas e
danos, com uma indenização em razão do comportamento.
O prazo decadencial é de 1 ano, contado do registro do título, conforme art. 501 do
CC. O prazo não corre enquanto o interessado não for imitido na posse.
Se a venda for realizada ad corpus, ou seja, imóvel vendido como coisa certa, não
caberão os pedidos de complementação, abatimento do preço ou resolução do contrato.

1.6.4. VENDA DE COISAS CONJUNTAS

Não se confunde com a venda casada, que é vedado. A prática do contrato de venda
permite a venda de coisas conjuntas permite. Ex.: compra de um rebanho bovino. Há uma
universalidade de fato.
Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma coisa não autoriza a
rejeição de todas. Se for comprado um rebanho bovino e somente uma vaca apresentar vício,
impede-se a rejeição de todos os bovinos.
O art. 503, que se refere a vendas conjuntas, não pode ser aplicado a casos em que a
venda seja coletiva, que é diferente daquelas.
No caso de venda coletiva, as coisas vendidas formam um todo só. Por exemplo, se a
compra de um par de sapatos, um deles apresentar problema, poderá devolver os dois para
adquirir novos, pois a venda é coletiva.

1.7. CLÁUSULAS ESPECIAIS DA COMPRA E VENDA

Há aqui previsões que alteram os efeitos da compra e venda, dando a ela uma feição
diferenciada.
O CC consagra:
 cláusula de retrovenda;
 cláusula de venda a contento ou venda sujeita à prova;
 cláusula de preempção convencional;
 cláusula de venda com reserva de domínio;
 cláusula de venda de documentos.
As cláusulas especiais, para que tenham eficácia e validade, devem estar
expressamente previstas no instrumento. Este é um ponto em que se diferenciam das regras
especiais.
Nas regras especiais não é necessário que conste expressamente esta previsão.

1.7.1. CLÁUSULA DE RETROVENDA

Cláusula de retrovenda é um pacto inserido no contrato pelo qual o vendedor


reserva-se o direito de reaver o imóvel dentro de um certo prazo.
Nesse caso, restitui o preço e as despesas feitas pelo comprador, mas reaverá o
imóvel.
O prazo máximo que decorre o direito à retrovenda é de 3 anos.

172
Aurélio Bouret

Cláusula de retrovenda só é admitida nos contratos de compra e venda de bens


imóveis. Essa cláusula torna a propriedade resolúvel, e portanto tem-se aqui uma cláusula
resolutiva expressa.
Se o comprador se recusa as quantias a que ele faz jus, o vendedor deverá depositar
judicialmente esse valor, propondo uma ação de resgate (art. 506).
O direito de resgate poderá ser exercido pelo vendedor e também pelos herdeiros e
legatários, isso em relação ao terceiro adquirente, já que consta cláusula expressa registrada.
Perceba-se que há uma transmissão causa mortis da cláusula de retrovenda,
discutindo a doutrina se seria possível a transmissão inter vivos da cláusula de retrovenda,
inclusive de forma onerosa.
A lei diz que é transmissível da cláusula de retrovenda do vendedor para os herdeiros e
legatários.
No caso de transmissão onerosa da cláusula de retrovenda, a professora Maria Helena
Diniz diz não ser possível, pois traria um direito personalíssimo do vendedor.
Paulo Lôbo diz ser possível em virtude de que não há qualquer proibição nesse sentido
pelo Código Civil.
O art. 508 do CC trata da retrovenda feita por condôminos, quando duas ou mais
pessoas têm o direito de retrato, mas apenas uma delas o exerce, o comprador poderá intimar
a outra ou as outras para acordarem com essa retrovenda.
Mesmo nesse caso, prevalecerá o pacto em favor de quem tenha depositado o valor
pago pela coisa e pelas despesas do comprador, desde que esse valor seja integral.

1.7.2. CLÁUSULA DE PREEMPÇÃO

A cláusula de preempção é a cláusula pela qual o comprador de um bem móvel ou


imóvel tem a obrigação de oferecer este bem àquele que o vendeu, podendo essa intimação
ser judicial ou extrajudicial, a fim de que o vendedor use o seu direito de prelação, em
igualdade de condições com o terceiro. Isso se o comprador decidir vender a coisa.
Essa cláusula poderá estar prevista no contrato.
O art. 513, parágrafo único, diz que a preferência abrangerá o prazo de 180 dias se for
bem móvel, ou de até 2 anos se for bem imóvel. Tais prazos devem ser contados da data da
realização da venda.
Após o decurso desses prazos, é finda a preferência. Portanto, é possível a venda do
bem a outrem, sem direito de preferência.
Se, dentro do período de preferência, o comprador decidir vender o bem, o vendedor
deverá ser notificado judicial ou extrajudicialmente.
O direito de preferência caducará se a coisa for móvel, se não exercer esse direito de
preferência em 3 dias.
Sendo a coisa imóvel, terá o prazo de 60 dias para exercer o direito de preferência, a
contar da data em que o vendedor foi notificado pelo comprador para exercer o direito de
preferência.
O Código Civil diz que, aquele que exerce a preferência tem a obrigação de pagar o
preço ajustado ou encontrado em igualdade de condições com terceiro, sob pena de perder o
direito de preferência.

173
Aurélio Bouret

O vendedor que tenha sido preterido no seu direito de preferência, caso seja a
preempção convencional, o vendedor não poderá anular a venda. Se fosse uma prelação legal
(ex.: condômino), poderá fazer a adjudicação do bem.
No entanto, no caso de preempção convencional, se o vendedor for preterido, caberá
apenas o direito de ação visando a reparação de danos, mesmo que o adquirente tenha
adquirido o bem por má-fé (art. 518).
O art. 519 diz que, se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública,
ou por interesse social, não tiver o destinado para que se desapropriou, ou não for utilizada
em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado o direito de preferência pelo preço atual
da coisa. Este dispositivo consagra o direito de retrocessão.
Indaga-se: esse direito de preferência terá natureza real ou natureza pessoal?
O STJ já entendeu que os efeitos são de natureza meramente pessoais, cabendo
portanto ao expropriado o direito de pleitear perdas e danos no caso de tredestinação.
Por outro lado, também há decisões do STJ reconhecendo eficácia real do direito de
retrocessão. Tartuce concorda que esse direito de retrocessão tem natureza real.
O art. 520 diz que o direito de preferência não se pode ceder, e também não passa
aos herdeiros. É, aqui, reconhecida a intransmissibilidade do direito de preferência, seja mortis
causa, seja inter vivos. A preferência convencional não se transmite aos herdeiros.

1.7.3. CLÁUSULA DE VENDA SOBRE DOCUMENTOS

Pela cláusula de venda sobre documentos, que tem por objeto bens móveis, a tradição
será substituída pela entrega de um documento correspondente à propriedade (título
representativo do domínio), conforme art. 529 do CC.
Se estiver prevista essa cláusula de venda sobre documentos, e essa documentação
estiver em ordem, o comprador não pode recusar pagamento, alegando que há um defeito na
qualidade da cosia ou no estado da coisa, salvo se o defeito estiver efetivamente comprovado.
Veja, o parágrafo único do art. 529 diz que, achando-se a documentação em ordem,
não pode o comprador recusar o pagamento, a pretexto de defeito de qualidade ou do estado
da coisa vendida, salvo se o defeito já houver sido comprovado. Isso porque o comprador
ainda nem sequer tem a coisa consigo.
Com essa transferência do documento que transfere a propriedade, o pagamento
deverá ocorrer na data e no lugar em que ocorrer essa entrega do documento. Quando o
documento é entregue, o preço deverá ser pago.
O art. 532 diz que, estipulado o pagamento por intermédio de estabelecimento
bancário, caberá ao banco efetuar esse pagamento com a entrega dos documentos, não tendo
o banco a obrigação de verificar a coisa vendida, pela qual não responde.
O parágrafo único diz que, nesse caso, somente após a recusa do estabelecimento
bancário a efetuar o pagamento, poderá o vendedor pretendê-lo, diretamente do comprador.

1.7.4. CLÁUSULA DE VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO

Ocorre a cláusula de venda com reserva de domínio quando o vendedor vende a coisa,
mas continua tendo o domínio.
Por meio dessa cláusula, inserida no contrato de coisa móvel infungível, o vendedor
mantém o domínio da coisa, mas até que haja o pagamento integral pelo comprador.

174
Aurélio Bouret

O comprador receberá a posse direta da coisa, mas a propriedade continua sendo do


vendedor, sendo esta resolúvel, visto que, uma vez pagando o comprador, a propriedade
passa a ser dele.
Pelos riscos da coisa, responderá o comprador (res perit emptoris), ou seja, é uma
exceção à res perit domino, sendo uma forma de viabilizar a cláusula com reserva de domínio.
O art. 522 consagra como formalidade para a cláusula de venda com reserva de
domínio que sua estipulação se dê por escrito e haja registro no cartório de títulos e
documentos do domicílio do comprador. Segundo o CC, esta é uma condição de validade
perante terceiros de boa-fé. Em verdade não é uma condição de validade, mas sim de eficácia,
pois não levando a registro não deixará de ser válida, e sim ineficaz perante terceiros.
E se houver mora ou inadimplemento absoluto?
O vendedor poderá promover uma ação de cobrança das parcelas vencidas e que não
foram efetivamente pagas. Essa é uma opção.
A segunda é o vendedor recuperar a posse da coisa, já que ele é o proprietário da
coisa.
No entanto, como é que o vendedor vai recuperar a posse da coisa?
Flávio Tartuce entende que será por meio da reintegração de posse. Daniel Assunção
entende que será o procedimento comum com tutela de urgência, mas não se sabe como a
jurisprudência vai se posicionar.
O art. 525 diz que o vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de
domínio após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação
judicial.
Vale ressaltar que a teoria do adimplemento substancial também vai promover
mudanças e mitigações na chamada cláusula de reserva de domínio. Ex.: sujeito pagou 90%
das parcelas, não poderá o contrato simplesmente ser desfeito, devendo preservá-lo e
promover a ação de cobrança, a fim de que cobre as parcelas vencidas e as vincendas.
É preciso diferenciar da cláusula de venda de reserva com domínio de contrato de
alienação fiduciária e do leasing (arrendamento mercantil):
 cláusula de venda com reserva com domínio: há uma cláusula especial de compra
e venda. Implica que o domínio permaneça nas mãos do devedor;
 alienação fiduciária: há um direito real de garantia. O devedor é o fiduciante que
compra o bem de um terceiro, mas não podendo pagar, pegará o dinheiro com a
instituição financeira, e para garantir o pagamento a esta instituição financeira,
transferirá a propriedade a esse credor fiduciário. Há aqui também uma
propriedade resolúvel, mas esta é de terceiro, e não do próprio vendedor;
 leasing (arrendamento mercantil): há um contrato. Há um contrato de locação
com opção de compra. A opção de compra se dá com o pagamento do valor
residual garantido (VRG).

1.8. TERRENOS DA MARINHA

Terrenos de marinha são todos aqueles que, banhados pelas águas do mar ou dos rios
e lagoas navegáveis, vão até a distância de 33 metros para a parte da terra contados da linha
do preamar médio, medida em 1831.
Os terrenos de marinha são bens da União. Isso se justifica por se tratar de uma região
estratégica em termos de defesa e de segurança nacional.

175
Aurélio Bouret

Segundo José dos Santos, em algumas regiões, a União permitiu que particulares
utilizassem, de forma privada, imóveis localizados em terrenos de marinha. Como essas áreas
pertencem à União, o uso por particulares é admitido pelo regime da enfiteuse (aforamento).
A enfiteuse funciona da seguinte forma, a União (senhorio direto) transfere ao particular
(enfiteuta) o domínio útil, este particular passa a ter a obrigação de pagar anualmente uma
importância a título de foro ou pensão.
O particular (enfiteuta) pode transferir para outras pessoas o domínio útil que exerce
sobre o bem. Todavia, a pessoa que transferir o domínio útil do imóvel deverá pagar 5% do
valor do domínio útil à União. Esse valor é chamado de laudêmio e seu pagamento está
previsto no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87.
O STJ entende que será nulo o contrato o contrato firmado entre particulares de
compra e venda de imóvel de propriedade da União quando ausente o prévio recolhimento
do laudêmio e a certidão da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), ainda que o pacto
tenha sido registrado no Cartório competente.
Vale ressaltar que a prévia autorização da Secretaria do Patrimônio da União (SPU)
não é mera formalidade, pois, segundo entende o STJ, a comunicação do negócio jurídico
formalizado entre o ocupante e terceiro à SPU não se reveste de ato de mera formalidade, mas
se constitui em medida de essencial importância e que produz efeitos jurídicos relevantes,
uma vez que a União é a proprietária do terreno de marinha e, nessa qualidade, deverá estar
sempre a par e consentir com a utilização de bem que lhe pertence.
Tais bens públicos são da espécie “bens dominicais”, os quais, apesar de não estarem
sendo utilizados para a realização de uma finalidade pública, o regime jurídico dos bens
dominicais é híbrido, aplicando-se as normas de direito público e de direito privado. O
contrato de compra e venda de um bem dominical deve respeitar formalidades legais mais
rígidas do que se fosse um bem de um particular.
O tabelião de notas poderia ter lavrado a escritura de compra e venda e o oficial do
Registro de Imóveis não pode registrar o título sem a prova do pagamento do laudêmio. É
dever dos tabeliães e registradores, antes de lavrar ou registrar a escritura, exigir a certidão da
SPU, na qual estará declarado que houve o pagamento do laudêmio e cumprimento das
demais formalidades.

2. TROCA OU PERMUTA

2.1. CONCEITO

Troca ou permuta é conceituado como sendo um contrato através do qual as partes se


obrigam a dar uma coisa para receber outra coisa, não podendo esta coisa ser dinheiro, pois
do contrário haveria compra e venda.
Há aqui um contrato bilateral, oneroso (as duas partes realizam sacrifício patrimonial),
comutativo (as duas partes conhecem as prestações a que se submetem), translativo da
propriedade (cada uma das partes assume essa propriedade), contrato consensual (o contrato
se aperfeiçoa com o simples encontro das vontades).
A permuta vai gerar para cada contratante a obrigação de transferir ao outro
contratante o domínio da coisa, que é o objeto da prestação.
Em relação às despesas com a tradição, o art. 533, I, vai consagrar, via de regra, a
divisão em igualdade, mas o contrato poderá dispor de forma diferente.
Aplicam-se, residualmente, à troca as disposições referentes à compra e venda.

176
Aurélio Bouret

Ressalte-se a distinção de que, na compra e venda, o vendedor, após a entrega da


coisa vendida, não poderá pedir a devolução da coisa pelo fato de não ter recebido o preço.
Na troca, o tradente (permutante) tem o direito de pedir de volta o que deu se a
outra parte não lhe entregar o objeto permutado, ou seja, não cumprir a sua obrigação.

2.2. TROCA ENTRE ASCENDENTES E DESCENDENTES

O art. 533, II, diz que é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e
descendentes, se não houver o consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do
alienante.
Veja que o art. 533 fala de trocas desiguais. Ou seja, se estiver diante de troca s coisas
iguais, não é necessário o consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do
alienante.
O raciocínio é o mesmo para o caso em que o descendente der coisa mais valiosa ao
ascendente e este dá a ele uma coisa menos valiosa, sendo desnecessário o consentimento
dos demais descendentes e do cônjuge.

3. CONTRATO ESTIMÁTORIO

3.1. CONCEITO

O contrato estimatório é também denominado de venda em consignação.


Nesse contrato, o consignante vai transferir ao consignatário bem móveis, a fim de que
o consignatário venda esses bens por um preço estimado.
Ou o consignatário vende esses bens, pagando um preço estimado, ou terminado o
contrato sem venda, devolverá esses bens no prazo ajustado (art. 534).
Há aqui um contrato bilateral, oneroso, real (pois se aperfeiçoa com a entrega da cosia
consignada) e comutativo.
Parcela da doutrina vai dizer que, na verdade, esse contrato não seria bilateral, pois
quando ele nasce apenas uma das partes tem a obrigação. Antes de nascer, o consignante
entrega a coisa, mas quando termina de entregar a coisa é que nasce o contrato estimatório,
passando a apenas o consignatário a ter a obrigação de pagar ou de devolver. Portanto, seria
um contrato unilateral, mas oneroso.

3.2. NATUREZA JURÍDICA

Há um grande debate sobre a natureza jurídica da obrigação assumida pelo


consignatário.
 1ª Corrente: Alguns autores vão entender que essa obrigação assumida por ele é
alternativa. Isso se dá pelo fato de poder escolher se ele devolve a coisa ou se ele paga
o preço. Caio Mário, Tartuce, Lôbo e Samer.
 2ª Corrente: Outros dizem que a obrigação é facultativa, devendo ele pagar, mas caso
não queira poderá devolver. Maria Helena Diniz, Simão e Venosa entendem dessa
forma.
O consignatário poderá devolver a coisa ou pagar. Isso é majoritário.

177
Aurélio Bouret

O consignante mantém a condição de proprietário da coisa. O art. 536 diz que a coisa
consignada não pode ser objeto de penhora ou sequestro pelos credores do consignatário,
enquanto não pagar integralmente o preço. Isso porque a coisa não é dele.
O art. 537 diz que o consignante não pode dispor da coisa antes de lhe ser restituída
ou de lhe ser comunicada a restituição. Isso quer dizer que há exigência de um
comportamento de boa-fé, dentro do esperado pelo consignante.
Findo o prazo do contrato, o consignante tem duas opções: cobrar o preço de estima
ou promover a ação de reintegração da posse, a fim de reaver o bem cedido. Lógico que isto se
considerarmos a obrigação alternativa.
Caso seja considerada obrigação facultativa, o único dever que o consignatário tem é
de pagar a coisa. Findo o prazo, o credor poderia apenas propor a ação de cobrança e não
poderia propor a ação de reintegração de posse.
Daí a importância de se definir se a obrigação é alternativa ou facultativa.

3.3. RESPONSABILIDADE PELA PERDA DA COISA CONSIGNADA

O art. 535 diz que o consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a
restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não
imputável.
Percebe-se que deverá ter de pagar a coisa, já que não consegue devolver. Isso porque
passa a ser de sua responsabilidade.

4. DOAÇÃO

4.1. INTRODUÇÃO

Doação é um contrato benéfico, unilateral e gratuito. Por essa razão só será admitida
interpretação restritiva, conforme art. 114.
Em relação à doação com encargo (modal), entende-se que continua diante de um
contrato unilateral, mas unilateral imperfeito. Isso porque existe o encargo, mas este não
constitui uma contraprestação. O encargo é um ônus, mas que não tem o peso de uma
contraprestação. Existe entendimento em sentido diverso, mas este é o que prevalece.
A controvérsia existe em relação à aceitação do donatário. A aceitação do donatário é
requisito essencial do contrato de doação?
Maria Helena Diniz diz que a doação não se aperfeiçoa enquanto o donatário não
manifestar a sua aceitação.
Paulo Luiz Netto Lôbo vai dizer que a aceitação é simplesmente um elemento
complementar, ligado à eficácia da doação, não sendo elemento essencial da doação. Flávio
Tartuce concorda com esse entendimento, dizendo que a aceitação se encontra no plano da
eficácia e não da validade.
O art. 539 diz que o doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou
não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não se manifeste dentro dele a
declaração, entende-se que a aceitou, desde que a doação seja pura, ou seja, não seja sujeita a
encargo (modal).
Eventual silencio do doador traz uma presunção relativa de aceitação.

178
Aurélio Bouret

Inclusive, dispensa-se a aceitação expressa quando se tratar de doação pura, feita em


favor de absolutamente incapaz. É o que diz no art. 543.
A aceitação ainda pode ser tácita, na hipótese de doação feita em contemplação a
casamento futuro. Quando os nubentes se casam, há uma aceitação tácita. Pode ser feita de
um nubente para eles, de um terceiro em favor dos nubentes, aos filhos que no futuro
casamento advierem, etc. Havendo casamento, há uma aceitação tácita.
O art. 546 diz que, nessa situação, a celebração do casamento gera uma presunção de
aceitação.
São características do contrato de doação o fato de ser um contrato consensual
(aperfeiçoa com o encontro de vontades), contrato formal (pode ser solene, escrito, e
eventualmente até pode ser verbal).
A doação solene ocorrerá nos casos de doação de imóvel com valor superior a 30
salários mínimos. A doação será formal e não solene, nos casos envolvendo casos de imóvel
inferior ou igual a 30 salários mínimos e nos bens móveis.
O art. 541, parágrafo único, diz que a doação de bens móveis e de pequeno valor
poderá ser verbal seguida da tradição.

4.2. MODALIDADES DE DOAÇÃO

4.2.1. DOAÇÃO REMUNERATÓRIA

A doação remuneratória é uma doação em forma de remuneração.


Tem como característica a retribuição de um serviço prestado pelo donatário. Todavia,
vale lembrar que esse serviço originariamente não seria cobrado pelo donatário.
Ex.: doação de um automóvel feita ao médico que salvou a vida do doador. Neste caso,
o carro vale 40 mil e a cirurgia feita pelo médico vale 30 mil, ainda que tenha sido gratuita.
Porém, em relação aos 10 mil é que haverá a liberalidade. A lei diz que só há liberalidade na
parte que excede o valor do serviço prestado.
A análise da doação remuneratória é interessante por três razões principais:
 cabe alegação de vício redibitório em relação ao bem doado, já que a doação é
remuneratória;
 mesmo nos casos de ingratidão, as doações remuneratórias não podem ser
revogadas;
 as doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente não estão sujeitas à
colação, não devendo ser trazidas ao inventário.

4.2.2. DOAÇÃO CONTEMPLATIVA

A doação contemplativa (ou meritória) é baseada na condição pessoal do indivíduo,


baseada no merecimento do donatário.
O art. 540 diz que a doação contemplativa é aquela feita em contemplação a um
merecimento do donatário, de modo que esta não perde o caráter de liberalidade.
O doador declara expressamente quais os motivos da sua doação. Normalmente o
doador leva em consideração uma característica pessoal do donatário. Ex.: doam-se os livros
ao professor, pois é um excelente leitor e estudioso.

179
Aurélio Bouret

4.2.3. DOAÇÃO AO NASCITURO

O art. 542 diz que a doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu
representante legal.
Será o representante legal que aceita a doação ao nascituro.
Na doação ao nascituro, o contrato está válido, mas a eficácia da doação depende do
nascimento com vida do donatário, estando em uma condição suspensiva. Portanto, se está
diante de uma doação condicional.
Entende-se possível a doação a uma prole eventual, nem ter sido concebida ainda.
Este entendimento é confirmado pelo art. 1.800, §4º, que diz que se, decorridos 2 anos após a
abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo
disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos.
O doador morreu, mas antes de morrer doou o bem a uma prole eventual. Se depois
da morte, passados 2 anos, a prole eventual não foi concebida, passa-se os bens aos herdeiros,
objeto da doação.

4.2.4. DOAÇÃO SOB FORMA DE SUBVENÇÃO PERIÓDICA

Subvenção periódica é dar a alguém algo periodicamente. Há aqui uma doação de


trato sucessivo, situação na qual o doador vai estipular rendas a favor do donatário (art. 545).
Em regra, terá como causa extintiva a doação sob forma de subvenção periódica a
morte do doador ou do donatário. Quem morrer primeiro extinguirá a doação.
Atente-se que a doação sob forma de subvenção periódica poderá ultrapassar a vida
do doador, se houver previsão contratual nesse sentido. Nunca vai ultrapassar a vida do
donatário, tendo como característica intuito personae.

4.2.5. DOAÇÃO EM CONTEMPLAÇÃO DE CASAMENTO FUTURO

A doação em contemplação de casamento futuro é aquela em que o sujeito diz que se


João casar com Maria, eles receberão um imóvel. É a denominada doação propter nuptias.
Essa doação é feita a pessoa certa e determinada, e, portanto, é uma doação
condicional.
Essa doação pode ser feita entre os nubentes, por um terceiro que faça a um deles ou
a ambos, ou a favor dos filhos que nascerem àquele casamento.

4.2.6. DOAÇÃO PODERÁ SER DE ASCENDENTES A DESCENDENTES E DOAÇÃO ENTRE


CÔNJUGES

A doação poderá ser de ascendentes a descendentes e doação entre cônjuges.


O art. 544 diz que as doações de ascendentes a descendentes e doação entre cônjuges
importam em adiantamento do que lhes cabe por herança. Há uma preocupação com a
legítima.
Há uma presunção de que aquilo que foi recebido antes será adiantamento da
herança. Então, quando for aberto o inventário deverá ser trazido o bem ao processo.

180
Aurélio Bouret

No caso de doação de ascendentes a descendentes, os bens deverão ser colacionados


ao processo de inventário pelo descendente que recebeu o bem, sob pena de ser considerado
sonegado, perdendo o direito que tem sobre a coisa.
É possível que o doador dispense essa colação, caso em que o donatário não precisará
trazer o bem ao inventário.
A doação entre cônjuges é plenamente válida e possível, desde que o bem doado não
seja integrante de patrimônio comum do casal, como é o bem particular. O que não se admite
é a doação de bem comum do casal.

4.2.7. DOAÇÃO COM CLÁUSULA DE REVERSÃO

A doação com cláusula de reversão é aquela em que o doador estipula que os bens
doados voltem ao patrimônio do doador, caso ele sobreviva ao donatário.
O que há aqui é uma condição resolutiva expressa (art. 547).
Atente-se que não se pode estipular que, se o donatário morrer, os bens serão
destinados a João, pois estaria havendo pacta corvina, discutindo herança de pessoa viva.
Se o doador morrer antes do donatário, esta condição jamais ocorrerá, incorporando-
se os bens definitivamente ao patrimônio do donatário, pois a condição resolutiva não se
implementará.
A cláusula de reversão não torna o bem inalienável, podendo o donatário alienar o
bem. Porém, se alienar o bem e vier a falecer antes do doador, essa alienação é sem efeito
perante o doador. Torna-se com a implementação da condição resolutiva, conforme art.
1.359.

4.2.8. DOAÇÃO CONJUNTIVA

A doação conjuntiva é aquela que conta com a presença de 2 ou mais donatários,


havendo uma obrigação divisível, e que será doado o bem para 2, 3 ou 4 donatários.
Há uma presunção relativa de divisão igualitária da coisa entre os donatários.
Em regra, não existe direito de acrescer entre os donatários. Isto é, foi doado um bem
a 4 pessoas, mas um dos donatários morreu, agora a parte dele vai para os herdeiros, não
havendo direito de acrescer aos demais.
Isso é a regra, tendo em vista que o direito de acrescer poderá estar previsto no
contrato, ou mesmo em lei, conforme o art. 551, parágrafo único.
O art. 551, parágrafo único, traz o direito de acrescer legal quando os donatários
forem marido e mulher, caso em que, caso a mulher morra, passa tudo para o marido.

4.2.9. DOAÇÃO MANUAL

A doação manual é a doação com a mão, situação em que há uma tradição imediata,
tratando-se da doação que se dá com a tradição.
Lembre-se que é o caso da doação verbal que se consuma com a tradição, sendo certo
que se trata de coisa de pequeno valor (art. 541, parágrafo único).

181
Aurélio Bouret

4.2.10. DOAÇÃO INOFICIOSA

A doação inoficiosa é aquela prevista no art. 549, a qual estabelece que é nula a
doação quanto à parte que exceder o limite de que o doador, no momento da liberalidade,
poderia dispor em testamento.
É a doação que prejudica a legítima.
Não é toda doação que é considerada nula, atingindo somente a parte que exceder à
legítima.
Ex.: João tem um patrimônio de 1 milhão de reais, tendo 79 anos e dois filhos.
Arrumou uma namorada de 18 anos, decidindo doar a ela 700 mil reais. João não poderia doar
700 mil, pois 50% do seu patrimônio integra a legítima. Portanto se doou 700 mil, considera-se
200 mil nulos, angariando 500 mil.
Segundo o STJ, aplicam-se às pretensões declaratória de nulidade de doações
inoficiosas o prazo prescricional de 10 anos para o ajuizamento dessa ação.
A ação só pode ser proposta por quem é interessado na declaração de nulidade, ou
seja, pelos herdeiros do doador.

4.2.11. DOAÇÃO UNIVERSAL

A doação universal é a doação do universo de bens.


O art. 548 diz que é nula a doação de todos os bens sem a reserva do mínimo para a
sobrevivência do doador.
Portanto a doação universal é vedada, caso não haja reserva para sobrevivência do
doador.
Há a consagração do estatuto do patrimônio mínimo do Ministro Luiz Edson Fachin.
É preciso fazer uma leitura adequada do art. 548, chegando à conclusão de que poderá
a pessoa doar todo o seu patrimônio, desde que faça reserva de usufruto ou de rendas a seu
favor.
Ex.: sujeito doa o seu único apartamento com a cláusula de usufruto de que os valores
do aluguel serão dele.

4.2.12. DOAÇÃO DO CÔNJUGE ADÚLTERO AO SEU CÚMPLICE

O art. 550 diz que a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice na traição é anulável,
desde que proposta a ação anulatória pelo outro cônjuge ou pelos herdeiros necessários, até 2
anos após a dissolução da sociedade conjugal. Essa dissolução vem com a separação judicial
ou divórcio.
Esse dispositivo não pode ser aplicado quando o doador vive em união estável com o
donatário. Isto ocorre quando o doador está separado de fato do cônjuge.

4.2.13. DOAÇÃO A ENTIDADE FUTURA

Doação a entidade futura ocorre quando a entidade irá existir.

182
Aurélio Bouret

A doação feita por uma pessoa a uma pessoa jurídica que ainda não existe,
condicionando a eficácia da doação à regular constituição dessa sociedade é a doação a
entidade futura.
Caso a entidade não seja constituída no prazo de 2 anos, a contar da doação,
caducará a doação.

4.3. PROMESSA DE DOAÇÃO

Existe uma discussão se é possível um contrato preliminar de doação, o qual será


unilateral sobre uma liberalidade futura.
Uma das partes compromete-se a celebrar um contrato de doação no futuro.
Tartuce entende que é possível. Admitida a validade e eficácia do negócio, o futuro
beneficiário, que tem um contrato preliminar a seu favor, terá o direito de exigir o
cumprimento dessa promessa.

4.4. REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO

A revogação da doação é uma forma de resilição unilateral, por conta da perda da


confiança.
É reconhecido esse instituto como um direito potestativo em favor do doador.
A revogação poderá se dar por dois motivos:
 ingratidão do donatário;
O art. 556 proíbe que exista a renúncia prévia do doador ao direito de revogar a
doação por ingratidão. Isso não impede que, tendo ocorrido o ato de ingratidão,
ainda assim não revogue. O que não pode é renunciar previamente.
O art. 557 traz um rol exemplificativo de casos que podem motivar a revogação
por ingratidão:
 donatário atentou contra a vida do doador: se conseguir consumar a morte
do doador, quem terá legitimidade será os seus herdeiros;
 donatário atentou fisicamente contra o doador;
 donatário injuriou gravemente o doador ou se caluniou;
 se, podendo ministrar alimentos ao doador, o donatário tenha se recusado a
prestar;
 quando o donatário causar uma das hipóteses acima em face do cônjuge,
ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador.
O art. 561 diz que, no caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus
herdeiros, exceto se aquele houver perdoado. A única opção de perdoar o donatário no caso
de ter sido morto pelo donatário, é o caso em que tenha sido vítima da tentativa de homicídio
e ter sido internado no hospital, momento em que, em sã consciência, perdoou o donatário, e
posteriormente viesse a morrer. Neste caso, obviamente não caberia a revogação da doação.
A revogação por ingratidão não vai prejudicar direitos adquiridos por terceiros, e nem
vai obrigar o donatário a restituir frutos que percebeu antes da citação válida da ação que
intenta a revogação da doação. Antes da citação ele é possuidor de boa-fé, então o adquirente
terceiro de boa-fé e os frutos percebidos não devem ser restituídos. Se o donatário já alienou
o bem terá o direito do valor da coisa alienada.
Existem casos em que não se admite a revogação por ingratidão, como é o caso de:
 doação puramente remuneratória: somente admite-se a revogação naquilo
que exceder a prestação do serviço, ou seja, na parte da liberalidade;

183
Aurélio Bouret

 doação com encargo quando já cumprido o encargo: também não podem ser
revogadas as doações com encargo quando já cumprido o encargo;
 doação relacionada com o cumprimento de uma obrigação natural: apesar de
não existir responsabilidade, existe débito, não cabendo a revogação;
 doação propter nuptias: não caberá a revogação de doação no caso de doação
em contemplação de casamento futuro.
O prazo para revogação da doação, segundo o art. 559, deverá ser pleiteada no prazo
de 1 ano, a contar de quando chegue o conhecimento do doador o fato que autoriza ao
doador o fato que autoriza a revogação da doação, e chegue ao seu conhecimento de que o
autor daquele fato é o donatário, começando a contar esse prazo de 1 ano. Como a ação de
revogação é constitutiva negativa, esse prazo é decadencial.
 inexecução do encargo ou modo para executar.
No caso de revogação da doação por inexecução do encargo, apesar de existir uma
certa controvérsia, é majoritário o entendimento de que o prazo para revogação da doação
por descumprimento de encargo é prescricional de 10 anos, pois teria ocorrido a violação ao
direito subjetivo do doador de ver cumprido o encargo.
O art. 560 diz que o direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do
doador e nem prejudica os herdeiros do donatário.
A verdade é que o direito de revogar a doação se transmite aos herdeiros do doador se
a ação já foi iniciada. O direito de revogar não foi transmitido ao herdeiros do doador, mas sim
a possibilidade de prosseguir a ação que foi iniciada pelo doador visando a revogação da
doação. Portanto, eles poderão continuar contra o donatário, inclusive continuar contra os
herdeiros do donatário, caso ele venha a falecer depois do ajuizamento do pleito revogatório.
A respeito da revogação da doação onerosa, por inexecução do encargo, não se pode
confundir o legitimado da revogação da doação com os legitimados para exigir a execução do
encargo, que pode ser o doador, terceiro ou até o Ministério Público, caso o encargo tenha
interesse geral.
Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar o donatário
judicialmente para que dentro de um prazo razoável cumpra a obrigação (art. 562). Após o
decurso do prazo, poderá começar o prazo para doação.

5. LOCAÇÃO DE COISAS NO CÓDIGO CIVIL

5.1. INTRODUÇÃO

O contrato de locação é um contrato por meio do qual uma das partes se obriga a
ceder a outra parte por um tempo o uso e gozo de uma coisa infungível, por meio de uma
certa remuneração que é denominado aluguel.
A primeira característica é que é um contrato bilateral, contrato oneroso (existe
remuneração, ou seja, o sacrifício por ambas), contrato comutativo (as partes já sabem as suas
prestações), contrato consensual (aperfeiçoa-se com o encontro das vontades), contrato
informal (não depende de forma escrita e nem escritura pública) e é um contrato de execução
continuada ou de trato sucessivo.
O Código Civil trata da locação de bens móveis e bens imóveis.
Em relação aos bens imóveis, o CC tratará das locações que não estejam sujeitas à Lei
nº 8.245/91, a qual trata da locação de imóveis urbanos, levando em consideração a
destinação desse imóvel. Se o imóvel for destinado à residência, indústria, comércio e para
prestação de serviços, será regido pela Lei nº 8.245/91.

184
Aurélio Bouret

Se for destinado para outros fins, será regido para outros fins, como agricultura,
pecuária, extrativismo, etc., incidindo o Estatuto da Terra ou o Código Civil.
Além disso, o art. 1º da Lei de Locações excluiu alguns imóveis do âmbito de aplicação,
como imóveis públicos (Lei nº 8.666), vagas autônomas de garagem, espaços publicitários,
locação de espaços de apart-hotel, flats, equiparados (CC e CDC), arrendamento mercantil e
leasing (resoluções do BACEN).
O que se percebe é que o Código Civil tem uma aplicação reduzida em relação aos
imóveis.

5.2. DEVERES DAS PARTES NUMA LOCAÇÃO

O locador é obrigado a:
 entregar ao locatário a coisa com todas as suas pertenças e condições de ser
utilizadas;
 manter o bem no estado de utilização pacífica pelo locatário;
 se ocorrer a deterioração da coisa no prazo da locação e não sendo essa
deterioração culpa do locatário, poderá ele propor a redução do aluguel, ou até
mesmo resolver o contrato, pois a coisa não lhe serve mais (art. 567);
 resguardar o locatário contra turbações e esbulhos cometidos por terceiros. Tanto
o locador quanto o locatário serão legitimados para ações possessórias.
O locatário é obrigado a (art. 569):
 servir-se da coisa alugada para seus usos convencionados ou presumidos conforme
a natureza da coisa;
 pagar pontualmente o aluguel;
 levar ao conhecimento do locador as turbações feitas por terceiros ;
 restituir a coisa no estado em que há recebeu, salvo as deteriorações naturais da
coisa.

O art. 571 diz que se a locação for estipulada com prazo fixo, antes do vencimento
prazo não poderá ser reavida pelo locador, salvo se o locador indenizar o locatário pelas
perdas e danos resultantes da quebra contratual. Neste caso, o locatário terá o direito de
retenção do bem até que haja o seu pagamento.
Da mesma forma, o locatário somente pode devolver a coisa antes do pactuado
pagando a multa prevista no contrato, proporcionalmente ao tempo que restar para o término
daquele contrato.
O art. 572 vai dizer que a multa ou a obrigação de pagar o aluguel pelo tempo que
restar do contrato, se ela constituir uma obrigação excessiva, poderá o juiz reduzi-la em bases
razoáveis.

5.3. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO

Se a locação é por prazo determinado, cessará de pleno direito com o esgotamento do


prazo.
Findo o prazo da locação, se o locatário continuar na posse da coisa alugada e o
locador não se opor. Neste caso, presume-se que a locação tenha sido prorrogada pelo tempo
indeterminado e com o mesmo valor de aluguel (art. 574).

185
Aurélio Bouret

Nessas circunstâncias, a qualquer tempo, poderá o locador notificar o locatário para


que ele restitua ao locador o bem. É a denominada denúncia vazia, resilição unilateral.
Se a coisa, objeto de locação, foi alienada pelo locador, havendo um novo proprietário,
este não é obrigado a respeitar o contrato, pois o contrato só vale entre as partes.
Todavia, se o contrato, estando em sua vigência, por prazo determinado, tenha uma
cláusula de vigência no caso de alienação, e esta cláusula conste no registro de imóveis ou no
cartório de títulos e documentos, situação na qual terá eficácia perante terceiros.
Nos casos envolvendo imóvel, caso o novo locador não esteja obrigado a respeitar o
contrato, não poderá simplesmente despejar o locatário, devendo observar o prazo de 90 dias
para o locatário desocupar o bem, situação na qual começará a contar o prazo de notificação,
visando a desocupação do imóvel.
Em relação às benfeitorias, o locatário tem direito de retenção quanto às benfeitorias
necessárias, até ser indenizado por ela.
Em relação às benfeitorias úteis, terá direito de retenção se a implementação delas
tenha sido autorizada pelo locador.
O STJ vai trazer a Súmula 335 que vai dizer que nos contratos de locação é válida a
cláusula de renúncia às benfeitorias e ao direito de retenção.

6. EMPRÉSTIMO: COMODATO E MÚTUO

6.1. INTRODUÇÃO

O contrato de empréstimo é um negócio jurídico pelo qual uma pessoa entrega uma
coisa a outra pessoa e de forma gratuita, situação na qual essa pessoa se obriga a devolver a
coisa emprestada ao final do contrato.
Se esta coisa for consumível, esta coisa deverá ser restituída na mesma espécie e na
mesma quantidade.
Há duas espécies de contrato de empréstimo:
 comodato: empréstimo de bem infungível;
 mútuo: empréstimo de bem fungível.
Os dois contratos de empréstimos, além de serem gratuitos e unilaterais, ou seja,
benéficos, como regra, também são comutativos e informais, e reais, percebendo a
características de unilateralidade.

6.1.1. COMODATO

O comodato, que é o empréstimo de bem infungível, pode ter por objeto tanto bens
móveis como imóveis.
A parte que empresta é o comodante e a parte que recebe é o comodatário.
O contrato é baseado na confiança. Por isso o contrato é intuito personae.
A doutrina aponta a possibilidade de comodato de bens fungíveis, desde que esses
bens sejam utilizados para enfeites ou para ornamentação. Trata-se do comodato ad pompam
vel ad ostentationem. Quer dizer que, por convenção das partes, um bem que, por sua
natureza é fungível, acaba se tornando infungível.

186
Aurélio Bouret

O art. 580 diz que tutores, curadores e administradores de bens alheios em geral não
podem dar em comodato, sem autorização especial, dos bens que estão sob sua guarda.
O contrato de comodato é temporário, pois do contrário seria doação. Esse prazo pode
ser determinado ou indeterminado.
Caso seja indeterminado, presume-se que o prazo é aquele para o uso a que se
destinou o empréstimo. Nesse caso, não pode o comodante, salvo necessidade urgente e
imprevista, assim reconhecida pelo juiz, suspender o uso ou gozo da coisa emprestada antes
do cumprimento do fim a que se propôs.
Essa regra também vale para o comodato com prazo determinado, visto que, antes do
prazo, o comodante não pode reaver a coisa, salvo necessidade e urgência imprevistas.
A parte final do art. 582 do CC diz que o comodatário constituído em mora, além de
por ela responder, irá pagar até restituí-la o aluguel da coisa, que será aquele arbitrado pelo
comodante. É um aluguel-pena.
O STJ entende que esse aluguel é uma verdadeira pena privada e não será tido como
indenização pela ocupação. O objetivo aqui coagir o comodatário a fim de que ele restitua o
mais rapidamente possível a coisa emprestada.
Se houver um arbitramento exagerado, poderá ser objeto de controle judicial.
Segundo o STJ, o aluguel-pena não pode ser superior ao dobro do valor do aluguel cobrado em
média pelo mercado.
A primeira parte do art. 582 diz que o comodatário é obrigado a conservar, como se
sua fosse sua, não podendo usar a coisa emprestada em desacordo com o que prevê o
contrato de comodato ou da própria natureza da coisa. Se assim o fizer, responderá poder
perdas e danos.
O art. 583 diz que, se caindo em risco a coisa emprestada, o comodatário deixar de
salvar essa coisa para salvar coisa própria, responderá pelo dano ocorrido na coisa objeto do
comodato, ainda que este dano seja fruto de caso fortuito ou força maior.
O comodatário não pode recobrar do comodante despesas que ele teve para usar e
gozar da coisa emprestada (art. 584).
Havendo pluralidade de comodatários, haverá responsabilidade solidária entre eles
(art. 585). É um caso de solidariedade passiva legal.

6.1.2. MÚTUO

O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis, havendo de um lado o mutuante (cede a


coisa) e do outro o mutuário (recebe a coisa).
Em regra, é um contrato unilateral, real (aperfeiçoa-se com a entrega da coisa),
gratuito (exceção ao mútuo feneratício), comutativo, temporário e informal.
Exemplo é o empréstimo de dinheiro.
O mútuo somente pode ter por objeto bens móveis, pois só recai sobre bens fungíveis,
e todos os bens imóveis são infungíveis.
Como a coisa é transferida para outrem e este outrem a consome, devolvendo uma
nova coisa com o mesmo gênero, mesma qualidade e com a mesma quantidade, é forçoso
convir que este contrato é translativo da propriedade, pois transfere o domínio da coisa
empresada ao mutuário. Portanto, por conta do mutuário correrão todos os riscos da coisa,
desde o momento da tradição.

187
Aurélio Bouret

O art. 590 diz que o mutuante pode exigir do mutuário uma garantia real ou
fidejussória, se antes do vencimento do contrato o mutuário sofrer uma notória mutação na
sua situação econômica.
Caso o mutuário não atenda essa solicitação do mutante para constituir uma garantia
real ou fidejussória, haverá neste caso o vencimento antecipado da dívida.
Em regra, o mútuo, quando feito a um menor de idade, a lei vai dizer que se for feito a
um menor sem autorização do seu representante, não poderá ser reavido do mutuário, e nem
mesmo dos seus fiadores, pois o mútuo foi feito a um menor sem autorização do
representante (art. 588).
Essa regra comporta exceções. O art. 589 diz que não se aplica a regra do art. 588
quando:
 a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo,
o ratificar posteriormente;
 o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo
para os seus alimentos habituais;
 se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho. Porém, em tal caso, a execução
do credor não lhes poderá ultrapassar as forças;
 se o empréstimo reverteu em benefício do menor;
 se o menor obteve o empréstimo maliciosamente.

6.1.2.1. MÚTUO ONEROSO (MÚTUO FENERATÍCIO)

O mútuo poderá ser oneroso, tratado no art. 591.


Segundo esse artigo, destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos
juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406,
permitida a capitalização anual.
Isto é, o mútuo feneratício está limitado a 1% ao mês.
No entanto, a jurisprudência superior entende pacificamente que entidades bancárias
não estão sujeitas a esse limite, pois não se sujeitam à Lei de Usura.
Há inclusive a edição de três súmulas sobre o tema:
 Súmula 382: a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si
só, não indica abusividade.
 Súmula 379: nos contratos bancários, não regidos por legislações específicas, os
juros moratórios podem ser convencionados até o limite de 1% ao mês, mas são os
contratos bancários não regidos por legislação específica. Essa súmula atinge as
empresas de factoring.
 Súmula 530: nos contratos bancários, na impossibilidade de se comprovar a taxa
de juros efetivamente contratada, por não ter sido juntado o instrumento de
pactuação aos autos, será aplicada a média de mercado divulgada pelo BACEN,
salvo se a taxa cobrada pelo banco for mais vantajosa para o consumidor.
O art. 592 do CC traz os prazos do contrato, caso não haja previsão no instrumento do
mútuo. No caso de mútuo de produtos agrícolas, tanto para consumo quanto para semeadura,
presume-se o prazo até a próxima colheita.
No caso de empréstimo de dinheiro, o prazo é de 30 dias, contados da sua celebração,
caso não haja previsão.

188
Aurélio Bouret

Nos demais casos, coisa fungível presume-se o prazo que declarar o mutuante de
qualquer forma. Esse prazo será fixado por aquele que emprestou a coisa por meio de
interpelação judicial feita ao mandatário, o que não obsta que o magistrado venha a aumentar
esse prazo efetivamente, a depender das circunstâncias evidenciadas.

7. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO

7.1. INTRODUÇÃO

É um negócio jurídico através do qual alguém (prestador) se compromete a realizar


uma determinada atividade, a qual é exercida no interesse de uma outra pessoa (tomador).
No entanto, essa pessoa que se compromete por meio de outrem é denominado
remuneração.
Há, aqui, um contrato bilateral, oneroso, consensual, comutativo e informal. Bilateral,
pois há pessoas que vão prestar de ambos os lados. Consensual, pois se aperfeiçoa com acordo
de vontades. Comutativo, pois ambas as partes prestam alguma coisa. Informal, pois pode ser
oral, escrito, ou seja, não depende de forma escrita.

7.2. REGRAS DA PRESTAÇÃO E SERVIÇO NO CC/02

O art. 594 diz que toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial,
pode ser contratado mediante remuneração.
Percebe-se que a prestação de serviço deve ser de um serviço lícito. A licitude deve ser
analisado em sentido amplo, bastando que haja uma contrariedade à função social do
contrato, à boa-fé, função econômica, etc. Dessa forma, o contrato, pelo menos em alguma
parte, será nulo.
Se a remuneração não estiver sido estipulada ou não tiver acordo entre as partes, a
fixação dessa remuneração será feita por arbitramento, levando em conta os costumes do
local, tempo de serviço e qualidade do serviço executado, e impedindo o enriquecimento sem
causa das partes.
O art. 597 diz que a retribuição será paga depois de prestado o serviço, se não houver
uma convenção ou costume que disponha de forma diversa, ou seja, que o pagamento será
adiantado ou que o pagamento será em prestações.
O art. 598 diz que prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de 4
anos. É um teto, pois não poderá ter caráter perpétuo.
Se houver um contrato em que o prazo da prestação de serviço é fixada em um
período superior a 4 anos, o contrato deverá ser reputado extinto em relação ao excesso.
Preserva-se o contrato, mas naquilo que ultrapassar 4 anos, será considerado extinto.
O CJF trouxe um enunciado estabelecendo que, nos contratos de prestação de serviço,
nos quais haja de um lado e de outro empresários, e sendo a função econômica relacionada à
exploração de uma atividade empresarial, as partes podem convencionar um prazo superior ao
prazo de 4 anos. Este prazo de 4 anos não será aplicado quando houver um contrato firmado
entre duas pessoas jurídicas no exercício de atividade empresarial. Flavio Tartuce discorda.

189
Aurélio Bouret

7.3. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO

O art. 599 diz que, sendo o negócio da prestação de serviço celebrado sem prazo, não
podendo o elemento temporal ser retirado de sua natureza ou do costume do lugar, pode
qualquer uma das partes, mediante aviso prévio, resolver o contrato.
O parágrafo único do art. 599 vai consagrar prazos para essa denúncia do contrato:
 aviso com antecedência de 8 dias, se o salário se houver fixado por tempo de um
mês, ou mais;
 aviso com antecipação de 4 dias, se o salário se tiver ajustado por semana, ou
quinzena;
 aviso de véspera, quando se tenha contratado por menos de sete dias.
Decorrem esses prazos da boa-fé objetiva e do direito de informação.
O prestador de serviço contratado por um tempo certo ou contratado por uma obra
determinada deverá cumprir esse prazo, não podendo se ausentar ou se despedir sem justa
causa.
Do contrário, apesar de ter direito à retribuição daquilo que prestou, deverá pagar
perdas e danos ao tomador (art. 602).
Isso vai se valer na hipótese de o prestador ter sido demitido por justa causa, visto que
neste caso está sendo despedido por uma falha dele. Terá direito à retribuição, mas deverá
pagar uma indenização ao tomador.
Por outro lado, se o prestador de serviço for demitido sem justa causa, o tomador
deverá pagar, além da retribuição vencida, a metade dos valores que teria direito até o termo
final do contrato.
O art. 605 do CC vai dizer que o tomador não pode transferir para outra pessoa o
direito aos serviços ajustados. E o prestador não pode, sem a concordância com tomador, se
substituir por outra pessoa. Há aqui a consagração de que a prestação de serviço tem o caráter
intuito personae.
A prestação de serviço é um negócio personalíssimo, motivo pelo qual, se uma das
partes morre, o contrato também será extinto. Também se extingue o contrato de prestação
de serviços pelo escoamento do prazo, se tiver prazo determinado; pela finalização da obra,
se for uma obra certa; pela rescisão do contrato, se tiver aviso prévio; por inadimplemento de
uma das partes; pela impossibilidade de continuidade do contrato por motivo de força
maior.

7.4. TUTELA EXTERNA DO CONTRATO

O art. 608 consagra a denominada tutela externa do crédito, estabelecendo que


aquela pessoa que aliciar outra pessoa que estava obrigada em contrato escrito a prestar
serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste
desfeito, houvesse de caber durante 2 anos.
Quem chega para aliciar a pessoa que está contratada por outrem para prestar o
serviço vai pagar a outra pessoa o valor que esse prestador teria direito durante 2 anos em
face dessa outra pessoa. Há uma fixação de uma indenização contra um terceiro que interfere
numa relação contratual que não celebrou.
Por isso, tutela externa do contrato, pois há responsabilização do terceiro que
desrespeitou o contrato. Há uma exceção muito clara ao princípio da relatividade.

190
Aurélio Bouret

7.5. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO AGRÍCOLA

O art. 609 estabelece que a alienação do prédio agrícola, onde a prestação dos
serviços se opera, não importa a rescisão do contrato, ressalvando-se ao prestador opção
entre continuar esse contrato com o adquirente da propriedade ou com o primitivo
contratante.
A pessoa que comprou a propriedade agrícola deverá continuar com o sujeito que está
prestando o serviço até o término do serviço. Há aqui uma obrigação que assume uma eficácia
real perante o adquirente do prédio agrícola, pois terá de perceber esse contrato em relação à
pessoa que nem participou.
Trata-se de uma exceção ao princípio da relatividade.

8. CONTRATO DE EMPREITADA

8.1. INTRODUÇÃO

A empreitada é o contrato por meio do qual uma das partes (empreiteiro) vai se
obrigar a fazer ou mandar fazer determinada obra mediante remuneração. Esta obra será feita
em favor de outra pessoa, que é denominado de tomador ou dono da obra.
A doutrina diz que são três as modalidades de empreitada, conforma art. 610:
 empreitada sob administração: o empreiteiro apenas administra as pessoas que
foram contratadas pelo dono da obra;
 empreitada sob mão de obra: o empreiteiro fornece a mão de obra, sendo o
material fornecido pelo dono da obra. Nesse caso, o empreiteiro não apenas
gerencia, mas contrata as pessoas;
 empreitada mista ou de lavor e materiais: o empreiteiro fornece a mão de obra e
também os materiais, se comprometendo a executar a obra inteira. Há aqui uma
obrigação de resultado. Por isso, é o empreiteiro que contrata o pessoal e fornece
os materiais.
Há, aqui, um contrato bilateral, oneroso, comutativo, consensual e informal.

8.2. REGRAS DA EMPREITADA NO CC/02

O art. 611 diz que na hipótese de o empreiteiro fornecer os materiais (empreitada


mista), correrão por conta do empreiteiro os riscos até o momento de entrega da obra. Se o
dono da obra estiver em mora para receber a obra, os riscos serão por conta do dono da obra.
O art. 612 diz que se o empreiteiro só forneceu a mão de obra, todos os riscos pelos
quais ele não tenha culpa correrão por conta do dono da obra. Quando a empiteirada é de
mão de obra apenas, a obrigação do empreiteiro passa a ser uma obrigação de meio, e não de
resultado, ao contrário da empreitada de lavor e materiais.
Sendo a empreitada de mão de obra, se a coisa perece antes de ser entregue e não há
mora do dono ou culpa do empreiteiro, ele não responderá, mas também não terá direito à
retribuição, pois não houve culpa do prestador e do tomador.
Todavia, se o empreiteiro comprovar que a coisa pereceu por conta dos defeitos dos
materiais fornecidos pelo dono da obra, e que ele reclamou tempestivamente contra aquela
quantidade de materiais ou contra aquela qualidade de materiais. Nesse caso, o código diz que
há direito sim a retribuição.

191
Aurélio Bouret

O art. 618 diz que, nos contratos de empreitada de edifício, ou de outras construções
consideráveis, o empreiteiro de materiais e de lavor responderá pelo prazo irredutível de 5
anos pela solidez e pela segurança do trabalho. Isso em razão dos materiais ou do solo, por
exemplo. Aqui há um prazo de garantia legal.
Haverá decadência do direito do dono da obra se não propuser a ação contra o
empreiteiro, nos 180 seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.
Em relação ao prazo para pleitear indenização por descumprimento de contrato, e
tendo isso causado prejuízo (responsabilidade civil contratual), o STJ entende que há um prazo
de 10 anos.
Concluída a obra, de acordo com o ajustado, o dono da obra é obrigado a receber essa
obra.
Poderá o dono da obra rejeitar quando o empreiteiro tiver se afastado das suas
instruções, ou de seus planos dados a ele, ou se tiver se afastado das regras técnicas para
construção.
Eventualmente, poderá o dono da obra requerer que haja o abatimento proporcional
do preço contratado. Isso se o serviço não tiver sido prestado a contento, evitando um
enriquecimento sem causa de quem prestou o serviço (art. 616).
Em relação ao pagamento da remuneração, o art. 614 vai dizer que se a obra constar
de partes distintas (ex.: 10 salas de um prédio comercial, e ele vai reformar as 10), ou for obra
em que se determina por medidas, o empreiteiro tem direito de receber ou de exigir o
pagamento na proporção em que a obra foi executada.
O preço da empreitada pode ser estipulado pela obra inteira, denominando-se preço
global.
O art. 614, §1º, cria uma presunção relativa, dizendo que tudo o que foi pago
presume-se verificado.
No §2º, o CC estabelece que o que se mediu presume-se verificado se, em 30 dias, a
contar da medição, não forem denunciados os vícios ou defeitos pelo dono da obra ou por
quem estiver incumbido da sua fiscalização. Essa presunção exige dois comportamentos:
comissivo (medir a obra) e omissivo (ausência de denúncia da obra no prazo de 30 dias,
situação na qual caso não seja denunciado haverá presunção de que foi verificado e que está
de acordo com o projeto).
O art. 619 trata da denominada empreitada com preço fixo. Essa empreitada pode ser
por preço fixado absoluto ou por preço fixo relativo.
O empreiteiro que se compromete a executar uma obra inteira, conforme o plano que
foi aceito, terá ele direito de receber a prestação que ele convencionou, mas não terá direito
de acréscimo do preço, pois houve uma empreitada com preço fixo absoluto.
Agora, se forem introduzidas modificações no projeto, a não ser que resultem de
instruções escritas pelo dono da obra, haverá a possibilidade de ser acrescido um valor ao
preço fixo originariamente fixado.
Eventualmente, ainda que não exista autorização escrita do dono da obra, será este
obrigado a pagar o empreiteiro todos os aumentos, se o dono da obra estiver sempre presente
na obra, e ele não podia ignorar o que estava sendo feito no local, não tendo jamais
protestado com o que estava ocorrendo.

192
Aurélio Bouret

Neste caso, ainda que não tenha dado instruções escritas, o parágrafo único do art.
619 diz que deverá o dono da obra pagar. Trata-se de aplicação da boa-fé. Haveria uma
autorização tácita.
Se houver uma diminuição do preço do material ou mesmo da mão de obra, que seja
superior a 10% do preço global convencionado, poderá o valor do preço global ser revisto, se
houver pedido do dono da obra nesse sentido.

8.3. SUB-EMPREITADA

A execução da obra poderá ser transferida a um terceiro. Quando o código autoriza a


empreitada de mão de obra, que há uma sub-empreitada, há uma exceção. Ao contrário da
prestação de serviços, que tem caráter personalíssimo, a empreitada pode ser cedida a
outrem.
Essa sub-empreitada pode ser total ou parcial.
Mesmo depois de iniciada a construção, o dono da obra pode suspender essa
construção. Isso desde que pague ao empreiteiro as despesas que o empreiteiro teve, o lucro
que o dono da obra já experimentou pelo serviço já feito e ainda uma indenização razoável por
suspensão da obra.
O art. 625 autoriza a suspensão da obra, situação na qual será autorizada a suspensão
da obra nas seguintes hipóteses:
 suspensão da obra por culpa do dono;
 suspensão da obra por motivo de força maior;
 suspensão da obra quando, no decorrer dos serviços, forem manifestadas
dificuldades imprevisíveis de execução do serviço, resultantes de causas
geológicas ou hídricas, ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada
excessivamente onerosa, e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço
inerente ao projeto por ele elaborado, observados os preços;
 suspensão da obra se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e
natureza, forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono se
disponha a arcar com o acréscimo de preço.
Como dito, o contrato de empreitada não é personalíssimo, tanto que o art. 626 afirma
que o contrato de empreitada não se extingue pela morte de qualquer das partes, salvo se
ajustado em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro.

9. CONTRATO DE DEPÓSITO

9.1. INTRODUÇÃO

O contrato de depósito traz um depositário, que recebe um objeto móvel e corpóreo


para guarda, até que o depositante reclame desse objeto.
O objeto pode ser classificado como:
 depósito voluntário: há o depósito por vontade do depositante;
 depósito necessário: há o depósito por imposição.
 depósito necessário legal: decorre da lei;
 depósito necessário miserável: decorre de uma calamidade pública.
Em relação ao objeto do depósito, poderá ser classificado em:
 depósito regular: o objeto é uma coisa infungível;

193
Aurélio Bouret

 depósito irregular: o objeto é uma coisa fungível.


O contrato de depósito, em regra, é unilateral e gratuito. No entanto, é possível que
seja bilateral e oneroso.
Percebe-se que há depósito oneroso em guarda de cofre de banco. Nesse caso, este
depósito é remunerado, apesar de que, via de regra, o contrato ser gratuito.
O contrato de depósito é comutativo e é personalíssimo, pois se confia na pessoa que
guarda a coisa.
O contrato de depósito é real, aperfeiçoando-se com a entrega da coisa.
O art. 646 diz que o depósito voluntário se prova por escrito. Não quer dizer que o
contrato seja formal, mas sim formal, pois para sua celebração não necessita da forma escrita.
Para o depósito ser provado, deverá ele estar escrito. O dispositivo trata da prova da existência
do contrato de depósito, e não da sua existência em si. Para sua eficácia perante terceiros,
talvez seja necessário a prova escrita para provar a sua existência.
O contrato de depósito não se confunde com o comodato, apesar de ambos, via de
regra, serem gratuitos. A diferença é que o comodatário goza e utiliza da coisa, enquanto o
depositário apenas guarda a coisa.

9.2. REGRAS QUANTO AO DEPÓSITO VOLUNTÁRIO

O depósito é voluntário porque as partes acordaram nesse sentido. No caso do


depósito voluntário, o depositário é obrigado a ter a guarda do bem. Além disso, é obrigado a
ter em relação à coisa o mesmo cuidado que teria com uma coisa que lhe pertence.
Ainda, o depositário tem o dever de restituir a coisa com todos os frutos e acrescidos
que ela experimentou (art. 629). Isso porque o depositário não goza da coisa, motivo pelo qual
deverá devolver a coisa com os frutos gerados durante o período.
Se a coisa tiver sido depositada em benefício de um terceiro, sendo notificado o
depositário disso, não poderá o depositário se exonerar restituindo a coisa a este, sem
consentimento do terceiro.
Ainda que o contrato fixe um prazo para restituição, o depositário ainda assim deverá
entregar a coisa logo que ela for exigida pelo depositante.
Porém, o art. 636 também excepciona a regra, estabelecendo que o depositário não é
obrigado a devolver a coisa quando:
 tiver direito de retenção por conta das despesas para conservação da coisa em
razão dos prejuízos que experimentou em razão do depósito;
 o objeto foi judicialmente embargado;
 sobre objeto pendeu uma execução notificada ao depositário;
 houver uma suspeita fundada de que a coisa foi dolosamente obtida, requerendo
o depositário que a coisa seja depositada em depósito público.
O contrato de depósito é personalíssimo, pois se baseia na confiança. Dessa forma,
conclui-se que a morte do depositário ou do depositante implica extinção do contrato.
O CC reconhece a possibilidade de o depósito voluntário ser feito de forma conjunta,
tendo dois ou mais depositantes. Se for divisível a coisa depositada, quando for o momento
de devolução da coisa, o depositário irá entregar a cada um dos depositantes a sua respectiva
parte, salvo se houver entre os depositantes solidariedade. Neste caso, o depositário poderá
entregar a coisa toda a um dos depositantes.

194
Aurélio Bouret

O contrato de depósito não traz a possibilidade de uso da coisa. Se houver o uso da


coisa, haverá motivo suficiente para resolução do contrato, já que o depositário serviu-se da
coisa ou alienou a coisa sem expressa autorização do depositante.
A exceção existe quando o depositante autoriza o uso da coisa, ou quando permita
que uma terceira pessoa use a coisa. Nesse caso, o depositário será responsável se houver
prejuízo pela utilização da coisa pelo terceiro que o depositário escolheu, visto que a lei
presume que tenha havido culpa na escolha do terceiro (art. 640, parágrafo único).
O depositário não responde por caso fortuito ou força maior. A sua responsabilidade é
subjetiva, mesmo sendo o contrato gratuito.
O depositário tem a obrigação de restituir a coisa assim que o depositante reivindicar.
Por outro lado, o depositante também tem obrigações no contrato de depósito,
mesmo que gratuito, sendo obrigado a pagar ao depositário as despesas para conservação da
coisa e os prejuízos que o depositário experimentou com o depósito, visto que não se permite
enriquecimento sem causa. Neste caso, poderá haver direito de retenção do depositário caso
não seja ressarcido.

9.3. DEPÓSITO NECESSÁRIO

Maria Helena Diniz diz que são três as espécies de depósito necessário:
 depósito legal: decorre da lei;
 depósito miserável: decorre de calamidade;
 depósito do hospedeiro: o hospedeiro é o depositário das bagagens dos hóspedes,
de forma que os hospedeiros respondem como depositários se houver a perda da
bagagem dentro do hotel.
Em regra, o depósito necessário não se presume gratuito, diferentemente do
voluntário.
Não se admite que haja a prisão civil do depositário infiel, pois o Pacto de San José da
Costa Rica tem eficácia supralegal e não admite essa prisão.

10. MANDATO

10.1. INTRODUÇÃO

O mandato é o contrato pelo qual o mandante vai transferir poderes a outrem,


denominado mandatário, e esse poder é transferido para que o mandante exerça
determinados atos ou que administres interesses do mandante.
O art. 654 diz que todas as pessoas capazes são aptas a dar procuração por
instrumento particular, tendo validade, desde que haja assinatura do mandante.
Mandato é o contrato e procuração é o instrumento através do qual o mandato se
materializa. O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a
qualificação do outorgante e do outorgado, a data da outorga e o objetivo da outorga com a
designação e a extensão dos poderes conferidos ao outorgado.
O mandado é um contrato unilateral, pois é o mandatário que assumirá as obrigações,
via de regra.

195
Aurélio Bouret

A vontade das partes ou a natureza profissional do outorgado poderá converter o


mandato em contrato bilateral imperfeito, que ocorre quando o mandatário tiver direito a
remuneração.
Presume-se que o mandato é gratuito quando se está diante de um mandato civil, mas
quando se estiver diante de um contrato empresarial, esta representação será onerosa.
Em relação ao mandato oneroso, há a regra de que o mandatário deve retribuir a
remuneração acordada pelas partes ou a remuneração prevista em lei. Se a lei e o contrato
forem omissos, o valor da remuneração do mandatário será determinado pelos usos do lugar.
Caso ainda assim não chegue ao valor, será arbitrada pelo juiz de forma razoável.
O mandato é consensual, aperfeiçoando-se pela vontade das partes. É o mandato um
contrato informal.
Mesmo que o mandato seja outorgado por instrumento público, poderá haver
substabelecimento do mandato por instrumento particular. Porém, não sempre. Isso porque o
art. 657 vai dizer que a outorga do mandato está sujeito à forma exigida em lei para o ato a ser
praticado.
O mandato verbal não pode ser admitido em casos em que a celebração do contrato
para qual o mandato foi celebrado exija a forma escrita. Ex.: mandato para alguém celebrar
um contrato de fiança em meu nome. Nesse caso, o mandato deverá ter forma escrita. Para
comprar um imóvel, deverá se dar por instrumento público.
Feita a nomeação do mandatário, será necessário que ele aceite este encargo. Essa
aceitação poderá ser tácita ou expressa. A aceitação tácita resultará do início do cumprimento
do contrato celebrado.
O contrato de mandato é personalíssimo, pois se baseia na confiança.

10.2. PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DO MANDATO

Em relação à origem, o mandato pode ser:


 mandato legal: o mandato decorre da lei. Ex.: pai administra o bem do filho
incapaz;
 mandato judicial: o mandato é conferido por uma ação judicial. Ex.: inventariante
representa o espólio;
 mandato convencional: o mandato decorre de contratos e convenção das partes.
 mandato ad judicia: representação da pessoa no campo judicial;
 mandato ad negotia: para administração em geral do interesse do mandante
na esfera extrajudicial.
Em relação à pessoa do mandatário:
 mandato singular: quando só há um mandatário;
 mandato plural: quando há vários mandatários, podendo assumir as seguintes
formas:
 mandato plural conjunto ou simultâneo: nenhum dos mandatários podem
agir de forma separados, devendo agir de forma conjunta;
 mandato plural solidário: qualquer dos mandatários ou dos procuradores
podem agir de forma isolada. Em regra, quando há mandato plural, presume-
se que o mandato é solidário;
 mandato plural fracionário: a ação que compete a cada mandatário é
discriminada no instrumento;

196
Aurélio Bouret

 mandato plural sucessivo ou substitutivo: o mandatário só pode agir na falta


do mandatário principal, havendo uma ordem prevista no instrumento.

10.3. PRINCIPAIS REGRAS DO MANDATO NO CC/02

Primeiramente, atos praticados por quem não tem mandato ou por quem tenha e não
tenha poderes suficientes para a prática do ato, serão atos ineficazes em relação ao suposto
mandante.
Não vinculam o mandante, salvo se ele ratificar os atos praticados, conforme art. 662
do CC, caso em que esta ratificação retroagirá à data do ato. Portanto, essa ratificação terá
efeitos ex tunc.
Sempre que o mandatário realizar negócios expressamente em nome do mandante,
será o responsável o mandante, já que o mandatário não pratica o ato em seu nome.
Como o mandatário é um possuidor de boa-fé, poderá reter o objeto da operação que
firmou até o recebimento do pagamento de que lhe é devido por conta do mandato, desde
que seja oneroso.
O mandatário que excede os poderes outorgados pelo mandante ou procede contra
os poderes outorgados pelo mandante, será considerado gestor de negócios. Neste caso,
enquanto o mandante não ratificar ou confirmar o ato, será considerado gestão de negócios.
Após a ratificação será considerado mandato retroativo.
O menor relativamente incapaz poderá ser mandante ou mandatário. Se ele é o
mandante, os poderes que outorga deverão ser feitos por instrumento público, caso tenha por
objeto a prática de atos da vida civil.
Se a procuração tiver por objeto a atuação em juízo, nesse caso, o menor poderá
outorgar por simples instrumento particular, desde que assistido pelo seu representante
legal.
Se o relativamente incapaz for mandatário, se for mandato extrajudicial, o mandante
não terá ação contra o menor púbere, já que assumiu o risco.

10.4. OBRIGAÇÕES DO MANDATÁRIO

São obrigações do mandatário:


 aplicar toda sua diligência na execução do mandato;
 prestar contas da sua gerência;
 não pode compensar prejuízos a que tenha dado causa com proveitos que tenha
gerado ao mandante;
 pelas somas que o mandatário deveria ter entregado ao mandante, mas inclusive
tomou para si essas somas, deverá pagar ao mandante juros, desde o momento
em que houve abuso da sua representação.
 se o mandatário comprar em nome próprio algo que deveria comprar ao
mandante, poderá o mandante ingressar com a ação reivindicatória para obter a
coisa comprada pelo mandante em seu nome.
 se o mandatário, conhecendo da morte, da interdição ou da mudança de estado
do mandante, estiver diante de um negócio que já tenha se iniciado e deve ser
concluído se não houver perigo, o mandatário deve concluir o negócio.

197
Aurélio Bouret

10.5. OBRIGAÇÕES DO MANDANTE

São obrigações do mandante:


 deve satisfazer as obrigações contraídas pelo mandatário;
 deve adiantar as importâncias necessárias para execução do mandato;
 deve pagar ao mandatário a remuneração ajustada;
 deve ressarcir ao mandatário as perdas sofridas pela execução do mandato, desde
que não resultem de culpa do mandatário;
 ainda que o mandatário contrarie instruções do mandante, se não se exceder aos
limites do mandato, o mandante estará obrigado perante a parte que celebrou
negócio com o procurador do mandante. A única coisa é que o mandante tem é o
direito de regresso ao mandatário para pleitear perdas e danos;
 sendo o mandato outorgado por duas ou mais pessoas, cada uma ficará
solidariamente responsável perante o mandatário.

10.6. SUBSTABELECIMENTO

Substabelecimento é uma cessão parcial de um contrato. O mandatário transferirá


partes dos poderes a uma pessoa.
Havendo proibição de substabelecer, e o mandatário ainda assim o fizer, responderá o
mandatário pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto (substabelecido), ainda que
esses prejuízos se dêem por caso fortuito ou força maior, salvo se comprovar que teriam
ocorrido mesmo que estivesse sob sua gerência.
Se houver poderes de substabelecer, ao mandatário só serão imputados os danos que
o substabelecido causar se tiver agido com culpa na escolha do substabelecido ou nas
instruções passadas ao substabelecido.
Se a proibição de substabelecer constar expressamente na procuração, o mandante
não se obriga pelas obrigações firmadas pelo substabelecido.
Sendo omissa a procuração quanto ao substabelecimento, o mandatário irá
responder se o substabelecido proceder culposamente. Trata-se de uma responsabilidade
objetiva indireta, visto que, para responsabilizar o mandatário, será necessário demonstrar
que houve culpa do substabelecido.
Em relação à extensão do substabelecimento, poderá ser:
 substabelecimento sem reserva de poderes: o sujeito que substabelece transfere
ao substabelecido de forma definitiva, renunciando o mandato;
 substabelecimento com reserva de poderes: o substabelecente outorgará
poderes ao substabelecido, mas não irá outorgar poderes.

10.7. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE MANDATO

O contrato de mandato se extinguirá quando há revogação pelo mandante ou quando


há revogação pelo mandatário.
A morte ou interdição de qualquer das partes implica fim do mandato.
Além disso, também se encerra o mandato pelo escoamento do prazo ou pela
conclusão do negócio que justificou o mandato.

198
Aurélio Bouret

O CC ainda autoriza a chamada cláusula de irrevogabilidade. Esta cláusula afasta o


direito potestativo do mandante de resilir unilateralmente o contrato.
Ocorrendo a revogação do mandato pelo mandante, e a notificação somente do
mandatário, essa resilição não irá gerar efeitos em relação a terceiros de boa-fé, reputando-se
como celebrado o contrato, tendo o mandante direito de regresso contra o mandatário (art.
686).
A revogação pode ser expressa ou também poderá ser tácita. A revogação tácita do
mandato ocorre quando se comunica ao mandatário a nomeação de outro
procurador/mandatário.
No caso de morte de uma das partes, apesar de haver a extinção do mandato, serão
válidos, em relação aos contratantes de boa-fé, os atos que foram ajustados com esses
contratantes de boa-fé em nome do mandante pelo mandatário, enquanto o mandatário
ignorar que houve a morte do mandante ou a revogação por qualquer outra causa.

11. CONTRATO DE COMISSÃO; AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO; CORRETAGEM

11.1. CONTRATO DE COMISSÃO

O contrato de comissão é um contrato pelo qual o comissário vai realizar a aquisição


ou a venda de um bem em seu próprio nome à conta do comitente.
A diferença entre comissão e contrato é de que na comissão o comissário age em seu
próprio nome, e não em nome do comitente.
O contrato de comissão é bilateral, oneroso, consensual, comutativo e informal.
O contrato de comissão é realizado com base na confiança do comissário,
constituindo-se caráter intuito personae.
O comissário fica obrigado diretamente com a pessoa que ele contratar, não havendo
ação dessa pessoa contra o comitente e nem deste contra aquela.

11.1.1. ESPÉCIES DE COMISSÃO

São espécies de comissão:


 comissão imperativa: não há margem de manobra para o comissário;
 comissão indicativa: há uma margem de atuação do comissário, devendo
comunicar ao comitente para saber se este concorda ou não com essa atuação;
 comissão facultativa: o comitente vai transferir ao comissário as razões do seu
interesse nos negócios, mas não há restrição ou observação especial do
comissário.
A obrigação do comissário é uma obrigação de meio. Portanto, a responsabilidade dele
é subjetiva, tanto é que a lei diz que responderá ele por prejuízo, salvo por motivo de força
maior.
O comissário não responde pela insolvência das pessoas com quem ele tratar, a não
ser que haja culpa dele.
Todavia, no contrato de comissão, é possível que se estabeleça a chamada cláusula del
credere. Nesse caso, quando há cláusula del credere, o comissário responde solidariamente
com a pessoa com quem ele tiver tratado.

199
Aurélio Bouret

Essa cláusula não é sempre permitida, pois no contrato de representação comercial


autônomo, a Lei nº 4.886/65, em seu art. 43, vai vedar expressamente esta cláusula del
credere.
Em regra, presume-se que o comissário poderá conceder a dilação do prazo para
pagamento pelo terceiro, em conformidade com os usos do lugar e não tiver instruções
diversas dadas pelo comitente.
Havendo morte do comissário ou se por motivo de força maior o comissário não puder
concluir o contrato de comissão, o comitente deverá pagar uma remuneração proporcional ao
comissário. Porém, obviamente o contrato irá se encerrar, pois o contrato é personalíssimo.
Mesmo que o comissário tenha motivado o fim do contrato, terá direito de ser
remunerado pelos serviços que já prestou e que se mostrem úteis ao comitente. No caso de
dispensa por causa decorrente de culpa do comissário, o comitente terá o direito de exigir do
comissário os prejuízos experimentado (art. 703).
O art. 709 diz que no contrato de comissão devem ser aplicadas as regras previstas
para o contrato de mandato, pois são contratos muito próximos.
Segundo o STJ, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a
obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda
de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente
informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da
comissão de corretagem. Todavia, é abusiva a cobrança pelo promitente-vendedor do serviço
de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de
promessa de compra e venda de imóvel.
No mesmo julgado acima, ficou decidido de que a incorporadora tem legitimidade
passiva ad causam, na condição de promitente-vendedora, para responder a demanda em que
é pleiteada pelo promitente-comprador a restituição dos valores pagos a título de comissão de
corretagem e de taxa de assessoria técnico-imobiliária, alegando-se prática abusiva na
transferência desses encargos ao consumidor.
Essa ação prescreve em 3 anos para restituição dos valores pagos a título de comissão
de corretagem ou de serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere
(art. 206, § 3º, IV, CC).

11.2. CONTRATO DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO

No contrato de agência, uma pessoa vai assumir, em caráter perene e não eventual, a
obrigação de promover à conta de outra pessoa, mediante retribuição, a realização de certos
negócios.
Ou seja, dentro de uma zona determinada, alguém vai promover negócios à conta e
em nome de outra pessoa e será remunerado por isso.
Distribuição haverá quando o agente tiver à disposição a coisa que vai ser negociada.
Quando se está diante de contrato de agência, há um contrato bilateral, consensual,
comutativo, personalíssimo e informal.
É ainda uma característica do contrato de agência o fato de ser um contrato de trato
sucessivo, pois as obrigações vão sendo cumpridas periodicamente.
O contrato de distribuição terá as mesmas características do contrato de agência,
sendo consensual, comutativo, personalíssimo e informal, além de ser de trato sucessivo.

200
Aurélio Bouret

O contrato de agência e de distribuição são contratos de exclusividade. Tanto é que o


art. 711 diz que, salvo ajuste em contrário, o proponente não pode constituir, ao mesmo
tempo, mais de um agente, na mesma zona, com idêntica incumbência. Além disso, não pode
o agente assumir o encargo de nela tratar de negócios do mesmo gênero, à conta de outros
proponentes.
O agente deve agir com toda a diligência possível e deve observar as instruções do
representado (proponente), sob pena de haver um descumprimento do contrato.
O agente e o distribuidor têm direito à remuneração pelos negócios concluídos dentro
da sua de exclusividade. Ainda que não tenha interferido naquele negócio, mas que tenha sido
celebrado na sua zona, terá ele direito à participação. A isso se dá o nome de comissão.
A remuneração é devida também ao agente quando o negócio deixa de ser realizada
por conta do representado (proponente). Ou seja, o agente ou distribuidor fez tudo e era para
o negócio ser celebrado, mas não foi, terá o proponente direito de receber a sua comissão.
Se o proponente sem justa causa cessa o atendimento das propostas ou reduz o
atendimento, começando a agir de forma antieconômica a continuação do contrato, o agente
ou distribuidor terá direito à indenização. Isso porque houve a quebra da boa-fé.
No tocante ao descumprimento do contrato, destacam-se duas regras:
 mesmo quando dispensado por justa causa, o agente tem direito de ser
remunerado pelos serviços úteis que prestou;
 se a dispensa se der sem culpa do agente, neste caso terá direito à remuneração
devida, mas terá direito dos negócios pendentes, pois trabalhou até o momento,
havendo a sua dispensa sem ter dado causa.
O art. 720 vai dizer que se o contrato for celebrado por tempo indeterminado,
qualquer das partes poderá resolver o contrato, desde que tenha aviso prévio de 90 dias de
antecedência e que tenha havido prazo compatível com o investimento ou com a natureza do
contrato celebrado, ou com o investimento feito pelo agente.
Por fim, deve ser aplicado ao contrato de agência ou distribuição, naquilo que forem
compatíveis as regras do mandato ou da comissão que estejam no Código Civil ou regras de
representação previstas em lei especial.

11.3. CORRETAGEM

Corretagem é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa (corretor) se obriga a obter para
outra pessoa (comitente) um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas pelo
comitente.
O corretor receberá uma remuneração chamada de comissão.
O contrato, portanto, é um contrato bilateral, oneroso, informal e consensual.
Trata-se de um contrato acessório, pois visa a celebração de outro contrato,
dependendo dessa celebração para surtir efeitos.
É um contrato aleatório, pois o corretor de imóveis só irá receber a comissão se o
negócio for firmado. Há sujeição do risco.
A comissão pode ser variável, fixa ou mista.
A obrigação de pagar a comissão de corretagem, segundo o STJ, é de quem contrata o
corretor. Se é o vendedor que contrata o corretor para vender o imóvel, quem paga é o
vendedor.

201
Aurélio Bouret

O art. 725 diz que a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha o corretor
conseguido o resultado previsto no contrato de corretagem, ainda que esse contrato não se
efetue em razão de arrependimento das partes.
O STJ entende que o corretor tem direito à remuneração mesmo tendo sido realizado
um negócio que ele intermediou posteriormente ao prazo do contrato de corretagem.
Ademais, o STJ entende que a remuneração é devida mesmo havendo inadimplemento
por qualquer das partes posteriormente. O que é fundamental é que o contrato de corretagem
tenha gerado um resultado útil.
O STJ também entende que, ainda que o negócio jurídico de compra e venda não se
concretize por inadimplemento do comprador, é devida a comissão de corretagem no caso em
que o corretor tenha intermediado esse negócio. As partes firmaram um contrato de promessa
de compra e venda, e um dos contratantes lançou um sinal, caso em que o corretor fará jus à
remuneração, pois realizada a intermediação.
O art. 726 diz que sendo iniciado e concluído o negócio diretamente entre as partes,
sem atuação do correto, não terá o corretor direito a nenhuma remuneração, mas se por
escrito tiver sido ajustado um contrato de corretagem de exclusividade, por meio de
instrumento chamado de opção, terá direito o corretor à remuneração, ainda que o negócio
tenha sido realizado sem a sua mediação.
Essa remuneração não será devida quando se estiver diante de uma comprovada
inércia, ociosidade ou descumprimento do contrato de corretagem pelo corretor.
Se houver corretagem conjunta, ou seja, por mais de um corretor, a remuneração será
paga a todos em partes iguais, salvo se o ajuste tiver sido feito de forma contrária.

12. CONTRATO DE TRANSPORTE

12.1. INTRODUÇÃO

O contrato de transporte é aquele em que alguém (transportador) se obriga a


transportar alguém ou alguma coisa a algum lugar, mediante remuneração.
Essa obrigação é de resultado. Aqui há uma cláusula de incolumidade, entregando a
coisa ou a pessoa incólume ao seu destino.
Trata-se de um contrato bilateral, pois o transportado é devedor da passagem e credor
do transporte, e há o transportador que é o devedor do transporte e credor da passagem. É
comutativo, oneroso e informal, não dependendo de forma escrita ou de escritura pública.

12.2. REGRAS GERAIS PREVISTAS NO CÓDIGO CIVIL

O art. 731 do CC diz que o contrato de transporte exercido em virtude de autorização,


permissão ou concessão será regido pelas normas regulamentares, sem prejuízo do disposto
neste Código.
Percebe-se que se há um contrato de transporte com base numa autorização,
permissão ou concessão haverá normas de direito administrativo, visto que há uma relação
contratual firmada com o Estado, mas sem prejuízo da aplicação das normas de direito civil.

202
Aurélio Bouret

12.2.1. TRANSPORTE AÉREO

O art. 732 diz que vão ser aplicadas as normas previstas em leis especiais e tratados e
convenções internacionais ao contrato de transporte, desde que essas normas não contrariem
aquilo disposto no Código Civil.
Há discussões sobre qual regra será aplicada quando há tratado regulamentando
transporte específico. Isso é importante em razão da Convenção de Varsóvia e em razão da
Convenção de Montreal. Essas duas convenções vão se relacionar a limitações de indenização
em caso de perda de voo ou de extravio de bagagens em viagens internacionais, relacionadas a
transporte aéreo.
A pergunta que se faz é: num contrato de transporte aéreo internacional haverá essa
limitação ou não para o estabelecimento de uma indenização? A reparação será proporcional
ao dano ou conforme prevê a convenção?
No presente caso, temos um conflito entre dois diplomas legais:
• o CDC, que garante ao consumidor o princípio da reparação integral do dano;
• as Convenções de Varsóvia e de Montreal, que determinam a indenização tarifada
em caso de transporte internacional.
Assim, a antinomia ocorre entre o art. 14 do CDC, que impõe ao fornecedor do serviço
o dever de reparar os danos causados, e o art. 22 da Convenção de Varsóvia, que fixa limite
máximo para o valor devido pelo transportador, a título de reparação.
Questiona-se: qual dos dois diplomas irá prevalecer? Em caso de extravio de bagagem
ocorrido em transporte internacional envolvendo consumidor, aplica-se o CDC ou a
indenização tarifada prevista nas Convenções de Varsóvia e de Montreal? As Convenções
internacionais.

Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados


internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de
passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm
prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. STF. Plenário. RE
636331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes e ARE 766618/SP, Rel. Min. Roberto Barroso,
julgados em 25/05/2017 (repercussão geral) (Info 866).

As convenções prevalecem porque a Constituição Federal de 1988 determinou que,


em matéria de transporte internacional, deveriam ser aplicadas as normas previstas em
tratados internacionais. Veja:
“Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre,
devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela
União, atendido o princípio da reciprocidade.”
Assim, em virtude dessa previsão expressa quanto ao transporte internacional, deve-se
afastar o Código de Defesa do Consumidor e aplicar o regramento do tratado internacional.
A Convenção de Varsóvia, enquanto tratado internacional comum, possui natureza de
lei ordinária e, portanto, está no mesmo nível hierárquico que o CDC. Logo, não há diferença
de hierarquia entre os diplomas normativos. Diante disso, a solução do conflito envolve a
análise dos critérios cronológico e da especialidade.
Em relação ao critério cronológico, os acordos internacionais referidos são mais
recentes que o CDC. Isso porque, apesar de o Decreto 20.704 ter sido publicado em 1931, ele
sofreu sucessivas modificações posteriores ao CDC.

203
Aurélio Bouret

Além disso, a Convenção de Varsóvia – e os regramentos internacionais que a


modificaram – são normas especiais em relação ao CDC, pois disciplinam modalidade especial
de contrato, qual seja, o contrato de transporte aéreo internacional de passageiros.

12.2.1.1. OBSERVAÇÕES SOBRE CONTRATOS DE TRANSPORTES AÉREOS

• As Convenções de Varsóvia e de Montreal regulam apenas o transporte


internacional (art. 178 da CF/88). Em caso de transporte nacional, aplica-se o CDC.
• A limitação indenizatória prevista nas Convenções de Varsóvia e de Montreal
abrange apenas a reparação por danos materiais, não se aplicando para
indenizações por danos morais.
• As Convenções de Varsóvia e de Montreal devem ser aplicadas não apenas na
hipótese de extravio de bagagem, mas também em outras questões envolvendo o
transporte aéreo internacional.

12.2.2. TRANSPORTE CUMULATIVO

O art. 733 do CC trata do transporte cumulativo. É o transporte em que há vários


transportadores que se obrigam por determinado percurso. Ex.: uma parte do trecho será
rodoviário e outra parte é aquático. Aqui há transportes cumulativos, já que em cada percurso
há transporte diferente.
O art. 756 diz que no transporte cumulativo, todos os transportadores responderão
solidariamente. Uma empresa, no entanto, terá direito de regresso contra a outra.
Havendo dano resultante do atraso ou da interrupção da viagem vai ser determinado
em razão da totalidade do percurso. Essa ressalva do §1º do art. 733 é interessante, pois se foi
contratado uma companhia para levar alguém de Brasília a São Paulo em 12 horas. Quando
chega em Goiânia o ônibus quebra. A companhia, após 2 horas, decide pagar o transporte
aéreo. O sujeito que chegaria às 6 horas da manhã de ônibus, chegou às 6 horas da manhã de
avião. Não houve atraso.
Nesse caso, será considerado o trajeto como um todo para verificar se houve o
cumprimento tempestivo da obrigação de resultado ou não.

12.2.3. TRANSPORTE DE PESSOAS

No caso de transporte de pessoas, há de um lado o transportador e de outro o


passageiro. O passageiro é transportado por meio do pagamento de uma passagem.
A obrigação assumida é uma obrigação de resultado, não respondendo o
transportador apenas em casos de força maior (inclusive caso fortuito).
O art. 734 não admite como excludente a cláusula de não indenizar. É inadmissível no
contrato de transporte, ainda que não se trate de contrato de consumo.
O parágrafo único do art. 734 diz que é lícito ao transportador exigir a declaração do
valor que contém a bagagem entregue a ele, a fim de fixar o valor máximo da indenização.
O art. 735 diz que a responsabilidade contratual do transportador por acidente com
passageiro não é elidida por culpa de terceiro, pois em relação ao terceiro terá direito de ação
de regresso.
Perceba que há casos em que o Código Civil se mostra mais favorável ao consumidor
do que o próprio CDC, visto que a responsabilidade no CDC pode ser elidida por culpa de

204
Aurélio Bouret

terceiro, enquanto o art. 735 afirma que, no caso de contrato de transporte, não se admite a
culpa do terceiro para excluir a responsabilidade.
Portanto, há aqui a necessidade do diálogo das fontes, conforme Cláudia Lima
Marques.
O transporte ainda pode ser feito de forma gratuita (carona), hipótese em que não se
subordina às normas do contrato de transporte, conforme súmula 145 do STJ. A referida
súmula afirma que, no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será
civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou
culpa grave.
Não se considera gratuito quando há um interesse indireto, ou seja, mesmo que seja
sem remuneração, se trouxer remuneração indireta, haverá responsabilização do
transportador. Ex.: passageiro paga gasolina ou pedágio, não sendo considerado isso como
carona.
O art. 738 diz que a pessoa transportada deve se sujeitar às normas estabelecidas pelo
transportador, fixada em bilhetes ou à vista do transportado, abstendo-se de quaisquer atos
que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou
impeçam a execução normal do serviço.
Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas
e instruções regulamentares pelo próprio passageiro, o juiz reduzirá equitativamente a
indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano. Há a
concorrência da vítima para o dano. E quando isso ocorre, haverá a redução da indenização,
visto que era dever legal da vítima observar as normas de segurança e instituídas pelo
transportador.
O transportador não pode recusar passageiros por qualquer motivo, salvo nos casos
previstos em regulamento ou quando as condições de higiene ou de saúde do interessado
justificarem essa recusa.
O art. 740 trata da chamada resilição unilateral do contrato de transporte. É a
resilição feita pelo passageiro, sendo essa possível antes da viagem, e desde que seja feita a
comunicação da resilição ao transportador em tempo para que a passagem seja vendida a
outra pessoa.
Caso a viagem já tenha sido iniciada e o passageiro desista da viagem no meio do
percurso, poderá receber de volta o valor proporcional ao percurso, desde que fique
comprovado que outra pessoa foi transportada em seu lugar. Do contrário, não terá direito a
receber nada de volta.
O art. 742 consagra em favor do transportador o direito de retenção da bagagem,
como garantia do valor da passagem. Para Tartuce e Venosa, não há nesse caso penhor legal
da bagagem, e sim um direito pessoal, colocado à disposição do transportador.
Para o Samer, seria uma hipótese de penhor legal, pois pode a empresa ficar com a
bagagem para garantir a passagem.

12.2.4. TRANSPORTE DE COISAS

No transporte de coisas não há passageiros, mas sim um expedidor, o qual irá entregar
um bem corpóreo ao transportador para que ele leve esse bem a um destinatário, que poderá
ser o próprio expedidor, recebendo uma remuneração denominado frete.

205
Aurélio Bouret

O art. 744 diz que ao receber a coisa, o transportador irá emitir o conhecimento, com
a menção dos dados que identificam aquela coisa recebida. Esse conhecimento é um título de
crédito, sendo este atípico.
O art. 745 diz que, no caso de informação inexata ou falsa descrição no documento
que o transportador emitiu com base nas informações prestadas pelo transportado, o
transportador indenizado pelo prejuízo que sofrer. Essa ação respectiva deve ser ajuizada no
prazo de 120 dias, a contar daquele ato, sob pena de decadência.
A doutrina afirma que neste caso o prazo seria prescricional, já que haveria a violação
de um direito que gera um prejuízo, situação em que o autor irá buscar a pretensão à
indenização.
Veja, se o expedidor informar que o transportador está expedindo tijolos, mas na
verdade se trata de maconha, o expedidor deverá arcar com o dano, tendo o transportador ter
o prazo de 120 dias para propositura dessa ação, a contar do momento em que a informação
falsa foi prestada.
O art. 750 vai dizer que a responsabilidade do transportador irá se limitar ao valor
constante do conhecimento, já que teria o dever de informar. Essa responsabilidade iniciará do
momento em que recebe a mercadoria e somente vai se encerrar no momento em que
entregar ao destinatário. Caso não encontre o destinatário, será depositada a mercadoria em
juízo.
O art. 752 afirma que, desembarcadas as mercadorias, o transportador não é obrigado
a avisar o destinatário que desembarcou as mercadorias, salvo se houver convenção nesse
sentido. Ademais, devem constar do conhecimento de embarque as cláusulas de aviso ou de
entrega a domicílio.
Cabe mencionar que há uma crítica da doutrina com relação à possível violação da
boa-fé objetiva, em virtude de não haver a observância do direito de informação.
Ao final do percurso, as mercadorias serão entregues ao destinatário ou quem
apresente o documento de frete endossado. Essa pessoa deverá conferir as mercadorias,
hipótese em que, se não estiverem elas de acordo, deverá apresentar imediatamente a
reclamação, sob pena de decadência.
Se o vício da coisa não for perceptível icto oculi no momento de recebimento da
mercadoria. Nesse caso, o parágrafo único do art. 754 afirma que, se houver avaria ou perda
parcial não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o
transportador, desde que denuncie o dano em 10 dias a contar da entrega da mercadoria,
sob pena de decadência.
O art. 753 diz que, se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, o
transportador solicitará instruções ao remetente, e zelará pela coisa, por cujo perecimento
ou deterioração responderá, salvo força maior. Veja que a coisa estará sob responsabilidade
do transportador.
Se perdurar o impedimento, mas não sendo este imputável ao transportador e se não
houver manifestação do remetente, poderá o transportador fazer o depósito judicial da coisa
ou vender a coisa transportada, desde que sejam observados os preceitos legais e
regulamentares, ou os usos locais, depositando o valor em juízo ou em favor do expedidor.
Por outro lado, caso o impedimento se dê por responsabilidade do transportador,
poderá este depositar a coisa judicialmente, mas por sua conta e risco. Só será possível vender
a coisa transportada, quando o impedimento ser de sua responsabilidade, caso a coisa seja
perecível.

206
Aurélio Bouret

Seja qual for o caso, o transportador deve informar o remetente da efetivação do


depósito ou da venda.
Se o transportador mantiver a coisa depositada em seus próprios armazéns,
continuará a responder pela sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma
remuneração pela custódia, a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se conformará aos
usos adotados em cada sistema de transporte.
Caso haja dúvida sobre quem seja o destinatário, o transportador deve fazer o
depósito judicial da coisa, caso não seja possível obter instruções do remetente. Se a demora
puder ocasionar a deterioração da coisa, o transportador deverá vender a coisa, depositando o
saldo em juízo.

13. CONTRATO DE SEGURO

13.1. INTRODUÇÃO

Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a


garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos
predeterminados (Art. 757 do CC).
Em outras palavras, no contrato de seguro, uma pessoa física ou jurídica (chamada de
segurada) paga uma quantia denominada de prêmio para que uma pessoa jurídica
(seguradora) assuma determinado risco. Caso o risco se concretize (o que chamamos de
sinistro), a seguradora deverá fornecer à segurada uma quantia previamente estipulada
(indenização).
Então, há um segurador que recebe um prêmio, situação na qual garante
determinados bens ou pessoas contra riscos predeterminados.
Há um contrato bilateral, oneroso, consensual, mas é aleatório, pois o risco é um fator
determinante.
Apesar de parte da doutrina afirmar que o contrato de seguro é comutativo, por conta
de cálculos e estatísticas utilizadas pela seguradora. No entanto, ainda prevalece que se trata
de um contrato aleatório.
Essa comutação ocorrerá entre o prêmio que o segurado paga é a garantia, que é a
contraprestação que o segurador dá. Portanto, o segurador recebe o prêmio dando ao
segurado uma garantia.
Apesar desse entendimento doutrinário, Tartuce entende que o contrato é aleatório.

13.2. REGRAS GERAIS DO SEGURO NO CÓDIGO CIVIL

Somente pode ser segurador uma entidade legalmente autorizada para esta finalidade
(art. 757). Ou seja, somente sociedades anônimas, grupos de seguro ou cooperativas. Para ser
seguradora é indispensável que haja autorização do governo federal.
Ressalta-se que as cooperativas para seguro terão por objeto apenas seguros
agrícolas.
Segundo a lei, a prova do contrato de seguro se dá por meio da apólice ou bilhete de
seguro. Na falta, poderá ser comprovado por qualquer documento que comprove o
pagamento do prêmio.

207
Aurélio Bouret

Veja que a forma é livre, não sendo um contrato formal, pois a lei diz que irá prová-lo
por meio da apólice ou bilhete de seguro. Ou seja, se irá prová-lo é porque ele existe.
Isso mostra que o contrato de seguro é consensual, pois ele está aperfeiçoado desde o
momento em que o acordo de vontades ocorre.
A apólice é o instrumento do contrato de seguro. Ela irá conter as regras gerais do
negócio, e a sua emissão deverá ser precedida, segundo a lei, por uma proposta escrita com a
declaração dos elementos essenciais dos interesses e dos riscos a ser garantidos.
O bilhete do seguro é o instrumento mais simplificado do negócio, por meio do qual se
pode contratar o seguro.
Tanto a apólice quanto o bilhete de seguro podem ser nominativo, à ordem ou ao
portador, mencionando em relação a cada um deles os riscos assumidos, início e fim do
seguro, limite da garantia e prêmio devido.
 Apólice ou bilhete de seguro nominativo: menciona o nome do segurador e do
segurado. Neste caso, é transferido por meio de cessão civil.
 Apólice ou bilhete de seguro à ordem: será transmitido em endosso em preto,
dizendo quem é que irá receber.
 Apólice ou bilhete de seguro ao portador: quem portar é o segurado. Serão
transmissíveis por simples tradição.
O art. 761 vai tratar do denominado cosseguro. No cosseguro, há os riscos de um
seguro direto que são assumidos por várias segurados, sendo corresponsáveis pelo risco.
Nesse caso, a apólice vai indicar qual é a seguradora líder, dentre as corresponsáveis,
que irá administrar o contrato.
Não se pode confundir cosseguro com resseguro. Nessa hipótese, há uma seguradora
que faz um seguro, mas contrata outra seguradora, temendo os riscos desse contrato anterior.
O art. 762 diz que é nulo o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso
do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro.
O art. 763 irá dizer que, não tem direito à indenização o segurado que estiver em
mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação. Flávio Tartuce
afirma que este dispositivo deve ser interpretado conforme o adimplemento substancial.
Como exemplo, é o caso em que o indivíduo paga o seguro há 10 anos, mas no mês de atraso
não paga e a seguradora recusa a garantia. Nesse caso, deverá a seguradora garantir.
O fato de se não ter verificado o risco em previsão do qual se faz o seguro não exime o
segurado de pagar o prêmio, salvo disposição especial.
O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do
contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das
circunstâncias e declarações a ele concernentes.
O art. 766 diz que, se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações
inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do
prêmio, este segurado perderá o direito à garantia, e também ficará obrigado ao prêmio
vencido.
Portanto, se quebrou a boa-fé objetiva, perderá a garantir e ficará obrigado ao prêmio
que não pagou.
O parágrafo único diz que se a inexatidão ou omissão nas declarações do segurado não
resultar de má-fé, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou poderá cobrar, mesmo
após o sinistro, a diferença do prêmio.

208
Aurélio Bouret

No chamado seguro à conta de outrem, o segurador poderá opor ao segurado


quaisquer defesas que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de
conclusão do contrato, ou de pagamento do prêmio. Há no art. 767 uma exceção ao princípio
da relatividade.
Ex.: se o pai fez um seguro em favor do filho, poderá o segurador opor ao filho
exceções que teria contra o pai. Ainda que se trate de terceiro, o art. 767 é exceção ao
princípio da relatividade.
O art. 768 diz que o segurado perderá o direito à garantia se agravar
intencionalmente o risco objeto do contrato. No entanto, deverá este agravamento se dar de
maneira intencional.
Por isso ganha discussão na doutrina e na jurisprudência se a embriaguez do segurado
em acidentes de trânsito afasta ou não o dever da seguradora de pagar a indenização.
No STJ há entendimentos para os dois sentidos. Flávio Tartuce entende que a
embriaguez, por si só, não consiste em agravamento intencional do risco, não afastando o
dever de indenizar.
Todavia, o STJ entendeu que não é devida a indenização securitária decorrente de
contrato de seguro de automóvel quando o causador do sinistro (preposto da empresa
segurada) estiver em estado de embriaguez, salvo se o segurado demonstrar que o infortúnio
ocorreria independentemente dessa circunstância (Inf. 594).
Em outras palavras, será devido o pagamento da indenização se a empresa segurada
conseguir provar que o acidente ocorreria mesmo que o condutor não estivesse embriagado.
O art. 769 do CC diz que o segurado é obrigado a comunicar o segurador, logo que
saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de, se
não informar o segurador, perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé. Há um
dever de informar, resultante da boa-fé.
Caso não comunique e fique comprovado que silenciou de má-fé, nesta hipótese
perderá o direito de indenização.
O segurador, desde que o faça nos 15 dias seguintes ao recebimento do aviso da
agravação do risco sem culpa do segurado, poderá cientificar, por escrito, de sua decisão de
resolver o contrato.
Essa resolução, que deve ser comunicada no prazo de 15 dias, só terá eficácia após 30
dias da notificação do segurado, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio.
O art. 771 determina que o segurado deverá comunicar imediatamente à seguradora
quando ocorrer algum sinistro envolvendo o veículo, já que isso possibilita que esta tome
medidas que possam amenizar os prejuízos da realização do risco, bem como a sua
propagação. Se não houver esta comunicação imediata, o segurado perderá o direito à
indenização.
Todavia, o STJ decidiu que, para a perda do direito à indenização, é necessário que
fique demonstrada a omissão dolosa do segurado, que beire a má-fé, ou culpa grave,
prejudicando, de forma desproporcional, a atuação da seguradora. Ex.: se o segurado demorou
3 dias para comunicar à seguradora sobre o roubo do veículo em razão de ameaças do
criminoso, não perderá a indenização, pois não poderia ser dele exigido comportamento
diverso.
Em regra, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do
prêmio estipulado. Porém, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a
revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.

209
Aurélio Bouret

Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado deve informar o sinistro ao


segurador, logo que souber. E ainda o segurado deverá tomar as providências imediatas para
minorar a ocorrência do sinistro. Isso é a consagração do dever de mitigar as perdas (duty to
mitigate the loss).
O art. 773 do CC vai dizer que o segurador, que ao tempo do contrato sabia que o risco
estava superado, mas não obstante expediu a apólice irá pagar em dobro o prêmio estipulado.
Isso porque se não há risco, não há porque celebrar contrato de seguro. Por conta disso, a
doutrina afirma que o contrato é aleatório, pois o risco é elemento essencial do contrato de
seguro.
É possível que o contrato de seguro traga a cláusula de recondução tácita do contrato
pelo mesmo prazo. Se ficarem caladas as partes, o contrato será prorrogado no tempo pelo
mesmo prazo.
O prolongamento do contrato nas mesmas condições contratadas pelo mesmo prazo.
Tal cláusula é válida, mas não pode ocorrer por mais de uma vez (art. 774).
Ocorrendo o pagamento pela seguradora, é possível a ação regressiva em face do
culpado pelo evento danoso. A seguradora irá pagar o sujeito que está garantido, mas terá
direito de ressarcimento ou de regresso em face de quem efetivamente causou o dano.
Os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os
atos relativos aos contratos que agenciarem.
O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido,
salvo se convencionada a reposição da coisa.

13.3. SEGURO DE DANO

No seguro de dano, a garantia não pode ultrapassar o valor da coisa garantida, ou


seja, do valor do interesse segurado. Se o valor segurado for superior ao bem garantido, estará
havendo enriquecimento sem causa.
Portanto, se o valor segurado for superior ao valor coisa, o segurado vai perder a
garantia e pagar o prêmio por quebra da boa-fé e enriquecimento sem causa (art. 778).
Em relação à indenização a ser recebida pelo segurado, o art. 781 diz que não poderá
ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro. Em hipótese alguma o
limite máximo da garantia fixada na apólice. Ex.: foi feito um seguro de um carro de 50 mil
reais. Este é o valor do seguro. Após um ano, o sujeito trocou o carro. Quando for avaliar, o
segurador pagou 40 mil reais, com base na tabela FIPE.
É possível a cumulação de seguros, no caso de seguro de dano, inclusive o seguro
duplo. Porém, o valor do seguro não poderá ser superior ao interesse segurado.
O art. 783 autoriza o seguro parcial, assegurando o interesse por menos do que ele
vale.
Se ocorrer um sinistro parcial, a indenização também será reduzida
proporcionalmente. Ex.: segura-se 50% do bem, ou seja, se fica segurado 10 mil, receberá 5
mil reais da seguradora. É a denominada cláusula de rateio.
Em relação à garantia, esta não inclui o sinistro provocado por vício intrínseco à coisa
segurada. Portanto, se o segurado não declarou do vício quando da celebração do contrato,
será um vício não segurado. Dessa forma, o vício não é algo que aconteceu, mas sim por algo
intrínseco à coisa. A responsabilidade neste caso será do fornecedor.

210
Aurélio Bouret

Em regra, o contrato de seguro de dano não é personalíssimo, podendo transferir a


terceiro a condição de segurado do bem. Todavia, é possível que o contrato preveja a cláusula
proibitiva de cessão.
O STF entende que, sendo paga a indenização, o segurador vai se sub-rogar nos limites
do valor respectivo, nos direitos e ações que competem ao segurado, contra o autor do dano.
Essa regra não se aplica ao seguro de pessoas, pois o art. 800 do CC é explícito, estabelecendo
que, nos seguros de pessoa, o segurador não pode se sub-rogar nos direitos e ações do
segurado ou do beneficiado, contra quem causou o sinistro. Há aqui apenas a vedação legal à
sub-rogação para o seguro de pessoa.
O Código Civil prevê que a seguradora que paga a indenização sub-roga-se nos direitos
do segurado. Ou seja, o art. 786 estabelece que, paga a indenização, o segurador sub-roga-se,
nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o
autor do dano. Este inclusive já era o teor da Súmula 188 do STF, a qual diz que o segurador
tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até ao limite
previsto no contrato de seguro.
Segundo o §2º do art. 786, é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou
extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo. Tal dispositivo
previu, de forma expressa e inequívoca, a ineficácia, perante o segurador, de atos de
disposição praticados pelo segurado juntamente ao autor do dano.
Desse modo, eventual termo de renúncia ou quitação outorgado pelo segurado ao
terceiro causador do dano não impede o exercício do direito de regresso pelo segurador. O
legislador buscou proteger o direito do segurador de ser ressarcido da quantia que gastou para
indenizar o segurado.
Assim, se o segurado optou por acionar o seguro, cobrando a garantia contratada, não
lhe cabe firmar com o causador do dano qualquer tipo de transação que possa importar na
extinção ou diminuição do direito de regresso do segurador. Se o fizer, o ato será
absolutamente ineficaz em relação ao segurador. Por exemplo, o acordo celebrado entre o
causador do dano e o segurado, em que este “fica com pena” da motorista e pede para que ela
pague apenas a franquia do seu seguro, é válido e eficaz entre eles (contratantes).
No entanto, não se pode admitir que os efeitos dessa avença sejam estendidos ao
segurador que, além de não ter participado do ajuste, possui, por força de lei, o direito de ser
reembolsado de todos os valores gastos com o reparo do bem sinistrado. Portanto, mesmo
que o segurado tenha outorgado termo de quitação ou renúncia ao causador do sinistro, o
segurador terá direito de ser ressarcido, em ação regressiva contra o autor do dano, pelas
despesas que efetuou com o reparo ou substituição do bem sinistrado.
Tudo que foi dito acima é a regra. Haverá exceção no caso de má-fé do segurado e
boa-fé do autor do dano. Ex.: Pedro, negligente, bateu no carro de João, que não revela que
tem seguro. Pedro paga o conserto a João e este assina a quitação integral. No entanto, João,
de má-fé, aciona o seguro pedindo o conserto do carro, o que é feito. Após, a seguradora
ajuíza ação regressiva contra Pedro cobrando a quantia do conserto do carro segurado.
Nessa hipótese específica e excepcional, o STJ entende que o terceiro (Pedro), ao ser
demandado na ação regressiva, poderá se eximir do ressarcimento das despesas com o bem
sinistrado, bastando que, nos termos do art. 373, II do CPC, prove que já realizou a reparação
completa dos prejuízos causados, apresentando o recibo assinado pelo segurado ou
eventuais documentos que comprovem o custeio das despesas. Neste caso, o juiz deverá
julgar improcedente o pedido regressivo formulado, restando à seguradora a alternativa de
demandar contra o próprio segurado, por locupletamento ilícito, tendo em vista que, em

211
Aurélio Bouret

evidente ato de má-fé contratual, requereu, indevidamente, a cobertura securitária mesmo


já tendo sido indenizado diretamente pelo autor do dano.
Também merece destaque o art. 786, §1º, o qual estabelece que, salvo dolo, a sub-
rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, ascendente ou
descendente, seja consanguíneo ou afim. Esse dispositivo fala que o segurador irá se sub-rogar
no direito do segurado e vai propor a ação contra o causador do dano. Porém, se o causador
do dano for a mulher, filho ou pai da pessoa, não haverá sub-rogação. A exceção é em
relação ao dolo.
O seguro de responsabilidade civil é uma modalidade de seguro de dano. No seguro
de responsabilidade civil, a seguradora se compromete a cobrir danos causados por atos
ilícitos cometidos pelo segurado ao terceiro.
O Código Civil é expresso ao proibir o segurado de reconhecer a sua responsabilidade
ou confessar a ação, ou mesmo transigir com o terceiro indenizado ou mesmo de indenizá-lo,
sem que haja a anuência expressa do segurador nos casos de seguro de responsabilidade civil.
No caso de seguro de responsabilidade civil, se foi intentado uma ação contra o
segurado, o segurado deverá dar ciência ao segurador a respeito da lide. Essa ciência será dada
através da denunciação da lide. Não havendo, poderá posteriormente em acionar o
segurador.
O STJ, na súmula 537, estabelece que, em ação de reparação de danos, a seguradora
denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada,
direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima,
nos limites contratados na apólice.
É bom lembrar que o fato de poder ser condenada diretamente e solidariamente não
autoriza que ela seja acionada unicamente e exclusivamente pelo terceiro. Tanto é que a
súmula 529 estabelece que no seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o
ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora
do apontado causador do dano.
Há seguros de responsabilidade civil que são obrigatórios, como é o caso do DPVAT.
Nesses seguros, a indenização pelo sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro
prejudicado (art. 788).
Vale mencionar a Súmula 246 do STJ, a qual diz que o valor do seguro obrigatório
deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada.

13.3.1. SEGURO DPVAT

O DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestres) é um


seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou
por sua carga, a pessoas, transportadas ou não.
Qualquer pessoa que sofrer danos pessoais causados por um veículo automotor, ou
por sua carga, em vias terrestres, tem direito a receber a indenização do DPVAT. Isso abrange
os motoristas, os passageiros, os pedestres ou, em caso de morte, os seus respectivos
herdeiros. Para receber indenização, não importa quem foi o culpado.
O DPVAT não paga indenização por prejuízos decorrentes de danos patrimoniais,
somente danos pessoais.
O STJ já se manifestou no sentido de que o DPVAT não cobre os danos de acidente
ocasionado por trem.

212
Aurélio Bouret

Qual é o valor da indenização de DPVAT prevista na lei?


 no caso de morte: R$ 13.500,00 (por vítima);
 no caso de invalidez permanente: até R$ 13.500,00 (por vítima);
 no caso de despesas de assistência médica e suplementares: até R$ 2.700,00
como reembolso a cada vítima.
A incidência de atualização monetária nas indenizações por morte ou invalidez do
seguro DPVAT opera-se desde a data do evento danoso, conforme súmula 580 do STJ.
Quem são os beneficiários do seguro DPVAT? Quem tem direito de receber a
indenização?
 No caso de morte: metade será paga ao cônjuge do falecido, desde que eles não
fossem separados judicialmente, e o restante aos herdeiros da vítima, obedecida a
ordem da vocação hereditária. Não havendo cônjuge nem herdeiros, serão
beneficiários os que provarem que a morte da vítima os privou dos meios
necessários à subsistência. Segundo o STJ, é válido o pagamento de indenização
aos pais do de cujus no caso em que os genitores, os quais se apresentaram
como únicos herdeiros, diante da apresentação da certidão de óbito que
afirmava que o falecido era solteiro e não tinha filhos. Nada impede, porém, que
o filho exerça seu direito de ingressar com ação cobrando a quantia dos pais do
falecido que receberam a indenização de forma indevida.
 No caso de invalidez permanente: a própria vítima.
 No caso de despesas de assistência médica e suplementares: a própria vítima.
O STJ decidiu que, se uma gestante envolve-se em acidente de carro e, em virtude
disso, sofre um aborto, ela terá direito de receber a indenização por morte do DPVAT, nos
termos do art. 3º, I da Lei nº 6.194/74. Segundo o Ministro Relator, “o ordenamento jurídico
como um todo se alinhou-se mais à teoria concepcionista para a construção da situação
jurídica do nascituro, conclusão enfaticamente sufragada pela majoritária doutrina
contemporânea” (Inf. 547).
A ação de cobrança do DPVAT prescreve em 3 anos, iniciando o prazo da data em que
teve ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez ou da morte. O prazo
prescricional começa no dia que foi realizado o pagamento administrativo que o beneficiário
considera que tenha sido menor que o devido.
A súmula 573 do STJ estabelece que, nas ações de indenização decorrente de seguro
DPVAT, a ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez, para fins de contagem do
prazo prescricional, depende de laudo médico, exceto nos casos de invalidez permanente
notória ou naqueles em que o conhecimento anterior resulte comprovado na fase de
instrução.
Para obter a indenização, a pessoa deverá procurar uma das empresas seguradoras
que seja consorciada ao DPVAT e apresentar a documentação necessária. Para requerer o
seguro DPVAT não é necessário advogado, despachante ou qualquer outra ajuda de terceiros.
Segundo o STJ, o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública em defesa
dos direitos individuais homogêneos dos beneficiários do seguro DPVAT, dado o interesse
social qualificado presente na tutela dos referidos direitos subjetivos.
Na ação de cobrança do seguro DPVAT, constitui faculdade do autor escolher entre:
 foro do domicílio do autor;
 foro do local do acidente; ou
 foro do domicílio do réu.

213
Aurélio Bouret

Caso a pessoa beneficiária do DPVAT não receba a indenização ou não concorde com o
valor pago pela seguradora, ela poderá buscar auxílio do Poder Judiciário, por meio de uma
ação de cobrança contra a seguradora objetivando a indenização decorrente de DPVAT.
Consoante o entendimento do STJ, em ação de cobrança de seguro DPVAT, a
intimação da parte para o comparecimento à perícia médica deve ser pessoal, e não por
intermédio de advogado (Info 589).
Segundo o STJ, o espólio, ainda que representado pelo inventariante, não possui
legitimidade ativa para ajuizar ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) em caso de
morte da vítima no acidente de trânsito.
Segundo a Lei do DPVAT, o valor indenizatório deve ser pago metade ao cônjuge não
separado judicialmente e o restante aos herdeiros da vítima, segundo a ordem de vocação
hereditária (art. 4º da Lei nº 6.194/1974). O valor oriundo do DPVAT não integra o patrimônio
da vítima de acidente de trânsito. Em outras palavras, o valor da indenização não é um crédito
da vítima falecida. Não integra o patrimônio deixado pelo morto. O valor da indenização do
DPVAT, em caso de morte, passa diretamente para os beneficiários (cônjuge supérstite e
demais herdeiros).

13.4. SEGURO DE PESSOA

O contrato de seguro de pessoa visa assegurar a pessoa humana, protegendo ela


contra riscos de morte, comprometimento de saúde, incapacidades em geral, etc.
O art. 789 diz que nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado
pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o
mesmo ou diversos seguradores.
A primeira diferença entre o seguro de dano e o seguro de pessoa é de que este não
tem limites, pois a vida humana não é quantificável.
Se a pessoa quiser fazer 10 seguros de vida, será possível.
No seguro de vida e no seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a
declarar, sob pena de falsidade, o interesse de assegurar a vida do outro. Deve declarar qual é
o interesse para assegurar.
Presume-se esse interesse quando o segurado for ascendente, descendente ou
cônjuge do proponente, pois do contrário deverá explicar a razão de fazer o seguro.
O contrato de seguro de pessoas pode instituir um terceiro beneficiário, o qual
receberá a indenização em caso da morte do segurado. Na falta de indicação do terceiro, o
capital será pago metade ao cônjuge e a outra metade aos herdeiros do segurado.
Se não for casado e não tiver herdeiros necessários, vão ser beneficiados aqueles que
provaram que com a morte do segurado ficaram privados dos meios necessários à
subsistência (art. 792, parágrafo único).
Também é válida na instituição do seguro como beneficiário o companheiro, desde
que, ao tempo do contrato, o beneficiário estivesse separado judicialmente ou mesmo
separado de fato (art. 793).
Nos casos de seguro de vida ou acidentes pessoais geradores de morte, o capital
estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, pois não é herança.
Ainda a respeito do seguro de vida, o STJ tem uma decisão no sentido de que, na
hipótese em que o contrato de seguro de vida é renovado ano a ano, não pode a seguradora

214
Aurélio Bouret

modificar subitamente as condições da avença, e nem deixar de renová-la em razão da idade


do segurado.
No seguro de vida por causa de morte, é lícito estipular um prazo de carência.
Durante o período de carência, o segurador não responderá pela ocorrência do sinistro (art.
797). Nessas hipóteses, ocorrendo o sinistro, o segurador é obrigado a devolver ao beneficiário
o montante da reserva técnica. A reserva técnica é aquilo que já foi pago.
Em relação ao beneficiário do seguro, este não tem direito ao capital estipulado
quando o segurado comete suicídio nos 2 primeiros anos da vigência do contrato ou nos 2
primeiros anos da recondução de um contrato que estava suspenso. A pessoa receberá a
reserva técnica, mas o capital não irá receber (art. 798).
Não interessa mais se o suicídio foi premeditado ou não.
Ressalvada essa hipótese, é nula cláusula contratual que exclua pagamento de capital
por causa de suicídio do segurado. Passados estes 2 anos, tem total direito de receber.
Esse seguro de pessoas pode ser estipulado por uma pessoa natural ou por pessoa
jurídica, em proveito de um grupo que essa pessoa jurídica de qualquer modo se vincule. É o
denominado seguro de vida em grupo. Nesse caso, o estipulante é o único responsável para
com o segurador.
Se houver modificação do valor da apólice, será necessária a anuência expressa dos
segurados que correspondam a 3/4 dos integrantes do grupo (art. 801).

14. CONSTITUIÇÃO DE RENDA E JOGO E APOSTA

14.1. CONSTITUIÇÃO DE RENDA

Por meio da constituição de renda uma pessoa (instituidor) entregará uma


determinada quantia em dinheiro, bem móvel ou imóvel, a outra pessoa (rendeiro).
O rendeiro fica obrigado a pagar ao instituidor, temporariamente, certa renda, a qual
poderá ser estipulada em favor do próprio rendeiro.
Perceba que, em regra, essa transmissão ocorre de forma gratuita, por meio de
atividade benevolente. Não há qualquer contraprestação por parte do rendeiro, pois ele seria
o beneficiário.
Em regra, o contrato é unilateral, gratuito, comutativo, real, temporário e solene.
Veja, o contrato de constituição de renda deve se dar por escritura pública.
A constituição de renda pode ser instituída por ato inter vivos ou por ato causa mortis
(testamento). Nesse caso, o testamento deve ser público, conforme a doutrina.
A constituição da renda pode se dar por meio de sentença judicial, como quando há o
pagamento de alimentos indenizatórios.
A constituição de renda é feita por prazo certo, mas pode ser feito inclusive por vida,
ou seja, até que se ultime a vida do devedor (rendeiro), situação na qual que, ocorrendo,
retornará o bem ao instituidor.
Não pode a constituição de renda ser pela vida do instituidor, pois se este morrer, a
família daquele que necessitava dos alimentos ou da renda não poderá ficar sem nada.
Se o rendeiro deixar de cumprir uma obrigação estipulada, o credor (instituidor)
poderá acioná-lo. Esse credor também poderá ser terceiro, em benefício do qual a renda foi

215
Aurélio Bouret

instituída. Esse credor também poderá acioná-lo para que ele pague o que deve, ou para que
apresente garantias de que vai pagar o que deve, ou que deverá a partir daquele momento,
sob pena de rescindir o contrato de constituição de renda (art. 810).
Via de regra, não existe direito de acrescer entre os beneficiários da renda. Se falece o
rendeiro, o outro continuará recebendo a mesma coisa que recebida, sendo extinto o
benefício contra aquele que faleceu.
A exceção está na chamada constituição de renda gratuita em que há o direito de
acrescer entre os cônjuges. É o caso da constituição de renda legal, em que, morrendo um dos
cônjuges, o outro passar a receber a renda do outro.
Além desse direito de acrescer legal, é possível o direito de acrescer convencional, em
que haja previsão nesse sentido.

14.2. JOGO E APOSTA

Apesar de o Código tratar de forma conjunta, não se confundem os contratos.


O contrato de jogo ocorre quando duas ou mais pessoas prometem entre si que vão
pagar certa soma àquela pessoa que conseguir um resultado favorável de um acontecimento
incerto.
A aposta está presente quando duas ou mais pessoas têm opiniões discordantes entre
qualquer assunto, e elas prometem entre si que vão pagar certa quantia ou entregar
determinado bem à pessoa cuja opinião prevalecer, por conta de um evento incerto.
Em ambos os casos há contratos bilaterais, onerosos, consensual, informal, mas é
essencialmente aleatório, visto que a aposto e o jogo decorrem de um risco.
Em regra, as dívidas de jogo e aposta constituem obrigações naturais, pois há o schuld
sem haftung, ou seja, há débito, mas não há responsabilidade.
Essa regra vai se estender para qualquer contrato que encubra a dívida do jogo ou da
aposta, mesmo que seja um reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo.
Essa regra tem aplicação ainda que o jogo não seja proibido. Mesmo assim a obrigação
será natural.
A única exceção é se houver um jogo ou aposta legalmente permitidos, tais como as
loterias oficiais: mega-sena, lotomania, etc. Nesses casos, a dívida poderá ser cobrada
judicialmente.
Ainda há uma exceção aos denominados prêmios oferecidos para o vencedor de uma
competição de natureza desportiva, artística ou intelectual. Em verdade, o que se tem aqui é
uma promessa de recompensa, sendo um ato unilateral que constitui uma fonte de obrigação.

15. CONTRATO DE FIANÇA

15.1. INTRODUÇÃO

Fiança é um contrato pelo qual o fiador garante que vai satisfazer ao credor uma
obrigação que é assumida pelo devedor, caso este não cumpra a obrigação.
Perceba que a fiança é um contrato acessório, firmado entre fiador e credor. Por isso,
em regra, há o benefício de ordem do fiador.

216
Aurélio Bouret

O contrato de fiança traz duas relações jurídicas: uma que é interna do próprio
contrato, que é a relação entre o fiador e o credor do devedor, mas também há uma relação
externa, que é a relação entre o fiador e o devedor.
O art. 820 diz que a fiança pode ser estipulada, ainda que sem o consentimento do
devedor, e mesmo contra a sua vontade, visto que é um contrato diferente do contrato
firmado entre credor e devedor.
Na fiança, há um contrato unilateral, pois quem tem obrigação é apenas o fiador. Em
regra, é um contrato gratuito, salvo quando as instituições financeiras são as fiadoras, situação
em que serão remuneradas e o contrato passará a ser oneroso. A fiança será formal, pois exige
a forma escrita.
O art. 819 diz que a fiança não admite interpretação extensiva, pois se está diante de
um contrato benéfico.
O STJ, na Súmula 214, diz que o fiador na locação não responde por obrigações
resultantes de aditamento ao qual não anuiu. Há aplicação do princípio da relatividade do
contrato.
Segundo o STJ, a fiança limitada decorre da lei e do contrato, de modo que o fiador
não pode ser compelido a pagar valor superior ao que foi avençado, devendo responder tão
somente até o limite da garantia por ele assumida, o que afasta sua responsabilização em
relação aos acessórios da dívida principal e aos honorários advocatícios, que deverão ser
cobrados apenas do devedor afiançado.
Por se tratar de contrato benéfico, as disposições relativas à fiança devem ser
interpretadas de forma restritiva (art. 819 do CC), razão pela qual, nos casos em que ela é
limitada (art. 822), a responsabilidade do fiador não pode superar os limites nela indicados.
Ex: indivíduo outorgou fiança limitada a R$ 30 mil; significa que ele não terá obrigação de
pagar o que superar esta quantia, mesmo que esse valor a maior seja decorrente das custas
processuais e dos honorários advocatícios (Inf. 595).
Atente-se ao caso da fiança que garante a locação urbana (Lei de Locações). Salvo
disposição em contrário, qualquer das garantias da locação vai se estender até que o imóvel
seja devolvido, ainda que essa prorrogação tenha se dado por prazo indeterminado. Então a
fiança será prorrogada, conforme seja prorrogada automaticamente a fiança.
Por isso a lei diz que, passando a fiança a ter prazo indeterminado, o fiador poderá se
exonerar por uma notificação dirigida ao locador. Nesse caso, ficará garantida a dívida ainda
por mais 120 dias após a notificação.
Em julho de 2015 o STJ entendeu que essa tese da prorrogação da fiança se estenderá
também para fianças prestadas em contratos bancários. Nesse caso, o fiador poderá se
exonerar para não mais afiançar o débito.
Se o contrato principal for nulo, a fiança será nula, pois se trata de contrato acessório,
mas o contrário não ocorrerá da mesma forma.

15.2. EFEITOS E REGRAS DA FIANÇA NO CÓDIGO CIVIL

A fiança pode ser total ou parcial, podendo afiançar parte da dívida ou a dívida toda. O
que não se pode fazer é afiançar um valor superior ao valor do débito principal.
Em regra, a fiança será total, garantindo a dívida com todos os seus acessórios, juros,
multa, despesas judiciais com citação do fiador, etc., tendo ele direito de regresso contra o
afiançado.

217
Aurélio Bouret

Tornando-se insolvente ou incapaz o fiador, o credor pode exigir a sua substituição.


Se esta substituição do fiador não ocorrer, haverá o vencimento antecipado da dívida.
Lembre-se que o fiador não é devedor solidário e sim subsidiário, tendo benefício de
ordem. Regulamentando o benefício de ordem, o art. 827 diz que o fiador demandado pelo
pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro
executados os bens do devedor.
O fiador que alega o benefício de ordem deve indicar os bens do devedor principal que
bastem para a satisfação da dívida. Porém, ele irá nomear bens livre e desembaraçados
localizados no mesmo município em que haja a cobrança da dívida. Tartuce entende que essa
redação literal do dispositivo deve sofrer ponderações.
O art. 828 consagra hipóteses em que o fiador não pode alegar benefício de ordem:
 fiador renunciou expressamente ao benefício de ordem;
 fiador se obrigou como principal pagador ou como devedor solidário;
 devedor estiver insolvente ou devedor falido.
A renúncia ao benefício de ordem será nula quando estiver inserida em contrato de
adesão, conforme o Enunciado 364 do CJF.
O art. 829 diz que a fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma
pessoa importa em solidariedade entre os fiadores, se não reservarem o benefício da divisão.
A exceção a esta regra consta do fato em que se houver no contrato de fiança uma
distribuição de quanto cada um deles ficará responsável.
O art. 834 diz que, quando o credor sem justa causa deixar de dar andamento à
execução feita contra o devedor, o fiador poderá fazê-lo, pois caso não pague o devedor, o
fiador deverá pagar.
Tanto é que o art. 835 diz que o fiador poderá se exonerar da fiança que tenha
celebrado sem limitação de tempo sempre que lhe convier. Este dispositivo está dizendo que o
fiador, se foi prestada por prazo indeterminado, poderá se exonerar quando quiser.
Neste caso, ficará o fiador obrigado a todos os efeitos da fiança 60 dias após a
notificação do credor.
Atente-se que o fiador ficará por 120 dias obrigado quando se tratar de locação
urbana. No caso de contratos em geral, ficará o fiador obrigado por mais 60 dias a contar da
comunicação.
O art. 836 diz que a obrigação do fiador passa aos herdeiros, mas a responsabilidade
da fiança será limitada ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as
forças da herança.
O contrato de fiança depende da confiança, sendo personalíssimo, de forma que a
morte implica fim ao contrato de fiança.
O art. 837 diz que o fiador pode opor ao credor as exceções e defesas pessoais do
próprio fiador, que geram a extinção do contrato, mas também poderá alegar defesas
extintivas da obrigação que competem ao devedor principal. Ex.: fiador não paga sob alegação
da prescrição, pagamento direto ou indireto, etc.
O fiador, mesmo que solidário, fica desobrigado se, sem o seu consentimento, o credor
conceder moratória ao devedor. O STJ entende que moratória ou transação entre devedor e o
credor exoneram o fiador, ainda que ele tivesse assumido a obrigação em caráter solidário, já
que não participou dessa nova celebração.

218
Aurélio Bouret

A fiança será extinta se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos direitos e
preferências do credor pelo fiador. Ex.: o credor é credor de garantia real (hipoteca) e garantia
fidejussória (existe um fiador), mas o credor renuncia a sua preferência sobre a coisa,
executando o fiador.
Neste caso, a fiança estará extinta por fato atribuível ao credor, visto que estará o
fiador impossibilitado de se sub-rogar aos direitos e preferências que ele tinha.
Ademais, a fiança será extinta se o credor, em pagamento da dívida, aceitar
amigavelmente do devedor, um conteúdo diverso da dívida obrigada. Isto é, a fiança está
extinta se houver dação em pagamento, mesmo que depois o credor venha a perder esse
bem em razão da evicção.
O art. 839 diz que se for invocado o benefício de ordem e o devedor, retardando-se a
execução, cair em insolvência, também ficará o fiador exonerado. Isso quer dizer que, quando
for executar o fiador, e ele indicar vários bens do devedor, alegando benefício de ordem, mas
o credor nada o fez.

15.3. CLASSIFICAÇÃO DA FIANÇA QUANTO A SUA EXTENSÃO

Quanto à sua extensão da fiança, ela poderá ser classificada em:



fiança ilimitada: quando a garantia concedida pelo fiador abrange a integralidade
da obrigação, incluindo as parcelas acessórias da dívida principal. Ex.: multa
contratual, juros de mora e atualização monetária;
 fiança limitada: quando o fiador manifesta, de forma expressa, que só está se
responsabilizando por determinada parcela da obrigação. Na fiança limitada, o
fiador poderá dizer que está se responsabilizando apenas pela obrigação principal
e que não pagará despesas acessórias. Ex.: fiador se compromete a pagar apenas
os aluguéis que o inquilino não quitar, mas não arcará com multa ou quaisquer
outras verbas acessórias. Existe também a possibilidade de a fiança limitada
abranger até mesmo apenas uma parte da obrigação principal. Ex.: fiador se
comprometo a pagar até o máximo de 70% da dívida principal, caso o devedor não
cumpra sua parte.
A regra é que a fiança seja ilimitada (total, universal). Assim, se o fiador quiser se
responsabilizar apenas por parte da obrigação, isso deverá ser expressamente consignado no
contrato. Em caso de silêncio por parte do fiador (ou seja, se o contrato não falar nada),
entende-se que a fiança foi concedida de forma ilimitada.
Por essa razão, o art. 822 diz que, não sendo limitada, a fiança compreenderá todos
os acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador.
Já o art. 823 afirma que a fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e
contraída em condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais
onerosa que ela, não valerá senão até ao limite da obrigação afiançada.

16. TRANSAÇÃO E COMPROMISSO

16.1. TRANSAÇÃO

Transação é uma espécie de concessão recíproca. Transação é um contrato por meio


do qual as partes vão pactuar a extinção de uma obrigação por meio de concessões recíprocas.
A transação pode ser preventiva, sendo antes de ser instaurado qualquer processo
judicial.

219
Aurélio Bouret

É um contrato bilateral, oneroso, consensual, comutativo, e deve ter como objeto


direitos obrigacionais de cunho patrimonial e de caráter privado. Se não for dispositivo, não há
como transacionar.
O art. 842 diz que a transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a
lei o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos
contestados em juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos
transigentes e homologado pelo juiz
A transação é um contrato formal, mas não é solene, salvo quando o ato exigir
escritura pública. Há pelo menos a exigência de forma escrita.

16.1.1. ESPÉCIES

A transação poder ser:


 transação judicial (ou extintiva): ocorre quando a transação é feita perante o juiz.
Essa transação deverá ser feita por escritura pública ou por termo nos autos,
assinado pelas partes e homologado pelo juiz, fazendo coisa julgada material;
 transação extrajudicial (ou preventiva): é feita preventivamente, antes de ser
instaurado o litígio judicial. Exige-se apenas a forma escrita.
A transação deve ser interpretada de forma restritiva, já que há concessões mútuas.
Diante de natureza contratual da transação, via de regra, produz efeitos inter partes
(p. relatividade). No entanto, pode admitir algumas exceções, como o caso da transação entre
o credor e o devedor, sem o conhecimento do fiador, implica desobrigação do fiador.
Portanto, produziu efeitos perante um terceiro que nem participou da transação.
A transação entre um credor solidário e um devedor vai extinguir a obrigação desse
devedor em relação a todos os credores solidários que não participaram da transação.
Se a transação for entre um dos devedores solidários e seu credor, vai se extinguir a
dívida para todos os devedores solidários.
Portanto, há uma exceção ao princípio da relatividade do contrato.
Ocorrendo a evicção da coisa renunciada pelo outro transigente, ou seja, o transigente
forneceu ao outro uma coisa a que depois gerou evicção.
A consequência é o reavivamento da obrigação extinta pela transação? Não.
Diferentemente da dação em pagamento, que é modo de pagamento indireto, aqui há um
contrato. O fato de experimentar a evicção não implica o retorno do status a quo anterior à
celebração da transação. O evicto terá direito a perdas e danos (art. 845).
Em decorrência do princípio da indivisibilidade, que é adotado pelo art. 848 do CC,
chegamos à conclusão de que é nula a transação quando é nula qualquer de suas cláusulas.
Por isso o princípio da indivisibilidade.
Nula a cláusula da transação, nula é a transação. Em se tratando da transação, haverá
mitigação do princípio da preservação do contrato.
Ressalte-se o parágrafo único do art. 848 que diz que, quando a transação versar sobre
diversos direitos contestados, independentes entre si, o fato de não prevalecer em relação a
um não prejudicará os demais, já que os demais são independentes.
Isto é, se a transação estiver tratando de diferentes objetos e direitos, os quais são
independentes entre si, o fato de ter sido maculado um direito não atinge os demais.

220
Aurélio Bouret

O art. 850 diz que é nula a transação a respeito do litígio de uma sentença transitada
em julgado, se dessa sentença não tinha conhecimento algum dos transatores. Ainda, é nula
uma transação por título posteriormente descoberto se verificar que nenhum deles tinha
direito sobre o objeto da transação. É nula a transação a non domino.

16.2. COMPROMISSO

Compromisso é um acordo de vontades por meio do qual as partes decidem que não
vão submeter o litígio a uma decisão judicial, conferindo a solução de uma desavença a um
árbitro ou árbitros. Diante desse conflito de interesses de natureza disponível será feita por
um árbitro.
A arbitragem se restringe a direitos patrimoniais disponíveis, decidindo as próprias
partes a tarefa de retirar do judiciário e submete a um árbitro a decisão do fato em apreço.
O compromisso arbitral não se confunde com cláusula compromissória. A cláusula é
prevista em contrato para que a arbitragem seja solucionada. No compromisso arbitral ocorre
após o surgimento do conflito, situação em que as partes acordam em submeter o litígio ao
árbitro.
O compromisso é bilateral, oneroso, consensual e comutativo.

16.2.1. ESPÉCIES

O art. 851 vai admitir duas formas de compromisso arbitral:


 compromisso arbitral judicial: é celebrado na pendência da lide (endoprocessual).
É feito por termo nos autos;
 compromisso arbitral extrajudicial: ocorre antes do ajuizamento da ação.
Portanto, pode ser celebrado por escritura pública ou particular.
O art. 853 traz a cláusula compromissória, que é uma convenção, através da qual as
partes comprometem-se a submeter à arbitragem litígios que possam vir a surgir,
relativamente ao contrato.
Recentemente, o STJ entendeu que o Poder Judiciário não pode decretar a nulidade de
cláusula arbitral (compromissória) sem que essa questão tenha sido apreciada anteriormente
pelo próprio árbitro. Isso porque, segundo o art. 8º, parágrafo único, da Lei de Arbitragem (Lei
nº 9.307/96), antes de judicializar a questão, a parte que deseja arguir a nulidade da cláusula
arbitral deve formular esse pedido ao próprio árbitro (Info 591).
Segundo a Ministra Nancy Andrighi, a kompetenz-kompetenz (competência-
competência) é um dos princípios basilares da arbitragem, que confere ao árbitro o poder de
decidir sobre a sua própria competência, sendo condenável qualquer tentativa, das partes ou
do juiz estatal, no sentido de alterar essa realidade. Em outras palavras, no embate com as
autoridades judiciais, deterá o árbitro preferência na análise da questão, sendo dele o
benefício da dúvida
Vale ressaltar que essa questão da nulidade poderá ser apreciada pelo Poder Judiciário
em momento posterior. Isso porque, para fazer cumprir a sentença arbitral, o credor terá que
ajuizar uma execução judicial. Nesse momento, o devedor poderá se defender por meio de
embargos à execução alegando a nulidade da cláusula arbitral e, consequentemente, da
sentença arbitral.
Excepcionalmente, é possível que o Poder Judiciário, nos casos em que prima facie é
identificado um compromisso arbitral "patológico", isto é, claramente ilegal, declare a

221
Aurélio Bouret

nulidade dessa cláusula, independentemente do estado em que se encontre o procedimento


arbitral.
Outro julgado importante do STJ foi o de que a franquia, ainda que não seja contrato
de consumo, é um contrato de adesão. Segundo o art. 4º, § 2º da Lei nº 9.307/96, nos
contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente:
 tomar a iniciativa de instituir a arbitragem; ou
 concordar, expressamente, com a sua instituição, por escrito, em documento
anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa
cláusula.
Todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubstanciam relações de
consumo, como os contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4º, § 2º da Lei nº
9.307/96. Assim, é possível a instituição de cláusula compromissória em contrato de franquia,
desde que observados os requisitos do art. 4º, § 2º da Lei nº 9.307/96.

QUESTÕES

1- (VUNESP – Juiz de Direito Substituto – RO/2019) Uma loja de eletrodomésticos


assinou um contrato, mediante instrumento particular, com um posto de combustível
para que este fornecesse, todo mês, por prazo indeterminado, uma quantidade
mínima de 50 litros de combustível para abastecer os veículos de entrega de
mercadorias. Em razão do aumento do preço dos combustíveis, a loja de
eletrodomésticos contratou entregadores de bicicleta para as entregas de menor
porte e começou a diminuir as compras de combustível do posto. Por mais de dois
anos, o fornecimento de combustível se deu em quantidades menores que as mínimas
estabelecidas no contrato, sem qualquer ressalva ou reclamação por parte do posto de
combustível. Então, o representante da loja de eletrodomésticos procurou o
representante do posto de combustível e eles, verbalmente, declararam que o
contrato estaria desfeito. Entretanto, um ano após o distrato verbal, o posto de
combustível ajuizou uma demanda contra a loja de eletrodomésticos, exigindo-lhe o
ressarcimento dos valores proporcionais ao não cumprimento de metas mínimas de
aquisição de combustível, bem como do período após o distrato verbal, sob o
argumento de que o desfazimento do contrato somente poderia ser realizado por
escrito. Acerca do caso hipotético, pode-se corretamente afirmar que
a) como o contrato foi celebrado por escrito, somente poderia ser alterado ou desfeito
pela mesma forma, razão pela qual seriam devidos todos os valores, tendo em vista o
descumprimento do contrato por parte da loja de eletrodomésticos.
b) somente são devidos os valores posteriores ao distrato verbal que não é válido por
não atender à mesma forma do contrato; em relação ao período em que houve
fornecimento de combustível abaixo do previsto no contrato, configurou-se o
denominado tu quoque.
c) não há que se falar na aplicação da supressio em razão da incidência do princípio do
pacta sunt servanta. Entretanto, aplicável no caso a surrectio.
d) somente são devidos os valores do período de aquisição abaixo dos mínimos previstos
no contrato, mas não os posteriores ao distrato verbal.
e) nenhum valor é devido, tendo em vista que incidiu a supressio em razão da
concordância tácita do posto em fornecer combustível em valores abaixo dos
contratualmente previstos, bem como ocorreu um distrato verbal válido.

222
Aurélio Bouret

2- (FCC – Juiz Substituto – AL/2019) Renato emprestou seu automóvel a Paulo. Quinze
dias depois, ainda na posse do veículo, Paulo o comprou de Renato, que realizou a
venda sem revelar que o automóvel possuía grave defeito mecânico, vício oculto que
só foi constatado por Paulo na própria data da alienação. Nesse caso, de acordo com o
Código Civil, Paulo tem direito de obter a redibição do contrato de compra e venda,
que se sujeita a prazo
a) prescricional, de trinta dias, contado da data em que recebeu o automóvel.
b) prescricional, de quinze dias, contado da data da alienação.
c) decadencial, de trinta dias, contado da data em que recebeu o automóvel.
d) decadencial, de quinze dias, contado da data da alienação.
e) decadencial, de noventa dias, contado da data em que recebeu o automóvel.
3- (FCC – Defensor Público – MA/2018) O vício redibitório e o erro substancial
a) geram a nulidade do negócio jurídico e, consequentemente, impõem a declaração de
nulidade e a indenização pelos danos causados.
b) constituem espécies de vício da vontade, uma vez que o negócio não teria sido
realizado se não se verificasse o vício ou erro.
c) são distintos uma vez que no primeiro o vício oculto pertence ao objeto adquirido, ao
passo que no segundo, o vício é da manifestação da vontade.
d) dizem respeito somente ao âmbito da eficácia do negócio jurídico e apresentam como
consequência o abatimento do valor pago.
e) constituem vício do objeto do negócio jurídico contraído, pois o objeto adquirido
possui algum vício que torna a coisa inútil para o fim a que se destina.
4- (VUNESP – Juiz Substituto – MT/2018) João e José são irmãos. José, em razão de um
acidente, necessitou de cuidados e de acompanhamento constante. João deixa seu
emprego, onde tinha uma remuneração de R$ 1.000,00 (mil reais) mensais, para se
dedicar totalmente aos cuidados de seu irmão José. Após dois anos, José se recuperou
e doou para João um apartamento de sua propriedade, avaliado em R$ 800.000,00
(oitocentos mil reais), como forma de retribuir a dedicação do irmão. Constou
expressamente da doação que ela se destinava a compensar João pelos serviços
prestados, equivalentes aos valores salariais que deixou de receber, por ter
abandonado o seu emprego para cuidar do doador. Após o recebimento da doação,
João perdeu o apartamento em razão de uma ação reivindicatória ajuizada por
terceiro. É correto afirmar que João
a) tem direito a ser indenizado pela evicção até o limite do valor dos serviços prestados.
b) não tem direito a ser indenizado pela evicção por ter recebido o bem por doação,
tendo em vista a inexistência do direito à evicção em negócios jurídicos gratuitos.
c) somente terá direito à indenização se provar que José sabia que iria perder a
propriedade.
d) poderá pleitear de José a indenização pela totalidade do valor do bem em até 180 dias.
e) poderá pleitear de José a indenização pela totalidade do valor do bem em até um ano.
5- (CONSULPLAN – Juiz de Direito Substituto – MG/2018) Quanto aos contratos, segundo
o Código Civil, analise as afirmativas a seguir.

223
Aurélio Bouret

I. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir
exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e
danos. II. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos,
quando este o não executar, exceto se o terceiro for o cônjuge do promitente,
dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do
casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens. III. É
anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o
cônjuge do alienante, independente do regime de bens, expressamente houverem
consentido. IV. O vendedor pode executar a cláusula de reserva de domínio em razão do
não pagamento integral do valor devido, independente de constituir o comprador em
mora pelo protesto do título ou interpelação judicial.
Estão corretas as afirmativas
a) I, II, III e IV.
b) I e II, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
6- (CESPE – Juiz Substituto – CE/2018) Contrato de prestações certas e determinadas no
qual as partes possam antever as vantagens e os encargos, que geralmente se
equivalem porque não envolvem maiores riscos aos pactuantes, é classificado como
a) benéfico.
b) aleatório.
c) bilateral imperfeito.
d) derivado.
e) comutativo.
7- (VUNESP – Juiz de Direito Substituto – RS/2018) Sobre os vícios redibitórios, assinale a
alternativa correta.
a) O adquirente que já estava na posse do bem decai do direito de obter a redibição ou
abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for
imóvel.
b) No caso de bens móveis, quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido
mais tarde, se ele aparecer em até 180 dias, terá o comprador mais 30 dias para
requerer a redibição ou abatimento no preço.
c) Somente existe o direito de obter a redibição se a coisa foi adquirida em razão de
contrato comutativo, não se aplicando aos casos em que a aquisição decorreu de
doação, mesmo onerosa.
d) O prazo para postular a redibição ou abatimento no preço, quando o vício, por sua
natureza, só puder ser conhecido mais tarde, somente começa a correr a partir do
aparecimento do vício, o que pode ocorrer a qualquer tempo.
e) No caso de bens imóveis, quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido
mais tarde, o prazo é de um ano para que o vício apareça, tendo o comprador, a partir
disso, mais 180 dias para postular a redibição ou abatimento no preço.
8- (VUNESP – Juiz de Direito Substituto – RS/2018) André devia a quantia de R$
50.000,00 (cinquenta mil reais) em dinheiro a Mateus. Maria era fiadora de André.
Mateus aceitou receber em pagamento pela dívida um imóvel urbano de propriedade

224
Aurélio Bouret

de André, avaliado em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) com área de 200 m2 e deu
regular quitação. Entretanto, o imóvel estava ocupado por Pedro, que o habitava há
mais de cinco anos, nele estabelecendo sua moradia. Pedro ajuizou ação de usucapião
para obter a declaração de propriedade do imóvel que foi julgada procedente. Na
época em que se evenceu, o imóvel foi avaliado em R$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil
reais). A respeito dos efeitos da evicção sobre a obrigação originária, é possível afirmar
que a obrigação originária
a) foi extinta com a dação em pagamento. André será responsável perante Mateus pelo
valor correspondente ao bem imóvel perdido, na época em que se evenceu. Maria
está liberada da fiança anteriormente prestada.
b) foi extinta com a dação em pagamento. André será responsável perante Mateus pelo
valor correspondente ao bem imóvel perdido, na época em que houve a dação em
pagamento. Maria está liberada da fiança anteriormente prestada.
c) é restabelecida, mas não contará mais com a garantia pessoal prestada por Maria. Em
razão da evicção, a obrigação repristinada terá por objeto o valor equivalente ao bem
na época em que se evenceu.
d) é restabelecida, pelo seu valor original, em razão da evicção da coisa dada em
pagamento, mas sem a garantia pessoal prestada por Maria, tendo em vista que o
credor aceitou receber objeto diverso do constante na obrigação originária.
e) é restabelecida, em razão da evicção da coisa dada em pagamento, inclusive com a
garantia pessoal prestada por Maria. Contudo, em razão da evicção, a obrigação
repristinada terá por objeto o valor equivalente ao bem na época em que se evenceu.
9- (MPE-MS – Promotor de Justiça Substituto – MS/2018) Em relação aos contratos em
geral, assinale a alternativa correta.
a) Na revisão judicial de disposições contratuais de execução continuada, em razão de
excessiva onerosidade da prestação, com extrema vantagem para a outra parte, em
face de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a
resolução do contrato, retroagindo os efeitos da sentença à data da celebração do
negócio jurídico.
b) A aplicação dos institutos da supressio e da surrectio constituem figuras
concomitantes, podendo ser comparadas como verso e reverso da mesma moeda.
c) A doação pura feita ao nascituro e ao absolutamente incapaz valerá sendo aceita pelo
seu representante legal, com presunção jure et jure.
d) O direito de demandar pela evicção supõe, necessariamente, a perda da coisa
adquirida em contrato oneroso, por força de decisão judicial.
e) O Código Civil de 2002 adotou a teoria da base objetiva do negócio jurídico, inspirado
na doutrina alemã desenvolvida por Karl Larenz.
10- (FCC – Defensor Público – AM/2018) No Código Civil, para que se dê a resolução
contratual por onerosidade excessiva, será preciso o preenchimento dos requisitos
seguintes:
a) os contratos devem ser de parcelas sucessivas, ou diferidos no tempo, exigindo-se a
onerosidade excessiva à parte prejudicada e vantagem extrema à outra, mas não a
imprevisibilidade dos acontecimentos.

225
Aurélio Bouret

b) a natureza dos contratos é irrelevante, bem como a vantagem a uma das partes,
bastando a onerosidade excessiva à parte prejudicada e os acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis.
c) os contratos devem ser bilaterais e as prestações sucessivas, bastando a onerosidade
excessiva a uma das partes, sem se cogitar de vantagem à outra parte mas exigindo-se
a imprevisibilidade dos acontecimentos.
d) na atual sistemática civil, basta a onerosidade excessiva, não se cogitando seja de
vantagem à outra parte, seja da imprevisibilidade dos eventos.
e) os contratos devem ser de execução continuada ou diferida; e à onerosidade excessiva
a uma das partes deve corresponder a extrema vantagem à outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.
11- (CESPE – Defensor Público – AL/2017) Jonatas adquiriu de Carlos, mediante contrato
de compra e venda, um veículo usado de alto valor, cujos acessórios eram de valor
insignificante. Seis meses após a aquisição do bem, Jonatas perdeu a propriedade do
veículo em virtude de sentença judicial transitada em julgado, em processo movido
por José contra Carlos. No que se refere a essa situação hipotética, assinale a opção
correta.
a) A perda da propriedade somente dos acessórios do veículo abre a possibilidade de
Jonatas optar pela rescisão do contrato entabulado com Carlos.
b) Jonatas poderá demandar Carlos pela perda do veículo, requerer a restituição do valor
pago pelo bem e dos honorários do seu advogado, ainda que fique comprovado que,
desde a assinatura do contrato, ele sabia que o veículo era objeto de disputa judicial.
c) Carlos deverá responder, em favor de Jonatas, pela perda da propriedade do veículo,
já que essa responsabilidade somente não subsistiria se Jonatas tivesse adquirido o
veículo em hasta pública.
d) Jonatas, sem conhecer o risco da perda, terá o direito de receber o valor que pagou
pelo veículo, ainda que haja cláusula expressa no contrato que exclua qualquer
responsabilização pela perda.
e) Caso um meliante desconhecido pratique furto das quatro rodas do veículo no dia
anterior à entrega do carro a José, Jonatas não terá o direito de receber o valor
integral que pagou pelo carro.
12- (CESPE – Defensor Público – AC/2017) Em uma relação de consumo, foi estabelecido
que o pagamento deveria ser realizado de determinada maneira. No entanto, após
certo tempo, o pagamento passou a ser feito, reiteradamente, de outro modo, sem
que o credor se opusesse à mudança. Nessa situação, considerando-se a boa-fé
objetiva, para o credor ocorreu o que se denomina
a) venire contra factum proprium.
b) tu quoque.
c) surrectio.
d) supressio.
e) exceptio doli.
13- (CESPE – Defensor Público – AC/2017) Entre outros aspectos, é motivo capaz de
ensejar revisão ou rescisão contratual, com base na teoria da imprevisão,
a) o dolo do contratante que obtém vantagem excessivamente onerosa.

226
Aurélio Bouret

b) a onerosidade do contrato de natureza continuada ou diferida.


c) a dificuldade financeira do devedor, proveniente de desempregado involuntário.
d) o fato de o contrato ser de execução instantânea.
e) a previsibilidade de acontecimentos futuros.
14- (VUNESP – Juiz Substituto – SP/2017) No caso da celebração de um contrato de
prestação de serviços vinculados à saúde, a obtenção do consentimento informado do
paciente, destinatário final do atendimento, é
a) subordinada às condições e cláusulas do contrato celebrado, a serem apreciadas em
cada caso concreto.
b) obrigatória, tratando-se de obrigação vinculada ao princípio da boa-fé.
c) facultativa e sujeita à aferição de necessidade, a ser feita pelo profissional de saúde.
d) obrigatória, tratando-se da obrigação principal do contrato celebrado.
15- (CESPE – Promotor de Justiça Substituto – RR/2017) Se, em cumprimento a cláusula
de uma relação contratual, uma das partes adota determinado comportamento e,
tempos depois, ainda sob a vigência da referida relação, passa a adotar
comportamento contraditório relativamente àquele inicialmente adotado, tem-se,
nesse caso, um exemplo do que a doutrina civilista denomina
a) exceptio doli.
b) supressio.
c) surrectio.
d) venire contra factum proprium.
16- (FCC – Defensor Público – BA/2016) A boa-fé, como cláusula geral contemplada pelo
Código Civil de 2002, apresenta
a) indeterminação em sua fattispecie a fim de permitir ao intérprete a incidência da
hipótese normativa a diversos comportamentos do mundo do ser que não poderiam
ser exauridos taxativamente no texto legal.
b) como sua antítese a má-fé, sendo que esta tem a aptidão de macular o ato no plano
de sua validade em razão da ilicitude de seu objeto.
c) alto teor de densidade normativa, estreitando o campo hermenêutico de sua aplicação
à hipótese de sua aplicação à hipótese expressamente contemplada pelo texto
normativo, em consonância com as exigências de legalidade estrita.
d) necessidade de aferição do elemento volitivo do agente, consistente na crença de agir
em conformidade com o ordenamento jurídico.
e) duas vertentes, isto é, a boa-fé subjetiva, que depende da análise da consciência
subjetiva do agente, e a boa-fé objetiva, como standard de comportamento.
17- (VUNESP – Juiz de Direito Substituto – SP/2016) A empresa Alegria Ltda., visando
parceria comercial com a empresa Felicidade Ltda. na comercialização de produtos
para festas, iniciou tratativas pré-contratuais, exigindo da segunda que comprasse
equipamento para a produção desses produtos. O negócio não foi concluído, razão
pela qual a empresa Felicidade Ltda., entendendo ter sofrido prejuízo, ingressou com
ação de reparação de danos morais, materiais e lucros cessantes, assim como na
obrigação de contratar, ante a expectativa criada pela empresa Alegria Ltda. Diante
deste caso hipotético, assinale a alternativa correta.

227
Aurélio Bouret

a) Quem negocia com outrem para conclusão de um contrato deve proceder segundo as
regras da boa-fé, sob pena de responder apenas pelos danos que dolosamente causar
à outra parte.
b) A boa-fé a ser observada na responsabilidade pré-contratual é a objetiva, haja vista
que esta diz respeito ao dever de conduta que as partes possuem, podendo a empresa
desistente arcar com a reparação dos danos, se comprovados, sem qualquer obrigação
de contratar.
c) É assegurado o direito à contratação, em razão da boa-fé objetiva, e deverá a empresa
que pretendia desistir arcar com os danos comprovados, mas em razão da
contratação, estes poderão ser mitigados, principalmente quanto aos lucros cessantes.
d) Em razão de conveniência e oportunidade, podem as contratantes desistir do negócio,
por qualquer razão, considerando o princípio da liberdade contratual, o qual assegura
às partes a desistência, motivo pelo qual não há que se falar em indenização.
e) Não existe no direito brasileiro uma cláusula geral que discipline a responsabilidade
pré-contratual, de modo que não há que se falar em quebra de expectativa, vigorando
o princípio da livre contratação.
18- (FAURGS – Juiz de Direito Substituto – RS/2016) Sobre os efeitos da boa-fé objetiva, é
INCORRETO afirmar que
a) servem de limite ao exercício de direitos subjetivos.
b) resultam na proibição do comportamento contraditório.
c) qualificam a posse, protegendo o possuidor em relação aos frutos já percebidos.
d) servem como critério para interpretação dos negócios jurídicos.
e) reforçam o dever de informar das partes na relação obrigacional.
19- (FAURGS – Juiz de Direito Substituto – RS/2016) Sobre a extinção do contrato,
assinale a alternativa correta.
a) Implica, necessariamente, o fim de todos os efeitos decorrentes da relação
obrigacional.
b) Será eficaz a partir da sentença que a declara, quando decorra do exercício do direito
de resolução por onerosidade excessiva, por meio da ação respectiva.
c) Pode ser impedida pela oposição de exceção de contrato não cumprido, que é meio de
autodefesa do devedor.
d) Será eficaz, em qualquer caso, a partir da notificação do outro contratante, quando
decorrente de denúncia unilateral.
e) Poderá decorrer do implemento de condição resolutiva, desde que esta não seja
impossível, caso em que deverá ser reconhecida a invalidade do negócio jurídico.
20- (VUNESP – Juiz Substituto – RJ/2016) Assinale a alternativa correta sobre o direito
contratual e os princípios que regem a matéria.
a) Em contrato que versa sobre coisa futura, é nula a disposição contratual pela qual o
alienante terá direito à integralidade do preço mesmo que o objeto da alienação
venha a existir em quantidade inferior à esperada.
b) É vedada na legislação brasileira a estipulação de cláusula limitativa do dever de
indenizar, por violação ao princípio da reparação integral.

228
Aurélio Bouret

c) A prolongada omissão de um dos contratantes em exigir da parte contrária o


cumprimento de determinada cláusula contratual, que não vinha sendo cumprida ou
respeitada, pode configurar motivo idôneo para tornar a cláusula juridicamente
inexigível.
d) Na relação cível empresarial, é vedado ao Estado intervir nos negócios jurídicos
celebrados entre particulares, disciplinando e/ou limitando a liberdade contratual e as
consequências de determinadas previsões contratuais.
e) Em caso de revisão judicial de disposições contratuais, em razão de onerosidade
excessiva decorrente de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a eficácia da
decisão será ex tunc, retroagindo à data da celebração do negócio jurídico.

GABARITO

1. E
2. D
3. C
4. A
5. B
6. E
7. B
8. D
9. B
10. E
11. D
12. D
13. B
14. B
15. D
16. A
17. B
18. C
19. C
20. C

229
Aurélio Bouret

230
Paulo Batista

CAPÍTULO 6 — DIREITO DAS COISAS

1. INTRODUÇÃO

O Direito das Coisas, como já se pode antever, é o ramo do Direito Civil que regula as
relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas, determinadas ou determináveis.
Coisa é tudo aquilo que não é pessoa, física ou jurídica, nem entes despersonalizados
(condomínio edilício, espólio, massa falida). Contudo, coisa precisa ser considerado um bem
material. Toda coisa é bem, mas nem todo bem é coisa. Honra, liberdade, vida são bens, mas
não são coisas.
Assim, haverá uma relação material exercida pelo sujeito ativo em face da coisa. Esse
sujeito ativo poderá ser pessoa física, jurídica ou mesmo entes despersonalizados, como massa
falida e condomínio edilício.
No direito das coisas, o sujeito passivo é indeterminado, podendo ser determinável, e
sua eficácia se dá em face de toda a coletividade, podendo ser operada erga omnes, se
atendidos os requisitos legais para cada categoria de direito.
Contudo, Direito das Coisas não é sinônimo de Direitos Reais. O primeiro é mais
abrangente.
O Direito das Coisas é o Livro III do Código Civil, como dito, sendo mais abrangente, por
envolver também a posse. Assim, posse não é Direito Real, tanto que, no CC, não está no
mesmo Título dos Direitos Reais, no Livro III. A posse é uma relação fática de sujeição entre o
possuidor e a coisa móvel ou imóvel. Sendo assim, posse não é propriamente um direito real,
mas sim um fato que gera outros direitos.
Em relação aos Direitos Reais, há duas teorias que justificam a sua natureza:
 teoria personalista: o Direito Real é uma relação jurídica estabelecida entre
pessoas, mas intermediada por coisas, ainda que as pessoas sejam
indeterminadas. Essa teoria nega a realidade metodológica dos direitos reais ou
das coisas;
 teoria realista: é também conhecida como teoria clássica. Nela, os Direitos Reais
constituem um poder imediato que a pessoa exerce sobre a coisa, e com eficácia
erga omnes. Para esta teoria, o Direito Real é imediato da pessoa sobre a coisa.
Esta é a teoria adotada pelo nosso CC.
Quanto aos Direitos Reais, eles incidem sobre a própria coisa ou sobre coisa alheia
(direito de gozo, de garantia, etc.). O mais amplo de todos os direitos reais é a propriedade,
possibilitando o uso, o gozo (extrair benefícios), reivindicação e disposição (esse último, só a
propriedade tem, pois possibilita alienar, gravar e alterar a substância).Decorrem dos Direitos
Reais as ações reais, as quais, se disseram respeito a imóveis, também têm natureza real
imobiliária.

1.1. DIREITOS REAIS X DIREITOS PESSOAIS (OBRIGACIONAIS)

 Os direitos reais têm oponibilidade erga omnes. No direito patrimonial, em


regra, há efeitos apenas inter partes, sem vincular terceiros que não integrem a
relação jurídica.
 Nos direitos reais há direito de sequela, ou seja, o direito de reivindicar o bem
aonde quer que ele esteja. Tal direito segue a coisa, onde quer que ela esteja
(móvel) ou na posse de quem estiver (imóvel). No direito obrigacional, há a
responsabilidade patrimonial, convertida em perdas e danos.
 No direito real há direito de preferência, tendo caráter taxativo na lei
(tipicidade). No caso de direitos pessoais de caráter patrimonial, há contratos

231
Paulo Batista

típicos e atípicos, inominados, não sendo o havendo um rol exaustivo de todas as


espécies de direitos reais.
O rol dos direitos reais está no art. 1225 do CC. Segundo esse dispositivo, são direitos
reais:
 a propriedade;
 a superfície;
 as servidões;
 o usufruto;
 o uso;
 a habitação;
 o direito do promitente comprador do imóvel;
 o penhor;
 a hipoteca;
 a anticrese;
 a concessão de uso especial para fins de moradia;
 a concessão de direito real de uso;
 a laje.
Assim, os direitos reais estão descritos no art. 1.225 do Código Civil. Contudo, leis
extravagantes podem criar novos direitos reais, como ocorreu na Lei nº 11.977/2009, que
dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida, criando a legitimação da posse como direito
real (art. 59). Muito embora a doutrina majoritariamente lecione que os direitos reais
precisam estar previstos em lei, o STJ já entendeu que a multipropriedade imobiliária (time-
sharing)possuía natureza jurídica de direito real,embora naquela época não houvesse
previsão em lei. Contudo, posteriormente, a Lei nº 13.465/2017 introduziu esse instituto no
Código Civil, a partir do art. 1.358-B.
Para provas objetivas, deve ser adotada a concepção de taxatividade dos direitos
reais, ou seja, eles só existem se houver lei os prevendo.

1.2. DEMAIS DIFERENÇAS ENTRE OS DIREITOS REAIS E OS DIREITOS PESSOAIS PATRIMONIAIS

1.2.1. DIREITOS REAIS

 Relação estabelecidas entre pessoas e coisas (relação imediata).


 Incidência forte do princípio da publicidade.
 Direito real tem eficácia erga omnes. O registro do direito, em regra, possui
natureza constitutiva (mas a usucapião, por exemplo, é exceção, pois o
registro é declaratório).
 O rol é taxativo, mas a lei pode criar novos direitos reais.
 O direito é permanente.
 Direitos reais podem ser objeto de usucapião.

1.2.2. DIREITOS PESSOAIS

 Relação jurídica entre pessoas (inter partes). O objeto imediato é uma


prestação, que pode ser de dar, fazer ou não fazer.
 Característica mais relevante é a autonomia privada.
 O rol legal é exemplificativo.
 O direito tem caráter transitório, como regra.
 Não se adquirem por usucapião.

232
Paulo Batista

Quanto à eficácia inter partes do direito obrigacional, vale dizer que isso tem sido
relativizado,como a tutela externa do crédito, quando a eficácia do contrato e sua função
social gera efeitos e devem ser respeitados por quem não participou da relação jurídica
material, havendo uma mitigação da relatividade dos contratos.
Ainda, não se deve confundir direitos reais com obrigações propter rem. Essas têm
caráter pessoal, mas perseguem a coisa. Ex.: se não foi pago o rateio do condomínio edilício
pelo locador, o locatário deverá pagá-lo. A taxa condominial, apesar de não ser um direito real,
é uma obrigação que persegue a coisa.
O abuso de direito no exercício da propriedade (ato emulativo) também é um
conceito híbrido, pois, quando há abuso no seu exercício, há uma repercussão dos direitos
pessoais de caráter patrimonial, gerando o dever de indenizar.

2. DA POSSE

2.1. NATUREZA JURÍDICA DA POSSE

Não é um tema pacífico.


São duas correntes, uma vendo a posse como fato, outra a vendo como direito.
Como visto acima, definitivamente ela não é direito real, pois não está elencada no
rol do art. 1.225 do CC. Para parte da doutrina, ela é direito real de natureza especial. Especial
porque a posse é a exteriorização da propriedade, o domínio fático que a pessoa exerce sobre
uma coisa. Se direito é fato, valor e norma, a posse é o componente jurídico do direito. A
posse nasce de um fato que é valorado e encontra respaldo normativo. Por isso teria a
natureza especial, por conta desse nascedouro fático.
Atualmente a tendência maior é entender a posse como um fato jurídico, gerador de
um estado de aparência, que repercute em diversas esferas de direitos e obrigações.
Há, ainda, duas correntes que procuram justificar a posse como categoria jurídica.
1ª Teoria Subjetivista (Savigny): dá relevância ao aspecto subjetivo da posse. Aqui, a
posse possui dois elementos:
 Corpus: é o elemento objetivo, material, que é a disponibilidade sobre a coisa.
 Animus: é o elemento subjetivo, que é a intenção de ter a coisa para si.
Se adotada essa teoria, não seriam possuidores o locatário, comodatário, depositário,
etc., pois não haveria animus.
2ª Teoria Objetiva (Ihering): para constituição da posse, basta que o sujeito disponha
fisicamente da coisa. Na verdade, para o Ihering, o corpus é formado pela atitude externa do
possuidor em relação à coisa. O possuidor passa a agir, em relação à coisa, com intuito de
explorá-la, inclusive economicamente. Essa teoria foi a adotada no Código Civil (art.1.196), o
qual diz que se considera possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de
algum dos poderes inerentes à propriedade.
Portanto, para o CC, posse é quem exerce sobre a coisa algum, ou alguns, dos poderes
inerentes à propriedade.
A posse pode ser desdobrada em direta e indireta. O locador é possuidor indireto, pois
exerce um dos poderes inerentes à propriedade (colher frutos). O locatário usa a coisa (sem
alterar sua substância), ou seja, exerce um dos atributos da propriedade, sendo possuidor
direto.

2.2. DIFERENÇAS ENTRE POSSE E DETENÇÃO

 Posse: é exercida em nome próprio.


 Detenção (ou fâmulo da posse): é exercida em nome alheio.

233
Paulo Batista

O art. 1.198 do CC diz que se considera detentor aquele que, achando-se em relação
de dependência para com outro, conserva a posse em nome desta outra pessoa e em
cumprimento de ordens ou instruções suas. O parágrafo único do mesmo artigo afirma que,
aquele que começou a se comportar do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem
e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.
Exemplo do fâmulo da posse é o caseiro. Outro exemplo é o manobrista, conservando
a posse em nome de outra pessoa. Veja, o manobrista exerce detenção em relação à
empresa; esta é que é a possuidora, em razão de um contrato de depósito do carro no
momento da condução.
Outro exemplo ainda é o caso da ocupação irregular de área pública. O STJ entende
que a ocupação irregular de área pública não induz posse e sim mera detenção, quando
houver litígio entre o particular e o Poder Público. Contudo, mesmo se tratando de terras
públicas, o STJ tem entendido que é possível a discussão da posse,se isso ocorrer entre
particulares.
É possível a conversão da detenção em posse, quando há a quebra do vínculo de
subordinação (Enunciado 301 do CJF).

2.3. PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DA POSSE

2.3.1. QUANTO AO DESDOBRAMENTO

Quanto ao desdobramento, a posse se classifica em:


 Posse direta: exercida por quem tem o poder físico sobre a coisa (ex.: locatário).
 Posse indireta: exercido por meio de outra pessoa (ex.: locador).
O Enunciado 76 do CJF diz que o possuidor direto tem direito de defender sua posse
contra o possuidor indireto, e vice-versa.

2.3.2. QUANTO AOS VÍCIOS OBJETIVOS

Quanto à presença de vícios objetivos:


 Posse justa: é a posse não violenta, não clandestina e não precária.
 Posse injusta: é a posse violenta, clandestina ou precária.
A posse violenta é aquela obtida por meio de esbulho, violência física ou moral, como
a ameaça. Contudo, a violência tem que ser exercida contra a pessoa, não contra coisas.
A posse clandestina é aquela obtida às escuras, às escondidas, sem publicidade.
A posse precária é aquela obtida com abuso de confiança ou abuso de direito. Ocorre
quando, havendo obrigação de restituição, o possuidor não o faz, passando a sua posse a ser
precária. Ex.: o locatária não paga o aluguel e não devolve o imóvel. Às vezes, a precariedade
demanda notificação pessoal do possuidor, para que restitua. Outras vezes, o simples
esgotamento do prazo sem a restituição já torna a posse precária.
A posse, mesmo injusta, é posse. Isso significa que é possível defender essa posse
injusta em face de terceiros, inclusive se valer de ações possessórias em caso de esbulho e
turbação. Isso porque o vício da posse pode ser relativo, somente dizendo respeito a
determinadas pessoas.
O art. 1.208 do CC, segunda parte, dispõe que a posse injusta por meio de violência
ou clandestinidade pode ser convalidada. No entanto, a posse precárias não pode ser
convalidada. Segundo o dispositivo, não induzem posse os atos de mera permissão ou
tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos,
senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.
Portanto, uma posse que nasce violenta ou clandestina poderá ser convalidada caso
cesse a violência ou a clandestinidade. Este é o entendimento que prevalece na doutrina.

234
Paulo Batista

Após 1 ano e 1 dia do ato de violência ou da clandestinidade, a posse é convalidada,


deixando de ser injusta e passa a ser justa. A posse precária, no entanto, continuará sendo
injusta.

2.3.3. QUANTO À BOA-FÉ

 Posse de boa-fé: é a posse que ignora a existência de um vício que impede a


aquisição da coisa.
 Posse de má-fé: é a posse em que há conhecimento do vício que acomete a coisa.
Por isso, ele é considerada subjetiva, ou seja, é de conhecimento inequívoco do
possuidor.
Questiona-se: é possível falar em posse de boa-fé injusta?
SIM. Nada impede que alguém tenha uma posse injusta e de boa-fé. Basta pensar
naquele que adquire a posse de outrem sem saber que aquela posse é injusta. Houve a
violência, e na semana seguinte, houve a transferência da posse, pois não ultrapassado o ano e
dia, a fim de se tornar justa.
É possível haver posse justa e de má-fé?
SIM. A posse pode não ser violenta, clandestina e precária, mas pode conter algum
vício. Nesse caso, haverá uma posse justa e de má-fé.

2.3.4. QUANTO À PRESENÇA DE UM TÍTULO

A posse poderá ser:


 Posse com título: há uma causa representativa da transmissão da posse.Há
documento escrito.
 Posse sem título: não há essa causa representativa da posse, não há documento
escrito.
No caso do achado de tesouro, a doutrina fala em ato-fato jurídico, pois o indivíduo
não teria a vontade juridicamente relevante para que o ato jurídico produza efeitos.
concorda-se que há a posse daquela pessoa, mas uma posse sem título.
Com base nessa ideia, surgem as expressões:
 Ius possidendi: é o direito à posse que decorre da propriedade. Há uma posse com
título, pois decorre da propriedade, do direito explicitado.
 Ius possessionis: é o direito que decorre exclusivamente da posse. Há uma posse
sem título, que decorre de um exercício fático.
Alguns autores falam da posse natural, que é a posse sem título (ius possessionis), e
posse civil ou jurídica, que é o ius possidendi (posse com título).
Quando há justo título, presume-se a boa-fé.

2.3.5. QUANTO AO TEMPO

A posse pode ser classificada em:


 Posse nova: a posse que conta com até 1 ano, ou seja, com menos de 1 ano e 1
dia.
 Posse velha: a posse que conta com mais de 1 ano e 1 dia.
Tais prazos vão influenciar no cabimento de liminares em ações possessórias, como
veremos mais adiante.

235
Paulo Batista

2.3.6. QUANTO AOS EFEITOS

A posse se classifica em:


 Posse ad interdicta: a posse pode ser defendida por meio das ações possessórias
diretas. Essa posse não conduz à usucapião. É a posse fundada em contrato de
locação, comodato, depósito, etc.
 Posse adusucapio nem: há admissão da aquisição da propriedade por meio da
usucapião. Deve ser mansa, pacífica, duradoura, ininterrupta e deve ter a intenção
de ser dono.
Perceba que, quando se fala em posse ad usucapio nem, adota-se a teoria de
Savigny, levando em conta que a posse seria um exercício fático com animus domini.

2.4. EFEITOS MATERIAIS E PROCESSUAIS DA POSSE

2.4.1. EFEITOS QUANTO AOS FRUTOS

O art. 1.214do CC diz que o possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela, aos frutos
percebidos.
O parágrafo único do mesmo artigo diz os frutos pendentes ao tempo em que cessar a
boa-fé devem ser restituídos, mas apenas depois de serem deduzidas as despesas da
produção e custeio daquele fruto. Devem ser também restituídos os frutos colhidos com
antecipação, pois não deveriam ser percebidos.
Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos logo que são
separados. No entanto, os frutos civis reputam-se percebidos dia por dia (juros).
Lembre-se que os frutos não implicam a mudança de substância da coisa. Já o
produto gera essa alteração.
O art. 1.216 do CC trata do possuidor de má-fé, estabelecendo que ele responde por
todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos frutos que, por culpa sua, deixou de
perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé. O possuidor de má-fé tem direito
às despesas da produção e custeio.
Já o possuidor de boa-fé só responde pelos frutos pendentes, pois aqueles já colhidos
e já percebidos integraram seu patrimônio.
Em relação ao produto, que implica diminuição da substância da coisa, há um dever
de restituição, ainda que o possuidor seja de boa-fé. Isso porque, quando se retira um
produto, a substância da coisa é modificada.

2.4.2. EFEITOS DA POSSE EM RELAÇÃO ÀS BENFEITORIAS

O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis.


Quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, terá ele o direito de levantá-las, quando o
puder sem detrimento da coisa principal, e terá o possuidor de boa-fé o direito de retenção
pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.
Em relação à locação de imóvel urbano, há uma regulamentação específica a respeito
do possuidor de boa-fé e de má-fé quanto às benfeitorias. A Lei nº 8.245/1991 diz que, salvo
disposição contratual em sentido diverso, as benfeitorias necessárias, introduzidas pelo
locatário, mesmo que não tenham sido autorizadas pelo locador, vão gerar direito de
indenização ao locatário. As benfeitorias úteis, desde que autorizadas pelo locador, também
deverão ser indenizadas. Nestes casos, a lei garante ao locatário o direito de retenção. Em
relação às voluptuárias, elas poderão ser levantadas, desde que não gerem dano à coisa.

236
Paulo Batista

Veja, as partes de um contrato paritário de locação poderão dispor de modo diferente,


como é o caso em que não há qualquer direito de indenização por benfeitorias necessárias,
úteis ou voluptuárias.
No caso de posse de má-fé, o art. 1.220 do CC dispõe que o possuidor será ressarcido
somente das benfeitorias necessárias, não tendo o direito de retenção pela importância
destas, nem o direito de levantar as voluptuárias.
É uma das formas em que o Código Civil diferencia a posse de má-fé daquela de boa-
fé.

2.5. POSSE E RESPONSABILIDADE

O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não
der causa. Veja, trata-se de dispositivo prevendo que o possuidor de boa-fé tem
responsabilidade subjetiva.
Já o art. 1.218 do CC diz que o possuidor de má-fé responde pela perda, ou
deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam
dado, estando ela na posse do reivindicante. Em outras palavras, a responsabilidade do
possuidor de má-fé é objetiva. Ele só vai se eximir se comprovado que a deterioração da coisa
ocorreria de qualquer modo.
O art. 1.221 do CC prevê uma hipótese de compensação legal, ao dizer que as
benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento, se, ao tempo da
evicção, ainda existirem.

2.6. POSSE E PROCESSO CIVIL

Três são as situações que possibilitam o manejo de ações possessórias (não confundir
com reivindicatórias, que discutem a propriedade):
 Ameaça à posse: promove-se ação de interdito proibitório.
 Turbação da posse: promove-se ação de manutenção de posse.
 Esbulho da posse: promove-se ação de reintegração de posse.
Assim, segundo o art. 1.210 do CC, o possuidor tem direito a ser mantido na posse no
caso de turbação, de ser restituído na posse no caso de esbulho e de ser segurado na posse no
caso de uma violência iminente. O possuidor esbulhado ainda pode utilizar do desforço
imediato (uso moderado da força).
Há no art. 554 do NCPC a consagração total do princípio da fungibilidade das ações
possessórias. Segundo este dispositivo, a propositura de uma ação possessória, no lugar de
outra, não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente
àquela cujos pressupostos estejam provados.
Se a ofensa à posse contar com menos de 1 ano e 1 dia, caberá uma ação de força
nova, cabendo a medida liminar para tutela imediata da posse.
Por outro lado, se houver uma ameaça, turbação ou esbulho com mais de 1 ano e 1
dia, haverá uma ação de força velha, observando-se o procedimento comum.
Há precedente do STJ entendendo que particulares podem ajuizar ação possessória
para resguardar o livre exercício do uso de via municipal (bem público de uso comum do
povo). Ex: determinada empresa construiu uma indústria e invadiu a via de acesso (rua) que
liga a avenida a uma comunidade de moradores locais. Os moradores têm legitimidade para
ajuizar ação de reintegração de posse contra a empresa, alegando que a rua que está sendo
invadida.
Atente-se que o ordenamento jurídico não permite a proteção possessória em caso
de particular que ocupe bens públicos dominicais, sendo esta situação caracterizada como
mera detenção. No entanto, como dito acima, é possível que particulares exerçam proteção

237
Paulo Batista

possessória para garantir seu direito de utilizar bens de uso comum do povo, como é o caso,
por exemplo, da tutela possessória para assegurar o direito de uso de uma via pública.

2.6.1. PRINCIPAIS ASPECTOS PROCESSUAIS

Deve ser examinado o art. 555 do NCPC.


Segundo este dispositivo, é lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de:
 condenação em perdas e danos;
 indenização dos frutos.
Isso é possível sem que haja a desnaturação do rito possessório.
O parágrafo único diz que pode o autor requerer, ainda, imposição de medida
necessária e adequada para:
 evitar nova turbação ou esbulho;
 cumprir-se a tutela provisória ou final.
O que este dispositivo autoriza é que, além de condenação em perdas e danos e
indenização dos frutos, é possível fixar multa inibitória para que o réu não pratique nova
ofensa à posse.
Lembre-se que a ação possessória tem caráter dúplice, sendo possível que o réu, na
contestação, alegue que ele é o ofendido, devendo ele ser indenizado pelo autor. Trata-se do
pedido contraposto, espécie de pleito comum à ação dúplice (art. 556 do CPC). Assim, o réu
não precisa apresentar reconvenção, salvo se se tratar de pedido totalmente distinto do
caráter dúplice, o que será submetido ao crivo judicial.
Já o art. 557 do CPC afirma que, na pendência de ação possessória,é vedado, tanto ao
autor, quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a ação de
reconhecimento de domínio for deduzida em face de terceira pessoa.
O parágrafo único do mesmo artigo prevê que não obsta à manutenção ou à
reintegração de posse a alegação de propriedade, ou de outro direito real sobre a coisa.
Se o réu provar que o autor provisoriamente mantido ou reintegrado na posse carece
de idoneidade financeira para, caso perca, responder por perdas e danos, o juiz fixará o prazo
de 5 dias para que seja depositada caução, podendo ser real ou fidejussória. Essa caução pode
ser dispensada quando se está lidando com partes economicamente hipossuficientes,
havendo uma interpretação voltada para a função social e dignidade da pessoa humana.
Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a
expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração da posse. Caso não esteja
devidamente instruída, determinará que o autor justifique previamente o alegado, antes da
expedição do mandado de manutenção ou reintegração da posse, citando-se o réu para
comparecer à audiência que for designada.
Contra pessoas jurídicas de direito público não será deferida a manutenção ou a
reintegração liminar sem prévia audiência dos respectivos representantes judiciais.
Há um regramento todo especial para litígios coletivos no novo CPC. Segundo o art.
565, no litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação do imóvel tiver
ocorrido há mais de 1 ano e 1 dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida
liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 dias. Vale lembrar
que, na mediação, o mediador não propõe a solução às partes, mas a fomenta para que as
partes cheguem até ela.
Passado 1 ano e 1 dia, em regra, a lei não permite a liminar, pois a ação voltaria para o
procedimento comum. Todavia, o próprio NCPC traz uma exceção, por conta da necessidade
de audiência de mediação no prazo de 30 dias.
No caso de litígio coletivo pela posse de imóvel, caso tenha sido concedida a liminar, e
se essa não for executada no prazo de 1 ano, a contar da data de distribuição, caberá ao juiz
designar audiência de mediação. Por seu caráter coletivo, o Ministério Público será intimado

238
Paulo Batista

para comparecer à audiência, assim como a Defensoria Pública, sempre que houver parte
beneficiária de gratuidade da justiça. O juiz poderá comparecer à área objeto do litígio quando
sua presença se fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional.
Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, de Estado
ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a área objeto do litígio poderão ser
intimados para a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre
a existência de possibilidade de solução para o conflito possessório. Aplica-se o disposto neste
artigo ao litígio sobre propriedade de imóvel.
Segundo o art. 1.211 do CC, quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-
se-á provisoriamente aquele que estiver na posse da coisa, se não for manifesto o vício. Esse
dispositivo trata do chamado possuidor aparente. É uma das várias aplicações de um princípio
jurídico geral: o Princípio da Aparência.
O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro
que recebeu a coisa esbulhada tendo ciência do vício que a contaminava, ou seja, o terceiro de
má-fé.

2.7. A LEGÍTIMA DEFESA DA POSSE E O DESFORÇO IMEDIATO

O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se da posse, por sua


própria força, contanto que o faça logo. Portanto, os atos devem ser imediatos. E além disso,
os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou
restituição da posse.
Como dito acima, o Código traz uma previsão de autotutela, sendo requisitos que:
 a defesa seja imediata;
 o possuidor tome o cuidado para que as medidas não possam ir além do
indispensável para a recuperação da posse, sob pena de abuso do direito.
A legítima defesa é antes do esbulho, ocorrendo na turbação da posse.
O desforço imediato ocorre após o esbulho, pois já foi perdida a posse.

2.8. FORMA DE AQUISIÇÃO, TRANSMISSÃO E PERDA DA POSSE

O art. 1.204 do CC afirma que a posse é adquirida desde o momento em que se torna
possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. Vê-
se que a posse direta deve ser exteriorizada, um poder fático sobre a coisa que possa ser
constatado por terceiros (não pode ser clandestina).
A posse se transmite aos herdeiros ou legatários com os mesmos caracteres. O
sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor. Já ao sucessor singular é
facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.
Sucessor universal é o caso de herança legítima. Sucessor singular é o caso de legado.
A posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele
estiverem, de forma que, havendo a transmissão da posse do imóvel, haverá também
transmissão da posse dos bens móveis que guarnecem o bem imóvel. Há aplicação do
princípio da gravitação jurídica.
Já a posse será perdida quando ela cessa, embora contra a vontade do possuidor.
Será considerada cessada a posse quando o possuidor perder o poder fático sobre o bem.
Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo
notícia dele, abstém-se de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente
repelido.

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Paulo Batista

2.9. COMPOSSE

Composse é posse conjunta. Uma situação na qual duas ou mais pessoas exercerão
poderes possessórios sobre a mesma coisa.
Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre
ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.
É possível ação possessória do compossuidor contra o outro compossuidor.
A composse pode ser classificada em:
 Composse pro indiviso (indivisível): há compossuidores, com fração ideal das
posses, mas não se consegue determinar, no plano fático, qual é a parte de cada
um. Ex.: dois irmãos com a posse de uma fazenda, que plantam soja
conjuntamente.
 Composse pro diviso (divisível): cada compossuidor sabe qual é a sua parte, pois é
determinável no plano fático e real. Ex.: os dois irmãos têm um terreno, mas há
uma cerca dividindo metade do local.

3. PROPRIEDADE

3.1. CONCEITO

Propriedade é o direito de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do


poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. É o domínio de um sujeito ativo
sobre determinada coisa.
Direito de propriedade é consagrado como direito fundamental (art. 5º, XXII, CF). A
propriedade não é direito absoluto, motivo pelo qual deve haver o cumprimento sua da função
social.
A propriedade está relacionada a 4 atributos (art. 1.228 do CC):
 Faculdade de usar: corresponde à faculdade de se pôr o bem a serviço do
proprietário. O Código Civil e várias leis extravagantes, como o Estatuto da Cidade,
colocam limitação ao direito de usar a coisa.
 Faculdade de gozar(fruir):é a faculdade de retirar os frutos da coisa.
 Faculdade de dispor: poder de consumir o bem, de aliená-lo ou gravá-lo, ou de
submetê-lo ao serviço de terceira pessoa, ou de desfrutá-lo. Pode se dar por ato
inter vivos ou mortis causa (testamento).
 Faculdade de reivindicar (reaver): é exercido por meio de uma ação petitória,
fundada no direito de propriedade. Isso se dá pela chamada ação reivindicatória.
Havendo os quatro atributos de forma cumulativa, então haverá propriedade plena.
Do contrário, a propriedade será limitada.
Quando limitada ou restrita, a propriedade pode se dividir em:
 Nua propriedade: é a titularidade do domínio, sem os atributos de uso e fruição. A
pessoa é o nu-proprietário, senhorio direto.
 Domínio útil: corresponde aos atributos de usar, gozar e fruir da coisa. É a
utilização efetiva do bem.
A depender dos seus atributos, o titular que detenha o direito de propriedade recebe
uma denominação diferente, por exemplo, superficiário, usufrutuário, usuário, habitante,
promitente comprador etc.

3.2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE PROPRIEDADE

São características do direito de propriedade:

240
Paulo Batista

 Direito absoluto: tem caráter erga omnes, oponível contra todos. Entretanto,
tendo em vista o aspecto constitucional do Direito Civil atual, há muitas limitações
ao direito de propriedade.
 Direito exclusivo: via de regra, a coisa não pode pertencer a mais de uma pessoa.
Uma exceção é o caso do condomínio.
 Direito perpétuo: o direito não se perde, como regra, pelo seu não exercício.
 Direito elástico: Orlando Gomes diz que a propriedade pode ser distendida ou
contraída, de acordo com o seu exercício.

3.3. FUNÇÃO SOCIAL E SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE

O §1º do art. 1.228 do CC afirma que o direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com as suas finalidades econômicas e sociais, de modo que sejam preservados,
de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o
equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, além de aspectos urbanísticos.
Esse dispositivo confere uma finalidade ao exercício do direito de propriedade. É
necessário que a propriedade cumpra essa função.
A função social e socioambiental da propriedade também está prevista no art. 225 da
CF, dispositivo que protege o meio ambiente como um bem difuso e que visa à sadia qualidade
de vida das pessoas e futuras gerações (assegura direitos intergeracionais).
A função social da propriedade tem uma dupla intervenção:
 Faceta limitadora: veda a degradação do meio ambiente.
 Faceta impulsionadora: fomenta a exploração da propriedade.
A CF traz vários preceitos que seguem a linha da faceta impulsionadora da função
social da propriedade. O art. 186 da CF impõe que haverá função social da propriedade
quando se der o seu aproveitamento racional e adequado. É preciso aproveitar a propriedade
para que se exerça a função social.
Tratando-se de imóvel urbano, as definições quanto à correta ocupação do solo
competirá prioritariamente ao Município, conforme a CF, sem prejuízo de atuação de regras
gerais dos estados e da União.
O STJ tem decidido que o novo proprietário de um imóvel é obrigado a fazer a
reparação ambiental, mesmo que não tenha sido ele o causador do dano.
É imperioso anotar que o art. 2º, §2º do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) diz que
as obrigações lá previstas têm natureza real e são transmitidas ao sucessor a qualquer título,
no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.
São proibidos os atos que não tragam ao proprietário qualquer comodidade ou
utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. Na verdade, o que há aqui é
a vedação do exercício abusivo do direito de propriedade. É outro exemplo de vedação ao ato
emulativo. Faz-se, assim, a leitura sistemática do art. 1.228, §2º, e do art. 187, ambos do CC,
que trata do abuso do direito.
O Enunciado 49 do CJF diz que a regra do art. 1.228, §2º do CC deve ser interpretada
restritivamente, prevalecendo o art. 187 da Lei Civil. Para efeitos de ato emulativo, é preciso
lembrar que tal responsabilidade, como regra, tem caráter objetivo, e não subjetivo.
Quanto às limitações à propriedade, ainda existe o §3º do art. 1.228 do CC, que trata
da desapropriação por necessidade ou por utilidade pública, e da desapropriação por
interesse social, além de tratar do ato de requisição em caso de perigo público iminente.
Quanto à sua abrangência, a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e
subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o
proprietário se opor a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou
profundidade tais que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las. Esse dispositivo trata da
extensão vertical da propriedade.

241
Paulo Batista

A propriedade do solo não abrange a das jazidas, minas e demais recursos minerais,
os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos
por leis especiais. Isso se dá porque a Constituição estipula que tais bens pertencem à União.
O que fica garantido ao concessionário é o produto da lavra.
Contudo, o proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de
emprego imediato na construção civil, desde que eles não sejam submetidos a transformação
industrial (como a areia, por exemplo).
O art. 1.231 do CC diz que a propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em
contrário.

3.4. DESAPROPRIAÇÃO JUDICIAL PRIVADA POR POSSE-TRABALHO

Segundo o §4º do art. 1.228 do CC, o proprietário também pode ser privado da coisa
se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por
mais de 5 anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em
conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e
econômico relevante.
Essa é a denominada desapropriação judicial privada por posse-trabalho.
Assim, esse dispositivo diz que o proprietário poderá perder a área:
 se se tratar de uma área extensa;
 se várias pessoas estiverem morando lá;
 se essas pessoas estão de boa-fé e lá estão há mais de 5 anos ininterruptamente;
 se elas estão exercendo trabalho e moradia naquela área;
 se elas realizaram serviços e obras considerados relevantes pelo juiz, como de
interesse social e econômico.
Nesse caso, o juiz irá fixar uma justa indenização ao proprietário, pagando-se o preço
a ele, situação na qual a sentença poderá ser registrada no Registro de Imóveis,em nome
daqueles que se encontram na área.
Atente-se que isto não se trata de usucapião, que é forma originária de aquisição da
propriedade e sem pagamento de indenização. Neste caso da desapropriação judicial privada
por posse-trabalho, há esse pagamento, sendo então uma forma de desapropriação.
Há quatro diferenças básicas entre a desapropriação judicial privada por posse-
trabalho e a usucapião coletiva do Estatuto da Cidade:
 Na usucapião coletiva urbana, os ocupantes devem ser de baixa renda. Na
desapropriação judicial privada por posse-trabalho não há essa exigência.
 Na usucapião coletiva urbana, a área deve ter no mínimo 250m², enquanto na
desapropriação judicial privada por posse-trabalho se exige apenas uma extensa
área.
 A usucapião coletiva só se aplica a imóveis urbanos, enquanto a desapropriação
judicial privada por posse-trabalho pode ter por objeto imóveis urbanos ou rurais.
 Na usucapião coletiva urbana, não há indenização, enquanto na desapropriação
judicial privada por posse-trabalho há justa indenização.
Esse instituto representa a efetivação da função social da propriedade, pois a posse
que está sendo exercida sobre a área, somada ao desempenho da atividade positiva sobre o
imóvel, faz com que nasça o direito à propriedade, desde que paga uma justa indenização.
A boa-fé em matéria de posse, como acima afirmado, é subjetiva, estando
relacionada à conduta dos envolvidos.
A desapropriação judicial privada por posse-trabalho pode ser alegada, inclusive,
como matéria de defesa, bem como por ação autônoma.

242
Paulo Batista

3.5. DIFERENÇA ENTRE PROPRIEDADE RESOLÚVEL E PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA

3.5.1. PROPRIEDADE RESOLÚVEL

A propriedade resolúvel é aquela que pode ser extinta pelo advento de uma condição
ou de um termo, ou mesmo por uma causa superveniente, que venha a desconstituir a relação
jurídica. Exemplo disso é a chamada compra e venda com cláusula de retrovenda, quando,
durante o período de até 3 anos (prazo decadencial), a propriedade do comprador é resolúvel,
podendo ser extinta se implementada uma condição ou termo.
Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo
(causa anterior), entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua
pendência (retornando ao status a quo), quando o proprietário, em cujo favor se opera a
resolução, poderá reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.
Contudo, se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor que
a tiver adquirido por título anterior à sua resolução será considerado proprietário pleno,
restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução,ação contra aquele cuja propriedade
se resolveu, podendo reivindicar a própria coisa ou o seu valor.
Exemplo de causa superveniente é a ingratidão do donatário, que pode gerar
revogação da doação e resolução da propriedade.

3.5.2. PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA

O CC trata do aspecto geral da propriedade fidúcia. Porém, há leis específicas


regrando a alienação fiduciária em garantia para bens móveis e imóveis, como será visto
mais à frente.
O art. 1.361 do CC considera fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel
infungível que o devedor tenha, com escopo de garantia, transferido ao credor.
Basicamente, na propriedade fiduciária há este movimento: o devedor transfere a
propriedade fiduciária ao credor, ficando o devedor com a posse direta do bem, podendo usá-
lo. O credor figura como o proprietário da coisa, em condição resolutiva e com posse indireta.
Quitada a dívida, a propriedade do credor se resolve e o devedor assume a propriedade plena.
Sendo assim, a alienação fiduciária em garantia é sempre um contrato acessório a um contrato
principal (em regra, mútuo), mas pode garantir qualquer tipo de obrigação. Isso será visto com
mais detalhes nos próximos capítulos.

3.6. FORMAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL

O Brasil adotou o sistema de aquisição de direitos reais, como regra, com a sua
inscrição junto à matrícula do imóvel no Cartório de Registro Imobiliário. Assim, o estudo
dos direitos reais imobiliários precisa ser feito com o devido exame dos Registros Públicos,
tendo em vista essa natureza constitutiva de direitos.
São formas de aquisição:
 Aquisição originária: independe que qualquer relação antecedente entre alienante
e adquirente, pois não existe propriamente uma transmissão de propriedade.
Ocorre, por exemplo, na acessão, na usucapião e na desapropriação. Acessões são
consideradas as ilhas, aluvião, avulsão, álveo abandonado, plantações,
construções.
 Aquisição derivada: existe a transferência de propriedade, numa relação
antecedente entre alienante e adquirente, como a compra e venda, doação,
sucessão hereditária (saisine) etc.

243
Paulo Batista

3.6.1. FORMAS ORIGINÁRIAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL

O que há aqui é uma propriedade que inicia do zero, sem que haja transferência de
direitos e obrigações, ou mesmo vícios anteriores, como regra geral.

3.6.1.1. ACESSÕES NATURAIS

O art. 1.248 do CC diz que as acessões constituem um modo de aquisição originário da


propriedade, através do qual passa a pertencer ao proprietário tudo aquilo que foi
incorporado natural ou artificialmente na sua propriedade.
São acessões naturais a formação de ilhas, aluvião, avulsão ou abandono de álveo.
São acessões artificiais as plantações ou construções.
Formação de ilhas
A ilha é um acúmulo paulatino de areia, cascalho, materiais que vão sendo levados
pela correnteza, até que ultrapasse o limite da água. Pode ser também rebaixamento da água,
descobrindo uma parte de terra.
O que interessa ao direito civil são as ilhas formadas em rios não navegáveis, ou seja,
particulares, pois, do contrário, serão ilhas públicas. O código estipula que, no caso das ilhas
particulares, elas irão pertencer aos proprietários ribeirinhos que fazem fronteiras ali
(fronteiros).
As regras são as seguintes:
 as ilhas que se formarem no meio do rio: consideram-se acréscimos sobrevindos
aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na proporção de suas
testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais;
 as ilhas que se formarem entre a referida linha e uma das margens: consideram-
se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado;
 as ilhas que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio
continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se
constituíram: se a ilha é produto de um braço do rio que se abriu sobre o terreno
de alguém, a ilha será desse proprietário.
Aluvião
Aluvião é a forma de aquisição da propriedade imóvel em que os acréscimos formados,
sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das
correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem
indenização.
É um processo lentoque se forma em frente de prédios de proprietários diferentes.
Perceba-se que há dois tipos de aluvião:
 Aluvião própria: é o acréscimo natural que vai sendo levado pelas águas do rio, até
que surja a terra.
 Aluvião imprópria: se dá quando as águas se afastam, formando um terreno
descoberto e acréscimo de terra.
Avulsão
Segundo o art. 1.251 do CC, a avulsão se dá quando, por força natural violenta, uma
porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro. Assim, o dono deste adquirirá a
propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em 1
ano, ninguém houver reclamado (prazo decadencial).
Recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a
porção de terra deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida.
Álveo abandonado
Álveo é a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural.
Álveo abandonado é a parte que secou do rio. É o rio que seca, que desaparece.

244
Paulo Batista

Conforme o art. 1.252 do CC, o álveo abandonado de corrente pertence aos


proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos
terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se
estendem até o meio do álveo.

3.6.1.2. ACESSÕES ARTIFICIAIS

Toda construção ou plantação existente em um terreno se presume feita pelo


proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário.
Existem seis regras específicas em relação ao tema (arts. 1.254 – 1.259 do CC):
 Quem semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes, plantas ou
materiais alheios, adquire a propriedade destes materiais, sementes ou plantas,
porém fica obrigado a pagar o valor desses materiais, além de responder por
perdas e danos, se agiu de má-fé.
 Quem semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do
proprietário, as sementes, plantas e construções. Se procedeu de boa-fé, terá
direito a indenização. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente
o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a
propriedade do solo (exceção ao princípio da gravitação jurídica), mediante
pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo. É o que a
doutrina chama de acessão inversa ou invertida.
 Se de ambas as partes houve má-fé, o proprietário adquirirá as sementes,
plantas e construções, devendo ressarcir o valor das acessões. Aqui, uma das
partes tem ciência que está plantando em terreno que não é seu, e o proprietário
sabe que alguém está plantando no seu terreno irregularmente. Em relação ao
proprietário, presume-se a má-fé quando o trabalho de construção, ou lavoura,
fez-se em sua presença e sem impugnação.
 Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em
proporção não superior à vigésima parte deste, o construtor adquire de boa-fé a
propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa
parte invadida, e responde por indenização que cubra o valor da área perdida e a
desvalorização da área remanescente. Essa indenização deve corresponder ao
valor de 5% do terreno, mas também ao valor da desvalorização da área
remanescente.
 Pagando em 10 vezes as perdas e danos, o construtor de má-fé adquire a
propriedade da parte do solo que invadiu,se em proporção à vigésima parte
deste e o valor da construção exceder consideravelmente o dessa parte e não se
puder demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção. Aqui é o
invasor de má-fé. Isso se dá se não puder ser demolida a parte invasora sem grave
prejuízo à construção como um todo.
 Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio for superior a 5%
(vigésima parte) deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido, e
responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à
construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente.
Por outro lado, estando de má-fé, será obrigado a demolir o que nele construiu,
pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro.
O STJ decidiu no sentido de que o construtor, dono dos materiais, poderá cobrar do
proprietário do solo a indenização devida pela construção, quando não puder havê-la do
contratante. Ex: a Empresa "A" contratou uma construtora (Empresa “C”) para fazer um centro
comercial no terreno pertencente à empresa "B". A empresa "B", mesmo não tendo
participado do contrato, poderá ser responsabilizada subsidiariamente, caso a construção seja

245
Paulo Batista

realizada e a construtora (Empresa “C”) não seja paga. Aplica-se, ao caso, o parágrafo único do
art. 1.257 do CC: "O proprietário das sementes, plantas ou materiais poderá cobrar do
proprietário do solo a indenização devida, quando não puder havê-la do plantador ou
construtor (Inf. 593 do STJ).

3.6.1.3. USUCAPIÃO DE BENS IMÓVEIS

A usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade ou de outro direito


real (como usufruto), através de uma posse prolongada e qualificada.
Veja-se que se trata da posse mais nobre que possa existir, pois, além de longeva,
precisa ser qualificada, ou seja, ad usucapionem.
As principais características da posse ad usucapionem são:
 seja exercida com a intenção de dono (animus domini);
 seja mansa e pacífica;
 seja contínua e duradoura, com determinado lapso temporal a ser cumprida. A
exceção é o art. 1.243 do CC, que admite a soma de posses sucessivas;
 seja justa, ou seja, não violenta, não clandestina e não precária;
 caso a posse seja de boa-fé e com justo título, haverá a usucapião ordinária. A
usucapião extraordinária não depende de boa-fé e nem de justo título.
O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido, acrescentar à sua posse a dos
seus antecessores, contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, com justo título e de
boa-fé.
Estende-se ao possuidor as causas que obstam, suspendem ou interrompem a
prescrição, as quais também se aplicam à usucapião. Por isso, a usucapião é considerada uma
prescrição aquisitiva.
São hipóteses impeditivas ou suspensivas da prescrição:
 não corre a prescrição entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
 não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes, durante o poder
familiar;
 não corre a prescrição entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou
curadores, durante a tutela ou curatela;
 não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes(menores de 16 anos);
 não corre a prescrição contra os ausentes do país em serviço público;
 não corre a prescrição contra os que se acharem servindo nas forças armadas,
em tempo de guerra;
 não corre a prescrição pendendo condição suspensiva;
 não corre a prescrição não estando vencido o prazo;
 não corre a prescrição pendendo ação de evicção;
 não corre a prescrição antes da respectiva sentença definitiva, quando a ação se
originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal.
O art. 201 do CC diz que, suspensa a prescrição em favor de um dos credores
solidários, esta suspensão só aproveita aos demais se ela for indivisível.
A interrupção da prescrição somente ocorrerá uma única vez, sendo as hipóteses:
 interrompe a prescrição o despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a
citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
 interrompe a prescrição o protesto judicial ou o protesto cambial;
 interrompe a prescrição a apresentação do título de crédito em juízo de
inventário ou em concurso de credores;
 interrompe a prescrição qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
 interrompe a prescrição qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que
importe reconhecimento do direito pelo devedor.

246
Paulo Batista

A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do


último ato do processo para a interromper.
São modalidades de usucapião de bens imóveis:
 usucapião ordinária;
 usucapião extraordinária;
 usucapião constitucional (especial rural);
 usucapião constitucional (especial urbana);
 usucapião especial urbana por abandono do lar;
 usucapião especial urbana coletiva;
 usucapião especial indígena.
Usucapião ordinária (art. 1.242 do CC)
Adquire a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com
justo título e boa-fé, o possuir por 10 anos.
Portanto, são requisitos:
 posse contínua e duradoura, mansa e pacífica;
 justo título e boa-fé;
 lapso temporal de 10 anos.
O parágrafo único reduz esse prazo para de5 anos, se o imóvel houver sido adquirido,
onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada
posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou
realizado investimentos de interesse social e econômico.Essa é a chamada usucapião tabular.
Usucapião extraordinária (art. 1.238)
Segundo o art. 1.238, aquele que, por 15 anos, sem interrupção, nem oposição,
possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-
fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o
registro no Cartório de Registro de Imóveis. Esse registro não é constitutivo, pois a usucapião
é forma originária de propriedade, como dito. Trata-se de registro declaratório para que haja
eficácia erga omnes.
O prazo será reduzido para 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a
sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Usucapião constitucional ou usucapião especial rural (art. 191 da CF)


É uma usucapião pro labore, gerada pelo trabalho.
Segundo o art. 191 da CF, aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou
urbano, possua como seu, por 5 anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona
rural, não superior a 50 hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,
tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Tal dispositivo foi reproduzido pelo art.
1.239 do CC. Não há exigência de justo título e boa-fé.
O Enunciado 594 do CJF diz que é possível adquirir uma propriedade de menor
extensão do que ao do módulo rural estabelecida para a região, por meio da usucapião
especial rural.
Usucapião constitucional ou usucapião especial urbana ou usucapião pro misero
(art. 183 da CF)
O art. 183 da CF dispõe que o possuidor com área urbana de até 250m²,por 5 anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-
lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
O direito à usucapião especial urbana não é reconhecido ao mesmo possuidor por
mais de uma vez. Essa vedação não se vislumbra da usucapião especial rural.
Destaque-se que o herdeiro legítimo continua de pleno direito à posse de seu
sucessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

247
Paulo Batista

A usucapião especial urbana não exige justo título ou boa-fé.

Usucapião especial urbana por abandono do lar (art. 183 da CF)


A Lei nº 12.424/2011 incluiu a usucapião especial urbana por abandono do lar.
Segundo essa forma, aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem
oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m²cuja
propriedade dividia com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o
para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
O direito da usucapião especial urbana por abandono do lar não é conhecida por mais
de uma vez.
Ressalta-se o entendimento no Enunciado 595 do CJF, estabelecendo que o requisito
do abandono do lar deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como
um abandono voluntário da posse do imóvel, somada à ausência da tutela da família. Não
importa a culpa do fim do casamento ou da união estável.
O imóvel tem que estar em condomínio comum (civil) com o cônjuge ou companheiro,
mas não precisa ser na fração de 50% para cada um. O cônjuge abandonado vai requerer a
usucapião da fração ideal daquele que abandou o bem.

Usucapião especial urbana coletiva


O art. 10 do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2007) diz que as áreas urbanas com
mais de 250m², ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por 5 anos,
ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados
por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os
possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
A usucapião especial coletiva de imóvel urbano é declarada por sentença, a qual
servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis, com natureza, como dito,
declaratória.
Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,
independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo
escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua
posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
A usucapião especial urbana coletiva estabelece um condomínio especial entre os
usucapientes, o qual será indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação
favorável tomada por, no mínimo, 2/3 dos condôminos, no caso de execução de urbanização
posterior à constituição do condomínio.
As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por
maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou
ausentes.
Usucapião especial indígena
Está prevista no Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973).
Segundo o art. 33 do Estatuto, o índio, integrado ou não, que ocupe como próprio,
por 10 anos consecutivos, trecho de terra inferior a 50 hectares, adquirir-lhe-á a propriedade
plena.
Esse artigo não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais,
às áreas reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo
tribal.
Observações:
Usucapião administrativa
Além das modalidades judiciais, a Lei Minha Casa Minha Vida (Lei 11.977/2009)
instituiu a modalidade de usucapião administrativa, efetivada pelo Cartório de Registro de

248
Paulo Batista

Imóveis, a fim de que o poder público legitime a posse, sejam eles públicos ou particulares, a
qual será concedida aos moradores cadastrados pelo poder público, desde que esses não
sejam concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural, e desde que
não sejam beneficiários de uma legitimação de posse concedida anteriormente.
O detentor do título de legitimação de posse, depois de 5 anos, poderá requerer ao
oficial de registro de imóveis que seja convertida a legitimação de posse em registro de
propriedade., desde que se trate de imóvel particular, pois bem público não estará submetido
a esta conversão.
Usucapião extrajudicial
O novo CPC incluiu a modalidade de usucapião extrajudicial na Lei de Registros
Públicos (lei 6.015/73, em seu art. 216-A), em que se permite o reconhecimento da usucapião
na esfera extrajudicial, que correrá integralmente fora do Poder Judiciário, começando no
Tabelião de Notas (com a confecção da ata notarial) e depois no Registro de Imóveis. Somente
em eventuais impugnações, o processo será remetido ao juiz corregedor do cartório. Trata-se
de procedimento facultativo, pois o interessado terá sempre a liberdade de optar pela via
judicial.

3.6.1.4. USUCAPIÃO IMOBILIÁRIA E A QUESTÃO INTERTEMPORAL

O art. 2.029 do CC diz que, até dois 2 após a entrada em vigor do Novo Código Civil, os
prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242, que
tratam da usucapião ordinária e extraordinária, serão acrescidos de 2 anos, qualquer que seja
o tempo transcorrido na vigência do antigo CC de 1916.
É uma regra de transição, apenas para as mencionadas espécies de usucapião.
Para os demais casos, valerá a regra do art. 2.028, o qual estabelece que serão os da lei
anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já
houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

3.6.2. FORMAS DE AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE

3.6.2.1. REGISTRO PÚBLICO

O registro do título aquisitivo é a principal maneira derivada de aquisição da


propriedade imóvel. É o registro que implica transferência da propriedade, possuindo,
portanto, natureza constitutiva de direitos. Por isso é muito importante o estudo de Registros
Públicos, em especial a Lei nº 6.015/73, além de vários diplomas normativos que regulam
aspectos extrajudiciais.
O art. 108 diz que os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre
imóveis devem ser feitos por escritura pública, se o valor do imóvel for superior a 30 salários
mínimos. Do contrário, basta que seja um contrato particular. Ou seja, quando a lei fala
“instrumento público” está se referindo a escritura pública, lavrada perante um Tabelião de
Notas.
A escritura pública, por si só, não transfere a propriedade. Ela é o instrumento do
contrato celebrado (doação, permuta, compra e venda etc.). Para que o contrato produza
efeitos, é preciso que haja o registro imobiliário dessa escritura. É o registro no cartório de
registro de imóveis que levará à transferência do domínio.
O art. 1.245 do CC afirma que a propriedade se transfere entre vivos através do
registro. Ou seja, é forma derivada de aquisição.
Segundo o art. 1.246, o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o
título ao oficial do registro, e este o prenota no protocolo. A partir desse momento, o registro

249
Paulo Batista

é eficaz, ou seja, consagra-se o princípio da prioridade, tendo ela quem primeiro protocolou o
título junto ao registrador.
Se o teor do registro for falso, o interessado poderá requerer que ele seja retificado ou
anulado (art. 1.247). Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel,
independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente.

3.6.2.2. SUCESSÃO HEREDITÁRIA DE BENS IMÓVEIS

Na sucessão hereditária de bens imóveis, a propriedade se transfere no momento


exato do óbito. É uma forma de aquisição derivada da propriedade.
Segundo o art. 1.784, aberta a sucessão, a herança se transmite, desde logo, aos
herdeiros legítimos e testamentários. Esse é o princípio da saisine. Contudo, feita a partilha, o
seu formal precisa ser levado a registro para que haja eficácia contra todos e continuidade no
registro público.

3.7. FORMAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL

A forma mais comum de transferência da propriedade móvel é a tradição, conforme


veremos mais abaixo. Antes, vamos analisar outras espécies de aquisição

3.7.1. OCUPAÇÃO E ACHADO DO TESOURO E ESTUDO DA DESCOBERTA

3.7.1.1. OCUPAÇÃO

O art. 1.263 diz que aquele que se assenhorear de coisa sem dono desde logo lhe
adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.
A ocupação é uma forma de aquisição originária da propriedade (res nullius – coisa de
ninguém).
Pode ser objeto de ocupação inclusive a coisa abandonada por outrem (res derelicta).

3.7.1.2. ACHADO DO TESOURO

O art. 1.264, em sua primeira parte, conceitua o tesouro como sendo o depósito
antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória.
Três são as regras que merecem destaque:
 o tesouro será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o
tesouro casualmente, desde que tenha agido de boa-fé;
 o tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado por ele,
ou em pesquisa que o proprietário ordenou, ou se quem encontrou o tesouro foi
terceiro não autorizado (agiu de má-fé);
 sendo o tesouro encontrado em terreno aforado, o tesouro será dividido por igual
entre o descobridor e o enfiteuta, ou será deste por inteiro quando ele mesmo
seja o descobridor.

3.7.1.3. DESCOBERTA

Quem quer que ache coisa alheia perdida deve restituí-la ao dono ou legítimo
possuidor. Assim, a coisa perdida não é coisa sem dono.
Se o descobridor da coisa não conhecer o dono, deverá tomar todas as medidas
necessárias para encontrá-lo. Caso não o encontre, deverá entregar à autoridade competente.

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Paulo Batista

A autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da imprensa e


outros meios de informação, somente expedindo editais se o seu valor os comportar.
Após 60 dias da divulgação, caso o dono não se apresente, a coisa será vendida em
hasta pública, deduzidas as despesas, a recompensa do descobridor (que não pode ser inferior
a 5%) e o restante pertencerá ao município. Se o valor da coisa for diminuto, o município
poderá abandonar em favor de quem a achou. A recompensa é denominada achádego.
O art. 1.235 diz que o descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário
ou possuidor legítimo, quando tiver procedido com dolo. Não responderá por prejuízos que
tenha causado com culpa.

3.7.2. USUCAPIÃO DE BENS MÓVEIS

É forma originária de aquisição da propriedade.


Há aqui duas formas:
 usucapião ordinária;
 usucapião extraordinária.

3.7.2.1. USUCAPIÃO ORDINÁRIA

Quem possui a coisa móvel como sua, de forma contínua e pacífica, durante 3 anos,
desde que tenha justo título e boa-fé, vai adquirir a propriedade.

3.7.2.2. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA

Neste caso, se a posse da coisa se prolongar por 5 anos, haverá usucapião, sendo
dispensável a boa-fé e o justo título.

3.7.3. ESPECIFICAÇÃO

A especificação é uma forma derivada de aquisição da propriedade móvel.


Especificar consiste na transformação de uma coisa numa nova espécie, através do
trabalho de alguém (especificador).
São regras da especificação:
 A espécie nova (escultura) será de propriedade do especificador, se não for
possível o retorno ao status anterior. Por exemplo, se o dono de uma pedra era
terceiro, deverá o especificador indenizar o dono da coisa anterior. No entanto, o
produto da especificação passa a ser do especificador.
 Se toda a matéria for alheia, e não se puder retornar à forma anterior, e o
especificador tiver agido de boa-fé, a espécie nova será dele.
 Se for possível a redução ao estado anterior, ou quando for impraticável, mas a
espécie nova foi obtida de má-fé, ela pertencerá ao dono da matéria-prima. O art.
1.271 do CC diz que o especificador de má-fé não tem direito sequer a indenização
pelo trabalho.
 Em qualquer caso, inclusive o da pintura em relação à tela, da escultura, escritura
e outro qualquer trabalho gráfico em relação à matéria-prima, a espécie nova será
do especificador, se o seu valor exceder consideravelmente o da matéria-prima.
A regra é a de que a coisa especificada pertença ao especificador. Excepciona-se o caso
de má-fé, em que a coisa retornará ao dono da matéria-prima, sem direito à indenização ao
especificador.
Ainda que o especificador tenha agido de má-fé, se a coisa especificada tiver valor
consideravelmente superior ao valor da matéria-prima, continuará a coisa como sendo dele.

251
Paulo Batista

3.7.4. CONFUSÃO, COMISTÃO E ADJUNÇÃO

Essas três categorias são formas derivadas de aquisição da propriedade móvel.


Ocorre quando coisas pertencentes a diversas pessoas diferentes se misturam, de
forma que é impossível o retorno ao status anterior, ou seja, é impossível separá-las.
 Confusão há mistura de coisas líquidas ou mesmo entre gases. Ex.: mistura de
álcool com vinho; álcool com gasolina.
 Comistão é a mistura de coisas sólidas e secas, não sendo mais possível separar.
Ex.: mistura de areia com cimento.
 Adjunção é a justaposição, ou seja, é a sobreposição de uma coisa sobre a outra
coisa, não havendo mais como separá-las. Ex.: tinta na parede não dá mais para
separar.
São regras fundamentais:
 Se a coisa pertencer a diversos donos, e sendo elas confundidas, misturadas ou
adjuntadas sem o consentimento deles, continuam pertencendo a esses donos
diversos, desde que seja possível separá-las sem deterioração.
 Não sendo possível a separação das coisas, ou exigindo dispêndio excessivo, fica
mantido indivisível o todo, cabendo a cada um dos donos quinhão proporcional
ao valor da coisa com que entrou para a mistura ou agregado. Se uma das coisas
puder considerar-se principal, será o dono do principal o dono do todo,
indenizando os demais.
 Se a confusão, comistão ou adjunção se operou de má-fé, à outra parte caberá
escolher entre adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu,
abatida a indenização que lhe for devida, ou renunciar ao que lhe pertencer, caso
em que será indenizado. Essa decisão entre comprar o que falta ou vender o que
tem será tomada pelo condômino de boa-fé, e o de má-fé fica sujeita à decisão do
condômino de boa-fé.
 Se da união de matérias de natureza diversa se formar espécie nova, à confusão,
comissão ou adjunção aplicam-se as normas da especificação.
O Código fala em comissão, mas a doutrina aponta que o correto seria comistão.

3.7.5. TRADIÇÃO

A tradição é a forma mais comum de transmissão de propriedade de coisas móveis.


Traduz a entrega da coisa móvel ao adquirente, com a intenção de transmissão de
propriedade. A intenção das partes é sempre imprescindível para caracterizar o negócio
jurídico, pois, a simples entrega de uma caneta a alguém pode significar uma compra e venda,
uma doação ou um comodato, por exemplo.
O art. 1.267 do CC diz que a propriedade das coisas não se transfere pelos negócios
jurídicos antes da tradição. Portanto, para transferir a propriedade, é necessário haver a
tradição do bem móvel.
A tradição pode ser real, simbólica ou ficta.
 Tradição real: é a efetiva entrega da coisa a quem adquiriu a coisa.
 Tradição ficta: o parágrafo único afirma que há tradição quando o transmitente
continua a possuir a coisa, utilizando-se do instituto do constituto possessório.
Ex.: A era o dono, mas vendeu a coisa para B, e, em seguida, celebra contrato de
aluguel, para que ele permanecesse na posse da coisa pediu para que a coisa fosse
alugada para ele. João aceitou alugar a coisa a Samer, continuando com a coisa
consigo, sendo possuidor. Não houve a entrega efetiva, mas houve uma tradição
ficta, pelo constituto possessório. Também haverá tradição ficta quando o

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Paulo Batista

adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico, passando a


ser o dono da coisa. A isso se dá o nome de traditio brevi manu.
 Tradição simbólica: por outro lado, quando o adquirente cede o direito à
restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro, há uma tradição
simbólica, sendo denominada de traditio longa manus.
O art. 1.268 do CC trata da alienação a non domino, ou seja, alienação por quem não
era o dono. Nessas situações, a tradição não implicará transferência da propriedade, exceto se
a coisa oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em
circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, poderia crer que o
alienante se afiguraria dono da coisa. Mais uma vez, a aplicação do Princípio da Aparência.
Se o adquirente estiver de boa-fé, e o alienante adquirir posteriormente a
propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a
tradição.
O §2º do mesmo artigo diz que não transfere a propriedade a tradição quando houver
por título um negócio jurídico nulo.

3.7.6. SUCESSÃO HEREDITÁRIA DE BENS MÓVEIS

É a aplicação do princípio da saisine, que se dá com a abertura da sucessão. Contudo,


vale lembrar que a sucessão hereditária, até a partilha, tem natureza real imobiliária, ainda
que formada apenas por bens móveis. É uma ficção jurídica, que considera a sucessão
hereditária indivisível e com natureza imobiliária, até que ocorrida a partilha.

3.7.7. PERDA DA PROPRIEDADE IMÓVEL E MÓVEL

O art. 1.275 do CC elenca outras hipóteses de perda da propriedade:


 perda da propriedade por alienação;
 perda da propriedade pela renúncia;
 perda da propriedade por abandono;
 perda da propriedade por perecimento da coisa;
 perda da propriedade por desapropriação.
O imóvel urbano abandonado pelo proprietário, com a intenção de não mais o
conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outra pessoa, poderá ser
arrecadado, como bem vago. Passados 3 anos, será incorporado à propriedade do respectivo
Município ou do Distrito Federal.
O imóvel rural que tenha sido abandonado, todavia, poderá ser arrecadado como bem
vago, também em 3 anos, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.
O §2º do art. 1.275 do CC cria uma presunção, muito criticada pela doutrina,
afirmando que se presume de modo absoluto a intenção, quando, cessados os atos de posse,
deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais. A jurisprudência também tempera e
modera este dispositivo.

4. DIREITO DE VIZINHANÇA

4.1. CONCEITO

O direito de vizinhança são limitações impostas aos titulares de direitos reais, para que
exista uma boa convivência social. É um conjunto de normas de convivência entre titulares de
direitos ou possuidores que estejam fisicamente próximos uns aos outros.

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Paulo Batista

As normas relativas aos direitos de vizinhança são claras limitações ao exercício da


propriedade, existindo pelo simples fato de uma propriedade ser vizinha de outra. Essas
obrigações estão vinculadas à coisa, perseguindo-a, ou seja, são obrigações propter rem
(ambulatoriais).

4.2. USO ANORMAL DA PROPRIEDADE

O problema da vizinhança ocorre quando há um uso anormal da propriedade. O


proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências
prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam o prédio, provocadas pela
utilização de propriedade vizinha. Existe para cessar interferências prejudiciais à segurança, ao
sossego e à saúde, evitando-se o abuso do direito.
O parágrafo único do art. 1.277 do CC diz que são proibidas as interferências externas,
considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio. Além disso, é necessário
que sejam atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites
ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.
Para verificar se há abuso ao direito de propriedade, é preciso verificar os limites
ordinários comuns de tolerância dos moradores de vizinhança.
O direito de alegar o uso anormal da propriedade não prevalece quando as
interferências forem justificadas por interesse público. Nesse caso, o proprietário ou o
possuidor vizinho, causador delas, pagará ao vizinho indenização cabal. Atente-se que não
haverá ilicitude, e sim o uso normal da propriedade. Pode ainda o vizinho exigir a sua
redução, ou eliminação, quando esta redução ou eliminação se tornarem possíveis.
O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a
demolição, ou a reparação do prédio, quando ele estiver ameaçado de ruína, bem como
poderá exigir que seja prestada caução pelo perigo de dano iminente.
O proprietário ou o possuidor de um prédio em que alguém tenha direito de fazer
obras pode, no caso de dano iminente, exigir do autor as necessárias garantias contra o
prejuízo eventual.
São possíveis várias demandas judiciais fundadas no exercício anormal da propriedade,
como ação de obrigação de fazer, de não fazer, ação de reparar o dano, ação demolitória, ação
de nunciação de obra nova, visando embargar a obra (todas de procedimento comum) bem
como dano infecto, exigindo do vizinho que preste uma caução, havendo risco iminente dano.

4.3. ÁRVORES LIMÍTROFES

A árvore limítrofe é aquela cujo tronco esteja na linha divisória, caso em que será
presumida, de forma relativa,que ela pertence em comum aos donos dos prédios confinantes.
Há uma presunção de condomínio.
As raízes e os ramos de árvore que ultrapassarem a estrema do prédio poderão ser
cortados (raiz ou galhos), até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido
(Art. 1.283 do CC). O direito de fazer a poda não pode comprometer a vida da árvore, já que a
propriedade também deve observar a sua função socioambiental.
Os frutos caídos da árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram,
se este for de propriedade particular.

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Paulo Batista

4.4. PASSAGEM FORÇADA E DA PASSAGEM DE CABOS E TUBULAÇÕES

4.4.1. PASSAGEM FORÇADA

O dono do prédio que não tiver acesso à via pública, nascente ou a porte, poderá,
mediante pagamento de indenização, constranger o vizinho para que ele dê acesso à
passagem. Tal acesso à via pública pelo imóvel encravado, mediante passagem forçada, se for
feito amigavelmente, será judicialmente fixado.
O imóvel que não tem acesso é o imóvel encravado.
Será constrangido o vizinho que tenha o imóvel que mais natural e facilmente se
preste a esta passagem, conforme o §1º do art. 1.285 do CC.
Se ocorrer a alienação parcial do imóvel serviente, ou seja, uma delas também perde
acesso à via pública e à nascente, o proprietário da outra parte também deverá tolerar essa
passagem. O acesso à via é a única forma de o imóvel efetivamente cumprir sua função social.
Não se deve confundir passagem forçada com servidão, em especial com a chamada
servidão de passagem.
 Passagem forçada: é um instituto de direito de vizinhança, sendo obrigatória. Aqui
há o pagamento de uma indenização, já que se está constrangendo o imóvel
vizinho.
 Servidão de passagem: é um direito real de gozo, de fruição, não sendo, em regra,
obrigatória, ressalvadas algumas exceções, como as servidões administrativas.

4.4.2. CABOS E TUBULAÇÕES

Além da imposição da passagem forçada, o Código trata de forma semelhante a


passagem de cabos e tubulações.
Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da área
remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem através de seu imóvel, de
cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em
proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente
onerosa.
Aqui é a ideia de função social da propriedade somado ao interesse público indireto.
O proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja feita de modo menos
gravoso ao prédio onerado, bem como, depois, seja removida, à sua custa, para outro local do
imóvel.
Se as instalações oferecerem grave risco, será facultado ao proprietário do prédio
onerado exigir a realização de obras de segurança.

4.5. ÁGUAS

O dono ou possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que corram


naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo. A
condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo
dono ou possuidor do prédio superior. Até porque a passagem do prédio superior ao inferior
deve se dar da forma menos gravosa possível.
Em relação aos escoamentos artificiais da água, de um prédio superior ao inferior,
poderá o proprietário do prédio inferior reclamar que se desvie ou que seja indenizado pelos
prejuízos que experimentar. Dessa indenização será deduzido o benefício que recebeu.
O proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas pluviais, satisfeitas as
necessidades de seu consumo, não pode impedir, e nem desviar o curso natural das águas
remanescentes pelos prédios inferiores.

255
Paulo Batista

O possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às


primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores. As demais, que não se
mostrem indispensáveis, se as poluir, deverá recuperá-las, ressarcindo os danos que estes
sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas.
O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para
represamento de água em seu prédio. Se as águas represadas invadirem prédio alheio, será o
seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido (art. 1.292
do CC).
O art. 1.293 do CC prevê algumas regras importantes:
 É permitido a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários
prejudicados, construir canais, através de prédios alheios, para receber as águas a
que tenha direito, indispensáveis às primeiras necessidades da vida, e, desde que
não cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria, bem como para o
escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos.
 Ao proprietário prejudicado nesse caso, também assiste direito a ressarcimento
pelos danos que experimentou ou de que, no futuro, venha a experimentar, em
decorrência da infiltração ou irrupção das águas.
 Ao proprietário prejudicado terá direito à indenização por conta da deterioração
das obras destinadas a canalizar essas águas.
 O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea essa canalização
que atravessa áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou quintais.
 O aqueduto será construído de maneira que cause o menor prejuízo aos
proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas do seu dono, a quem incumbem
também as despesas de conservação.
Com relação ao aqueduto, não haverá o impedimento de que os proprietários
cerquem os imóveis e construam sobre ele, sem prejuízo para a sua segurança e
conservação.Além disso, os proprietários dos imóveis poderão usar das águas do aqueduto
para as primeiras necessidades da vida.
Havendo no aqueduto águas supérfluas, outros poderão canalizá-las, mediante
pagamento de indenização aos proprietários prejudicados e ao dono do aqueduto, de
importância equivalente às despesas que então seriam necessárias para a condução das águas
até o ponto de derivação.
Têm preferência os proprietários dos imóveis atravessados pelo aqueduto.
Nesse sentido, o STJ decidiu que o proprietário de imóvel tem direito de construir
aqueduto no terreno do seu vizinho, independentemente do consentimento deste, para
receber águas provenientes de outro imóvel, desde que não existam outros meios de
passagem de águas para a sua propriedade e haja o pagamento de prévia indenização ao
vizinho prejudicado.

4.6. DIREITO DE TAPAGEM E LIMITES ENTRE PRÉDIOS

É o direito que o proprietário tem de cercar, murar, valar ou tapar, de qualquer


modo,o seu prédio urbano ou rural.
A norma consagra o direito de constranger o confinante a proceder com ele a
demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos
ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as despesas para essa
tapagem.
Cria-se, assim, um condomínio necessário, entre os proprietários confinantes,
relativamente ao muro que deverão construir. Ou seja, os intervalos, muros, cercas e os
tapumes divisórios, tais como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas,
presumem-se, até prova em contrário, pertencer a ambos os proprietários confinantes,

256
Paulo Batista

sendo estes obrigados, de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer, em


partes iguais, para as despesas de sua construção e conservação.
Atente-se que as sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de marco
divisório, só podem ser cortadas, ou arrancadas, de comum acordo entre proprietários.
É possível a construção de tapumes especiais para impedir a passagem de animais de
pequeno porte, ou para outro fim. Nesse caso, a construção pode ser exigida de quem
provocou a necessidade, pelo proprietário, que não está obrigado a concorrer para as
despesas.
Por fim, sendo confusos os limites entre as propriedades, se não houver outro meio,
serão determinadas conforme a posse justa. Não se achando posse justa provada, o terreno
contestado dividir-se-á por partes iguais, ou, não sendo possível a divisão cômoda, adjudicar-
se-á a um deles, mediante indenização ao outro.

4.7. DIREITO DE CONSTRUIR

O art. 1.299 do CC diz que o proprietário pode levantar em seu terreno as construções
que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos. São várias
as limitações que podem incidir sobre imóveis, muitas delas previstas em leis municipais, como
planos diretores, e outras no próprio registro de loteamentos e condomínios edilícios.
O proprietário construirá de forma a não permitir que o prédio despeje águas,
diretamente, sobre o prédio vizinho, pois, do contrário, haveria o uso abusivo da propriedade.
O que ganha relevância é o direito de privacidade entre os vizinhos. Por isso, é
proibido abrir janelas, fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de 1.5 m do terreno
vizinho.Na zona rural, não será permitido levantar edificações a menos de 3 metros do
terreno vizinho.
Desrespeitando essas regras, o proprietário prejudicado poderá propor ação
demolitória, sem prejuízo de reparação civil.
Em relação aos imóveis urbanos, as janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória,
bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de 0.75 centímetros.
Existe uma distinção quanto às aberturas de luz ou aberturas de ventilação.
As vedações de construção de 1.5 m, 3 m ou 0.75 cm não se aplicam quando as
aberturas não sejam maiores do que 0.10 cm de largura, 0.20 cm de cumprimento e estejam
construídas a mais de 2 metros de altura de cada piso.
Nas cidades, vilas e povoados cuja edificação estiver adstrita a alinhamento, o dono
de um terreno pode nele edificar, madeirando na parede divisória do prédio contíguo, se ela
suportar a nova construção.Nesse caso, o proprietário terá de embolsar ao vizinho metade do
valor da parede e do chão correspondentes explorados. Há o direto de travejamento ou direito
de madeiramento, que é o direito de colocar uma madeira ou viga no prédio vizinho para
utilizar da melhor forma possível o prédio.
O direito de travejamento ou madeiramento está previsto também no art. 1.305 do
CC, que estabelece que o confinante que primeiro construir o muro pode assentar a parede
divisória, até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o direito a haver meio
valor dela se o vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará a largura e a profundidade do
alicerce.
Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e não houver capacidade para ser
travejada pelo outro, não poderá o outro fazer um alicerce ao pé dessa parede sem prestar
caução, pelo risco a que expõe a construção anterior.
O condômino da parede-meia pode utilizá-la até ao meio da espessura, desde que não
ponha em risco a segurança ou a separação dos dois prédios, e avisando previamente o outro
condômino das obras que ali tenciona fazer.

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Paulo Batista

O art. 1.307 do CC introduz o direito de alteamento, que serve para deixar o muro
mais alto, tendo o direito de aumentá-lo. Neste caso, o código estabelece que qualquer dos
confinantes pode altear a parede divisória, se necessário reconstruindo-a, para suportar o
alteamento, caso em que o dono da obra arcará com todas as despesas, inclusive de
conservação, ou com metade, se o vizinho adquirir meação também na parte aumentada.
Não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões, fornos ou quaisquer
aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais ao
vizinho.
Não é permitido fazer escavações ou quaisquer obras que tirem ao poço ou à nascente
de outrem a água indispensável às suas necessidades normais.
O CC veda a realização de obras ou de serviços que sejam suscetíveis de provocar
desmoronamento ou deslocamento de terra, ou que comprometa a segurança do prédio
vizinho. Só poderá ser realizada esse tipo de obra após forem efetivadas obras acautelatórias
(art. 1.311 do CC). O proprietário do prédio vizinho tem direito a ressarcimento pelos
prejuízos que sofrer, ainda que tenham sido realizadas as obras acautelatórias.
O art. 1.313 do CC reconhece que o proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a
tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, em algumas hipóteses, tais
como:
 Quando dele temporariamente usar, quando for indispensável à reparação,
construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório;
 Quando for necessário se apoderar de coisas suas, inclusive animais que aí se
encontrem casualmente.
Estas regras se aplicam aos casos de limpeza ou reparação de esgotos, goteiras,
aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo de cerca viva.
Na hipótese de o vizinho se apoderar de coisas suas, uma vez entregues, poderá ser
impedida a entrada do vizinho no imóvel.

5. DO CONDOMÍNIO

5.1. CONCEITO

Condomínio ocorre quando a propriedade é exercida por mais de uma pessoa.


O condomínio pode ser classificado de algumas formas:
Quanto à origem, o condomínio é classificado como:
 Condomínio voluntário ou convencional: aqui, um acordo de vontades criou o
condomínio.
 Condomínio incidente ou eventual: motivos estranhos à vontade dos condôminos
criaram o condomínio.
 Condomínio necessário ou legal: é o condomínio imposto pela lei (ex.: muro que
divide duas propriedades).
Quanto ao objeto do condomínio, poderá ser:
 Condomínio universal: compreenderá a totalidade dos bens. É a regra.
 Condomínio particular: compreenderá determinadas coisas ou determinados
efeitos. Isso será possível quando estiver previsto no ato de instituição do
condomínio.
Quanto à forma do condomínio:
 Condomínio pro diviso: determina no plano fático, concreto e corpóreo, quanto é
o direito de propriedade de cada condômino.
 Condomínio pro indiviso: não é possível determinar de modo corpóreo qual é o
direito que cada um dos condôminos têm.

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Paulo Batista

5.2. CONDOMÍNIO VOLUNTÁRIO OU CONVENCIONAL

O tratamento do código civil a respeito do condomínio voluntário exclui o condomínio


em edificações (condomínio edilício), o qual terá o tratamento separado.
O art. 1.314 do CC diz que, cada condômino pode usar da coisa conforme sua
destinação, e pode exercer sobre essa coisa todos os direitos compatíveis com a indivisão,
reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.
O que não se pode é impedir que o outro condômino também se valha ou se utilize da
coisa, ressalvadas hipóteses legais.
Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem poderá dar
posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.
O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de
conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita. A CC presume
como sendo iguais as partes ideais dos condôminos.
Pode o condômino se eximir do pagamento das despesas e dívidas, desde que
renuncie à sua parte ideal (art. 1.316 do CC).Se os demais condôminos assumirem as despesas
e as dívidas, a renúncia lhes aproveita, adquirindo a parte ideal de quem renunciou, na
proporção dos pagamentos que fizerem. Todavia, se não há condômino que faça os
pagamentos, a coisa comum será dividida.
Quando a dívida houver sido contraída por todos os condôminos, sem se discriminar a
parte de cada um na obrigação, nem se estipular solidariedade, entende-se que cada qual se
obrigou proporcionalmente ao seu quinhão na coisa comum(Art. 1.317 do CC).
As dívidas contraídas por um dos condôminos em proveito da comunhão, e durante
ela, obrigam o contratante; mas terá este ação regressiva contra os demais.
Cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa e pelo
dano que a causou, sempre descontada a sua fração.
A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum,
respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão. Veja-se que o CC
estimula a divisão do condomínio civil (não do edilício!), por já ser comum a tradição de que
tal instituto é a causa de inúmeras disputas entre os coproprietários. Se essa divisão não for
amigável, deverá ser proposta ação de divisão
Sendo o bem indiviso, caberá a alienação judicial da coisa, dividindo-se o valor
correspondente na proporção de cada quinhão.
Os condôminos podem acordar que fique indivisa a coisa comum por prazo não maior
de 5 anos, suscetível de prorrogação.
Atente-se que não poderá exceder de 5 anos a indivisão estabelecida pelo doador ou
pelo testador. Ou seja, não se permite a prorrogação.
Se houver o requerimento de qualquer interessado e se graves razões o
aconselharem, pode o juiz determinar a divisão da coisa comum antes do prazo de indivisão.
Se a coisa for indivisível, e os condôminos não quiserem adjudicá-la a um só dos
condôminos, esta coisa deverá ser vendida. Uma vez vendida, será repartido o apurado,
preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os
condôminos, aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, se não houver tais
benfeitorias (mais valiosas), o condômino que tiver o quinhão maior.
Se nenhum dos condôminos tiver benfeitorias na coisa comum e participam todos do
condomínio em partes iguais, realizar-se-á licitação especial.
Antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço, a licitação será
procedida entre os condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada a quem afinal oferecer
melhor lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino ao estranho.

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Paulo Batista

5.2.1. ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO

O art. 1.323 do CC dispõe sobre a administração da coisa comum, de forma que o


administrador possa ser um condômino, ou ainda um estranho ao condomínio.
Em relação à administração e às decisões do condomínio, será calculado a maioria com
base nos quinhões de cada condômino, as quais têm força vinculativa e são tomadas por
maioria absoluta. Não sendo possível alcançar maioria absoluta, decidirá o juiz, a
requerimento de qualquer condômino, ouvidos os outros.
Deliberando a maioria sobre a administração da coisa comum, escolherá o
administrador, que poderá ser estranho ao condomínio; resolvendo alugá-la, preferir-se-á, em
condições iguais, o condômino ao que não o é.
Os frutos da coisa comum, não havendo em contrário estipulação ou disposição de
última vontade, serão partilhados na proporção dos quinhões.

5.3. CONDOMÍNIO NECESSÁRIO

As situações típicas de condomínio necessário são as de direito de vizinhança.


O proprietário tem direito de estremar o imóvel com parede, muro, cerca ou vala,
tendo o mesmo direito de adquirir a meação da parede, muro, cerca ou vala que o vizinho já
fez, embolsando metade do que atualmente valer a obra e o terreno por ela ocupado.

5.4. CONDOMÍNIO EDILÍCIO

O condomínio edilício possui extrema relevância no ramo do direito de propriedade,


do direito obrigacional, ambiental e urbanístico, e precisa ser estudado com atenção, face à
complexidade do instituto. Aqui também haverá uma forte atuação do Direito Registral, uma
vez que a instituição do condomínio ocorre com o seu registro no Cartório de Registro de
Imóveis.
Se houver oferta de unidades autônomas à venda durante das obras (chamados de
“venda de imóveis na planta”), não haverá ainda condomínio edilício, mas sim a chamada
incorporação imobiliária (Lei nº 4.591/1964). Com o fim das obras, concedido o habite-se, o
condomínio pode ser registrado, passando a existir juridicamente. Em resumo, enquanto
houver obras, temos a incorporação imobiliária; após as obras, institui-se o condomínio
edilício. Ambos os procedimentos tramitam no Cartório de Registro de Imóveis, que fará
exame minucioso quanto à saúde financeira do incorporador e o atendimento de todas as
regras legais e administrativas destes institutos.
Segundo o art. 1.331 do CC, no condomínio edilício haverá duas modalidades de áreas:
 Áreas privativas: são unidades autônomas, como apartamentos, salas comerciais,
lotes no condomínio de lotes, etc. Essas partes podem ser alienadas, gravadas
livremente pelo seu proprietário, não havendo direito de preferência dessas áreas
exclusivas dentro do condomínio edilício.
 Áreas comuns: são as partes de propriedade comuns dos condôminos, como vigas,
estrutura do prédio, telhado, rede de distribuição de água, esgoto, quadras de
esportes, áreas de lazer, acesso até a rua, etc. Essas partes não podem ser objeto
de usucapião, ressalvadas, em algumas hipóteses, as vagas de garagem.
A jurisprudência é pacífica no sentido de que não há relação jurídica consumerista
entre condômino e condomínio.
Para a estruturação do condomínio edilício, são essenciais dois atos:
 instituição do condomínio edilício;
 constituição do condomínio edilício.

260
Paulo Batista

O art. 1.332 do CC diz que a instituição do condomínio edilício por ato entre vivos ou
testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis.
Da instituição de condomínio devem constar:
 discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva,
estremadas uma das outras e das partes comuns;
 determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno
e partes comuns;
 finalidade para que as unidades se destinam.
Em relação à convenção de condomínio, que constitui o estatuto coletivo que regula
os interesses dos condôminos, ela deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, 2/3 das
frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as
unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.
Para ela ser obrigatória perante terceiros (erga omnes) deverá ser registrada no
Cartório de Registro de Imóveis.
A convenção é regida pela força obrigatória da convenção (pacta sunt servanda), mas
esta convenção encontra limitações em preceitos sociais e normas de ordem pública.
A convenção de condomínio deve determinar basicamente o que está previsto no art.
1.334 do CC:
 determinará a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos
condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do
condomínio;
 determinará sua forma de administração;
 determinará a competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum
exigido para as deliberações;
 determinará as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;
 determinará o regimento interno.
A convenção poderá ser feita por escritura pública ou por instrumento particular.
O condomínio edilício é ente despersonalizado, apesar de algumas divergências na
doutrina, possuindo apenas a personalidade judiciária, podendo ser parte em processo. O STJ
recentemente decidiu que condomínio não pode sofrer dano moral.

5.4.1. DIREITOS E DEVERES DOS CONDÔMINOS

Segundo o art. 1.335 do CC, são direitos do condômino:


 usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;
 usar das partes comuns, conforme a sua destinação, desde que não exclua a
utilização dos demais coproprietários;
 votar nas deliberações da assembleia e delas participar, desde que esteja quite
com as obrigações do condomínio. Caso não esteja com pagamentos em dia,
poderá presenciar a assembleia, mas sem direito a voto.
O art. 1.336 do CC diz que são deveres do condômino:
 contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais,
salvo disposição em contrário na convenção;
 não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
 não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
 dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de
maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos
bons costumes.

261
Paulo Batista

5.4.2. PENALIDADES A QUE ESTÁ SUJEITO O CONDÔMINO

O §1º do art. 1.336 do CC diz que o condômino que não pagar o seu rateio ficará
sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de1% ao mês e
multa de até 2% sobre o débito.
Essa norma é de ordem pública.
O §2odiz que 2/3 dos condôminos podem deliberar pela imposição de uma multa, no
montante de até 5 vezes o valor do rateio condominial, para o condômino que tenha
realizado obra que comprometeu a segurança da edificação, que tenha alterado a forma ou a
cor da fachada, tenha dado uma destinação diferente à sua fração ideal, ou, ainda, que tenha
utilizado a sua parte de forma indevida.
Se o condômino não observar os seus deveres, 2/3 dos condôminos poderão impor
multa cujo valor pode chegar a até 5 vezes o valor da cota condominial, além das perdas e
danos que se apurarem.
O condômino, ou possuidor, que não cumprir reiteradamente com os seus deveres
perante o condomínio poderá, por deliberação de 3/4 dos condôminos restantes, ser
constrangido a pagar multa de até ao 5 vezes do valor atribuído à contribuição para as
despesas condominiais, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Ainda, o condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial,
gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá
ser constrangido a pagar multa correspondente ao10 vezes do condomínio, até ulterior
deliberação da assembleia.
A jurisprudência diverge, mas há entendimento no sentido de que, a depender da
incompatibilidade, poderia a assembleia deliberar pela expulsão do indivíduo, o que não é
pacífico na doutrina. Sem embargo, toda e qualquer infração, assim como a sua respectiva
punição, devem constar previamente da convenção do condomínio e ser precedida de ampla
defesa e contraditório.
Segundo o STJ, o condômino não pode, sem a anuência de todos os condôminos,
alterar a cor das esquadrias externas de seu apartamento para padrão distinto do empregado
no restante da fachada do edifício, ainda que a modificação esteja posicionada em recuo, não
acarrete prejuízo direto ao valor dos demais imóveis e não possa ser vista do térreo, mas
apenas de andares correspondentes de prédios vizinhos.
O STJ também já entendeu que, ainda que tenha sido estipulado na convenção original
de condomínio ser irrevogável e irretratável cláusula que prevê a divisão das despesas do
condomínio em partes iguais, admite-se ulterior alteração da forma de rateio, mediante
aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos, para que as expensas sejam suportadas na
proporção das frações ideais.
Também decidiu que, em assembleia condominial, o condômino proprietário de
diversas unidades autônomas, ainda que inadimplente em relação a uma ou algumas destas,
terá direito de participação e de voto relativamente às suas unidades que estejam em dia com
as taxas do condomínio.
O condômino que tenha sido demandado pelo condomínio em ação de cobrança deve
participar do rateio das despesas do litígio contra si proposto.
Por fim, o condomínio, em regra, só responde por atos ilícitos praticados por terceiros
em seu interior (furtos, danos, roubos) se houver previsão expressa na convenção
autorizando essa responsabilização.

262
Paulo Batista

5.4.3. DIREITO DE PREFERÊNCIA. ALIENAÇÃO DE PARTES ACESSÓRIAS E COMUNS

O art. 1.338 do CC estabelece que, resolvendo o condômino alugar área no abrigo para
veículos, haverá preferência, em condições iguais, de qualquer dos condôminos a estranhos, e
entre todos os possuidores.
O que há aqui é a garantia do direito de preferência entre os condôminos.
É preciso que haja na convenção do condomínio autorização expressa para que a vaga
de garagem possa ser alegada para um terceiro, nos termos do art. 1.331 do CC. Para
alienação da vaga de garagem para um terceiro, é preciso autorização da convenção e
inexistência de contrariedade pela assembleia-geral.

5.4.4. DESPESAS CONDOMINIAIS

As despesas (rateio) condominiais são obrigações propter rem. Isso quer dizer que o
adquirente responderá pelos débitos de quem alienou a unidade, inclusive com multas e com
juros, conforme o art. 1.345 do CC.
É obrigatório o seguro de toda a edificação contra o risco de incêndio ou destruição,
total ou parcial. Trata-se de uma norma de ordem pública.

5.4.5. ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO

A administração do condomínio é feita por pessoas e órgão relacionados ao


condomínio:
 síndico;
 assembleia;
 conselho fiscal.
O conselho fiscal é facultativo.

5.4.5.1. SÍNDICO

O síndico é o administrador geral do condomínio, podendo ou não ser um condômino.


O prazo de sua gestão não poderá ser superior a 2 anos.
Segundo o art. 1.348 do CC, compete ao síndico:
 convocar a assembleia dos condôminos;
 representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora
dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;
 dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial
ou administrativo, de interesse do condomínio;
 cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da
assembleia;
 diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos
serviços que interessem aos possuidores;
 elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;
 cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas
devidas;
 prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas;
 realizar o seguro da edificação.
O síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de
representação ou as funções administrativas, mediante aprovação da assembleia, salvo
disposição em contrário da convenção.

263
Paulo Batista

Em casos excepcionais, o síndico poderá ser destituído pela assembleia, com voto da
maioria absoluta, desde que tenha praticado irregularidades, não prestado contas, ou não
administrado convenientemente o condomínio, garantido o contraditório e ampla defesa.

5.4.5.2. ASSEMBLEIA

No condomínio edilício há assembleia geral ordinária e extraordinária.


 assembleia-geral ordinária: é convocada pelo síndico anualmente, a qual irá
aprovar o orçamento, a prestação de contas e eleger outro síndico ou alteração do
regimento interno.Se o síndico não convocar a referida assembleia, 1/4 dos
condôminos poderá fazer essa convocação. Se a assembleia não se reunir, haverá
decisão judicial, por iniciativa de qualquer condômino.
 assembleia-geral extraordinária: pode ser convocada para tratar de temas
relevantes ou de temas urgentes, podendo ser convocada pelo síndico ou por 1/4
dos condôminos.
Segundo o STJ, a alteração de regimento interno de condomínio edilício depende de
votação com observância do quórum estipulado na convenção condominial. Com a Lei nº
10.931/2004, foi ampliada a autonomia privada dos condôminos, os quais passaram a ter
maior liberdade para definir o número mínimo de votos necessários para a alteração do
regimento interno.
Em relação ao quórum das votações, são regras:
 alteração da convenção: depende da aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos
a alteração da convenção;
 mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária (deixar de ser
residencial para ser comercial): depende da aprovação pela unanimidade dos
condôminos;
 realização de obras no condomínio:
 obras voluptuárias: depende de aprovação de 2/3 dos condôminos;
 obras úteis: voto da maioria dos condôminos;
 obras necessárias: não precisão de autorização, pois servem para manter o
funcionamento e as condições do condomínio;
 construção de outro pavimento ou outro edifício com novas unidades:
dependerá da aprovação da unanimidade dos condôminos.
Salvo quando houver quórum especial, as deliberações serão tomadas, em 1ª
convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes,que representem pelo menos
metade das frações ideais.Em 2ª convocação, a assembleia poderá deliberar por maioria dos
presentes, salvo quando exigido quórum especial.

5.4.5.3. CONSELHO FISCAL

O conselho fiscal pode ser criado ou não. É um órgão consultivo financeiro, composto
por 3 membros, dando parecer às contas do síndico. Os membros serão eleitos pelo prazo não
superior a dois anos.

5.4.6. EXTINÇÃO DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO

A extinção do condomínio pode se dar quando:


 edificação for total ou consideravelmente destruída;
 edificação ameaçar ruína, e os condôminos deliberarem pela demolição;
 desapropriação do imóvel, passando a pertencer ao poder público.

264
Paulo Batista

Se for deliberada a reconstrução, poderá o condômino eximir-se do pagamento das


despesas respectivas, alienando os seus direitos a outros condôminos, mediante avaliação
judicial.
Se for realizada a venda, em que se preferirá, em condições iguais de oferta, o
condômino ao estranho, será repartido o apurado entre os condôminos, proporcionalmente
ao valor das suas unidades imobiliárias.
Havendo desapropriação, a indenização será repartida na proporção das unidades
imobiliárias.

5.4.7. CONDOMÍNIO EM MULTIPROPRIEDADE

Tal modalidade de condomínio foi criada pela Lei nº 13.777/2018 e está prevista a
partir do art. 1.358-B do Código Civil. Voltemos a lembrar que a lei pode criar novos direitos
reais, como ocorreu nesse caso.
A multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de
um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e
gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma
alternada. Veja-se, assim, que há um condomínio civil (frações ideias da área) e uma divisão
também de tempo (frações de tempo). É muito comum aos contratos de temporada. Essas
disposições vão regular as relações jurídicas entre os condôminos.
Constitui-se a multipropriedade por ato entre vivos ou testamento, registrado no
competente cartório de registro de imóveis, devendo constar daquele ato a duração dos
períodos correspondentes a cada fração de tempo.
Sendo assim, para a criação ou alienação da multipropriedade, valem as regras gerais
quanto ao instrumento, que precisará ser público, salvo as exceções legais.
Cada fração de tempo é considerada indivisível e o período correspondente a cada
fração de tempo será de, no mínimo, 7 (sete) dias, seguidos ou intercalados.
Já a transferência do direito de multipropriedade e a sua produção de efeitos perante
terceiros dar-se-ão na forma da lei civil e não dependerão da anuência ou cientificação dos
demais multiproprietários. Nem sempre haverá direito de preferência na alienação de fração
de tempo, salvo se estabelecido no instrumento de instituição ou na convenção do
condomínio em multipropriedade em favor dos demais multiproprietários ou do instituidor do
condomínio em multipropriedade.
A administração do imóvel e de suas instalações, equipamentos e mobiliário será de
responsabilidade da pessoa indicada no instrumento de instituição ou na convenção de
condomínio em multipropriedade, ou, na falta de indicação, de pessoa escolhida em
assembleia geral dos condôminos.
A extinção da multipropriedade ocorrerá nas mesmas situações em que extinto o
condomínio.

5.4.8. CONDOMÍNIO DE LOTES

Modalidade criada pela Lei nº 13.465/2017.


Sempre houve muita divergência sobre a possibilidade de os municípios e do DF
regulamentarem os condomínios de lotes não edificados. Contudo, com o advento da lei, essa
discussão está superada.
Consiste em haver, em terrenos, partes designadas de lotes (unidades autônomas),
que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
Funcionam como se fossem condomínios edilícios, mas sem construção das áreas exclusivas,
apenas das partes comuns.
Não se deve confundir condomínio de lotes com loteamento urbano.

265
Paulo Batista

Basicamente, os loteamentos urbanos são regidos pela Lei nº 6.766/1979 e se dividem


em áreas públicas (ruas, equipamentos, áreas verdes, áreas institucionais) e lotes (unidades
imobiliárias). Já no condomínio de lotes, toda a área é privada, dividida em áreas privativas e
comuns. São institutos juridicamente distintos em absoluto, mas tal distinção somente é
constatada ao examinar os atos de sua criação no Cartório de Registro de Imóveis. Olhando
ambos apenas pelo seu aspecto físico, não será possível saber se se trata de loteamento ou de
condomínio de lotes.

6. DIREITO REAL DE AQUISIÇÃO DO PROMITENTE COMPRADOR

O compromisso de compra e venda é uma espécie de contrato preliminar. Pode ser


utilizado para a futura compra de lotes (em loteamentos urbanos), futura compra de
unidades autônomas de condomínio edilício (em incorporações imobiliárias) ou para outros
futuros negócios de natureza estritamente civil (uma futura compra e venda comum).
A razão do grande sucesso do compromisso de compra e venda se dá pelo fato de ele
ser menos oneroso, pois não se exige o pagamento de instrumento público.
Para que haja a instituição do direito real de aquisição do promitente comprador, é
preciso que o compromisso de compra e venda do imóvel esteja registrado na sua matrícula,
com cláusula de irretratabilidade, pois senão só haverá efeitos inter partes. Uma vez
registrado, o imóvel deverá ser transmitida pelo promitente comprador, uma vez quitado o
preço. Caso não transmitido, caberá ação de adjudicação compulsória seja em face do
promitente vendedor ou de terceiros.
Segundo o STJ, o promitente comprador, amparado em compromisso de compra e
venda de imóvel cujo preço já tenha sido integralmente pago, tem o direito de requerer
judicialmente, a qualquer tempo, a adjudicação compulsória do imóvel. Segundo a súmula 239
daquela Corte, a adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso,
mas esse registro ainda é preciso para que haja efeito erga omnes.
Essa é a redação do art. 1.417 do CC, dizendo que, mediante promessa de compra e
venda, em que não se pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou
particular, e registrada no cartório de registro de imóveis, o promitente comprador adquire
direito real à aquisição do imóvel.
Se houver inadimplemento do compromissário comprador, o promitente vendedor
poderá pleitear ação de rescisão contratual cumulada com reintegração de posse, exigindo-se
que o devedor seja notificado, a fim de constituí-lo em mora absoluta (que é esgotamento da
oportunidade de pagar o valor devido e purgar a mora), ainda que haja cláusula resolutiva
expressa.
Assim, vencida e não paga a prestação, o contrato será considerado rescindido se, 30
dias após ser constituído em mora o devedor, ele não purgar a mora.
A Súmula 543 do STJ, estabelecendo que, na hipótese de resolução de contrato de
promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor,
deverá ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador–
integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou
parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
O STJ entende que é nula cláusula contratual que preveja a perda de todas as parcelas
pagas pelo compromissário comprador.
Merece atenção também a súmula 308 do STJ, a qual diz que, no caso de
construção/incorporação, a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, seja
anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante
os adquirentes dos imóveis.

266
Paulo Batista

Como decorrência da súmula, a jurisprudência do STJ admite que a ação proposta pelo
compromissário comprador seja em face do agente financeiro e do promitente vendedor, em
litisconsórcio passivo necessário, para a outorga da inscrição definitiva e liberação da hipoteca.

7. DIREITOS REAIS DE GOZO OU FRUIÇÃO

7.1. INTRODUÇÃO

Os direitos reais de gozo ou fruição são aqueles em que há uma divisão dos atributos
da propriedade, quando haverá uma transmissão a uma outra pessoa do direito de usar, gozar
ou fruir da coisa.
Assim, são direitos reais de gozo ou fruição:
 superfície;
 servidão;
 usufruto;
 uso;
 habitação;
 concessão de direito real de uso;
 concessão de uso especial para fins de moradia.

7.2. SUPERFÍCIE

A superfície é um direito real autônomo, podendo ser gratuito ou oneroso, temporário


ou vitalício. Nele, o proprietário concede a uma outra pessoa o direito de construir ou de
plantar em seu terreno. Esse direito recai sempre sobre bens imóveis, através de instrumento
público, devidamente registrado.
Na superfície há, de um lado, o proprietário (fundieiro), e do outro há o superficiário,
que é quem recebe o imóvel.
O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto
da concessão, mas as partes podem pactuar de forma distinta.
A propriedade superficiária pode ser autonomamente objeto de direitos reais, seja de
gozo ou de garantia (hipoteca). No caso da garantia, não se pode exceder a duração da
concessão da superfície.
É possível adquirir por usucapião o direito de superfície, apesar de extremamente raro.
Admite-se a constituição do direito de superfície por cisão.
Se a superfície for concedida onerosamente, essa remuneração, que pode ser
parcelada ou de uma só vez, é chamada de solarium ou cânon superficiário.
O superficiário deve responder pelos encargos e tributos que incidem sobre o bem,
conforme art. 1.371 do CC.
Pode haver ainda a transferência da superfície para terceiros, inclusive para os
herdeiros, caso o superficiário venha a morrer. Não poderá ser estipulado pelo concedente, a
nenhum título, qualquer pagamento pela transferência.
Se ocorrer a alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o
proprietário tem direito de preferência, em igualdade de condições.
O Enunciado 510 do CJF diz que, ao superficiário que não tenha sido previamente
notificado pelo proprietário para exercer o seu direito de preferência, é assegurado, no prazo
de 6 meses (decadencial), contados do registro da alienação, adjudicar para si o bem,
mediante o depósito do preço.
Essa mesma ideia vale para o fundieiro, se for vendido o direito de superfície, tendo o
prazo de 6 meses para adjudicar a coisa para si, em igualdade de condições.
Existem correntes em sentido diverso, que discordem desse enunciado.

267
Paulo Batista

A superfície poderá se extinguir antes do termo final previsto no contrato. Isso


ocorrerá se o superficiário der ao terreno uma destinação diversa da pactuada, daquela que
motivou a concessão do direito de superfície (art. 1.374 do CC).
Com a extinção da superfície, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre
o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não
houverem estipulado o contrário.
Atente-se à diferença entre a superfície do Código Civil e a superfície do Estatuto da
Cidade.
 Superfície do Código Civil: poderá recair sobre imóvel urbano ou rural. Além disso,
poderá ter exploração para construções ou plantações. Em regra, não existe
autorização para utilização do subsolo ou do espaço aéreo. Aqui, há uma cessão
que se dá por prazo determinado, como regra.
 Superfície prevista no Estatuto da Cidade: poderá recair sobre imóvel urbano. Não
traz restrição sobre exploração para construções ou plantações, podendo ser
qualquer utilização compatível com a política urbana. Não proíbe a utilização para
o subsolo ou espaço aéreo. Aqui, a cessão poderá ser por prazo determinado ou
indeterminado, a depender do contrato.
No caso de extinção do direito de superfície em consequência de desapropriação, a
indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente ao direito real de
cada um.

7.3. SERVIDÕES

Por meio da servidão, um prédio proporciona a utilidade para outro prédio, sendo este
último gravado. Trata-se de um prédio (serviente) servindo a outro prédio (dominante).
Segundo o art. 1.378, a servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e
grava o prédio serviente, que pertence a dono diverso, e constitui-se mediante declaração
expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de
Registro de Imóveis.
A servidão não se presume, tendo uma origem clara, sendo este um negócio jurídico
inter vivos (contrato) ou negócio mortis causa (testamento), ou ainda usucapião. Isso porque é
possível a usucapião de servidão aparente, que, segundo o CC, ainda pode durar 20 anos
(extraordinária).
Há uma crítica da doutrina quanto a isso, pois, se em 15 anos o sujeito já adquire a
propriedade por meio da usucapião extraordinária não faria sentido adquirir a servidão em 20
anos. Porém, é isso que diz a lei.
Além disso, servidão poderá ser instituída por meio de sentença judicial, no caso de
reconhecimento de servidão que está sendo discutido.
Em síntese, são formas de constituição da servidão:
 declaração expressa do proprietário;
 testamento;
 destinação do proprietário;
 sentença judicial.
Não se pode esquecer que a servidão não se confunde com passagem forçada, como
dito acima.

7.3.1. CLASSIFICAÇÃO DAS SERVIDÕES

Quanto à natureza dos prédios envolvidos:


 servidão rústica: quando os prédios estão em zona rural;
 servidão urbana: quando os prédios estão em área urbana.

268
Paulo Batista

Em relação à conduta das partes:


 servidão positiva: exercida por meio de um ato positivo, comissivo. Ex.: servidão
de passagem é um fazer;
 servidão negativa: exercida por meio de um ato negativo, omissivo. Ex.: servidão
de não construir.
Quanto ao modo de exercício:
 servidão contínua: a servidão que independe do ato humano. Ex.: servidão de
passagem de água;
 servidão descontínua: precisa de uma atuação humana, como é a servidão de
passagem de pessoas.
Quanto à forma de exteriorização:
 servidão aparente: evidenciada no plano concreto e fático. Ex.: na servidão de
passagem, é possível ver pessoas caminhando;
 servidão não aparente: não é revelada no plano exterior, fático ou concreto. Ex.:
servidão de não construir.

7.3.2. OBRAS NA SERVIDÃO

O art. 1.380 do CC diz que o dono de uma servidão pode fazer todas as obras
necessárias à sua conservação e ao seu uso, e, se a servidão pertencer a mais de um prédio,
serão as despesas rateadas entre os respectivos donos.
Essas obras devem ser feitas pelo dono do prédio dominante, se o contrário não
dispuser expressamente o título.
A servidão pode ser removida, de um local para outro, podendo ser feita:
 pelo dono do prédio serviente à sua custa, desde que não diminua as vantagens
do prédio dominante;
 pelo dono do prédio dominante à sua custa, se houver considerável incremento
para sua utilidade e não prejudicar o prédio serviente.

7.3.3. FINALIDADE DA SERVIDÃO

A servidão é regida pelo princípio da menor onerosidade ao imóvel serviente e se


restringe às necessidades do prédio dominante, evitando-se agravar o encargo ao prédio
serviente.
Por isso, constituída para um certo fim a servidão, não poderá ela se ampliar para
outro fim. Ex.: servidão para passagem de gado não poderá ser ampliada para cultura agrícola.
Nas servidões de trânsito, a servidão maior inclui a servidão de menor ônus, e a
servidão menor exclui a servidão mais onerosa. Ex.: Se a servidão é de passagem de carro,
inclui a passagem de pessoas, pois esta é menos onerosa do que aquela. Porém, se a servidão
é para passagem de pessoas, não incluirá a passagem de carro, que é mais onerosa.
Se as necessidades da cultura, ou da indústria, do prédio dominante impuserem àquela
servidão uma maior largueza, ou seja, se mostrando necessárias, o dono do serviente é
obrigado a se submeter, mas deverá ser indenizado pelo excesso.

7.3.4. INDIVISIBILIDADE DA SERVIDÃO

O exercício da servidão é regido pelo princípio da indivisibilidade. Conforme o art.


1.386 do CC, as servidões prediais são indivisíveis, e subsistem, no caso de divisão dos
imóveis, em benefício de cada uma das porções do prédio dominante, continuando a gravar
cada uma das do prédio serviente, salvo se, por natureza, ou destino, só se aplicarem a certa
parte de um ou de outro.

269
Paulo Batista

7.3.5. EXTINÇÃO DAS SERVIDÕES

O dono do prédio serviente tem direito ao cancelamento da servidão quando:


 houver renúncia do seu titular;
 tiver cessado a utilidade ou a comodidade da servidão para o prédio dominante;
 dono do prédio serviente resgatar a servidão.
Resgate da servidão é feito por escritura pública, escrita tanto pelo proprietário do
prédio dominante quanto pelo proprietário do prédio serviente, em que se declara a sua
quitação e que há a previsão de autorização para que se proceda ao cancelamento do assento
da servidão.
A servidão também se extingue pela desapropriação.
O art. 1.389 do CC ainda diz que também se extingue a servidão, ficando ao dono do
prédio serviente a faculdade de fazê-la cancelar, mediante a prova:
 da reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa (confusão real);
 da supressão das respectivas obras por efeito de contrato, ou de outro título
expresso;
 do não uso durante 10 anos contínuos.

7.4. USUFRUTO

O usufruto é o direito real de gozo ou fruição por excelência.


De um lado, há o usufrutuário, que tem o direito de usar e fruir a coisa, tendo o seu
domínio útil. Do outro lado, há o nu-proprietário, que tem o direito de reaver e dispor da
coisa.
O usufruto pode recair sobre um ou mais bens, móveis ou imóveis, ou sobre um
patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e
utilidades.
O usufruto de bens imóveis vai ser constituído através de registro no Cartório de
Registro de Imóveis, quando não resultar de usucapião. Veja, é possível a usucapião de
usufruto, apesar de raro.

7.4.1. CLASSIFICAÇÃO DO USUFRUTO

 Usufruto legal: quando decorre da lei. Não precisa ser registrado nesse caso. Ex.:
usufruto do pai em relação ao bem do filho menor.
 Usufruto voluntário: é feito pela convenção das partes. Pode ter origem em
testamento ou em contrato. Ex.: doação de um bem pelo pai ao filho, mas reserva
o usufruto para si.
 Usufruto misto: é o que decorre da usucapião, pois há o efeito da lei e o efeito da
vontade do usucapiente.
Havendo justo título e boa-fé, o prazo para a usucapião de usufruto é de 10 anos. Se
não houver, o prazo é de 15 anos.
Quanto ao seu objeto, o usufruto poderá ser:
 Usufruto próprio: recai sobre bens infungíveis e inconsumíveis. Ao final do
usufruto, o usufrutuário vai restituir o bem ao nu-proprietário.
 Usufruto impróprio: recai sobre bens fungíveis ou consumíveis. O usufrutuário se
torna proprietário da coisa. Ao final do usufruto, irá restituir o equivalente, já que
a coisa era consumível. Se o equivalente não existir, será restituído em dinheiro.
Em relação à duração:

270
Paulo Batista

 Usufruto temporário: há um certo prazo de duração estabelecido. Sendo pessoa


jurídica, o prazo máximo do usufruto é de 30 anos.
 Usufruto vitalício: há usufruto enquanto o usufrutuário viver. Caso seja para uma
pessoa natural, e não existindo prazo para o término, o usufruto é vitalício. A
morte do nu-proprietário não é causa de extinção do usufruto, e sim a morte do
usufrutuário. Os herdeiros do nu-proprietário continuarão com a propriedade
limitada (direito de reaver e de dispor), mas o usufruto continuará com o
usufrutuário.
O art. 1.393 do CC diz que não se pode transferir o usufruto por alienação. O que
pode fazer é ceder o seu exercício, seja a título gratuito ou oneroso. Assim, o usufruto em si é
inalienável.
Sendo inalienável o direito real de usufruto, há que se considerar que o usufruto
também é impenhorável, mas não se confundirá a impossibilidade de se penhorar o usufruto,
com a possibilidade de se penhorar os frutos que decorrem o usufruto.
Veja, não pode penhorar o direito de usufruir, mas o produto desse seu direito pode
ser penhorado.

7.4.2. DIREITOS DO USUFRUTUÁRIO

O usufrutuário tem direito de posse, uso, administração e percepção dos frutos.


Ainda, o usufrutuário tem direito aos frutos naturais pendentes ao iniciar o usufruto,
sem encargo de pagar as despesas de produção.
Todavia, ao tempo que se cessar o usufruto, os frutos que estiverem pendentes
também pertencerão ao nu-proprietário, sem compensação das despesas.
O usufrutuário poderá usufruir do prédio, mas não poderá mudar a sua destinação
econômica, sem que o nu-proprietário expressamente o autorize.
Quando o usufruto recair sobre títulos de crédito, o usufrutuário tem direito a
perceber os frutos e a cobrar as respectivas dívidas. Cobradas as dívidas, o usufrutuário
aplicará, de imediato, a importância em títulos da mesma natureza, ou em títulos da dívida
pública federal, com cláusula de atualização monetária segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos.
Segundo o art. 1.397 do CC, as crias dos animais pertencem ao usufrutuário,
deduzidas quantas bastem para inteirar as cabeças de gado existentes ao começar o usufruto.
Os frutos civis, vencidos na data inicial do usufruto, pertencem ao proprietário, e ao
usufrutuário os vencidos na data em que cessa o usufruto.

7.4.3. DEVERES DO USUFRUTUÁRIO

Antes de receber o usufruto, o usufrutuário deverá inventariar os bens que está


recebendo, dizendo seu estado e prestando caução, real ou fidejussória, caso ela seja exigida
pelo dono da coisa.
Não será obrigado à caução o doador que se reservar o usufruto da coisa doada.
O usufrutuário que não quiser ou não puder prestar a caução, perderá o direito de
administrar o objeto do usufruto, caso em que a administração ficará a cargo do proprietário,
que está obrigado a entregar ao usufrutuário o rendimento do bem, deduzidas as despesas da
administração e a sua remuneração na condição de administrador.
O usufrutuário não é obrigado a pagar pelas deteriorações do uso regular do usufruto.
Contudo, terá que indenizar, caso haja culpa de sua parte, havendo responsabilidade subjetiva
do usufrutuário.
Incumbe ao usufrutuário as despesas ordinárias para conservação do bem.

271
Paulo Batista

Ao nu-proprietário, incumbe a reparação extraordinária da coisa. Além disso, as partes


deverão assumir as reparações ordinárias não módicas, ou seja, quando a despesa for superior
a 2/3 do rendimento líquido daquele ano.
Se a coisa, objeto de usufruto for desapropriada, a indenização ficará sub-rogada no
ônus do usufruto, no lugar do prédio.

7.4.4. EXTINÇÃO DO USUFRUTO

O usufruto se extingue com o cancelamento do registro no Cartório de Registro de


Imóveis:
 pela renúncia;
 pela morte do usufrutuário;
 pelo termo de sua duração;
 pela extinção da pessoa jurídica em favor de quem o usufruto foi constituído, ou
pelo decurso de 30 anos da data em que se começou a exercer;
 pela cessação do motivo de que se origina (ex.: filho virou maior de idade,
cessando para o pai);
 pela destruição da coisa;
 pela consolidação (usufrutuário passa a ser o proprietário da coisa);
 por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens,
não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de
títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no
parágrafo único do art. 1.395 do CC;
 pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399
do CC).
Constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas (usufruto simultâneo ou em
conjunto), será extinta a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se houver
uma estipulação expressa sobre o direito de acrescer, estabelecendo que o quinhão desses
couber ao sobrevivente. Em regra, a morte do usufrutuário implica fim de 50% do usufruto.
É necessária disposição expressa do direito de acrescer.

7.5. USO

É direito personalíssimo de uso do bem, não sendo possível a sua fruição. O art. 1.412
do CC diz que o usuário apenas usará a coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as
necessidades suas e de sua família.
Serão avaliadas as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e
o lugar onde viver. Atente-se que as necessidades da família do usuário compreendem as de
seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico.
O art. 1.413 do CC estabelece que são aplicáveis ao uso, no que não for contrário à sua
natureza, as disposições relativas ao usufruto.

7.6. HABITAÇÃO

Aqui o titular do direito só poderá habitar o bem. Trata-se do mais restrito dos direitos
reais sobre coisas alheias.
De um lado, há o proprietário, do outro, o habitante.
Esse direito real pode ser legal ou convencional.
O caráter gratuito da habitação é claro, conforme o art. 1.414 do CC, que estabelece
que, quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente coisa alheia, o titular deste
direito não poderá alugá-la, nem emprestá-la, mas simplesmente ocupá-la com sua família.

272
Paulo Batista

Há um caráter personalíssimo ao direito real de habitação, não sendo viável que o


habitante institua um benefício semelhante em favor de terceiro.
É proibido o direito real de habitação de 2º grau, tendo em vista seu caráter
personalíssimo.
Se houver um direito real de habitação simultâneo, qualquer uma das partes pode
habitar, podendo haver uma convivência compulsória.
São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições
relativas ao usufruto.

7.7. CONCESSÕES ESPECIAIS PARA USO E MORADIA

Esses direitos reais se referem a áreas públicas, normalmente invadidas e tomadas por
favelas, a fim de regularizar juridicamente essa situação. Estão previstos nos arts. 7º e 8º do DL
271/67, atualizado pela Lei nº 11.481/07.
Segundo o art. 7o, é instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou
particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real
resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização,
industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas,
preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras
modalidades de interesse social em áreas urbanas.
A concessão do direito de uso para fins de moradia consta da MP 2.220/01, que
continua em vigor.
O seu art. 1º afirma que, aquele que ocupou como seu, por 5 anos ininterruptamente,
e sem oposição, imóvel urbano de até 250m², utilizando-o como moradia, terá direito à
concessão de uso especial para fins de moradia, desde que não seja proprietário ou
concessionário, seja urbano ou rural.

8. DIREITOS REAIS DE GARANTIA

8.1. INTRODUÇÃO

Existem direitos reais de garantia sobre coisa própria e sobre coisa alheia.
As características básicas dos direitos reais de garantia são:
 Preferência: o credor hipotecário e o pignoratício têm preferência no pagamento
em relação aos outros credores, em razão da coisa reservada como garantia.
Contudo, a lei cria outras categorias de credores preferenciais.
 Indivisibilidade: o pagamento de uma prestação não importa exoneração parcial
da garantia, ainda que se compreendam vários bens. Via de regra, a garantia é
indivisível.
 Sequela: se um bem é garantido, mesmo na alienação, o direito real permanece,
acompanhando-o, esteja ele sob a titularidade de qualquer terceiro.
 Excussão: o credor, hipotecário ou pignoratício, tem direito de excutir a coisa
hipotecada ou empenhada. Isso quer dizer que o credor pode promover a sua
execução e alienação forçada.
Atente-se que é nula cláusula que autoriza o credor hipotecário, pignoratício e
anticrético a ficar com o bem objeto da garantia. É a nulidade do pacto comissório real.
Somente aquele que pode alienar o bem é que pode dar o bem em garantia Da mesma
forma, somente os bens que possam ser alienados é que podem ser dados em garantia.
Assim, são requisitos para que seja dado um bem em garantia real:
 Requisito subjetivo: o requisito subjetivo é que o sujeito seja proprietário e, sendo
casado, é necessária a outorga conjugal.

273
Paulo Batista

O §1º do art. 1.420 do CC diz que a propriedade superveniente torna eficaz,


desde o registro, as garantias reais estabelecidas por quem não era dono. Ou
seja, o requisito subjetivo é o fato de ser dono. Se ainda não era dono, mas se
tornou de forma superveniente, a garantia se convalesce.
A coisa comum não pode ser dada em garantia real em sua totalidade sem o
consentimento de todos os condôminos. Todavia, o coproprietário poderá dar
individualmente em garantia real a parte que tiver.
 Requisito objetivo: o bem deve ser alienável, pois, do contrário, não poderá ser
dado em penhor, hipoteca ou anticrese.
São requisitos do contrato que constitui o penhor, anticrese ou hipoteca, sob pena de
não terem eficácia:
 estar previsto o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo;
 estar previsto o prazo fixado para pagamento;
 estar prevista a taxa dos juros, se houver;
 estar previsto o bem dado em garantia com as suas especificações.
A dívida será considerada vencida quando:
 o bem dado em garantia se deteriorar ou se depreciar, e o devedor, intimado, não
a reforçar ou substituir;
 quando o devedor cair em insolvência ou falir;
 quando não forem pagas pontualmente as prestações, toda vez que deste modo
se achar estipulado o pagamento. neste caso, o recebimento posterior da
prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução
imediata;
 quando houver o perecimento do bem dado em garantia, e não for substituído;
 quando for desapropriado o bem dado em garantia, situação em que será
depositado o preço que for necessária para o pagamento integral do credor.
Nos casos de perecimento do bem dado em garantia, haverá sub-rogação na
indenização do seguro, ou no ressarcimento do dano, em benefício do credor, a quem
assistirá sobre ela preferência até sua completa satisfação.
É possível que terceiro preste garantia real por dívida alheia, mas não ficará obrigado a
substituí-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, perca-se, deteriore-se, ou se desvalorize
(art. 1.427 do CC).
Quando, excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para
pagamento da dívida e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo
restante.

8.2. PENHOR

O penhor é um direito real de garantia, em regra, sobre coisa alheia móvel (mas há
exceções para imóveis, como será visto) ou sobre direitos.
Nunca se deve confundir “penhorar” com “empenhar”. Penhorar é um termo
processual, em execução ou cumprimento de sentença, quando um bem do devedor, móvel
ou imóvel, sofre uma constrição judicial para garantir o pagamento. Já empenhar, isso sim, é
dar a coisa em garantia de alguma obrigação, nada tendo a ver com a existência de uma ação
judicial.

8.2.1. CONSTITUIÇÃO DO PENHOR

O penhora é constituído, em regra, sobre bens móveis, podendo ser constituído sob
bens de acessão intelectual. Ocorre também, em regra, a transferência da posse de bem. A

274
Paulo Batista

exceção está no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, quando a coisa empenhada
continua na posse do devedor.
As partes do penhor são:
 Credor pignoratício: pode ser o credor da obrigação ou o terceiro.
 Devedor pignoratício: é o devedor da obrigação.
A instituição do penhor pode se dar por instrumento público ou particular, a ser levado
a registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos.
O registro é elemento essencial para que o penhor tenha eficácia real e erga omnes. Se
não for levado a registro, o negócio tomará uma feição contratual, gerando apenas efeito inter
partes.

8.2.2. DIREITOS DO CREDOR PIGNORATÍCIO

O credor pignoratício terá, via de regra:


 direito à posse da coisa empenhada;
 direito à retenção da coisa, até que o indenizem das despesas devidamente
justificadas que tiver feito, não sendo ocasionadas por culpa sua;
 direito ao ressarcimento do prejuízo que houver sofrido por vício da coisa
empenhada;
 direito a promover a execução judicial, ou a venda amigável, se lhe permitir
expressamente o contrato, ou lhe autorizar o devedor mediante procuração;
 direito a apropriar-se dos frutos da coisa empenhada que se encontrar em seu
poder;
 direito a promover a venda antecipada, mediante prévia autorização judicial,
sempre que haja receio fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore,
devendo o preço ser depositado. O dono da coisa empenhada pode impedir a
venda antecipada, substituindo-a, ou oferecendo outra garantia real idônea.
O credor não pode ser constrangido a devolver a coisa empenhada, ou uma parte dela,
antes de ser integralmente pago o valor garantido, podendo o juiz, a requerimento do
proprietário, determinar que seja vendida apenas uma das coisas, ou parte da coisa
empenhada, suficiente para o pagamento do credor.

8.2.3. DEVERES DO CREDOR PIGNORATÍCIO

Segundo o art. 1.435 do CC, o credor pignoratício:


 tem o dever de custodiar a coisa, como depositário, e a ressarcir ao dono a perda
ou deterioração de que for culpado, podendo ser compensada na dívida, até a
concorrente quantia, a importância da responsabilidade;
 tem o dever de defender a posse da coisa empenhada e a dar ciência, ao dono
dela, das circunstâncias que tornarem necessário o exercício de ação possessória;
 tem o dever de imputar o valor dos frutos de que se apropriar (art. 1.433, inciso V,
do CC) nas despesas de guarda e conservação, nos juros e no capital da obrigação
garantida, sucessivamente;
 tem o dever de restituir o bem empenhado,com os respectivos frutos e acessões,
uma vez paga a dívida;
 tem o dever de entregar o que sobeje do preço, quando a dívida for paga.

8.2.4. MODALIDADES DE PENHOR

São as modalidades de penhor:

275
Paulo Batista

 penhor legal;
 penhor convencional;

8.2.4.1. PENHOR LEGAL

Penhor legal é o penhor que decorre da lei, sendo os credores pignoratícios:


 hospedeiros e fornecedores de alimentos sobre as bagagens, móveis, joias,
dinheiro de seus fregueses que tiveram consigo, pelas despesas que tiverem
ocasionado no hotel ou no restaurante;
 dono do prédio locado (locador) é credor pignoratício sobre os bens móveis que o
inquilino tiver guarnecendo no local, pelo valor dos aluguéis, condomínio, etc.;
 artista e do técnico de espetáculo: o art. 31 da Lei nº 6.533/1978 consagra o
penhor legal em favor do artista e do técnico de espetáculo, sobre o equipamento
e todo o material de propriedade do empregador, utilizado na realização de
programa, espetáculo ou produção, pelo valor das obrigações não cumpridas pelo
empregador.

8.2.4.2. PENHOR CONVENCIONAL

O penhor convencional decorre da vontade das partes.


O penhor convencional comum é uma forma ordinária de penhor, cujo objeto é um
bem móvel com a transmissão da posse ao credor. Ex.: joia na Caixa Econômica Federal.
Por outro lado, o penhor convencional pode assumir um caráter especial. Portanto, há
penhor convencional especial:
 penhor rural (agrícola e pecuário);
 penhor industrial e mercantil;
 penhor de títulos de crédito.
Penhor rural
O penhor rural é especial, pois se constitui sobre imóveis. Há o registro do penhor no
Cartório de Registro de Imóveis da CIRCUNSCRIÇÃO em que estiverem situadas as coisas
empenhadas, realizado por meio de instrumento público ou particular.
O devedor emite, em favor do credor, cédula rural pignoratícia. A cédula, portanto, é
o instrumento da garantia.
Nesta modalidade não há entrega do bem ao credor. O bem continua na posse direta
do devedor.
Existem duas modalidades de penhor rural:
 penhor agrícola;
 penhor pecuário.
O penhor agrícola e o penhor pecuário não podem ser convencionados por prazos
superiores aos das obrigações garantidas. Embora vencidos os prazos, permanece a garantia,
enquanto subsistirem os bens que a constituem.
A prorrogação do penhor deve ser averbada à margem do registro respectivo,
mediante requerimento do credor e do devedor.
Se o prédio estiver hipotecado, o penhor rural poderá constituir-se
independentemente da anuência do credor hipotecário, mas não lhe prejudica o direito de
preferência, nem restringe a extensão da hipoteca, ao ser executada. O art. 1.441 do CC diz
que tem o credor direito a verificar o estado das coisas empenhadas, inspecionando-as onde
se acharem.
Penhor agrícola
O penhor agrícola poderá ter como objeto:
 máquinas e instrumentos de agricultura;

276
Paulo Batista

 colheitas pendentes, ou em via de formação;


 frutos acondicionados ou armazenados;
 lenha cortada e carvão vegetal;
 animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola.
Esses bens são considerados imóveis por acessão física industrial ou por acessão física
intelectual.
Consoante o art. 1.443 do CC, o penhor agrícola que recai sobre colheita pendente,
ou em via de formação, abrange a imediatamente seguinte, no caso de frustrar-se ou ser
insuficiente a que se deu em garantia.
Se o credor não financiar a nova safra, o devedor poderá constituir com outrem um
novo penhor, em quantia máxima equivalente à do primeiro. O segundo penhor terá
preferência sobre o primeiro, abrangendo este apenas o excesso apurado na colheita seguinte.
Penhor pecuário
Segundo o art. 1.444do CC, podem ser objeto de penhor animais que integram a
atividade pastoril, agrícola ou de lacticínios.
Esses animais serão considerados imóveis por acessão intelectual.
O devedor pignoratício não poderá alienar os animais empenhados sem prévio
consentimento, por escrito, do credor.
Quando o devedor pretender alienar o gado empenhado ou, por negligência, ameace
prejudicar o credor, este poderá requerer que se depositem os animais sob a guarda de
terceiro, ou exigir o pagamento imediato da dívida.
Os animais da mesma espécie, comprados para substituir os mortos, ficam sub-
rogados no penhor.
Presume-se a substituição, mas não terá eficácia contra terceiros, se não constar de
menção adicional ao respectivo contrato, a qual deverá ser averbada.
Penhor industrial e mercantil
Esse penhor terá por objeto:
 máquinas, aparelhos, materiais, instrumentos instalados e em funcionamento,
com os acessórios ou sem eles;
 animais utilizados na indústria;
 sal e bens destinados à exploração das salinas;
 produtos de suinocultura, animais destinados à industrialização de carnes e
derivados;
 matérias-primas e produtos industrializados.
Os bens aqui serão considerados imóveis por acessão intelectual e permanecerão na
posse do devedor.
O penhor industrial e mercantil é constituído mediante instrumento público ou
particular, registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição onde estiverem
situadas as coisas empenhadas.
O devedor poderá emitir em favor do credor um instrumento representativo do
respectivo crédito, sendo denominada de cédula de crédito industrial ou cédula de crédito
mercantil.
O devedor não pode, sem o consentimento por escrito do credor, alterar as coisas
empenhadas ou mudar-lhes a situação, nem delas dispor. O devedor que, anuindo o credor,
alienar as coisas empenhadas, deverá repor outros bens da mesma natureza, que ficarão sub-
rogados no penhor.
Tem o credor direito a verificar o estado das coisas empenhadas, inspecionando-as
onde se acharem, por si ou por pessoa que credenciar.
Penhor de títulos de crédito (ou penhor de direito)
O penhor de direito é constituído através de instrumento público ou particular,
registrado no Cartório de Registro de Títulos e Documentos.

277
Paulo Batista

Podem ser objeto de penhor direitos, suscetíveis de cessão, sobre coisas móveis.
O titular de direito empenhado deverá entregar ao credor pignoratício os
documentos comprobatórios desse direito, salvo se tiver interesse legítimo em conservá-los.
O penhor de crédito só tem eficácia quando notificado o devedor do crédito. Por
notificado, tem-se o devedor que, em instrumento público ou particular, declarar-se ciente da
existência do penhor. Veja-se, portanto, que essa notificação não se trata de requisito de
validade, mas de eficácia em relação ao devedor.
Se a garantia recair sobre valor pecuniário, a importância recebida será depositada, de
acordo com o devedor pignoratício, ou onde o juiz assim determinar. Se consistir na entrega
da coisa, nesta sub-rogar-se-á o penhor.
Estando vencido o crédito pignoratício, o credor tem direito a reter da quantia
recebida o que lhe é devido, restituindo o restante ao devedor; ou a excutir a coisa a ele
entregue
O credor pignoratício deve praticar os atos necessários à conservação e defesa do
direito empenhado e cobrar os juros e mais prestações acessórias compreendidos na garantia.
O titular do crédito empenhado só pode receber o pagamento com a anuência, por
escrito, do credor pignoratício, caso em que o penhor será extinto.
Segundo o art. 1.458 do CC, o penhor que recai sobre título de crédito constitui-se
mediante instrumento público ou particular ou endosso pignoratício, com a tradição do
título ao credor.
Ao credor, em penhor de título de crédito, compete o direito de:
 conservar a posse do título e recuperá-la de quem quer que a detenha;
 usar dos meios judiciais convenientes para assegurar os seus direitos, e os do
credor do título empenhado;
 notificar o devedor, para que não pague ao seu credor, enquanto durar o penhor;
 receber a importância consubstanciada no título e os respectivos juros, se
exigíveis, restituindo-o ao devedor, quando este solver a obrigação.
O devedor do título empenhado que receber a intimação, ou se der por ciente do
penhor, não poderá pagar ao seu credor. Se o fizer, responderá solidariamente com este, por
perdas e danos, perante o credor pignoratício.
Se o credor der quitação ao devedor do título empenhado, deverá saldar
imediatamente a dívida, em cuja garantia se constituiu o penhor.
Penhor de veículos
É também constituído por instrumento, público ou particular, registrado no Cartório
de Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor e anotado no certificado de
propriedade.
O devedor pignoratício não entrega o veículo ao credor, mantendo a sua posse.
O penhor de veículos não é efetivado sem que eles sejam previamente segurados
contra furtos, avarias, perecimentos, ou danos causados por terceiros.
Se houver a alienação ou a mudança de titularidade do veículo, sem prévia
comunicação ao credor pignoratício, haverá o vencimento antecipado da dívida.
O prazo máximo do penhor de veículos é de 2 anos, prorrogável por igual tempo.

8.2.5. EXTINÇÃO DO PENHOR

Extingue-se o penhor:
 pela extinção da obrigação;
 pelo perecimento da coisa;
 pela renúncia do credor;
 pela confusão da mesma pessoa como credor e dono da coisa;

278
Paulo Batista

 pela a adjudicação judicial, a remissão ou a venda da coisa empenhada, feita pelo


credor ou por ele autorizada.
Há uma presunção de renúncia do credor quando:
 consentir na venda particular do penhor sem reserva de preço;
 restituir a sua posse ao devedor; ou
 anuir à sua substituição por outra garantia.
Exemplo de confusão é o caso em que alguém recebe o bem empenhado como
herança. Nesse caso, o devedor pignoratício é herdeiro do credor pignoratício, havendo
confusão.

8.3. HIPOTECA

A hipoteca também é direito real de garantia sobre coisa alheia, caso em que, via de
regra, vai recair sobre bens imóveis. Não há a transferência da posse da coisa imóvel entre as
partes. A coisa imóvel continua na posse do devedor.
A hipoteca se constitui pelo seu registro na matrícula do imóvel no cartório de registro
de imóveis.
Os registros e as averbações seguirão a ordem em que forem requeridas, conforme o
princípio da anterioridade registral ou da prioridade. Assim, o título que for protocolado
primeiro no registro de imóveis terá preferência sobre todos os demais títulos
contraditórios.
O registro terá validade e eficácia enquanto a obrigação principal perdurar. Após isso,
não haverá falar mais em hipoteca.
A especialização da hipoteca deve ser renovada a cada 20 anos.
A hipoteca legal não terá prazo máximo, perdurando enquanto vigorar a situação
descrita na lei.
Por outro lado, a hipoteca convencional terá o prazo máximo de 30 anos.
O art. 1.473 do CC diz o que pode ser objeto do direito real de garantia hipotecária:
 os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles;
 o domínio direto;
 o domínio útil (direito do usufrutuário);
 as estradas de ferro;
 os recursos naturais a que se refere o art. 1.230 do CC, independentemente do
solo onde se acham;
 os navios;
 as aeronaves.
 o direito de uso especial para fins de moradia;
 o direito real de uso;
 a propriedade superficiária;
 propriedade fiduciária;
 direitos oriundos da imissão provisória na posse, quando esta é concedida ao
poder público.
A hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel.
Subsistem os ônus reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o
mesmo imóvel.
O art. 1.475 do CC diz que é nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel
hipotecado. Portanto, o imóvel hipotecado não se torna bem fora do comércio e pode ser
vendido ou doado, mas a hipoteca irá acompanhá-lo, sendo um direito de sequela.
É possível que as partes convencionem que, sendo alienado o bem, haverá o
vencimento antecipado do crédito hipotecário. Assim, embora seja proibido vedar a alienação,
é possível constar que, se ela ocorrer, haverá o vencimento antecipado da dívida.

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Paulo Batista

O dono do imóvel hipotecado pode constituir outra hipoteca sobre ele, mediante novo
título, em favor do mesmo ou de outro credor. Ou seja, é possível a chamada hipoteca de
segundo grau (art. 1.476 do CC). Assim, é possível mais de uma hipoteca sobre o mesmo
imóvel, mas a primeira terá preferência. O titular da segunda hipoteca, quando vencida a sua
dívida, não poderá executar o imóvel antes de vencida a dívida da primeira hipoteca.

8.3.1. REMIÇÃO OU RESGATE DA HIPOTECA

São duas as hipóteses especiais de remição ou resgate da hipoteca merecem destaque:


 Remição da hipoteca pelo adquirente de imóvel: o sujeito adquire o imóvel
hipotecado, decidindo realizar a remição da hipoteca.
Segundo o art. 1.481 do CC, dentro do prazo decadencial de 30 dias, contados do
registro do título aquisitivo, o adquirente do imóvel hipotecado tem o direito de
remi-lo, citando os credores hipotecários e propondo importância não inferior ao
preço por que o adquiriu o imóvel.
Se o adquirente deixar de remir o imóvel, ficará sujeito à execução da hipoteca,
ficando também obrigado a ressarcir os credores hipotecários por uma
desvalorização que tenha permitido que o imóvel sofresse em razão de sua culpa.
Se o credor hipotecário impugnar o preço da aquisição ou a importância oferecida,
realizar-se-á licitação, efetuando-se a venda judicial a quem oferecer maior preço,
assegurada preferência ao adquirente do imóvel.
Não impugnado pelo credor, o preço da aquisição ou o preço proposto pelo
adquirente, haver-se-á por definitivamente fixado para a remissão do imóvel, que
ficará livre de hipoteca, uma vez pago ou depositado o preço.
 Remição da hipoteca no caso de falência ou insolvência do devedor hipotecário:
Foi tratada pelo NCPC no seu art. 877, segundo o qual, transcorrido o prazo de 5
(cinco) dias, contado da última intimação, e decididas eventuais questões, o juiz
ordenará a lavratura do auto de adjudicação do bem penhorado (lembre-se que
“penhorado” não é o mesmo que “empenhado”).
Considera-se perfeita e acabada a adjudicação com a lavratura e a assinatura do
auto pelo juiz, pelo adjudicatário, pelo escrivão ou chefe de secretaria, e, se
estiver presente, pelo executado, expedindo-se a carta de adjudicação e o
mandado de imissão na posse, quando se tratar de bem imóvel. Sendo bem
móvel, haverá apenas a ordem de entrega ao adjudicatário.
No caso de penhora de bem hipotecado, o executado poderá remir o bem até a
assinatura do auto de adjudicação, oferecendo preço igual ao da avaliação, se
não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido, se houve licitantes.
Na hipótese de falência ou de insolvência do devedor hipotecário, o direito de
remição será deferido à massa ou aos credores em concurso, não podendo o
exequente recusar o preço da avaliação do imóvel.

8.3.2. PEREMPÇÃO DA HIPOTECA CONVENCIONAL

O art. 1.485 do CC diz que há a extinção da hipoteca pelo decurso do prazo máximo de
30 anos, a contar da constituição do negócio.
Hipoteca legal não tem prazo máximo, apenas a hipoteca convencional.
Admite-se a instituição convencional da hipoteca para dívida futura ou dívida
condicional, que dependa de evento futuro e incerto. No entanto, isso só será possível se for
determinado o valor máximo do crédito no ato de instituição.

280
Paulo Batista

A execução da hipoteca, neste caso, vai depender de uma prévia concordância do


devedor quanto à verificação da condição do evento futuro e incerto, ou ainda haver uma
prévia concordância do dever quanto ao montante da dívida.
Havendo divergência entre o credor e o devedor quanto à ocorrência do fato ou do
montante da dívida, o credor deverá provar o seu crédito, o qual, provando, terá a garantia do
bem.
O art. 1.488 do CC inovou por meio da possibilidade de fracionamento da hipoteca, o
que é uma exceção à regra da indivisibilidade do direito real de garantia.
O fracionamento da hipoteca será possível se o imóvel, dado em garantia hipotecária,
vier a ser loteado, ou se nele se constituir condomínio edilício, quando poderá ser dividido o
ônus, gravando cada lote ou unidade autônoma, se o credor, o devedor ou os interessados
assim requererem ao juiz o credor, obedecida a proporção entre o valor de cada um deles e o
crédito.
O credor só poderá ser contrário ao pedido de desmembramento do ônus se provar
que isso ocasionará diminuição de sua garantia.

8.3.3. CLASSIFICAÇÃO DA HIPOTECA

8.3.3.1. QUANTO À SUA ORIGEM

 Hipoteca convencional: decorre da vontade das partes.


 Hipoteca legal: decorre da lei, sendo aquela previstas no art. 1.489 do CC, além de
eventuais outras hipóteses legais:
 hipoteca legal conferida às pessoas de direito público interno sobre os imóveis
pertencentes aos encarregados da cobrança, guarda ou administração dos
respectivos fundos e rendas;
 hipoteca legal conferida aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que
passar a outras núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior;
 hipoteca legal conferida ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis
do delinquente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das
despesas judiciais;
 hipoteca legal conferida ao co-herdeiro, para garantia do seu quinhão ou torna
da partilha, sobre o imóvel adjudicado ao herdeiro reponente (obrigado a
repor ao monte o que recebeu em excesso à parte disponível do doador ou
testado);
 hipoteca legal conferida ao credor sobre o imóvel arrematado, para garantia
do pagamento do restante do preço da arrematação.
A hipoteca legal pode ser substituída por caução de títulos da dívida pública
federal ou estadual, recebidos pelo valor de sua cotação mínima no ano corrente,
ou ainda por outra garantia, a critério do juiz, a requerimento do devedor.
A hipoteca legal, de qualquer natureza deverá ser registrada e especializada, a fim
de que os terceiros tomem conhecimento (art. 1.497 do CC). O registro e a
especialização incumbem a quem está obrigado a prestar essa garantia. Não existe
prazo máximo para a hipoteca legal, mas exige-se que a especialização da
hipoteca seja renovada a cada 20 anos.
 Hipoteca cedular (art. 1.486 do CC): segundo este dispositivo, o credor e o
devedor podem, no ato constitutivo da hipoteca, autorizar a emissão de uma
cédula hipotecária, especializando-se os bens dados em garantia, com o registro da
cédula no cartório de registro imobiliário. Então, o registro é constitutivo da
garantia.

281
Paulo Batista

 Hipoteca judicial: está regulamentada do NCPC, conforme seu art. 495, segundo o
qual a decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em
dinheiro, e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de
dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca
judiciária.
A decisão vai produzir a hipoteca judiciária:
 ainda que a condenação seja genérica; ou
 ainda que o credor possa promover o cumprimento provisório da sentença
ou esteja pendente arresto sobre bem do devedor;
 mesmo que impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo.
A hipoteca judiciária poderá ser realizada mediante apresentação de cópia da
sentença perante o cartório de registro imobiliário, independentemente de ordem
judicial, de declaração expressa do juiz ou de demonstração de urgência.

8.3.4. EXTINÇÃO DA HIPOTECA

Segundo o art. 1.499, a hipoteca se extingue:


 pela extinção da obrigação principal;
 pelo perecimento da coisa;
 pela resolução da propriedade;
 pela renúncia do credor;
 pela remição;
 pela arrematação ou adjudicação.
Extingue-se ainda a hipoteca com a averbação do cancelamento do registro no
Registro de Imóveis, à vista da respectiva prova.
Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a arrematação ou adjudicação,
sem que tenham sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não
forem de qualquer modo partes na execução.

8.4. ANTICRESE

A anticrese é muito pouco utilizada no Brasil.


Na anticrese há um direito real de garantia, em que a posse do imóvel é transmitida ao
credor, para retirada de frutos para pagamento da dívida. O imóvel continua a ser do devedor,
mas o credor passa a receber, por exemplo, os aluguéis a ele relativos.
O imóvel dado em anticrese pode ser hipotecado, assim como o hipotecado pode ser
dado em anticrese. É possível ainda a remição ou resgate da anticrese pelo adquirente do
imóvel dado em garantia (imóvel anticrético).

8.5. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA

A alienação fiduciária é um direito real de garantia, mas sobre coisa própria.


Possui regulamentação:
 no Código Civil (art. 1361 e seg.), que dispõe sobre a propriedade fiduciária de
bens móveis infungíveis;
 no DL 911/1969, que trata dos bens móveis, dados em alienação fiduciária;
 na Lei nº 9.514/1997, que trata da alienação fiduciária em garantia sobre bens
imóveis.

282
Paulo Batista

8.5.1. CONCEITO

A alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o


escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade
resolúvel de coisa.
A garantia, então, transfere ao credor o domínio, mas este é resolúvel. O alienante
passa a ser o depositário do bem. Assim, na alienação fiduciária, é imprescindível que a posse
direta do bem, móvel ou imóvel, continue com o devedor fiduciante. O proprietário, ou seja,
o credor fiduciário terá a sua posse indireta.
Com o pagamento de todos os valores devidos pelo devedor fiduciante, a propriedade
do credor se resolve e o então devedor passa a ter o domínio pleno. Por outro lado, caso o
devedor não pague a dívida, será o credor que passará a ter a consolidação da propriedade
plena, podendo reivindicar o bem que estiver na posse do devedor.
Assim, uma das grandes vantagens da alienação fiduciária é que o credor não vai
precisar disputar a garantia com qualquer outro crédito (trabalhista, hipotecário etc.) porque o
bem, na verdade, é de sua propriedade. Basta reivindicá-lo. Ele apenas perderia a propriedade
se houvesse a implementação da condição resolutiva, qual seja, a quitação da dívida.

8.5.2. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS MÓVEIS

Está regulamentada no Código Civil e no DL 911/1969.


O §1º do art. 1.361 do CC diz que a propriedade fiduciária se constitui com o registro
do contrato, motivo pelo qual haverá um direito real de garantia, desde que seja celebrado
por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e
Documentos do domicílio do devedor.
Em se tratando de veículos, o registro deverá ser feito na repartição competente para
o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro. Assim, não é requisito de
validade ou existência da alienação fiduciária de veículos o seu registro em cartório.
O art. 1.362 do CC diz que o contrato, que serve de título à propriedade fiduciária,
deverá observar alguns requisitos, tais como:
 Previsão do valor total da dívida, ou sua estimativa;
 Previsão do prazo, ou a época do pagamento;
 Previsão da taxa de juros, se houver;
 Previsão da descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos
indispensáveis à sua identificação.
Antes de vencida a dívida, o devedor fiduciante vai usar e gozar da coisa, ficando em
sua posse, pois será o seu depositário. O devedor fiduciante é obrigado a manter a diligência e
cuidado compatíveis com a natureza da coisa, além de ser obrigado a entregá-la ao credor se a
dívida não for paga no seu vencimento.
Portanto, havendo inadimplemento por parte do devedor, o credor poderá reaver a
coisa, tendo a obrigação de vendê-la, seja em leilão judicial ou extrajudicial.
Feita a venda, o preço será aplicado no pagamento do crédito, e se houver saldo, este
será entregue ao devedor, havendo a quitação.
Considera-se existente a mora do devedor fiduciante quando houver o simples
vencimento do prazo, sendo uma mora ex re. Contudo, a mora precisa ser considerada
consolidada (consolidação da mora) com a devida notificação ao devedor, seja por carta
registrada com aviso de recebimento, seja por notificação extrajudicial no Cartório de Títulos
e Documentos.
A mora e o inadimplemento das obrigações contratuais garantidas por alienação
fiduciária tornem, desde aquele momento, vencidas todas as obrigações contratuais.

283
Paulo Batista

Segundo a jurisprudência pátria, o inadimplemento absoluto será provado com a


notificação e o decurso do prazo para a quitação da dívida. Nessa situação, é possível a busca e
apreensão liminar do bem.
A ação de busca e apreensão na alienação fiduciária em garantia de bens móveis,
encontra regulamentação no art. 3º do DL 911/69.
Este dispositivo estabelece que o proprietário fiduciário ou credor pode, desde que
comprovada a mora, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e
apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo
ser apreciada em plantão judiciário.
Após 5 dias a execução da liminar, consolidam-se a propriedade e a posse plena e
exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes,
quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou
de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.
No prazo 5 dias, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida
pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual
o bem lhe será restituído livre do ônus.
O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de 15 dias da execução da liminar.
Essa resposta pode ser apresentada mesmo que o devedor tenha se utilizado da faculdade de
pagar a dívida para ter o bem em sua propriedade, eis que poderá considerar que o
pagamento foi feito a maior, desejando agora a restituição que entende cabível.
Da sentença cabe apelação apenas no efeito devolutivo.
Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz
condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa,em favor do devedor fiduciante, a qual
será equivalente a 50% do valor originalmente financiado atualizado,se o bem tiver sido
alienado.
Essa multa não exclui responsabilidade do credor fiduciário por perdas e danos.
A parte interessada poderá requerer diretamente ao juízo da comarca onde foi
localizado o veículo com vistas à sua apreensão, sempre que o bem estiver em comarca
distinta daquela da tramitação da ação, bastando que em tal requerimento conste a cópia da
petição inicial da ação e, quando for o caso, a cópia do despacho que concedeu a busca e
apreensão do veículo.
A apreensão do veículo será imediatamente comunicada ao juízo, que intimará o
credor para a sua retirada do local depositado no prazo máximo de48 (quarenta e oito) horas.
Veja-se que, caso o devedor queira permanecer com o bem, terá que pagar a
integralidade da dívida pendente, e não apenas as parcelas em atraso.
Ainda, o STJ tem aplicado à alienação fiduciária a teoria do adimplemento substancial,
casos em que será afastada a busca e apreensão, no caso de a mora ser insignificante. O
credor poderá cobrar o remanescente de outra forma, mas diversa da busca e apreensão.
O art. 1.365 do CC diz que é nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a
ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento. Ou seja, é
vedado o pacto comissório real.
Todavia, pode o devedor, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa
em pagamento da dívida, após o vencimento desta. Ou seja, vencida a dívida, poderá dar o
bem em dação em pagamento.
A Lei nº 13.043/14 incluiu o art. 1.368-B no Código Civil.
Este dispositivo diz que a alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel
confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário do fiduciante ou sucessor do
fiduciante.
Isso fez com que a alienação fiduciária se tornasse de natureza mista, sendo direito
real de garantia sobre coisa própria, mas também é direito real de aquisição.
O credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização
da garantia, mediante consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela

284
Paulo Batista

qual lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos
tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros
encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em
que vier a ser imitido na posse direta do bem.

8.5.3. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS IMÓVEIS

Está prevista na Lei nº 9.514/1997 e atualmente a execução da garantia pode ser feita
integralmente no Cartório de Registro de Imóveis. Ela pode ser contratada por uma pessoa
física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no sistema financeiro
imobiliário.
É um contrato de garantia que sempre será vinculado a um contrato principal. Não
há contrato de alienação fiduciária sem que haja algum outro contrato principal.
Não é obrigatório que o contrato principal seja de mútuo. Ela pode garantir qualquer
obrigação principal.
Assim, poderá ser objeto de alienação fiduciária em garantia:
 bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se
houver a consolidação do domínio útil no fiduciário;
 direito de uso especial para fins de moradia;
 direito real de uso, desde que suscetível de alienação;
 propriedade superficiária.
Esses bens podem ser alienados fiduciariamente em garantia de bem imóvel.
A propriedade fiduciária de coisa imóvel se constitui mediante registro no
competente Registro de Imóveis do contrato que lhe serve de título.
Com a constituição da propriedade fiduciária dar-se-á o desdobramento da posse,
tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.
São requisitos do instrumento (que nada mais é que o contrato) a ser registrado:
 constar o valor do principal da dívida;
 constar o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do
fiduciário;
 constar a taxa de juros e os encargos incidentes;
 constar a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do
imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição;
 constar a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre
utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária;
 constar a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e
dos critérios para a respectiva revisão;
 constar a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27 da
referida lei (execução extrajudicial da dívida).
Ocorrendo o pagamento, no prazo de 30 dias, a contar da data de liquidação da dívida,
o fiduciário fornecerá o respectivo termo de quitação ao fiduciante, sob pena de multa em
favor deste, equivalente a meio por cento ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato.
À vista do termo de quitação, o oficial do competente Registro de Imóveis efetuará o
cancelamento do registro da propriedade fiduciária, por ato de averbação.
O art. 26 da lei diz que,vencida e não paga, no todo ou em parte a dívida, e
constituído em mora o fiduciante, a propriedade vai se consolidar em nome do credor
fiduciário.
O devedor fiduciante, ou seu representante legal, será intimado, a requerimento do
fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de 15 dias, a
prestação vencida.

285
Paulo Batista

Segundo o STJ, é nula a intimação do devedor para oportunizar a purgação de mora


realizada por meio de carta com aviso de recebimento quando esta for recebida por pessoa
desconhecida e alheia à relação jurídica (Inf. 580).
Portanto, no caso de bens imóveis, a purgação da mora é feita no Registro de
Imóveis. O oficial, nos 3 dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário as
importâncias recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e de intimação.
Se passados os 15 dias, e o devedor não fez a purgação da mora, então o oficial de
registro de imóveis irá promover a averbação na matrícula do imóvel da consolidação da
propriedade plena em nome do credor fiduciário.
Consolidada a propriedade em nome do fiduciário, no prazo de 30 dias, contados da
data da averbação, ele promoverá público leilão para a alienação do imóvel, já que é vedado
o pacto comissório real, não sendo permitido ao credor fiduciário ficar com a propriedade do
imóvel.
No primeiro público leilão, o maior lance oferecido deve ser pelo menos superior ao
valor contratual do bem. Todavia, sendo inferior ao valor do imóvel, será realizado o segundo
leilão, nos 15 dias seguintes.
No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior
ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive
tributos, e das contribuições condominiais.
Nos 5 dias seguintes à venda do imóvel, o credor fiduciário vai entregar ao devedor
fiduciante aquilo que sobrar. Esse fato vai importar em recíproca quitação.
Se no segundo leilão não for igual ou superior ao valor da dívida e dos encargos, será
considerada a dívida extinta. Ou seja, frustrados os dois leilões, o devedor estará exonerado da
dívida.

9. DA LAJE

A laje é direito real criado pela Lei nº 13.465/2017, que a incluiu no CC.
Ela é uma unidade imobiliária autônoma, com registro e matrícula própria no Cartório
de Imóveis, mas vinculada ao terreno onde se localiza a construção-base. Ela será sobreposta
ou subterrânea a esta construção-base. Assim, embora vinculadas, a laje e o terreno são
imóveis juridicamente diversos. O proprietário da laje terá direito real autônomo ao
proprietário do terreno (e da construção-base).
O proprietário do terreno e da construção-base poderá ceder a superfície superior ou
inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela
originalmente construída sobre o solo.
Tal direito foi criado para regularizar situações urbanas, dando autonomia urbanística
e econômica às lajes já consolidadas e a serem construídas, mas também pode ser usada como
soluções para incorporações em áreas antes impossibilitadas de aproveitamento econômico.
A laje não se confunde com condomínio edilício, pois não consiste em áreas comuns e
áreas privativas, possuindo natureza jurídica distinta.
Os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma, poderão dela usar, gozar e dispor, mas
deverá haver regras de convivência, direitos e obrigações entre o dono do terreno e o da laje.

QUESTÕES
1 – Quanto às características dos Direitos Reais, assinale a alternativa INCORRETA
a) Direitos Reais têm oponibilidade erga omnes, o que significa que, em regra, não
haverá efeitos apenas entre as partes da relação jurídica material.
b) Como regra geral, todos os Direitos Reais, para que tenham eficácia erga omnes,
precisam estar inscritos no serviço extrajudicial de registro de imóveis.

286
Paulo Batista

c) Nos direitos reais há direito de sequela, ou seja, o direito de reivindicar o bem aonde
quer que ele esteja. Tal direito segue a coisa, onde quer que ela esteja (móvel) ou na
posse de quem estiver (imóvel).
d) No direito real há direito de preferência, tendo caráter taxativo na lei (tipicidade).

2 – Quanto aos Direitos Reais previsto no art. 1225 do CC, assinale aquele que NÃO
se enquadra no rol do referido artigo:
a) os direitos propter rem.
b) o penhor.
c) a propriedade.
d) a concessão de uso especial para fins de moradia.

3 – Quanto à teoria da Posse, podemos dizer:


a) a Teoria Subjetivista foi defendida por Ihering, dando relevância ao aspecto
subjetivo da posse. Aqui a posse possui dois elementos: (i) o corpus: é o elemento
objetivo, material, que é a disponibilidade sobre a coisa; (ii) o animus: é o elemento
subjetivo, que é a intenção de ter a coisa para si.
b) A Teoria Objetiva foi defendida por Savigny, segundo a qual, para constituição da
posse, basta que o sujeito disponha fisicamente da coisa. Na verdade, para o Savigny, o
corpus é formado pela atitude externa do possuidor em relação à coisa. O possuidor
passa a agir, em relação à coisa, com intuito de explorá-la, inclusive economicamente.
c) A Teoria Objetiva foi defendida por Ihering, segundo a qual, para constituição da
posse, basta que o sujeito disponha fisicamente da coisa. Na verdade, para o Ihering, o
corpus é formado pela atitude externa do possuidor em relação à coisa. O possuidor
passa a agir, em relação à coisa, com intuito de explorá-la, inclusive economicamente.
d) O Código Civil Brasileiro adotou a Teoria Subjetivista.

4 – Assinale a alternativa INCORRETA:


a) Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para
com outro, conserva a posse em nome desta outra pessoa e em cumprimento de
ordens ou instruções suas.
b) O detentor é também chamado de fâmulo da posse.
c) É possível a conversão da detenção em posse, quando há a quebra do vínculo de
subordinação.
d) Aquele que se comporta em relação de dependência para com outro, conservando a
posse em nome desta outra pessoa e em cumprimento de ordens ou instruções suas,
presume-se possuidor, até que prove o contrário.

5- Assinale a alternativa CORRETA:

287
Paulo Batista

a) Tanto na posse de boa-fé como na posse de má-fé, o possuidor ignora a existência


de um vício que impede a aquisição da coisa, o que as difere é apenas os efeitos disso
em relação a terceiros.
b) Não é possível falar em posse de boa-fé injusta.
c) É possível haver posse justa e de má-fé.
d) Quando há justo título, presume-se a posse de boa-fé apenas se tal documento
estiver registrado em Cartório de Registro de Títulos e Documentos.

6- Quanto ao Direito de Propriedade, assinale a alternativa CORRETA:


a) A propriedade está relacionada a atributos de usar, corresponde à faculdade de se
pôr o bem a serviço do proprietário, de gozar (fruir), que é a faculdade de retirar os
frutos da coisa, de dispor, que significa poder de consumir o bem, de aliená-lo ou
gravá-lo, ou de submetê-lo ao serviço de terceira pessoa, ou de desfrutá-lo, e de
reivindicar (reaver), por meio de uma ação petitória, fundada no direito de
propriedade. Isso se dá pela chamada ação reivindicatória.
b) Havendo os quatro atributos de forma cumulativa, conforme a assertiva anterior,
então haverá a chamada propriedade resolúvel, que está amplamente assegurada,
salvo se ocorrer fato relevante superveniente.
c) O Direito de Propriedade, dentro do possível, deve ser exercido em consonância
com as suas finalidades econômicas e sociais, de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais,
o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, além de aspectos
urbanísticos. Contudo, por se tratar de Cláusula Pétrea, o Direito de Propriedade só
pode ser limitado nos casos expressamente previstos na Constituição Federal, nunca
por leis ordinárias.
d) A propriedade do solo abrange consequentemente a das jazidas, minas e demais
recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e
outros bens referidos por leis especiais, de modo que estes bens pertencem ao
proprietário da área onde localizados os recursos minerais.

7- A usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade ou de outro


direito real, através de uma posse prolongada e qualificada. Quanto a esta forma de
aquisição de propriedade, é INCORRETO dizer que:
a) A posse para fins de usucapião, além de longeva, precisa ser qualificada, ou seja, ad
usucapionem, o que significa dizer ser exercida com a intenção de dono (animus
domini), de forma mansa, pacífica e justa, ou seja, não violenta, não clandestina e não
precária.
b) Estende-se ao possuidor as causas que obstam, suspendem ou interrompem a
prescrição, as quais também se aplicam à usucapião. Por isso, a usucapião é
considerada uma prescrição aquisitiva.
c) Na usucapião ordinária, mesmo que o imóvel tenha sido adquirido, onerosamente,
com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente,
288
Paulo Batista

ainda que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado


investimentos de interesse social e econômico, o prazo geral é mantido, ou seja, de 10
anos.
d) A usucapião constitucional ou especial rural será adquirida por aquele que, não
sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por 5 anos
ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a 50 hectares,
tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia.
Neste caso, não há exigência de justo título e boa-fé.

8- Os Direitos Reais imobiliários, como regra geral, são constituídos pelo seu ingresso
no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição na qual o bem está
territorialmente localizado. Sobre o registro de imóveis, é INCORRETO afirmar:
a) O registro do título aquisitivo é a principal maneira derivada e originária de
aquisição da propriedade imóvel. É o registro que implica transferência da
propriedade, possuindo, portanto, natureza constitutiva de direitos. Por isso é muito
importante o estudo de Registros Públicos, em especial a Lei 6.015/73, além de vários
diplomas normativos que regulam aspectos extrajudiciais.
b) Os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis devem ser
feitos por escritura pública, se o valor do imóvel for superior a 30 salários mínimos. Do
contrário, basta que seja um contrato particular. Ou seja, quando a lei fala
“instrumento público” está se referindo a escritura pública, lavrada perante um
Tabelião de Notas.
c) Pelo sistema adotado no Brasil, a escritura pública, por si só, não transfere a
propriedade. Ela é o instrumento do contrato celebrado.
d) O Código Civil afirma que o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar
o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo. A partir desse momento,
o registro é eficaz, ou seja, consagra-se o princípio da prioridade, tendo ela quem
primeiro protocolou o título junto ao registrador.

9- Sobre o achado de tesouro, e nos termos do Código Civil, é CORRETO afirmar:


a) O tesouro é depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja
memória.
b) O tesouro será dividido entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro
casualmente, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, desde que este tenha agido
de boa-fé.
c) O tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado por ele, ou
em pesquisa que o proprietário ordenou, ou se quem encontrou o tesouro foi terceiro,
independentemente de boa-fé.
d) Sendo o tesouro encontrado em terreno aforado, o tesouro será dividido entre o
descobridor e o enfiteuta na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, ou será deste
por inteiro quando ele mesmo seja o descobridor.

289
Paulo Batista

10- O direito de vizinhança são limitações impostas aos titulares de direitos reais,
para que exista uma boa convivência social. É um conjunto de normas de convivência
entre titulares de direitos ou possuidores que estejam fisicamente próximos uns aos
outros. A seu respeito, é INCORRETO afirmar que:
a) As normas relativas aos direitos de vizinhança são claras limitações ao exercício da
propriedade, existindo pelo simples fato de uma propriedade ser vizinha de outra.
Essas obrigações estão vinculadas à coisa, perseguindo-a, ou seja, são obrigações
propter rem (ambulatoriais).
b) O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as
interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam o
prédio, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Existe para cessar
interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde, evitando-se o abuso do
direito.
c) São proibidas as interferências externas, considerando-se a natureza da utilização, a
localização do prédio. Além disso, é necessário que sejam atendidas as normas que
distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos
moradores da vizinhança.
d) O proprietário tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a
reparação do prédio, quando ele estiver ameaçado de ruína, bem como poderá exigir
que seja prestada caução pelo perigo de dano iminente. Contudo, tal direito não se
estende aquele que seja apenas o possuidor sob ameaça de ruína do prédio vizinho.

11- O condomínio edilício possui extrema relevância no ramo do direito de


propriedade, do direito obrigacional, ambiental e urbanístico, e precisa ser estudado
com atenção, face à complexidade do instituto. Há uma forte atuação do Direito
Registral, uma vez que a instituição do condomínio ocorre com o seu registro no
Cartório de Registro de Imóveis. Sobre o condomínio edilício é CORRETO afirmar
que:
a) Se houver oferta de unidades autônomas à venda durante das obras (chamada de
“venda de imóveis na planta”), o condomínio edilício surgirá desde este primeiro
momento. Com o fim das obras, concedido o habite-se, o registro do condomínio será
realizado apenas para fins tributários junto ao Poder Executivo local, com a
possibilidade de cobrança do IPTU e das respectivas taxas. Já incorporação imobiliária
(Lei 4.591/1964) somente ocorrerá quando não houver oferta pública de futuras
unidades autônomas.
b) Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, haverá preferência,
em condições iguais, de qualquer dos condôminos a estranhos, e entre todos os
possuidores.
c) A jurisprudência é pacífica no sentido de que há relação jurídica consumerista entre
condômino e condomínio.
d) A administração do condomínio é feita por pessoas e órgão relacionadas ao
condomínio e será exercida pelo síndico, pela assembleia e pelo conselho fiscal, todos
eles obrigatórios em qualquer condomínio.

290
Paulo Batista

12- A respeito das novas figuras de Direitos Reais introduzidas por leis extravagantes
nos últimos anos, é INCORRETO afirmar que:
a) O Condomínio em multipropriedade foi criado pela Lei 13.777/2018, sendo regime
de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de
uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com
exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma
alternada. Veja-se, assim, que há um condomínio civil (frações ideias da área) e uma
divisão também de tempo (frações de tempo).
b) O condomínio de lotes, modalidade criada pela Lei 13.465/2017, consiste em haver,
em terrenos, partes designadas de lotes (unidades autônomas), que são propriedade
exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos. Funcionam como se
fossem condomínios edilícios, mas sem a obrigatoriedade de construção das áreas
exclusivas, apenas das partes comuns.
c) Constitui-se a multipropriedade imobiliária por ato entre vivos ou testamento,
registrado no competente cartório de registro de imóveis, devendo constar daquele
ato a duração dos períodos correspondentes a cada fração de tempo. Já a
transferência deste direito e a sua produção de efeitos perante terceiros dar-se-ão na
forma da lei civil e não dependerão da anuência ou cientificação dos demais
multiproprietários. Nem sempre haverá direito de preferência na alienação de fração
de tempo, salvo se estabelecido no instrumento de instituição ou na convenção do
condomínio em multipropriedade em favor dos demais multiproprietários ou do
instituidor do condomínio em multipropriedade.
d) O condomínio de lotes assemelha-se aos loteamentos urbanos, regidos pela Lei
6.766/1979, em apenas alguns pontos, dentre eles, o fato de que ambos se dividem
em áreas públicas (ruas, equipamentos, áreas verdes, áreas institucionais) e lotes
(unidades imobiliárias).

13. A respeito das servidões e do usufruto, é CORRETO afirmar:


a) A servidão é presumida, de acordo com usos e costumes do local onde instituído o
negócio jurídico, seja inter vivos (contrato) ou negócio mortis causa (testamento).
b) São formas de constituição da servidão: (i) declaração expressa do proprietário; (ii)
testamento; (iii) sentença judicial; (iv) pelo direito de vizinhança.
c) A servidão é regida pelo princípio da menor onerosidade ao imóvel serviente e se
restringe às necessidades do prédio dominante, evitando-se agravar o encargo ao
prédio serviente.
d) O usufruto de bens imóveis vai ser constituído através de registro no Cartório de
Registro de Imóveis, quando não resultar de usucapião, não sendo possível transferir o
usufruto por alienação. O que pode fazer é ceder o seu exercício, seja a título gratuito
ou oneroso. Assim, o usufruto em si é inalienável.

14- A respeito da hipoteca, é INCORRETO afirmar que:

291
Paulo Batista

a) A hipoteca se constitui pelo seu registro na matrícula do imóvel no cartório de


registro de imóveis, de modo que os registros e as averbações seguirão a ordem em
que forem requeridas, conforme o princípio da anterioridade registral ou da
prioridade. Assim, o título que for protocolado primeiro no registro de imóveis terá
preferência sobre todos os demais títulos contraditórios.
b) A especialização da hipoteca deve ser renovada a cada 20 anos, muito embora a
hipoteca legal não tenha prazo máximo, perdurando enquanto vigorar a situação
descrita na lei. Por outro lado, a hipoteca convencional terá o prazo máximo de 30
anos.
c) A hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel.
Subsistem os ônus reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o
mesmo imóvel.
d) É válida a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado, de modo a
tornar o bem hipotecado como fora do comércio.

15- A alienação fiduciária de bens imóveis é atualmente um instrumento


imprescindível para a economia brasileira, por todas as vantagens existentes em
relação à já em desuso hipoteca. A respeito da alienação fiduciária de bens imóveis,
é INCORRETO afirmar:
a) A alienação fiduciária imobiliária é um contrato de garantia que sempre será
vinculado a um contrato principal, inexistindo contrato de alienação fiduciária sem que
haja algum outro contrato principal. Ela pode ser contratada por uma pessoa física ou
jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no sistema financeiro
imobiliário. Atualmente a execução da garantia pode ser feita parcialmente no
Cartório de Registro de Imóveis, mas o título executivo precisa ser homologado
judicialmente.
b) Ela pode garantir qualquer obrigação principal, não apenas contratos de mútuo.
c) São requisitos do instrumento de alienação fiduciária em garantia a ser registrado:
(i) constar o valor do principal da dívida; (ii) o prazo e as condições de reposição do
empréstimo ou do crédito do fiduciário; (iii) a taxa de juros e os encargos incidentes;
(iv) cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel
objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição; (v) cláusula
assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e
risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária; (vi) a indicação, para efeito de venda
em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão; (vii)
cláusula dispondo sobre os procedimentos de execução extrajudicial da dívida).
d) Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida, e constituído em mora o
fiduciante, o devedor fiduciante, ou seu representante legal, será intimado, a
requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a
satisfazer, no prazo de 15 dias, a prestação vencida. Se passado o referido prazo, e o
devedor não realizar a purgação da mora, então o oficial de registro de imóveis irá
promover a averbação na matrícula do imóvel da consolidação da propriedade plena
em nome do credor fiduciário. Consolidada a propriedade em nome do fiduciário, no
prazo de 30 dias, contados da data da averbação, ele promoverá público leilão para a
292
Paulo Batista

alienação do imóvel, já que é vedado o pacto comissório real, não sendo permitido ao
credor fiduciário ficar com a propriedade do imóvel.

COMENTÁRIOS
1 - Gabarito: B
É preciso lembrar que, ao tratar de Direitos Reais, podemos estar falando sobre coisas
móveis e imóveis. Existe uma tendência a se imaginar que apenas imóveis são objeto
de Direitos Reais. Assim, a alternativa está errada porque a regra de necessidade de
registro na serventia imobiliária se aplica a imóveis, mas direitos reais sobre coisas
móveis não se sujeitam a esta regra.

2 - Gabarito: A
Os direitos decorrentes de obrigações propter rem possuem natureza obrigacional,
pessoal. Assim, muito embora estejam vinculados a uma coisa, eles não possuem
natureza real.

3 - Gabarito: C
A Teoria Objetiva foi defendida por Ihering, não por Savigny, e foi ela a adotada pelo
CC, no seu art. 1.196.

4- Gabarito: D

Aquele que se comporta em relação de dependência para com outro, conservando a


posse em nome desta outra pessoa e em cumprimento de ordens ou instruções suas,
presume-se detentor, até que prove o contrário, na forma do parágrafo único do art.
1.198 do CC.

5- Gabarito: C

É possível haver posse justa e de má-fé. A posse pode não ser violenta, clandestina e
precária, mas pode conter algum vício. Nesse caso, haverá uma posse justa e de má-fé.

6- Gabarito: A

A propriedade está relacionada a atributos de usar, corresponde à faculdade de se pôr


o bem a serviço do proprietário, de gozar (fruir), que é a faculdade de retirar os frutos
da coisa, de dispor, que significa poder de consumir o bem, de aliená-lo ou gravá-lo, ou

293
Paulo Batista

de submetê-lo ao serviço de terceira pessoa, ou de desfrutá-lo, e de reivindicar


(reaver), por meio de uma ação petitória, fundada no direito de propriedade. Isso se
dá pela chamada ação reivindicatória, na forma do art. 1.228 do CC.
7- Gabarito: C

Na forma do parágrafo único do art. 1.242 do CC, na usucapião ordinária, o prazo é


reduzido para de 5 anos, se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base
no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os
possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de
interesse social e econômico. Essa é a chamada usucapião tabular.

8-Gabarito: A

O registro do título aquisitivo é a principal maneira apenas derivada de aquisição da


propriedade imóvel. Quanto à aquisição originária, como a usucapião, ela dá-se de
pleno direito, com o simples implemento de seus requisitos. Neste caso, o registro
imobiliário é condição apenas de eficácia erga omnes e de disponibilidade do bem,
mas não é forma de sua aquisição.

9- Gabarito: A

O item está expressamente previsto no art. 1.264 do CC.

10- Gabarito: D

Tanto o proprietário, como também o possuidor, podem exigir do dono do prédio


vizinho a demolição, ou a reparação do prédio, quando ele estiver ameaçado de ruína,
bem como poderá exigir que seja prestada caução pelo perigo de dano iminente.

11- Gabarito: B

Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, haverá preferência, em


condições iguais, de qualquer dos condôminos a estranhos, e entre todos os
possuidores. Esta é a exata redação do art. 1.338 do CC.

12 - Gabarito: D
Não se deve confundir condomínio de lotes com loteamento urbano.

294
Paulo Batista

Basicamente, os loteamentos urbanos são regidos pela Lei 6.766/1979 e se dividem


em áreas públicas (ruas, equipamentos, áreas verdes, áreas institucionais) e lotes
(unidades imobiliárias). Já no condomínio de lotes, toda a área é privada, dividida em
áreas privativas e comuns. São institutos juridicamente distintos em absoluto, mas tal
distinção somente é constatada ao examinar os atos de sua criação no Cartório de
Registro de Imóveis. Olhando ambos apenas pelo seu aspecto físico, não será possível
saber se se trata de loteamento ou de condomínio de lotes.

13- Gabarito: C.

De fato, vale quanto à servidão o princípio da menor onerosidade ao imóvel serviente


e se restringe às necessidades do prédio dominante, evitando-se agravar o encargo ao
prédio serviente. Assim, presume-se sempre menos onerosa a servidão, interpretando-
se restritivamente os seus limites.

14- Gabarito: D
O art. 1.475 do CC é expresso ao dizer que é nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar
imóvel hipotecado. Portanto, o imóvel hipotecado não se torna bem fora do comércio e pode
ser vendido ou doado, mas a hipoteca irá acompanha-lo, sendo um direito de sequela.

15- Gabarito: A
Está prevista na Lei 9.514/1997 e atualmente a execução da garantia pode ser feita
integralmente no Cartório de Registro de Imóveis.

295
Matheus Zuliani

CAPÍTULO 7 — RESPONSABILIDADE CIVIL

1. DISPOSIÇÕES GERAIS E CLASSIFICAÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A palavra responsabilidade advém da expressão latina spondeo, em que se criava um


elo entre o devedor e os contratos verbais do direito romano.
Há diversas acepções da palavra responsabilidade. Para o direito civil, a
responsabilidade é consequência do descumprimento de um dever, seja ele contratual ou de
não lesar outrem (extracontratual).
Ao lado da responsabilidade existe o dever de indenizar. Eles vão estar juntos, sendo
muitas vezes utilizados como sinônimos. Isso porque ao se afirmar a responsabilidade civil da
pessoa, inerente a ela será o dever de indenizar. A indenização é a consequência do
reconhecimento da responsabilidade civil. Se não há responsabilidade não há indenização.
Ênio Santarelli Zuliani, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
tece considerações sobre a tutela indenizatória48:

Não custa enfatizar que o modo de se obter justiça foi aperfeiçoado, para melhor,
com as novas técnicas processuais, graças aos tipos de tutelas que são possíveis de
serem emitidas para garantir o resultado prático protegido pelo direito. Todavia, e
quando, apesar de tudo, o dano se evidencia com a sua força perturbadora,
remanesce ao lesado a oportunidade de alcançar a indenização que reconstrua o
patrimônio deficitário ou que compense a dor moral em caso de ofensa a direitos
da personalidade. A tutela indenizatória é instituída pela sentença condenatória, o
que anima escrever ser fruto de uma reprovação da conduta. O juiz condena
porque reconhece como devida a obrigação de ressarcimento, e isso,
invariavelmente, decorre de valoração da antijuridicidade, quer no aspecto
subjetivo (culpa) ou objetivo (fato e serviços que pressupõem responsabilidade).

A regra, na responsabilidade civil, é a de que o causador do dano responde pelo ilícito


praticado com seu patrimônio. A responsabilidade civil é patrimonial. Não há prisão civil por
dívida, salvo dívidas de alimentos (art. 5º, LXVII, Constituição Federal). O STF declarou (RE
349.703 e 466.343) a ilegalidade da prisão do depositário pela infidelidade do depósito e
preserva esse entendimento (HC 92.817-RS), o que conduziu o STJ a estender a ilegalidade da
prisão em caso de depositário infiel em depósito judicial (HC 138457 SP, DJ de 27.10.2009 e HC
123281 SP).
Só que essa regra evoluiu e muito até chegar aos dias contemporâneos. No direito
romano, o devedor respondia pelo próprio corpo pela dívida contraída e não paga (legis actio
per manus injectione) - “visto não me haveres pago a dívida eu lanço a mão sobre ti”. (Lei das
XII Tábuas). A execução sobre a pessoa do devedor foi abolida a partir da Lex Poetelia Papiria,
ano 428 de Roma ou 326 antes de Cristo49.
Com isso, verifica-se que a responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual. A
responsabilidade civil contratual é aquela que surge em razão do inadimplemento de uma
obrigação contratual. O ilícito extracontratual, também conhecido como responsabilidade

48
ZULIANI, Ênio Santarelli – Tutelas e prescrição in Responsabilidade Civil na Área da Saúde – Série GV
law Editora Sairava.
49
A lex Poetelia Papiria foi consequência de uma revolta da plebe, uma insurreição contra os maus-tratos infligidos a
um jovem, Lúcio Paírio, que estava em estado de nexus (quase escravidão], devido a um empréstimo que seu pai
contraíra e não pagara, porque este, no exercício da pátria potestas, o entregara ao credor” Obrigações no direito
romano. Texto de ALFREDO BUZAID (do concurso de credores no processo de execução, Saraiva, 1952, p. 43]

296
Matheus Zuliani

aquiliana50, é a ofensa a um dever jurídico de não lesar outrem (princípio alterum non
laedere ou neminem laedere). Encontra previsão no art. 186 do Código Civil que diz: “Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Essa classificação retrata o
modelo dual ou binário, e sua tendência é não mais existir, passando a unificação, uma vez que
princípios e regramentos básicos são os mesmos, a exemplo do que já faz o Código de Defesa
do Consumidor.
Além da responsabilidade contratual e extracontratual, existe também a
responsabilidade subjetiva e a responsabilidade civil objetiva. A responsabilidade civil subjetiva
é a regra do nosso ordenamento jurídico, enquanto a responsabilidade civil objetiva é a
exceção. Veremos, mais adiante, os pressupostos da responsabilidade civil. Em resumo, são
quatro: a ação ou omissão, dolosa ou culposa, o nexo de causalidade e o dano. Na
responsabilidade civil subjetiva é preciso que esses quatro elementos estejam presentes. No
que tange a responsabilidade civil objetiva, o Código Civil, no art. 927, parágrafo único, dispõe
que ela terá vez quando a lei dispuser, ou então, quando envolver atividade de risco. Para que
haja a responsabilidade objetiva se faz necessário apenas três dos pressupostos da
responsabilidade civil, dispensando-se a comprovação da culpa, uma vez que, nessa
modalidade, ela é presumida.
No que tange a responsabilidade civil objetiva, é preciso que se façam algumas
observações.
O parágrafo único do art. 927 do Código Civil diz que haverá obrigação de reparar o
dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos
de outrem.
Perceba aqui que a responsabilidade poderá independer de culpa, e ser objetiva,
quando a lei disser que ela é objetiva, ou então, quando a atividade for de risco. O que é uma
atividade perigosa? Trata-se de uma cláusula geral, em que o seu conceito será preenchido
pelo juiz diante do conceito social da época em que ocorrer o fato. Trata-se da aplicação da
teoria das janelas abertas ou das cláusulas abertas.
Risco é uma iminência de dano ou de prejuízo. Trata-se de uma situação acima da
normalidade. O risco está acima de uma situação de normalidade, mas está abaixo de uma
situação de perigo. Veja que a lei não exige o perigo, mas tão somente o risco. Se houver
perigo, certamente há risco.
Sobre a teoria do risco, é possível se falar em risco administrativo, risco criado, risco
do proveito, risco integral.

2. DOS ELEMENTOS OU PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Embora pareça não existir unanimidade na doutrina no que tange aos elementos que
estruturam a responsabilidade civil, o que prevalece é que são eles a ação ou omissão, a culpa
ou dolo do agente (culpa em sentido amplo), o nexo de causalidade e o dano ou prejuízo.

50
“Por volta do final do século III a.C., um Tribuno da Plebe de nome Aquilius, dirigiu uma proposta de lei aos
Conselhos da Plebe, com vistas a regulamentar a responsabilidade por atos intrinsecamente ilícitos. Foi votada a
proposta e aprovada, tornando-se conhecida pelo nome de Lex Aquilia. A Lex Aquilia era na verdade plebiscito, por
ter origem nos Conselhos da Plebe. É lei de circunstância, provocada pelos plebeus que, desse modo, se protegiam
contra os prejuízos que lhes causavam os patrícios, nos limites de suas terras. Antes da Lei Aquília imperava o
regime da Lei das XII Tábuas (450 a.C.), que continha regras isoladas” (César Fiuza in Por uma nova teoria do ilícito
civil].

297
Matheus Zuliani

3. DA CONDUTA HUMANA

Para que se possa falar em responsabilização, mesmo que na esfera civil, é preciso
que haja uma conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva. Dessa afirmação se extrai
que não se admite a responsabilização civil por conduta de animais.
Esse comportamento humano precisa ter uma carga de consciência. Sem que a
pessoa esteja consciente, não há como existir o dever de indenizar. Nesse sentido, o ato
praticado pelo sonâmbulo é desprovido de consciência, e, por isso, não gera o dever de
indenizar.
Da mesma forma, além da consciência, é preciso que haja voluntariedade. Muitos
doutrinadores citam o exemplo do doutrinador Italiano Giuseppe Bettiol, que escreveu sobre o
direito penal:

Pessoa está no museu apreciando uma obra de arte. Naquele momento um vaso
em seu nariz se rompe e essa pessoa, instintivamente, espirra no quadro o sangue,
causando dano. Isso não é uma conduta humana. Não há voluntariedade na
resposta que o organismo deu ao nariz do agente.

Nesse ponto é importante mencionar que o elemento da responsabilidade civil é a


conduta humana. Não se fala em conduta ilícita, nesse primeiro momento. A razão é porque a
ilicitude é vista no enfoque geral, e não apenas na conduta. Outro ponto é que,
excepcionalmente, é possível que uma conduta lícita gere o dever de indenizar, como o estado
de necessidade agressivo (CC, art. 188, II).

4. DA CULPA EM SENTIDO AMPLO

A culpa lato sensu, também conhecida como culpa em sentido amplo ou genérica,
engloba tanto dolo quanto a culpa em sentido estrito.
Dolo é a violação intencional, ou seja, é a vontade e consciência de praticar uma
conduta. No direito civil, o dolo tem o mesmo tratamento da culpa grave, respondendo o
indivíduo pelos danos que causou em sua totalidade.
A culpa em sentido estrito, apesar de existir o desrespeito a uma norma, não há a
violação intencional desse dever. Portanto, na culpa há uma conduta voluntária, mas se chega a
um resultado involuntário. Todavia, o resultado era previsível, razão pela qual houve uma
violação aos deveres objetivos de cuidado.
A doutrina fala em graus de culpa, divisão essa que nasceu diante da redação do art.
944 do Código Civil, permitindo-se, diante da gravidade, a redução equitativa da indenização.

Tradicionalmente, divide-se a culpa, quanto à sua intensidade ou gravidade, em três


graus: grave, leve e levíssima. Na culpa grave, afirma-se, o autor, embora não tenha
agido com a intenção de causar o dano, comportou-se como se o tivesse querido,
daí equiparar-se ao dolo. A culpa leve, por sua vez, corresponderia à falta de
diligência média, que um homem normal empregaria em sua conduta. E a culpa
levíssima, por fim, diria com a conduta que escaparia ao padrão médio, mas que
51
um diligentíssimo pater familias, especialmente cuidadoso, observaria .

Também existe a divisão em modalidades de culpa. Desta feita, podemos dizer que a
culpa em sentido estrito se traduz nos conceitos de negligência, imprudência e imperícia.

51
BANDEIRA, Paula Greco in A evolução do Conceito de Culpa e o artigo 944 do Código Civil - Revista da EMERJ, v.
11, nº 42, 2008.

298
Matheus Zuliani

A negligência é a falta de cuidado pela omissão. É o sujeito que causa dano, porque o
carro derrapa na pista, batendo no carro estacionado, eis que os pneus estavam carecas, ainda
que estivesse em baixa velocidade. A imprudência é falta de cuidado somado a uma ação. É o
agir sem tomar as cautelas necessárias. É o sujeito que emprega velocidade acima do
permitido. Por fim, a imperícia é falta de habilidade, própria dos profissionais liberais. Ex.:
médico que faz cirurgia sem ter habilitação para fazer cirurgia. A presença de uma dessas
modalidades não exclui a outra. É possível que haja na mesma situação negligência e
imprudência, como é o caso em que o sujeito corre a 200 km/h na avenida, chovendo e com
pneus carecas.
Pergunta-se: porque o art. 186 do Código Civil não fala explicitamente sobre a
imperícia?
A imperícia é a imprudência técnica, diante disso, o fato de o artigo não a ter
mencionado não faz falta para fins de responsabilização.
O Código Civil de 2002 aboliu a característica subjetivista que tinha o Código de
Beviláqua. É claro que a responsabilidade baseada na culpa ainda existe, sendo ela a regra,
inclusive. No entanto, a objetividade ganhou espaço. O Código Civil trouxe a responsabilidade
por atos de terceiros, que será estudada em tópico próprio. No Código Civil de 1916, esse tipo
de responsabilidade era baseada na culpa in eligendo, in vigilando e in custodiano. A culpa in
eligendo era a culpa ao eleger, ou seja, a culpa do empregador em relação à conduta do
empregado. A culpa in vigilando era a culpa daquele que tinha o dever de vigiar, como a
conduta dos pais em relação aos filhos, do tutor e curador em relação aos pupilos e
curatelados. Por fim, a culpa in custodiano se caracterizava pela ausência de atenção e cuidado
em relação a coisa ou animal que se encontrasse sob a guarda do agente.
Por último, ainda tratando do tema da culpa, existe a questão da compensação de
culpa. Essa compensação de culpas é avaliada na fixação da indenização. O art. 945 do Código
Civil dispõe que “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua
indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do
autor do dano”.
O juiz aplica muito a compensação de culpa em casos de acidente de trânsito, onde
há culpa de ambos os condutores.

5. DO NEXO DE CAUSALIDADE

O nexo de causalidade é um elemento imaterial da responsabilidade civil (Aguiar


Dias). É a relação de causa e efeito, entre a conduta culposa e o dano suportado. A professora
Giselda Hironaka diz que o nexo de causalidade é como um fio com duas tomadas, uma em
cada ponta. Uma liga à conduta e outra ao dano.
A responsabilidade civil, ainda que objetiva, não existe se não houver relação de
causalidade entre a conduta do agente e o dano experimentado pela vítima.
Acerca do nexo de causalidade existem várias teorias para defini-lo. Dentre elas, as
mais relevantes para o direito civil são a teoria das equivalências das condições, a teoria da
causalidade adequada, e por fim, a teoria do dano direito e imediato.
Pela teoria das equivalências das condições todos os fatos diretos ou indiretos geram
a responsabilidade civil. É a teoria sine qua non. Assim, o fabricante da arma responde pelo
homicídio que foi praticada com ela, e assim, por diante, até ao infinito. Essa teoria não foi
adotada pelo sistema civil, pois amplia muito o nexo de causalidade.

299
Matheus Zuliani

Pela teoria da causalidade adequada o fato relevante ao evento é o que gera a


responsabilidade civil. Isto é, existe nexo de causalidade quando há fato relevante para
causação do dano. Estaria prevista nos arts. 944 e 945 do Código Civil. Somente o fato
relevante para o evento danoso gera a responsabilidade civil, devendo a indenização ser fixada
de acordo com a contribuição causal. Essa teoria foi desenvolvida por um jurista alemão
chamado Von Kries.
Existe um enunciado da Jornada de Direito Civil que não exclui a aplicação de tal
52
teoria .
No que tange a teoria do dano direito e imediato, somente devem ser reparados os
danos que decorrem dos efeitos necessários da conduta do agente. Os efeitos necessários
decorrentes daquela conduta são os que podem ser imputados àquele sujeito. É a ideia do art.
403 do Código Civil. Alguns doutrinadores entendem que é essa a teoria que se aplica.
Agostinho Alvim, jurista responsável pelo livro do direito das obrigações, explica
sobre a teoria:
Dessa forma, para Agostinho Alvim, mesmo que remota, indireta ou mediata, uma
condição é considerada causa necessária se o dano “a ela se filia necessariamente”, ou seja, se
a condição for “causa única” do dano, se “opera(r) por si, dispensadas outras causas”. Em
outras palavras, causa necessária é a que explica o dano: “Assim, é indenizável todo o dano que
se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja causa necessária, por não existir
outra que explique o mesmo dano” (ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas
consequências, 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 372).

6. DAS EXCLUDENTES DO NEXO DE CAUSALIDADE

As excludentes do nexo de causalidade são fatores que ceifam a ocorrência do nexo


de causalidade, não deixando o elo entre a conduta culposa (em sentido amplo) e o dano se
materializar. São eles a culpa exclusiva da vítima. A culpa exclusiva de terceiro e o caso fortuito
e a força maior.
Nos casos de culpa exclusiva da vítima ou culpa exclusiva de terceiro,
responsabilidade subjetiva recai inteiramente sobre a vítima ou sobre o terceiro, de forma que
causou o dano não será responsabilizado. Nessa senda, a vítima é a única e exclusivamente
responsável pela ocorrência do dano. O mesmo raciocínio se aplica ao terceiro.
Sobre a culpa de terceiro, mister se faz ressaltar um caso específico em que essa
excludente não tem incidência. Trata-se do contrato de transporte de pessoas. O art. 735 do
Código Civil diz que “a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o
passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”.
A respeito do caso fortuito ou da força maior, não há unanimidade sobre o conceito
de caso fortuito ou força maior. Flávio Tartuce diferencia, estabelecendo que caso fortuito é um
evento totalmente imprevisível, decorrente de ato humano ou evento natural, enquanto a
força maior é um evento previsível, mas inevitável. Ex.: furacão. Sabe-se que virá, mas é
inevitável.
Pontes de Miranda entendia que os conceitos são sinônimos e querem dizer um
evento não previsto pelas partes.
Dispõe o art. 393 do Código Civil que:

52
Enunciado 47 da I Jornada de Direito Civil: “O art. 945 do novo Código Civil, que não encontra correspondente no
Código Civil de 1916, não exclui a aplicação da teoria da causalidade adequada”.

300
Matheus Zuliani

Art. 393: O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário,


cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Essas excludentes do nexo de causalidade devem ser analisadas caso a caso. É preciso
verificar se naquele evento se está diante de um caso fortuito ou força maior, ou se decorre do
risco do empreendimento, o chamado risco proveito, ou seja, se não há relação com a
atividade do suposto causador do dano. Nessa hipótese não há exclusão do nexo de
causalidade. Também são denominados de eventos internos (fortuito interno).
Nesse sentido, o STJ editou a Súmula 479, que dispõe: “As instituições financeiras
respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos
praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.
Já o fortuito externo é aquele que não tem qualquer relação com a atividade
desenvolvida ou risco do empreendimento. Dessa forma, podem ser consideradas com
excludentes da responsabilidade (do nexo de causalidade).
Esse tema de fortuito interno e fortuito externo gera muita polemica na
jurisprudência. Nesse sentido, é importante acompanhar o que o STJ tem entendido a respeito
do rompimento do nexo de causalidade, e por consequência, a quebra do dever de indenizar.
Roubo a ônibus: havia divergência entre a 3ª e a 4ª turmas do STJ. Alguns diziam que
a empresa podia evitar. Porém, como a empresa poderia fazê-lo? Colocando detector de
metais? O STJ passou a entender, e consolidou o entendimento, de que o assalto a ônibus é um
evento externo e se enquadra nos casos de caso fortuito e força maior, caso em que a empresa
não responde (STJ - REsp 783.743/RJ).
Roubo a banco: o Roubo no interior da instituição financeira se encaixa no risco do
empreendimento. O banco tem um ambiente de risco, assim é seu dever oferecer segurança
aos consumidores. Assalto a banco é evento interno, entra no risco do empreendimento,
portanto, o banco tem responsabilidade STJ - REsp. 694.153/PE).
Roubo em Shopping: o roubo dentro de shopping center é um caso bem divergente
na jurisprudência. O cidadão que é vítima de roubo dentro do shopping deve ser indenizado,
uma vez que a empresa deve providenciar segurança aos clientes, afinal, é esse o diferencial
que eles vendem no cotejo com o comércio aberto. Segundo jurisprudência do STJ, o assalto a
shopping é evento interno, portanto, a empresa responde (STJ - REsp. 582.047/RS).
Ainda dentro do tema, existem questões que atenuam o nexo de causalidade, sem,
contudo, excluí-lo. Nesse caso, há responsabilidade civil, contudo, com redução do quantum
indenizatório.
O principal fator atenuante é a culpa ou fato concorrente da vítima. Dispõe o art. 944
do Código Civil que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. O parágrafo único
complementa dizendo que “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o
dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”.
Por fim, o art. 945 do Código Civil explica que “se a vítima tiver concorrido
culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a
gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”.

301
Matheus Zuliani

7. DO DANO OU PREJUÍZO

O dano ou prejuízo é a lesão causada ao patrimônio da pessoa. A lesão que


mencionamos pode ser uma lesão material ou imaterial.
O dano assume um papel fundamental em matéria de responsabilidade civil.
O dano indenizável precisa ser certo, não podendo ser abstrato ou simplesmente
hipotético. O “aborrecimento” não se indeniza. Isso porque ele caracterizaria um dano
hipotético. A fronteira entre o aborrecimento e o dano é tênue, mas o aborrecimento não se
indeniza.
Antigamente somente se cogitava em danos materiais e danos morais. Com o passar
do tempo e a evolução da sociedade, exigindo que o direito a acompanhe, foram surgindo
outras modalidades de dano.

8. DO DANO MATERIAL

O dano material é a lesão ao patrimônio material da vítima. Não somente, lesão ao


bem corpóreo que ele possui. Nessa modalidade de dano, a regra é a necessidade de
comprovação do dano, não se admitindo que o dano material seja presumido.
Excepcionalmente, a jurisprudência tem permitido a presunção de dano material nos
casos de compromisso de compra e venda de bem imóvel em construção. Quando o construtor
atrasa a entrega das chaves para além do prazo de prorrogação de 180 dias, nasce para o
promitente comprador, o direito de ser indenizado pelo dano material experimentado.
Geralmente esse dano material é a compensação pelo fato de que a pessoa poderia ter
alugado ou deixado o aluguel. Nesse caso, a jurisprudência entende que o dano material é
presumido, ou seja, não precisa o promitente comprador demonstrar que tinha proposta de
alugar o bem, ou então, que pagava aluguel durante a construção.
O dano patrimonial pode ser classificado em danos emergentes (danos positivos) e
lucros cessantes. O primeiro é o que efetivamente se perdeu com o dano. Ex.: houve um
homicídio, situação na qual a família gastou com hospital, funeral, etc. A família tem o direito
de ser reembolsado por estas despesas. Lucros cessantes (danos negativos), por sua vez, é
aquilo que efetivamente se deixou de ganhar. Ex.: no caso do homicídio, é a prestação de
alimentos indenizatórios, ou seja, é o valor que o sujeito estaria contribuindo para a sua
família, mas que agora não pode mais. Existem lucros e rendas cessantes.
O taxista, quando fica na oficina por conta de um dano experimentado, ficará sem
trabalhar. Se o valor da reparação do carro foi 3 mil reais, isto será dano emergente. Todavia,
durante o período que o sujeito ficou sem trabalhar ele não ganhou, devendo receber os danos
negativos, ou seja, os lucros cessantes por aquilo que não recebeu durante o período.
O pensionamento, nome que recebe a indenização de dano material que sofre a
família ou a própria vítima, em razão da perda do trabalho, também se indeniza. Para se chegar
ao valor da indenização, primeiro se chega à expectativa de vida da vítima. Para se chegar a
esse dado, utiliza-se a informação do IBGE. Após isso, o STJ entende que a indenização deve
levar em conta somente a fração de 2/3 do salário da vítima. Isso porque se presume que 1/3
ela gasta com ela mesma. Portanto, 2/3 irão para os dependentes da vítima, mais FGTS, décimo
terceiro, férias, horas extras eventuais, até o limite da idade de expectativa de vida provável da
vítima.
Supondo que o acidente tenha atingido uma vítima que já tinha ultrapassado este
limite de idade de vida provável, trazido pelo IBGE. Ex.: atropelaram o senhor de 80 anos na

302
Matheus Zuliani

faixa de pedestre. Nesse caso, faz-se um cálculo de sobrevida, de acordo com as condições
gerais daquele sujeito. Não somente, esse cálculo poderá variar de 2 a 5 anos, ou até maior.
Questiona-se: e se a vítima era autônomo e não tinha meios de comprovar os
ganhos? Nesse caso o STJ entende que deve ser presumido o ganho de um salário mínimo
vigente.
Em alguns casos, o STJ tem quebrado esta regra de que a indenização deverá ser
fixada com base na vida provável da vítima falecida. Exemplo disso ocorre nos casos em que a
vítima é o filho da família. Ex.: filho teria 17 anos quando faleceu. Nesse caso, ele contribuiria
para família até certa idade. Nos casos em que falece o pai da família, o qual tinha 54 anos e o
filho tinha 17 anos. Nesse caso, o filho não vai ficar recebendo do pai até o fim da vida
provável, mas apenas até os 24 ou 25 anos, que é o limite da relação de dependência.
Existe, ainda, a hipótese em que o falecimento é de filho menor impúbere. Neste
caso, a Súmula 491 do STF estabelece que é indenizável o acidente que cause a morte de filho
menor, ainda que não exerça trabalho remunerado53.
O cálculo dessa indenização é feito com base num salário mínimo, contabilizando 2/3
no período em que o menor teria entre 14 a 24 anos, supondo que ajudaria a família.
No entanto, existem julgados que defendem alimentos indenizatórios aos pais,
inclusive após este período. Nessa situação, em que o indivíduo atinge 24 ou 25 anos,
presume-se que ele teria casado, hipótese que passará a contribuir com 1/3 de seus
rendimentos.
Flávio Tartuce critica essa visão do STJ, alertando que isto não é a realidade brasileira.
Para ele, a pessoa com 25 anos, como regra geral, não contribui com mais nada para sua
família.
Segundo o STJ, na responsabilidade civil extracontratual, se houver a fixação de
pensionamento mensal, os juros moratórios deverão ser contabilizados a partir do vencimento
de cada prestação, e não da data do evento danoso ou da citação.
Não se aplica ao caso a Súmula 54 do STJ, que somente tem incidência para
condenações que são fixadas em uma única parcela. Se a condenação for por responsabilidade
extracontratual, mas o juiz fixar pensão mensal, neste caso, sobre as parcelas já vencidas
incidirão juros de mora a contar da data em que venceu cada prestação. Sobre as parcelas
vincendas, em princípio não haverá juros de mora, a não ser que o devedor atrase o
pagamento, situação na qual os juros irão incidir sobre a data do respectivo vencimento. Esse
tema foi objeto do informativo 580 do STJ.
O dano moral é a lesão ao direito de personalidade da pessoa.
A angústia, o sofrimento ou a dor são efeitos do dano moral. Esses eram os requisitos
imprescindíveis para a existência do dano moral. No entanto, a jurisprudência foi banalizando o
dano moral, permitindo-se que situações em que não houve angustia, sofrimento ou dor
gerassem indenização. Isso porque o dano moral é configurado a lesão de direitos da
personalidade. Tanto é que a indenização por danos morais, quando começou a ser aplicada no
Brasil, tinha a finalidade de amenizar a dor sofrida com a pecúnia recebida, sabendo que o
dinheiro nunca iria fazer a dor passar, mas sim, ajudar a esquecê-la, proporcionando
momentos de prazer.
Se estiver presente o sentimento negativo, poderá ou não gerar dano moral.

53
Súmula 491 do STF: “É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho
remunerado”.

303
Matheus Zuliani

Demonstrada a ocorrência da ofensa, não é preciso comprovar que essa ofensa gerou
dor, angústia ou sofrimento para configuração do dano moral. Diante disso, em algumas
situações entende-se que o dano moral é presumido. Esse dano moral presumido recebe o
nome de dano moral in re ipsa.
No dano moral não existe uma finalidade de acréscimo patrimonial, tanto é que não
incide imposto de renda sobre esta indenização. Esse entendimento, inclusive, é sumulado
pelo STJ.54
Alguns doutrinadores defendem o dano moral e dano moral direto e indireto. No
dano moral direto a lesão atinge a própria pessoal, diretamente. O sujeito inscreveu o nome do
lesado nos cadastros de inadimplentes. Noutro giro, no dano moral indireto há um dano em
ricochete, atingindo, também, uma terceira pessoa. Isto é, o dano moral que atinge a pessoa
de forma reflexa. Por exemplo, por conta da atitude imprudente alguém é morto. Há um dano
moral à família do lesado. Veja, um terceiro experimentou o dano moral por um fato
ocasionado a outra pessoa. Ex.: uso indevido da imagem do morto ou lesão à honra do morto.
É preciso tecer comentários acerca do arbitramento do dano moral. Nota-se que não
há, no nosso ordenamento jurídico, o tabelamento do dano moral. Se a indenização por dano
moral fosse tabelada isso facilitaria o ofensor a prever a sua conduta e colocar na balança os
pós e os contras da prática de um ilícito. Nesse contexto, ficou a cargo do Magistrado arbitrar a
indenização quando ocorrer ofensa ao direito de personalidade.
Acerca da fixação da indenização o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo Ênio Santarelli Zuliani, pai do autor que vos escreve, ensina:

O arbitramento é um ato de consciência jurídica e o juiz deve mentalizar, em


primeiro lugar, a situação da vítima (a extensão do dano e sua repercussão na
esfera íntima do indivíduo e no aspecto social). Esse é um exercício que se cumpre
examinando as condições pessoais do lesado, sua capacidade de autodeterminação
diante da gravidade do fato e do trauma que um ser humano dotado de
personalidade mediana (entre o fraco e o forte) suporta, bem como a perspectiva
de superação com o poder do dinheiro a ser pago (ZULIANI, Ênio Santarelli in
Direitos in Particularidades do Arbitramento do Dano Moral Na Responsabilidade
Civil do Estado – Responsabilidade Civil do Estado, Desafios Contemporâneos –
Editora QuartierLatin).

O STJ55 também adotou um critério bifásico de arbitramento do dano moral. Na


primeira etapa, deve-se estabelecer um valor básico para a indenização, considerando o
interesse jurídico lesado, com base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram
casos semelhantes. Na segunda etapa, devem ser consideradas as circunstâncias do caso, para
fixação definitiva do valor da indenização, atendendo à determinação legal de arbitramento
equitativo pelo juiz.
Sobre a natureza jurídica da indenização por danos morais, existem três correntes
que tentam defini-la.
A primeira corrente entende que a indenização de danos morais tem a natureza
meramente reparatória. Está superada. A segunda, por sua vez, defende que a indenização por
danos morais tem caráter punitivo ou disciplinador (punitive damages). A ideia é punir alguém
pelo fato de ter violado um direito da personalidade. Essa teoria não foi adotada, embora
existam alguns julgados que a mencionem. Veja, os EUA adotam essa teoria. Em um caso de
1990 (BMW vs Gore) a BMW foi condenada, em última instância, ao pagamento de uma

54
Súmula 498 do STJ: “Não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais”.
55
STJ - REsp nº 1152541 / RS e REsp nº 710879 / MG.

304
Matheus Zuliani

indenização por 2 milhões de Dólares pelo fato de vender veículos zero quilômetros com uma
repintagem parcial56. No Brasil, o TJSP reduziu a indenização por danos morais e materiais
contra a BMW pela morte do Cantor João Paulo (aquele que fazia dupla com Daniel), para R$
300 mil reais, por um suposto defeito na roda. O STJ ainda não analisou o caso, embora o TJSP
tenha reconhecido uma culpa parcial do cantor na condução do veículo. Veja a gravidade dos
fatos e o valor da indenização. Conclui-se que o Brasil não adota essa teoria.
Por fim, a terceira defende que a indenização por danos morais tem caráter
compensatório, caráter reparatório, mas também tem um caráter pedagógico, disciplinador,
visando coibir novas condutas. Não pode ser ínfima a indenização a fim de fomentar a prática
ilícita pelo ofensor. Esta é a corrente que prevalece.
Por fim, para concluir a indenização por danos morais, segue alguns casos que o STJ
tem enfrentado.
A presença de corpo estranho dentro de embalagens gera o dever de indenizar?
A presença de corpos estranhos encontrados dentro das embalagens de alimentos
gera ao consumidor o direito à indenização. A concessão de danos materiais é pacífica na
doutrina e na jurisprudência, tendo o consumidor o direito de ser reparado pelo valor pago no
produto viciado. A questão ganha certa controvérsia no que concerne à concessão de danos
morais. A jurisprudência majoritária tem concedido indenização por danos morais quando o
consumidor se depara com corpos totalmente estranhos ao alimento que ali deveria constar.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça concedeu indenização por danos morais à consumidora
que encontrou um preservativo masculino dento do frasco de molho de tomate57. Em outro
caso a mesma corte superior concedeu indenização ao consumidor que se deparou com uma
barata dentro da lata de leite condensado58. O STJ tinha posição de que a indenização por
danos morais apenas tinha sentido se o alimento era ingerido pelo consumidor. Agora, o STJ
fez a revisão de sua posição, adotando a posição que já era firmada pela Ministra Nancy
Andrighi, ou seja, de que a compra de produto alimentício que contenha corpo estranho no
interior na embalagem, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, expõe a saúde do
consumidor a risco e, como consequência, dá direito à compensação por dano moral, em
56
“Em 1.990, Gore comprou um automóvel novo numa Concessionária BMW, na cidade de Montgomery, Alabama.
Nove meses após a compra, detectou que o veículo passara por uma repintagem parcial antes de ser vendido como
novo. Revoltado com a descoberta Gore demandou judicialmente contra a BMW, alegando falha no dever de
informação. A montadora BMW admitiu tal prática em 1.000 (um mil) veículos para revenda nas concessionárias da
marca sem informações aos distribuidores. Na sua demanda, Gore conseguiu provar uma desvalorização inicial do
veículo em US$ 4.000 dólares com a repintura e foi recompensado nesse montante pela não informação da BMW.
E, a montadora alegou o dano presumido que fora causado por chuva ácida durante o transporte do veículo da
Alemanha para os Estados Unidos. Mas, a demanda de Gore incluía um pedido de indenização punitiva de US$ 4
milhões de dólares (valor da desvalorização unitária multiplicado pelo número de veículos repintados), que foi
acolhido pelo júri do Tribunal de Birmingham, restando na condenação da BMW nesse valor, a título de punitive
damages pela política de não informação e omissão fraudulenta. Inconformada, a BMW apelou perante a Suprema
Corte do Estado do Alabama, pleiteando a modificação da decisão quanto à imposição da indenização punitiva. Esta
corte reduziu a condenação para US$ 2 milhões, por entender que caberia deliberar somente pelos veículos
vendidos no Estado de Alabama. Novo recurso interposto na Suprema Corte dos Estados Unidos, que para resolver
a questão e ratificar entendimento a ser aplicado a futuros casos de punitive damages estabeleceu três parâmetros
gerais (incorporados na Due Process Clause of the Fourteenth Amendment to the United States Consitutition) para
aferição do quantum indenizatório: o grau de repreensão da conduta, a relação entre os danos compensatórios e os
punitivos e, por fim, a magnitude de sanções civis e criminais por condutas similares (que na época eram de US$ 2
mil dólares). Ao final, a condenação reformada ficou em US$ 50 mil dólares, correspondente ao valor de um novo
veículo. Tal decisão confirmou um “enorme exagero” (gross excessiveness) na condenação e pacificou
entendimento sobre a matéria, constituindo um relevante precedente judicial, ao admitir a limitação do valor das
punitive damages a bases constitucionais. (Moraes, op. Cit., p. 240-245)”. SAMPAIO, Carla A. B. Aplicação da Teoria
dos Punitive Damages às Relações Trabalhistas. Monografia de Graduação em Direito. Faculdade Baiana de Direito,
Salvador/BA, 2016.
57
STJ - REsp 1.317.611/RS – Relatora. Ministra. Nancy Andrighi – julgado em 12/6/2012 – informativo n. 499.
58
STJ – REsp 1.239.060/MG – Relatora Ministra - Nancy Andrighi - publicado no DJe de 10/5/2011.

305
Matheus Zuliani

virtude da ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, resultante do princípio da


dignidade da pessoa humana59.
Questiona-se: a espera na fila do banco gera indenização por dano moral?
O ordenamento jurídico vigente autoriza que se legisle acerca do tempo máximo
permitido ao consumidor para aguardar em fila de atendimento de instituição financeira, sob
pena de ultrapassado esse tempo o banco indenizar o consumidor lesado. Entretanto, a
jurisprudência, de forma acertada, concluiu que não basta apenas ultrapassar o tempo
máximo de limite imposto pela legislação. Deve-se, todavia, existir algum fato atrelado à
demora no atendimento que possa causar ao consumidor lesão ao seu direito de
personalidade, como colocar em risco à saúde do consumidor. Apenas a espera por
atendimento bancário, por tempo superior ao previsto na legislação municipal ou estadual,
não gera indenização por dano moral, figurando, apenas, um desconforto60. No entendimento
do STJ, a longa espera em fila de banco é irregularidade administrativa.

8.1 TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR

A doutrina, há alguns anos, vem defendendo a possibilidade de responsabilidade civil


pela perda injusta e intolerável do tempo útil. A decisão na Teoria do Desvio Produtivo do
Consumidor, que

se evidencia quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento,


precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências – de uma
atividade necessária ou por ele preferida – para tentar resolver um problema
criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza
61
irrecuperável .

A pessoa jurídica sofre dano moral?


O tema está pacificado na jurisprudência e no código civil caminha neste sentido ao
estipular, no art. 52, que se aplica à pessoa jurídica, no que couber, os direitos da
personalidade.
Portanto, o Código Civil vai reconhecer a existência de direitos da personalidade em
favor da pessoa jurídica.
Se ela tem direitos da personalidade, e se o dano moral é violação aos direitos da
personalidade, quer dizer que, se a pessoa jurídica sofrer violação em um de seus direitos da
personalidade, haverá sofrido dano moral, cabível indenização neste sentido.
Normalmente atinge a honra objetiva da pessoa jurídica. Ex.: inscrição indevida em
cadastro de inadimplentes da pessoa jurídica.
São alguns direitos da personalidade da pessoa jurídica: direito ao nome, direito à
honra objetiva, direito à imagem, etc.
Inclusive, o STJ editou a súmula 227 que diz “A pessoa jurídica pode sofrer dano
moral”.
O STJ também decidiu a respeito do cabimento ou não de indenização por danos
morais em benefício de pessoa jurídica de direito público. Ocorre que o STJ entendeu que não
são cabíveis. O fundamento é a origem do instituto do cabimento da indenização por danos
morais. Como se sabe, o dano moral busca proteger os direitos fundamentais. E a origem dos

59
STJ – REsp 1768009 – julgado em maio de 2019 – Ministra Nancy Andrghi.
60
STJ - REsp 1.647.452.
61
STJ REsp 1737412/SE - Min. Nancy Andrighi.

306
Matheus Zuliani

danos fundamentais está ligada à necessidade de se proteger o cidadão do Estado. Por isso,
tanto a doutrina como a jurisprudência somente irão reconhecer às pessoas jurídicas de direito
público direitos fundamentais de caráter processual ou que assegurem a ela a sua autonomia.
Veja, são direitos fundamentais que asseguram proteção ao Estado contra o próprio
Estado. Para o STJ, não cabe ao Estado alegar que um indivíduo violou direito da personalidade
do Estado e, portanto, deve indenizá-lo moralmente, pela violação da imagem.

9. DANO ESTÉTICO

O dano estético não é o mesmo que dano moral.


Hoje, doutrina e jurisprudência separam dano estético de dano moral, mas ambos
são danos de caráter extrapatrimonial. O C. Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 387,
admitindo a cumulação dos pedidos de indenização por danos morais e por danos estéticos, in
verbis: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”.
O dano estético consiste na lesão direcionada a parte física do corpo humano,
transformando a parte bela em algo repugnante, repulsivo.
Para Teresa Ancona Lopes, professora da USP, quando se fala em dano estético
“estamos querendo significar a lesão à beleza física, ou seja, á harmonia das formas externas
de alguém”. (LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético – São Paulo: RT, 1980).
Estes danos estão presentes quando a pessoa tem uma ferida, uma cicatriz, um corte
na pele, quando sofre uma lesão ou a perda de um órgão, podendo ser inclusive interno, desde
que seja visível. A imputação também pode ser dano estético.
O dano estético é presumido, pois está exteriorizada a lesão (in re ipsa). Portanto,
cabe ao Magistrado analisar a lesão. Uma vez constatada o dano moral é presumido.

10. DANO MORAL COLETIVO

Dano moral coletivo é o dano que atinge ao mesmo tempo vários direitos da
personalidade de pessoas uma determinada categoria jurídica. Os danos morais coletivos não
têm caráter difuso.
O dano moral coletivo tem previsão no Art. 6º, VI, do Código de Defesa do
Consumidor e art. 1º, IV, Lei nº 7.347/85, in verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,


coletivos e difusos;

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as
ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

(...)

IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

Há uma diferença entre interesse difuso e coletivo. Difuso é o que é de todos e não é
de ninguém, ou seja, que pertence a coletividade. Coletivo, por sua vez, é aquilo que pertence
a uma determinada categoria jurídica.

307
Matheus Zuliani

O dano moral é in rei psa, ou seja, presumido. No entanto, assim atestou o STJ:

O dano moral coletivo se dá in rei psa, contudo, sua configuração somente ocorrerá
quando a conduta antijurídica afetar, intoleravelmente, os valores e interesses
coletivos fundamentais, mediante conduta maculada de grave lesão, para que o
instituto não seja tratado de forma trivial, notadamente em decorrência da sua
62
repercussão social .

Nesse mesmo julgado acima, o STJ reconheceu o dano moral coletivo por abuso do
direito em razão de ter a emissora de televisão exibido filme fora do horário recomendado
pelo órgão competente, já que verificada a conduta que afronte gravemente os valores e
interesses coletivos fundamentais (Informativo de jurisprudência n. 663 de fevereiro de 2020).
O dano moral difuso ou coletivo só pode ser pleiteado por meio de ação civil pública.
Esse é o mecanismo para pleitear dano moral difuso e coletivo.
Por fim, o valor da condenação a título de dano moral coletivo vai para um Fundo
previsto no art. 13 da LACP. É um fundo para recompor o bem jurídico lesado.

11. DANOS SOCIAIS

Antônio Junqueira, professor da USP, propõe uma nova modalidade de dano,


denominado dano social.
Danos sociais são lesões à sociedade, que atingem à qualidade de vida da sociedade,
tanto por conta do seu rebaixamento patrimônio moral, principalmente no tocante à
segurança, quanto por diminuição da qualidade de vida. Esse rebaixamento pode ter
repercussão material e também repercussão moral.
O dano social decorre de uma conduta socialmente reprovável. São danos difusos,
envolvendo direitos difusos, sendo as vítimas indeterminadas e indetermináveis. Por conta
disso, a indenização por danos sociais também está prevista no art. 6º, VI do Código de Defesa
do Consumidor.

12. DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

A teoria da perda de uma chance ocorre quando a pessoa vê frustrada uma


expectativa que ela tinha e que, dentro da lógica do razoável, ela teria, caso as coisas tivessem
seguido o seu curso normal. É a perda da chance séria e real que justifica a indenização. Essa
chance de vitória deve ser séria e real.
Essa teoria foi importada da França (perte d’une chance).
O caso mais emblemático de aplicação a teoria da perda de uma chance foi no
julgamento de um caso envolvendo o programa famoso de uma emissora de televisão
denominado de “Show do Milhão” (REsp. 788.459, BA). Não obstante esse caso, essa mesma
teoria tem muita incidência em casos de responsabilidade civil por erro médico e do advogado.
Nesse tema de responsabilidade civil do advogado escreveu o Desembargador do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Ênio Santarelli Zuliani:

Perda de uma chance é uma expressão feliz que simboliza o critério de liquidação
do dano provocado pela conduta culposa do advogado. Quando o advogado perde
prazo, não promove a ação, celebra acordos pífios, o cliente, na verdade, perdeu a

62
STJ - REsp 1840463 / SP – julgado em 19/11/2019.

308
Matheus Zuliani

oportunidade de obter, no Judiciário, o reconhecimento e a satisfação integral ou


completa de seus direitos (art. 5º, XXXV, da CF). Não perdeu uma causa certa;
perdeu um jogo sem que lhe permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria um fato
danoso. Portanto, na ação de responsabilidade ajuizada por esse prejuízo
provocado pelo profissional do direito, o juiz deverá, em caso de reconhecer que
realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da
sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva
favorável dessa chance. Resulta que, em se confirmando que a ação não examinada
(por erro do advogado) era fadada ao insucesso, se fosse conhecida e julgada, o
advogado, mesmo errando no antecedente, não responde pela consequência. Isso
porque equivale a afirmar que a obrigação, mesmo mal desempenhada, terminou
produzindo, por vias oblíquas, o único resultado que dela se esperava, ou seja,
absolutamente nada. No entanto, concorrendo um mínimo de probabilidade de
êxito (jurisprudência favorável ao direito do cliente, embora não uniformizada), o
juiz deverá considerar essa possibilidade, dentro de critério jurídico razoável, e,
63
com isso, fixar o quantum (art. 944, do CC) .

Sobre a teoria da perda de uma chance, nos termos da doutrina mais conceituada,
sua natureza é de direito material especial, estando entre o dano emergente e o lucro
cessante. Nesse sentido é a posição do STJ quando do julgamento do REsp Nº 1.757.936 – SP,
que acolheu o pedido de indenização pela perda de uma chance de um participante do
programa Amazônia – reality show, exibido pela TV Record em 2012.
Não existe critério determinado na lei para o arbitramento dessa indenização. No
entanto, sabe-se que o valor da indenização será sempre inferior ao da vantagem perdida, pois
caso fosse, estar-se-ia indenizando o próprio dano, que não é o propósito da indenização.

13. DANO BUMERANGUE

Consiste no dano bumerangue aquele causado pela própria vítima em resposta à


ofensa que sofreu. Alguém ofende a minha honra e, em troca, eu também ofendo a dela.
Nesse caso, pode haver compensação de culpas e pode o juiz determinar que ninguém irá
indenizar ninguém (CC, art. 945).

14. DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO DE TERCEIRO

A responsabilidade civil por ato de terceiro está prevista nos artigos 932 e 933,
ambos do Código Civil.
É importante mencionar que as pessoas que são responsáveis respondem
objetivamente, desde que comprovada a culpa das pessoas por quem eles respondem (CC, art.
933).
Por isso que Álvaro Villaça de Azevedo fala em responsabilidade objetiva impura.
No inciso I do art. 932 temos a responsabilidade civil dos os pais, pelos filhos
menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Verifica-se pela redação do
Código Civil que o filho menor deve estar sob a autoridade de um dos pais e em sua
companhia.
Os pais têm responsabilidade objetiva pelo ato culposo do filho. Assim, não precisa
provar a culpa dos primeiros, mas precisa demonstrar a dos segundos.

63
ZULIANI, Ênio Santarelli in Responsabilidade Civil do Advogado apud James Eduardo de Oliveira – Código Civil
Comentado e Anotado – Doutrina e Jurisprudência – 2ª Edição – Editora Forense

309
Matheus Zuliani

No inciso II art. 932 há a responsabilidade do tutor e do curador, pelos pupilos e


curatelados, que se acharem nas mesmas condições. Quando diz “nas mesmas condições”,
refere-se ao “sob sua autoridade e em sua companhia” do inciso antecedente. Nesse caso
também há responsabilidade objetiva impura, ou seja, comprovada a culpa do tutelado ou do
curatelado, tem a responsabilidade objetiva do tutor e do curador.
O inciso III, por sua vez, elenca a responsabilidade do empregador ou comitente, por
seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em
razão dele. Sobre essa responsabilidade, entende-se que não há necessidade de relação de
emprego, bastando a relação de pressuposição, baseada na confiança. Desta forma, a
jurisprudência tem dado uma interpretação ampliativa a essa relação de confiança. Pense na
hipótese do sujeito que empresta seu carro a outrem. Nota-se que essa conduta configura um
contrato de comodato. Se o comodatário atropelar alguém de forma culposa, o comodante
será responsabilizado com fundamento nesse inciso do art. 932 do Código Civil.
Outro caso é o da responsabilidade objetiva do hospital pelo ato culposo praticado
pelo médico integrante do seu corpo clínico. Comprovada a culpa do médico, o hospital
responde. Existe, inclusive, um enunciado da Jornada de Direito Civil nesse sentido64. A uma
jurisprudência do STJ que entende que no caso de erro médico, para se apurar a
responsabilidade do hospital, sempre haverá a necessidade de discutir culpa, sob pena de
transferir uma indevida responsabilidade objetiva para a hipótese de erro médico, o que não
se admite.
O inciso IV diz que responde os donos de hotéis, hospedarias, casas ou
estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus
hóspedes, moradores e educandos. São os donos de hotéis e afins, bem como
estabelecimentos de ensino.
Desta forma, se o filho menor não estiver na companhia dos pais, mas sob os
cuidados da escola, tendo ocorrido a culpa do menor em um evento que gere a
responsabilidade civil, não serão os pais que responderão, mas sim, a escola, com fundamento
nesse inciso.
A responsabilidade por bullying tem previsão nesse inciso. O bullying é o ato de
valentia praticado em ambiente escolar para causar situação vexatória em outro aluno.
Se o bullying for praticado na escola, aplica-se o art. 932, IV, Código Civil,
respondendo o estabelecimento de ensino, se for privado, com a necessidade de prova da
culpa do aluno bolinador. Também é possível a incidência do Código de Defesa do Consumidor
em evidente diálogo das fontes. Se for escola pública responde o Estado com base no art. 37, §
6º, Constituição Federal. Porém, se o bullying for praticado fora da escola (no caminho, por
exemplo), quem responde são os pais, pelo art. 932, I, Código Civil.
Nesse sentido é a jurisprudência desse e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Confira:

A omissão de estabelecimento de ensino em adotar medidas cabíveis para


fiscalizar, apurar e coibir conduta reiterada de ofensas e agressões a aluno
caracteriza falha na prestação do serviço e enseja dano moral indenizável em razão
dos consequentes transtornos físicos e psíquicos ocasionados à vítima (TJDFT -
Acórdão n. 946381, Relatora Designada Desª. FÁTIMA RAFAEL, 3ª Turma Cível, Data
de Julgamento: 1º/6/2016, Publicado no DJe: 10/6/2016).

64
Enunciado 191 da III Jornada de Direito Civil: “A instituição hospitalar privada responde, na forma do art. 932, III,
do Código Civil, pelos atos culposos praticados por médicos integrantes de seu corpo clínico”.

310
Matheus Zuliani

Por fim, o inciso V diz que são responsáveis os que gratuitamente houverem
participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. O dispositivo diz uma regra
clara, se houve proveito do crime, certamente haverá a responsabilização até a quantia
recebida.
Conjugado com o tema da responsabilidade civil por ato de terceiro, existe a questão
do direito de regresso. Nesse sentido, dispõe o art. 934 do Código Civil que diz: “Aquele que
ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem
pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz”.
A exceção é a ausência do regresso do ascendente contra o descendente incapaz.
Todavia, poderá providenciar o que se chama de adiantamento de legítima, como se
nota do art. 2.010 do Código Civil. O adiantamento da legítima é a possibilidade de ser
descontado na herança um gasto extraordinário que o pai teve com o filho, por meio da
colação.
Por fim, o Código Civil trata da responsabilidade solidária dos causadores do dano na
hipótese geral e também na hipótese da responsabilidade por ato de terceiro. Dispõe o 942
que “os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à
reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão
solidariamente pela reparação”. Complementa o parágrafo único que são solidariamente
responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932 do Código Civil.

15. DA RESPONSABILIDADE DO INCAPAZ

O Código Civil, no art. 928, trata da responsabilidade civil do incapaz. O incapaz


responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação
de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. A indenização, nesse caso, deverá ser
equitativa e não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele
dependem.
Assim, a doutrina diz que a responsabilidade do menor é subsidiária e mitigada.
Subsidiária porque ele só vai responder seu os pais não puderem responder. E mitigada por
que será fixada de forma equitativa, não respondendo ao princípio da reparação integral do
dano. Isso porque deverá respeitar, com isso, a tutela do patrimônio mínimo do incapaz.

16. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO DONO OU DETENTOR DE ANIMAIS

Dispõe o art. 936 do Código Civil que o dono, ou detentor, do animal ressarcirá o
dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.
Não havendo culpa exclusiva da vítima ou força maior, haverá uma causa excludente
do nexo de causalidade.
Na verdade, a responsabilidade civil do dono ou detentor do animal é objetiva.
Não se fala mais em culpa in custodiendo.
A lei não prevê mais a excludente do “máximo cuidado na guarda”, que trazia a ideia
de culpa presumida (Sérgio Cavalhieri Filho). Pelo CC/16, se o dono do animal provasse que
tivesse tomado o máximo cuidado na guarda, ele não respondia. Se provar hoje que teve esse
máximo cuidado na guarda, ele responde. Hoje, para não responder, deve-se provar culpa
exclusiva da vítima ou força maior.
A jurisprudência tem aplicado esse dispositivo ao lado do Código de Defesa do
Consumidor, em diálogo das fontes. O STJ, no caso do menor que foi morto por leões durante

311
Matheus Zuliani

espetáculo de circo instalado na área contígua a shopping center, decidiu aplicar tanto o
Código Civil quanto o Código de Defesa do Consumidor65.
É possível reconhecer culpa concorrente da vítima para atenuar a responsabilidade
do dono ou detentor do animal. Isso seria uma calibração do nexo de causalidade.

17. RESPONSABILIDADE CIVIL DO DONO DO PRÉDIO OU CONSTRUÇÃO POR SUA RUÍNA

O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína,
se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta. É o que dispõe o art. 937
do Código Civil.
Essa é uma primeira hipótese de responsabilidade civil pelo fato da coisa.
Neste caso, o dono da construção responde objetivamente por dois motivos. O
primeiro é pelo risco criado ou pelo risco proveito. A segunda é pela aplicação do Código de
Defesa do Consumidor, quando for o caso.
Essas situações, na imensa maioria dos casos, estarão inseridas dentro da
responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor. Isso porque o morador do
prédio será considerado como consumidor direto (quem comprou o apartamento) e a vítima
do evento serão consideradas consumidores por equiparação (bystander).
Perceba que não é defenestração, ou seja, não se trata de coisas jogadas da janela.
Aqui é o prédio em ruínas. O Código exige que essa necessidade de reparos seja manifesta.
Por falar em objetos que caem da janela, dispõe o art. 938 que “aquele que habitar
prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem
lançadas em lugar indevido”.
Fenestra é janela. Defenestrar é jogar pela janela.
Trata-se de mais um caso de responsabilidade civil objetiva em razão da coisa.
Fala-se também em responsabilidade civil por effusis et dejectis (effusis é líquido e
dejectis é sólido).
O responsável pela conduta é aquele que habitar o prédio. Nesse sentido, ainda que
o imóvel esteja alugado, a responsabilidade é do locatário.
A responsabilidade é objetiva diante de um risco criado.
E se a coisa for lançada de um condomínio edilício, quem responde caso não se
consiga identificar o responsável?
O entendimento majoritário é no sentido de que responderá todo o condomínio,
assegurado o direito de regresso contra o culpado. Nesse sentido, REsp. 64682/RJ. Venosa
chama isso de “pulverização de responsabilidade” (responde todo o condomínio).

18. DA CLÁUSULA DE NÃO DE INDENIZAR

A cláusula de não indenizar é uma prática muito comum aposta em contratos de


adesão, ou então, fixadas em locais de prestação de serviços no qual o contrato é verbal (placa
dentro do estacionamento que diz que não se responsabiliza por objetos deixados dentro do
veículo).

65
REsp 1.100.571-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/4/2011 - Informativo de jurisprudência n. 468

312
Matheus Zuliani

A cláusula de não indenizar é uma previsão que exclui totalmente a responsabilidade


da parte.
Essa cláusula é conhecida como cláusula de irresponsabilidade. A aplicação dessa
cláusula de não indenizar é uma aplicação muito comedida e restrita.
A cláusula de não indenizar só vale para os casos de responsabilidade contratual, não
havendo falar em casos de responsabilidade extracontratual.
A cláusula de não indenizar não incide nos casos em que houver conduta dolosa, ou
criminosa, da parte. Ex.: diante de um contrato que tem cláusula de não indenizar e a outra
parte atua dolosa, ou criminosamente, para causar o dano. Neste caso, a cláusula de não
indenizar não será válida.
É nula a cláusula de não indenizar quando inserida em contrato de consumo. É nula a
cláusula de não indenizar nos contratos de adesão. É nula a cláusula de não indenizar nos
contratos de transporte. Também não tem validade e nem eficácia a cláusula de não indenizar
nos contratos de guarda. Ex.: contratos de estacionamento. É possível que haja causa
excludente do nexo de causalidade nos casos de contrato de guarda. Ex.: roubo dentro do
estacionamento. Nesse caso, a empresa de estacionamento não responde por assalto a mão
armada ocorrida dentro do estacionamento.

313
CAPÍTULO 8 – DIREITO DAS FAMÍLIAS

1. DIREITO DE FAMÍLIA

1.1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DE FAMÍLIA

A família, ao longo da história, teve diferentes formatos e interpretações. É um


instituto em constante evolução e isso decorre da própria evolução da sociedade.
Compreender a família impõe compreender o próprio contexto histórico em que inserida.
Assim é que o estudo do Direito de Família exige atualidade. Esse estudo abrange conteúdos
como: casamento, união estável, relações de parentesco, filiação, alimentos, bens de família,
tutela, curatela e guarda.
É um ramo do Direito Civil que está em constante evolução e isso ocorre em razão das
rápidas mudanças sociais, relacionadas ao modo de agir e de pensar das pessoas, que muito
interferem particularmente nesse campo do direito, de modo que, não raras vezes, a legislação
não consegue acompanhá-las, tornando necessária a solução dos casos concretos a partir da
aplicação de princípios e de outras formas de interpretação e integração do ordenamento
jurídico. Daí o necessário estudo, não só da legislação pertinente, como também da
jurisprudência atualizada e dos princípios pertinentes, que devem ser previamente
compreendidos para o aprofundamento do Direito de Família.

1.2. PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA

Para quem atua da área de Direito de Família, ou mesmo para preparação para
concursos públicos, a exata compreensão dos princípios que a seguir serão expostos ajudará
na solução de questões para as quais, numa análise inicial, parece não haver regra aplicável.
Conhecê-los e, sobretudo, compreendê-los fará a diferença na hora da prova e na prática
jurídica, para solução de casos concretos.
É importante, então, traçar as diferenças entre princípios e regras, o que, ao final,
evidenciará a importância dos princípios até para correta compreensão e aplicação da regra.
Sobre o tema, Maria Berenice Dias explica que

o ordenamento jurídico positivo compõe-se de princípios e regras cuja diferença


não é apenas de grau de importância. Acima das regras legais, existem princípios
que incorporam as exigências de justiça e de valores éticos que constituem o
suporte axiológico, conferindo coerência interna e estrutura harmônica a todo o
sistema jurídico.

A autora continua, acrescentando que

os princípios são normas jurídicas que se distinguem das regras, não só porque têm
alto grau de generalidade, mas também por serem mandatos de otimização.
Possuem um colorido axiológico mais acentuado do que as regras, desvelando mais
nitidamente os valores jurídicos e políticos que condensam. Devem ter conteúdo
de validade universal. Consagram valores generalizantes e servem para balizar
todas as regras, as quais não podem afrontar as diretrizes contidas nos princípios
(DIAS, 2020, p. 58).

314
Como se extrai das palavras de Maria Berenice, os princípios têm esse grau
generalizante, de modo que sua violação é mais ampla e, por conseguinte, mais grave que a
violação de uma regra. As regras, por sua vez, e como também ensina Maria Berenice,

são normas que incidem sob a forma “tudo ou nada”, o que não sucede com os
princípios. Quando, aparentemente, duas regras incidem sobre o mesmo fato, é
aplicada uma ou outra, segundo critérios hierárquico, cronológico ou de
especialidade. Aplica-se uma regra e considera-se a outra inválida. As regras podem
ser cumpridas ou não, contêm determinações de âmbito fático e jurídico com baixa
densidade de generalização. Quando são admitidas exceções, não se está frente a
um princípio, mas de uma regra concorrente ou subordinada à outra que lhe é
incompatível ou contrária (DIAS, 2020, p. 59).

Vê-se, a partir desses ensinamentos, o caráter conformador dos princípios e a sua


evidente importância na exata compreensão e aplicação, em especial, do Direito de Família.
Destaque-se, preliminarmente, que o estudo dos princípios que a seguir serão
expostos deve sempre se guiar pela consideração do princípio da dignidade da pessoa
humana, consagrado como fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, III, da
CF), que, assim, fundamenta todas as relações entre pessoas, em especial daquelas que
integram uma entidade familiar.
a) Princípio da solidariedade familiar: no âmbito do direito de família, a solidariedade
é compreendida com a ideia de que todos os membros de uma entidade familiar e cada um
deles, considerados individualmente, respondem por todos os demais e por cada um, de forma
recíproca. Esse princípio não se limita ao aspecto material, devendo ser concebido num
sentido amplo, tendo um caráter afetivo, social, moral, patrimonial e espiritual.
É um princípio de grande relevância, porquanto aplicável para diferentes questões
relacionadas ao direito de família, a saber: na responsabilidade civil dos pais em relação aos
filhos (arts. 932, I e 933); na comunhão de vida instituída pela família, com a cooperação entre
seus membros (art.1.513); na mútua assistência moral e material entre os cônjuges (art. 1.566)
e entre companheiros (art. 1.724); na colaboração dos cônjuges na direção da família (art.
1.567); na obrigação dos cônjuges a concorrerem, na proporção de seus bens e dos
rendimentos para o sustento da família (art. 1.568); na adoção (art. 1.618); no poder familiar
(art. 1.630); no regime matrimonial de bens legal e o regime legal de bens da união estável é o
da comunhão dos adquiridos após o início da união (comunhão parcial), sem necessidade de se
provar a participação do outro cônjuge ou companheiro na aquisição (arts. 1.640 e 1.725); no
dever de prestar alimentos, devido aos parentes, aos cônjuges ou companheiros que poderão
pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a
sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação (art. 1.694); no
direito real de habitação, presente no art. 1.831, da lei civil, que tem como essência a proteção
do direito de moradia do cônjuge supérstite.
Em decorrência da aplicação desse princípio, é interessante lembrar que, quando do
rompimento do vínculo matrimonial ou da união estável, mesmo se reconhecida a culpa de um
dos cônjuges/companheiro pela separação, ele ainda assim poderá fazer jus aos alimentos,
que, como se verá oportunamente, serão só aqueles imprescindíveis à sobrevivência e desde
que não haja outros obrigados ao pagamento. Esses alimentos devidos pelo
cônjuge/companheiro inocente ao culpado decorrem do princípio da solidariedade, que
prevalece mesmo diante da ocorrência da culpa.
b) Princípio da igualdade entre filhos: está insculpido no art. 227, §6º da CF, que
estabelece que os filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, tem os mesmos

315
direitos e qualificações, sendo proibidas quaisquer designações discriminatórias, relativas à
filiação.
Em razão desse princípio, não pode haver qualquer diferenciação no tratamento dos
filhos em razão da origem da concepção ou mesmo por outras causas.
Entretanto, a igualdade dos filhos, protegida pela Constituição, não impede que haja,
por exemplo, diferenciação de valores na fixação dos alimentos. É que a igualdade deve ser
compreendida a partir da consideração das eventuais desigualdades existentes, sob pena de
amparar tratamentos desiguais. Este foi, inclusive, o entendimento do STJ, no voto conduzido
pela Ministra Nancy Andrighi (Recurso Especial nº 1.624.050/MG, 18/06/2018), que muito
bem ponderou que o princípio da igualdade não tem natureza inflexível e que, a depender do
caso concreto, a fixação do mesmo valor a proles distintas, sem uma análise criteriosa,
acabaria, em essência, por dar tratamento desigual.
c) Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros: o artigo 226, § 5º, da
Constituição Federal, ao demonstrar a preocupação quanto à igualdade entre os cônjuges e
companheiros de uma entidade familiar, estabelece a isonomia substancial entre eles, de
modo que, por exemplo, havendo divergência na condução da família, nenhuma das vontades
prevalecerá sobre a outra, devendo a questão ser, então, resolvida pelo poder judiciário. Isso
porque, diferentemente do que ocorria na legislação de 1916, atualmente a condução do lar é
exercida de forma igualitária.
Em decorrência dessa igualdade, a escolha do domicílio compete a ambos os
cônjuges/companheiros; um cônjuge pode adotar o sobrenome do outro; há reciprocidade do
direito aos alimentos entre os cônjuges e companheiros e ambos os genitores exercem de
forma igualitária o poder familiar.
d) Princípio da não intervenção na família: também conhecido como princípio da
liberdade, encontra fundamento no artigo 226, caput, CF, que estabelece que a família é a
base da sociedade, tendo especial proteção do Estado e nela não podendo haver intervenção.
Na mesma linha, o art. 1.513 do CC diz que é proibido a qualquer pessoa de direito público ou
privado interferir na comunhão de vida instituída pela família.
Ainda relacionado ao princípio da não intervenção, temos que o § 7º da CF, seguido do
art. 1.565, §2º, estabelecem que o planejamento familiar é de livre decisão do casal, sendo
vedada qualquer tipo de coerção. Essa vedação, entretanto, não impede que o Estado
incentive o controle de natalidade, planejamento familiar ou eduque as famílias por meio de
políticas públicas. Porém, a decisão final deve ser sempre do casal. O dispositivo constitucional
que trata do planejamento familiar foi regulamentado pela Lei nº 9.623/1996.
e) Princípio do maior interesse da criança e do adolescente: é clara a opção
constitucional pela garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes em todos os níveis de
convivência; ou seja, tanto no espaço familiar como no meio social, de forma a garantir que se
buscará sempre aplicar o que for melhor para a criança e para o adolescente.
Assim é que a ideia do princípio do maior interesse da criança e do adolescente vem
consagrada no art. 227, caput da CF. A Constituição diz que é dever da família, da sociedade e
do Estado, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem (entre 15 e 29 anos), com absoluta
prioridade, o direito à vida, saúde, alimentos, educação, lazer, profissionalização, cultura,
dignidade, direito ao respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária, além de colocá-
los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
Veja que a proteção é conferida não só à criança e ao adolescente, como também ao
jovem em geral, sendo de se destacar que é possível ser adolescente e jovem ao mesmo
tempo. Dos 12 aos 16, o enquadramento é como adolescente e, de 15 a 29 anos, o indivíduo é

316
tido como jovem. Em sendo assim, um menor com, por exemplo, 15 anos, é considerado
adolescente e jovem.
A extensão, ao jovem, da proteção conferida à criança e ao adolescente é claramente
exposta no caput do artigo 227 da CF, que diz:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e


ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Relativamente à criança e ao adolescente, esse é um princípio de ampla aplicação no


que diz respeito ao estabelecimento da guarda. No que se refere, por exemplo, à guarda
compartilhada, a leitura dos dispositivos legais, que serão mais bem analisados quando do
estudo dessa matéria, revelam que a guarda compartilhada tem prioridade em detrimento da
unilateral e isso ocorre porque aquela se revela, em termos gerais, mais benéfica à criança ou
ao adolescente.
e) Princípio da afetividade: pode-se dizer que a afetividade é um desdobramento da
própria dignidade da pessoa humana, na medida em que ganha destaque como forma de
promoção da dignidade de cada um dos integrantes da entidade familiar. Isto porque a
afetividade é importante para que cada um dos membros da família sinta-se encorajados no
desenvolvimento e concretização de suas próprias personalidades. Assim é que o afeto, na
atualidade, pode ser apontado como principal fundamento das relações familiares. Se não há
afeto, não há família. Nesse particular, Daniel Carnacchioni esclarece que “não basta o afeto
para a consolidação de uma família, mas sem afeto ela inexiste. O afeto é elemento
fundamental de qualquer núcleo familiar, associado à dignidade da pessoa humana.”
(CARNACCHIONI, 2018, p. 1460).
Sobre o princípio da afetividade, importa considerá-lo particularmente sob o aspecto
da possibilidade ou não de imposição desse sentimento pelo Estado. Em outras palavras,
importa perquirir se o Estado pode ou não impor aos indivíduos a afetividade nas relações
familiares. Nesse particular, Carnacchioni deixa claro que essa exigência importaria violação da
liberdade do ser humano, que pode ou não amar, ter afeto ou não ter afeto. Logo, para o
autor, não há como o sentimento ser imposto (CARNACCHIONI, 2018, p. 1460).
Essa consideração é importante para análise das consequências do afeto (ou da sua
falta). É que, a se concluir que o afeto não pode ser imposto pelo Estado, temos como
consequência que: “caracterizado o afeto, dele é possível extrair consequências jurídicas, mas
não se pode exigir que um pai tenha afeto por um filho apenas porque há entre eles vínculo
biológico” (CARNACCHIONI, 2018, p. 1460).
Essa matéria está diretamente relacionada à questão do denominado “abandono
afetivo”. Para os que sustentam que o afeto não pode ser imposto, seria equivocado o
estabelecimento de consequências pelo que se chama abandono afetivo. Essa linha de
pensamento parte da ideia de que somente se podem extrair consequências jurídicas do afeto
quando ele efetivamente existe. Em outras palavras, o afeto faz surgir relações (por exemplo, a
paternidade socioafetiva) e quando isso ocorre, devem ser tuteladas pelo Estado. Todavia, não
havendo afeto, não poderia o Estado impô-lo, sob pena de violação a direitos fundamentais
como o da liberdade e da dignidade da pessoa humana (CARNACCHIONI, 2018).
Podemos estabelecer algumas consequências do princípio da afetividade. Assim é que
se pode dizer que decorrem do princípio da afetividade, dentre outros:

317
a) a igualdade entre todos os filhos, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º,
CF);
b) a adoção, como escolha afetiva, com plena igualdade de direitos em termos de
filiação (art. 227, §§ 5º e 6º, CF);
c) reconhecimento dos mais variados tipos de família, inclusive as famílias
homoafetivas, eudemonistas (cujo conceito será melhor trabalhado oportunamente) e a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, dentre outras, consideradas
todas no amplo conceito de família constitucionalmente protegida (art. 226,CF);
d) o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do
adolescente (art. 227, CF).
f) Princípio da função social da família: é extraído do art. 226 da CF, que estabelece
que a família é a base da sociedade, recebendo uma especial proteção do Estado. Em assim
sendo, as relações familiares serão analisadas dentro do contexto social, dentro daquilo que a
sociedade hoje apresenta ao Estado. Se a sociedade muda, é preciso que a concepção de
família também seja alterada, para, assim, atender ao ideal de realização de todos os
integrantes da entidade familiar. Em assim fazendo, estará atendendo a essa função social da
família.
O princípio da função social da família é, por assim dizer, um reflexo do movimento de
mudança do paradigma liberal-individualista, apoiado fortemente na teoria positivista, para o
paradigma social-personalista, representado por teorias pós-positivistas que colocam a pessoa
humana no centro das atenções.
A pessoa passa a ocupar o lugar que outrora foi destacado ao patrimônio, de forma
que são incorporados valores éticos e sociais para a interpretação e aplicação do Direito.
Temos, então, que a família é a base da sociedade e que, além disso, tem uma função
social que deve ser considerada nas mais diversas interpretações que se façam sobre esse
instituto.
g) Princípio da paternidade responsável: impõe a observância quanto à obrigação dos
pais de respeitarem, educarem, criarem e auxiliarem material e imaterialmente os filhos,
podendo decorrer, da sua ausência, responsabilização cível e criminal.
Como reforço a esse princípio, o Estado, embora não possa impor o planejamento
familiar, confere instrumentos de educação e preparação para esse planejamento, a fim de
que pais e mães tenham consciência de que o exercício da maternidade e da paternidade deve
ocorrer de forma responsável, com vistas ao respeito à dignidade da pessoa do(a) filho(a).

1.3. CONCEPÇÃO CONSTITUCIONAL DA FAMÍLIA E OS TIPOS DE FAMÍLIAS

A Constituição Federal de 1988 trouxe profundas alterações na forma de conceber e


interpretar o direito de família, de modo que, a partir da nova carta constitucional, a legislação
então vigente (Código Civil de 1916) sofreu grandes alterações em termos de intepretação. É
possível dizer que, mesmo o Código de 2002, já entrou em vigor ultrapassado, na medida em
que alguns de seus dispositivos, na forma com que literalmente interpretados, já não se
adequavam à sociedade em constante evolução no modo de agir e pensar, reforçando a ideia
de sua necessária adequação a partir de uma leitura conforme a Constituição de 88.
Com a Constituição de 1988, houve o que a doutrina chamou de “constitucionalização
do direito civil”, exigindo-se uma nova forma de interpretação para todos os institutos de
direito civil, em conformidade com o novo texto constitucional, sobrepondo-se princípios

318
como o da dignidade da pessoa humana, função social da família e outros, em detrimento dos
interesses particulares, que tão claramente se destacavam na legislação de 1916.
Particularmente em relação ao Direito de Família, essa constitucionalização ocorrida a
partir de 1988 trouxe importantes consequências, reforçadas com a legislação de 2002,
porquanto deixou claro que toda interpretação dos institutos deve pautar-se nos princípios
maiores da Constituição Federal.
Nesse sentido, Lôbo assevera que

significa dizer que suas normas (do Código Civil) hão de ser interpretadas em
conformidade com os princípios e regras que a Constituição estabeleceu para a
família no ordenamento jurídico nacional, animados de valores inteiramente
diferentes dos que predominavam na sociedade brasileira, na época em que se deu
a redação do capítulo relativo ao pátrio poder do Código de 1916, que, em grande
medida, manteve-se no capítulo destinado ao poder familiar para a família do
século XXI. As palavras utilizadas pelo legislador de 1916, reaproveitadas pelo
legislador do novo Código, são 70 apenas signos, cujos conteúdos deverão ser
hauridos dos princípios e regras estabelecidos pela Constituição (LÔBO, 2004, p.
182).

A constitucionalização do Direito de Família importou num alargamento do próprio


conceito de família, considerando aspectos como a afetividade, não tratada na legislação
anterior. Assim é que, a partir dessa leitura constitucional, reconhece-se uma pluralidade de
famílias, que não mais se constituem apenas pelo matrimônio. Interpretando-se o art. 226 da
CF, pode-se dizer que a família decorre de alguns institutos, tais como: casamento civil, união
estável, que pode ser formada entre pessoas de mesmo sexo e/ou de sexos distintos e a
chamada família monoparental (um dos pais e os filhos).
Esse rol constitucional é um rol exemplificativo, passando admitir outras
manifestações familiares, como, por exemplo, a família anaparental, ou seja, que é aquela
formada sem a figura do pai e da mãe. Irmãs ou irmãos que vivam juntos, sem a figura dos
pais, constituem uma família anaparental.
Quanto às famílias decorrentes de uniões e casamentos homoafetivos, temos que os
importantes julgados ADI 4.277 e ADPF 132, do STF, deram nova interpretação, conforme a CF,
ao disposto no artigo 226 da CF, para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do CC que
impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Pela resolução n. 175, o CNJ estabeleceu as orientações gerais para a celebração dos
casamentos de pessoas do mesmo sexo. Perceba-se que não houve alteração da legislação
infraconstitucional, mas tão somente determinação quanto à forma de interpretação que deve
se realizar conforme a Constituição.
Na classificação, para fins didáticos, fala-se, também, em famílias mosaico, que seriam
aquelas famílias reconstituídas. Como exemplo, pode-se citar a hipótese em que uma pessoa,
casada e com dois filhos, divorcie-se e depois se case novamente com outra pessoa que
também é divorciada e tem outros três filhos. Na hipótese, a nova família constituída, com
membros de origens diversas, é classificada como família mosaico ou família reconstituída.
Uma nova classificação, decorrente das alterações sociais, é a que considera a família
para fins únicos de geração e criação de filhos. Com efeito, a família por design seria, então,
aquela em que as pessoas se unem no intuito único de ter uma relação que gere filhos, seja de
forma natural ou reprodução assistida e, posteriormente criarão a prole comum, em conjunto,
mas sem formarem um casal afetivo.
Com base nesse novo olhar sobre a família, que agora é interpretada em termos
amplos e conforme a Constituição, podemos elencar, para fins didáticos, alguns tipos tratados

319
pela doutrina e jurisprudência, lembrando-se que se trata de rol meramente exemplificativo, já
que, conforme visto, as constantes mudanças sociais exigem um olhar cuidadoso sobre essa
entidade que tem uma função na sociedade.
Nesse particular, vale a advertência de Maria Berenice, para quem se faz necessário ter
uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se
buscar a identificação do elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos
os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independente de sua
conformação (DIAS, 2015, p.41).
Vejamos, então, os tipos de famílias:
a) Família matrimonial: é aquela oriunda do casamento. O casamento, conforme
estudaremos mais a frente, pode ser classificado em avuncular, nuncupativo, por procuração,
consular, civil e religioso com efeitos civis. Qualquer que seja a forma adotada, o casamento dá
origem à denominada família matrimonial.
b) Família convivencial ou informal/união estável: é aquela decorrente da união
de pessoas com objetivo de constituição de família. Como visto, a partir dos importantes
julgados ADI 4.277 e ADPF 132, do STF, se caracterizam pela união pública e notória entre
pessoas do mesmo sexo ou de sexos diversos, com o objetivo de constituírem família. A união
estável, no tópico próprio, será objeto de estudo mais aprofundado, tendo em vista a sua
complexidade e o número considerável de questões dos últimos certames que abordam essa
temática.
c) Família homoafetiva (ADPF n° 132/RJ, ADI n° 4.277/DF e REsp. 1183378/RS):
essa conceituação se aplica tanto à união estável quanto ao casamento entre pessoas do
mesmo sexo. A partir da leitura conforme a Constituição Federal dos dispositivos que versam
sobre esses institutos, houve um alargamento do conceito de família, para atender ao
princípio da dignidade da pessoa humana. Conforme será mais bem analisado em tópico
próprio, as uniões de pessoas do mesmo sexo eram tratadas como sociedades de fato e
analisadas pelo Estado, quando promovidas ações judiciais para tanto, apenas no aspecto
material, desconsiderando-se todo o afeto existente a sua própria função social. Os julgados
mencionados constituem, assim, um marco na evolução do conceito de família e a realização
do princípio da dignidade da pessoa humana.
d) Família monoparental: é a entidade familiar constituída por qualquer um dos
genitores com sua respectiva prole. A Constituição Federal, de forma expressa, em seu artigo
226, § 4º, faz referência a esse tipo de família para fins de proteção do Estado.
e) Família anaparental: é a família caracterizada pela ausência dos genitores. Um
exemplo que pode ser citado é a entidade familiar constituída dos netos e avós, sem a
presença dos pais. Ainda podemos citar irmãs ou irmãos que vivam juntos sem os pais, dentre
outros.
f) Família mosaico ou reconstituída: é uma conceituação que decorre da
constatação da existência de famílias que são reconstituídas, sendo formadas a partir de entes
oriundos de outras famílias que foram desfeitas pelos mais variados motivos. Pode-se, aqui,
usar a expressão que diz: “os meus, os seus e os nossos”, indicando que essas famílias formam-
se, portanto, quando pais ou mães solteiros/viúvos contraem novas relações, levando seus
respectivos filhos para a nova entidade familiar. Tem-se uma “mistura” de vínculos e relações
anteriores. Venosa trata dessa modalidade de família, esclarecendo que “a proteção do Estado
deve ser dirigida às famílias reconstituídas, que com frequência abrangem filhos de duas
estirpes, padrastos e madrastas, depois de uma nova união dos cônjuges. O Código Civil não
traçou um desenho claro dessas famílias, cujas questões ficam a cargo dos tribunais que
sempre devem ter em mira a afetividade e a dignidade da pessoa humana” (VENOSA, 2016, p.
24).

320
g) Família unipessoal, solitária, single ou celibatária: essa é uma classificação
nem sempre aceita, na medida em que para grande parte da doutrina, a família envolve pelo
menos duas pessoas. O professor Conrado Paulino, em sua obra “Direito de Família
Contemporâneo”, assevera que apesar de não haver uma uniformidade na jurisprudência
quanto ao tema, não podemos esquecer o papel da família unipessoal. O jurista cita, como
exemplo, o entendimento sumular do STJ que estabelece proteção para o bem de família da
pessoa solteira, viúva e divorciada (Súmula 364/STJ: “O conceito de impenhorabilidade de bem
de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”)
Para alguns autores, a exemplo de Paulo Lôbo (LÔBO, 2018, p. 1),

a inclusão da pessoa sozinha no conceito de entidade familiar é relativa, ou seja,


apenas para fins de impenhorabilidade do bem de família. Isso porque essa
entidade sofre algumas críticas, dentre elas o fato de que, por ser uma só pessoa,
não estaria preenchido o requisito da afetividade para caracterização como
entidade familiar não expressa na Constituição, pois a afetividade somente pode
ser concebida em relação ao outro.

h) Família solidária – irmandade: é uma classificação que se funda na ideia de


afetividade e solidariedade. Tratam-se daquelas situações em que pessoas idosas ou jovens se
juntam com outras pessoas para morarem em determinado local, com objetivo de
solidariedade recíproca. Há, portanto, uma estrutura familiar, apesar de não haver certos
efeitos como a partilha e alimentos.
i) Família laboral: é a família que se forma no ambiente de trabalho.
j) Família paralela ou simultânea: essa classificação precisa ser analisada com
cautela, na medida em que, pela análise do entendimento jurisprudencial majoritário (STJ e
STF), há uma resistência muito grande a respeito do reconhecimento do que se denomina
família paralela, ou seja, formada paralelamente a uma outra família reconhecida. Iremos
analisar com mais profundidade essa temática, mas aqui importa colocar que a família
simultânea seria aquela que, por exemplo, se constituiria paralelamente a um casamento ou a
uma outra união estável. Exemplificando, uma pessoa casada e que mantenha a família
matrimonial passa a se relacionar de forma contínua, pública e notória com outra pessoa, com
o objetivo também de constituir família. A pergunta que se faz é se, nesse caso, essa família
paralela poderia ser reconhecida. Como veremos, em regra, não há possibilidade de
reconhecimento desse tipo de união. No entanto, situações especiais recebem tratamento
diferenciado, como no caso da união estável putativa, que será mais bem explanada no tópico
próprio.
k) Família poliafetiva ou poliamor: é a família com multiplicidade de membros,
fundada no que se denomina “não monogamia responsável”, que permite, a partir do
exercício da autonomia privada, a manutenção de relações plurais. No ano de 2012,
começaram a surgir escrituras públicas de união estável poliafetiva. Em razão dessas
escrituras, ampliou-se o debate sobre a proteção, pelo ordenamento jurídico pátrio, desse tipo
de entidade familiar. A questão foi levada ao Conselho Nacional de Justiça - CNJ, por meio de
um pedido de providências, que objetivava proibir os cartórios de lavrarem essas escrituras
públicas, ante a ausência de amparo normativo. Essa controvérsia foi solucionada no ano de
2018, quando o CNJ, no julgamento do pedido de providências n. 1459-08.2016.2.00.0000
concluiu pela proibição da lavratura dessas escrituras.
l) Família multiespécie: é aquela constituída pelos seres humanos e seus animais
de estimação. É outra modalidade de família, cuja constituição e reconhecimento ainda sofrem
divergência. O indicativo de seu reconhecimento pelos tribunais pátrios começou a ser
delineado a partir de julgados que estabelecem o direito de visita dos animais, tratando-os não
mais apenas sob o ponto de vista material. Nesse sentido, é importante lembrar o julgado do
STJ, de 2018, que decidiu sobre o direito de visita e custódia física dos animais de estimação de

321
um casal em processo de dissolução da união estável (REsp 1713167/SP, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 09/10/2018).
m) Família eudemonista: o termo família eudemonista refere-se à primazia do
afeto na realidade das novas configurações das entidades familiares constituídas. A família
eudemonista é caracterizada por uma função específica, qual seja, a concretização da
dignidade de seus integrantes, a serem tutelados e protegidos para que possam vivenciar a
realização pessoal e existencial, e sentir, ao menos utopicamente, que o núcleo familiar retrata
e permite o alcance da felicidade plena (CARNACCIONI, 2018, p. 1459). É um conceito que se
refere, assim, ao deslocamento da proteção jurídica da instituição para o sujeito. A partir dessa
conceituação eudemonista de família, a análise da entidade familiar é feita a partir de modelos
que permitam a realização individual de seus membros, não estando, por conseguinte, presa a
tipos previamente estabelecidos. Tratando do tema, Maria Berenice diz que “surgiu um novo
nome para essa nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo: família
eudemonista, que busca a felicidade individual vivendo um processo de emancipação de seus
membros” (DIAS, 2015, p. 52).

1.4. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

1.4.1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Relação homoafetiva e entidade familiar – 1: A norma


constante do art. 1.723 do Código Civil — CC (“É reconhecida como entidade
familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de
família”) não obsta que a união de pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida
como entidade familiar apta a merecer proteção estatal. Essa a conclusão do
Plenário ao julgar procedente pedido formulado em duas ações diretas de
inconstitucionalidade ajuizadas, respectivamente, pelo Procurador-Geral da
República e pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro. Preliminarmente,
conheceu-se de arguição de preceito fundamental — ADPF, proposta pelo segundo
requerente, como ação direta, tendo em vista a convergência de objetos entre
ambas as ações, de forma que as postulações deduzidas naquela estariam inseridas
nesta, a qual possui regime jurídico mais amplo. Ademais, na ADPF existiria pleito
subsidiário nesse sentido. Em seguida, declarou-se o prejuízo de pretensão
originariamente formulada na ADPF consistente no uso da técnica da interpretação
conforme a Constituição relativamente aos artigos 19, II e V, e 33 do Estatuto dos
Servidores Públicos Civis da aludida unidade federativa (Decreto-lei 220/75).
Consignou-se que, desde 2007, a legislação fluminense (Lei nº 5.034/2007, art. 1º)
conferira aos companheiros homoafetivos o reconhecimento jurídico de sua união.
Rejeitaram-se, ainda, as preliminares suscitadas. ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres
Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-4277) (INF. 625/2011).

Relação homoafetiva e entidade familiar – 2: No mérito, prevaleceu o voto


proferido pelo Min. Ayres Britto, relator, que dava interpretação conforme a
Constituição ao art. 1.723 do CC para dele excluir qualquer significado que impeça
o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo
sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família.
Asseverou que esse reconhecimento deveria ser feito segundo as mesmas regras e
com idênticas consequências da união estável heteroafetiva. De início, enfatizou
que a Constituição proibiria, de modo expresso, o preconceito em razão do sexo ou
da natural diferença entre a mulher e o homem. Além disso, apontou que fatores
acidentais ou fortuitos, a exemplo da origem social, idade, cor da pele e outros, não
se caracterizariam como causas de merecimento ou de desmerecimento intrínseco
de quem quer que fosse. Assim, observou que isso também ocorreria quanto à

322
possibilidade da concreta utilização da sexualidade. Afirmou, nessa perspectiva,
haver um direito constitucional líquido e certo à isonomia entre homem e mulher:
a) de não sofrer discriminação pelo fato em si da contraposta conformação
anátomo-fisiológica; b) de fazer ou deixar de fazer uso da respectiva sexualidade; e
c) de, nas situações de uso emparceirado da sexualidade, fazê-lo com pessoas
adultas do mesmo sexo, ou não. ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011.
(ADI-4277)ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132) (INF.
625/2011).

Relação homoafetiva e entidade familiar – 3: Em passo seguinte, assinalou que, no


tocante ao tema do emprego da sexualidade humana, haveria liberdade do mais
largo espectro ante silêncio intencional da Constituição. Apontou que essa total
ausência de previsão normativo-constitucional referente à fruição da preferência
sexual, em primeiro lugar, possibilitaria a incidência da regra de que “tudo aquilo
que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente
permitido”. Em segundo lugar, o emprego da sexualidade humana diria respeito à
intimidade e à vida privada, as quais seriam direito da personalidade e, por último,
dever-se-ia considerar a âncora normativa do § 1º do art. 5º da CF. Destacou,
outrossim, que essa liberdade para dispor da própria sexualidade inserir-se-ia no
rol dos direitos fundamentais do indivíduo, sendo direta emanação do princípio da
dignidade da pessoa humana e até mesmo cláusula pétrea. Frisou que esse direito
de exploração dos potenciais da própria sexualidade seria exercitável tanto no
plano da intimidade (absenteísmo sexual e onanismo) quanto da privacidade
(intercurso sexual). Asseverou, de outro lado, que o século XXI já se marcaria pela
preponderância da afetividade sobre a biologicidade. Ao levar em conta todos
esses aspectos, indagou se a Constituição sonegaria aos parceiros homoafetivos,
em estado de prolongada ou estabilizada união — realidade há muito constatada
empiricamente no plano dos fatos —, o mesmo regime jurídico protetivo conferido
aos casais heteroafetivos em idêntica situação.
ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-4277)ADPF 132/RJ, rel. Min.
Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132) (INF. 625/2011).

Relação homoafetiva e entidade familiar – 4: Após mencionar que a família deveria


servir de norte interpretativo para as figuras jurídicas do casamento civil, da união
estável, do planejamento familiar e da adoção, o relator registrou que a diretriz da
formação dessa instituição seria o não-atrelamento a casais heteroafetivos ou a
qualquer formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Realçou que
família seria, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa,
parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se no espaço ideal das
mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de
índole privada, o que a credenciaria como base da sociedade (CF, art. 226, caput).
Desse modo, anotou que se deveria extrair do sistema a proposição de que a
isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganharia
plenitude de sentido se desembocasse no igual direito subjetivo à formação de
uma autonomizada família, constituída, em regra, com as mesmas notas factuais da
visibilidade, continuidade e durabilidade (CF, art. 226, § 3º: “Para efeito da
proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”).
Mencionou, ainda, as espécies de família constitucionalmente previstas (art. 226,
§§ 1º a 4º), a saber, a constituída pelo casamento e pela união estável, bem como a
monoparental. Arrematou que a solução apresentada daria concreção aos
princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da proteção
das minorias, da não-discriminação e outros. O Min. Celso de Mello destacou que a
consequência mais expressiva deste julgamento seria a atribuição de efeito
vinculante à obrigatoriedade de reconhecimento como entidade familiar da união
entre pessoas do mesmo sexo. ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011.

323
(ADI-4277) ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132) (INF.
625/2011).

Relação homoafetiva e entidade familiar – 5: Por sua vez, os Ministros Ricardo


Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, Presidente, embora reputando as
pretensões procedentes, assentavam a existência de lacuna normativa sobre a
questão. O primeiro enfatizou que a relação homoafetiva não configuraria união
estável — que impõe gêneros diferentes —, mas forma distinta de entidade
familiar, não prevista no rol exemplificativo do art. 226 da CF. Assim, considerou
cabível o mecanismo da integração analógica para que sejam aplicadas às uniões
homoafetivas as prescrições legais relativas às uniões estáveis heterossexuais,
excluídas aquelas que exijam a diversidade de sexo para o seu exercício, até que o
Congresso Nacional lhe dê tratamento legislativo. O segundo se limitou a
reconhecer a existência dessa união por aplicação analógica ou, na falta de outra
possibilidade, por interpretação extensiva da cláusula constante do texto
constitucional (CF, art. 226, § 3º), sem se pronunciar sobre outros
desdobramentos. Ao salientar que a ideia de opção sexual estaria contemplada no
exercício do direito de liberdade (autodesenvolvimento da personalidade), acenou
que a ausência de modelo institucional que permitisse a proteção dos direitos
fundamentais em apreço contribuiria para a discriminação. No ponto, ressaltou que
a omissão da Corte poderia representar agravamento no quadro de desproteção
das minorias, as quais estariam tendo seus direitos lesionados. O Presidente aludiu
que a aplicação da analogia decorreria da similitude factual entre a união estável e
a homoafetiva, contudo, não incidiriam todas as normas concernentes àquela
entidade, porque não se trataria de equiparação. Evidenciou, ainda, que a presente
decisão concitaria a manifestação do Poder Legislativo. Por fim, o Plenário
autorizou que os Ministros decidam monocraticamente os casos idênticos ADI
4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-4277)ADPF 132/RJ, rel. Min.
Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132) (INF. 625/2011).

1.4.2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. ADOÇÃO PÓSTUMA. FAMÍLIA ANAPARENTAL.Para as


adoções post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de
cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais
sejam, o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa
condição. Ademais, o § 6º do art. 42 do ECA (incluído pela Lei n. 12.010/2009)
abriga a possibilidade de adoção póstuma na hipótese de óbito do adotante no
curso do respectivo procedimento, com a constatação de que ele manifestou, em
vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar. In casu, segundo as instâncias
ordinárias, verificou-se a ocorrência de inequívoca manifestação de vontade de
adotar, por força de laço socioafetivo preexistente entre adotante e adotando,
construído desde quando o infante (portador de necessidade especial) tinha quatro
anos de idade. Consignou-se, ademais, que, na chamada família anaparental - sem
a presença de um ascendente -, quando constatados os vínculos subjetivos que
remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos
familiares descritos no art. 42, § 2º, do ECA. Esses elementos subjetivos são
extraídos da existência de laços afetivos - de quaisquer gêneros -, da congruência
de interesses, do compartilhamento de ideias e ideais, da solidariedade psicológica,
social e financeira e de outros fatores que, somados, demonstram o animus de
viver como família e dão condições para se associar ao grupo assim construído a
estabilidade reclamada pelo texto da lei. Dessa forma, os fins colimados pela
norma são a existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de
proteção social que pode gerar para o adotando. Nesse tocante, o que informa e
define um núcleo familiar estável são os elementos subjetivos, que podem ou não
existir, independentemente do estado civil das partes. Sob esse prisma, ressaltou-
se que o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas

324
clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar a noção plena
apreendida nas suas bases sociológicas. Na espécie, embora os adotantes fossem
dois irmãos de sexos opostos, o fim expressamente assentado pelo texto legal -
colocação do adotando em família estável - foi plenamente cumprido, pois os
irmãos, que viveram sob o mesmo teto até o óbito de um deles, agiam como
família que eram, tanto entre si como para o infante, e naquele grupo familiar o
adotando se deparou com relações de afeto, construiu - nos limites de suas
possibilidades - seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e
emocionais, encontrando naqueles que o adotaram a referência necessária para
crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social de que hoje faz parte. Dessarte,
enfatizou-se que, se a lei tem como linha motivadora o princípio do melhor
interesse do adotando, nada mais justo que a sua interpretação também se revista
desse viés. (REsp 1.217.415-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/6/2012).
(INF. 500)

2. CASAMENTO

2.1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

O casamento pode ser conceituado pela união de duas pessoas, de forma reconhecida
e regulamentada pelo Estado, em que se objetiva estabelecer uma família, baseada no vínculo
de afeto, estabelecendo comunhão plena de vida entre os cônjuges. Para estabelecimento da
família, por meio do casamento, há certa formalidade em obediência às disposições legais, que
se enquadram como normas de ordem pública.
Como dito anteriormente, o direito de família é um ramo com marcante evolução de
interpretação em razão da própria evolução da sociedade. Quando analisamos o conceito de
casamento, percebemos bem essa evolução na interpretação, já que, ao se analisar os manuais
de Direito Civil mais antigos, constataremos que a conceituação passa pelo reconhecimento da
união entre um homem e uma mulher. Esse era, inclusive, um dos requisitos de existência do
casamento, ou seja, a diversidade de sexos.
Com as já mencionadas decisões do STF, que deram nova interpretação ao conceito de
união estável, houve ampla discussão acerca da ampliação, nos mesmos termos, da
interpretação do conceito de família matrimonial. Assim é que o STJ, enfrentando a matéria,
decidiu que o requisito da diversidade de sexos deveria ser afastado, para se reconhecer a
possibilidade de casamento homoafetivo. No referido julgado, entendeu-se que

(...) as famílias formadas por pessoas homoafetivas não são menos dignas de
proteção do Estado se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas
por casais heteroafetivos (...) o mesmo raciocínio utilizado tanto pelo STJ quanto
pelo STF para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união
estável deve ser utilizado para lhes proporcionar a via do casamento civil, ademais
porque a CF determina a facilitação da conversão da união estável em casamento
(art. 226, § 3º) (STJ, REsp 1.183.378-RS, 4ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 25-10-
2011).

Assim, na conceituação do casamento, é preciso sempre ter em consideração o


contexto histórico e a função social que este exerce. Nesse sentido é que, com a aplicação da
interpretação conforme a Constituição, temos que o conceito de casamento, na atualidade,
passa pela consideração de uniões formais que criam a família matrimonial e que se
constituem por pessoas com igualdade ou não de sexos.
Quanto à sua natureza jurídica, não já unanimidade entre os doutrinadores, podendo-
se elencar os seguintes posicionamentos:

325
a) Concepção clássica ou teoria contratualista: os adeptos desta
concepção entendem que o casamento é um acordo de vontades e, por isso, deve ser
classificado como um contrato. Explicando a origem dessa classificação, o
desembargador Carlos Alberto Gonçalves explica que

a concepção clássica, também chamada individualista ou contratualista, acolhida


pelo Código de Napoleão e que floresceu no século XIX, considerava o casamento
civil, indiscutivelmente, um contrato, cuja validade e eficácia decorreriam
exclusivamente da vontade das partes. Tal concepção representava uma reação à
ideia de caráter religioso que vislumbrava no casamento um sacramento. Segundo
os seus adeptos, aplicavam-se aos casamentos as regras comuns a todos os
contratos (GONÇALVES, 2017, p. 46).

b) Concepção institucionalista ou teoria da instituição: como o próprio


nome diz, para os adeptos dessa teoria, o casamento seria uma instituição, já que, não
obstante a manifestação inicial de vontade, todos os seus efeitos decorrem da lei e
não propriamente da vontade dos nubentes. Como bem explica Carlos Alberto
Gonçalves, “para essa corrente o casamento é uma ‘instituição social’, no sentido de
que reflete uma situação jurídica cujos parâmetros se acham preestabelecidos pelo
legislador” (GONÇAVES, 2017, p. 46).
c) Concepção mista ou eclética ou teoria mista: nascida da divergência
das teorias anteriores, essa corrente mescla o entendimento das teorias contratualista
e institucionalista, entendendo, então, que o casamento é um contrato quando
analisado na sua formação (acordo de vontade) e uma instituição quanto à análise de
seus efeitos, já que decorrentes da lei e não da vontade dos contraentes. Sobre essa
natureza mista, Caio Mário esclarece que “considerado como ato gerador de uma
situação jurídica (casamento-fonte), é inegável a sua natureza contratual; mas, como
complexo de normas que governam os cônjuges durante a união conjugal (casamento-
estado), predomina o caráter institucional” (PEREIRA, 2018, p. 59).

2.2. PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS APLICÁVEIS AO CASAMENTO

O casamento, independentemente da natureza jurídica que se adote para sua


conceituação, tem regras próprias de constituição, além de princípios específicos. Assim é que
se faz importante entender quais os princípios aplicáveis a esse instituto e que muito auxiliam
na interpretação da legislação pertinente. São eles:
a) Princípio da monogamia: Segundo o princípio da monogamia, só é possível
se casar com uma única pessoa. Por esse princípio, afasta-se, então, a
possibilidade do poliamor para a celebração de casamento de mais de duas
pessoas. Esse princípio é extraído do art. 1.521, que estabelece que as
pessoas já casadas não podem casar enquanto mantiverem essa condição
de casadas.
b) Princípio da liberdade de escolha: Segundo este princípio, é possível casar
com quem quiser, desde que essa pessoa também queira e desde que não
haja impedimento, previamente estabelecido em lei, conforme veremos em
tópico próprio. Como exercício da autonomia privada, prevalece, então e de
forma geral, o princípio da liberdade de escolha.
c) Princípio da comunhão plena de vida: O casamento estabelece comunhão
plena de vida entre os cônjuges. É o que estatui de forma expressa o artigo
1511 do Código Civil.

326
2.3. CAPACIDADE PARA O CASAMENTO

Preliminarmente, é importante diferenciar a incapacidade para o casamento dos


impedimentos para o casamento.
A incapacidade para o casamento é geral, impedindo qualquer pessoa de se casar com
qualquer outra pessoa. Já o impedimento para o casamento refere-se a determinadas pessoas
em situações específicas, conforme estudaremos no próximo tópico. Relevante, ainda,
considerar que não há exata coincidência entre a capacidade para o casamento e a capacidade
para os atos da vida civil, em geral. Como bem explica Caio Mário,

a aptidão específica para o casamento se vincula à dupla ordem de ideias: de um


lado, a consideração de que as regras aplicáveis ao Direito de Família, e em especial
em matéria de casamento, não são as mesmas que regem a prática dos demais
atos; de outro lado, argui-se o leitmotiv da verificação das condições matrimoniais
(PEREIRA, 2018, p. 96).

Quando nos referimos à capacidade para o casamento, tratamos de averiguar se o


pretenso nubente encontra-se em idade núbil, que, conforme artigo 1.517, do Código Civil, é,
na atualidade, 16 anos.
É importante destacar, nesse particular, a alteração legislativa referente ao artigo
1.520/CC. A previsão deste artigo era de que, excepcionalmente, poderia ser autorizado o
casamento de pessoa menor de 16 anos para impedir a imposição ou cumprimento de uma
pena criminal ou quando fosse o caso de gravidez.
A primeira parte desse artigo já havia perdido força em razão da alteração no Código
Penal que excluiu a hipótese de extinção da punibilidade. Agora, nova alteração legislativa,
desta feita no próprio artigo 1.520 do Código Civil, afasta qualquer possibilidade de casamento
de menores de 16 anos. A nova redação do artigo mencionado estabelece, então, que não será
permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil (alteração
decorrente da Lei nº 13.811, de 2019).
Assim, são incapazes para o casamento os menores de 16 anos. Essa incapacidade,
como se viu, é geral e decorre da lei.
É importante destacar que muito embora o menor com 16 anos completos já tenha
capacidade para o casamento, certo é que, em se tratando de pessoa relativamente capaz, ele
necessitará do consentimento dos genitores (artigo 1.517/CC, parte final). Caso os genitores,
sem justo motivo, não autorizem o casamento, poderá o interessado buscar o suprimento
judicial de autorização, previsto no artigo 1.519/CC.
Ao mencionar a necessidade de autorização dos genitores ou responsáveis para o
casamento do menor de 18 anos, o art. 1.517/CC não abarca a hipótese dos emancipados, pois
estes já possuem plena capacidade e, por conseguinte, não necessitam de qualquer
autorização para fins de casamento.
O art. 1.518/CC estabelece que até o momento da celebração do casamento, os pais
ou tutores podem revogar a autorização dada, mas, com a efetiva celebração, não há mais que
se falar em revogação.
Para concluir o estudo da capacidade para o casamento, é importante esclarecer que,
com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015), houve
importante modificação quanto a esta capacidade neste tópico estudada, pois o art. 6º
daquele diploma legal estabeleceu que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da

327
pessoa, inclusive para casar-se e para constituir união estável. Assim, a pessoa com deficiência
tem capacidade para o casamento.

2.4. IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS E CAUSAS SUSPENSIVAS

O Código Civil de 2002, ao tratar dos impedimentos para o casamento, estabelece


regramento diferente da legislação anterior (CC/1916), tornando mais fácil a compreensão da
temática. Agora, o Código prevê os “impedimentos propriamente ditos” (art. 1.521), antigos
“impedimentos dirimentes públicos” (art. 183, I a VIII) e as “causas suspensivas” (art. 1.523), as
quais, no Código de 1916, eram conhecidas como “impedimentos impedientes” (art. 183, XIII a
XVI). Os “impedimentos dirimentes privados”, assim denominados pela legislação de 1916,
foram incluídos entre as “causas da anulação do casamento” previstas no art. 1.550 do Código
Civil de 2002. Dessa forma, temos na legislação atual: impedimentos, causas suspensivas e
causas de anulação do casamento.
A menção à classificação da legislação revogada é feita aqui em razão de alguns
concursos ainda usarem essa nomenclatura antiga quando da cobrança dessa temática. Então,
deve ficar claro que na legislação de 1916, tínhamos a seguinte previsão: impedimentos
dirimentes públicos; os impedimentos dirimentes privados e os impedimentos impedientes.
Na legislação vigente, os impedimentos dirimentes públicos correspondem aos impedimentos,
previstos no artigo 1.521 do CC; os impedimentos dirimentes privados foram incluídos entre as
causas de anulação do casamento, previstas no artigo 1.550, CC, e os impedimentos
impedientes correspondem às causas suspensivas, previstas no artigo 1.523 do CC.
Como dito, os impedimentos referem-se a situações específicas dos nubentes, de
forma que uma pessoa pode ter capacidade para o casamento, por já ter alcançado a idade
núbil, mas estar impedido para o casamento com determinado pretendente (por exemplo, não
pode se casar com o padrasto).
Passemos, então, ao estudo da teoria dos impedimentos matrimoniais, considerando a
legislação vigente. O Código Civil traz a seguinte classificação:
a) Impedimentos matrimoniais: previstos no artigo 1.521 do CC. O rol das pessoas que
não podem casar é taxativo, tratando-se de matéria de ordem pública. Caio Mário esclarece a
razão de ser desses impedimentos, ensinando que

na primeira ordem dos impedimentos vêm aqueles que, por motivos de moralidade
social, a ordem jurídica inscreve como portadores de maior gravidade, envolvem
causas que condizem com a instituição da família e a estabilidade social. Por isto
mesmo, pode sua existência ser acusada por qualquer pessoa e pelo órgão do
Ministério Público na sua qualidade de representante da sociedade. É nulo o
matrimônio celebrado com a sua infração (PEREIRA, 2018, p. 105).

Assim, o artigo 1.521 do CC traz um rol taxativo dos que não podem se casar,
considerando, para tanto:

 impedimentos resultantes do parentesco (nos incisos I a V);


 impedimento resultante de casamento anterior ( inciso VI);
 impedimento decorrente de crime (inciso VII).
Nos termos da letra literal da lei (artigo 1.521, CC), não poderão casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

328
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do
adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau


inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de


homicídio contra o seu consorte.

Relativamente ao impedimento previsto no inciso IV, que diz respeito à


impossibilidade de realização do casamento entre tio(a) com sobrinho(a), Caio Mario lembra
que

no Brasil, esse impedimento tem sofrido variações: no direito pré-codificado


compreendia apenas o segundo grau, sendo frequentes as uniões conjugais entre
tio e sobrinha; o Código Civil de 1916 levou-o ao terceiro, com aplausos da
doutrina, mas o Decreto-Lei nº 3.200, de 19 de abril de 1941, admitiu possa
levantá-lo o juiz e autorizar o casamento, à vista de laudo proferido por dois
médicos por ele designados, que examinem os nubentes e atestem a inexistência
de motivos que o desaconselhem (PEREIRA, 2018, p. 107).

Assim, o Decreto-Lei 3.200 autorizou o casamento entre tios e sobrinhos, desde que
houvesse o laudo atestando a inexistência de motivos que desaconselhassem o enlace. O
mencionado Decreto-Lei é anterior a 2002 e sua redação não foi reproduzida no vigente
Código Civil, de modo que houve discussão sobre a permanência de sua aplicação com a
entrada em vigor do novo Código Civil.
Com efeito, a discussão passava pela consideração de que se o legislador do Código de
2002 quisesse autorizar o casamento dessas pessoas, teria feito a ressalva expressa, o que não
ocorreu, de modo que, para alguns juristas, não teria ocorrido a recepção do Decreto-Lei
3.200.
Sobre esse tema, na obra de Caio Mário, verificamos a seleção de posicionamentos de
diferentes juristas. Para tanto, há citação de juristas: “Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo
Pianovski Ruzik esclarecem: “não altera, portanto, o novo Código Civil o regime de casamento
entre tios e sobrinhos; haverá vedação legal, somente, se comprovada a inconveniência das
núpcias no que tange à saúde da prole” (PEREIRA, 2018, p.107).
Assim, esse tem sido um entendimento adotado, no sentido de que o atual Código Civil
Brasileiro não revogou o Decreto-Lei de 1941, ou seja, o Decreto de 1941 ainda está em vigor.
Ainda sobre esse tema, o enunciado aprovado pelo Conselho da Justiça Federal diz que
o inciso IV do art. 1.521 do novo Código Civil deve ser interpretado à luz do Decreto-Lei n.
3.200/41 no que se refere à possibilidade de casamento entre colaterais de 3º grau (En. 98, I
Jornada de Direito Civil).
Permite-se, então, o denominado casamento avuncular, desde que observado o
disposto no Decreto-Lei 3.200/41.
De forma geral, em relação aos efeitos, a existência de impedimentos matrimoniais
impossibilita que o casamento seja celebrado. A oposição dos impedimentos pode ocorrer até
o momento da celebração e por qualquer pessoa capaz (art. 1.522/CC).

329
Caso o oficial do registro tenha conhecimento da existência de algum impedimento,
deve reconhecê-lo de ofício.
A consequência do casamento eventualmente realizado com algum impedimento é a
nulidade absoluta.
b) Causas suspensivas do casamento: em algumas situações específicas, previstas no
artigo 1.523, do CC, o legislador não proíbe o casamento das pessoas ali elencadas, de modo
que, se realizado o matrimônio, não estará sujeito à nulidade absoluta e nem relativa.
Entretanto, em decorrência das situações excepcionais ali previstas, o casamento estará
sujeito à consequência específica, diretamente relacionada ao regime de bens. Estabelece o
artigo 1.641, I, CC, que passa a ser obrigatório o regime da separação de bens para o
casamento celebrado com inobservância das causas suspensivas.
As causas suspensivas são, assim, previstas no artigo 1.523/CC, que estabelece que não
devem casar:

I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer
inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado,
até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade
conjugal;

III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos
bens do casal;

IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados


ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela
ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

A leitura das causas suspensivas, previstas no artigo 1.523/CC, bem demonstra que o
que se objetiva é evitar a confusão patrimonial dos(as) viúvos(as) que ainda não fizeram o
inventário dos bens do casal, bem como dos divorciados(as) que ainda não resolveram a
partilha do casamento anterior, e, ainda, evitar a confusão de sangue na hipótese de viuvez ou
desfazimento anterior da sociedade conjugal. Busca, ainda, evitar que o(a) tutor(a) se case
com a(o) tutelado(a) e adote um regime de bens que possa comprometer as contas relativas
ao período de tutela.
Em todas essas hipóteses mencionadas, o parágrafo único do artigo 1.523/CC prevê
que a causa suspensiva desaparece se for provada a ausência de prejuízo aos envolvidos.
É importante ressalvar que há limitação das pessoas que podem arguir a presença de
uma causa suspensiva. Somente poderá ser feita essa arguição até o momento da celebração
do casamento por parentes em linha reta de um dos cônjuges e pelos colaterais até o 2º grau
(irmão ou ascendente – pais, avós, sogros, irmãos e cunhados) (art. 1.525, CC).
Ademais, as causas suspensivas não podem ser conhecidas de ofício pelo juiz ou oficial
do registro civil, pois têm natureza privada.
Ainda no que tange à oportunidade da oposição, deve ser feita no processo de
habilitação: anunciadas as núpcias pela publicação dos proclamas, abre-se o prazo de 15 dias,
dentro do qual os interessados podem objetar contra o casamento. Decorrido in albis o lapso,
e passada a certidão de habilitação, é ainda lícita a apresentação da causa suspensiva, até o
momento da cerimônia. Com uma diferença, todavia: enquanto não certificada a habilitação, o
interessado dirige-se ao escrivão; depois dela, ao juiz. Formulada a oposição, suspende-se a
cerimônia (PEREIRA, 2018, p. 113).

330
O casamento celebrado com causa suspensiva, como se viu, tem, por imposição, o
regime da separação obrigatória de bens. Todavia, uma vez cessada a causa suspensiva, os
cônjuges poderão requerer a mudança de regime, cujo pedido será processado na forma do
artigo 1.639, § 2º do Código Civil.

2.5. PROCESSO DE HABILITAÇÃO E CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO

O casamento é ato solene com marcante presença do Estado na regulação de sua


formação. Os requisitos de ordem pública são, assim, acompanhados durante uma fase prévia,
em que terceiros têm oportunidade de indicar os eventuais impedimentos para a celebração.
Assim é que, antes do casamento, há uma fase denominada processo de habilitação, pela qual
os nubentes têm condição de evidenciar que estão aptos ao casamento, não havendo
qualquer impedimento para tanto.
Caio Mário, a esse respeito, explica que “o processo de habilitação tem por finalidade
proporcionar aos nubentes evidenciar a sua aptidão para o casamento” (PEREIRA, 2018, p. 19).
Assim, quando os nubentes pretendem se casar devem, então, iniciar esse processo de
habilitação perante o Oficial do Registro Civil, assinando, conjuntamente, o requerimento, de
forma pessoal ou por meio de procurador. O requerimento deverá estar instruído com os
documentos arrolados na lei.
O processo de habilitação para o casamento desenvolve-se em quatro fases:
documentação, proclamas, certidão e registro.
a) Fase de documentação: estabelece o artigo 1.525/CC que o requerimento de
habilitação do casamento é firmado por ambos os cônjuges de próprio punho ou
por procurador e deve ser instruído com: certidão de nascimento ou documento
equivalente de ambos os pretensos cônjuges; autorização por escrito, se for o caso
em cuja dependência legal estiverem ou ato judicial que supra essa autorização;
declaração de duas testemunhas que atestem e conhecem os pretensos cônjuges,
e que não existam impedimentos entre eles; declaração de estado civil; declaração
de domicílio; declaração de residência atual dos pais dos contraentes; declaração
de residência atual dos próprios contraentes; se for o caso, juntar certidão de
óbito do cônjuge falecido ou da sentença que declarou a nulidade ou a anulação
do casamento anterior, transitada em julgado ou do registro da sentença de
divórcio. O art. 1.526/CC estabelece que essa habilitação será feita perante o
Oficial de registro civil, com audiência do MP. Já o parágrafo único do mesmo
artigo, diz que se houver impugnação do oficial ou do MP, ou de uma terceira
pessoa, essa habilitação será submetida ao juiz. Ou seja, se não houver a oposição
ou essa impugnação, não será necessária a submissão do processo de habilitação
ao juiz, prevalecendo, aqui, a ideia de desjudicialização da habilitação.
b) Fase de proclamas: conforme estabelece o artigo 1.527/CC, estando em ordem a
documentação, o oficial extrairá o edital, que se afixará durante 15 (quinze) dias
nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes e publicará na imprensa
local se houver. São os denominados proclamas do casamento. Esse edital deverá
conter um resumo do intento matrimonial dos nubentes, com seus nomes e dados,
e convocará terceiros a apontarem eventual impedimento de que tiverem
conhecimento. Para a confecção desse edital, o Oficial do Registro irá analisar
apenas a regularidade da documentação apresentada. Como se verá, existem
situações específicas em que a lei dispensa os proclamas, como, por exemplo,
ocorre no denominado casamento nuncupativo. Nessa fase dos proclamas, o
artigo 1.528 estabelece que é dever do oficial do registro “esclarecer os nubentes a
respeito dos fatos que podem ocasionar a invalidade do casamento, bem como

331
sobre os diversos regimes de bens”. Nessa fase, poderão ser opostos os
impedimentos e causas suspensivas, que, conforme artigo 1.529/CC, deverão ser
apresentados em declaração escrita e assinada, instruída com as provas do fato
alegado ou com a indicação do lugar onde possam ser obtidas. Se houver oposição
de impedimentos, cumpre ao Oficial do Registro dar aos nubentes ou seus
representantes nota da oposição, indicando os fundamentos, as provas e o nome
de quem a ofereceu (art. 1.530/CC). Com isso, cumprirá aos nubentes fazer prova
contrária à arguição. Será ouvido o Ministério Público e, ao final, a decisão caberá
ao juiz.
c) Fase de certidão: findo o prazo dos proclamas, inexistindo oposição, ou sendo ela
julgada improcedente, e cumpridas as demais formalidades presentes em lei, será
extraída a certidão de habilitação, que é um certificado que habilita os nubentes
ao casamento, com prazo de 90 (noventa) dias. Nesse prazo, o casamento deverá
ser celebrado. O art. 1.532/CC indica que a certidão de habilitação tem validade
por noventa dias a contar o prazo da data em que foi extraído o certificado. Neste
período de tempo, os nubentes podem casar-se sem renovação do processo.
Escoado que seja, a sua revalidação depende de novo requerimento, podendo-se,
contudo, aproveitar a mesma prova apresentada no anterior (PEREIRA, 2018, p.
125). Se a habilitação for indeferida, por qualquer motivo, caberá aos interessados
recorrer à via judicial, observando a Lei de Organização Judiciária local.
d) Fase de registro: com a celebração do casamento, que observará as disposições
previstas no artigo 1.533 e seguintes do CC, lavrar-se-á o assento no livro de
registro. Diz o artigo 1.536/CC que o assento será assinado pelo presidente do ato,
pelos cônjuges, as testemunhas e o oficial do registro. Esse assento destina-se a
dar publicidade ao casamento e servir de prova de sua realização e do regime de
bens.
A celebração do casamento segue o regramento previsto no artigo 1.533 e seguintes
do Código Civil.
Conforme previsão legislativa, o casamento ocorrerá no dia e lugar previamente
designados pela autoridade que presidirá o ato.
O art. 98, II, da CF diz que a União, Estados, DF e territórios vão criar a Justiça de Paz, a
qual é remunerada, composta por cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, que
terão mandato de 4 anos, tendo competência para, dentre outras, celebrar casamentos. A Lei
de Organização Judiciária de cada Estado é que designa a referida autoridade. Em alguns
Estados, chama-se juiz de paz; em outros, o próprio juiz de direito é incumbido desse mister.
O ato solene do casamento será, em regra, realizado na sede do cartório com as portas
abertas, presentes pelo menos 2 testemunhas (art. 1.534, CC). O casamento poderá,
entretanto, ser realizado fora do cartório, com a concordância da autoridade, hipótese em que
o edifício escolhido para a celebração deverá permanecer com as portas abertas durante o
ato. Neste caso, sendo celebrado fora do cartório, o número de testemunhas que deverão
estar presentes será de no mínimo 4 testemunhas (art. 1.534, §2º, CC).
Também serão necessárias 4 testemunhas se algum dos contraentes for analfabeto,
não souber ou não puder escrever (art. 1.534, §2º, parte final).
As testemunhas, em qualquer dos casos, não são meramente instrumentárias, mas
participam do ato como representantes da sociedade, sem qualquer suspeição pelo fato de
serem parentes dos nubentes, uma vez que têm interesse, mais até que qualquer outra
pessoa, em que o enlace matrimonial se realize validamente (GONÇALVES, 2017, pg. 124).
Os nubentes deverão manifestar, de forma inequívoca, a vontade de se casarem,
sendo que, ocorrendo uma das hipóteses previstas no artigo 1.538/CC, a cerimônia será

332
suspensa, não sendo admitida retratação no mesmo dia. Assim é que se, brincando, um dos
nubentes disser que não quer se casar, não poderá se retratar no mesmo dia e a cerimônia
será suspensa, só podendo ser realizada em outra data. É o que estabelece o parágrafo único
do artigo 1.538/CC.
Se esse não for o caso, o Oficial do Registro, após ouvir dos nubentes sobre a
pretensão do casamento por livre e espontânea vontade, vai declará-los casados, nos
seguintes termos: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de
vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados” (arts. 1.514 e
1.535 do CC).
A discussão que se trava em relação a essa declaração do Oficial de Registro diz
respeito à sua natureza, ou seja, se seria declaratória ou constitutiva. Em outras palavras, a
discussão gira em torno de se saber qual o momento em que se considera aperfeiçoado o
casamento: no momento da manifestação de vontade dos nubentes (hipótese em que a
declaração do Oficial deve ser considerada apenas declaratória da vontade dos nubentes) ou
somente após a manifestação do Oficial de Registro (caso em que essa declaração seria
constitutiva do casamento).
A importância da discussão se refere à situação, por exemplo, de os nubentes
manifestarem inequivocamente a vontade de se casarem e um deles morrer antes da
declaração do Oficial do Registro. Pergunta-se, nessa hipótese, se pode-se considerar
celebrado ou não o casamento?
Sobre o tema, Caio Mário explica que

já o Romano dizia que nuptias consensus facit: o que faz o matrimônio é o


consenso. O celebrante ouve a manifestação dos contraentes, e os declara casados.
Como representante do Estado, pronuncia a declaração de estarem unidos em
matrimônio aqueles que emitiram a manifestação de suas vontades neste sentido.
A presença do juiz é fundamental, mas sua declaração, sem embargo de boas
opiniões em contrário não é indispensável à validade do casamento (PEREIRA,
2018, pag. 130).

Em posição divergente, Carlos Roberto Gonçalves sustenta que

na verdade, a declaração do celebrante é essencial, como expressão do interesse


do Estado na constituição da família, bem como do ponto de vista formal,
destinada a assegurar a legitimidade da formação do vínculo matrimonial e
conferir-lhe certeza. Sem ela, o casamento perante o nosso direito é inexistente.
Pode-se afirmar, pois, que o ato só se tem por concluído com a solene declaração
do celebrante. Basta lembrar que a retratação superveniente de um dos nubentes,
quando “manifestar-se arrependido” (CC, art. 1.538, III) após o consentimento e
antes da referida declaração, acarreta a suspensão da solenidade. Tal fato
demonstra que o casamento ainda não estava aperfeiçoado e que a manifestação
de vontade dos nubentes só seria irretratável a partir da declaração do celebrante
(GONÇALVES, 2017, pg. 128).

Em nossa opinião, a leitura dos artigos 1.514 e 1.535 do CC indica que o nosso Código
Civil considerou que é a vontade dos nubentes que determina o momento do casamento,
sendo que a manifestação do celebrante se revela como meramente declaratória.

333
2.6. ESPÉCIES DE CASAMENTOS

A presente classificação é adotada para fins didáticos, com o objetivo de chamar a


atenção para certas peculiaridades na forma de celebração de determinados casamentos ou
em razão da situação particular dos nubentes.
a) Casamento putativo (art. 1.561/CC): ocorre quando presente uma causa de
invalidação (nulidade ou anulabilidade) que não era conhecida dos nubentes quando da
celebração. Assim, se os nubentes encontravam-se, por exemplo, impedidos para o
casamento, mas desconheciam essa situação e a celebração efetivamente ocorre, o
casamento, não obstante nulo, será considerado putativo e produzirá efeitos para aqueles que
estavam de boa-fé quando da celebração. Exemplificando, se duas pessoas, desconhecendo a
condição de irmãos (suponhamos que um deles não tinha a declaração do nome do pai em sua
certidão de nascimento), se casam, esse casamento é nulo, posto que o artigo 1.521/CC prevê
esse impedimento. Assim, se após a celebração, descobrem a condição de irmãos, o
casamento será declarado nulo, mas haverá produção de efeitos, em especial quanto ao
regime de bens. Porém, essa produção de efeitos só favorecerá o cônjuge que estava de boa-
fé no momento da celebração. Essa observação tem importância porque se um dos cônjuges
conhecia o impedimento e, ainda assim, contraiu o casamento, a ele não valerá a regra da
putatividade, não podendo se beneficiar do regime de bens. Nesse caso, imaginemos que o
casamento tenha sido celebrado com o regime de comunhão parcial de bens e o casal tenha
adquirido um imóvel que se encontra registrado apenas no nome de um deles. Na hipótese,
para que o cônjuge de má-fé tenha direito a alguma parcela desse bem, deverá mostrar sua
participação na aquisição, porquanto, repita-se, não se beneficia do regime patrimonial de
bens. Diferente seria a mesma situação se estivesse de boa-fé, pois ainda que o imóvel
estivesse no nome do outro cônjuge, a putatividade implicaria na prevalência do regime de
bens e, consequentemente, haveria a partilha do imóvel, na proporção de 50% para cada
(comunhão parcial de bens).
O casamento putativo configura, assim, uma exceção à teoria das nulidades,
conferindo produção de efeitos mesmo na hipótese de nulidade. Configura uma indulgência
com o cônjuge de boa-fé, permitindo, mesmo com a declaração de invalidade, a produção de
efeitos, até a sentença, para o cônjuge de boa-fé, lembrando que, para a prole, o casamento
mesmo invalidado, sempre produzirá efeitos.
A apuração da boa-fé, como foi visto, ocorre no momento da celebração do
casamento.
A boa-fé conceitual do matrimônio putativo é a ignorância da causa de sua nulidade,
não se exigindo a análise sobre a escusabilidade ou não do erro.
b) Casamento em caso de moléstia grave (art. 1.539/CC): estabelece a legislação que,
se um dos nubentes estiver acometido por uma moléstia grave, o presidente do ato, oficial de
registro, vai celebrar o casamento onde estiver a pessoa, podendo, inclusive, ser celebrado à
noite, se houver urgência.
O casamento é celebrado perante 2 testemunhas, e a urgência pode dispensar o
processo prévio de habilitação.
Prevê, ainda, a legislação que na falta ou impedimento da autoridade competente do
local, essa falta ou impedimento será suprida por qualquer dos substitutos legais do juiz de
paz.
Se a falta for do oficial de registro, ela será suprida por um oficial ad hoc, nomeado
pelo juiz de paz para aquele ato.

334
c) Casamento nuncupativo ou extremis vitae momentis ou in articulo mortis (art.
1.540/CC): seria o casamento realizado na situação extrema, ou, como popularmente se diz, “à
beira da morte”.
O art. 1.540/CC diz que quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de
vida, não obtendo a presença da autoridade, a qual incumbiria presidir o ato, este casamento
poderá ser celebrado na presença de 6 testemunhas, que não tenham parentesco em linha
reta ou colateral com os nubentes.
Realizado o casamento nessa situação, as 6 testemunhas deverão comparecer perante
a autoridade judicial no prazo de 10 dias, pedindo que essa autoridade judicial tome por termo
suas declarações. Elas irão dizer, então, que foram convocadas por parte do enfermo. E que o
enfermo estava realmente em perigo de vida, mas estava em seu juízo, sabendo o que estava
fazendo, além de que, em sua presença, declararam os contraentes, livre e espontaneamente
receber-se por marido e mulher.
O pedido será autuado e, após a tomada das declarações das testemunhas, o juiz
procederá às diligências necessárias para verificar se os contraentes podiam ter-se habilitado.
Verificada a idoneidade dos cônjuges para o casamento, ele será tido como válido.
Essas formalidades todas serão dispensadas se o enfermo convalescer e puder ratificar
o casamento na presença do juiz e da autoridade competente (juiz de paz eventualmente, e o
oficial de registro).
d) Casamento por procuração (art. 1.542/CC): o casamento pode ser celebrado por
procuração, sendo esta por instrumento público, com poderes especiais. A eficácia desse
mandato não pode ultrapassar 90 dias. Inclusive, os dois nubentes podem se fazer representar
por procuradores na cerimônia de casamento. A pergunta que se coloca é: podem os dois
nubentes ter o mesmo procurador?
Sobre o tema, Carlos Roberto Gonçalves explica que “Se ambos não puderem
comparecer, deverão nomear procuradores diversos. Como a procuração é outorgada para o
mandatário receber, em nome do outorgante, o outro contraente, deduz-se que ambos não
podem nomear o mesmo procurador, até porque há a obrigação legal de cada procurador
atuar em prol dos interesses de seu constituinte, e pode surgir algum conflito de interesses”
(GONÇALVES, 2017, p. 133).
Outorgada procuração para o casamento, posterior revogação do mandato deve ser
por instrumento público. No caso de se realizar a cerimônia, sem a ciência do mandatário e do
outro contraente acerca da revogação feita, o Código considera o casamento anulável (art.
1.550, V). Neste caso, responde o mandante por perdas e danos.
e) Casamento avuncular: como já esclarecido em tópico próprio, o casamento de
tio(a) com sobrinho(a) é permitido desde que haja atendimento ao disposto no Decreto-Lei
3.200/41. O casamento entre esses colaterais de terceiro grau é denominado avuncular.
f) Casamento religioso com efeitos civis: o art. 226, §2º da CF, diz que o casamento
religioso tem efeitos civis nos termos da lei. Essa matéria é regulamentada pelo art. 1.515/CC,
que estabelece que o casamento religioso, que atender às exigências da lei para validade do
casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo
efeitos a partir da data da sua celebração.
Portanto, esse registro terá efeitos retroativos à data da celebração do casamento
religioso.
Duas são as situações possíveis do casamento religioso com efeitos civis:

335
- 1ª situação: o casamento religioso foi precedido de habilitação, hipótese em que
deverá ser registrado no prazo decadencial de 90 dias, sob pena de nova habilitação.
- 2ª situação: o casamento religioso ocorreu sem prévia habilitação. Nessa hipótese, o
registro poderá ser feito a qualquer momento, desde que haja prévia habilitação, nos
termos já estudado.
Em qualquer hipótese, o registro do casamento retroagirá seus efeitos à data da
celebração do casamento.

2.7. INVALIDAÇÃO DO CASAMENTO

No estudo da invalidação do casamento, é preciso compreender os três planos pelos


quais passa a análise do casamento, que seriam: plano da existência, da validade e da eficácia
(teoria ponteana).
Assim é que o estudo abrange os requisitos para a existência do casamento (plano da
existência), a análise das situações de nulidade e anulabilidade (plano da validade) e os efeitos
decorrentes do casamento válido (plano da eficácia).
Não há sentido analisar a validade do casamento se antes não se verifica se ele
efetivamente existe. Da mesma forma, só se analisa a eficácia de um casamento válido. Assim
é que, num primeiro momento, é preciso verificar os requisitos de existência, para só então
passar-se à análise da validade e eficácia.
a) Casamento inexistente: o casamento inexistente é aquele em que não estão
presentes os requisitos de existência, que são: o consentimento e a presença da autoridade
competente.
O consentimento, aqui analisado, é aquele que fora emitido sem coação física.
Além disso, é preciso que haja uma autoridade absolutamente competente, em razão
da matéria, para celebração do ato.
Nesse sentido, a partir desses dois requisitos, temos duas hipóteses de casamento
inexistente, a saber:
- casamento em que não há manifestação de vontade dos nubentes (ou vontade
decorrente de coação física); e
- casamento celebrado por autoridade absolutamente incompetente em razão da
matéria (pessoa que não era juiz de paz, por exemplo).
É importante destacar que antes da mudança de entendimento acerca do casamento
homoafetivo, constituía hipótese de inexistência do casamento a identidade de sexos dos
nubentes, porquanto se entendia que um dos requisitos de existência era exatamente a
diversidade de sexos. Como foi visto, essa hipótese perdeu a razão de ser em decorrência das
decisões do STF que trataram da união homoafetiva, reconhecendo-a como entidade familiar
com proteção do Estado. Após as decisões do STF, o CNJ, por meio da Res. 175/13, veda às
autoridades competentes de todo o Brasil a recusa à habilitação, celebração ou conversão de
união estável em casamento das pessoas do mesmo sexo.
b) Casamento nulo: o casamento nulo é aquele celebrado com infringência a
impedimento matrimonial, ou seja, a uma das hipóteses previstas no artigo 1.521/CC. Assim
sendo, qualquer casamento celebrado com violação aos impedimentos previstos no artigo
1.521/CC será nulo, ressalvando-se apenas a hipótese do casamento entre colaterais de
terceiro grau que, como visto, pode ser realizado, com observância ao disposto no Decreto-Lei
3.200/41.

336
A nulidade, aqui analisada, diferencia-se da anulabilidade porque não admite
convalidação, de modo que o casamento nulo não será aproveitado, devendo ser declarada a
nulidade, que retroage à data da celebração. A sentença, na hipótese, é declaratória, com
efeitos ex tunc.
São efeitos e características da competente ação cabível para declaração de nulidade
do casamento:
 imprescritível: a nulidade não vai se convalescer com o decurso do tempo;
 promovida por ação direta: pode ser proposta por qualquer interessado, e como
se trata de ordem pública, pode ser proposta pelo MP. Além disso, o próprio juiz,
de ofício, pode declarar a nulidade em questão;
 sentença que declara a nulidade tem efeitos retroativos à data de celebração do
casamento:não poderá prejudicar terceiros de boa-fé, tampouco aquisição de
direitos onerosos resultantes de sentença transitada em julgado. Deve-se, ainda,
observar o que foi dito acerca do casamento putativo, no qual, em razão da boa-fé
dos nubentes, haverá reconhecimento de direitos patrimoniais, mesmo com a
nulidade do casamento.
c) Casamento anulável: o casamento anulável é aquele sujeito à convalidação. As
hipóteses de anulabilidade estão previstas no artigo 1.550/CC e são elas:
- casamento de quem não completou a idade mínima para casar;
- casamento do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante
legal;
- casamento por vício da vontade;
- casamento do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o
consentimento;
- casamento realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse
da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;
- casamento por incompetência da autoridade celebrante.
c.1) Casamento de quem não completou a idade mínima para casar: como vimos,
após a mudança legislativa que alterou a redação do artigo 1.520/CC, a idade mínima para
casar passou a ser 16 anos. Entretanto, se eventualmente o menor com idade inferior a 16
anos conseguir se casar, esse casamento será anulável e não nulo.
O prazo decadencial para ação de anulação é de 180 dias (artigo 1.560, §1º, CC) e deve
observar que:
- se proposta pelo próprio menor, começa a contar da data em que completar 16 anos;
- se proposta pelos demais legitimados, começa a contar da data do casamento.
A ação anulatória, no caso, pode ser proposta (art. 1.552/CC):
- pelo próprio cônjuge menor;
- pelos seus ascendentes.
c.2) Casamento do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu
representante legal: o casamento do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu(s)
representante(s) legal(is), também é um casamento anulável.
O prazo para propositura da ação anulatória é de 180 dias (art. 1.555/CC) e deve
observar que:

337
- se proposta pelo menor, começa a contar da data em que cessar a incapacidade;
- se proposta pelo representante legal, começa a contar a partir da data da celebração
do casamento;
- se, por fim, proposta por um herdeiro necessário, começa a contar da data do óbito
do menor.
O transcurso do prazo decadencial, sem que haja anulação, importará em sua
convalidação para todos os efeitos.
É importante destacar o disposto no §2º do artigo 1.555/CC, que estabelece que não
se anulará o casamento quando à sua celebração houverem assistido os representantes legais
do incapaz ou tiverem, por qualquer motivo, manifestado sua aprovação.
c.3) Casamento com coação moral: a lei prevê também que o casamento realizado
com coação moral será anulável. A coação moral, conforme artigo 1.558/CC, ocorre quando o
consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado temor
de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares.
Nessa situação, o prazo decadencial para a ação anulatória será de 4 anos, contados da
celebração do casamento (art. 1.560,IV/CC).
A ação, no caso da coação moral, é personalíssima, somente podendo ser proposta
pelo coagido (art. 1.559/CC).
O artigo 1.559/CC prevê, ainda, que na hipótese de coação, a coabitação, havendo
ciência do vício, valida o ato. É mais uma hipótese de convalidação.
c.4) Casamento com erro essencial: o vício de vontade consistente no erro essencial
também é hipótese de anulação do casamento. É importante destacar que para anulação do
casamento nessa hipótese de erro, é preciso que estejam reunidos os seguintes requisitos de
forma cumulativa: erro essencial anterior ao casamento (hipóteses previstas no artigo
1.557/CC) + descoberta após o casamento + a descoberta torna a vida em comum
insuportável.
Consoante artigo 1.557/CC, considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro
cônjuge:
i) O erro que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal
que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado. A
doutrina costuma citar, como exemplos de erro sobre a pessoa: casamento com um dos
gêmeos quando se pretendia com o outro; atividades de prostituição do homem ou da mulher;
perversão do instinto sexual; homossexualidade desconhecida;
ii) A ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne
insuportável a vida conjugal: um exemplo dessa hipótese seria o caso de a mulher descobrir,
após o casamento, que o marido era traficante de drogas;
iii) A ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não
caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por herança,
capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência: a doutrina cita, como
exemplo, a hipóteses de hermafroditismo. Cabe destacar que o defeito físico, citado nesse
inciso, que enseja a anulação do casamento é o defeito que impede o ato sexual, ou seja, a
incapacidade denominada coeundi ou incapacidade instrumental. Isso significa que a chamada
incapacidade generandi ou incapacidade de fecundação (incapacidade para ter filhos) não é
hipótese de anulação do casamento

338
O prazo decadencial para anular o casamento por erro in persona é de 3 anos,
contados da celebração do casamento (art. 1.560, III/CC). Essa ação também é personalíssima
(art. 1.559/CC).
A coabitação posterior, sabendo do vício, convalida o casamento, salvo nas hipóteses
de defeito físico irremediável ou a moléstia grave (art. 1.559/CC).
c.5) Casamento do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o
consentimento: o casamento do incapaz de consentir ou de manifestar a sua vontade de
modo inequívoco pode ser anulado. Essa situação engloba o casamento dos ébrios habituais,
alcoólatras, viciados em tóxicos e daquelas que por causa transitória não puderem exprimir a
sua vontade. Nestes casos, o casamento será considerado anulável.
Dessa forma, percebe-se que o inciso IV do artigo 1.550 não foi revogado pelo Estatuto
do Deficiente, o qual acrescentou o § 2º ao mesmo artigo, segundo o qual “a pessoa com
deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio, expressando sua
vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador”.
Nesses casos, o prazo decadencial para anulação do casamento também é de 180 dias,
contados da celebração do casamento (art. 1560, I/CC).
c.6) Casamento realizado por procuração com revogação antes da celebração, mas
sem conhecimento do mandatário e do outro cônjuge: pode acontecer de a revogação
outorgada para o casamento ser revogada sem que o mandatário e o outro cônjuge tomem
conhecimento da revogação. Nessa hipótese, realizada a celebração, o casamento será
anulável.
O prazo da ação anulatória será decadencial de 180 dias, contados do momento em
que o mandante toma o conhecimento de que o casamento, a despeito da revogação do
mandato, foi celebrado (art. 1.560, §2º/CC).
A legitimidade para a ação de anulação, nessa hipótese, é apenas do mandante, em
caráter personalíssimo, sendo o ato convalidado pela coabitação (art. 1.550, V, parte final/CC).
c.7) Casamento realizado por autoridade relativamente incompetente: foi visto,
quando da análise do plano da existência do casamento, que a celebração feita por autoridade
absolutamente incompetente importa em inexistência do casamento. Já a celebração realizada
por autoridade relativamente incompetente ensejará a anulabilidade do ato.
A incompetência relativa do celebrante está relacionada à região em que pode
celebrar casamentos. Assim, um juiz de paz é investido pelo Estado dos poderes para
celebração de casamentos, tornando-se autoridade absolutamente competente para o ato.
Porém, sua competência tem limitação territorial, que, uma vez não observada, enseja a
anulabilidade do casamento.
O prazo será decadencial de 2 anos, contados da data da celebração do casamento
(art. 1.560,II/CC).
Sobre a incompetência da autoridade celebrante, é importante destacar o disposto no
art. 1.554/CC que trata da denominada teoria da aparência, aplicável ao celebrante. Diz o
referido artigo que subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a
competência exigida na lei, exercer publicamente as funções de juiz de casamentos e, nessa
qualidade, tiver registrado o ato no Registro Civil.
d) Casamento eficaz: vimos que os três primeiros planos de análise do casamento são
os planos da existência e da validade. Isso significa que antes de analisarmos a eficácia do
casamento, é preciso verificar se ele existe e se é válido. Em outras palavras, é preciso antes
verificar se houve consentimento livre de coação física e se o celebrante era absolutamente

339
competente para a celebração. Preenchidos esses requisitos, o casamento será existente e
poder-se-á analisar sua validade, com a verificação de há hipótese de nulidade (violação aos
impedimentos) ou anulabilidade (art. 1.550/CC). Não sendo o caso de nulidade ou
anulabilidade, a análise será, então, quanto a eficácia do casamento.
A eficácia de qualquer fato jurídico em sentido amplo refere-se à produção dos efeitos.
No caso do casamento, superados os planos da existência e da validade, o casamento
está apto a produzir todos os efeitos previstos em lei.

2.8. EFEITOS DO CASAMENTO

O casamento válido produz, então, vários efeitos, tanto no plano pessoal, quanto no
social e patrimonial.
Podemos resumir os efeitos no seguinte esquema:

2.8.1. EFEITOS SOCIAIS DO CASAMENTO

- cria a família matrimonial;


- estabelece o vínculo de afinidade;
- acarreta a emancipação.

2.8.2. EFEITOS PESSOAIS

- fidelidade mútua;
- coabitação;
- mútua assistência e respeito e consideração mútuos;
- igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges;
- sustento, guarda e criação dos filhos.

2.8.3. EFEITOS PATRIMONIAIS

- cria a sociedade conjugal;


- estabelece direito sucessório;
- dever de alimentar o outro cônjuge;
- institui o bem de família;
- estabelece o regime de bens entre o casal.

2.9. PROVAS DO CASAMENTO

A forma regular de prova do casamento é a apresentação da certidão extraída a partir


do registro do casamento. Todavia, como bem alerta Caio Mário,

pode faltar, contudo, este meio probatório, pela perda ou perecimento do livro,
pela destruição do próprio cartório, ou mesmo se o oficial não tiver lavrado o
termo por desleixo ou má-fé. Nestes casos, é admissível outro meio qualquer,
como seja o título eleitoral, o registro em repartição pública, mediante justificação

340
requerida ao juiz competente. Alguns fazem, todavia, uma distinção: quando o
interessado pretende provar o casamento, reclamando em proveito próprio os seus
efeitos, deve dar prova cabal do ato; mas se se trata de prová-lo para qualquer
outro fim, aceitam-se todos os meios ordinários de prova, a exemplo do registro
em repartição pública. O Código Civil, no parágrafo único do art. 1.543, determina
que, além da certidão do registro, admita-se outra espécie de prova na falta ou
perda do registro civil. A justificação poderá ser “tomada por termo” e deverá ser
apreciada pela autoridade judicial (PEREIRA, 2018, pg. 13).

Existem, assim, três formas de comprovação do casamento:


- certidão de registro do casamento;
- prova indireta, fundada na posse do estado de casado: para isso, são necessários 3
requisitos para sua comprovação: nomen (um cônjuge tem que utilizar o nome de outro
cônjuge); tractatus (é o tratamento dado entre as partes, como se casados fossem) e a fama
ou reputatio (a sociedade reconhece as partes como pessoas casadas);
- prova direta supletória: Supondo que o sujeito tenha se casado e se registrado, sendo
extraído uma certidão a qual foi perdida. Nesse caso, far-se-á prova direta complementar ou
supletória. Justificada a perda do registro civil, é admitida qualquer outra prova, como o
passaporte ou outros documentos que tragam a informação da condição de casado.

2.10. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

2.10.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CASAMENTO. PESSOAS. IGUALDADE. SEXO. In casu, duas


mulheres alegavam que mantinham relacionamento estável há três anos e
requereram habilitação para o casamento junto a dois cartórios de registro civil,
mas o pedido foi negado pelos respectivos titulares. Posteriormente ajuizaram
pleito de habilitação para o casamento perante a vara de registros públicos e de
ações especiais sob o argumento de que não haveria, no ordenamento jurídico
pátrio, óbice para o casamento de pessoas do mesmo sexo. Foi-lhes negado o
pedido nas instâncias ordinárias. O Min. Relator aduziu que, nos dias de hoje,
diferentemente das constituições pretéritas, a concepção constitucional
do casamento deve ser plural, porque plurais são as famílias; ademais, não é
o casamento o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o
intermediário de um propósito maior, qual seja, a proteção da pessoa humana em
sua dignidade. Assim sendo, as famílias formadas por pessoas homoafetivas não
são menos dignas de proteção do Estado se comparadas com aquelas apoiadas na
tradição e formadas por casais heteroafetivos. O que se deve levar em
consideração é como aquele arranjo familiar deve ser levado em conta e,
evidentemente, o vínculo que mais segurança jurídica confere às famílias é
o casamento civil. Assim, se é o casamento civil a forma pela qual o Estado melhor
protege a família e se são múltiplos os arranjos familiares reconhecidos pela
CF/1988, não será negada essa via a nenhuma família que por ela optar,
independentemente de orientação sexual dos nubentes, uma vez que as famílias
constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos
daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das
pessoas e o afeto. Por consequência, o mesmo raciocínio utilizado tanto pelo STJ
quanto pelo STF para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da
união estável deve ser utilizado para lhes proporcionar a via do casamento civil,
ademais porque a CF determina a facilitação da conversão da união estável
em casamento (art. 226, § 3º). Logo, ao prosseguir o julgamento, a Turma, por
maioria, deu provimento ao recurso para afastar o óbice relativo à igualdade de

341
sexos e determinou o prosseguimento do processo de habilitação
do casamento, salvo se, por outro motivo, as recorrentes estiverem impedidas de
contrair matrimônio. REsp 1.183.378-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
25/10/2011. (INF. 486).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CASAMENTO. ANULAÇÃO. DOMICÍLIO. EXTERIOR.


Descabe a homologação de sentença estrangeira de ação de anulação
de casamento realizado no Brasil - art. 7º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil
- independentemente de os cônjuges serem domiciliados fora do país. No caso,
pretendia anular-se o casamento no Japão devido aos impedimentos de
bigamia. SEC 1.303-EX, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgada em 5/12/2007. (INF.
341).

3. REGIME DE BENS

3.1. DISPOSIÇÕES GERAIS

O regime de bens é um dos efeitos patrimoniais do casamento. É um conjunto de


regras de ordem privada, relacionadas com interesses patrimoniais resultantes da entidade
familiar. Como bem esclarece Caio Mário, os regimes de bens “constituem, pois, os princípios
jurídicos que disciplinam as relações econômicas entre os cônjuges, na constância do
matrimônio” (PEREIRA, 2018, pg. 186).
O estudo dos regimes requer a análise prévia dos princípios que os regem, a saber:
 Princípio da autonomia privada: as partes poderão, como regra geral, escolher um
regime diferente do regime legal (exceção é o artigo 1.641/CC), inclusive
adaptando os regimes, desde que não viole norma de ordem pública. O art. 1.639
diz que é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto
aos seus bens, o que lhes aprouver. O exercício dessa autonomia privada se dá
através de um contrato ou pacto. Como esse pacto se dá antes da celebração do
casamento (antes das núpcias), esse pacto é chamado de pacto antenupcial, e terá
eficácia a partir do casamento.
 Princípio da indivisibilidade do regime de bens: o regime de bens é indivisível em
relação aos cônjuges, não podendo ser um regime de bens para um dos cônjuges e
outro regime para o outro cônjuge.
 Princípio da variedade do regime de bens: a legislação prevê, de forma expressa,
quatro regimes de bens: comunhão parcial, comunhão universal, separação total e
participação final nos aquestos. Além de poder, em regra, escolher qualquer um
desses regimes, é possível aos nubentes mesclá-los para criar um regime novo,
desde que não viole norma de ordem pública.
 Princípio da mutabilidade justificada: o Código Civil possibilita a alteração
justificada do regime de bens, desde que haja autorização judicial nesse sentido. O
juiz apreciará as razões de justificação de alteração do regime de bens, ficando
ressalvados os direitos de terceiros, os quais não experimentarão o regime de bens
inicialmente fixado (art. 1.639,§2º/CC). O NCPC, no art. 734, trata das
possibilidades e procedimentos especiais quanto à alteração de regime de bens.
Para promover a alteração de regime de bens, é preciso que a petição inicial seja
proposta por ambos os nubentes, sendo uma hipótese de jurisdição voluntária. O
§1º do art. 734 diz que, ao receber a petição inicial, o juiz vai determinar a
intimação do MP e a publicação de edital em que se divulgue essa pretendida
modificação do regime de bens. Após 30 dias da publicação do edital, o juiz poderá

342
decidir sobre a modificação do regime de bens. Os efeitos da alteração do regime
de bens são ex nunc, não retroagindo, portanto, tendo efeito a partir do trânsito
em julgado da decisão que alterou o regime de bens. Note-se que o Código
anterior não permitia a alteração do regime de bens. Entretanto, ainda que o
casamento tenha sido celebrado na vigência da legislação anterior, poderá haver a
alteração, porquanto o regime de bens, como se viu, está no plano da eficácia do
casamento e, conforme art. 2.035/CC, em relação à eficácia, aplicam-se as normas
da atualidade.

3.2. REGRAS GERAIS QUANTO AO REGIME DE BENS

O regime legal de bens é o da comunhão parcial. Isso significa que, na falta de pacto
antenupcial ou sendo este nulo ou ineficaz, prevalecerá o regime da comunhão parcial de bens
(art. 1.640/CC).
O art. 1.640, parágrafo único, do CC, diz que poderão os nubentes, no processo de
habilitação, optar por qualquer dos regimes que o código regula. Quanto à forma, será
reduzido a termo a opção pela comunhão parcial, sendo que, se a opção for por outro regime
de bens, será necessário fazer o pacto antenupcial por escritura pública.
Veja que a lei exige escritura pública para a realização do pacto antenupcial (ato
solene), que nada mais é do que um contrato bilateral que trata do regime de bens escolhido
pelo casal.
Temos, então, que não havendo convenção, o regime legal é o da comunhão parcial.
Pretendendo, entretanto, outro regime, os nubentes terão que se valer do pacto antenupcial,
observando sua forma solene.
Entretanto, em algumas hipóteses, a lei impõe o regime da separação obrigatória de
bens. Estas hipóteses estão previstas no art. 1.641/CC, que impõe, assim, o regime de
separação obrigatória de bens para:
- pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração
do casamento;
- pessoa maior de 70 (setenta) anos;
- todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Há uma forte discussão quanto à constitucionalidade da imposição do regime da
separação obrigatória para os maiores de 70 anos. Parte da doutrina alega que essa imposição
discrimina o idoso. Entretanto, não houve declaração de inconstitucionalidade do dispositivo,
de modo que prevalece a imposição.
Os artigos 1.642 e 1.643/CC consagram atos que podem ser praticados por qualquer
dos cônjuges, sem a necessidade de autorização do outro, independentemente do regime de
bens adotado pelos consortes.
Assim é que um dos cônjuges poderá fazer sem autorização do outro:
 praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao
desempenho de sua profissão;
 administrar os bens próprios;
 desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o
seu consentimento ou sem suprimento judicial;
 demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval,
realizados pelo outro cônjuge;

343
 reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro
cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo
esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de 5 anos;
 praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente;
 comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica;
 obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir.
O art. 1.647 diz que alguns atos e negócios jurídicos vão exigir a outorga conjugal. Se
for da esposa, essa é denominada outorga uxória. Sendo do marido, chama-se outorga marital.
A outorga é dispensada na hipótese de casamento celebrado com o regime da
separação absoluta de bens (art. 1647, caput, 1ª parte/CC).
Em relação à separação absoluta de bens, a doutrina diz que é possível a alienação de
bens, imóveis e móveis, sem a necessidade de outorga do outro cônjuge.
No entanto, em relação à separação obrigatória, é preciso ficar atento ao que dispõe a
súmula 377 do STF, que estabelece que, no regime de separação legal de bens, comunicam-se
os bens adquiridos na constância do casamento. A redação dessa súmula aproxima o regime
da separação legal de bens do regime de comunhão parcial de bens.
No caso do regime da separação obrigatória de bens, que decorre da lei, prevalece o
entendimento de que é necessária a outorga do outro cônjuge para alienar bens, já que há
bens passíveis de partilha.
A Súmula 377 do STF é anterior ao Código Civil de 2002 e a pergunta que se faz é se
ela, com a nova legislação, ainda deve ser aplicada. Essa pergunta decorre do fato de o
legislador de 2002, tendo podido incluir de forma expressa sua redação no Código Civil, não o
fez, o que ensejou o entendimento de que, se assim não ocorreu, é porque não queria adotar
seu entendimento. Com isso, a súmula estaria superada.
Entretanto, conforme jurisprudência atualizada do STJ, esse entendimento não
prevaleceu, tendo aquela Corte entendido que o artigo 1.641/CC deve ser interpretado em
conjunto com a Súmula 377/STF, em especial porque ao se ler a redação original do artigo
164/CC, verificamos que o caput continha a expressa menção a “sem comunhão de aquestos”.
Ou seja, a redação original afastava de forma expressa a aplicação da súmula 377/STF. Com a
retirada da expressão, pode-se entender que o legislador quis permitir a comunicação.
Assim, sendo aplicável a súmula 377/STF, temos que possível a comunicação dos
denominados aquestos e, por conseguinte, torna-se necessária a outorga do outro cônjuges
nas hipóteses previstas no artigo 1.647/CC.
O referido artigo estabelece a necessidade de outorga nas seguintes hipóteses:
- para alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis
- para pleitear, como autor ou réu, os direitos que recaem sobre bens imóveis;
- para prestar fiança ou aval;
- para fazer uma doação, desde que não seja remuneratória.
São consideradas válidas as doações núpcias feitas aos filhos, quando estes se
casarem, ou então quando os filhos estabelecerem uma economia separada.
Para as demais, será necessária a outorga conjugal ou marital.
A falta de outorga conjugal pode ser suprida pelo juiz, podendo se dar quando (art.
1.648/CC):
- o cônjuge não puder conceder essa outorga;

344
- o cônjuge denega essa outorga de forma injusta.
A ausência de outorga conjugal, se não houver suprimento pelo juiz, gera anulação do
negócio jurídico, sendo uma nulidade relativa. Para anular o negócio jurídico, será necessário
propor ação anulatória, que terá prazo decadencial de 2 anos, contados da dissolução da
sociedade conjugal.
Essa ação poderá ser proposta tanto pelo cônjuge preterido como pelos herdeiros.
Em relação à administração dos bens do casamento, ambos os cônjuges administrarão
conjuntamente. Todavia, é possível que apenas um deles exerça essa administração, quando
um deles não puder exercê-lo. Nesse caso, cabe ao cônjuge que exerce a administração dos
bens sozinho gerir os bens comuns e os bens do consorte (art. 1.651/CC).
Caberá a este consorte administrar os bens comuns, podendo alienar os bens imóveis
comuns, e, quanto aos bens móveis ou imóveis do consorte, dependerá de autorização
judicial.

3.3. PACTO ANTENUPCIAL

Pacto antenupcial é um contrato celebrado antes das núpcias, ou seja, antes que o
casamento seja celebrado. O pacto antenupcial é um contrato formal e solene (escritura
pública), pelo qual as partes irão regulamentar as questões patrimoniais relativas ao
casamento. Deve ser feito por escritura pública, sendo considerado nulo quando não é
observada essa formalidade legal (art. 1.653/CC).
Ressalte-se que o pacto celebrado de forma regular, sem que haja posterior
casamento, é considerado válido, porém ineficaz. Isso significa que a ausência de casamento
não torna nulo o pacto antenupcial, mas tão somente ineficaz.
A nulidade do pacto antenupcial não contamina o casamento. Assim, se o pacto
antenupcial for considerado nulo, persiste a validade do casamento. Porém, o regime de
casamento será o da comunhão parcial de bens. É o que dispõe o artigo 1.640, caput/CC.
O art. 1.655/CC diz que é nula a convenção ou cláusula do pacto antenupcial que
conflite com norma de ordem pública. Um exemplo de nulidade de convenção é a previsão de
cláusula que exclui o direito à sucessão no regime de comunhão parcial de bens ou a cláusula
que consagra que a administração dos bens será exercida exclusivamente pelo marido.
Diante de uma nulidade de apenas uma cláusula do pacto antenupcial, não haverá a
nulidade do pacto por inteiro, por conta do princípio da conservação dos negócios jurídicos.
Para que o pacto antenupcial tenha efeitos erga omnes, deverá ser averbado no livro
especial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges.

3.4. REGIME DE BENS EM ESPÉCIE

O Código Civil prevê, de forma expressa, quatro regimes de bens, sem prejuízo da
possibilidade de criação de um outro modelo, desde que não haja violação à norma de ordem
pública.
Os regimes regulamentados e previstos pelo Código Civil são:
 regime da comunhão parcial de bens;
 regime da comunhão universal de bens;
 regime de participação final dos aquestos;
 regime da separação de bens.

345
Como dito, esse rol não é taxativo, mas meramente exemplificativo.

3.4.1. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS

O regime da comunhão parcial de bens é o regime legal, que prevalece na falta de


pacto antenupcial ou na hipótese de nulidade ou ineficácia dessa convenção (art. 1.640/CC).
A regra básica do regime de comunhão parcial de bens é a de que se comunicam os
bens havidos, a título oneroso, na constância do casamento. Os bens comunicáveis formam os
denominados aquestos. Em relação a estes aquestos, o outro cônjuge terá direito à metade
(meação), independentemente de qualquer tipo de contribuição para a aquisição.
Existem bens que, entretanto, não se comunicam (incomunicáveis), estando excluídos,
portanto, da comunhão, conforme o art. 1.659/CC. São eles:
 bens que cada cônjuge já possuía ao se casar e os bens havidos por doação ou
sucessão, bem como os sub-rogados em seu lugar não se comunicam;
 bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em
sub-rogação dos bens particulares;
 obrigações anteriores ao casamento;
 obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
 bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
 proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
 Pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Como se percebe, prevalece a regra de que os bens adquiridos, a partir do casamento
e a título oneroso, entrarão na comunhão. Em razão disso é que os bens recebidos, por apenas
um dos cônjuges, por doação ou sucessão, não entrarão na comunhão, já que recebidos a
título gratuito e, por conseguinte, fora da regra geral da onerosidade. Assim é que, caso o
doador queira beneficiar os dois cônjuges, casados pelo regime da comunhão parcial de bens,
deverá fazer a doação ao casal.
Pela mesma razão da regra geral, os bens sub-rogados no lugar dos particulares
conservam a natureza de bens particulares e por isso não entram na comunhão. Se uma
pessoa possui um apartamento antes de se casar e adota o regime da comunhão parcial de
bens, esse imóvel será bem particular daquele que o detinha antes do casamento. Caso venda
o apartamento e compre uma casa pelo mesmo valor, o bem adquirido conservará a natureza
de bem particular. O que vale ressaltar aqui é o ônus da prova quanto à sub-rogação, já que
numa eventual separação/divórcio, a se considerar a data da aquisição do bem (durante o
casamento), o outro cônjuge poderá formular pedido de partilha, competindo então ao
proprietário do bem particular provar que, não obstante adquirido na constância do
casamento, trata-se de bem sub-rogado no lugar de um imóvel adquirido antes do casamento.
Além da previsão do artigo 1.659/CC, a lei considera incomunicáveis os bens cuja
aquisição tenha por título uma causa anterior ao casamento (art. 1.661/CC). Ou seja, não irá se
comunicar um bem aquele que tenha por motivo uma causa anterior ao casamento.
Dessa forma, se uma pessoa, solteira, vende um terreno e parcela a venda em, por
exemplo 10 prestações. Caso venha a se casar durante o período do parcelamento, essa
quantia recebida pela alienação de bem particular não entrará na comunhão, pois se trata de
um bem que tem por título uma causa anterior à celebração do casamento.
O art. 1.660/CC traz um rol de bens comunicáveis, que são:
 bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em
nome de um;

346
 dos cônjuges;
 bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa
anterior;
 bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
 benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
 frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na
constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Vê-se que no inciso I, o legislador expõe a regra geral do regime de comunhão parcial,
pela qual todos os bens adquiridos a título oneroso, na constância da união, são comunicáveis.
O inciso II trata da hipótese do fato eventual, cujo exemplo mais comum seria o
prêmio de loteria. Assim, ainda que apenas um tenha comprado o bilhete premiado, o prêmio
entra na comunhão.
Já no inciso III, temos o reforço à regra geral de que somente os bens adquiridos a
título oneroso entram na comunhão. Assim é que, para que bens recebidos a título gratuito
comuniquem-se entre os cônjuges, é preciso que a doação seja feita ao casal. A mesma regra
vale para a herança e o legado.
No inciso IV, encontramos a previsão de comunhão das benfeitorias feitas no bem
particular. Se é certo que os bens adquiridos antes do casamento não se comunicam, certo
também que se houver alguma benfeitoria nesses bens durante a união, quanto a essas,
haverá comunicação.
Por fim, o inciso V trata dos frutos dos bens comuns e dos particulares. Relativamente
aos bens comuns, nenhuma dúvida há quanto à comunhão porquanto o bem que os gera já
pertence ao casal. Maior atenção deve ser dada à questão dos bens particulares. Não obstante
pertencentes a apenas um dos cônjuges, caso esses bens produzam frutos, quanto a estes
haverá comunhão. O exemplo mais comum é o do aluguel. Se um dos cônjuges possuir um
imóvel alugado, os valores decorrentes da locação, recebidos durante o casamento, são
comunicáveis.
É possível acrescentar ao rol de bens comunicáveis as verbas trabalhistas cujo fato
gerador tenha ocorrido durante o casamento. Assim, se, por exemplo, uma pessoa casada em
regime da comunhão parcial de bens, durante o casamento faz horas extras e não recebe por
elas, promovendo, por conseguinte, uma ação trabalhista, caso a ação seja finalmente julgada
quando já divorciado, ainda assim o outro cônjuge fará jus à meação dos valores daí
decorrentes. Isso porque o fato gerador ocorreu durante o casamento.
Relativamente aos bens móveis, o Código Civil consagra uma presunção relativa de que
estes bens foram adquiridos na constância da sociedade conjugal (art. 1.662/CC), motivo pelo
qual deve haver a comunicação desses bens, salvo prova de que adquirido antes do
casamento.
Conforme estabelece o artigo 1.663/CC, a administração do patrimônio comum do
casal compete a qualquer um dos cônjuges (princípio da igualdade).
Os bens da comunhão respondem por obrigações contraídas pelo marido ou pela
mulher, desde que tenham sido contraídas para atender aos encargos da família.
As dívidas contraídas no exercício dessa administração vão obrigar os bens comuns do
casal, como também os bens particulares do cônjuge que está administrando os bens comuns.
Além disso, conforme estabelece o artigo 1.663, §1º do Código Civil, obrigarão também os
bens do outro cônjuge, que não está na administração dos bens, na medida do proveito
auferido.

347
Por outro lado, vale a advertência do artigo 1.666/CC no sentido de que as dívidas
contraídas por qualquer dos cônjuges, na administração de seus bens particulares e em
benefício destes, não obrigam os bens comuns.
É que a administração desses bens particulares fica a cargo do proprietário, salvo
previsão expressa em sentido contrário que poderá constar do pacto antenupcial.
No regime da comunhão parcial, a anuência de ambos os cônjuges é necessária para
que determinados atos tenham efeitos e sejam válidos. É o que dispõe o artigo 1.663, §2º, CC,
que estabelece essa necessidade para os atos a título gratuito que importem na cessão do uso
ou gozo dos bens comuns.
Esse artigo deve ser lido em conjunto com o artigo 1.647/CC, que estabelece a
necessidade de autorização do outro cônjuge para as seguintes hipóteses:
 para alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
 para pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
 para prestar fiança ou aval;
 para fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos possam
integrar futura meação.
É interessante perceber que no inciso I do artigo 1.647/CC, o legislador não faz ressalva
de que a outorga será necessária apenas quanto aos bens comuns. Assim é que, mesmo em se
tratando de bem particular, para que haja alienação dele na constância do casamento em
regime de comunhão parcial, é preciso também a autorização do outro cônjuge. É certo que,
em havendo discordância injustificada, o proprietário do bem particular poderá valer-se do
disposto no artigo 1.648/CC.

3.4.2. REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS

No regime da comunhão universal, há plena comunhão de bens, comunicando-se os


bens anteriores, presentes e posteriores à celebração do casamento.
Ressalte-se que entram na comunhão, não apenas os bens, mas também algumas
dívidas.
A comunhão é plena, mas não é absoluta, havendo bens incomunicáveis.
O artigo 1.668/CC elenca os bens que são excluídos da comunhão universal, a saber:
 bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados
em seu lugar;
 bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de
realizada a condição suspensiva;
 dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus
aprestos, ou reverterem em proveito comum;
 doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de
incomunicabilidade;
 bens de uso pessoal, livros, instrumentos de profissão, proventos de cada dos
cônjuges, pensões, etc.
 em relação aos frutos, assim como a comunhão parcial, aplica-se a regra da
comunhão parcial, mesmo que retirados de bens incomunicáveis.
Embora omissa a lei, Carlos Roberto Gonçalves adverte que também não se
comunicam os bens doados com a cláusula de reversão (CC, art. 547), ou seja, com a condição
de, morto o donatário antes do doador, o bem doado voltar ao patrimônio deste, não se
comunicando ao cônjuge do falecido (GONÇALVES, 2017, p. 631).

348
Quanto à primeira hipótese prevista no artigo 1.668/CC, como se vê, caso o doador
queira fazer a doação a apenas um dos cônjuges casado em regime de comunhão universal de
bens, deverá incluir a cláusula de incomunicabilidade, pois, caso não o faça, ainda que a
doação seja a apenas um dos cônjuges, haverá a comunhão.
A segunda hipótese prevista de incomunicabilidade é o fideicomisso. Conforme
previsão do artigo 1.951/CC, o fideicomisso ocorre quando o testador institui herdeiros ou
legatários, estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita
ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa
condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário.
O fideicomisso é, assim, uma forma de substituição testamentária, prevendo um
primeiro herdeiro, denominado fiduciário, o qual será substituído por outro herdeiro, que é o
fideicomissário. Quando o bem estiver com o herdeiro fiduciário, haverá uma
incomunicabilidade deste bem, pois a propriedade, nesse caso, é uma propriedade resolúvel. A
finalidade é, então, proteger o direito do fideicomissário.
O fideicomissário possui um direito eventual, de forma que a aquisição do domínio
depende da morte do fiduciário, do decurso do tempo fixado pelo testador ou do implemento
da condição resolutiva por ele imposta. O seu direito também não se comunica, por razões de
segurança, nas relações sociais. Se falecer antes do fiduciário, caduca o fideicomisso,
consolidando-se a propriedade em mãos deste último (GONÇALVES, 2017, pg. 631).
O inciso III refere-se à hipótese de dívidas anteriores ao casamento, pelas quais, em
regra, só responde o cônjuge que as contraiu. Todavia, a própria lei abre exceções: 1ª)
comunicam-se as dívidas contraídas com os aprestos ou preparativos do casamento, como
enxoval, aquisição de móveis etc.; 2ª) comunicam-se as dívidas que reverterem em proveito
comum. O exemplo dessa última hipótese seria o da aquisição de um imóvel para residência
do casal.
O inciso IV trata da incomunicabilidade decorrente da cláusula expressa feita quando
da doação antenupcial de um para o outro cônjuge.
No inciso V, o legislador se reporta aos incisos V a VII do artigo que trata da comunhão
parcial de bens. Assim é que, também na comunhão universal, não se comunicam os
proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge e as pensões, meios soldos, montepios e
outras rendas semelhantes.
Quanto aos frutos dos bens incomunicáveis, é importante destacar que, conforme bem
adverte Carlos Roberto Gonçalves,

os frutos dos bens incomunicáveis, quando se percebam ou vençam durante o


casamento, comunicam-se. Dispõe a propósito o art. 1.669 do Código Civil: “A
incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende
aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento”. Assim, embora
certos bens sejam incomunicáveis (art. 1.668), os seus rendimentos se comunicam.
A disposição está em harmonia com o princípio de que, no regime da comunhão
universal, a comunicabilidade é a regra (GONÇALVES, 2017, pg. 636).

No regime da comunhão universal prevalece, igualmente, a regra de que a


administração dos bens compete ao casal.
Por fim, é relevante tratar sobre a possibilidade de doação entre cônjuges casados
sobre o regime da comunhão universal de bens. Em se tratando de regime de bens em que os
cônjuges possuem a copropriedade do acervo patrimonial que possuíam e que vierem a
adquirir na constância do vínculo conjugal, destaca-se, desde logo, a manifesta impossibilidade
de que haja doação entre cônjuges casados sob esse regime, na medida em que, se porventura

349
feita a doação, o bem doado retornaria, uma vez mais, ao patrimônio comum amealhado pelo
casal.
Assim, o STJ entendeu que é nula a doação entre cônjuges casados sob o regime da
comunhão universal de bens [REsp 1.787.027-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma,
por maioria, julgado em 04/02/2020, DJe 24/04/2020 – Informativo de jurisprudência n. 670].

3.4.3. REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS

Passados quase 20 anos desde a vigência do Código Civil de 2002, é possível dizer que
o regime da participação final nos aquestos ainda tem pouquíssima aplicação.
Nesse regime, a regra é de que, durante o casamento, há uma espécie de separação
convencional de bens. E quando o casamento se encerra, há algo próximo à comunhão parcial
de bens. Ou seja, é um regime que mistura regras da separação convencional e da comunhão
parcial de bens.
É o que se extrai do art. 1.672 do Código Civil, que diz que

no regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio


próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução
da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título
oneroso, na constância do casamento.

Pode-se dizer, então, que é um regime híbrido e que, durante a sociedade conjugal,
vige a regra geral aplicável ao regime da separação convencional de bens, aplicando-se,
entretanto, quando da dissolução do casamento, as regras da comunhão parcial.
Sobre o tema, Carlos Roberto Gonçalves ensina que

é, na realidade, um regime de separação de bens, enquanto durar a sociedade


conjugal, tendo cada cônjuge a exclusiva administração de seu patrimônio pessoal,
integrado pelos que possuía ao casar e pelos que adquirir a qualquer título na
constância do casamento, podendo livremente dispor dos móveis e dependendo da
autorização do outro para os imóveis (CC, art. 1.673, parágrafo único). Somente
após a dissolução da sociedade conjugal serão apurados os bens de cada cônjuge,
cabendo a cada um deles – ou a seus herdeiros, em caso de morte, como dispõe o
art. 1.685 – a metade dos adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do
casamento (GONÇALVES, 2017, pg. 638).

Vê-se, então, que a característica fundamental do regime de participação final nos


aquestos consiste em que, na constância do casamento, os cônjuges vivem sob o império da
separação de bens, cada um deles com o seu patrimônio separado. Ocorrendo a dissolução da
sociedade conjugal (pela morte de um dos cônjuges, pela separação judicial ou pelo divórcio),
reconstitui-se contabilmente uma comunhão de aquestos. Nessa reconstituição nominal (não
in natura), levanta-se o acréscimo patrimonial de cada um dos cônjuges no período de vigência
do casamento. Efetua-se uma espécie de balanço, e aquele que se houver enriquecido menos
terá direito à metade do saldo encontrado. O novo regime se configura como um misto de
comunhão e de separação. A comunhão de bens não se verifica na constância do casamento,
mas terá efeito meramente contábil diferido para o momento da dissolução (PEREIRA, 2018,
pg. 223).
Nesse regime, os bens anteriores ao casamento e os adquiridos em sua constância
integram os patrimônios particulares e ficam sob a administração do respectivo cônjuge que o
adquiriu, mas, como regra geral, sem autonomia para alienação de imóveis.

350
Nesse particular, é importante destacar o disposto no artigo 1.673 do Código Civil,
segundo o qual a liberdade de alienação dos bens sem autorização do outro cônjuge ocorre
em relação aos bens móveis. Quanto aos imóveis, a regra é a necessidade de autorização do
outro cônjuge. Todavia, é importante ressalvar o disposto no artigo 1.656/CC, que estabelece
que no pacto antenupcial, que adotar o regime da participação final nos aquestos, poder-se-á
convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.
Quando da dissolução do casamento, partilham-se os bens adquiridos, a título oneroso
e por ambos os cônjuges, na constância do casamento (aquestos).
Na constância do casamento, cada cônjuge conserva, como no regime da separação, a
propriedade e a gestão de seus bens.
O artigo 1.674/CC dispõe que, sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal (art.
1.571), apurar-se-á o montante dos aquestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios:
“I – os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; II – os que
sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade; III – as dívidas relativas aos bens.”
Com a dissolução do casamento, far-se-á um balanço contábil, na forma do artigo
1.674 que dá as linhas gerais do como fazer o cálculo para efeito de partilha.
Citando Zeno Veloso, a obra de Caio Mário adverte que “Zeno Veloso considera que no
novo regime não se forma uma massa a ser partilhada; o que ocorre é um crédito em favor de
um dos cônjuges, contra o outro, para igualar os acréscimos, os ganhos obtidos durante o
casamento” (PEREIRA, 2018, pg. 224).
Com isso, diferentemente do que ocorre, por exemplo, no regime de comunhão parcial
de bens, a partilha de bens imóveis não importará, aqui, em estabelecimento de condomínio
entre os ex-cônjuges, porquanto não se formará massa a ser partilhada. O que se fará é um
balanço contábil para apuração de eventual crédito em favor de um dos cônjuges.
Carlos Roberto Gonçalves destaca as vantagens desse regime, afirmando que ele
apresenta a vantagem de permitir a conservação da independência patrimonial de cada
cônjuge, até mesmo no tocante à elevação ocorrida durante o casamento, proporcionando, ao
mesmo tempo, por ocasião da dissolução da sociedade conjugal, proteção econômica àquele
que acompanhou tal evolução na condição de parceiro, sem ter, no entanto, bens em seu
nome (GONÇALVES, 2017, pg. 642).
Para se entender como se faz a apuração contábil nesse tipo de regime, Sílvio
Rodrigues, citado por Carlos Roberto Gonçalves, ensina que

superadas as questões próprias da dissolução do casamento, a apuração da


participação se faz em etapas: 1ª) com a verificação do acréscimo patrimonial de
cada um dos cônjuges; 2ª) a apuração do respectivo valor para a compensação e
identificação do saldo em favor de um ou de outro; e, por fim, 3ª) a execução do
crédito. Este caminho pode ser tortuoso diante da morosidade da Justiça,
considerando, também, a expressiva quantidade de incidentes e recursos que
podem surgir nas três fases distintas. Daí por que o regime da participação final nos
aquestos, embora simpático na sua essência, acaba por vir a ser uma opção
problemática (GONÇALVES, 2017, pg. 643).

O art. 1.682 diz que o direito da meação no regime de participação final dos aquestos é
irrenunciável, incessível e impenhorável.

351
3.4.4. REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS

O regime da separação de bens poderá ser convencional ou obrigatório (legal). Será


convencional quando estipulado no pacto antenupcial e obrigatório quando determinado por
lei.
No regime da separação de bens, temos uma distinção dos patrimônios dos cônjuges,
que ficam destacados, tanto em relação à propriedade, quanto a posse e administração.
A regra básica é, dessa forma, a de que não haverá comunicação de qualquer bem,
seja ele posterior ou anterior à união.
Como consequência, cabe a administração de cada bem ao seu proprietário exclusivo,
que, no caso da separação convencional, poderá aliená-lo ou gravá-lo com ônus real,
independentemente da outorga do outro cônjuge.
Relativamente ao regime da separação obrigatória, prevalece o entendimento de ser
necessária a autorização do outro cônjuge para venda dos bens imóveis, como também para
gravá-los de ônus real. Isto porque a súmula 377 do STF estabelece que “no regime de
separação legal, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento”. Se há essa
comunicação de bens, tem-se como necessária a outorga do outro cônjuge.
Ainda em relação à sumula 377 do STF, a discussão que tem sido travada diz respeito à
necessidade ou não de prova do esforço comum para a partilha dos bens adquiridos na
constância do casamento celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens.
Essa discussão tem toda importância, pois de acordo com o entendimento adotado,
teremos diferente distribuição do ônus da prova. Exemplificando, suponhamos que duas
pessoas se casem sob o regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641/CC). Durante o
casamento, o varão adquire um imóvel que é registrado em seu nome. Quando de eventual
separação ou divórcio, teremos a aplicação da súmula 377/STF que permite a partilha dos
aquestos na hipótese do regime da separação obrigatória.
Nesse caso, se entendermos que há uma presunção de esforço comum, caberá ao
varão provar que o outro cônjuge em nada contribuiu para a aquisição do bem, afastando
assim a partilha. Se o varão não conseguir efetivar essa prova, o bem será partilhado na
proporção de 50% para cada.
Se, entretanto, entendermos que não há essa presunção, o ônus da prova passa a ser
do cônjuge virago, que deverá provar a sua contribuição para aquisição do bem, para, só
assim, ter direito à partilha. E, nesse caso, terá direito apenas à proporção da sua contribuição
efetivamente provada.
A matéria foi apreciada pelo STJ, que tem entendido, de forma majoritária, que na
hipótese do regime de separação obrigatória de bens, é aplicável o disposto na súmula
377/STF, mas o esforço para aquisição do patrimônio deve ser comprovado, para que assim o
outro cônjuge faça jus à partilha.
Nesse sentido, confira-se AgInt no REsp 1637695/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, julgado em 10/10/2019, DJe 24/10/2019.

3.5. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

3.5.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DIREITO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE MEAÇÃO DE VALORES DEPOSITADOS EM CONTA


VINCULADA AO FGTS ANTES DA CONSTÂNCIA DA SOCIEDADE CONJUGAL SOB O

352
REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. Diante do divórcio de cônjuges que viviam sob o
regime da comunhão parcial de bens, não deve ser reconhecido o direito à meação
dos valores que foram depositados em conta vinculada ao FGTS em datas
anteriores à constância do casamento e que tenham sido utilizados para aquisição
de imóvel pelo casal durante a vigência da relação conjugal. Diverso é o
entendimento em relação aos valores depositados em conta vinculada ao FGTS na
constância do casamento sob o regime da comunhão parcial, os quais, ainda que
não sejam sacados imediatamente à separação do casal, integram o patrimônio
comum do casal, devendo a CEF ser comunicada para que providencie a reserva do
montante referente à meação, a fim de que, num momento futuro, quando da
realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do
numerário pelo ex-cônjuge. Preliminarmente, frise-se que a cada doutrina
pesquisada no campo do Direito do Trabalho, um conceito e uma natureza
diferentes são atribuídos ao Fundo, não sendo raro alguns estudiosos que o
analisam a partir de suas diversas facetas: a do empregador, quando, então sua
natureza seria de obrigação; a do empregado, para quem o direito à contribuição
seria um salário; e a da sociedade, cujo caráter seria de fundo social. Nesse
contexto, entende-se o FGTS como o "conjunto de valores canalizados
compulsoriamente para as instituições de Segurança Social, através de
contribuições pagas pelas Empresas, pelo Estado, ou por ambos e que tem como
destino final o patrimônio do empregado, que o recebe sem dar qualquer
participação especial de sua parte, seja em trabalho, seja em dinheiro". No que diz
respeito à jurisprudência, o Tribunal Pleno do STF (ARE 709.212-DF, DJe 19/2/2015,
com repercussão geral reconhecida), ao debater a natureza jurídica
do FGTS, afirmou que, desde que o art. 7º, III, da CF expressamente arrolou
o FGTS como um direito dos trabalhadores urbanos e rurais, "tornaram-se
desarrazoadas as teses anteriormente sustentadas, segundo as quais o FGTS teria
natureza híbrida, tributária, previdenciária, de salário diferido, de indenização,
etc.", tratando-se, "em verdade, de direito dos trabalhadores brasileiros (não só
dos empregados, portanto), consubstanciado na criação de um 'pecúlio
permanente', que pode ser sacado pelos seus titulares em diversas circunstâncias
legalmente definidas (cf. art. 20 da Lei 8.036/1990)". Nesse mesmo julgado,
ratificando entendimento doutrinário, afirmou-se, quanto à natureza do FGTS, que
"não se trata mais, como em sua gênese, de uma alternativa à estabilidade (para
essa finalidade, foi criado o seguro-desemprego), mas de um direito autônomo". A
Terceira Turma do STJ, por sua vez, já sustentou que "o FGTS integra o patrimônio
jurídico do empregado desde o 1º mês em que é recolhido pelo empregador,
ficando apenas o momento do saque condicionado ao que determina a lei" (REsp
758.548-MG, DJ 13/11/2006) e, em outro julgado, estabeleceu que esse mesmo
Fundo, que é "direito social dos trabalhadores urbanos e rurais", constitui "fruto
civil do trabalho" (REsp 848.660-RS, DJe 13/5/2011). No tocante à doutrina civilista,
parte dela considera os valores recebidos a título de FGTS como ganhos do
trabalho e pondera que, "no rastro do inciso VI do artigo 1.659 e do inciso V do
artigo 1.668 do Código Civil, estão igualmente outras rubricas provenientes de
verbas rescisórias trabalhistas, como o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço), pois como se referem à pessoa do trabalhador devem ser tratadas como
valores do provento do trabalho de cada cônjuge". Aduz-se, ainda, o
"entendimento de que as verbas decorrentes do FGTS se incluem na rubrica
proventos". Nesse contexto, deve-se concluir que o depósito do FGTS representa
"reserva personalíssima, derivada da relação de emprego, compreendida na
expressão legal 'proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge' (CC, art. 1559,
VI)". De fato, pela regulamentação realizada pelo aludido art. 1.659, VI, do CC/2002
- segundo o qual "Excluem-se da comunhão: (...) "os proventos do trabalho pessoal
de cada cônjuge" -, os proventos de cada um dos cônjuges não se comunicam no
regime da comunhão parcial de bens. No entanto, apesar da determinação
expressa do CC no sentido da incomunicabilidade, realçou-se, no julgamento do
referido REsp 848.660-RS, que "o entendimento atual do Superior Tribunal de

353
Justiça, reconhece que não se deve excluir da comunhão os proventos do trabalho
recebidos ou pleiteados na constância do casamento, sob pena de se desvirtuar a
própria natureza do regime", visto que a "comunhão parcial de bens, como é
cediço, funda-se na noção de construção de patrimônio comum durante a vigência
do casamento, com separação, grosso modo, apenas dos bens adquiridos ou
originados anteriormente". Ademais, entendimento doutrinário salienta que "Não
há como excluir da universalidade dos bens comuns os proventos do trabalho
pessoal de cada cônjuge (CC, art. 1.659, VI) (...) sob pena de aniquilar-se o regime
patrimonial, tanto no casamento como na união estável, porquanto nesta também
vigora o regime da comunhão parcial (CC, art. 1.725)", destacando-se ser
"Flagrantemente injusto que o cônjuge que trabalha por contraprestação
pecuniária, mas não converte suas economias em patrimônio, seja privilegiado e
suas reservas consideradas crédito pessoal e incomunicável". Ante o exposto, tem-
se que o dispositivo legal que prevê a incomunicabilidade dos proventos (isto é, o
art. 1.659, VI, do CC/2002) aceita apenas uma interpretação, qual seja, o
reconhecimento da incomunicabilidade daquela rubrica apenas quando percebidos
os valores em momento anterior ou posterior ao casamento. Portanto, os
proventos recebidos na constância do casamento (e o que deles advier) reforçam o
patrimônio comum, devendo ser divididos em eventual partilha de bens. Nessa
linha de ideias, o marco temporal a ser observado deve ser a vigência da relação
conjugal. Ou seja, os proventos recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do
casamento compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação,
tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum
dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos
consortes e do outro. Dessa forma, deve-se considerar o momento em que o titular
adquiriu o direito à recepção dos proventos: se adquiridos durante o casamento,
comunicam-se as verbas recebidas; se adquiridos anteriormente ao matrimônio ou
após o desfazimento do vínculo, os valores pertencerão ao patrimônio particular de
quem tem o direito a seu recebimento. Aliás, foi esse o raciocínio desenvolvido no
julgamento do REsp 421.801-RS (Quarta Turma, DJ 15/12/2003): "Não me parece
de maior relevo o fato de o pagamento da indenização e das diferenças salariais ter
acontecido depois da separação, uma vez que o período aquisitivo de tais direitos
transcorreu durante a vigência do matrimônio, constituindo-se crédito que
integrava o patrimônio do casal quando da separação. Portanto, deveria integrar a
partilha". Na mesma linha, a Terceira Turma do STJ afirmou que, "No regime
de comunhão universal de bens, admite-se a comunicação das verbas trabalhistas
nascidas e pleiteadas na constância do matrimônio e percebidos após a ruptura da
vida conjugal" (REsp 355.581-PR, DJ 23/6/2003). No mais, as verbas oriundas do
trabalho referentes ao FGTS têm como fato gerador a contratação desse trabalho,
regido pela legislação trabalhista. O crédito advindo da realização do fato gerador
se efetiva mês a mês, juntamente com o pagamento dos salários, devendo os
depósitos serem feitos pelo empregador até o dia 7 de cada mês em contas abertas
na CEF vinculadas ao contrato de trabalho, conforme dispõe o art. 15 da Lei n.
8.036/1990. Assim, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores
do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles
valores não seja realizado imediatamente à separação do casal. A fim de viabilizar a
realização daquele direito reconhecido, nos casos em que ocorrer, a CEF deverá ser
comunicada para que providencie a reserva do montante referente à meação, para
que, num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais
de saque, seja possível a retirada do numerário. REsp 1.399.199-RS, Rel. Min. Maria
Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/3/2016,
DJe 22/4/2016. (INF. 581).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Dissolução de união estável. Partilha de bens.


Companheiro sexagenário. Súmula 377 do STF. Bens adquiridos na constância da
união estável. Partilha igualitária. Demonstração do esforço comum dos
companheiros para legitimar a divisão. Necessidade. Prêmio de loteria. Fato

354
eventual ocorrido na constância da união estável. Necessidade de meação. O
propósito recursal consiste em definir se, numa dissolução de união estável de
companheiro sexagenário, é necessário, para fins de partilha, a prova do esforço
comum, bem como se o prêmio de loteria, ganho no período da relação conjugal, é
comunicável ao parceiro. No caso em exame, a lide ganha especial relevo por
envolver sexagenário ao qual, por força do art. 258, parágrafo único, inciso II, do
Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil
de 2002), era imposto o regime de separação obrigatória de bens (recentemente, a
Lei n. 12.344/2010 alterou a redação do art. 1.641, II, do CC, modificando a idade
protetiva de 60 para 70 anos). Nos ditames da súmula 377 do STF, aplicada ao caso
em concreto, "no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos
na constância do casamento" e, por conseguinte, apenas os bens adquiridos na
constância da união estável devem ser amealhados pela companheira. A partir de
uma interpretação autêntica, percebe-se que o Pretório Excelso também
estabeleceu que somente mediante o esforço comum entre os cônjuges (no caso,
companheiros) é que se defere a comunicação dos bens, seja para o caso de regime
legal ou convencional (RTJ 47/614). Dessa forma, a ex-companheira fará jus à
meação dos bens adquiridos durante a união estável, desde que comprovado o
esforço comum. No entanto, em relação ao prêmio lotérico, por se tratar de bem
comum, em regra, ocorre sua comunicabilidade em favor do casal, sendo que tal
benesse não se confunde com as aquisições a título gratuito, por doação, herança
ou legado, que integram o patrimônio pessoal do donatário (CC, art. 1.659). A
loteria ingressa na comunhão sob a rubrica de "bens adquiridos por fato eventual,
com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior" (CC/1916, art. 271, II;
CC/2002, art. 1.660, II). Com isso, no caso em que o prêmio de loteria foi recebido
por sexagenário durante relação de união estável, é de se observar que este deve
ser objeto de partilha com a ex-companheira pelas seguintes razões: a) é bem
comum que ingressa no patrimônio do casal, independentemente da aferição do
esforço de cada um, pouco importando se houve ou não despesa do accipiens; b) o
próprio legislador quem estabeleceu a referida comunicabilidade; c) a
comunicabilidade é a regra, que admite exceções, a depender do regime de bens,
sendo que aquele de separação legal do sexagenário é diverso do regime de
separação convencional; d) a partilha dos referidos ganhos com a loteria não
ofenderia o desiderato da lei, já que o prêmio foi ganho durante a relação, não
havendo falar em matrimônio realizado por interesse ou em união meramente
especulativa. REsp 1.689.152-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade,
julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017. (INF. 616).

4. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E DO VÍNCULO MATRIMONIAL

4.1. DISPOSIÇÕES GERAIS

Para o estudo da dissolução da sociedade conjugal e do casamento, é preciso, antes de


mais nada, entender o que é a sociedade conjugal e diferenciá-la do vínculo matrimonial.
Como vimos, um dos efeitos do casamento é o estabelecimento da sociedade conjugal, o que
indica que o casamento (vínculo matrimonial) é algo mais abrangente que a sociedade
conjugal, estando esta contida naquele. Pela sociedade conjugal, temos um conjunto de
direitos e obrigações que ligam os cônjuges, sendo certo que o vínculo matrimonial é muito
mais abrangente.
Em razão disso, pode ocorrer a extinção da sociedade conjugal com permanência do
vínculo matrimonial, situação em que os direitos e obrigações cessam (inclusive quanto ao
regime de bens) mas persiste a proibição de novo casamento, porquanto ainda existente o
vínculo do matrimônio.

355
Nesse sentido, temos que o vínculo matrimonial só se dissolve, ou seja, o efetivo fim
do casamento somente ocorre nas seguintes hipóteses: morte de um dos cônjuges; anulação
do casamento e divórcio.
Assim, a separação judicial põe fim à sociedade conjugal, mas não põe fim ao vínculo
matrimonial.
É importante dizer que, no Brasil, até o ano de 1977, o casamento era considerado
indissolúvel, tendo essa situação mudado a partir da Emenda Constitucional n. 9, de 28 de
julho de 1977, que alterou a Constituição Federal então vigente (CF de 1969), abrindo espaço
para o divórcio, ao ser alterado o § 1º do art. 175, que passou a permitir a dissolução do
matrimônio nos casos previstos em lei.
Na sequência, a denominada Lei do Divórcio (Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de
1977) representou um marco importante no Direito de Família ao admitir, de forma expressa,
o divórcio como forma de dissolução do vínculo matrimonial.
Entretanto, era marcante a exigência de lapso temporal de separação para que o
referido divórcio pudesse ocorrer. A lei dispunha, inicialmente, que o divórcio poderia ser
deferido desde que houvesse separação judicial por mais de três anos.
Essa situação persistiu com a Constituição Federal, que somente diminuiu o prazo de
separação de fato ou de separação judicial, mas manteve a exigência de lapso temporal
mínimo de separação (fática ou judicial) para deferimento do divórcio.
Nessa análise da evolução histórica do divórcio, teve muita importância a Emenda
Constitucional n. 66, de 2010, que alterou o art. 226 da CF/88, permitindo o divórcio,
independentemente de qualquer lapso temporal.
Assim, na atualidade o vínculo matrimonial pode ser dissolvido pelo divórcio, não se
exigindo qualquer lapso temporal de separação de fato ou judicial para tanto. Não se exige,
igualmente, tempo mínimo de casamento para que o divórcio possa ser deferido.

4.2. DO FIM DA SOCIEDADE CONJUGAL

Como abordado no tópico anterior, a EC 66 alterou o artigo 226 da CF, excluindo a


exigência de comprovação de lapso temporal de separação de fato ou judicial para o
deferimento do divórcio.
Com essa importante emenda, passou-se a discutir se ela teria revogado os artigos do
Código Civil que versam sobre separação judicial.
Vários doutrinadores se manifestaram sobre o tema e, para aqueles que entendem
que houve revogação dos dispositivos que versam sobre a separação judicial, um dos
argumentos é no sentido de faltar interesse às partes para separação quando é possível a
dissolução imediata do vínculo matrimonial pelo divórcio, independentemente de qualquer
lapso temporal de casamento e de separação de fato ou judicial.
A atualizadora da obra de Caio Mário, adepta à corrente que sustenta a revogação da
separação, explica que

a nova redação introduzida pelo parágrafo 6º do art. 226 da Constituição Federal


apenas admite a dissolução do vínculo conjugal pelo Divórcio. A nova orientação
constitucional suprimiu, também, qualquer prazo para se propor o Divórcio, seja
ele judicial ou administrativo, este último introduzido no Brasil pela Lei nº 11.441,
de 2007 (PEREIRA, 2018, pg. 248).

356
A mesma atualizadora ainda cita, no mesmo sentido de seu entendimento, os
ensinamentos de Maria Berenice Dias, transcrevendo que

a partir de agora a única modalidade de buscar o fim do casamento é o Divórcio


que não mais exige a indicação da causa de pedir. Eventuais controvérsias
referentes a motivos, culpa ou prazos deixam de integrar o objeto da demanda. Via
de consequência, não subsiste a necessidade do decurso de um ano do casamento
para a obtenção do Divórcio (art. 1.574 do CC) (PEREIRA, 2018, pg. 248).

Na mesma linha de raciocínio, Flávio Tartuce diz que

como primeiro impacto da Emenda do Divórcio a ser apontado, verifica-se que não
é mais viável juridicamente a separação de direito, a englobar a separação judicial e
a separação extrajudicial, banidas totalmente do sistema jurídico. A partir das
lições de Paulo Lôbo, extraídas do texto por último citado, verifica-se que os fins
sociais da norma, nos termos do art. 5.º da Lei de Introdução e do art. 8.º do
CPC/2015, são de justamente colocar fim à categoria. Pensar de forma contrária
torna totalmente inútil o trabalho parlamentar de reforma da Constituição Federal
(TARTUCE, 2020, pg. 1874).

Sobre essa tema, entretanto, a V Jornada de Direito Civil aprovou enunciados que
concluíram pela manutenção da separação jurídica (ou de direito) no sistema jurídico.
Assim é que o Enunciado 514 diz que a EC 66/10 não extinguiu a separação judicial ou
extrajudicial.
Já o Enunciado 517 diz que a EC 66/10 extinguiu os prazos previstos no código civil,
sendo mantido o divórcio por conversão.
Nessa mesma linha, o NCPC, que é posterior à EC 66, reafirmou a existência do
instituto da separação de direito. Em seu art. 53, I, fixa a competência da ação de separação da
seguinte forma:
1. foro do domicílio do guardião do filho incapaz;
2. não havendo filho incapaz, a ação de separação terá como órgão competente o
último domicílio do casal;
3. caso nenhum dos ex-cônjuges residir no antigo domicílio do casal, será
competente o foro do domicílio do réu.
O entendimento atualizado do STJ é no sentido de que a Emenda Constitucional n.
66/2010 não revogou, expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que trata da separação
judicial. Nesse sentido, confira-se: REsp 1.431.370-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por
unanimidade, julgado em 15/8/2017, DJe 22/8/2017 (Informativo nº 0610, de 27/9/2017).
No âmbito do STF, Flávio Tartuce nos lembra que “o tema pende de análise pelo
Supremo Tribunal Federal que, nos autos do Recurso Extraordinário 1.167.478/RJ, reconheceu
a repercussão geral de questão constitucional, o que se deu em junho de 2019 – Rel. Min. Luiz
Fux. O STF deve examinar, portanto, se o instituto da separação judicial permanece ou não no
ordenamento jurídico brasileiro, resolvendo definitivamente esse debate” (TARTUCE, 2020, pg.
1882).
Dentre os doutrinadores, Tartuce elenca aqueles que são favoráveis à manutenção da
separação no sistema pátrio, in verbis: “entre outros, Mário Luiz Delgado, Luiz Felipe Brasil
Santos, João Baptista Villela, Regina Beatriz Tavares da Silva, Gustavo Tepedino, Maria Celina
Bodin de Moraes e Heloísa Helena Barboza” (TARTUCE, 2020, pg. 1883).

357
Enquanto não resolvida a questão definitivamente pelo STF, temos os julgados
recentes do STJ, entendendo pela manutenção da separação judicial, que se abre como uma
opção para as partes que não pretendam o caminho do divórcio direto.
Ademais, para os adeptos desse posicionamento, a manutenção da separação se
sustenta pela possibilidade de discussão de culpa nessa via processual, o que, em princípio,
não ocorre no divórcio. Destaque-se, aqui, que como se verá mais a frente, também há
discussão sobre a constitucionalidade da discussão de culpa diante do princípio da dignidade
da pessoa humana. De qualquer forma, para aqueles que defendem a possibilidade de
discussão de culpa, essa seria uma das justificativas para manutenção da separação no
ordenamento, já que na ação de divórcio não haveria espaço para essa discussão.
Com efeito, pela leitura dos artigos do Código Civil, verifica-se que somente na
separação há a previsão de discussão de culpa (vide artigo 1.572 e 1.573/CC).
É bem verdade que alguns autores discutem também se, diante do ordenamento
pátrio atual, haveria ainda espaço para discussão de culpa, já que esta poderia violar o
princípio da dignidade da pessoa humana e direitos da personalidade e, por conseguinte, não
deveria ser objeto de apreciação do judiciário.
Lembremos, antes, como já colocamos, que o entendimento atual do STJ é no sentido
de que, mesmo após a EC 66, persiste no ordenamento pátrio a possibilidade de separação
judicial. Com isso, o passo seguinte é analisar se essa separação judicial poderá ser decretada
com a imputação de culpa a um dos cônjuges. Em outras palavras, a indagação passa pela
constitucionalidade da discussão de culpa na separação diante do princípio da dignidade da
pessoa humana.
Importa destacar que a discussão acerca da possibilidade ou não de discussão de culpa
na separação judicial tem relevância, na medida em que o seu reconhecimento tem
consequências quanto aos seguintes pontos atinentes ao desfazimento da sociedade conjugal:
a) Quanto aos alimentos: o art. 1.704, caput e parágrafo único, do CCB/02
estabelecem que se um dos cônjuges separados judicialmente vier a
necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante
pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação
de separação judicial. Par único. Se o cônjuge declarado culpado vier a
necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los,
nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los,
fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência. Vê-se, pelo artigo
transcrito, que, reconhecida a culpa de um dos cônjuges pela separação, o
outro pode até ser obrigado a pagar alimentos, mas somente aqueles
indispensáveis à sobrevivência e desde que o alimentando não tenha outros
parentes em condições de prestá-los.
b) Quanto ao nome: o artigo 1.578/CC diz que o cônjuge declarado culpado na
ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro,
desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração
não acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II - manifesta
distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união
dissolvida; III - dano grave reconhecido na decisão judicial. Por esse
dispositivo, estabelece-se a possibilidade de perda do nome de casado(a)
em razão do reconhecimento da culpa.
c) Quanto à eventual indenização por dano moral: seguindo a regra geral
quanto à responsabilidade civil, pode haver pedido de indenização por
eventuais danos morais decorrentes do grave descumprimento de dever
conjugal (grande polêmica sobre essa possibilidade).

358
Para Daniel Carnacchioni, os dispositivos que versam sobre a culpa na separação estão
em desacordo com os valores sociais constitucionais. Para ele, “o Direito Civil deve ser
interpretado à luz desses valores e não o contrário. Os arts. 1.572 e 1573, que permitem a
discussão da culpa, são de duvidosa constitucionalidade” (CARNACCHIONI, 2018, pg. 1.536).
Para o mesmo autor, não há sentido jurídico para a discussão da culpa, pois mesmo
que reconhecida, nenhum efeito daí decorre, pois para ele, em relação aos efeitos acima
mencionados, tem-se que “os alimentos são fundamentados na solidariedade familiar,
necessidade e possibilidade. O uso do nome depende do interesse do cônjuge e da
necessidade de manutenção para fins de vínculo de filiação ou trabalho” (CARNACCHIONI,
2018, pg. 1.536). O autor conclui que essas hipóteses tidas como consequências do
reconhecimento da culpa, previstas no artigo 1.578/CC, devem ser relidas à luz dos valores
sociais constitucionais.
Assim, com essa leitura à luz da CF, tem-se que o sobrenome não pode ser perdido
pois, com o casamento e com a sua adoção, passa a integrar o nome do outro cônjuge e, como
direito fundamental da personalidade, somente poderá ser desincorporado por opção ou caso
a pessoa que seja a titular o esteja violando (CARNACCHIONI, 2018, pg. 1.536).
Continua o autor, referindo-se à outra suposta consequência do reconhecimento da
culpa, que seria relativa aos alimentos. Para ele, neste particular, “também não tem relação
direta com a demonstração da violação de qualquer dos deveres conjugais, porque os
alimentos são fundamentados na solidariedade familiar” (CARNACCHIONI, 2018, pg. 1.537).
Para o mesmo autor, a perda do direito aos alimentos, nessa hipótese, representaria
uma violação aos princípios da solidariedade social e familiar, valores constitucionais que
norteiam os alimentos (CARNACCHIONI, 2018, pg. 1.537).
Independentemente da posição adotada, é preciso dizer que ainda que se considere a
manutenção da possibilidade de discussão de culpa na separação, o Enunciado n. 254 da
Jornada de Direito Civil concluiu que “formulado o pedido de separação judicial com
fundamento na culpa (art. 1.572 e/ou art. 1.573 e incisos), o juiz poderá decretar a separação
do casal diante da constatação da insubsistência da comunhão plena de vida (art. 1.511) – que
caracteriza hipótese de outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum
– sem atribuir culpa a nenhum dos cônjuges”.
Por tudo o que até aqui foi exposto, é possível extrair que, em se partindo da ideia de
que persiste a separação no ordenamento jurídico pátrio, para aqueles que adotam
posicionamento favorável à culpa, temos que a separação judicial poderá ser consensual ou
litigiosa e, uma vez litigiosa, poderá basear-se na sustentação da culpa de um dos cônjuges
pela ruptura da sociedade (separação sanção – arts 1.572, caput e 1.573/CC) ou na
impossibilidade da vida em comum (separação falência – art. 1.572, §1º) ou ainda em
decorrência de enfermidade consistente em doença mental grave de um dos cônjuges
(separação remédio – art. 1.572, §2º).
Em resumo, podemos, então, tomando como premissa a posição que defende a
manutenção da separação no ordenamento pátrio, elencar as formas de término da sociedade
conjugal da seguinte forma:
a) Separação jurídica consensual:
 judicial; ou
 extrajudicial.
b) Separação jurídica litigiosa:
 separação-sanção;
 separação-falência; e
 separação-remédio.

359
Sobre a ação de separação judicial, trata-se de procedimento que tramita em segredo
de justiça, tendo a ele acesso apenas as partes e advogados, podendo eventualmente, com
autorização judicial, um terceiro ter acesso ao dispositivo da sentença.
Ainda em relação ao trâmite da ação de separação consensual, o art. 731 do NCPC
estabelece que poderá ser requerida a homologação de acordo, em petição assinada por
ambos os cônjuges, da qual constarão disposições relativas à descrição e partilha dos bens
comuns do casal, disposições entre a pensão alimentícia entre os cônjuges, acordo em relação
à guarda dos filhos incapazes, regime de visitas e valor da contribuição para criar e educar os
filhos. Poderá ser feita esta partilha após a homologação do divórcio. A propósito, diz o artigo
1.581/CC que “o divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens”. A mesma
regra vale igualmente para a separação judicial.
É importante destacar que, nas ações de família, todos os esforços serão
empreendidos para alcançar uma solução consensual da controvérsia, dispondo o juiz de
profissionais de outras áreas, com conhecimentos específicos que favoreçam a mediação e/ou
conciliação.
O Ministério Público, nas ações de família, só irá intervir quando houver interesse de
incapaz. Neste caso, o MP deverá sempre ser ouvido, inclusive, antes da homologação de
eventual acordo.
Como a separação judicial coloca fim apenas à sociedade conjugal e não ao vínculo
matrimonial, é possível que, mesmo com a separação decretada judicialmente, haja
restabelecimento da sociedade conjugal. É o que diz o artigo 1.577/CC, verbis: “Seja qual for a
causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a
todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular do juízo”.
O pedido será formulado, então, nos próprios autos da separação judicial e independe,
assim, de nova ação.
Uma importante inovação acerca da separação judicial (e aplicável também ao divórcio
e à dissolução de união estável) foi introduzida pela Lei nº 11.441. A Lei nº 11.441, de 04 de
janeiro de 2007, que trouxe a possibilidade da separação, do divórcio e da dissolução de união
estável serem realizados por via extrajudicial. Tal previsão também está disposta no artigo 733
do novo Código de Processo Civil, que diz: “o divórcio consensual, a separação consensual e a
extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados
os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública”.
Pelo dispositivo transcrito, vê-se que são requisitos para esse procedimento
extrajudicial, além do acordo entre os cônjuges/conviventes, os seguintes:
 não se trate de cônjuges/conviventes com nascituro (mulher grávida);
 não haja filhos incapazes.
Nessas hipóteses, ou seja, havendo nascituro ou filhos incapazes, a separação deve
ocorrer de forma judicial.
Conforme estabelece a legislação mencionada, o tabelião só irá lavrar a escritura
pública de separação judicial ou divórcio se ambos os cônjuges estiverem assistidos por
advogado, podendo, entretanto, apenas um advogado representar ambos.
Ressalte-se que foi a Resolução nº 35 do CNJ que incluiu a impossibilidade de lavratura
de escritura pública de separação, divórcio ou dissolução de união estável na hipótese de
gravidez de um dos cônjuges/conviventes. Antes dessa resolução, a previsão era apenas para o
caso de filhos incapazes.
Sobre esse tema, Tartuce esclarece que

360
tanto nos casos de divórcio quanto de dissolução de união estável, houve alteração
na Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamenta a atuação dos
Tabelionatos de Notas na lavratura dessas escrituras públicas. Com a modificação,
de abril de 2016, passou a citada resolução do CNJ a estabelecer que, na condição
de grávida, não é possível utilizar da escritura pública para formalização de divórcio
e de dissolução de união estável em cartório, assim como já ocorria nas hipóteses
de existência de filhos menores ou incapazes. Esclareça-se que, quando dos
debates dessa alteração, os conselheiros do CNJ firmaram o entendimento de que
o estado de gravidez, caso não seja evidente, deve ser declarado pelos cônjuges.
Assim, não cabe ao Tabelião investigar essa condição, o que exigiria um documento
médico e burocratizaria o processo, além de poder representar desrespeito à
intimidade das partes (TARTUCE, 2020, pg. 1893).

4.3. DA DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO MATRIMONIAL

O divórcio é uma das formas de dissolução do vínculo matrimonial. Ele coloca fim ao
casamento. Como o vínculo matrimonial é mais amplo que a sociedade conjugal, temos que a
dissolução daquele importa, consequentemente, no término desta.
Como vimos, a legislação prevê, na atualidade, além do divórcio judicial, o divórcio
extrajudicial, atendendo a um movimento denominado de desjudicialização, ou seja, até
mesmo para desafogar o judiciário, tem-se criado vias que possibilitam a solução de algumas
questões pela via extrajudicial. Os requisitos para esse procedimento extrajudicial já foram
vistos no tópico anterior e se aplicam também ao divórcio.
Como colocado também no tópico anterior, o art. 1.581 do CC diz que o divórcio pode
ser concedido sem que haja prévia partilha de bens. Porém, é preciso que se destaque que, em
havendo o divórcio sem partilha, novo enlace matrimonial de um ou ambos os cônjuges
importará em imposição do regime da separação obrigatória de bens, conforme estabelece o
artigo 1.641, I, c/c art. 1.523, III, ambos do Código Civil.
A ação de divórcio é personalíssima, cabendo somente aos cônjuges. No entanto, se o
cônjuge estiver numa situação de incapacidade, como interdição, poderá o curador,
ascendente ou irmão propor essa ação. É o que se extrai do artigo 1.582 e seu parágrafo único,
do Código Civil.
Ainda sobre o divórcio, antes da EC 66, fazia toda diferença o estudo que considerava
os tipos de divórcio, sendo certo que todo profissional que atuava na área de família tinha que
conhecer bem os prazos para que o divórcio pudesse ocorrer. Assim é que, a depender da
hipótese, o divórcio classificava-se da seguinte forma:
a) divórcio consensual: direto ou por conversão;
b) divórcio litigioso: direto ou por conversão.
Com a EC 66, que excluiu todos os prazos para o divórcio, esse estudo perdeu a
importância, já que a regra, na atualidade, é o divórcio direto, com a advertência de que, para
aqueles que entendem que não há mais separação jurídica no ordenamento pátrio, o divórcio
só pode ser direto, salvo aqueles cuja separação já ocorra antes da emenda, casos em que será
possível a conversão.
Antes de se passar para pontos específicos acerca do divórcio, é preciso que se
comente sobre algumas questões.
O divórcio é um direito potestativo sem prazo, ou seja, quando um dos cônjuges
resolve se divorciar do outro, esse não pode impedir. Isso porque o direito potestativo é a
possibilidade que tem a parte de interferir na esfera jurídica do outrem sem que ele se
oponha.

361
Diante disso, surge a discussão a respeito da possibilidade de se pleitear, em ação de
divórcio, um pedido de tutela de urgência. É claro que a análise do pedido de tutela de
urgência submete-se aos requisitos do art. 300 e seguintes do Código de Processo Civil. A
pergunta que pode surgir é, mas qual a pressa na decretação do divórcio? o fundamento é que
não razão jurídica para compelir a parte autora do pedido de divórcio litigioso, ainda mais
sendo um direito potestativo, de aguardar todo o trâmite processual, com sessões de
conciliação e mediação, bem como contestação do requerido, para só então, ao final da
demanda, decretar o divórcio. Essa decisão ganha ainda mais relevo quando no pedido de
divórcio existe a cumulação de outros pedidos, como partilha, alimentos, discussão acerca da
manutenção do nome, guarda de filhos, dentre outros.
Ademais, se há a permissão de tutela de urgência, também se cogita no julgamento
parcial de mérito, uma vez que, repetindo, trata-se de direito potestativo extintivo [CPC, art.
356].
Ainda sobre o divórcio, é sabido que esse pode ser decretado sem que haja a partilha
de bens, podendo esse ato judicial ser diferido [CC, art. 1.581].
Recentemente, tratando desses dois temas, o STJ entendeu que é possível a partilha
de direitos possessórios sobre bem edificado em loteamento irregular, desde que ausente a
má-fé dos possuidores. Pense a hipótese de um casal que construiu em um lote irregular, sem
averbação dessa construção na matrícula do bem e na prefeitura. Assim o STJ entendeu pela
possibilidade de partilha dos direitos possessórios sobre o bem edificado em loteamento
irregular, quando não for identificada má-fé dos possuidores [STJ. 3ª Turma. REsp 1.739.042-
SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/09/2020 (Info 679)].

4.4. DISCUSSÃO DE CULPA NO DIVÓRCIO

Ainda em relação ao divórcio, é importante colocar que, para aqueles que sustentam a
impossibilidade de manutenção da separação diante do ordenamento jurídico pátrio, o
divórcio comportaria a discussão de culpa. Todavia, prevalece o entendimento de que não se
pode discutir culpa no divórcio. Nesse sentido, Tartuce elenca os seguintes doutrinadores que
se opõem à discussão da culpa no divórcio:

Assim, se posicionam, por exemplo, Rodrigo da Cunha Pereira, Paulo Lôbo, Maria
Berenice Dias, Rolf Madaleno, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, José
Fernando Simão, Antonio Carlos Mathias Coltro, Pablo StolzeGagliano, Rodolfo
Pamplona Filho, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, em trabalhos
escritos e manifestações pessoais a este autor (TARTUCE, 2020, pg. 1914).

O mesmo autor explica sua posição intermediária, sustentando que “se deve admitir a
discussão da culpa em casos excepcionais, de maior gravidade. Por essa forma de pensar estão
mantidos os deveres do casamento (art. 1.566 do CC), pela sua aceitação pelo senso comum
em geral. Conserva-se ainda um modelo dualista, com e sem culpa, como ocorre com outros
ramos do Direito Civil, caso do direito contratual e da responsabilidade civil. Em reforço, a
culpa gera consequências para a responsabilidade civil dos cônjuges e os alimentos, conforme
ainda será aprofundado. Por esse caminho de conclusão, o divórcio poderá ser litigioso – com
pretensão de imputação de culpa – ou consensual – sem discussão de culpa. Deve ficar claro
que, para este autor, está mantida a ideia de mitigação da culpa – na esteira da doutrina e da
jurisprudência anterior –, em algumas situações, como nos casos de culpa recíproca dos
cônjuges ou de sua difícil investigação, a tornar o processo tormentoso para as partes. Do
mesmo modo, é possível a mitigação da culpa em situações de fim do amor ou de deterioração
factual do casamento, decretando-se agora o divórcio por mera causa objetiva” (TARTUCE,
2020, pg. 1914).

362
4.5. O USO DO NOME APÓS A EC 66

É sabido que com o casamento e mesmo com a união estável, os cônjuges e


companheiros podem adotar o sobrenome do outro. Quando do fim do casamento ou da
união, a pergunta que se coloca é se esse nome pode ser mantido, caso seja do interesse
daquele que o adotou e se, ainda que haja culpa, essa possibilidade persiste.
O art. 1.578/CC estabelece que o cônjuge declarado culpado na separação perde o
direito de usar o sobrenome do outro cônjuge. O próprio Código excepciona essa regra,
prevendo que o cônjuge culpado, em determinadas situações, poderá continuar utilizando o
sobrenome do cônjuge inocente.
Diz, então, o artigo 1.578/CC:

O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar


o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente
e se a alteração não acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II -
manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união
dissolvida; III - dano grave reconhecido na decisão judicial.

Extrai-se da letra expressa da lei que para que o cônjuge culpado não perca o nome do
outro cônjuge, deverá estar presente uma das seguintes hipóteses:
 quando a alteração do sobrenome implicar verdadeiro prejuízo para a sua
identificação;
 quando houver uma manifesta distinção entre o nome do cônjuge culpado e os
filhos havidos da união dissolvida;
 quando houver um dano grave, que deverá ser reconhecido na decisão judicial,
causado pela retirada do sobrenome do ex-cônjuge.
Porém, mesmo com a previsão expressa das exceções admitidas para manutenção do
nome pelo cônjuge culpado, há discussão na doutrina no sentido de que a opção pela não
manutenção deve sempre ser daquele que o adotou, independentemente de culpa pela
separação.
Sobre esse tema, Tartuce ensina que

ora, com a aprovação da EC 66/2010, entendo que não há mais qualquer influência
da culpa para a manutenção do nome de casado após o divórcio. Primeiro porque o
art. 1.578 do CC deve ser tido como totalmente revogado, por incompatibilidade
com o Texto Maior, uma vez que faz menção à separação judicial, retirada do
sistema. Segundo, pois a norma é de exceção, não admitindo aplicação por
analogia ao divórcio. Terceiro, porque o nome incorporado pelo cônjuge constitui
um direito da personalidade e fundamental, que envolve a dignidade humana,
havendo relação com a vida privada da pessoa natural (art. 5.º, inc. X, da CF/1988).
Sendo assim, não se pode fazer interpretação jurídica a prejudicar direito
fundamental (TARTUCE, 2020, pg. 1921).

Como foi exposto antes, Flávio Tartuce entende que não persiste no ordenamento
pátrio a separação jurídica, o que lhe dá mais motivos para sustentar que também não persiste
a possibilidade de perda do nome em razão de culpa.
Todavia, mesmo para aqueles que sustentam a manutenção da separação judicial, é
possível dizer que ainda que haja culpa pela separação, o cônjuge culpado que adotara o nome
do outro pode, caso seja esse o seu desejo, manter o nome de casado(a) pois esse nome, com

363
o casamento, incorporou-se ao seu patrimônio, constituindo direito da personalidade e
protegido inclusive constitucionalmente, diante do princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, o STJ já se posicionou pela manutenção do nome de casado pelo
cônjuge declarado culpado (STJ, REsp 241.200/RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j.
04.04.2006).
Pode, entretanto, o cônjuge renunciar ao direito de usar o sobrenome do outro
cônjuge.

4.6. DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO POR MORTE PRESUMIDA

Antes de mais nada, é preciso relembrar que a morte presumida pode ser reconhecida
com ou sem a decretação de ausência. O artigo 6º/CC estabelece que “A existência da pessoa
natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei
autoriza a abertura de sucessão definitiva”.
O artigo em destaque trata, na parte final, da morte presumida com decretação de
ausência.
Já o artigo 7º/CC refere-se à morte presumida, porém sem necessidade de decretação
de ausência, que ocorrerá nas hipóteses ali elencadas. Diz o referido artigo que: “Pode ser
declarada a morte presumida, sem decretação de ausência: I - se for extremamente provável a
morte de quem estava em perigo de vida; II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito
prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Parágrafo único. A
declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de
esgotadas as buscas averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.
Nos exatos termos do artigo 1.571, §1º, o casamento do ausente se desfaz no caso de
morte presumida, de forma que seu ex-cônjuge estará livre para casar com terceiro. Em outras
palavras, na hipótese de reconhecimento de morte presumida, com ou sem decretação de
ausência, o outro cônjuge fica livre para se casar novamente, como se viúvo fosse para todos
os efeitos. É importante recordar que a morte, no procedimento de ausência, somente vai ser
declarada quando da abertura da sucessão definitiva, ou seja, após 10 anos,
aproximadamente, do sumiço do cônjuge.
Como o próprio nome diz, a morte, na hipótese, é apenas presumida e pode ocorrer
daquele que foi declarado morto retornar. A pergunta que surge, então, é acerca de quais as
consequências jurídicas especificamente relacionadas ao casamento surgem em razão desse
retorno.
Sobre o tema, Tartuce explica que há dois posicionamentos doutrinários relação à
matéria:

1.º) Considerar válido o segundo casamento e dissolvido o primeiro, ressaltando a


boa-fé dos nubentes, e desvalorizando a conduta, muitas vezes, de abandono do
ausente. 2.º) Declarar nulo o segundo casamento, eis que não podem casar as
pessoas casadas, nos termos do art. 1.521, VI, do CC. Com o reaparecimento, não
se aplicaria, portanto, a regra do art. 1.571 da codificação privada (TARTUCE, 2020,
pg. 1899).

4.7. DIVÓRCIO E PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS

O tema será melhor aprofundado quando do estudo dos alimentos, mas valem ser
consideradas aqui algumas observações sobre a prestação de alimentos na hipótese de
separação e divórcio do casal.

364
O tratamento dos alimentos na hipótese da ruptura da vida conjugal mudou ao longo
do tempo, fruto da própria mudança social. Se antes, em regra, o homem era o provedor da
casa e a mulher se dedicava aos afazeres domésticos, não tendo renda própria, certo é que, na
atualidade, essa situação não persiste. A mulher hoje ocupa um lugar no mercado de trabalho,
concorrendo diretamente com o homem na obtenção de renda. Assim, já não podemos
considerar a situação antiga de que, quando da ruptura da vida conjugal, a mulher que sempre
se dedicara aos afazeres domésticos, precisava de ajuda financeira para se manter. Os
alimentos devem, então, ser analisados à luz da sociedade moderna. Por isso, uma primeira
conclusão que surge é no sentido da sua temporalidade.
Com efeito, os alimentos, em regra, são temporários, sendo, por conseguinte, fixados
por tempo certo. Não se afasta, entretanto, a possibilidade de fixação sem prazo, mas essa não
é mais a regra.
Com relação à culpa, como vimos, não há espaço para essa discussão no divórcio, e,
mesmo em relação à separação jurídica, tem-se entendido que os alimentos se baseiam na
solidariedade, de forma que são devidos mesmo que haja reconhecimento da culpa.
Para alguns autores, dentre eles, como vimos, Daniel Carnacchioni, mesmo com a
culpa, os alimentos são devidos àquele que deles necessita, devendo ser observado apenas o
parâmetro da necessidade/possibilidade.

4.8. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

4.8.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Direito de Família. Emenda Constitucional n. 66/2010.


Divórcio Direto. Requisito Temporal. Extinção. Separação Judicial ou extrajudicial.
Coexistência. Institutos distintos. Princípio da autonomia da vontade. Preservação.
Legislação infraconstitucional. Observância. A Emenda Constitucional n. 66/2010
não revogou, expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que trata da
separação judicial. O ponto nodal do debate consiste em analisar se o instituto da
separação judicial foi ab-rogado após o advento da Emenda à Constituição n.
66/2010. O texto constitucional originário condicionava como requisito para o
divórcio a prévia separação judicial ou de fato. Por sua vez, a EC n. 66/2010
promulgada em 13 de julho de 2010 conferiu nova redação ao § 6º do art. 206 da
Constituição Federal de 1988, a saber: "o casamento civil pode ser dissolvido pelo
divórcio". A alteração constitucional não revogou, expressa ou tacitamente, a
legislação ordinária que regula o procedimento da separação, consoante exegese
do art. 2º, §§ 1° e 2°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-
Lei n. 4.657/1942). Como se afere da sua redação, a Emenda apenas facultou às
partes dissolver direta e definitivamente o casamento civil, por meio do divórcio –
objeto de nova disciplina, tendo em vista a supressão do requisito temporal até
então existente. A supressão dos requisitos para o divórcio pela Emenda
Constitucional não afasta categoricamente a existência de um
procedimento judicial ou extrajudicial de separação conjugal, que passou a ser
opcional a partir da sua promulgação. Essa orientação, aliás, foi ratificada: (i) pelos
Enunciados n.s 514, 515, 516 e 517 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da
Justiça Federal (CJF), ocorrida em 2010; (ii) pela nova codificação processual civil
(Lei n. 13.102/2015), que manteve, em diversos dispositivos, referências ao
instituto da separação judicial (Capítulo X – Das Ações de Família – art. 693 e
Capítulo XV – dos Procedimentos de Jurisdição Voluntária – arts. 731, 732 e 733);
(iii) pela Quarta Turma desta Corte Superior, por ocasião do julgamento do REsp
1.247.098-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 16/5/2017 – o que denota a
pacificação da matéria pelos órgãos julgadores responsáveis pela uniformização da
jurisprudência do STJ no âmbito do direito privado. Portanto, até que surja uma

365
nova normatização, não se pode dizer que o instituto da separação foi revogado
pela Emenda n. 66/2010. REsp 1.431.370-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
por unanimidade, julgado em 15/8/2017, DJe 22/8/2017 (INF. 610).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DESNECESSIDADE DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU


RATIFICAÇÃO NA AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL. Com a edição da EC
66/2010, a nova redação do art. 226, § 6º, da CF - que dispõe que o casamento civil
pode ser dissolvido pelo divórcio - eliminou os prazos à concessão do divórcio e
afastou a necessidade de arguição de culpa, presente na separação, não mais
adentrando nas causas do fim da união, deixando de expor desnecessária e
vexatoriamente a intimidade do casal, persistindo essa questão apenas na esfera
patrimonial quando da quantificação dos alimentos. Criou-se, dessa forma, nova
figura totalmente dissociada do divórcio anterior. Assim, os arts. 40, § 2º, da Lei
6.515/1977 (Lei do divórcio) e 1.122, §§ 1º e 2º, do CPC, ao exigirem uma audiência
a fim de se conceder o divórcio direto consensual, passaram a ter redação
conflitante com o novo entendimento, segundo o qual não mais existem as
condições pré-existentes ao divórcio: de averiguação dos motivos e do transcurso
de tempo. Isso porque, consoante a nova redação, o divórcio passou a ser
efetivamente direto. A novel figura passa ser voltada para o futuro. Passa a ter vez
no Direito de Família a figura da intervenção mínima do Estado, como deve ser.
Vale relembrar que, na ação de divórcio consensual direto, não há causa de pedir,
inexiste necessidade de os autores declinarem o fundamento do pedido, cuidando-
se de simples exercício de um direito potestativo. Portanto, em que pese a
determinação constante no art. 1.122 do CPC, não mais subsiste o referido artigo
no caso em que o magistrado tiver condições de aferir a firme disposição dos
cônjuges em se divorciarem, bem como de atestar que as demais formalidades
foram atendidas. Com efeito, o art. 1.122 do CPC cuida obrigatoriamente da
audiência em caso de separação e posterior divórcio. Assim, não havendo mais
a separação, mas o divórcio consensual direto e, principalmente, em razão de não
mais haver que se apurarem as causas da separação para fins de divórcio, não cabe
a audiência de conciliação ou ratificação, por se tornar letra morta. Nessa
perspectiva, a audiência de conciliação ou ratificação teria apenas cunho
eminentemente formal, sem nada a produzir. De fato, não se desconhece que a Lei
do Divórcio ainda permanece em vigor, discorrendo acerca de procedimentos
da separação judicial e do divórcio (arts. 34 a 37, 40, §2º, e 47 e 48), a qual remete
ao CPC (arts. 1.120 a 1.124). Entretanto, a interpretação de todos esses dispositivos
infraconstitucionais deverá observar a nova ordem constitucional e a ela se
adequar, seja por meio de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução
de texto, seja como da interpretação conforme a constituição ou, como no caso em
comento, pela interpretação sistemática dos artigos. REsp 1.483.841-RS, Rel. Min.
Moura Ribeiro, julgado em 17/3/2015, DJe 27/3/2015 (INF. 558).

5. PARENTESCO

5.1. RELAÇÕES DE PARENTESCO

Ao tratar das relações de parentesco, estamos trabalhando aquela que é, em regra, a


mais próxima das relações humanas. Essa relação estabelece um vínculo entre as pessoas que
pode ter origem consanguínea, por afinidade ou civil.
Nesse sentido, podemos, num primeiro momento, diferenciar os tipos de relações de
parentesco da seguinte forma:
 parentesco consanguíneo (natural): o vínculo existente entre as pessoas é
biológico;

366
 parentesco por afinidade: é o parentesco estabelecido em razão do casamento ou
da união estável. Nos exatos termos do artigo 1.595/CC, “cada cônjuge ou
companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade”. Esse
parentesco, conforme diz o §1º do mencionado artigo 1.595/CC, se limita à linha
ascendente, descendente e colateral até o 2º grau, valendo destacar que,
conforme §2º, o vínculo por afinidade, na linha ascendente, não se extingue pela
dissolução do casamento ou da união estável;
 parentesco civil: é qualquer parentesco que decorre de outra origem, que não seja
a consanguinidade ou afinidade. A adoção é um exemplo desse vínculo civil,
valendo destacar que, conforme regra constitucional, não pode haver qualquer
diferenciação entre os filhos biológicos e os adotivos.

5.2. GRAUS DE PARENTESCO

Todo profissional do direito deve entender como são contados os graus de parentesco,
pois em diversas situações, nas mais diferentes áreas de atuação, encontramos referência a
esses graus. Assim, a título de exemplo, como vimos no estudo do casamento, o artigo
1.521/CC diz que não podem se casar os parentes colaterais até terceiro grau. Para entender
até onde vai a proibição, é preciso saber quem são os parentes colaterais e entender como se
contam os graus. Esse será o objeto do nosso estudo nesse tópico.
É importante, preliminarmente, diferenciar os parentes em linha reta daqueles
denominados colaterais. Essa diferenciação é facilmente compreendida pela leitura dos artigos
1.591 e 1.592/CC, que dizem in verbis:
“Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras
na relação de ascendentes e descendentes.”
“Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as
pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.”
O artigo 1.591/CC, por sua vez, diz que são parentes em linha reta:

 os ascendentes; e
 os descendentes.
Ainda em relação ao vínculo de parentesco, o art. 1.594/CC explica como se contam,
na linha reta e na linha colateral, os graus de parentesco pelo número de gerações. Diz o
referido artigo: “contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e,
na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente
comum, e descendo até encontrar o outro parente”.
Na linha reta, é muito simples a contagem das gerações. A questão que causa maior
cuidado é em relação aos colaterais. Para tanto, como diz o artigo mencionado, é preciso
encontrar o ascendente comum para se fazer a contagem. Exemplificando, se quero saber o
grau de parentesco entre os primos “A” e “B”, procuramos o ascendente comum, que, no caso,
são os avós. Então, conta-se: do primo “A” até o respectivo(a) pai/mãe, temos uma geração
(1ª); do pai/mãe até o(a) avô(ó), temos outra geração (2ª). Até aqui fizemos o caminho de
“subida” para achar o ascendente comum, que no caso são os avós. Agora vamos “descer”.
Do(a) o(a) avô(ó) até o pai/mãe do primo “B”, temos mais uma geração (3ª) e, finalmente, do o
pai/mãe do primo “B” até o próprio primo “B”, temos outra geração (4ª). Assim, primos são
parentes colaterais em quarto grau.

367
É bom destacar que o artigo art. 1.592/CC estabelece que o parentesco colateral ou
transversal só vai até o quarto grau e diz respeito às pessoas provenientes de um só tronco,
sem descenderem uma da outra.
Do exemplo dado, em que contamos o parentesco dos primos, podemos extrair que
não há parentesco colateral de 1º grau. Veja que o primeiro grau contado para se encontrar o
parente comum é um parentesco em linha reta (filho(a) e pai/mãe). Se tivermos uma família
com dois filhos, podemos subir de um filho para os pais e aí contar um grau (que, no caso é em
linha reta) e depois descer para o outro filho, contando o segundo grau. Ou seja, entre dois
irmãos, os ascendentes comuns são os pais. Conta-se um grau de um filho até os pais e o
segundo grau dos pais para o outro filho. Os irmãos são, assim, parentes colaterais de segundo
grau, disto resultando que o parentesco colateral mais próximo é de segundo grau.

5.3. FILIAÇÃO

Como bem pontua Caio Mário,

das relações de parentesco, a mais importante é a que se estabelece entre pais e


filhos. O Código de 2002 manteve a prioridade para a família que se constitui pelo
casamento e vive em função dos filhos. Outras relações há, e ponderáveis. Porém,
no centro do Direito de Família, como razão primária de toda uma disciplina, ergue-
se, sobranceiramente, a ideia básica da filiação (PEREIRA, 2018, pg. 301).

Assim, o estudo da filiação diz respeito a essa relação que liga os pais aos filhos, ou
seja, uma relação de parentesco em linha reta de 1º grau, de pai e filho. A filiação pode
decorrer do casamento ou pode ser fora dele. Essa classificação importa em razão das
presunções estabelecidas em lei quando a filiação decorre do casamento.
Assim, temos:

 filiação decorrente do casamento; e


 filiação fora do casamento.
É importante destacar que já há julgados do STJ aplicando também às uniões estáveis
as presunções mencionadas no artigo art. 1.597/CC.
Registre-se, ademais, que conforme mencionado, a relevância da classificação em
questão é somente para aplicação da presunção legal, já que nenhuma diferenciação pode
haver entre filhos havidos ou não do casamento.

5.3.1. FILIAÇÃO DECORRENTE DO CASAMENTO

Sobre a filiação, o art. 1.597/CC traz algumas presunções de filiação. Diz o referido
artigo, que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos:
 nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência
conjugal;
 nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por
morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
 havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
 havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,
decorrentes de concepção artificial homóloga;
 havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização
do marido.

368
Desse rol, é importante destacar as hipóteses decorrentes dos avanços tecnológicos
que, na atualidade, permitem fecundação homóloga ou heteróloga.
Conforme visto, também nesses casos, há presunção de paternidade na hipótese de
casamento, sendo que, em relação à fecundação heteróloga, deve ter havido autorização
prévia do marido.
Cabe aqui a diferenciação entre a fecundação homóloga e heteróloga. Tratam-se de
reproduções assistidas, sendo que na fecundação homóloga, o material genético pertence ao
marido e à mulher. Já na heteróloga, o material genético não é do marido e, por isso, para
aplicação da presunção, a lei fala em prévia autorização do marido.
O Código Civil diz, ainda, que se presumem concebidos na constância do casamento os
filhos havidos a qualquer tempo, quando se tratarem de embriões excedentários, decorrentes
de concepção artificial homóloga. Sobre o tema, em Caio Mário encontramos a explicação no
sentido de que “consideram-se embriões excedentários aqueles resultantes de manipulação
genética, mas não introduzidos no ventre da mãe, permanecendo em armazenamento próprio
de entidades especializadas” (PEREIRA, 2018, pg. 303).
O STJ entende que essas presunções de concepção sobre quem é o pai também são
aplicáveis, por analogia, à união estável (STJ – Embargos de Divergência em REsp. nº 18223 de
2003/SP).
Nas hipóteses de técnica de reprodução assistida heteróloga, prevalece o
entendimento da impossibilidade de quebra do sigilo do doador. Ou seja, a identidade de
quem doou o material genético não poderá ser revelada, ainda que a criança esteja
desamparada. É uma questão que passa pela ponderação de princípios constitucionais, dentre
os quais o da dignidade da pessoa humana. Sobre esse tema, o Enunciado n. 111 do CJF/STJ,
da I Jornada de Direito Civil, prevê que

a adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem a condição de filho ao


adotado e à criança resultante de técnica conceptiva heteróloga; porém, enquanto
na adoção haverá o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus parentes
consanguíneos, na reprodução assistida heteróloga sequer será estabelecido o
vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material fecundante.

5.3.1.1. AFASTAMENTO DA PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE

Como vimos, existem situações em que a legislação presume a paternidade.


Entretanto, o art. 1.599/CC diz que a prova de impotência do marido para gerar, à época de
concepção, afastará a presunção de paternidade dos casos mencionados acima. A impotência
mencionada na legislação é a impotência generandi, ou seja, a impotência para gerar um filho.
Ainda em relação a essa temática, é importante destacar o disposto no art. 1.600/CC,
no sentido de que o simples adultério da mulher não é suficiente para afastar a presunção
legal da paternidade. Como destacado em Caio Mário, “a infidelidade (provada ou confessada)
não ilide a presunção, porque, não obstante, o filho pode ser do marido, e não se recusa o
status baseado apenas na dúvida” (PEREIRA, 2018, pg. 306).
Em razão dos avanços científicos na área de reprodução, também aqui temos reflexos
dessa evolução, no que se refere à possibilidade de pai contestar a paternidade decorrente de
inseminação homóloga. Sobre esse tema, em Caio Mário temos que

no que concerne à contestação da paternidade pelo marido da mãe resultante da


reprodução assistida, tratando-se de inseminação homóloga (art. 1.597, I e II),
deverá o pai comprovar, com o exame do DNA, que o profissional ou o hospital

369
utilizaram sêmen que não foi o seu. De qualquer forma, como salienta Paulo Luiz
Netto Lôbo, citado em Caio Mário, ‘de qualquer forma é forte a presunção da
paternidade em virtude da participação voluntária do pai no processo de
reprodução assistida (PEREIRA, 2018, pg. 306).

Se a hipótese for de inseminação heteróloga e tiver ocorrido a prévia autorização do


marido, não há espaço para qualquer impugnação de paternidade. Como colocado em Caio
Mário, “não se admite a contestação da paternidade em razão da divergência da origem
genética, porque a inseminação artificial com o sêmen de outro homem, principalmente em
virtude de esterilidade do pai, foi esta autorizada” PEREIRA, 2018, pg. 306).
Sobre o mesmo tema, Flávio Tartuce faz importantes considerações, dizendo que

em relação à técnica de reprodução assistida heteróloga, não caberá revogação da


autorização por parte do marido ou companheiro após o emprego da técnica.
Quatro são os argumentos jurídicos principais para tal conclusão: 1.º) Aplicação do
princípio da igualdade entre filhos, o que atinge aqueles decorrentes da técnica de
reprodução assistida (art. 227, § 6.º, da CF/1988 e art. 1.596 do CC); 2.º) Incidência
do princípio do melhor interesse da criança (art. 227, caput, da CF/1988); 3.º)
Havendo emprego da técnica, a presunção passa a ser absoluta ou iure et de iure,
conforme o Enunciado n. 258 do CJF/STJ (“não cabe a ação prevista no art. 1.601
do Código Civil se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga,
autorizada pelo marido nos termos do inc. V do art. 1.597, cuja paternidade
configura presunção absoluta”); 4.º) Aplicação da máxima que veda o
comportamento contraditório, relacionada à boa-fé objetiva, em proteção ao filho
(venire contra factumproprium). Partindo para a prática, em 2017, surgiu sentença
seguindo tais premissas, afastando a possibilidade de pai homoafetivo, que havia
planejado e autorizado a técnica de reprodução assistida com seu companheiro,
renunciar à paternidade. A decisão foi prolatada pelo juiz corregedor da 2.ª Vara de
Registros Públicos da Comarca de São Paulo, Marcelo Benacchio, em 12 de abril de
2017 (Processo 1010250-76.2017.8.26.0100) (TARTCE, 2020, pg. 2000).

Ainda no campo das presunções decorrentes de lei, o art. 1.602/CC diz que não basta a
confissão materna para excluir essa presunção de paternidade. Isso significa que não é
suficiente, para fins de superação da presunção estabelecida em lei, a alegação de que o
marido não é o suposto pai. Necessário se faz, então, outro meio de prova apto a afastar a
presunção de paternidade.
O art. 1.601/CC confere ao marido a legitimidade para impugnar a paternidade dos
filhos havidos com a presunção estabelecida em lei. A ação, no caso, é imprescritível. Ademais,
caso o presumido pai conteste a paternidade e venha a falecer, seus herdeiros poderão
prosseguir na ação (parágrafo único do artigo 1.601/CC).
A leitura do artigo 1.601/CC índica que a legitimidade, no caso, é só do marido, mas
uma vez exercido o direito de ação, os herdeiros poderão prosseguir com ela.
Vale ressalvar que o enunciado 520/CJF diz que o conhecimento da ausência de um
vínculo biológico e a posse do estado de filho obsta essa contestação posterior da paternidade
presumida.
Ademais, conforme veremos em tópico próprio, diante do novo Direito das Famílias,
em que o afeto ganha destaque, a ausência de vínculo biológico não é suficiente para afastar a
paternidade, diante da possibilidade de existência de vínculos socioafetivos, que justificam a
manutenção do vínculo entre pai e filho(a).

370
5.3.1.2. PROVA DA FILIAÇÃO

O Código de 2002, em seu art. 1.603, estabelece que “a filiação prova-se pela certidão
do termo de nascimento registrada no Registro Civil”. Assim é que, a regra é a prova da
paternidade e maternidade pela apresentação da certidão extraída do Registro de Nascimento.
Como destacado em Caio Mário,

foi implantado pelo Sistema Único de Saúde/SUS a obrigatoriedade de emissão do


‘Documento de Nascido Vivo’, com o preenchimento obrigatório de formulário
fornecido gratuitamente pelo Ministério da Saúde, que é utilizado pelos hospitais e
maternidades públicas e privadas para o registro de informações sobre a mãe, o
pré-natal, o parto e o nascido vivo. Uma das vias é utilizada obrigatoriamente pela
família para o assentamento do registro de nascimento em Cartório (PEREIRA,
2018, 308).

Havendo o registro, a regra é, então, a prova da filiação pela apresentação da certidão


extraída do assento de nascimento.
Todavia, podem ocorrer hipóteses em que essa certidão não tenha como ser
apresentada, seja pela destruição do Cartório de Registro, seja pela destruição do livro, ou
mesmo pela inacessibilidade do lugar onde fora feito o registro. Nestes casos, a lei faculta
outros meios probatórios, quando houver um começo de prova por escrito emanado dos pais.
É o que estabelece o artigo 1.605/CC, ao enunciar que “na falta, ou defeito, do termo
de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito: I –
quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou
separadamente; II – quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”.
O art. 1.604/CC diz que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do
registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”.
Esse dispositivo corrobora a presunção do estado de filiação gerada pelo registro civil.
Em razão disso,

o que dele consta, pro veritate habetur, vale como verdade em relação à data do
nascimento, a menção de quem são os pais, e, por via de consequência, não pode
este pretender ou ostentar estado diverso do que do registro resulta. Mencionados
os nomes dos pais, ou o que mais seja, tem força probante enquanto subsistir o
registro, cujo conteúdo é indivisível (PEREIRA, 2018, pg. 308).

5.3.2. FILIAÇÃO FORA DO CASAMENTO

Como analisamos em tópico próprio, na hipótese de filho havido durante o vínculo


matrimonial, o legislador estabelece presunção de paternidade, de modo que a genitora,
apresentando a certidão de casamento, não terá maiores problemas para o estabelecimento
da filiação em relação ao pai.
A questão a ser estudada nesse tópico diz respeito, então, às situações em que não há
a mencionada presunção, hipótese em que, o reconhecimento pode ser feito de forma
voluntária ou, não sendo esse feito, por meio de ação judicial.
Assim, podemos elencar as seguintes formas de reconhecimento de filho:
 voluntária (perfilhação); ou
 compulsória (judicial).

371
5.3.2.1. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO

O art. 1.609/CC traz hipóteses de reconhecimento voluntário de filhos. Diz o referido


artigo que

o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

I - no registro do nascimento;

II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;

III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento


não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.

Como deixa claro o parágrafo único deste artigo, o reconhecimento pode preceder o
nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.
É importante destacar essa parte final do parágrafo único do artigo 1.609/CC, no
sentido de que o pai somente pode reconhecer voluntariamente filho morto (reconhecimento
post mortem), se este houver deixado descendentes. Essa exigência busca preservar a
finalidade do reconhecimento, afastando qualquer interesse escuso na herança.
Consoante previsão do art. 1.610/CC, o reconhecimento do filho é irrevogável, ainda
que este reconhecimento conste de testamento. Isto é, mesmo em se considerando que o
testamento é revogável, prevalece a irrevogabilidade do reconhecimento feito em seu bojo.
O reconhecimento de filho é um ato jurídico stricto sensu, de modo que seus efeitos
decorrem da lei.
Atente-se que esse reconhecimento voluntário, conforme o art. 1.614/CC, não pode
ser feito sem o consentimento do filho a ser reconhecido, caso este seja maior de idade. E, nos
termos do mesmo artigo, o filho, ainda que menor de idade, poderá impugnar o
reconhecimento nos 4 (quatro) primeiros anos após a sua maioridade ou emancipação.
A necessidade da aceitação e do consentimento do filho maior e possibilidade de
impugnação do filho menor, assim que tenha se tornado capaz, não desnaturam a natureza do
reconhecimento que é ato jurídico.
O art. 1.614/CC, no que toca à previsão de 4 anos após a maioridade do filho menor
para impugnar a sua paternidade, tem sido interpretado à luz do ordenamento jurídico como
um todo e da própria CF, de modo a considerar que não se pode fixar um período rígido de 4
anos para que venha a juízo e conteste esse reconhecimento da paternidade.
Tem-se entendido, então, que poderá ser ajuizada ação para contestar essa
paternidade a qualquer tempo. Isso porque se trata de ação que impugna o estado da pessoa.
E, como sabido, as ações de estado não estão sujeitas a prazo decadencial ou prescricional.
Nesse sentido, ensina Flávio Tartuce que

em relação à segunda parte do art. 1.614 do CC – que consagra prazo decadencial


de quatro anos para o filho menor impugnar o seu reconhecimento, a contar da
maioridade –, a previsão tem sido afastada pela jurisprudência. Isso porque o
direito à impugnação envolve estado de pessoas e a dignidade humana, não
estando sujeito a qualquer prazo (assim concluindo, por todos: STJ, AgRg no REsp
1.259.703/MS, 4.ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 24.02.2015, DJe
27.02.2015; e REsp 765.479/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3.ª Turma, j.

372
07.03.2006, DJ 24.04.2006, p. 397). A conclusão é perfeita, uma vez que o direito à
verdade biológica e à filiação é um direito fundamental (TARTUCE, 2020, pg. 2034).

O ato de reconhecimento de filho é incondicional. Qualquer condição ou termo


estabelecido no ato de reconhecimento é tido como ineficaz.
Ainda sobre o reconhecimento voluntário, é importante destacar o disposto na Lei nº
8.560/1992, que trata da denominada averiguação oficiosa. De acordo com a referida
legislação, a mãe, quando do registro de nascimento da criança, pode indicar o nome do
suposto pai e, com essa indicação, será realizada uma averiguação oficiosa, através de
procedimento provocado pelo Oficial do Cartório, que fará convocar o suposto pai para dizer
se reconhece voluntariamente a paternidade indicada. Se reconhecer, o oficial lavrará o termo.
Caso não reconheça, o procedimento será encaminhado ao Ministério Público, que tem
legitimidade extraordinária para promover a ação de investigação de paternidade, a qual,
julgada procedente, configura hipótese de reconhecimento forçado, que será apreciado no
tópico seguinte.

5.3.2.2. RECONHECIMENTO JUDICIAL

O reconhecimento judicial é o reconhecimento forçado, decorrente de uma ação


investigatória de paternidade ou maternidade. Essa ação se funda em estado de pessoa,
sendo, por conseguinte, imprescritível.
O art. 27 do ECA diz que o reconhecimento do estado de filiação é direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível.
A investigação de parentalidade se caracteriza como ação de estado, relativo ao estado
familiar, destinada a dirimir conflito de interesses relativo ao estado de uma pessoa natural,
envolvendo discussão acerca de verdadeiro direito da personalidade. Como tal, trata-se de
ação imprescritível, irrenunciável e inalienável (PEREIRA, 2018, pg. 342).
O mencionado artigo 27 do ECA trata, então, do direito de se perseguir a filiação,
estabelecendo qual tal direito pode ser exercitado contra os pais ou contra os herdeiros, sem
qualquer restrição, respeitado o segredo de justiça.
Alguns pontos merecem destaque na análise do reconhecimento judicial de
paternidade. Vejamos:
A) Foro competente: o foro competente para o processamento e julgamento da ação
de investigação de paternidade, consoante artigo 46 do CPC/2015, como regra
geral, é o do domicílio do investigado, porquanto se trata de ação de direito
pessoal. Quando o pedido de investigação de paternidade for cumulado com
alimentos, estabelece a Súmula nº 1 do Superior Tribunal de Justiça, que “o foro
do domicílio ou residência do alimentando é o competente para a ação de
investigação de paternidade quando cumulada com a de alimentos”.
B) Legitimidade para ação de investigação de paternidade: em relação à
legitimidade ativa, a ação, por ser personalíssima, deve ser proposta pelo(a)
próprio(a) filho(a). Como vimos, o Ministério Público também tem legitimidade
extraordinária para a ação de investigação de paternidade, lembrando que a
legitimação extraordinária ocorre quando o Ministério Público defende, em nome
próprio, interesse de terceiro, agindo como substituto processual (Lei nº
8.560/1992). Para aqueles que adotam, quanto ao início da personalidade, a teoria
concepcionista, o nascituro também teria legitimidade para propositura da ação. O
STJ admite a ação de neto contra o avô, para ver reconhecida a relação avoenga
(STJ, REsp 603.885/RS, 3.ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j.

373
03.03.2005, DJ 11.04.2005, p. 291). No que toca à legitimidade passiva da ação
investigatória, será proposta em face do suposto pai ou da suposta mãe. Na
hipótese de falecimento do suposto pai ou da suposta mãe, a ação será proposta
contra os herdeiros da pessoa investigada, pois esta ação tem caráter pessoal e
não patrimonial, de forma que, nesse sentido, não seria correta a inclusão do
espólio no polo passivo (REsp 1667576/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 10/09/2019, DJe 13/09/2019). Tartuce chama a
atenção para hipótese de o suposto pai não deixar herdeiros, caso em que “a ação
será proposta contra o Estado (Município ou União), que receberá os bens vagos”
(TARTUCE, 2020, pg. 2038). Proposta a ação, é possível a contestação. O art.
1.615/CC prevê que qualquer pessoa que tenha justo interesse poderá contestar a
ação investigatória. Ou seja, o cônjuge, o companheiro ou os herdeiros, têm
legitimidade para contestar a ação de paternidade. Em relação aos alimentos, a
súmula 277 do STJ diz que, julgada procedente a ação de investigação de
paternidade, o pagamento dos alimentos são devidos desde a citação.
C) Exame de DNA na ação de investigação de paternidade: Na ação de investigação
de paternidade, diante dos avanços da ciência, hoje é possível, com certa
facilidade, a realização do exame de DNA, para comprovação dos vínculos
genéticos. Quando o suposto pai aceita a realização, o resultado gera segurança
para o pretendido reconhecimento. Porém, é possível que o suposto pai se recuse
a se submeter ao exame, hipótese em que entram em conflito dois interesses
igualmente protegidos pela CF: de um lado, temos o direito do(a) filho(a) de buscar
a realidade genética; de outro, do suposto pai, de preservar sua intimidade e sua
integridade corporal. Ponderando esses dois valores, o STF entende que o direito à
intimidade do suposto pai prevalece sobre o direito da busca da verdade biológica
ou da identificação genética do suposto filho, de forma que não se pode conduzir o
pai à obrigatoriedade da realização do exame. Todavia, ainda em ponderação aos
valores, não obstante a não obrigatoriedade de condução ao exame, em caso de
recusa, essa sua negativa conduz à presunção relativa de paternidade. Nesse
mesmo sentido, os arts. 231 e 232 do CC dizem que aquele que se nega a se
submeter ao exame médico necessário não poderá se aproveitar da sua recusa. O
art. 232 diz que a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova
que se pretendia se obter com aquele exame. Sobre a matéria, a Súmula 301 do
STJ diz que, em ação de investigação de paternidade, a recusa do suposto pai a se
submeter ao exame de DNA induz à presunção iuris tantum de paternidade.
D) Relativização da coisa julgada na ação de investigação de paternidade: a
jurisprudência dos tribunais superiores têm relativizado a coisa julgada em casos
de ações de ações investigatórias em que o pedido tenha sido julgado
improcedente por falta de provas em época que não havia o exame de DNA. Nesse
sentido, o Enunciado 109 do CJF diz que a restrição da coisa julgada oriunda das
demandas reputadas improcedentes por insuficiência de provas não devem
prevalecer para inibir a busca da identidade genética do investigando. Ainda, a
verdade biológica, com relação direta com a dignidade humana do suposto filho,
vai prevalecer sobre a coisa julgada.
Por fim, é importante mencionar a representação do menor em ação de
investigação de paternidade.
Pense na situação em que o menor de idade, sem pai registrado, com guarda
concedida a terceira pessoa, que pretende ir a juízo buscar o reconhecimento de paternidade
contra o suposto pai.
Nessa situação, quem representa judicialmente o menor, o guardião ou a genitora?

374
A representação legal do filho menor, que é uma das vertentes do pleno exercício
do poder familiar, deverá ser exercida, em regra, pelos pais, ressalvadas as hipóteses de
destituição do poder familiar, quando ausentes ou impossibilitados os pais de representar
adequadamente o menor ou quando houver colisão de interesses entre pais e filhos.
Entretanto, o fato de ter sido concedida a guarda permanente a terceiro que não
compõe o núcleo familiar não implica em automática destituição - ou em injustificada restrição
- do exercício do poder familiar pela genitora, sobretudo porque medida dessa espécie não
prescinde de cognição exauriente em ação a ser proposta especificamente para essa
finalidade.
Conclui-se, na visão do STJ que a concessão de guarda do menor não implica
automática destituição do poder-dever familiar dos pais para representá-lo em juízo [REsp
1.761.274-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em
04/02/2020, DJe 06/02/2020 – Informativo de jurisprudência n. 664].

5.3.3. BARRIGA DE ALUGUEL OU BARRIGA DE SUBSTITUIÇÃO

Muitas questões têm sido discutidas, em sede de ações judiciais, em razão dos avanços
tecnológicos e científicos. Novas técnicas de reprodução implicam em novas discussões e de
enfrentamento, pelo Judiciário, dessas questões, que devem sempre ser apreciadas à luz da
Constituição Federal.
Um dos pontos de enfrentamento é a denominada “barriga de aluguel” ou gestação de
substituição.
No Brasil, esse tipo de gestação não é admitida na modalidade onerosa. A chamada
gestação de substituição vem regulamentada por uma Resolução 2.121/2015 do CFM, só
podendo ser realizada de forma gratuita.
Consoante referida resolução, o “empréstimo” da barriga ou do útero para gestação é
admitido apenas no âmbito familiar, e no parentesco até o 4º grau.
A mãe, nesse caso, será quem foi a doadora do material genético. Esta é considerada a
genetrix. Já aquela que empresta a barriga é considerada gestatrix e não é tida, para nenhum
efeito, como mãe.

5.3.4. MULTIPARENTALIDADE

A multiparentalidade ou pluralidade de vínculos está relacionada à possibilidade de


reconhecimento de mais de uma relação entre pais e filhos, o que significa dizer que uma
pessoa possa ter dois pais ou duas mães.
Sobre a multiparentalidade, Daniel Carnacchioni relembra que

a doutrina aprofundou o tema e criou a teoria tridimensional do Direito de Família,


pela qual a compreensão de mundo do ser humano é formada essencialmente por
sua carga genética, por seu modo de ser em família (afetividade primária) e pelo
próprio modo de relacionar-se consigo (identificação ontológica).

O autor prossegue, dizendo que, dessa forma “entende-se que o ser humano é, a um
só tempo, biológico, afetivo e ontológico, de modo a existir uma trilogia familiar, o que, por
consequência, possibilita o estabelecimento de três laços paternos e três maternos, a um só
tempo” (CARNACCHIONI, 2018, 1.564).

375
A multiparentalidade está atrelada, então, em especial, à possibilidade de coexistência
da paternidade biológica e socioafetiva.
O Supremo Tribunal Federal, sobre a multiparentalidade, em sede de repercussão
geral, afetou a questão sob o tema n. 622. Em setembro de 2016, o plenário, por maioria de
votos, fixou a tese de repercussão geral com a seguinte redação: “A paternidade socioafetiva,
declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação
concomitante baseado na origem biológica, com efeitos jurídicos próprios”.
Com essa decisão, o STF passou a admitir, então, a multiparentalidade, considerando a
afetividade como um valor jurídico e um princípio da ordem civil-constitucional brasileira. Esse
foi o entendimento citado nos votos da maioria dos Ministros do Supremo.
Com isso, a socioafetividade cria laços de parentesco civil, na forma do artigo
1.593/CC, em situação de igualdade com o parentesco biológico. Esse vínculo, conforme se
extrai do julgado citado, é reconhecido para todos os fins, inclusive alimentares e sucessórios.
Merece destaque, nesse particular, a conclusão da VIII Jornada de Direito Civil,
promovida pelo Conselho da Justiça Federal em abril de 2018, que, pelo Enunciado n. 632,
destacou que “nos casos de reconhecimento de multiparentalidade paterna ou materna, o
filho terá direito à participação na herança de todos os ascendentes reconhecidos”.
Como visto no reconhecimento voluntário de filho, é possível que ele ocorra de forma
extrajudicial. A pergunta, então, que surge é se a multiparentalidade também pode ser
reconhecida extrajudicialmente.
Quanto a esse ponto, temos que o Provimento 63/2017, que, dentre outras coisas,
dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade
socioafetiva no Livro “A”, teve algumas alterações decorrentes do Provimento 83/2019.
Esse último provimento altera a Seção II, que trata da paternidade socioafetiva, do
Provimento 63.
As alterações, de extrema importância para análise do reconhecimento extrajudicial da
multiparentalidade, são as seguintes:

Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade


socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado perante os oficiais de
registro civil das pessoas naturais.

II – o Provimento n. 63 passa a vigorar acrescida do seguinte art. 10-A:

Art. 10-A. A paternidade ou a maternidade socioafetiva deve ser estável e deve


estar exteriorizada socialmente.

1º O registrador deverá atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou


maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por intermédio da
verificação de elementos concretos.

2º O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito


admitidos, bem como por documentos, tais como: apontamento escolar como
responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de
saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma
unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o
ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades
associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas
com firma reconhecida.

376
3º A ausência destes documentos não impede o registro, desde que justificada a
impossibilidade, no entanto, o registrador deverá atestar como apurou o vínculo
socioafetivo.

4º Os documentos colhidos na apuração do vínculo socioafetivo deverão ser


arquivados pelo registrador (originais ou cópias) juntamente com o requerimento.

III – o § 4º do art. 11 passa a ter a seguinte redação:

4º Se o filho for menor de 18 anos, o reconhecimento da paternidade ou


maternidade socioafetiva exigirá o seu consentimento.

IV–o art. 11 passa a vigorar acrescido de um parágrafo, numerado como § 9º, na


forma seguinte:

“art. 11 …………………………..…………………………………..

9º Atendidos os requisitos para o reconhecimento da paternidade ou maternidade


socioafetiva, o registrador encaminhará o expediente ao representante do
Ministério Público para parecer.

I – O registro da paternidade ou maternidade socioafetiva será realizado pelo


registrador após o parecer favorável do Ministério Público.

II – Se o parecer for desfavorável, o registrador não procederá o registro da


paternidade ou maternidade socioafetiva e comunicará o ocorrido ao requerente,
arquivando-se o expediente.

III – Eventual dúvida referente ao registro deverá ser remetida ao juízo competente
para dirimi-la.

V –o art. 14 passa a vigorar acrescido de dois parágrafo, numerados como § 1º e §


2º, na forma seguinte:

“art. 14 …………………………..…………………………………..

1ª Somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado


paterno ou do materno.

2º A inclusão de mais de um ascendente socioafetivo deverá tramitar pela via


judicial.

Da leitura dos artigos alterados, é possível extrair que o provimento permite o


reconhecimento da socioafetividade de forma extrajudicial, obedecidos os requisitos acima
transcritos. Particularmente, sobre essa socioafetividade em concorrência com o vínculo
biológico, temos que observar com mais cautela o disposto no artigo 14 do Provimento 63,
que foi alterado por esse Provimento 83.
A redação do antigo artigo 14 do Provimento 63/2017 era no seguinte sentido:
“Art. 14. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente
poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de
duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento.”
Como vimos, houve acréscimo de dois parágrafos, para determinar que somente é
permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno e

377
para estabelecer que a inclusão de mais de um ascendente socioafetivo deverá tramitar pela
via judicial.
Surge, então, o questionamento se esses parágrafos estariam a proibir o
reconhecimento da multiparentalidade de forma extrajudicial.
O objetivo dos parágrafos acrescentados seria resolver a questão do reconhecimento
da multiparentalidade no âmbito extrajudicial. No entanto, parece persistir a dúvida.
Sobre a matéria, o Enunciado n. 29, aprovado no XII Congresso Brasileiro do IBDFAM,
em outubro de 2019, concluiu que: “em havendo o reconhecimento da multiparentalidade, é
possível a cumulação da parentalidade socioafetiva e da biológica no registro civil”.
Parece, então, que as modificações feitas pelo Provimento 83/2019 permitem o
reconhecimento da multiparentalidade, desde que a inclusão do vínculo socioafetivo se limite
a um pai e a uma mãe, em concomitância com o vínculo biológico. Se o caso for de inclusão de
mais de um ascendente socioafetivo, a via necessariamente terá que ser a judicial.

5.3.5. ADOÇÃO

Conforme se extrai da leitura do Capítulo IV, do Subtítulo II, do Título I, do Livro IV, do
Código Civil, houve uma limitação no tratamento da adoção do maior de 18 anos, porquanto o
legislador dedicou apenas 12 artigos a essa matéria, sendo certo que a Lei nº 12.010/1009
revogou dez deles. Assim, remanescem apenas dois artigos, que acabam por remeter a
questão ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Com efeito, enquanto o art. 1.618/CC estabelece que a adoção de crianças e
adolescentes será feita na forma prevista no ECA, o subsequente art. 1.619/CC diz que a
adoção de maior dependerá de uma assistência efetiva do Poder Público, de sentença
constitutiva, mas serão aplicadas, no que couber, as regras previstas no ECA.
Assim, o regramento deve seguir as previsões do Estatuto da Criança e do Adolescente,
no que couber, estando a matéria regulada a partir do artigo 39 daquele diploma legal.
A adoção é, pois, o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho,
independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consanguíneo ou
afim. Todos os autores lhe reconhecem o caráter de uma fictio iuris (PEREIRA, 2018, pg. 377).
Sua importância é destacada pela Carta Magna que prevê, no art. 227, § 5º, que “a
adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições
de sua efetivação por parte de estrangeiros”.
Pela adoção, temos, assim, a criação de um vínculo fictício de maternidade e/ou
paternidade e a filiação, entre pessoas originariamente estranhas. Para que ocorra, sempre
depende de uma sentença judicial, a qual será inscrita no registro civil, mediante mandado
judicial (art. 47,ECA).
Como estabelece o §1º do artigo 39, do ECA, “a adoção é medida excepcional e
irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da
criança ou adolescente na família natural ou extensa (...)”.
Há diferença entre a adoção de pessoa menor e de pessoa maior de idade. Quando a
adoção é de pessoa menor de 18 anos, seu trâmite será perante a Vara da Infância e
Juventude (art. 148, caput, III, ECA). Já em se tratando de adotando(a) maior de 18 anos, o
trâmite passa a ser em Vara de Família.
A intervenção do Ministério Público será sempre obrigatória, pois se está tratando de
questão de estado da pessoa, ou seja, de ordem pública.

378
Poderá adotar apenas aqueles que tiverem mais de 18 anos (art. 42, caput, ECA).
A adoção pode ser tanto unilateral quanto conjunta. Para a adoção conjunta, é
indispensável que o casal seja casado civilmente ou ao menos mantenham união estável (art.
42, §2º, ECA).
No entanto, o §4º do art. 42 diz que os divorciados, judicialmente separados ou os ex-
companheiros podem adotar conjuntamente, desde que acordem sobre a guarda, regime de
bens e o estágio de convivência com a criança ou adolescente tenha se iniciado anteriormente,
na constância do período de convivência do casal.
O art. 42, §3º, do ECA diz que o adotante deve ser ao menos 16 anos mais velho que o
adotando. Sendo um casal, deverá o membro mais jovem do casal ser ao menos 16 anos mais
velho que o adotando.
O tutor ou curador pode adotar o tutelado ou curatelado, mas antes deverá prestar
contas de sua administração, ou seja, saldar eventuais débitos (art. 44, ECA).
Como regra geral, para a adoção, é preciso o consentimento dos pais ou
representantes legais do menor a ser adotado (art. 45, caput, ECA). Merece, entretanto,
destaque o Enunciado 259 da III Jornada de Direito Civil do STJ, que determina que “a
revogação do consentimento não impede, por si só, a adoção, observado o melhor interesse
do adotando”.
Vale lembrar que o consentimento dos pais será dispensado se eles forem
desconhecidos ou tiverem sido destituídos do poder familiar (art. 45, §1º, ECA).
Caso o adotando já tenha 12 anos, ele também será ouvido quanto à adoção (art. 45,
§2º, ECA). É importante destacar que a lei é omissa quanto à oitiva e manifestação de
consentimento do menor de 12 anos.
O art. 41 do ECA diz que a adoção atribui a condição de filho ao adotado, tendo ele os
mesmos direitos, deveres e direitos sucessórios, desfazendo qualquer vínculo com os pais e
parentes anteriores, salvo em relação aos impedimentos matrimoniais.
A adoção, como se vê, corta todos os vínculos do adotado com sua família de origem,
salvo na hipótese em que um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do outro (adoção
unilateral).
A decisão que defere a adoção vai conferir ao adotado o sobrenome do adotante.
Conforme prevê o art. 47, §5º, ECA, tanto o adotante como o adotado podem pedir a
modificação do prenome do adotado, sendo que, se o pedido de alteração for formulado pelo
adotante, o adotado será ouvido na forma do artigo 47, §6º, ECA.
Em relação aos efeitos da adoção, o art. 47, §7º, ECA, estabelece que a produção de
efeitos começa, em regra, a partir do trânsito em julgado da decisão que concede a adoção.
Todavia, na hipótese de o adotante falecer no curso do procedimento (adoção post mortem), a
sentença terá efeitos a partir da data do óbito (art. 47, §7º, parte final, ECA).
Isso porque o art. 42, §6º, do ECA diz que a adoção pode ser deferida ao adotante que
depois de inequívoca manifestação de vontade falecer no curso do processo, antes de
prolatada a decisão. É a chamada adoção post mortem.
Se, no curso da ação de adoção conjunta, um dos cônjuges desistir do pedido e outro
vier a falecer sem ter manifestado inequívoca intenção de adotar unilateralmente, não poderá
ser deferido ao interessado falecido o pedido de adoção unilateral post mortem.
Tratando-se de adoção em conjunto, um cônjuge não pode adotar sem o
consentimento do outro. Assim, se proposta adoção em conjunto e um dos autores

379
(candidatos a pai/mãe) desiste da ação, a adoção deve ser indeferida, especialmente se o
outro vem a morrer antes de manifestar-se sobre a desistência.
O art. 39, §2º, do ECA veda a adoção por procuração, pois a adoção tem caráter
personalíssimo. É vedada ainda a adoção por ascendente ou por irmão. Veja que a limitação,
quanto à adoção por parentes, não se estende a tios, sobrinhos e outros.
Excepcionalmente, entretanto, o STJ já deferiu a adoção de descendente por
ascendente em razão das peculiaridades do caso concreto, como no caso em que a pessoa
ficou grávida em tenra idade, em decorrência de abuso sexual. Nesta situação, o STJ entendeu
por bem admitir a adoção pelos avós do seu neto, em virtude de que a mãe e o filho haviam
sido criados como se irmãos fossem (REsp 1.635.649).
Nesse caso, podemos dizer que houve colisão entre a regra prevista no art. 42, §1º, do
Estatuto da Criança e do Adolescente, e o princípio do melhor interesse da criança, tendo o
STJ, com sua decisão, dado primazia ao princípio do melhor interesse da criança.
O art. 46 do ECA diz que a adoção será precedida de um estágio de convivência. Essa é
a regra, entretanto, pode ocorrer a dispensa do estágio de convivência se o adotando já estiver
sob tutela ou guarda legal do adotante.
É importante destacar que, nos termos da lei, a simples guarda de fato não dispensa o
estágio de convivência (art. 46, §2º, ECA).
Ainda, se estivermos diante de uma adoção internacional, esse estágio de convivência
terá o prazo mínimo de 30 dias e sempre ocorrerá.
O art. 48 do ECA diz que o adotado tem direito de conhecer a sua origem biológica. Em
sendo assim, mesmo adotado, ele terá direito a obter o acesso irrestrito ao processo no qual
fora deferida a adoção, inclusive quanto aos eventuais incidentes processuais, desde que
tenha completado 18 anos.
É importante destacar aqui a diferença dessa situação à daquela em que a paternidade
é decorrente de doação de sêmen. Na hipótese da doação de material genético, como vimos,
há proteção quanto à identidade do doador.
Destaque-se, ademais, que esse acesso à verdade biológica/genética é um direito do
adotado. Porém, de suas certidões do registro não poderá constar nenhuma observação sobre
a origem do ato de adoção (art. 47, §4º, ECA).
Encerrado o processo de adoção, eventual morte do adotante não restabelece o poder
familiar dos pais naturais (art. 49, ECA).
Como consequência da ruptura com a família biológica, a adoção põe termo a todos os
direitos e obrigações dela decorrentes. A substituição assenta em que o adotado ingressa no
lar do adotante na condição de filho, e, por conseguinte, opera-se em substituição no campo
do poder familiar, da prestação de alimentos, dos direitos da personalidade e no direito
sucessório. Portanto, o adotante poderá ser herdeiro do adotado, assim como, na forma do
art. 1.839, o adotado poderá ser herdeiro dos parentes do adotante. Mantém-se a orientação
estatutária do art. 41 do ECA, que atribui a condição de filho ao adotado, desligando-o de
qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais (PEREIRA, 2018,
pg. 401).

380
5.4. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

5.4.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HIPÓTESE DE ADOÇÃO DE


DESCENDENTE POR ASCENDENTES. Admitiu-se, excepcionalmente, a adoção de
neto por avós, tendo em vista as seguintes particularidades do caso analisado:
os avós haviam adotado a mãe biológica de seu neto aos oito anos de idade, a qual
já estava grávida do adotado em razão de abuso sexual; os avós já exerciam, com
exclusividade, as funções de pai e mãe do neto desde o seu nascimento; havia
filiação socioafetiva entre neto e avós; o adotado, mesmo sabendo de sua origem
biológica, reconhece os adotantes como pais e trata a sua mãe biológica como irmã
mais velha; tanto adotado quanto sua mãe biológica concordaram expressamente
com a adoção; não há perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no
adotando; e não havia predominância de interesse econômico na pretensão
de adoção. De fato, a adoção de descendentes por ascendentes passou a ser
censurada sob o fundamento de que, nessa modalidade, havia a predominância do
interesse econômico, pois as referidas adoções visavam, principalmente, à
possibilidade de se deixar uma pensão em caso de falecimento, até como ato de
gratidão, quando se adotava quem havia prestado ajuda durante períodos difíceis.
Ademais, fundamentou-se a inconveniência dessa modalidade de adoção no
argumento de que haveria quebra da harmonia familiar e confusão entre os graus
de parentesco, inobservando-se a ordem natural existente entre parentes. Atento a
essas críticas, o legislador editou o § 1º do art. 42 do ECA, segundo o qual "Não
podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando", visando evitar que o
instituto fosse indevidamente utilizado com intuitos meramente patrimoniais ou
assistenciais, bem como buscando proteger o adotando em relação a
eventual confusão mental e patrimonial decorrente da transformação dos avós em
pais e, ainda, com a justificativa de proteger, essencialmente, o interesse da criança
e do adolescente, de modo que não fossem verificados apenas os fatores
econômicos, mas principalmente o lado psicológico que tal modalidade geraria no
adotado. No caso em análise, todavia, é inquestionável a possibilidade da mitigação
do § 1º do art. 42 do ECA, haja vista que esse dispositivo visa atingir situação
distinta da aqui analisada. Diante da leitura do art. 1º do ECA ("Esta Lei dispõe
sobre a proteção integral à criança e ao adolescente") e do art. 6º desse mesmo
diploma legal ("Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a
que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e
coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento"), deve-se conferir prevalência aos princípios da proteção
integral e da garantia do melhor interesse do menor. Ademais, o § 7º do art. 226 da
CF deu ênfase à família, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, de
modo que o direito das famílias está ligado ao princípio da dignidade da pessoa
humana de forma molecular. É também com base em tal princípio que se deve
solucionar o caso analisado, tendo em vista se tratar de supraprincípio
constitucional. Nesse contexto, não se pode descuidar, no direito familiar, de que
as estruturas familiares estão em mutação e, para se lidar com elas, não bastam
somente as leis. É necessário buscar subsídios em diversas áreas, levando-se em
conta aspectos individuais de cada situação e os direitos de 3ª Geração. Dessa
maneira, não cabe mais ao Judiciário fechar os olhos à realidade e fazer da letra do
§ 1º do art. 42 do ECA tábula rasa à realidade, de modo a perpetuar interpretação
restrita do referido dispositivo, aplicando-o, por consequência, de forma estrábica
e, dessa forma, pactuando com a injustiça. No caso analisado, não se trata de mero
caso de adoção de neto por avós, mas sim de regularização de filiação socioafetiva.
Deixar de permitir a adoção em apreço implicaria inobservância aos interesses
básicos do menor e ao princípio da dignidade da pessoa humana. REsp 1.448.969-
SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/10/2014. (INF. 551).

381
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Sentença proferida em ação investigatória
de paternidade. Falecimento do pretenso genitor. Ação rescisória. Ação de estado
e de natureza pessoal. Legitimidade passiva. Herdeiros do falecido e não do
espólio. Registre-se, de início, que a jurisprudência desta Corte fixou-se no sentido
de que a ação de investigação de paternidade deve ser ajuizada em face dos
herdeiros e não do espólio do falecido. Nesse contexto, o fato de a sentença que se
pretende rescindir ter sido proferida em ação investigatória de paternidade, em
que somente o de cujus figurou como parte, não modifica esse entendimento.
Embora o CPC/1973 não trate da legitimidade passiva para a ação rescisória (o
CPC/2015 também não examina esse tema), é correto afirmar que a regra do art.
487, I, do CPC revogado (idêntico ao art. 967, I, do novo CPC), que disciplina a
legitimidade ativa e que informa que poderá propor a referida ação "quem foi
parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular" deve se aplicar,
por lógica, coerência e simetria, também à adequada configuração da legitimação
passiva da ação rescisória. Por essa razão, o falecimento da parte após o trânsito
em julgado da sentença a ser rescindida implica sucessão processual não apenas no
polo ativo, mas também no polo passivo. Como se sabe, a legitimidade passiva
decorre de uma relação lógica e abstrata entre quem pede, o que se pede e contra
quem se pede, devendo figurar no polo passivo a pessoa indicada pelo autor que
possa ser compelida e reúna condições de satisfazer o pedido inicial. Tendo em
mira essa premissa, conclui-se que, evidentemente, o espólio não é parte legítima
para responder à ação rescisória em que se pleiteie a rescisão de sentença e o
rejulgamento de ação investigatória de paternidade post mortem, seja como
legitimado exclusivo, seja como litisconsorte passivo necessário, na medida em
que, nessa ação, nada será pedido contra o espólio, que tão somente é um ente
despersonalizado apto a titularizar a universalidade jurídica denominada herança
até que se efetive a partilha dos bens. Sublinhe-se que as eventuais repercussões
econômicas ou patrimoniais derivadas do reconhecimento, ou não, da filiação que
se pretende alcançar por intermédio da ação investigatória de paternidade é que
poderão, hipoteticamente, ser objeto de pretensões autônomas que serão
deduzidas contra o espólio, como já se consignou em precedentes desta Corte em
relação à petição de herança (AgRg no Ag 580.197/SP, Quarta Turma, DJe
04/05/2009) e à execução de dívidas do de cujus (REsp 1.559.791/PB, Terceira
Turma, DJe 31/08/2018). REsp 1.667.576-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira
Turma, por unanimidade, julgado em 10/09/2019, DJe 13/09/2019. (INF. 653)

6. PODER FAMILIAR E A PROTEÇÃO AOS FILHOS

6.1. PODER FAMILIAR

O artigo 1.630/CC estabelece que “os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto
menores”.
Percebe-se, então, desde já, que o poder familiar é instituto que vincula os pais aos
filhos ainda menores, atribuindo àqueles o exercício de direitos e deveres em relação à pessoa
dos filhos e seus bens, sempre se levando em consideração o melhor interesse da criança e do
adolescente.
Como bem adverte Flávio Tartuce, “o poder familiar é uma decorrência do vínculo
jurídico de filiação, constituindo o poder exercido pelos pais em relação aos filhos, dentro da
ideia de família democrática, do regime de colaboração familiar e de relações baseadas,
sobretudo, no afeto” (TARTUCE, 2020, p. 2057).

382
O artigo 1.631/CC estabelece que, durante o casamento e união estável, o exercício do
poder familiar compete aos pais em igualdade de condições, de forma que, consoante
parágrafo único do mesmo artigo, se houver divergência entre os genitores, poderá qualquer
um deles recorrer ao judiciário para buscar a solução do desacordo.
O poder familiar perdurará enquanto menores os filhos, podendo cessar antes em caso
de emancipação (art. 5º, CC).
O art. 1.632/CC deixa claro que a separação judicial, o divórcio ou a dissolução de
união estável não alteram relações de pais e filhos, inclusive o direito à convivência, ainda que
haja alguma alteração na situação. Em outras palavras, a separação, o divórcio ou a dissolução
da união estável não afetam o exercício do poder familiar.
Como dito, o poder familiar confere aos genitores não só direitos, mas também
deveres, que podem ser extraídos da leitura do art. 1.634/CC.
Estabelece o referido artigo, alterado pela Lei nº 13.058/2014, as atribuições desse
exercício que compete aos pais, verdadeiros deveres legais, a saber:
a) dirigir a criação e a educação dos filhos;
b) exercer a guarda unilateral ou compartilhada, nos termos do art. 1.584;
c) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
d) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
e) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência
permanente para outro Município;
f) nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não
lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
g) representá-los, judicial ou extrajudicialmente até os 16 anos, nos atos da vida civil e
assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
h) reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
i) exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e
condição.
A última das atribuições do poder familiar, elencada no artigo transcrito, merece
atenção diante do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Com isso, é de se
considerar que a obediência que os filhos devem prestar aos pais, detentores do poder
familiar, tem que ser interpretada de acordo com o princípio da razoabilidade. Em outras
palavras, caso os pais exijam dos filhos obediência em ações desarrazoadas, haverá violação ao
princípio da dignidade da pessoa humana, a justificar o seu não cumprimento.
Sobre essa questão, é importante lembrar a Lei da Palmada, que tem por objetivo dar
concretude à ideia de razoabilidade na educação e no dever de obediência do filho. Ela é
conhecida também como a Lei Menino Bernardo.
Essa lei alterou dispositivos do ECA e inseriu o art. 18-A, que diz ter a criança ou
adolescente o direito de ser criado sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou
degradante como forma de correção, disciplina ou educação.
Como é de conhecimento geral, a lei causou e ainda causa muita polêmica por
estabelecer uma forte intervenção do Estado no modo de educação dos filhos. É de se
considerar que seu escopo não é proibir a atuação de educação e correção dos pais no
exercício do poder familiar, mas sim vedar o tratamento degradante, cruel e humilhante do
filho.

383
Ainda em relação ao exercício do poder familiar, os pais estão proibidos de explorar
economicamente os filhos, não podendo imputar a estes serviços que não sejam compatíveis
com a sua idade e a sua condição.
O exercício abusivo do poder familiar poderá implicar na suspensão ou mesmo na sua
extinção (arts. 1.635 e seguintes do Código Civil).
Em relação aos efeitos do poder familiar, pai e mãe são tratados como usufrutuários
dos bens dos filhos. No entanto, os pais não poderão alienar os bens dos filhos e tampouco
gravar com ônus reais, salvo se houver necessidade ou se for melhor para o filho, caso em que
será indispensável a autorização judicial, com intervenção do Ministério Público.
Se estes atos de alienação ou disposição forem realizados sem autorização judicial, o
ato de disposição será tido como nulo.
Ainda em relação ao exercício do poder familiar e, considerando que nele estão
abrangidos não só direitos, como também deveres, uma questão que se coloca aqui diz
respeito à obrigatoriedade dos genitores de darem afeto aos filhos. Em outras palavras, o que
se lança à discussão neste ponto é acerca da possibilidade de condenação de um genitor pelo
denominado “abandono afetivo”.
Um dos fundamentos para essa responsabilização poderia ser extraído do artigo
1.632/CC, que estabelece o direito dos pais a terem os filhos em sua companhia. Esse direito
geraria, na contrapartida, a expectativa dos filhos quanto ao efetivo exercício da manutenção
da companhia recíproca. Com o abandono afetivo, haveria uma quebra desse dever de
companhia. Por essa linha de raciocínio, se há a quebra do dever, haveria um direito à
indenização em decorrência dessa quebra, ou seja, responsabilidade civil pelo abandono
afetivo.
Essa matéria é, ainda, bem polêmica. Daniel Carnacchioni entende que não se pode
extrair consequências jurídicas da falta de afeto. Para o autor, “se não existe, não se pode dele
extrair efeito jurídico algum, pois um núcleo de pessoas anafetivas é apenas um núcleo ou
uma reunião de pessoas, mas não uma família”. Ele continua, alertando que

o fato de afeto gerar consequências jurídicas não significa, necessariamente, que se


trate de princípio ou valor jurídico exigível antes que este se caracterize.
Caracterizado o afeto, dele é possível extrair consequências jurídicas, mas não se
pode exigir que um pai tenha afeto por um filho apenas porque há entre eles
vínculo biológico (CARNACCHIONI, 2018, pag. 1.460).

Falando especificamente sobre o abandono afetivo, o autor sustenta que

a ‘tese’ do abandono afetivo ou ‘teoria do desamor’ é por demais equivocada, pois


parte de premissas falsas e insustentáveis, justamente por não ser o afeto um
princípio jurídico passível de exigibilidade. Isso tornaria o Estado autoritário e
violador de direitos fundamentais como a liberdade e a dignidade. As pessoas têm
afeto ou não, amam ou não amam, têm paixões ou não têm. Tais sentimentos
existem ou não existem, estão vinculados à subjetividade do indivíduo. No entanto,
não se pode exigir o afeto antes que ele espontaneamente surja (CARNACCHIONI,
2018, pag. 1.460).

Como bem lembra o mesmo autor, o STJ já admitiu a tese do abandono afetivo como
princípio a justificar a tese do abandono afetivo (REsp 1159242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi).

384
6.1.1. EXTINÇÃO E DA SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR

Diz o artigo 1.635 do Código Civil que a extinção do poder familiar ocorrerá:
 pela morte dos pais;
 pela morte dos filhos;
 pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único;
 pela maioridade;
 pela adoção;
 pela decisão judicial, na forma do artigo 1.638 (que trata da perda do poder
familiar).
É importante ficar claro que o artigo 1.638/CC trata da “extinção do poder familiar”,
elencando como uma das hipóteses dessa extinção a denominada “destituição do poder
familiar” ou “perda do poder familiar”. Então, tem-se que a destituição é uma das hipóteses de
extinção do poder familiar e ocorrerá nos casos elencados no artigo 1.638/CC.
Considerando, então, o disposto nesse art. 1.638 do CC, temos hipóteses que
fundamentam a decisão de destituição do poder familiar por sentença judicial. São elas:
a) o castigo imoderado do filho;
b) o abandono do filho;
c) a prática de atos contrários à moral e aos bons costumes;
d) a incidência reiterada nas faltas previstas no art. 1.637 do CC; e
e) a entrega, de forma irregular, do filho a terceiros para fins de adoção. Essa última
previsão foi incluída pela Lei nº 13.509/2017.
Após essa alteração de 2017, houve ainda uma alteração datada de 2018, para
inclusão do parágrafo único ao artigo 1.638/CC, trazendo novas hipóteses de destituição do
poder familiar, por força da Lei nº 13.715.
Com a inclusão desse novo parágrafo único, perderá também por ato judicial o poder
familiar aquele que praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar:
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte,
quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou
discriminação à condição de mulher;
b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão.
É de se lembrar, ademais, do disposto no art. 1.637 do CC/2002, pelo qual temos que
“se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou
arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério
Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres,
até suspendendo o poder familiar, quando convenha.” Ademais, conforme parágrafo único do
mesmo artigo “suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe
condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de
prisão”.

385
6.1.2. A ALIENAÇÃO PARENTAL COMO FUNDAMENTO PARA A SUSPENSÃO DO PODER
FAMILIAR

O estudo da alienação parental está inicialmente vinculado à área da


psiquiatria/psicologia. Conforme o conceito de seu pesquisador, o psiquiatra estadunidense
Richard A. Gardner (1985 e ss):

A síndrome de alienação parental (SAP) é uma disfunção que surge primeiro no


contexto das disputas de guarda. Sua primeira manifestação é a campanha que se
faz para denegrir um dos pais, uma campanha sem nenhuma justificativa. É
resultante da combinação de doutrinações programadas de um dos pais (lavagem
cerebral) e as próprias contribuições da criança para a vilificação do pai alvo.

A Lei nº 12.318/2010 caracteriza a alienação parental no seu artigo 2º, dizendo que:

Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação


psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos
genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua
autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao
estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Extrai-se, então, que a alienação parental se caracteriza pela ação daquele que exerça
alguma forma de atuação sobre a criança ou adolescente, interferindo na sua formação
psicológica, podendo ser promovida ou induzida por um dos pais, pelos avós, ou por qualquer
adulto que tenha a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância.
O objetivo da conduta, na maior parte dos casos, é prejudicar o vínculo da criança ou
do adolescente com o(a) genitor(a).
Como se percebe da legislação invocada, temos que o sujeito ativo da alienação, ou
seja, o alienador pode ser tanto um dos genitores, avós ou qualquer outra pessoa que tenha
sob sua autoridade, guarda ou vigilância criança ou adolescente. Já o sujeito passivo
(alienado), em princípio a vítima, é a criança e o adolescente, aquele que é manipulado e sofre
interferência psicológica. No entanto, começa-se a discutir na doutrina e na jurisprudência a
possibilidade de o idoso também ser vítima de alienação parental.
A alienação parental fere o direito fundamental da criança e do adolescente (e para
alguns, para o idoso também) à convivência familiar saudável, sendo, ainda, um
descumprimento dos deveres relacionados à autoridade dos pais ou decorrentes de tutela ou
guarda.
A alienação parental é um ato ilícito, podendo gerar responsabilidade civil do
alienador.
Conforme previsão da própria lei, ficando caracterizada a alienação parental, o juiz
poderá:
 declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
 para compensar isso, poderá aumentar o regime de convivência familiar com
genitor que sofreu os efeitos decorrentes da alienação parental;
 estipular uma multa ao alienador;
 determinar o acompanhamento psicológico ou biopsicossocial da criança, do
genitor alienador e do genitor alienado;
 alterar a guarda;
 declarar a suspensão da autoridade parental do genitor.

386
Percebe-se que, diferentemente do que muitas vezes propagado, a alienação parental
não necessariamente implicará em suspensão da autoridade parental ou mudança de guarda.
Essas medidas extremas serão tomadas se atenderem ao melhor interesse da criança e do
adolescente. Aliás, esse é o princípio que sempre norteará o julgador na análise dos
procedimentos que envolvam menores.
Ainda em relação à alienação parental, na perspectiva de aprimoramento do
protecionismo legislativo, a Lei nº 13.431/2017, em vigor desde 05/04/2018, que estabelece
sistemas de proteção aos direitos de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de
violência, veio traçar novos rumos também ao tema da alienação. Reconhece, assim, como
violência psicológica o ato de alienação (art. 4, II, b), assegurando o direito de pleito de medida
protetiva à luz da conexão com os dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

6.2. PROTEÇÃO AOS FILHOS: A GUARDA

A guarda, como forma de proteção aos filhos, é disciplinada a partir do artigo 1.583 do
Código Civil, sendo admitidas, então, duas espécies de guarda:

 guarda unilateral: que seria aquela concedida a apenas um dos pais,


exercendo o outro o direito à visitação; ou
 guarda compartilhada: quando deferida a ambos os genitores.
Daniel Carnacchioni lembra que

além destas espécies legais, a doutrina e a jurisprudência admitem outras duas


espécies: guarda alternada (neste caso cada um dos pais, em períodos específicos
e, de forma alternada, passa a ter o direito de guarda exclusiva, - o pai e a mãe se
revezam em períodos exclusivos de guarda) e o aninhamento ou nidação (neste
caso, o filho permanece no lar de referência e são os pais que se revezam no
domicílio onde o filho menor está aninhado – é o contraponto da guarda alternada)
(CARNACCHIONI, 2018, pag. 1543).

Muito embora o autor faça referência a esses dois tipos de guarda, asseverando que
decorrem da doutrina e jurisprudência, certo é que a legislação somente disciplina a guarda
unilateral e a compartilhada, havendo muita resistência, mesmo pela jurisprudência, de
deferimento das demais por não parecerem, em regra, atender ao melhor interesse da criança
e do adolescente. Todavia, em situações especiais, comprovado o benefício ao menor, é
possível o deferimento desses modelos não previstos em lei. Há, inclusive, julgados do STJ
nesse sentido. Confira-se: REsp 1591161/SE RECURSO ESPECIAL 2015/0048966-7, Rel. Min.
Ricardo Villas Boas Cueva, 3ª Turma, data do julgamento: 21/2/2017)).
De acordo com a legislação vigente, na atualidade, então, estão regulamentadas as
guardas unilateral e compartilhada, sendo que, conforme se extrai da leitura do artigo 1.584,
§2º, do CC, “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho,
encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda
compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do
menor”.
Percebe-se, então, que a regra é o estabelecimento da guarda compartilhada, ainda
que não haja acordo entre os genitores. Há diversas manifestações jurisprudenciais do STJ no
sentido de que não é necessária a transigência dos genitores para que haja o deferimento da
guarda compartilhada, podendo ela, como se viu da leitura do artigo transcrito, ser imposta
pelo julgador em benefício da criança e do adolescente.

387
O art. 1.583, §2º, CC, diz que, na guarda compartilhada, o tempo de convivência com o
filho deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e o pai, sempre tendo em vista as
condições fáticas e o interesse dos filhos.
Já o §3º do mesmo artigo estabelece que na guarda compartilhada a cidade
considerada base da moradia do filho é aquela que atender à necessidade dos filhos.
A leitura desses dois dispositivos leva a certa confusão porquanto parecem tratar, em
essência, da guarda alternada, mencionando questões como divisão equilibrada de tempo de
convivência e base de moradia.
Sobre essa aparente confusão, Tartuce faz uma crítica, dizendo que

com o devido respeito ao pensamento contrário, a este autor a novel legislação


traz dois principais problemas. De início, como primeiro problema, quando há
menção a uma custódia física dividida, parece tratar de guarda alternada e não de
guarda compartilhada, conforme classificação que ainda será exposta (TARTUCE,
2020, p. 1928).

O autor continua pontuando as contradições verificadas na leitura dos artigos que


tratam da guarda:

com a Lei 13.058/2014 passou-se a estabelecer que ‘na guarda compartilhada, a


cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos
interesses dos filhos’. Mais uma vez a confusão entre guarda compartilhada e
alternada fica clara, pois se reconhece a viabilidade de o filho residir em lares e
cidades distintas, ao se considerar uma cidade como base da moradia (TARTUCE,
2020, p. 1928).

Essa questão foi objeto de debate na VII Jornada de Direito Civil/2015, tendo surgido
daí os seguintes enunciados importantes sobre o tema: o primeiro deles estabelece que

a divisão, de forma equilibrada, do tempo de convívio dos filhos com a mãe e com
o pai, imposta para a guarda compartilhada pelo § 2.º do art. 1.583 do Código Civil,
não deve ser confundida com a imposição do tempo previsto pelo instituto da
guarda alternada, pois esta não implica apenas a divisão do tempo de permanência
dos filhos com os pais, mas também o exercício exclusivo da guarda pelo genitor
que se encontra na companhia do filho (Enunciado n. 604).

O outro enunciado diz que

a distribuição do tempo de convivência na guarda compartilhada deve atender


precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma
equilibrada, a que alude o § 2.º do art. 1.583 do Código Civil, representar
convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente
igualitário entre os pais (Enunciado n. 603).

Por fim, outro enunciado conclui que “a guarda compartilhada não exclui a fixação do
regime de convivência” (Enunciado n. 605).
Estando estabelecida a diferenciação entre guarda compartilhada e guarda alternada,
segue-se que na guarda compartilhada, não havendo essa alternância de residências, mas sim
a fixação de um lar de referência com estabelecimento de regime de convivência entre os
genitores, é possível concluir que a guarda compartilhada não exclui a fixação de prestação
alimentícia, baseada sempre na necessidade do alimentando e possibilidades do alimentante.

388
Dessa forma, temos que na guarda compartilhada, ambos os genitores terão o
exercício da guarda, mas será fixado o lar de referência, com regime de convivência em relação
ao outro genitor, que, em regra, ficará obrigado a prestar alimentos com base no binômio
necessidade/possibilidade.
O art. 1.583, §5º, CC diz que a guarda unilateral obriga o pai e a mãe, que não detenha
a guarda, a supervisionar os interesses do filho. A fim de possibilitar essa supervisão, qualquer
dos genitores que não tenha a guarda terá a legitimidade para prestar informações e prestar
contas de assunto que interessa ao filho, direta ou indiretamente.
É a ideia de fiscalização da atuação do ex-cônjuge que tenha a guarda do menor.
O art. 1.584/CC diz que a guarda unilateral ou compartilhada pode ser efetivada por
dois meios:
 requerida por consenso pelo pai ou pela mãe, ou qualquer deles numa ação
autônoma; ou
 por decisão judicial, decretada pelo juiz, observando os interesses do menor e
levando em conta o tempo que cada um dos pais possui.
A legislação alerta para a necessidade de o juiz, em audiência de conciliação de
processo que verse sobre a guarda dos filhos menores, esclarecer os genitores sobre o
significado e a importância da guarda compartilhada.
Como já mencionado anteriormente, se, entretanto, os genitores não chegarem a um
consenso quanto à guarda compartilhada, o §2º, do artigo 1.584/CC estabelece que, “se não
houver acordo entre os pais quanto à guarda do filho, e se ambos estiverem aptos a exercer o
poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um deles expressamente
declarar que não deseja a guarda do menor”.
É com base nisso que a guarda compartilhada passa a ser a modalidade compulsória e
regra da guarda. Portanto, se os dois podem exercer o poder familiar, o juiz fixará a guarda
compartilhada, passando a ser a regra.
O STJ tem vários julgados sobre o tema, concluindo que a guarda compartilhada é a
regra e somente deixará ser aplicada se houver inaptidão de um dos ascendentes para o
exercício do poder familiar, fato que deverá ser declarado, prévia ou incidentalmente à ação
de guarda, por meio de decisão judicial (Inf. 595/STJ).
Sendo a guarda compartilhada regra, o seu não estabelecimento somente ocorrerá em
casos específicos, que, nos termos da lei (§ 2º do art. 1.584/CC), seriam na hipótese de
declaração de um dos genitores quanto ao não desejo de exercício da guarda do menor e na
hipótese de não exercício, por parte de um deles, do poder familiar.
Todavia, o STJ está dividido sobre a possibilidade de relativização desse dispositivo
legal. Temos, então, dois posicionamentos principais:
1ª Posição: entende que, pela redação do art. 1.584 do CC, a guarda compartilhada
apresenta força vinculante, devendo ser obrigatoriamente adotada, salvo se um dos genitores
não estiver apto a exercer o poder familiar ou se um deles declarar ao magistrado que não
deseja a guarda do menor. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1626495/SP, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 15/09/2016.
2ª Posição: compreende que outras questões devem ser analisadas, de forma que
peculiaridades do caso concreto podem servir como argumento para que não seja
implementada a guarda compartilhada. Ex: se houver dificuldades geográficas (pai mora em
uma cidade e mãe em outra, distante (STJ. 3ª Turma. REsp 1605477/RS, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 21/06/2016).

389
Se houver o descumprimento imotivado da guarda, seja unilateral ou compartilhada,
haverá redução das prerrogativas atribuídas ao seu detentor.
Se o juiz perceber que o filho não deve permanecer na guarda dos pais, poderá deferir,
excepcionalmente, essa guarda a uma terceira pessoa, que demonstre essa compatibilidade
com a natureza da guarda. O juiz vai considerar preferencialmente as relações de parentesco,
afinidade e principalmente relações de afeto entre a criança ou adolescente e a pessoa que irá
deter a guarda do menor.
O art. 1.584, §6º, CC diz que qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a
prestar informações a qualquer dos genitores sobre seus filhos, sob pena de multa de 200
reais a 500 reais por dia de não atendimento. O que a legislação está a estabelecer nesse
artigo é que, mesmo sem ter a guarda, os pais tenham acesso a informações sobre o(a)
filh0(a), porquanto, para além da guarda, os genitores são detentores do poder familiar.
O artigo 1.588, CC estabelece que “o pai ou a mãe que contrair novas núpcias não
perde o direito de ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados por mandado judicial,
provado que não são tratados convenientemente”.
Em relação às novas núpcias dos genitores, as Jornadas de Direito Civil concluíram que:
Enunciado n. 337: “O fato de o pai ou a mãe constituírem nova união não repercute no
direito de terem os filhos do leito anterior em sua companhia, salvo quando houver
comprometimento da sadia formação e do integral desenvolvimento da personalidade
destes”.
Enunciado n. 338: “A cláusula de não-tratamento conveniente para a perda da guarda
dirige-se a todos os que integram, de modo direito ou reflexo, as novas relações familiares”.
Importante previsão está no art. 1.589, parágrafo único, CC, que estende o direito de
visita aos avós.
Além da previsão legal, é possível estender o direito de visitação a outras pessoas que
guardem uma afinidade com o menor. Ex.: é o caso do padrasto que sempre cuidou da criança.
É possível regulamentar essa visitação pelo juiz, a despeito de inexistência de previsão legal,
sempre tendo como princípio norteador o melhor interesse da criança e do adolescente.

6.3. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

6.3.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Investigação de paternidade. Representação judicial do


menor. Guarda concedida a terceiro sem a destituição do poder familiar. Exercício
do poder-dever de representação que cabe, em regra, aos pais não destituídos. A
concessão de guarda do menor não implica automática destituição do poder-dever
familiar dos pais para representá-lo em juízo. A representação legal do filho menor,
que é uma das vertentes do pleno exercício do poder familiar, deverá ser exercida,
em regra, pelos pais, ressalvadas as hipóteses de destituição do poder familiar,
quando ausentes ou impossibilitados os pais de representar adequadamente o
menor ou quando houver colisão de interesses entre pais e filhos. Entretanto, o
fato de ter sido concedida a guarda permanente a terceiro que não compõe o
núcleo familiar não implica em automática destituição – ou em injustificada
restrição – do exercício do poder familiar pela genitora, sobretudo porque medida
dessa espécie não prescinde de cognição exauriente em ação a ser proposta
especificamente para essa finalidade. Assim, não havendo nenhum óbice ao
ajuizamento da ação investigatória de paternidade pelo menor representado pela
genitora, descabe a propositura da referida ação pela guardiã, ressalvada a

390
possibilidade de, na inércia da genitora, a ação ser proposta pelo Ministério Público
e, excepcionalmente, até mesmo pela própria guardiã, desde que presentes
circunstâncias excepcionais que justifiquem a concessão a ela de poderes de
representação judicial. REsp 1.761.274-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira
Turma, por unanimidade, julgado em 04/02/2020, DJe 06/02/2020 (INF. 664).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. A guarda compartilhada somente deixará de ser aplicada


quando houver inaptidão de um dos ascendentes para o exercício do poder
familiar, fato que deverá ser declarado, prévia ou incidentalmente à ação
de guarda, por meio de decisão judicial. Consiste a controvérsia em dizer se, à luz
da atual redação do art. 1.584, II, § 2º, do Código Civil, é possível ao julgador
indeferir pedido de guarda compartilhada sem a demonstração cabal de que um
dos ex-cônjuges não está apto a exercer o poder familiar. Inicialmente, importa
declinar que a questão relativa à imposição da guarda compartilhada, a partir do
advento da nova redação do art. 1.584, II, § 2º, do CC, deixou de ser facultativa
para ser regra impositiva. No que toca às possibilidades legais de não se fixar
a guarda compartilhada, apenas duas condições podem impedir-lhe a aplicação
obrigatória: a) a inexistência de interesse de um dos cônjuges; b) a incapacidade de
um dos genitores de exercer o poder familiar. A primeira assertiva legal labora na
linha do que é ululante, pois não se pode obrigar, sob vara, um genitor, a cuidar de
sua prole. Contudo, do mesmo vício – obviedade – não padece a segunda condição,
extraída, contrario sensu, do quanto disposto no art. 1.584, § 2º, do CC. O texto de
lei, feito com a melhor técnica redacional, por trazer um elemento positivo: a
condição necessária para a guarda compartilhada, aponta, em via contrária, para a
circunstância que impedirá a imposição dessa mesma guarda compartilhada: a
inaptidão para o exercício do poder familiar. E aqui reside uma outra inovação
neste texto legal, de quilate comparável à própria imposição da guarda
compartilhada, que consiste na evidenciação dos únicos mecanismos admitidos em
lei para se afastar a imposição da guarda compartilhada: a suspensão ou a perda do
poder familiar. A suspensão por gerar uma inaptidão temporária para o exercício
do poder familiar (art. 1637 do CC); a perda por fixar o término do Poder Familiar.
Ocorre, porém, que ambas as situações exigem, pela relevância do direito atingido,
que haja uma prévia decretação judicial do fato, circunstância que, pela íntima
correlação com a espécie, também deverá ser reproduzida nas tentativas de
oposição à guarda compartilhada. É dizer, um ascendente só poderá perder ou ter
suspenso o seu poder/dever consubstanciado no poder familiar por meio de uma
decisão judicial e, só a partir dessa decisão, perderá a condição essencial para lutar
pela guarda compartilhada da prole, pois deixará de ter aptidão para exercer o
poder familiar. Essa interpretação, que se extrai do texto legal, embora não crie
uma exceção objetiva à regra da peremptoriedade da guarda compartilhada, tem o
mérito de secundar o comando principal, pois se passa a exigir, para a não
aplicação da guarda compartilhada, um prévio ou incidental procedimento judicial
declarando a suspensão ou perda do poder familiar, com decisão judicial no
sentido da suspensão ou da perda. REsp 1.629.994-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi,
por unanimidade, julgado em 6/12/2016, DJe 15/12/2016. (INF. 595).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. GUARDA COMPARTILHADA. ALTERNÂNCIA. RESIDÊNCIA.


MENOR. A guarda compartilhada (art. 1.583, § 1º, do CC/2002) busca a proteção
plena do interesse dos filhos, sendo o ideal buscado no exercício do poder familiar
entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e
adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação,
do ideal psicológico do duplo referencial. Mesmo na ausência de consenso do
antigo casal, o melhor interesse do menor dita a aplicação da guarda
compartilhada. Se assim não fosse, a ausência de consenso, que poderia inviabilizar
a guarda compartilhada, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente
por um dos pais. E diz-se inexistente porque contraria a finalidade do poder
familiar, que existe para proteção da prole. A drástica fórmula de imposição judicial

391
das atribuições de cada um dos pais e do período de convivência da criança sob
a guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém
necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal
letra morta. A custódia física conjunta é o ideal buscado na fixação da guarda
compartilhada porque sua implementação quebra a monoparentalidade na criação
dos filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída pela
implementação de condições propícias à continuidade da existência das fontes
bifrontais de exercício do poder familiar. A guarda compartilhada com o exercício
conjunto da custódia física é processo integrativo, que dá à criança a possibilidade
de conviver com ambos os pais, ao mesmo tempo em que preconiza a interação
deles no processo de criação. REsp 1.251.000-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 23/8/2011. (INF. 481).

7. ALIMENTOS

7.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Os alimentos tratados no Direito de Família decorrem do princípio constitucional da


solidariedade social, que tem fundamento recíproco entre os membros da família. A
solidariedade social promove a união dos membros de uma família, com o propósito de
garantir todo o aparato necessário à obtenção do mínimo necessário à sobrevivência de cada
um (CARNACCHIONI, 2018, p. 1.582).
Recorde-se que a Constituição de 1988 determinou, em seu art. 229, que “os pais têm
o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar
e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Assim, os alimentos, decorrentes das relações familiares, possuem base constitucional,
fundando-se no próprio princípio da dignidade da pessoa humana, como também no princípio
da solidariedade.

7.1.1. CONCEITO E REQUISITOS

Como bem esclarece Paulo Nader, entre os direitos subjetivos mais invocados em
juízo, incluem-se os alimentos, que se acham ligados, umbilicalmente, aos valores de
sobrevivência. Consistem numa prestação periódica, decorrente do vínculo familiar,
declaração de vontade ou ato ilícito, devida pelo alimentante, que dispõe de recursos, ao
alimentando, que deles carece para prover as necessidades vitais próprias (NADER, 2016, p.
503).
Para o nosso estudo, interessa os alimentos decorrentes do vínculo familiar, ou seja,
decorrentes do parentesco ou do casamento e união estável.
Diz o art. 1.694/CC que

podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os


alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição
social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante


e dos recursos da pessoa obrigada.

§ 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a


situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

392
A partir da leitura do artigo, já é possível extrair os requisitos para fixação dos
alimentos, que, em suam, podem assim ser elencados:
- as necessidades do(a) alimentando(a); e
- as possibilidades do(a) alimentante.
Fala-se, então, em binômio necessidade/possibilidade, tendo, para alguns
doutrinadores, que se observar, ademais, a proporcionalidade nessa fixação. Nesse contexto,
para essa parte da doutrina, teríamos, em verdade, o trinômio
necessidade/possibilidade/proporcionalidade.
Os alimentos são prestações destinadas à satisfação de necessidades pessoais do
alimentando. Essas necessidades que a pessoa tem, mas que não consegue prover por si
mesma.
São pressupostos para que exista o direito a alimentos:
 Vínculo entre alimentante e alimentando (casamento, união estável ou
parentesco);
 Necessidade do alimentando;
 Possibilidade do alimentante.
Conforme evolução da sociedade, que acabou por interferir na própria visão dos
tribunais sobre os alimentos devidos entre cônjuges e companheiros, o STJ consolidou
entendimento no sentido de que os alimentos entre os cônjuges têm caráter excepcional,
porquanto a regra na atualidade é de que todos trabalham, diferentemente do tempo em que
a mulher era a chamada “dona de casa” e dependia financeiramente do marido ou do
companheiro.
Os tempos mudaram e a jurisprudência pátria acompanhou essa mudança. Nesse
sentido, confira-se posicionamento do STJ sobre a matéria: AgInt no AREsp 1256698 / RS, Rel.
Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma).
Assim, excepcionalmente, os alimentos serão fixados entre ex-cônjuges e ex-
companheiros. Ademais, possuem, em regra, natureza transitória.
Em relação aos alimentos devidos em decorrência da relação de filiação, o art.
1.703/CC diz que, para manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente irão
contribuir na proporção de seus sustentos. Ou seja, os pais serão obrigados a contribuir
proporcionalmente com os alimentos e é importante lembrar que isso acontecerá ainda que a
guarda seja fixada de forma compartilhada. Em outras palavras, é preciso dizer que a guarda
compartilhada, como se viu, não exclui o dever de pagar alimentos.

7.1.2. CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

Analisamos as disposições legais que estabelecem que os alimentos são devidos em


razão da relação de parentesco ou em decorrência do casamento ou união estável. Em
qualquer caso, a obrigação alimentar sempre terá as seguintes características:
 Direito Personalíssimo: somente o alimentando é o titular do direito, ou seja, a
verba só pode ser requerida por ele (com a ressalva à hipótese do pedido
formulado pelo Ministério Público, agindo com legitimidade extraordinária, ou
seja, em nome próprio, mas no interesse de terceiro) e a ele é destinada.
 Irrenunciabilidade (art. 1.707, CC): os alimentos são instituto de ordem pública e,
por conseguinte, não admitem renúncia. Assim como a ninguém é dado o direito
de renunciar a vida, entende-se que também não se pode renunciar aos alimentos.
Nesse sentido, é de se considerar que o titular pode até não exercitar o direito aos

393
alimentos, mas não poderá renunciá-lo. O caráter irrenunciável dos alimentos, na
visão do STJ, em diversos julgados, se restringe aos vínculos de parentesco. Por
esse entendimento, o STJ tem compreendido que a súmula 379 do STF estaria
superada. Sobre o tema, confira-se REsp 1.143.762.
 Incedibilidade: consequência do caráter personalíssimo é a sua impossibilidade de
cessão. Há uma discussão sobre a possibilidade de cessão do crédito já vencido.
 Impenhorabilidade (art. 1.707, CC): o direito alimentar não responde pelas dívidas
do alimentando.
 Incompensabilidade: as obrigações derivadas de alimentos não estão sujeitas à
compensação.
 Reciprocidade: os alimentos são devidos entre cônjuges e companheiros, de forma
recíproca, assim como ocorre nos casos de alimentos decorrentes de relação de
parentesco. A obrigação recairá sobre o mais próximo. O art. 1.697/CC diz que, na
falta de ascendentes, cabe a obrigação alimentar aos descendentes (1º lugar).
Faltando ascendentes e descendentes, os alimentos poderão ser pleiteados aos
irmãos (2º lugar).
 Intransmissibilidade: transmite-se apenas o débito relativo às prestações vencidas
(REsp 1354693/SP) (questão polêmica: para alguns seria transmissível - AgRg no
AREsp 271410/SP). REsp 1010963/MG (pela transmissibilidade enquanto perdurar
o inventário).
 Imprescritibilidade: o direito a pedir alimentos é imprescritível. Porém, uma vez
fixado o quantum dos alimentos, o direito ao recebimento é passível de prescrição,
sendo que, conforme artigo 206, §2º, CC, o prazo prescricional seria de 2 anos,
com a ressalva quanto ao seu não transcurso enquanto perdurar o poder familiar
(art. 197, II, CC). Assim, admite-se a prescrição, mas não do direito em si, e sim da
cobrança das prestações vencidas.
 Irrepetibilidade: doutrina e jurisprudência reconhecem que os alimentos não
estão sujeitos à repetição do indébito. Uma vez pagos, não serão devolvidos.
 Alternatividade da prestação: a prestação de alimentos pode ser satisfeita
mediante pagamento de valores ou fornecimento de meios que suprirão
diretamente as necessidades do alimentando (ex. pagamento direto das
mensalidades escolares, cursos, fornecimento de vestuário, etc.).
 Divisibilidade: a obrigação alimentar é divisível entre os vários devedores, na
medida de suas possibilidades. Se os devedores possuem recursos iguais, o
quantum da prestação deverá ser igualmente partilhado. Não se instaura
solidariedade entre os devedores, salvo se o alimentando for pessoa idosa,
consoante previsão do art. 12 da Lei nº 10.741/03. Nesse particular, merece
destaque o posicionamento do STJ sobre a obrigação dos avós. É orientação do STJ
que a responsabilidade dos avós de prestar alimentos é subsidiária, e não
sucessiva. Essa obrigação tem natureza complementar e somente exsurge se ficar
demonstrada a impossibilidade de os genitores proverem os alimentos de seus
filhos. “A obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária,
somente se configurando no caso da impossibilidade total ou parcial de seu
cumprimento pelos pais.” (Súmula 596/STJ).
 Não sujeito à arbitragem: essa proibição está expressa na disposição do art. 852
do NCPC.

394
7.1.3. PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DOS ALIMENTOS

Os alimentos podem ser classificados levando-se em consideração as fontes, a sua


extensão, a forma de pagamento e a sua finalidade.
Quanto às fontes, os alimentos podem ser:
 Alimentos legais: que, como o próprio nome diz, são aqueles que decorrem lei. E,
como vimos, a lei estabelece o dever de pagamento de alimentos em razão do
parentesco, do casamento e da união estável. Os alimentos legais não se limitam
aos incapazes, mas às situações previstas em lei, inclusive para aquele que ainda
não nasceu, que é a previsão dos alimentos gravídicos.
 Alimentos convencionais: são os alimentos que passam a serem devidos em razão
em razão de acordo, contrato, testamento, legado, etc. Quando os alimentos são
devidos unicamente pela convenção das partes, e não há o dever legal, o seu
pagamento não sujeita o devedor à prisão civil.
 Alimentos indenizatórios: são os alimentos que decorrem de um ato ilícito. Sua
fixação, assim, é uma consequência do reconhecimento da culpa pelo ilícito,
culminando em uma indenização. Para esse tipo de alimentos também não é
possível a prisão civil do devedor.
Quanto à extensão, os alimentos podem ser:
 Alimentos necessários (naturais ou indispensáveis): sãos os valores indispensáveis
à subsistência digna do alimentando. Seria aquele quantum mínimo para
atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana. Os alimentos
necessários suprem as necessidades primárias ligadas à subsistência, como as de
habitação, vestuário, alimentação, saúde. Conforme visto em tópico próprio, a
legislação prevê que o cônjuge culpado pela dissolução da sociedade conjugal,
caso deles necessite e não existam outros obrigados, terá direito apenas a esse
tipo de alimentos.
 Alimentos civis (côngruos): os alimentos fixados para além daqueles tidos como
necessários, são considerados alimentos civis. Eles não se limitam a suprir as
carências fundamentais, mas propiciam melhor qualidade de vida, atendendo às
condições sociais da partes, observado o binômio necessidade-possibilidade. No
caso de separação, por exemplo, terão por objetivo manter o statusa quo,
mantendo o padrão de vida anterior.
Quanto à forma de pagamento, os alimentos podem ser:
 Alimentos próprios (in natura): são os alimentos pagos na forma de prestações
materiais, como fornecimento dos alimentos, vestuário, moradia, etc.
 Alimentos impróprios: são os mais comuns, pagos com valores em dinheiro.
Quanto à finalidade, os alimentos podem ser:
 Alimentos definitivos: são aqueles fixados definitivamente. Há um acordo de
vontades ou uma sentença judicial transitada em julgado. Não obstante o caráter
definitivo, é preciso sempre ter em conta que a sentença na ação de alimentos
transita apenas formalmente, já que é possível rediscutir os valores, sempre que
houver alteração substancial nas condições de quem paga os alimentos ou daquele
que recebe.
 Alimentos provisórios: são os alimentos fixados antes da sentença, seguindo o rito
especial da Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/68). Assim, os alimentos provisórios são
aqueles fixados em ação principal, cujo pedido final seja a própria fixação definitiva

395
de alimentos. Os alimentos provisórios dependem da prova pré-constituída do
vínculo existente entre alimentante e alimentado (com ressalva aos alimentos
gravídicos).
 Alimentos provisionais: são alimentos que decorrem de outras ações que não
propriamente a ação de alimentos, que possui rito próprio (Lei 5.478/68). Em
outras ações, a fixação de alimentos terá esse caráter provisional. É a hipótese de
fixação de alimentos na ação de separação de corpos. Para a fixação dos alimentos
provisionais, a lei exige a prova do fumus boni iures e periculum in mora. É
importante lembrar que, no caso de violência doméstica, o juiz, ao analisar os
pedidos de medidas protetivas, poderá fixar os alimentos provisionais.
 Alimentos transitórios: são os alimentos em que são fixados por um período de
tempo em prol do ex-cônjuge ou ex-companheiro, a fim de que consiga se
reajustar e se realocar no mercado de trabalho. Tem o termo pré-determinado.
Como vimos, de acordo com a jurisprudência dominante, na atualidade, essa é a
regra.

7.1.4. REGRAS SOBRE A ORDEM PREFERENCIAL QUANTO AO PAGAMENTO DOS ALIMENTOS

A análise dos artigos 1.696 e 1.697 do Código Civil nos mostra qual é a ordem
preferencial no pagamento dos alimentos. Consoante referidos artigos, temos:
- primeiro a obrigação recai sobre pais e filhos entre si (reciprocidade);
- na falta destes, a obrigação cabe aos demais ascendentes, na ordem de sua
proximidade;
- na falta de ascendentes, a obrigação cabe aos descendentes, na ordem da sucessão;
- na falta de descendentes, a obrigação cabe aos irmãos.
Nessa análise da ordem preferencial, é preciso destacar a situação dos avós, os quais,
conforme entendimento jurisprudencial consolidado, possuem obrigação subsidiária
complementar (Súmula 596/STJ).
Ainda sobre a ordem preferencial, questiona-se se, em não havendo ascendentes,
descendentes e irmãos, seria possível estender a obrigação aos demais colaterais que não
somente aos irmãos. Exemplificando, se João não tem ascendentes vivos e nem tampouco
descendentes, inexistindo ainda irmãos. Nesse caso, tomando conhecimento de um tio com
boas condições financeiras, poderá exigir alimentos dele?
A pergunta tem razão de ser porquanto, em caso de sucessão, esses colaterais, na
ausência de descendentes, ascendentes e irmãos, irão se beneficiar em termos sucessórios. Se
podem se beneficiar, não poderiam também ser obrigados ao pagamento dos alimentos?
O STJ enfrentou a questão, concluindo que a obrigação alimentar decorre da lei, que
indica os parentes obrigados de forma taxativa e não enunciativa, sendo devidos os alimentos,
reciprocamente, pelos pais, filhos, ascendentes, descendentes e colaterais até o segundo grau,
não abrangendo, consequentemente, tios e sobrinhos (CC, art.1.697). 2.- Agravo Regimental
improvido. (AgRg no REsp 1305614/DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 17/09/2013, DJe 02/10/2013).

7.1.5. DIVISIBILIDADE E SOLIDARIEDADE NA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

A lei civil não prevê a solidariedade nos alimentos e esta não pode ser presumida. O
que há é a divisibilidade entre os vários eventuais devedores. Essa divisibilidade não se verifica
apenas entre devedores de uma mesma classe. Isto porque, conforme se extrai da leitura do
artigo 1.698/CC, vemos que esse dispositivo prevê a hipótese de o obrigado, em primeiro
lugar, não dispor de recursos para prover, integralmente o encargo, caso em que os parentes
de outra classe devem ser chamados para complementação do quantum debeatur.

396
Não obstante a regra, quanto à obrigação alimentar, seja a divisibilidade, o Estatuto do
Idoso inovou ao prever, no artigo 12, a solidariedade em favor do alimentando. Diz o referido
artigo que “a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores”
(artigo 12 do Estatuto do Idoso).

7.1.6. BASE DE CÁLCULO DE INCIDÊNCIA DOS ALIMENTOS

Quando os alimentos são fixados em percentual sobre os rendimentos do alimentante,


é preciso estar atento para a base de cálculo dessa incidência. Nesse ponto, a solução tem sido
dada pela jurisprudência.
Como regra geral, temos que o percentual fixado a título de alimentos incide sobre as
verbas remuneratórias. Só haverá incidência sobre as verbas indenizatórias (e sobre aquelas
equiparadas a verbas indenizatórias), se houver disposição expressa no acordo entre as partes.
Integram, assim, a base de cálculo:
- terço de férias;
- décimo terceiro salário;
- horas-extras.
Por outro lado, são verbas indenizatórias e equiparadas a verbas indenizatórias, que
por conseguinte não integram a base de cálculo:
- auxílio-acidente;
- auxílio-cesta;
- vale-alimentação;
- coeficiente de correção cambial (para servidores públicos trabalhando no exterior
- aviso-prévio indenizado.

7.1.7. A PRISÃO CIVIL COMO CONSEQUÊNCIA PELO NÃO PAGAMENTO DOS ALIMENTOS

Se o alimentante não paga os alimentos, será ele chamado a pagar, provar que o fez
ou comprovar a impossibilidade do não pagamento, limitada a cobrança, pelo rito da prisão, às
parcelas vencidas nos três meses imediatamente anteriores (súmula 309/STJ). Com o pedido,
todas as demais prestações que se vencerem estarão abrangidas no rito da prisão. Essa prisão
tem natureza coercitiva e não propriamente punitiva.
É o que se extrai da leitura do caput do artigo 528/NCPC que determina que no
cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão
interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o
executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a
impossibilidade de efetuá-lo.
É importante destacar que diferentemente do que é erroneamente divulgado, o credor
de alimentos não precisa aguardar três meses para promover a cobrança das prestações em
atraso. Nesse sentido, confira-se Enunciado n. 147, aprovado na II Jornada de Direito
Processual Civil do Conselho da Justiça Federal, em setembro de 2018: “basta o
inadimplemento de uma parcela, no todo ou em parte, para decretação da prisão civil prevista
no art. 528, § 7.º, do CPC”.
O artigo 528, §2º, do NCPC prevê que somente a comprovação de fato que gere a
impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento. Aqui se vê a construção
trazida há tempos pela doutrina e consolidada pela jurisprudência, que sempre caminhou
majoritariamente no sentido de que somente a impossibilidade do executado prover as
próprias expensas, definitiva ou temporariamente, e principalmente, de forma involuntária, é
que serviria como justificativa para o não pagamento de um valor cobrado em execução. Neste
sentido se posiciona LOBO (2017, p.388).

397
Se promovida a cobrança, o devedor optar por justificar o não pagamento, caso essa
justificativa não seja aceita, o juiz poderá, em se tratando de alimentos legais, além de
determinar o protesto da decisão judicial (novidade que não existia na legislação processual
anterior), decretar a prisão civil do devedor de alimentos.
Essa prisão será cumprida em regime fechado, ficando, entretanto, o alimentante
separado dos presos comuns. Segundo o STJ, o advogado que tenha contra si decretada prisão
civil por inadimplemento de obrigação alimentícia não tem direito a ser recolhido em sala de
Estado Maior ou, na sua ausência, em prisão domiciliar (Informativo 551/STJ).
Quanto ao prazo de prisão do devedor de alimentos, o Código de Processo Civil prevê
que poderá ser decretada pelo prazo de 1 a 3 (art. 528, §3º, NCPC). Esse prazo reproduz a
previsão do Código de Processo Civil anterior, mas diverge da previsão da Lei de Alimentos,
para a qual o limite máximo seriam 60 dias.
Sobre a divergência dos prazos previstos em diferentes legislações ainda em vigor,
Flávio Tartuce faz importantes observações ao afirmar que

no novo sistema, o prazo de prisão civil do CPC/2015 – reafirme-se, de um a três


meses –, passa a ser aplicado aos alimentos definitivos e provisórios, por expressa
previsão do seu art. 531, caput. Em relação aos alimentos provisionais, não há
qualquer disposição no Estatuto Processual emergente, o que pode levantar dúvida
de sua retirada do sistema. Todavia, em muitos casos concretos, tais alimentos são
utilizados para satisfazer os interesses de filhos não reconhecidos, que ainda não
têm a prova pré-constituída da obrigação alimentar, ou seja, que ainda não têm a
certidão de nascimento para a prova do vínculo de filiação. Ora, soaria
inconstitucional a não possibilidade de prisão em casos tais, por infringência ao
princípio da igualdade entre os filhos, constante do art. 227, § 6.º, da Constituição
Federal. Sendo assim, parece-nos que os alimentos provisionais continuam no
sistema, aplicando-se para tais verbas a regra do art. 19 da Lei de Alimentos,
especialmente pelo uso do termo para a instrução da causa. Em apurada síntese, a
nosso ver, para os alimentos provisionais a prisão deve ser de até 60 dias
(TARTUCE, 2020, p. 2099).

Outro ponto de discussão sobre a prisão decorrente de obrigação alimentícia diz


respeito à possibilidade de revogação da prisão em caso de pagamento parcial ou se somente
o pagamento integral evitaria e/ou revogaria uma prisão decretada por inadimplemento
alimentar.
Sobre esse tema, no julgamento do HC 363.573/SP, o STJ entendeu que pagamentos
parciais não são suficientes a obstaculizar o rito da coerção pessoal, nem torna ilegal a
ordem de prisão, que só se debela diante do integral pagamento do débito (HC 363.573/SP,
Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe
25/10/2016).
Porém, no âmbito do TJDFT, encontramos decisões entendendo que o fundamento
para a edição da Súmula 309 do STJ é de que a prisão do alimentante só se justifica em razão
da urgente necessidade do alimentando, que precisa dos alimentos para a sua subsistência. O
pagamento das três últimas parcelas da pensão alimentícia autoriza a revogação da ordem de
prisão em razão da perda do caráter emergencial da medida (Acórdão n. 986474,
20160020482583HBC, Relator: CARMELITA BRASIL 2ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento:
07/12/2016, Publicado no DJE: 13/12/2016. Pág.: 201/228).
Ainda sobre a prisão por dívida de alimentos, é importante fazer uma observação
sobre a possibilidade de prisão civil por ato ilícito.

398
Os alimentos são classificados em legítimos, voluntários e indenizatórios. Os legítimos
são oriundos do vínculo familiar. Os voluntários decorrem da vontade das partes. Por fim, os
indenizatórios, ou seja, aqueles que nascem em razão da prática do ato ilícito.
Diante disso, o STJ entendeu que não pode ser decretada a prisão civil do devedor de
alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito [STJ. 4ª Turma. HC 523.357-MG, Rel. Min.
Maria Isabel Gallotti, julgado em 01/09/2020 – informativo de jurisprudência n. 681].
Os alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito possuem natureza indenizatória
[arts. 948, 950 e 951 do Código Civil] e, portanto, não se aplica o rito excepcional da prisão civil
como meio coercitivo para o adimplemento. Assim, caso uma pessoa seja condenada ao
pagamento de alimentos em razão da prática de um homicídio, por exemplo, e deixar de
adimplir essa obrigação, não será preso como meio coercitivo.
Por fim, não se pode deixar de mencionar a questão da prisão civil e a pandemia que
aflige o mundo.
Assim, deve ser observada a decisão proferida pelo ilustre Ministro Paulo de Tarso
Sanseverino, publicada em 30/03/2020, nos autos do Habeas Corpus nº 568.021/CE, no qual se
estendeu a todos os presos por dívidas alimentícias no país a liminar deferida no mencionado
writ, no sentido de garantir prisão domiciliar, em razão da pandemia de Covid-19.
Assim, diante do iminente risco de contágio pelo Covid-19, bem como em razão dos
esforços expendidos pelas autoridades públicas em reduzir o avanço da pandemia, é
recomendável o cumprimento da prisão civil por dívida alimentar em prisão domiciliar [HC
561.257-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020,
DJe 08/05/2020 – informativo de jurisprudência n. 671].

7.1.8. EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

A obrigação de prestar alimentos se extingue com nas seguintes hipóteses:

 morte do credor: porquanto personalíssima a obrigação;


 maioridade do alimentando: quando os alimentos são fixados em favor do
filho menor, a maioridade pode ensejar a extinção da obrigação, lembrando
que a súmula 358 do STJ estabelece que “O cancelamento de pensão
alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial,
mediante contraditório, ainda que nos próprios autos”. Estando o filho ainda
cursando a faculdade, o dever de pagar alimentos se estende, em regra, até os
24 anos;
 novo casamento ou nova união estável: quando os alimentos são fixados em
favor de ex-cônjuge ou ex-companheiro(a), caso haja novo casamento ou nova
união do alimentando(a), haverá motivo para extinção da obrigação alimentar
(art. 1.708/CC). O casamento do alimentante, entretanto, não importa em
extinção da obrigação, mas pode gerar uma mudança no binômio ou trinômio
(necessidade, possibilidade e proporcionalidade), a justificar a revisão dos
alimentos;
 comportamento indigno do credor em relação ao devedor: é uma inovação
trazida no artigo parágrafo único do artigo 1.708/CC.
Em se tratando de reconhecimento voluntário de paternidade com alimentos, em caso
de acordo celebrado entre as partes, existindo omissão sobre o termo inicial do pagamento da
pensão alimentícia, esses devem incidir desde a citação ou a partir da homologação do ajuste?

399
É importe ressaltar que o § 2º do art. 13 da Lei de Alimentos [Lei. 5.478/68] é
suficientemente claro ao determinar que, em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à
data da citação. Essa é a regra.
E se a lei diz expressamente que em qualquer caso eles retroagem, não cabe ao
intérprete fazer restrições onde o legislador não as fez, de modo que não há justificativa para
que os alimentos fixados em acordo celebrado em ação investigatória de paternidade não
recebam o mesmo tratamento, sob o singelo argumento de que o ajuste foi omisso a respeito
do seu termo inicial.
Para excepcionar tal norma, que é a regra, o acordo celebrado entre os litigantes a
respeito dos alimentos deveria expressamente ter previsto que tal verba alimentar seria
devida somente a partir da sua homologação judicial, o que não ocorreu.
Nessa senda, na ausência de expressa previsão no acordo de alimentos a respeito do seu
termo inicial, deve prevalecer o disposto no § 2º do art. 13 da Lei n. 5.478/1968 (Lei de
Alimentos), segundo o qual, em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da
citação [REsp 1.821.107-ES, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado
em 10/03/2020, DJe 12/03/2020 – Informativo de jurisprudência n. 667].

7.1.9. ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Importante inovação foi lançada pela Lei nº 11.804/08, ao prever os alimentos


gravídicos, para os quais o fato gerador do direito subjetivo é a gravidez.
Nas ações de alimentos gravídicos, entende-se que a parte legitimada para pleiteá-los
é a genitora, sendo que, uma vez nascida a criança, essa passa ser a titular do direito,
legitimada inclusive para eventual execução das parcelas em atraso
No julgado REsp 1415727 / SC, o STJ utiliza os alimentos gravídicos para fundamentar a
existência de direitos do nascituro (nascituro como pessoa), afirmando que a titularidade
desse direito seria do nascituro e não da genitora.
A fixação desses alimentos não exige prova cabal da paternidade: apenas a existência
de meros indícios.
Com o nascimento, os alimentos convertem-se em favor da criança.

7.1.10. OBRIGAÇÃO AVOENGA

Como já dito, a obrigação avoenga não é uma obrigação solidária, já que a


solidariedade deve sempre ser expressa e não há dispositivo legal prevendo que avós são
solidários no dever de pagar alimentos. Somente o Estatuto do Idoso traz previsão de
solidariedade em benefício do idoso, o que não é a hipótese da obrigação avoenga. Para esse
tipo de obrigação, prevê a súmula 596/STJ que “A obrigação alimentar dos avós tem natureza
complementar e subsidiária, somente se configurando no caso da impossibilidade total ou
parcial de seu cumprimento pelos pais.”
Ademais, o STJ já decidiu que a ação contra os avós não precisa, necessariamente, ser
proposta contra todos os avós. Não se trata, nesse caso, de litisconsórcio necessário. Na
hipótese da ação ser promovida apenas em desfavor de um dos avós, o demandado poderá
indicar os demais, caso em que ter-se-á um litisconsórcio passivo ulterior facultativo simples.
Esse é o entendimento do TJDFT esboçado no julgado de Relatoria da Des. Simone, segundo o
qual a possibilidade de convocação de outros co-devedores, configura modalidade autônoma
de intervenção de terceiros promovida pelo ré (intervenção coacta e autônoma) (TJDFT,

400
Acórdão n.933198, 20150020268552AGI, Relator: SIMONE LUCINDO 1ª TURMA CÍVEL, Data de
Julgamento: 06/04/2016, Publicado no DJE: 27/04/2016. Pág.: 112-132).

7.1.11. ALIMENTOS ENTRE EX-CÔNJUGES.

Dispõe o art. 1.694, caput, do CC/02 que: "Podem os parentes, os cônjuges ou


companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo
compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua
educação".
A lei do divórcio [Lei. n.6.515/77] previa a cessação dos deveres de coabitação e
fidelidade, concluindo-se que o dever material seria mantido durante a separação, podendo
extinguir-se quando do divórcio [arts. 50 e 26]. Porém, o art. 19 limitava os alimentos ao
cônjuge "inocente" que deles necessitasse.
Com o advento do CC/02, ainda que não tenha havido a revogação da lei do divórcio,
a impropriedade contida no texto desta foi sanada, por meio do art. 1.704, caput, que traz em
sua redação: "Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será
o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido
declarado culpado na ação de separação judicial".
A discussão da culpa está cada vez mais esvaziada no ordenamento civil. Todavia, em
alimentos ela ainda subsiste. Contudo, estando ela presente os alimentos serão os básicos
para viver, enquanto que, se não houve culpa os alimentos acompanham o padrão de vida que
o cônjuge possuía quando casado.
Contudo, a questão dos alimentos entre ex-cônjuges vem sofrendo mudanças.
É cada vez mais firme o entendimento de que os alimentos devidos entre ex-
cônjuges têm caráter excepcional e transitório, salvo quando presentes particularidades que
justifiquem a prorrogação da obrigação, tais como a incapacidade laborativa, a impossibilidade
de reinserção no mercado de trabalho ou de adquirir autonomia financeira.
Isso é uma evolução que o tema vem sofrendo em razão de cada dia mais, as
mulheres conquistarem seu espaço no mercado de trabalho.
Assim, o STJ entendeu que a desoneração dos alimentos fixados entre ex-cônjuges
deve considerar outras circunstâncias, além do binômio necessidade-possibilidade, tais como a
capacidade potencial para o trabalho e o tempo de pensionamento [REsp 1.829.295-SC, Rel.
Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020,
DJe 13/03/2020 – Informativo de jurisprudência n. 669].

7.2. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

7.2.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Ação de ALIMENTOS. Mecanismo de integração posterior


do polo passivo. Natureza jurídica. Litisconsórcio facultativo ulterior simples. Art.
1.698 do cc/2002. Autor com plena capacidade processual. Exclusividade. A
majoritária doutrina, ao interpretar o art. 1.698 do cc/2002, que trata do
litisconsórcio facultativo ulterior simples, tem se posicionado no sentido de que a
obrigação alimentar não é solidária, mas, sim, divisível, ao fundamento de que não
há disposição legal que autorize a cobrança integral do valor de apenas um dos
codevedores, que arcam apenas com a cota que puder prestar, no limite de suas
possibilidades. A despeito da convergência acerca da divisibilidade da obrigação
alimentar, remanesce amplo dissenso doutrinário acerca do mecanismo processual
a ser adotado para que se promova a integração, ao polo passivo, dos demais
devedores que não foram inicialmente demandados pelo credor, bem acerca da

401
legitimidade para requerer essa posterior integração. É correto afirmar que a
primeira definição da necessidade dos ALIMENTOS incumbe essencialmente ao
autor, a quem caberá delinear, na causa de pedir de sua petição inicial, quais são os
custos e as despesas necessárias à sua sobrevivência digna, cabendo-lhe ainda
mensurar, a partir desse quadro, quais, entre os potenciais obrigados, possuiriam a
capacidade financeira de arcar com os ALIMENTOS necessários, inserindo no polo
passivo aqueles aptos a suportar integralmente a pretensão deduzida. Assim,
quando se tratar de credor de ALIMENTOS que reúna plena capacidade processual,
cabe a ele, exclusivamente, provocar a integração posterior do polo passivo,
devendo a sua inércia ser interpretada como concordância tácita com
os ALIMENTOS que puderem ser prestados pelo réu por ele indicado na petição
inicial, sem prejuízo de eventual e futuro ajuizamento de ação autônoma
de ALIMENTOS em face dos demais coobrigados. Contudo, nas hipóteses em que
for necessária a representação processual do credor de ALIMENTOS incapaz, cabe
também ao devedor provocar a integração posterior do polo passivo, a fim de que
os demais coobrigados também componham a lide, inclusive aquele que atua como
representante processual do credor dos ALIMENTOS, bem como cabe provocação
do ministério público, quando a ausência de manifestação de quaisquer dos
legitimados no sentido de chamar ao processo os demais coobrigados possa causar
prejuízos aos interesses do incapaz. No que tange ao momento processual
adequado para a integração do polo passivo pelos coobrigados, cabe ao autor
requerê-lo em sua réplica à contestação; ao réu, em sua contestação; e ao
ministério público, após a prática dos referidos atos processuais pelas partes,
respeitada, em todas as hipóteses, a impossibilidade de ampliação objetiva ou
subjetiva da lide após o saneamento e organização do processo, em homenagem
ao contraditório, à ampla defesa e à razoável duração do processo. RESP
1.715.438-RS, rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 13/11/2018,
dje 21/11/2018. (INF. 638).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Prisão civil por ALIMENTOS. Obrigação alimentar


avoenga. Natureza complementar e subsidiária. Existência de meios executivos e
técnicas mais adequadas. Desnecessidade da medida coativa extrema. Rata-se
de HABEAS CORPUS em que se discute a possibilidade de ser mantida ordem de
prisão civil em virtude de dívida de natureza alimentar assumida espontaneamente
pelos avós, relacionada ao custeio de mensalidades escolares e de cursos
extracurriculares dos netos. Com efeito, não se pode olvidar que, na esteira da
sólida jurisprudência desta corte, a responsabilidade pela prestação
de ALIMENTOS pelos avós possui, essencialmente, as características da
complementariedade e da subsidiariedade, de modo que, para estender a
obrigação alimentar aos ascendentes mais próximos, deve-se partir da constatação
de que os genitores estão absolutamente impossibilitados de prestá-los de forma
suficiente. O fato de os avós terem assumido uma obrigação de natureza
complementar de forma espontânea não significa dizer que, em caso de
inadimplemento, a execução deverá obrigatoriamente seguir o rito estabelecido
para o cumprimento das obrigações alimentares devidas pelos genitores, que são,
em última análise, os responsáveis originários pela prestação
dos ALIMENTOS necessários aos menores. Não há dúvida de que o
inadimplemento causou transtornos aos menores; todavia, sopesando-se os
prejuízos que seriam causados na hipótese de manutenção do decreto prisional dos
idosos, conclui-se que a solução mais adequada à espécie é autorizar a conversão
da execução para o rito da penhora e da expropriação, o que, a um só tempo,
homenageia o princípio da menor onerosidade da execução (art. 805 do cpc/15) e
também o princípio da máxima utilidade da execução. Registre-se, por fim, que, a
depender do grau de recalcitrância manifestado pelos pacientes, poderá o juízo de
1º grau empregar outros meios de coerção ou sub-rogação, tais como aqueles
estabelecidos nos arts. 528, § 3º, 529, 831 e seguintes da novel legislação

402
processual civil. HC 416.886-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado
em 12/12/2017, dje 18/12/2017. (INF. 617).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Alimentos gravídicos. Garantia à gestante. Proteção do


nascituro. Nascimento com vida. Extinção do feito. Não ocorrência. Conversão
automática dos alimentos gravídicos em pensão alimentícia em favor do recém-
nascido. A ação de alimentos gravídicos não se extingue ou perde seu objeto com
o nascimento da criança, pois os referidos alimentos ficam convertidos em pensão
alimentícia até eventual ação revisional em que se solicite a exoneração, redução
ou majoração de seu valor ou até mesmo eventual resultado em ação de
investigação ou negatória de paternidade ponto nodal do debate se limita a saber
se os alimentos concedidos durante a gestação podem ser convertidos
automaticamente em pensão alimentícia em favor da criança, logo após seu
nascimento. Nesse ponto, o parágrafo único do artigo 6º da Lei n 11.804/2008 é
expresso ao afirmar que, com o nascimento com vida da criança,
os alimentos gravídicos concedidos à gestante serão convertidos em pensão
alimentícia em favor do recém-nascido. Interpretando o referido texto da lei, tem-
se que tal conversão dar-se-á de forma automática, sem necessidade de
pronunciamento judicial, tendo em vista que o dispositivo legal acrescenta ao final:
"até que uma das partes solicite a sua revisão". Portanto, os alimentos gravídicos
ficam convertidos em pensão alimentícia até eventual ação revisional em que se
solicite a exoneração, redução ou majoração do valor dos alimentos ou até
mesmo eventual resultado em ação de investigação ou negatória de paternidade.
Tal conversão automática não enseja violação à disposição normativa que exige
indícios mínimos de paternidade para a concessão de pensão alimentícia provisória
ao menor durante o trâmite da ação de investigação de paternidade. Isso porque,
nos termos do caput do art. 6º da Lei n. 11.804/2008, para a concessão
dos alimentos gravídicos já é exigida antes a comprovação desses mesmos indícios
da paternidade. O intuito da lei foi garantir a preservação do melhor interesse do
menor em ter mantido os alimentos, já concedidos na gestação, enquanto se
discute a paternidade na ação investigatória. A conversão automática da obrigação
e a transferência da titularidade dos alimentos, sem a necessidade de
pronunciamento judicial ou de pedido expresso da parte, garantem maior
celeridade na prestação jurisdicional, além de facilitar o acesso à Justiça e favorecer
de logo a solução de mérito da demanda, buscada pelo novo Código de Processo
Civil que, em seu art. 4º, dispõe que "as partes têm o direito de obter em prazo
razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa". Rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 6/6/2017, dje 22/6/2017.
(INF. 606).

8. TUTELA E CURATELA

8.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Em uma análise preliminar, importante traçar a diferença entre institutos que, por
vezes, são confundidos, quais sejam: a tutela e a curatela. A tutela tem por escopo resguardar
os interesses do menor ainda não emancipado enquanto a curatela refere-se à proteção do
maior, em situações excepcionais.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência promoveu uma série de alterações em matéria
de capacidade da pessoa maior de 18 anos, de forma que a pessoa com deficiência, para todos
os efeitos, é capaz. Com o Estatuto do Deficiente, somente os menores de 16 anos são, na
atualidade, considerados absolutamente incapazes para os atos da vida civil.

403
8.1.1. TUTELA

O art. 1.728/CC estabelece que os filhos menores são postos sob tutela quando:
 os pais falecem;
 os pais estão ausentes;
 os pais estão destituídos do poder familiar.
Assim, a tutela pressupõe a perda ou a suspensão do poder familiar, por parte dos
pais. Vê-se, então, que uma primeira conclusão é de que a tutela é incompatível com o
exercício do poder familiar, de forma que ambos não podem ser exercidos simultaneamente
em relação às mesmas crianças e/ou adolescentes.
Em sendo a hipótese de tutela, a criança ou adolescente terá, em sua proteção, a
figura de um tutor.
Em relação à origem, a tutela pode ser dividida em três categorias:
 Tutela testamentária: que, como o próprio nome diz, decorre da manifestação em
testamento, no sentido de se nomear um tutor para a hipótese de falecimento dos
pais.
 Tutela legítima: não havendo nomeação testamentária de tutor, e estando a
criança ou adolescente órfã(o) ou não mais sob o poder familiar dos genitores, a
tutela decorrerá da previsão da lei. Nesse sentido, diz o art. 1.731/CC diz que
incumbe aos parentes consanguíneos do menor na seguinte ordem: ascendente e
colateral até o 3º grau, do mais próximo ao mais remoto.
 Tutela dativa: não tendo parentes, e nem colateral até o 3º grau, ou seja, na falta
de tutela testamentária e legítima, o juiz irá nomear tutor idôneo e que resida no
domicílio do menor.
Quando a situação abrange mais de um irmão em situação de tutela, a legislação prevê
a nomeação de apenas um tutor para todos (art. 1.733/CC). É a aplicação do denominado
princípio da unicidade da tutela.
O art. 1.735/CC diz que não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a
exerçam:
 quem não tiver a livre administração de seus bens (ex.: pródigo);
 aqueles que tiverem obrigação para com o menor, ou tiverem crédito contra o
menor, ou estiver em demanda contra o menor, ou ainda que seus parentes
estejam com demanda contra o menor;
 inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente
excluídos da tutela;
 condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a família ou
os costumes;
 pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso
em tutorias anteriores;
 aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa administração da
tutela (ex.: juiz, MP, delegado, etc.).
O art. 1.736/CC diz que podem se escusar da tutela:
 mulheres casadas;
 maiores de 60 anos;
 aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de 3 filhos;
 impossibilitados por enfermidade;

404
 aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela;
 aqueles que já exercerem tutela ou curatela;
 militares em serviço.
Quando o menor tiver parentes que possam exercer a tutela, aquele que, não sendo
parente, for indicado para tanto, pode recusar o múnus, não estando, portanto, obrigado a
aceitar a condição de tutor. É o que estabelece o artigo 1.737/CC.
O art. 1.738/CC diz que o prazo decadencial é de 10 dias para manifestação de escusa
por parte do nomeado tutor. Entretanto, o NCPC, sobre a mesma matéria, no art. 760,
estabelece prazo menor de 5 dias. Como se trata de legislação posterior de mesma hierarquia,
deve-se entender que o NCPC revogou, nesse particular, o CC, devendo prevalecer o prazo do
NCPC.
O art. 1.740/CC traz as incumbências do tutor no exercício do seu múnus público, a
saber:
 dirigir a educação do menor, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme os seus
haveres e condição;
 reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o menor haja
mister correção;
 cumprir com os demais deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a
opinião do menor, se este já contar 12 anos de idade.
A atuação do juiz em feitos que versem sobre tutela é ainda mais importante
porquanto é ele quem fiscaliza a atuação do tutor. Entretanto, é possível a nomeação, para
essa fiscalização do tutor, de um pró-tutor (art. 1.742/CC).
O artigo 1.744/CC trata da responsabilidade do juiz, nos processos de tutela.
Consoante esse artigo, essa responsabilidade será direta e pessoal, quando não tiver nomeado
o tutor, ou não o houver feito oportunamente; podendo ser subsidiária, quando não tiver
exigido garantia legal do tutor, nem o removido.
Entende-se que nesses dois casos de responsabilização do juiz, é preciso a
comprovação de culpa e não necessariamente de dolo.
Os bens do menor serão entregues ao tutor, através de um inventário de bens (art.
1.745/CC). Se o patrimônio for de considerável valor, o parágrafo único desse artigo 1.745/CC
diz que o juiz poderá exigir a caução para o exercício da tutela.
Se o menor possuir bens, será o menor sustentado por esses bens.
O tutor representará o menor até os 16 anos deste e, após os 16 anos, irá assisti-lo. O
artigo 1.747/CC traz outras competências do tutor no exercício da tutela.
Algumas incumbências do tutor, entretanto, exigem anuência do juiz, tais como (art.
1.748/CC):
 pagamento de dívida do menor;
 aceitação, pelo menor, de herança, legado ou doação, com ou sem encargo;
 transação ou celebração de contrato visando extinguir dívida;
 venda de bens móveis ou imóveis do menor;
 propositura de ações em juízo e promoção de todas as diligências a bem deste,
assim como a defesa nos pleitos contra ele movidos.
Ainda que com autorização do juiz, o tutor não poderá praticar, ou seja, são atos
vedados ao tutor (art. 1.749/CC):
 adquirir para si bens móveis ou imóveis pertencentes ao menor;

405
 dispor dos bens do menor a título gratuito;
 constituir o tutor como cessionário de crédito ou de direito, contra o menor.
A prática de qualquer dessas hipóteses importará em nulidade absoluta do ato.
Antes de assumir a tutela, o tutor declarará tudo que o menor lhe deve, sob pena de
não poder lhe cobrar posteriormente, enquanto estiver exercendo a sua tutoria. A única
exceção é a hipótese de o tutor não ter conhecimento desse débito à época da tutoria.
Em matéria de responsabilidade, o artigo 1.752/CC estabelece que o tutor responde
pelos prejuízos que, por sua culpa ou dolo de sua parte, causar ao tutelado. Há uma
responsabilidade subjetiva do tutor pelo tutelado, ressaltando o §2º do mesmo artigo que há
solidariedade entre as pessoas às quais competia fiscalizar a atividade do tutor e as que
concorreram para o dando.
Assim é que, quem tinha o dever de fiscalizar o tutor, como é o caso do pró-tutor e do
juiz, ou qualquer pessoa que tenha concorrido culposamente para o prejuízo experimentado
pelo tutelado, será solidariamente responsável pelos prejuízos. Lembre-se que a solidariedade
não pode ser presumida e, na hipótese, há previsão expressa de sua ocorrência.
Pelos atos do tutelado em face de terceiros, o tutor responde objetivamente. É a
responsabilidade objetiva indireta, visto que, no caso, a lei não exige a prova da culpa do tutor,
mas é preciso demonstrar que houve culpa do tutelado.
Por outro lado, o tutor tem direito de ser pago pelo que gastar no exercício de sua
tutoria. É o direito de reembolso previsto no artigo 1.752/CC, que prevê também, em benefício
do tutor, um montante que vai receber a título de compensação pela atuação e administração
dos bens do tutelado, guardando uma proporcionalidade com o valor dos bens do tutelado.
Conforme artigo 1.755/CC e seguintes, o tutor deverá prestar contas, mas, além disso,
a lei exige que o tutor faça um balanço anual, a ser demonstrado ao juiz, cabendo a este, após
análise, aprovar o balanço.
Além desse balanço anual, a legislação prevê que a cada dois anos seja apresentada a
prestação de contas ao juiz. Esse procedimento tem trâmite nos próprios autos da nomeação
da tutoria. A competência dependerá da Lei de Organização Judiciária, sendo que, em regra,
tramitará perante a Vara da Infância, mas não existindo essa Vara na Comarca, a competência
será da Vara de Família ou mesmo Vara Cível.
Encerrada a tutela, ainda que dê quitação, essa quitação não produzirá efeitos
enquanto não forem aprovadas as contas pelo juiz.
No art. 1.763/CC, o legislador trata de situações de extinção da tutela, a saber:
 maioridade do tutelado;
 emancipação do tutelado;
 menor cair sob o poder familiar em razão de reconhecimento
paternidade/maternidade ou em razão de adoção;
Já no artigo 1.764/CC, o CC trata da hipóteses em que cessam as funções do tutor:
 ocorrer o termo final da tutoria;
 por uma escusa legítima do tutor;
 houver a remoção do tutor pelo juiz.
A remoção ou destituição do tutor caberá quando ele for negligente, prevaricador ou
incurso numa incapacidade (art. 1.766/CC).
O art. 1.761 do CC diz que incumbe ao MP, ou a quem tenha o legítimo interesse,
requerer a remoção do tutor ou curador. O parágrafo único desse dispositivo diz que o tutor

406
ou curador será citado para contestar essa alegação no prazo de 5 dias, e após seguirá o rito
comum.
Havendo extrema gravidade, o juiz poderá suspender, antes da decisão, o tutor ou
curador e nomear um tutor em caráter interino.
Nos termos do art. 1.765/CC, o tutor nomeado é obrigado a servir por espaço de dois
anos, podendo continuar no exercício da tutela, para além desse prazo, se o quiser e o juiz
julgar conveniente para o menor.

8.1.2. CURATELA

Se, como vimos, a tutela tem por escopo a proteção de pessoa ainda menor de idade,
a curatela, por sua vez, é um instituto que visa defender os maiores que tenham reconhecida
alguma incapacidade, havendo de um lado um curador e do outro um curatelado.
Sobre esse sistema de proteção àqueles que não têm condição de administração dos
próprios interesses e bens, vale a transcrição dos ensinamentos constantes de Caio Mário, no
sentido de que

com o instituto da curatela completa o Código, o sistema assistencial dos que não
podem, por si mesmos, reger sua pessoa e administrar seus bens. O primeiro é o
poder familiar, em que incorrem os menores sob direção e autoridade do pai e da
mãe; o segundo é a tutela, concedida aos órfãos e àqueles cujos pais foram
destituídos do poder familiar; o terceiro é a curatela, “encargo cometido a alguém,
para dirigir a pessoa e administrar os bens de maiores incapazes (PEREIRA, 2018, p.
472).

Assim, a curatela só vai incidir em relação ao maior, em situações especificadas em lei.


Com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15), houve uma grande
modificação quanto ao sistema das capacidades. De acordo com o novo Estatuto, são
considerados absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos. Hipóteses que antes
eram consideradas como de plena incapacidade, na atualidade já não mais subsistem.
De acordo com a reforma feita, são relativamente incapazes (art. 4º, CC):

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade;

IV - os pródigos.

A incapacidade é matéria de ordem pública e não se presume. Deve, dessa forma, ser
objeto de ação própria para sua constatação e tomada de devidas providências.
A ação para curatela tem procedimento previsto no NCPC, que estabelece a
legitimidade para sua promoção.
O art. 747 do novo CPC prevê que a ação de curatela pode ser promovida:

I – pelo cônjuge ou companheiro;

II – pelos parentes ou tutores;

407
III – pelo representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando;

IV – pelo Ministério Público, devendo a legitimidade ser comprovada por


documentação que acompanhe a petição inicial.

Sobre essa legitimidade, importante consideração deve ser feita em decorrência do


disposto no Estatuto do Deficiente. É que nesse diploma, há a previsão de legitimidade do
próprio curatelando (art. 87 do Estatuto) para o procedimento de nomeação de curador. Igual
disposição não foi seguida pelo NCPC.
No conflito das duas leis no tempo, temos que embora o NCPC tenha sido promulgado
antes do Estatuto, a entrada em vigor deste antecedeu a daquele, de modo que sendo o NCPC
posterior ao Estatuto, estaria revogada a norma que dá a legitimidade ao próprio curatelando.
Em relação a essa questão, vemos em Caio Mário que

apesar de o art. 747 não prever a possibilidade de a própria pessoa requerer sua
curatela – previsão esta feita pelo Estatuto –, não se pode negar tal iniciativa, em
razão da própria lógica de autodeterminação trazida pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência. Assim, não obstante a revogação do art. 1.780, que previa a curatela-
mandato, a possibilidade de requerimento da curatela pela própria pessoa se
mantém com a inclusão do inciso IV no art. 1.768 do CC pelo Estatuto, ainda que o
novo CPC não traga tal previsão (PEREIRA, 2018, p. 482).

Temos, dessa forma, que o pedido de nomeação de curador poderá ser promovido:
 pelo cônjuge ou companheiro;
 pelos parentes ou tutores;
 pelo representante da entidade que se encontra abrigado o curatelando;
 pelo próprio Ministério Público;
 pela própria pessoa (art. 1.768) – fazendo-se aqui as considerações constantes do
parágrafo anterior.
O art. 748 do NCPC diz que o MP só irá promover a ação em caso de doença mental
grave se as pessoas designadas acima não existirem ou não promoverem o procedimento de
nomeação de curador, ou se, estas pessoas existirem, não estiverem aptas para tanto por
eventual situação de curatela também.
Portanto, o MP terá uma legitimidade subsidiária.
O art. 752/NCPC diz que o MP intervirá como fiscal da ordem jurídica nas ações de
interdição as quais ele não propõe.
Se houver urgência, o juiz poderá nomear um curador provisório para o curatelando, a
fim de praticar determinados atos.
Nessa linha, o curatelando será citado para no dia designado comparecer ao juiz,
sendo entrevistado acerca de sua vida, negócios, parentes, bens, vontades, preferências, etc. A
ideia é para que o juiz possa perceber o nível de discernimento do curatelando.
Caso o curatelando não possa se deslocar até o juízo, o juiz irá ouvi-lo no local onde
estiver,
No prazo de 15 dias da entrevista, o curatelando poderá impugnar o pedido de
curatela. Caso não tenha constituído um advogado, nomeará o juiz um curador especial.
Passados 15 dias, o juiz determinará a produção de prova pericial para avaliar a efetiva
situação do curatelando. O laudo pericial vai indicar para quais atos que o curatelado
necessitará da participação do curador.

408
A ideia é a de que o exercício da curatela seja o menor possível, e segundo as
potencialidades da pessoa, conferindo-se ao curatelado o mais amplo exercício dos direitos,
em especial aqueles ligados a sua existência como pessoa humana.
Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do
curatelando.
O art. 1.775/CC estabelece que o cônjuge ou companheiro, não separado
judicialmente ou de fato, é de direito o curador do outro. É o curador escolhido pela lei.
Se o curador é o cônjuge, e estão eles casados sob o regime universal de bens, esse
cônjuge não é obrigado a prestar contas, salvo se houver uma determinação judicial
fundamentada em sentido contrário.
Na ordem de preferência, não sendo o curatelando casado e ainda não vivendo em
união estável, a nomeação de curador será preferencialmente de um de seus ascendentes.
Não havendo ascendentes, o curador será o descendente que se mostrar mais apto.
Não havendo descendentes, o curador será dativo, nomeado pelo juiz.
Essa ordem legal pode, entretanto, ser desconsiderada, sempre em observância ao
melhor interesse do curatelado.
O art. 1.775-A/CC inovou, trazendo a possibilidade da denominada curatela
compartilhada.
O art. 754/NCPC diz que, apresentado o laudo, produzidas as demais provas e ouvidos
os interessados, o juiz proferirá sentença. Na sentença, o juiz deverá nomear o curador. Na
mesma sentença, o juiz irá fixar os limites da curatela.
Conforme o NCPC, art. 757, a autoridade do curador vai se estender à pessoa e aos
bens do incapaz que se encontrava sob guarda e responsabilidade do curatelado. Ex.: o
curatelado tem 40 anos e o filho tem 12 anos. O curador do curatelado vai assumir a tutela do
menor, salvo se o juiz entender outra situação mais conveniente. É o princípio da unicidade de
curatela/tutela.
O §3º do art. 755 do NCPC diz que a sentença de interdição será inscrita no Registro de
Pessoas Naturais, publicada no site do Tribunal, na plataforma do CNJ e deverá permanecer
por 6 meses. Visa assegurar o princípio da publicidade.
Grande discussão gira em torno dos efeitos da sentença que reconhece a incapacidade
de uma pessoa. A pergunta refere-se à nulidade ou não dos atos praticados antes do
reconhecimento da incapacidade.
Em recentes julgados, o STJ entendeu que os efeitos da sentença, no caso, são ex nunc,
de modo que prevalecem os atos jurídicos praticados antes do reconhecimento da
incapacidade (AgInt no AREsp 1480137 / MG AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL 2019/0093218-9). Nesses julgados, o STJ consagrou a tese da natureza constitutiva
da sentença de interdição, de modo que produz efeitos ex nunc, salvo expresso
pronunciamento judicial em sentido contrário (AgInt no REsp 1705385/SP
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2014/0345411-3).
As pessoas que não puderem exprimir a sua vontade serão relativamente incapazes, as
quais receberão todo o apoio para manter a sua convivência familiar.
A convivência comunitária e familiar são prioritárias, de forma que o recolhimento de
uma pessoa em estabelecimento que afaste a convivência familiar e comunitária é
excepcional, ou seja, será a última medida. Caso não haja essa necessidade, poderá ficar em
casa e conviver com a família e a comunidade.

409
O art. 758 do NCPC diz que o curador deverá buscar o tratamento e o apoio
apropriados à conquista da autonomia daquele considerado relativamente incapaz.
Se houver a recuperação, haverá o levantamento da curatela.
Além disso, poderá a curatela ser levantada parcialmente, quando a incapacidade
daquele interdito, que era uma incapacidade maior, agora se restringiu. Quando demonstrada
a recuperação parcial, haverá o levantamento parcial da curatela. Tudo isso na ideia de que a
curatela somente deve ser utilizada nos limites do que efetivamente é necessário.
O Código Civil determina a aplicação residual das regras da tutela à curatela das. Isso
porque os fundamentos são os mesmos, conforme colocado no início do capítulo.

8.2. TOMADA DE DECISÃO APOIADA

Como já ressaltado, o Estatuto do Deficiente promoveu importantes alterações no


estudo das incapacidades. Seu conteúdo interfere tanto na análise do direito material, como
também no direito processual. A tomada de decisão apoiada é instituto introduzido pelo
Estatuto do Deficiente, que tem reflexos no direito material e também processual.
O art. 115 do Estatuto da Pessoa com Deficiência determinou que o Título IV do Livro
IV da Parte Especial do Código Civil passasse a vigorar com o seguinte título: “da Tutela, da
Curatela e da Tomada de Decisão Apoiada”. Especificamente, quanto à tomada de decisão
apoiada, houve a inclusão do art. 1.783-A ao Código Civil.
Segundo esse dispositivo, a tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual se
busca auxiliar a pessoa com deficiência para a prática de atos que se mostrem mais complexos.
Explicando o instituto, Daniel Carnicchioni ensina que

a tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege
pelo menos duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de
sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil,
fornecendo-lhe os elementos e informações necessários para que possa exercer
sua capacidade. (CARNACCHIONI, 2018, p. 1.637).

O §1º do art. 1.783-A, CC, diz que, para formular pedido de tomada de decisão
apoiada, a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem
os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de
vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem
apoiar.
O pedido de tomada de decisão será requerido pela pessoa que deseja ser apoiada,
indicando quais as pessoas aptas a prestarem esse apoio. Antes de se decidir sobre o pedido, o
juiz irá ouvir pessoalmente o requerente e também as pessoas indicadas para lhe prestar
apoio.
Como adverte Carnacchioni,

após a nomeação dos conselheiros/apoiadores, a decisão tomada por pessoa


apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja
inserida nos limites do apoio acordado. O terceiro com quem a pessoa apoiada
mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contra-assinem o
contrato ou acordo, especificando por escrito sua função em relação ao apoiado
(CARNACCHIONI, 2018, p. 1.638).

410
Questiona-se: e se houver divergência entre a pessoa apoiada e um de seus
apoiadores? Neste caso, o juiz irá decidir, suprindo a vontade de uma das partes discordantes.
Se o apoiador for negligente, se exercer pressão indevida sobre o apoiado, ou não
adimplir com as obrigações, a pessoa apoiada ou qualquer pessoa poderá denunciar ao juiz o
seu comportamento.
Sendo procedente essa denúncia, o juiz irá destituirá o apoiador, podendo ser
nomeado ou não um novo apoiador.
Além disso, a pessoa apoiada poderá, a qualquer tempo, solicitar o término do acordo
de tomada de decisão apoiada.
O apoiador poderá solicitar ao juiz a exclusão da sua participação do processo de
tomada de decisão apoiada.
É importante trazer à colação os dois enunciados aprovadas nas Jornadas de Direito
Civil – CJF, com o seguinte teor:
Enunciado 639 CJF: “A opção pela tomada de decisão apoiada é de legitimidade
exclusiva da pessoa com deficiência. A pessoa que requer o apoio pode manifestar,
antecipadamente, sua vontade de que um ou ambos os apoiadores se tornem, em caso de
curatela, seus curadores.”
Enunciado 640: “Art. 1.783‐A: “A tomada de decisão apoiada não é cabível, se a
condição da pessoa exigir aplicação da curatela.”

8.3. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

8.3.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Ação de levantamento de curatela. Propositura por


terceiros juridicamente interessados. Possibilidade. Legitimados. Art. 756, §1º, do
CPC/2015. Rol de natureza não exaustiva. O rol de legitimados do art. 756, §1º, do
CPC/2015, acerca dos possíveis legitimados para a ação de levantamento de
curatela, não é taxativo. O art. 756, §1º, do CPC/2015 ampliou o rol de legitimados
para o ajuizamento da ação de levantamento da curatela previsto no art. 1.186,
§1º, do CPC/1973, a fim de expressamente permitir que, além do próprio interdito,
também o curador e o Ministério Público sejam legitimados para o ajuizamento
dessa ação, acompanhando a tendência doutrinária que se estabeleceu ao tempo
do código revogado. É, portanto, possível afirmar que a razão de existir do art. 756,
§1º, do CPC/2015, até mesmo pelo uso pelo legislador do verbo "poderá", é de, a
um só tempo, enunciar ao intérprete quais as pessoas têm a faculdade de ajuizar a
ação de levantamento da curatela, garantindo-se ao interdito a possibilidade de
recuperação de sua autonomia quando não mais houver causa que justifique a
interdição, sem, contudo, excluir a possibilidade de que essa ação venha a ser
ajuizada por pessoas que, a despeito de não mencionadas pelo legislador, possuem
relação jurídica com o interdito e, consequentemente, possuem legitimidade para
pleitear o levantamento da curatela. É correto concluir, dessa forma, que o rol
previsto no dispositivo em questão não enuncia todos os legitimados a propor a
ação de levantamento da curatela, havendo a possibilidade de que outras pessoas,
que se pode qualificar como terceiros juridicamente interessados em levantá-la ou
modificá-la, possam propor a referida ação. REsp 1.735.668-MT, Rel. Min. Nancy
Andrighi, por unanimidade, julgado em 11/12/2018, DJe 14/12/2018 (INF. 640).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Ação de interdição. Ausência de interrogatório. Ausência


de nomeação de curador à lide. Nulidade. A ausência de interrogatório e a atuação

411
concomitante do Ministério Público como curador do interditando e como fiscal
da ordem jurídica dão ensejo à nulidade do processo de interdição. A questão que
exsurge na hipótese é decidir acerca da nulidade de processo de interdição em face
da ausência de interrogatório da interditanda e de nomeação de curador especial.
Inicialmente, cumpre ressaltar que o legislador tornou a intervenção ministerial
obrigatória, não só por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária, nos
termos do art. 1.105, do CPC/73, mas, principalmente, por envolver interesse de
incapaz e pela gravidade das consequências da declaração de incapacidade. A
despeito disso, a dúvida que exsurge reside na possibilidade, ou não, de o
Ministério Público atuar concomitantemente como fiscal da lei e como curador
especial no processo de interdição. Sobre o ponto, destaca-se que a função
de custos legis é a de fiscalizar a estrita aplicação da lei, o que não
necessariamente se compatibiliza com o interesse pessoal
do interditando. Consequentemente, a cumulação de funções pelo Ministério
Público pode levar à prevalência de uma das funções em detrimento da outra, o
que iria de encontro aos valores que o legislador visava resguardar ao estabelecer
regras especiais para o processo de interdição, bem como ao próprio art. 129, IX,
da Constituição Federal, em vista da antinomia existente entre a função de fiscal da
lei e os interesses particulares envolvidos. Tanto é assim que, de forma a dirimir a
incompatibilidade de funções, a Lei Complementar n. 80, de 12/1/1994 dispôs, em
seu art. 4º, XVI, ser a curadoria especial função da Defensoria Pública. No mesmo
sentido, o Código de Processo Civil de 2015 também endossou o entendimento
pela incompatibilidade, tendo retirado do ordenamento a possibilidade de o
Ministério Público participar do processo de interdição como curador especial e
incluído o art. 72, parágrafo único, segundo o qual: “A curatela especial será
exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei”. Desta forma – e considerando
que a ausência da referida nomeação constitui vício insanável em razão da
vulnerabilidade presumida do interditando – configura-se a nulidade absoluta do
processo de interdição. No que tange à necessidade de interrogatório, em que pese
o disposto no art. 1.109 do CPC/73 – que dispõe não ser o juiz obrigado a observar
critério de legalidade estrita na hipótese de procedimentos especiais de jurisdição
voluntária – é importante que o magistrado proceda ao exame pessoal por meio de
interrogatório, ainda que não possua conhecimentos que permitam a elaboração
de um diagnóstico. O exame a ser feito mediante interrogatório em audiência
pessoalmente pelo juiz não é mera formalidade. Ao contrário, é medida que
garante a participação e a própria defesa do interditando no processo. O Novo
Código de Processo Civil, inclusive, reformou o instituto, que passou a ser chamado
de “entrevista”, ampliando os temas a serem perquiridos pelo juiz quando do
exame pessoal, para que o interditando, sujeito de direito mais importante da
demanda, seja melhor compreendido e ressignificado. Nessa senda, não se extrai
do art. 1.109 do CPC/73 autorização para que o juiz deixe de praticar os atos
processuais inerentes ao procedimento, máxime quando se tratar daquele que
representa o direito de defesa da parte.
REsp 1.686.161-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em
12/9/2017, DJe 15/9/2017 (INF. 611).

9. UNIÃO ESTÁVEL

9.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

“Não há lei, nem de Deus nem dos homens, que proíba o ser humano de buscar a
felicidade.” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 9ª edição, Editora RT, São
Paulo, 2013).
O texto extraído da obra de Maria Berenice bem nos elucida a ideia que deve nortear
toda interpretação acerca do reconhecimento dos mais diversos modelos de família.
412
Por algum tempo, a união estável não teve reconhecimento e delineamento no
ordenamento jurídico pátrio, de forma que os direitos eventualmente reconhecidos em
relação às pessoas que se uniam sem o vínculo matrimonial giravam em torno da questão
patrimonial e não propriamente da consideração da existência de uma família.
Assim é que quando imaginamos que até 1977, não era possível o divórcio, as pessoas
que se separavam de fato e mantinham novo relacionamento eram denominadas concubinas
e, quando buscavam o judiciário para resguardo de direitos, não havia o reconhecimento dessa
entidade familiar. O que ocorria, era uma análise, na Vara Cível, à luz do direito obrigacional,
como sendo uma sociedade de fato.
Veremos a evolução da legislação acerca da união estável, mas desde já, é possível
dizer que o não reconhecimento da entidade familiar formada pela união de pessoas, inclusive
do mesmo sexo, representava uma séria violação a valores baseados no afeto, que se
justificam para além da questão patrimonial.
A Constituição Federal de 1988 foi um grande marco quanto ao reconhecimento da
união estável como entidade familiar, mas depois dela ainda houve um longo caminho
percorrido até chegarmos à configuração atual, que, respeitando a dignidade da pessoa
humana, reconhece igualmente como família a união de pessoas do mesmo sexo.

9.2. EVOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL

Como dito nas considerações gerais, a Constituição Federal foi um grande marco para
o reconhecimento da união estável como entidade familiar.
Antes da Constituição Federal de 1988, tínhamos que as relações ditas informais, que
se estabeleciam sem o vínculo matrimonial, eram consideradas sociedades de fato, expressão
que bem demonstra a importância dada unicamente à questão patrimonial. Em sendo
sociedade de fato, os bens adquiridos em comum eram divididos na medida do esforço de
cada convivente.
Nesse período, as uniões que se estabeleciam com o impedimento para o casamento,
como na hipótese do separado de fato que não podia se divorciar por ausência de previsão
legal (antes de 1977), eram consideradas concubinato, expressão que carregava certa dose de
discriminação.
Ainda nesse período, temos a aplicação da Súmula 380 do STF, surgida para tentar
resolver as questões patrimoniais relativas aos casais que estabeleciam essa convivência até
então não reconhecida pela lei. Estabelecia a súmula, in verbis: “Comprovada a existência de
sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do
patrimônio adquirido pelo esforço comum.”
Na ausência de legislação específica e aplicando-se o teor da súmula mencionada, o
que se vislumbrava, na época, nas hipóteses de desfazimento da relação, é que era muito
difícil, em especial para a mulher, provar a participação na aquisição do patrimônio. Recorde-
se que nesse período, a mulher ainda não tinha alcançado o grau de independência que
vislumbramos na atualidade. Em regra, cuidava dos afazeres do lar e, para os fins da súmula
380/STF, não tinha participação na aquisição do patrimônio, de forma que saia da relação sem
qualquer direito.
Em razão dessa flagrante injustiça, a jurisprudência da época passou a admitir pedidos
de indenização pelos serviços domésticos prestados,numa espécie de compensação em favor
da mulher (STJ, REsp 855.963/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 19/05/2011, DJe 26/05/2011).

413
Se hoje esse tipo de pedido parece violar os valores maiores da entidade familiar, em
especial o valor do afeto que não poderia ser trocado por qualquer quantia em dinheiro
(representada no caso pela indenização pelos serviços prestados), certo é que para o contexto
em que foram admitidas e fixadas essas indenizações, essa parecia a única forma de garantir
algum direito à mulher que saía de relações longas, porém não reconhecidas pela legislação da
época.
Só com a Constituição Federal de 1988, houve uma mudança positiva no sentido de
reconhecimento das uniões estáveis como entidades familiares. A Carta Magna de 1988,
então, em seu artigo 226, §3º, estabeleceu de forma expressa que:
Art. 226, § 3º, CF: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento.”
Todavia, é de se considerar que, muito embora a Constituição Federal tenha
representado uma grande conquista para o reconhecimento das uniões estáveis como
entidade familiar, certo é que logo após a promulgação da Carta Magna, passou-se a discutir
se a norma do §3º do artigo 226 seria autoaplicável ou dependeria de regulamentação. Em
razão disso, muitas ações que buscavam o reconhecimento da entidade familiar continuavam
tramitando em varas cíveis e tendo a abordagem apenas patrimonial.
Foi, então, necessária a regulamentação por leis posteriores para efetiva aplicação do
comanda constitucional.
Assim é que temos a Lei nº 8.971/94 e a Lei nº 9.278/96, subsequentes à Constituição
Federal e que buscaram regulamentar o artigo 226, §3.
A primeira lei, de nº 8.971/94, estabeleceu o direito aos alimentos entre os
companheiros e ainda trouxe previsão de participação dos companheiros na sucessão do
outro, além do direito ao usufruto sobre bens do(a) falecido(a) companheiro(a).
Dispunha o artigo 1º da referida lei que:

A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente,


divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole,
poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não
constituir nova união e desde que prove a necessidade. Parágrafo único. Igual
direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira,
separada judicialmente, divorciada ou viúva.

Extrai-se do artigo transcrito que a lei em questão trouxe um requisito temporal para a
configuração da união estável. Para tanto, era necessário o prazo mínimo de cinco anos de
convivência, salvo se tivessem filho(s) em comum, caso em que não havia exigência de prazo
mínimo
Com a posterior Lei nº 9.278/96, houve previsão de requisitos gerais para configuração
da união estável. Estabelecia o artigo 1º que: “É reconhecida como entidade familiar a
convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com
objetivo de constituição de família”.
Vê-se que os requisitos, então, seriam a convivência duradoura, pública e contínua,
entre um homem e uma mulher, com o objetivo de constituição de família. Excluiu-se, todavia,
o lapso temporal mínimo para reconhecimento da união estável.
Com essa lei, criaram-se, ainda, à semelhança do matrimônio, direitos e deveres,
consistentes em respeito e consideração mútuos, assistência moral e material recíproca e
guarda, sustento e educação dos filhos comuns.

414
Uma importante inovação nessa legislação foi o estabelecimento de presunção relativa
de condomínio de partes iguais para os bens adquiridos a título oneroso na constância do
relacionamento (art. 5º), salvo estipulação em contrário realizada em contrato escrito. Previa o
§ 1º que essa presunção cessaria se a aquisição fosse realizada com bens sub-rogados
adquiridos antes do relacionamento.
O Código Civil de 2002, que teve vigência a partir de janeiro de 2003, disciplinou por
completo a matéria, estabelecendo em seu artigo 1.723, que “É reconhecida como entidade
familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Nessa conceituação, reproduziu-se o que já dispunha a legislação anterior.
Já nos parágrafos do referido artigo, o legislador detalhou mais a disciplina aplicável à
união estável, estabelecendo que:

§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art.


1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se
achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união


estável.

Assim, não obstante tenha mantido o mesmo conceito da Lei nº 9278/96, o CC/2002
estabeleceu os impedimentos para o seu reconhecimento.
Quanto ao regime de bens a ser considerado na união, o Código Civil estabeleceu que,
não havendo acordo em sentido contrário, o regime que regerá os bens do casal será o da
comunhão parcial de bens. Essa é a inteligência do artigo 1.725/CC.
Relativamente à sucessão dos bens em caso de morte de um dos companheiros, o
Código Civil manteve o direito de participação do(a) companheiro(a) na sucessão do outro,
mas disciplinou essa matéria dando tratamento diferenciado entre companheiros e cônjuges.
Esse foi um ponto de amplos debates após a vigência do CC/02, que culminou no
reconhecimento, por parte do STF, da inconstitucionalidade do artigo 1.790, que disciplina de
forma diferenciada a sucessão dos companheiros. O STF decidiu, nos Recursos
Extraordinários 646721 e 878694, ambos em regime de repercussão geral, equiparar cônjuges
e companheiros para fins de sucessão, inclusive em uniões homoafetivas.
Outro ponto de debate diz respeito ao direito real de habitação que, no Código Civil de
2002, não encontrou proteção relativamente ao(a) companheiro(a). Enquanto a Lei nº 9.278
conferia expressamente esse direito ao(a) companheiro(a), o CC/02 foi silente sobre essa
matéria, cabendo à jurisprudência a correção dessa distorção tão prejudicial ao(a)
companheiro(a).
Além dessas questões, o Código Civil de 2002 perdeu uma grande oportunidade de
dispor também sobre as uniões homoafetivas. Embora essa matéria já fosse amplamente
discutida pela jurisprudência, o legislador de 2002 manteve a conceituação das uniões estáveis
limitada aos casais heterossexuais.
Coube, assim, ao STF corrigir essa flagrante inconstitucionalidade, entendendo que
nenhuma interpretação ao artigo 226, §3º, da CF pode excluir o reconhecimento de uniões
homoafetivas como entidades familiares.
Sobre essa matéria, vale uma leitura mais cuidadosa das ações que tramitaram
perante o STF (ADI 4.277 e ADPF 132, de 5/5/2011), as quais, então, deram interpretação

415
conforme a CF ao artigo 1.723/CC, para excluir qualquer significado que impeça o
reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
A partir desses julgados, o STJ reconheceu a possibilidade de casamento direto de
pessoas do mesmo sexo. Há também diversas decisões autorizando a conversão da união
estável de pessoas do mesmo sexo em casamento. Por fim, o CNJ editou a Resolução 175 que
trata sobre os casamentos homoafetivos.
Ainda em matéria de evolução da união estável no Brasil, tivemos recentemente um
movimento para reconhecimento do denominado poliamor. Nesse sentido, algumas escrituras
foram lavradas em cartórios extrajudiciais, com menção a uniões entre mais de duas pessoas.
Essa matéria foi levada ao CNJ e apreciada no Pedido de Providências (PP 0001459-
08.2016.2.00.0000), cujo relator fora o Min. Corregedor Nacional de Justiça, João Otávio de
Noronha. Na decisão, o CNJ determina que as Corregedorias-Gerais de Justiça proíbam os
cartórios de seus respectivos estados de lavrar escrituras públicas para registrar uniões
poliafetivas.
Assim, temos que o sistema pátrio não reconhece uniões poliafetivas.

9.3. A UNIÃO ESTÁVEL NO CÓDIGO CIVIL

Como vimos, o Código Civil de 2002 disciplinou a união estável, estabelecendo, na sua
conceituação, os requisitos necessários para sua conceituação. Estabeleceu, dessa forma, que
essa união deve ser pública, contínua e duradoura e, principalmente, com o objetivo de
constituir família.
A partir dessa conceituação, extraímos os seguintes requisitos:
 Convivência pública é aquela que é de conhecimento no meio social, de forma que os
companheiros são vistos pela sociedade como se casados fossem, apresentando-se
como verdadeira entidade familiar.
 Convivência contínua e duradoura entende-se como sendo uma relação estável, sem
intervalos.
 Affectio Maritalis, que consiste nesse objetivo de constituir família. A affectio é, dessa
forma, o elemento subjetivo da união estável e está na intenção dos conviventes.
Se, por um lado, extraímos esses requisitos da conceituação trazida pelo Código Civil,
por outro lado temos que essa mesma conceituação não exige a convivência sob o mesmo teto
para configuração da união estável, assim como não exige a existência de filhos em comum.
Pelo § 1º do artigo 1.723/CC, tem-se que a união estável não se constituirá se
ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso
de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. Isto é, se separado de fato ou
judicialmente, a pessoa poderá constituir e ver reconhecida a união estável.
O § 2º do mesmo artigo diz que as causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a
caracterização da união estável.
Sobre o regime de bens, o art. 1.725/CC diz que, na união estável, salvo contrato
escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da
comunhão parcial de bens. Isso significa que se os conviventes não firmarem nenhum acordo
em sentido contrário, prevalecerá entre eles o regime da comunhão parcial. Podem,
entretanto, estabelecer contrato de convivência, dele fazendo constar a vontade expressa
quanto ao regime de bens que regerá a relação patrimonial. Entretanto, é preciso dizer que o

416
regime somente pode produzir efeitos a partir da data da escritura pública (efeito ex nunc).
Não produz efeitos retroativos quanto a este regime escolhido.
O Código Civil, de forma expressa e reproduzindo comando constitucional, prevê, no
art. 1.726, que a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos
companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
Nesse particular, é importante mencionar discussão sobre interpretação que pode se
extrair da Constituição Federal quando diz que “será facilitada a conversão da união estável
em casamento”. Numa rápida leitura, pode-se concluir que há uma diferenciação do
casamento em relação à união, parecendo que aquele estaria acima deste. Entretanto, essa
conclusão é equivocada, em especial quando analisamos as decisões do STF que reconheceram
total igualdade entre casamento e união estável (ADI 4.277 e ADPF 132, de 5/5/2011).
Ainda sobre a disciplina do Código sobre a união estável, importante mencionar o
disposto no artigo 1.727/CC, pelo qual as relações não eventuais entre o homem e a mulher,
impedidos de casar, constituem concubinato.
Por esse artigo, temos a diferenciação feita entre a união estável, que recebe a
proteção a título de entidade familiar, e o concubinato, que ocorre quando se vislumbra
impedimento para o casamento e, consequentemente, para união estável.
No estudo da união estável, é importante analisar as teses fixadas, sobre essa entidade
familiar, pelo Superior Tribunal de Justiça.
Constituem teses fixadas pelo STJ sobre a união estável:
 Os princípios legais que regem a sucessão e a partilha não se confundem: a sucessão é
disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha deve observar o regime de
bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo de aquisição de cada bem a partilhar.
Essa tese tem extrema importância quando da análise da partilha dos bens do casal.
Por ela, temos que, ainda que a dissolução da união ocorra agora, sob a vigência do
Código Civil, a legislação aplicada deve ser a da data da aquisição do bem. Com isso,
uma dissolução que vem a ser resolvida hoje que envolva partilha de bem adquirido
em 1994, deve considerar a lei que vigorava naquela data e não a comunhão parcial de
bens que vigora como regra com o Código Civil de 2002.
 A coabitação não é elemento indispensável à caracterização da união estável;
 A vara de família é a competente para apreciar e julgar pedido de reconhecimento e
dissolução de união estável homoafetiva. Essa tese, na atualidade, parece óbvia mas
antes do reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares, ações
que envolviam casais homoafetivos tramitavam em varas cíveis e se referiam a
sociedades de fato.
 Não é possível o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas. Essa tese trata da
impossibilidade de reconhecimento do poliamor.
 A existência de casamento válido não obsta o reconhecimento da união estável, desde
que haja separação de fato ou judicial entre os casados. Assim, estando separado de
fato ou judicialmente, não obstante não possa se casar ainda em decorrência de
impedimento, a pessoa pode estabelecer união estável reconhecida como entidade
familiar.
 Na união estável de pessoa maior de setenta anos (artigo 1.641, II, do CC/02), impõe-
se o regime da separação obrigatória, sendo possível a partilha de bens adquiridos na
constância da relação, desde que comprovado o esforço comum. Entende-se, assim,

417
que tal como ocorre com o casamento de pessoa maior de 70, na união também há
imposição do regime da separação total de bens.
 São incomunicáveis os bens particulares adquiridos anteriormente à união estável ou
ao casamento sob o regime de comunhão parcial, ainda que a transcrição no registro
imobiliário ocorra na constância da relação. Quando só a transcrição ocorre após o
início da união, esse bem permanece como bem particular, não comunicável.
 Comprovada a existência de união homoafetiva, é de se reconhecer o direito do
companheiro sobrevivente à meação dos bens adquiridos a título oneroso ao longo do
relacionamento. Como corolário do reconhecimento das uniões homoafetivas como
entidades familiares, segue-se o direito à meação tal como ocorre com a união estável
heteroafetiva.
 Não há possibilidade de se pleitear indenização por serviços domésticos prestados
com o fim do casamento ou da união estável, tampouco com o cessar do concubinato,
sob pena de se cometer grave discriminação frente ao casamento, que tem primazia
constitucional de tratamento. O entendimento do STJ é no sentido da inaplicabilidade
atual da jurisprudência que deferia pedidos de indenização por serviços prestados no
âmbito doméstico.
 Compete à Justiça Federal analisar, incidentalmente e como prejudicial de mérito, o
reconhecimento da união estável nas hipóteses em que se pleiteia a concessão de
benefício previdenciário. Quando o pedido de reconhecimento de união estável tiver
por escopo apenas benefício previdenciário negado administrativamente, não é
preciso prévia ação perante a vara de família. Os interessados poderão se valer de
ação para pleito do benefício, perante a justiça federal, e nessa ação, incidentalmente,
o juiz analisará a configuração da união estável, enfrentando posteriormente o pedido
do benefício dali decorrente.

9.4. A UNIÃO ESTÁVEL E O DENOMINADO NAMORO QUALIFICADO

O aumento crescente das uniões estáveis, que embora iguais ao casamento, dele se
diferenciam pela informalidade, fez crescer o número de ações em que se enfrenta a temática
“namoro qualificado”.
É que em razão da informalidade das uniões estáveis, o seu reconhecimento, na
hipótese de litígio, depende de decisão judicial, e, não raras vezes, uma das partes tenta
demonstrar a não configuração da união, em especial quanto ao não preenchimento do
requisito do intuito de constituir família.
Como visto em tópico próprio, a união estável se configura pela convivência de duas
pessoas, de forma pública, contínua e com a finalidade de constituir família. Nesse último
aspecto é que se debate a diferenciação entre a união estável e o namoro qualificado.
No namoro qualificado, temos, então, que o casal, não obstante a convivência pública
e duradoura, não tem por escopo, “ainda”, a constituição de família. Seria, dessa forma, o
chamado “namoro sério”.
Sobre esse tema, o STJ já se manifestou no sentido de que “o fato de namorados
projetarem constituir família no futuro não caracteriza união estável, ainda quehaja
coabitação”. (REsp 1.257.819-SP, Terceira Turma, DJe 15/12/2011). REsp 1.454.643-RJ, Rel.
Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/3/2015, DJe 10/3/2015).
Na prática, nem sempre é fácil essa diferenciação, mas o ponto central, a ser analisado
em cada caso, é o objetivo do casal quando da convivência pública e duradoura. Se ficar

418
demonstrado que havia objetivo de constituição de família, configurada estará a união estável.
Caso contrário, teremos o denominado namoro qualificado.

9.5. QUESTÕES POLÊMICAS QUANTO À UNIÃO ESTÁVEL

Conforme vimos, a união estável tem recebido diferentes tratamentos ao longo do


tempo, evoluindo de acordo com a evolução da própria sociedade. Não obstante os grandes
avanços percebidos nessa área, ainda há questões que suscitam divergências no campo
prático.
Dentre essas questões, temos a discussão sobre a necessidade de outorga do
companheiro para venda de bens imóveis e para a fiança. Em outra palavras, discute-se se em
caso de disposição de imóvel sem a vênia do outro companheiro ou no caso de fiança sem que
haja essa vênia, seria hipótese de invalidação do ato?
Os tribunais têm enfrentado esse tema e entendido que não será possível invalidar o
negócio se o terceiro não tinha conhecimento da união estável, a menos que seja possível
demonstrar que havia ciência inequívoca. Isso porque, quando do estudo da outorga ou vênia
conjugal, fala-se tão somente em casamento, não havendo previsão expressa para atingir a
união estável (art. 1647 do CC). Para solucionar essa temática, o STJ tem prezado pela boa-fé
objetiva (e seus deveres anexos), a publicidade, a confiança e lealdade. Dessa forma, se o
terceiro desconhecia a condição de convivente do contratante, não há que se falar em
invalidação do ato (REsp 1299866/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 25/02/2014, DJe 21/03/2014 - INFORMATIVO 535 DO STJ).
Outra questão polêmica que envolve a união estável diz respeito à possibilidade
excepcional de reconhecimento de uniões estáveis simultâneas.
Como vimos, o CNJ vedou a lavratura de escrituras que envolvam uniões de mais de
duas pessoas, proibindo, dessa forma, escrituras que tragam em seu bojo a ideia do poliamor.
Nosso sistema, como um todo, veda essas relações para fins de reconhecimento de entidade
familiar. Inclusive, esse entendimento consta das teses do STJ.
Entretanto, é possível que haja uniões simultâneas com boa-fé de alguns dos
conviventes. Exemplificando, é possível que um homem, solteiro, mantenha união duradoura e
pública com uma mulher e, paralelamente, mantenha outra união da mesma natureza com
outra mulher. Se, nesse caso, as duas mulheres, objetivando constituir, cada uma, com esse
mesmo homem, uma família, mas desconhecendo cada uma a existência da paralela união da
outra, poder-se-á reconhecer as uniões simultâneas a partir da ideia de putatividade.
Com efeito, essas mulheres, estando cada uma de boa-fé, ou seja, desconhecendo
cada uma a existência de outra união, poderão ter o reconhecimento da união estável putativa
com os efeitos legais. Já esse homem do exemplo, estando em evidente má-fé, não será
beneficiado com o reconhecimento das uniões, porquanto nosso sistema não reconhece o
denominado poliamor.
Com o mesmo raciocínio, podemos imaginar a situação de união estável putativa
paralela ao casamento. como exemplo, citemos a hipótese de um homem casado e não
separado de fato ou judicialmente, que, paralelamente ao casamento, mantenha união
duradoura e pública com outra mulher, que desconhece a situação de matrimônio do
convivente. Nessa situação, essa mulher, estando de boa-fé, poderá ter reconhecida em seu
favor a união estável, com os efeitos legais.
Perceba que se a hipótese for de união mantida em concomitância com o casamento,
conhecendo a convivente a situação de casado do homem (ausência de boa-fé), ter-se-á um
concubinato, conforme estabelece o artigo 1.727/CC.

419
9.6. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

9.6.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ADOÇÃO DE


CRIANÇA POR PESSOA HOMOAFETIVA. É possível a inscrição de
pessoa homoafetiva no registro de pessoas interessadas na adoção (art. 50 do
ECA), independentemente da idade da criança a ser adotada. A legislação não veda
a adoção de crianças por solteiros ou casais homoafetivos, tampouco impõe,
nessas hipóteses, qualquer restrição etária. Ademais, sendo a união entre pessoas
do mesmo sexo reconhecida como uma unidade familiar, digna de proteção do
Estado, não se vislumbra, no contexto do "pluralismo familiar" (REsp 1.183.378-RS,
DJe 1º/2/2012), pautado nos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa
humana, a possibilidade de haver qualquer distinção de direitos ou exigências
legais entre as parcelas homoafetiva (ou demais minorias) e heteroafetiva da
população brasileira. Além disso, mesmo se se analisar sob o enfoque do menor,
não há, em princípio, restrição de qualquer tipo à adoção de crianças por
pessoas homoafetivas. Isso porque, segundo a legislação vigente, caberá ao
prudente arbítrio do magistrado, sempre sob a ótica do melhor interesse do
menor, observar todas as circunstâncias presentes no caso concreto e as perícias e
laudos produzidos no decorrer do processo de adoção. Nesse contexto, o bom
desempenho e bem-estar da criança estão ligados ao aspecto afetivo e ao vínculo
existente na unidade familiar, e não à opção sexual do adotante. Há, inclusive,
julgado da Terceira Turma do STJ no qual se acolheu entendimento doutrinário no
sentido de que "Estudos feitos no âmbito da Psicologia afirmam que pesquisas '(...)
têm demonstrado que os filhos de pais ou mães homossexuais não apresentam
comprometimento e problemas em seu desenvolvimento psicossocial quando
comparados com filhos de pais e mães heterossexuais. O ambiente familiar
sustentado pelas famílias homo e heterossexuais para o bom desenvolvimento
psicossocial das crianças parece ser o mesmo'" (REsp 1.281.093-SP, DJe 4/2/2013).
No mesmo sentido, em precedente da Quarta Turma do STJ (REsp 889.852, DJe
10/8/2010), afirmou-se que "os diversos e respeitados estudos especializados
sobre o tema, fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de
Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), 'não
indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais
homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o
meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores'". REsp
1.540.814-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/8/2015, DJe
25/8/2015. (INF. 567).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. O reconhecimento do direito real de habitação, a que se


refere o artigo 1.831 do Código Civil, não pressupõe a inexistência de outros bens
no patrimônio do cônjuge/companheiro sobrevivente. Registre-se inicialmente que
o art. 1.831 do Código Civil e o art. 7º da Lei n. 9.278/1996 impôs como a única
condição para garantia do cônjuge sobrevivente ao direito real de habitação é que
o imóvel destinado à residência do casal fosse o único daquela natureza a
inventariar, ou seja, que dentro do acervo hereditário deixado pelo falecido não
existam múltiplos imóveis destinados a fins residenciais. Nenhum dos mencionados
dispositivos legais impõe como requisito para o reconhecimento do direito real de
habitação a inexistência de outros bens, seja de que natureza for, no patrimônio
próprio do cônjuge sobrevivente. Não é por outro motivo que a Quarta Turma,
debruçando-se sobre controvérsia semelhante, entendeu que o direito real de
habitação é conferido por lei, independentemente de o cônjuge ou companheiro
sobrevivente ser proprietário de outros imóveis (REsp 1.249.227/SC, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013, DJe 25/3/2014). Com efeito, o objetivo da
lei é permitir que o cônjuge sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar

420
que residia ao tempo da abertura da sucessão como forma, não apenas de
concretizar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem
humanitária e social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e
psicológico estabelecido pelos cônjuges com o imóvel em que, no transcurso de
sua convivência, constituíram não somente residência, mas um lar. Além disso, a
norma protetiva é corolário dos princípios da dignidade da pessoa humana e da
solidariedade familiar que tutela o interesse mínimo de pessoa que, em regra, já se
encontra em idade avançada e vive momento de inconteste abalo resultante da
perda do consorte. REsp 1.582.178-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por
maioria, julgado em 11/09/2018, DJe 14/09/2018 (INF. 633).

QUESTÕES

1- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.


I – Após a separação de fato ou de corpos, o cônjuge que estiver na posse ou na administração
do patrimônio partilhável terá o dever de prestar contas ao ex-consorte.
II – Regime da separação obrigatória de bens para idosos aplica-se mesmo se o casamento foi
precedido de união estável iniciada antes da idade-limite.
III – Diante do divórcio de cônjuges que viviam sob o regime da comunhão parcial de bens, não
deve ser reconhecido o direito à meação dos valores que foram depositados em conta
vinculada ao FGTS em datas anteriores à constância do casamento e que tenham sido
utilizados para aquisição de imóvel pelo casal durante a vigência da relação conjugal.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
2- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – Na separação judicial, sujeitam-se à partilha as quotas de sociedade de advogados
adquiridas por um dos cônjuges, sob o regime da comunhão universal de bens, na constância
do casamento.
II – A extinção de medida protetiva de urgência diante da homologação de acordo entre as
partes não afasta a competência da Vara Especializada de Violência Doméstica ou Familiar
contra a Mulher para julgar ação de divórcio fundada na mesma situação de agressividade
vivenciada pela vítima e que fora distribuída por dependência à medida extinta.
III – Se um bem for doado para um dos cônjuges, em um casamento regido pela comunhão
parcial dos bens, a regra é que esse bem pertence apenas ao cônjuge que recebeu a doação.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
3- De acordo com as disposições do Código Civil, assinale a alternativa INCORRETA a respeito
do casamento.
a) Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados
houver contraído com outrem casamento civil.
b) O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil,
equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da
data de sua celebração.
c) É nulo o casamento do o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa
de homicídio contra o seu consorte.

421
d) A habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos,
emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei.
e) O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o
juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal.
4- De acordo o Código Civil, é nulo o casamento contraído:
a) com vício da vontade.
b) pelas as pessoas casadas.
c) por incompetência da autoridade celebrante.
d) por de quem não completou a idade mínima para casar.
e) por incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento.
5- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA de acordo com o
entendimento jurisprudencial.
I – O “cúmplice” (amante) da esposa não tem o dever de indenizar o marido traído. Em que
pese o alto grau de reprovabilidade da conduta daquele que se envolve com pessoa casada, o
“cúmplice” da esposa infiel não é responsável a indenizar o marido traído, pois ele não era
obrigado, por lei ou contrato, a zelar pela incolumidade do casamento alheio. I
II – A esposa infiel tem o dever de restituir ao marido traído os alimentos pagos por ele em
favor de filho criado pelo casal, quando a adúltera tenha ocultado do marido o fato de que a
referida criança era filha biológica sua e de seu “cúmplice” (amante).
III – A esposa que traiu pode ser condenada a indenizar por danos morais o marido traído em
hipóteses excepcionais, como o caso no qual, além de a traição ter ocorrido com um amigo do
cônjuge, houve o nascimento de uma criança registrada erroneamente como descendente do
marido, mas que era filho biológico do amante.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
6- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA a respeito da mutabilidade do
regime de bens no casamento.
I – A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que é possível a alteração do regime de
bens, mesmo nos matrimônios contraídos ainda sob a égide do CC/16.
II – Para haver a autorização judicial quanto à mudança do regime de bens, é necessária a
aferição da situação financeira atual dos cônjuges, com a investigação acerca de eventuais
dívidas e de interesses de terceiros potencialmente atingidos.
III – O Código Civil não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do
prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se ter que analisar
indevidamente a própria intimidade e a vida privada dos consortes.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
7- Assinale a alternativa CORRETA de acordo com o Código Civil.
a) As causas suspensivas da celebração do casamento podem ser arguidas pelos parentes em
linha reta de um dos nubentes, sejam consanguíneos ou afins, e pelos colaterais em segundo
grau, sejam também consanguíneos ou afins.
b) Os impedimentos para o casamento podem ser opostos, até o momento da celebração do
casamento, por qualquer pessoa.
c) O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de
próprio punho, sendo vedada a habilitação por procuração.

422
d) A solenidade do casamento realizar-se-á na sede do cartório, com toda publicidade, a portas
abertas, presentes pelo menos quatro testemunhas, parentes ou não dos contraentes.
e) Extingue-se, em dois anos, o direito de anular o casamento dos menores de dezesseis anos,
contado o prazo para o menor do dia em que perfez essa idade.
8- De acordo com as disposições do Código Civil, assinale a alternativa INCORRETA.
a) Constituem concubinato as relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de
casar.
b) A união estável não se constituirá se ocorrerem as causas suspensivas do casamento
previstas no Código Civil.
c) As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e
assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
d) Salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais na união
estável, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
e) É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família.
9- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – Na dissolução de entidade familiar, é possível o reconhecimento do direito de visita a
animal de estimação adquirido na constância da união, demonstrada a relação de afeto com o
animal.
II – O casal não é obrigado a formular pedido extrajudicial antes de ingressar com ação judicial
pedindo a conversão da união estável em casamento.
III – No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes
sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o
regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
10- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – Na dissolução de união estável, não é possível a partilha dos direitos de concessão de uso
para moradia de imóvel público.
II – O benefício de previdência privada fechada é excluído da partilha em dissolução de união
estável regida pela comunhão parcial de bens.
III – É de quatro anos o prazo de decadência para anular partilha de bens em dissolução de
união estável, por vício de consentimento (coação), nos termos do art. 178 do Código Civil.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.

COMENTÁRIOS

1. Gabarito: C
I – CORRETA – Segundo a jurisprudência do STJ (Info 614):

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. BENS E DIREITOS EM


ESTADO DE MANCOMUNHÃO (ENTRE A SEPARAÇÃO DE FATO E A EFETIVA
PARTILHA). PATRIMÔNIO COMUM ADMINISTRADO EXCLUSIVAMENTE POR EX-
CÔNJUGE. 1. A ação de prestação de contas tem por escopo aclarar o resultado da

423
administração de negócios alheios (apuração da existência de saldo credor ou
devedor) e, sob a regência do CPC de 1973, ostentava caráter dúplice quanto à sua
propositura, podendo ser deduzida tanto por quem tivesse o dever de prestar
contas quanto pelo titular do direito de exigi-las. O Novo CPC, por seu turno, não
mais prevê a possibilidade de propositura de ação para prestar contas, mas apenas
a instauração de demanda judicial com o objetivo de exigi-las (artigo 550). 2. Assim
como consagrado jurisprudencialmente sob a égide do CPC de 1973, o Codex de
2015 explicitou o dever do autor de, na petição inicial, especificar,
detalhadamente, as razões pelas quais exige as contas, instruindo-a com
documentos comprobatórios dessa necessidade, se existirem. São as causas de
pedir remota e próxima, as quais devem ser deduzidas, obrigatoriamente, na
exordial, a fim de demonstrar a existência de interesse de agir do autor. 3. Como
de sabença, a administração do patrimônio comum do casal compete a ambos os
cônjuges (artigos 1.663 e 1720 do Código Civil). Nada obstante, a partir da
separação de fato ou de corpos (marco final do regime de bens), os bens e direitos
dos ex-consortes ficam em estado de mancomunhão - conforme salienta doutrina
especializada -, formando uma massa juridicamente indivisível, indistintamente
pertencente a ambos. 4. No presente caso, consoante reconhecido na origem, a
separação de fato do casal (que adotara o regime de comunhão universal de bens)
ocorreu em janeiro de 2000, tendo sido decretada a separação de corpos em
05.05.2000, no âmbito de ação cautelar intentada pela ex-esposa. Posteriormente,
foi proposta ação de separação judicial litigiosa que, em 19.04.2001, foi convertida
em consensual. A divisão do acervo patrimonial comum, por sua vez, foi objeto de
ação própria, ajuizada em maio de 2001, processada sob a forma de inventário.
Revela-se, outrossim, incontroverso que os bens e direitos comuns do casal sempre
estiveram sob a administração exclusiva do ex-marido, que, em 27.11.2001, veio a
assumir o encargo de inventariante do patrimônio. 5. Em caráter geral, a
jurisprudência desta Corte já consagrou o entendimento de que a prestação de
contas é devida por aqueles que administram bens de terceiros, não havendo
necessidade de invocação de qualquer motivo para o interessado tomá-la. 6. No
tocante especificamente à relação decorrente do fim da convivência matrimonial,
infere-se que, após a separação de fato ou de corpos, o cônjuge que estiver na
posse ou na administração do patrimônio partilhável - seja na condição de
administrador provisório, seja na de inventariante - terá o dever de prestar contas
ao ex-consorte. Isso porque, uma vez cessada a afeição e a confiança entre os
cônjuges, aquele titular de bens ou negócios administrados pelo outro tem o
legítimo interesse ao pleno conhecimento da forma como são conduzidos, não se
revelando necessária a demonstração de qualquer irregularidade, prejuízo ou
crédito em detrimento do gestor. 7. Recurso especial provido para restabelecer a
sentença de procedência. (REsp 1274639/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 23/10/2017)

II – INCORRETA – De acordo com o entendimento do STJ (Info 595):

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. MATRIMÔNIO CONTRAÍDO POR


PESSOA COM MAIS DE 60 ANOS. REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS.
CASAMENTO PRECEDIDO DE LONGA UNIÃO ESTÁVEL INICIADA ANTES DE TAL
IDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. O artigo 258, parágrafo único, II, do
Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, previa como sendo obrigatório o
regime de separação total de bens entre os cônjuges quando o casamento envolver
noivo maior de 60 anos ou noiva com mais de 50 anos. 2. Afasta-se a
obrigatoriedade do regime de separação de bens quando o matrimônio é
precedido de longo relacionamento em união estável, iniciado quando os cônjuges
não tinham restrição legal à escolha do regime de bens, visto que não há que se
falar na necessidade de proteção do idoso em relação a relacionamentos fugazes
por interesse exclusivamente econômico. 3. Interpretação da legislação ordinária
que melhor a compatibiliza com o sentido do art. 226, §3º, da CF, segundo o qual a

424
lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento. 4. Recurso especial a
que se nega provimento. (REsp 1318281/PE, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI,
QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 07/12/2016)

III – CORRETA – Em consonância com o que já decidiu o STJ:

RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS.


DOAÇÃO FEITA A UM DOS CÔNJUGES. INCOMUNICABILIDADE. FGTS. NATUREZA
JURÍDICA. PROVENTOS DO TRABALHO. VALORES RECEBIDOS NA CONSTÂNCIA DO
CASAMENTO. COMPOSIÇÃO DA MEAÇÃO. SAQUE DIFERIDO. RESERVA EM CONTA
VINCULADA ESPECÍFICA. 1. No regime de comunhão parcial, o bem adquirido pela
mulher com o produto auferido mediante a alienação do patrimônio herdado de
seu pai não se inclui na comunhão. Precedentes. 2. O Supremo Tribunal Federal, no
julgamento do ARE 709.212/DF, debateu a natureza jurídica do FGTS, oportunidade
em que afirmou se tratar de "direito dos trabalhadores brasileiros (não só dos
empregados, portanto), consubstanciado na criação de um pecúlio permanente,
que pode ser sacado pelos seus titulares em diversas circunstâncias legalmente
definidas (cf. art. 20 da Lei 8.036/1995)". (ARE 709212, Relator (a): Min. GILMAR
MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 13/11/2014, DJe-032 DIVULG 18-02-2015
PUBLIC 19-02-2015) 3. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a Egrégia
Terceira Turma enfrentou a questão, estabelecendo que o FGTS é "direito social
dos trabalhadores urbanos e rurais", constituindo, pois, fruto civil do trabalho.
(REsp 848.660/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA
TURMA, DJe 13/05/2011) 4. O entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é
o de que os proventos do trabalho recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência
do casamento, compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na
separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo
esforço comum dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição
de um dos consortes e do outro não. 5. Assim, deve ser reconhecido o direito à
meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda
que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do
casal. 6. A fim de viabilizar a realização daquele direito reconhecido, nos casos em
que ocorrer, a CEF deverá ser comunicada para que providencie a reserva do
montante referente à meação, para que num momento futuro, quando da
realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do
numerário. 7. No caso sob exame, entretanto, no tocante aos valores sacados do
FGTS, que compuseram o pagamento do imóvel, estes se referem a depósitos
anteriores ao casamento, matéria sobre a qual não controvertem as partes. 8.
Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1399199/RS, Rel. Ministra
MARIA ISABEL GALLOTTI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/03/2016, DJe 22/04/2016).

2. Gabarito: A
I – CORRETA – Segundo o STJ:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE SOBREPARTILHA. PRETENSÃO DE PARTILHAR


QUOTAS SOCIAIS DA SOCIEDADE DE ADVOGADOS ENTÃO PERTENCENTES AO
VARÃO. POSSIBILIDADE DE DIVISÃO DO CONTEÚDO ECONÔMICO DA
PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA (NÃO SE LHE CONFERINDO O DIREITO À DISSOLUÇÃO
COMPULSÓRIA DA SOCIEDADE, PARA TAL PROPÓSITO). RECURSO ESPECIAL
PROVIDO. 1. A partir do modo pelo qual a atividade profissional intelectual é
desenvolvida - com ou sem organização de fatores de produção - será possível
identificar o empresário individual ou sociedade empresarial; ou o profissional
intelectual ou sociedade uniprofissional. De se ressaltar, ainda, que, para a
definição da natureza da sociedade, se empresarial ou simples, o atual Código Civil
apenas aparta-se desse critério (desenvolvimento de atividade econômica própria
de empresário) nos casos expressos em lei, ou em se tratando de sociedade por

425
ações e cooperativa, hipóteses em que necessariamente serão empresária e
simples, respectivamente. 1.1 Especificamente em relação às sociedades de
advogados, que naturalmente possuem por objeto a exploração da atividade
profissional de advocacia exercida por seus sócios, estas são concebidas como
sociedade simples por expressa determinação legal, independente da forma que
como venham a se organizar (inclusive, com estrutura complexa). 2. Para os efeitos
perseguidos na presente ação (partilha das quotas sociais), afigura-se despiciendo
perquirir a natureza da sociedade, se empresarial ou simples, notadamente
porque, as quotas sociais - comuns às sociedades simples e às empresariais que
não as de ações - são dotadas de expressão econômica, não se confundem com o
objeto social, tampouco podem ser equiparadas a proventos, salários ou
honorários, tal como impropriamente procedeu à instância precedente. Esclareça-
se, no ponto, que a distinção quanto à natureza da sociedade, se empresarial ou
simples, somente teria relevância se a pretensão de partilha da demandante
estivesse indevidamente direcionada a bens incorpóreos, como a clientela e seu
correlato valor econômico e fundo de comércio, elementos típicos de sociedade
empresária, espécie da qual a sociedade de advogados, por expressa vedação legal,
não se insere. 3. Ante a inegável expressão econômica das quotas sociais, a
compor, por consectário, o patrimônio pessoal de seu titular, estas podem,
eventualmente, ser objeto de execução por dívidas pessoais do sócio, bem como
de divisão em virtude de separação/divórcio ou falecimento do sócio. 3.1 Incasu,
afigura-se incontroverso que a aquisição das quotas sociais da sociedade de
advogados pelo recorrido deu-se na constância do casamento, cujo regime de bens
era o da comunhão universal. Desse modo, se a obtenção da participação societária
decorreu naturalmente dos esforços e patrimônios comuns dos então consortes,
sua divisão entre os cônjuges, por ocasião de sua separação, é medida de justiça e
consonante com a lei de regência. 3.2 Naturalmente, há que se preservar o caráter
personalíssimo dessas sociedades, obstando-se a atribuição da qualidade de sócio a
terceiros que, nessa condição, não detenham com o demais a denominada
affectiosocietatis. Inexistindo, todavia, outro modo de se proceder à quitação do
débito ou de implementar o direito à meação ou à sucessão, o direito destes
terceiros (credor pessoal do sócio, ex-cônjuge e herdeiros) são efetivados por meio
de mecanismos legais (dissolução da sociedade, participação nos lucros, etc) a fim
de amealhar o valor correspondente à participação societária. 3.3 Oportuno
assinalar que o atual Código Civil, ao disciplinar a partilha das quotas sociais em
razão do falecimento do cônjuge ou da decretação da separação judicial ou do
divórcio, apenas explicitou a repercussão jurídica de tais fatos, que naturalmente já
era admitida pela ordem civil anterior. E, o fazendo, tratou das sociedades simples,
de modo a tornar evidente o direito dos herdeiros e do cônjuge do sócio em
relação à participação societária deste e, com o notável mérito de impedir que
promovam de imediato e compulsoriamente a dissolução da sociedade, conferiu-
lhes o direito de concorrer à divisão períodica dos lucros. 4. Recurso especial
provido, para, reconhecendo, em tese, o direito da cônjuge, casada em comunhão
universal de bens, à partilha do conteúdo econômico das quotas sociais da
sociedade de advogados então pertencentes ao seu ex-marido (não se lhe
conferindo, todavia, o direito à dissolução compulsória da sociedade), determinar
que o Tribunal de origem prossiga no julgamento das questões remanescentes
veiculadas no recurso de apelação. (REsp 1531288/RS, Rel. Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 17/12/2015)

II – CORRETA – De acordo com a jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVÓRCIO DISTRIBUÍDA POR DEPENDÊNCIA À


MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA
PENHA). 1. COMPETÊNCIA HÍBRIDA E CUMULATIVA (CRIMINAL E CIVIL) DO
"JUIZADO" ESPECIALIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A
MULHER. AÇÃO CIVIL ADVINDA DO CONSTRANGIMENTO FÍSICO E MORAL

426
SUPORTADO PELA MULHER NO ÂMBITO FAMILIAR E DOMÉSTICO. 2. POSTERIOR
EXTINÇÃO DA MEDIDA PROTETIVA. IRRELEVÂNCIA PARA EFEITO DE MODIFICAÇÃO
DA COMPETÊNCIA. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O art. 14 da Lei n.
11.340/2006 preconiza a competência cumulativa (criminal e civil) da Vara
Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para o julgamento
e execução das causas advindas do constrangimento físico ou moral suportado pela
mulher no âmbito doméstico e familiar. 1.1 A amplitude da competência conferida
pela Lei n. 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir
ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e
familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas
diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato.
Providência que a um só tempo facilita o acesso da mulher, vítima de violência
familiar e doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção. 1.2. Para o
estabelecimento da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica ou
Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil (notadamente, as relacionadas
ao Direito de Família), imprescindível que a correlata ação decorra (tenha por
fundamento) da prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher, não se
limitando, por conseguinte, apenas às medidas protetivas de urgência previstas nos
arts. 22, incisos II, IV e V; 23, incisos III e IV; e 24, que assumem natureza civil. Tem-
se, por relevante, ainda, para tal escopo, que, no momento do ajuizamento da ação
de natureza cível, seja atual a situação de violência doméstica e familiar a que a
demandante se encontre submetida, a ensejar, potencialmente, a adoção das
medidas protetivas expressamente previstas na Lei n. 11.340/2006, sob pena de
banalizar a competência das Varas Especializadas. 2. Na espécie, a ação de divórcio
foi promovida em 16/6/2013, em meio à plena vigência de medida protetiva de
urgência destinada a neutralizar a situação de violência a que a demandante
encontrava-se submetida, a ensejar a pretensão de dissolução do casamento. Por
consectário, a posterior extinção daquela (em 8/10/2013), decorrente de acordo
entabulado entre as partes, homologado pelo respectivo Juízo, afigura-se
irrelevante para o efeito de se modificar a competência. 3. Recurso Especial
provido. (REsp 1496030/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA
TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 19/10/2015)

III – CORRETA – Conforme entendimento do STJ:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. SEPARAÇÃO CONVERTIDA EM DIVÓRCIO. PARTILHA.


POSSIBILIDADE. BEM DOADO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. - Debate
sobre a comunicabilidade de doação de numerário para a quitação de imóvel
adquirido pela recorrente, em casamento regido pela comunhão parcial de bens. -
O regime de comunhão parcial de bens tem, por testa, a ideia de que há
compartilhamento dos esforços do casal na construção do patrimônio comum,
mesmo quando a aquisição do patrimônio decorre, diretamente, do labor de
apenas um dos consortes. - Na doação, no entanto, há claro descolamento entre a
aquisição de patrimônio e uma perceptível congruência de esforços do casal, pois
não se verifica a contribuição do não-donatário na incorporação do patrimônio. -
Nessa hipótese, o aumento patrimonial de um dos consortes prescinde da
participação direta ou indireta do outro, sendo fruto da liberalidade de terceiros,
razão pela qual, a doação realizada a um dos cônjuges, em relações matrimonias
regidas pelo regime de comunhão parcial de bens, somente serão comunicáveis
quando o doador expressamente se manifestar neste sentido e, no silêncio,
presumir-se-á feitas apenas ao donatário. - Recurso provido com aplicação do
Direito à espécie, para desde logo excluir o imóvel sob tela, da partilha do
patrimônio, destinando-o, exclusivamente à recorrente. (REsp 1318599/SP, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2013, DJe
02/05/2013)

3. Gabarito: E

427
a) Correta, segundo o art. 1.516. § 3º, CC:

Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos


exigidos para o casamento civil.

(...)

§3º Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos
consorciados houver contraído com outrem casamento civil.

b) Correta, segundo o art. 1.515, CC: “O casamento religioso, que atender às exigências da lei
para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro
próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.”
c) Correta, segundo o art. 1.548, CC: “É nulo o casamento contraído: I - (Revogado); II - por
infringência de impedimento.”

Art. 1.521, CC. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do
adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau


inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de


homicídio contra o seu consorte.

d) Correta, segundo o art. 1.512, parágrafo único do CC: “A habilitação para o casamento, o
registro e a primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas
cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei.”
e) Incorreta, segundo o art. 1.514, CC. “O casamento se realiza no momento em que o homem
e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz
os declara casados.”
4. Gabarito: B

Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:

I - (Revogado);

II - por infringência de impedimento.

Art. 1.521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

428
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do
adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau


inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de


homicídio contra o seu consorte.

Art. 1.550. É anulável o casamento:

I - de quem não completou a idade mínima para casar;

II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;

III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;

IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;

V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da


revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;

VI - por incompetência da autoridade celebrante.

5. Gabarito: C
I – CORRETA
II – INCORRETA
III – CORRETA
Segue julgado do STJ sobre o tema:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS.


ALIMENTOS. IRREPETIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FIDELIDADE.
OMISSÃO SOBRE A VERDADEIRA PATERNIDADE BIOLÓGICA DE FILHO NASCIDO NA
CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. DOR MORAL CONFIGURADA. REDUÇÃO DO VALOR
INDENIZATÓRIO. 1. Os alimentos pagos a menor para prover as condições de sua
subsistência são irrepetíveis. 2. O elo de afetividade determinante para a assunção
voluntária da paternidade presumidamente legítima pelo nascimento de criança na
constância do casamento não invalida a relação construída com o pai socioafetivo
ao longo do período de convivência. 3. O dever de fidelidade recíproca dos
cônjuges é atributo básico do casamento e não se estende ao cúmplice de traição a
quem não pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta de
previsão legal. 4. O cônjuge que deliberadamente omite a verdadeira paternidade
biológica do filho gerado na constância do casamento viola o dever de boa-fé,
ferindo a dignidade do companheiro (honra subjetiva) induzido a erro acerca de
relevantíssimo aspecto da vida que é o exercício da paternidade, verdadeiro
projeto de vida. 5. A família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da
sociedade (art. 226 CF/88) devendo-se preservar no seu âmago a intimidade, a
reputação e a autoestima dos seus membros. 6. Impõe-se a redução do valor fixado
a título de danos morais por representar solução coerente com o sistema. 7.
Recurso especial do autor desprovido; recurso especial da primeira corré
parcialmente provido e do segundo corréu provido para julgar improcedente o
pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despesas

429
processuais e honorários advocatícios. (REsp 922.462/SP, Rel. Ministro RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2013, DJe 13/05/2013)

6. Gabarito: A
I – CORRETA
II – CORRETA
III – CORRETA
Segue julgado do STJ a respeito do tema

DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CELEBRADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE


1916. REGIME DE BENS. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXIGÊNCIAS PREVISTAS NO
ART. 1.639, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL. JUSTIFICATIVA DO PEDIDO. DIVERGÊNCIA
QUANTO À CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA POR UM DOS CÔNJUGES.
RECEIO DE COMPROMETIMENTO DO PATRIMÔNIO DA ESPOSA. MOTIVO, EM
PRINCÍPIO, HÁBIL A AUTORIZAR A MODIFICAÇÃO DO REGIME. RESSALVA DE
DIREITOS DE TERCEIROS. 1. O casamento há de ser visto como uma manifestação
vicejante da liberdade dos consortes na escolha do modo pelo qual será conduzida
a vida em comum, liberdade essa que se harmoniza com o fato de que a intimidade
e a vida privada são invioláveis e exercidas, na generalidade das vezes, em um
recôndito espaço privado também erguido pelo ordenamento jurídico à condição
de "asilo inviolável". 2. Assim, a melhor interpretação que se deve conferir ao art.
1.639, § 2º, do CC/02 é a que não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou
provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob
pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada do
consortes. 3. No caso em exame, foi pleiteada a alteração do regime de bens do
casamento dos ora recorrentes, manifestando eles como justificativa a constituição
de sociedade de responsabilidade limitada entre o cônjuge varão e terceiro,
providência que é acauteladora de eventual comprometimento do patrimônio da
esposa com a empreitada do marido. A divergência conjugal quanto à condução da
vida financeira da família é justificativa, em tese, plausível à alteração do regime de
bens, divergência essa que, em não raras vezes, se manifesta ou se intensifica
quando um dos cônjuges ambiciona everedar-se por uma nova carreira
empresarial, fundando, como no caso em apreço, sociedade com terceiros na qual
algum aporte patrimonial haverá de ser feito, e do qual pode resultar impacto ao
patrimônio comum do casal. 4. Portanto, necessária se faz a aferição da situação
financeira atual dos cônjuges, com a investigação acerca de eventuais dívidas e
interesses de terceiros potencialmente atingidos, de tudo se dando publicidade
(Enunciado n. 113 da I Jornada de Direito Civil CJF/STJ). 5. Recurso especial
parcialmente provido. (REsp 1119462/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 12/03/2013).

7. Gabarito: E
a) Correta, segundo o art. 1.524, CC: “As causas suspensivas da celebração do casamento
podem ser arguidas pelos parentes em linha reta de um dos nubentes, sejam consanguíneos
ou afins, e pelos colaterais em segundo grau, sejam também consanguíneos ou afins.”
b) Incorreta, segundo o art. 1.522, CC: “Os impedimentos podem ser opostos, até o momento
da celebração do casamento, por qualquer pessoa capaz.”
c) Incorreta, segundo o art. 1.525, CC: “O requerimento de habilitação para o casamento será
firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e deve
ser instruído com os seguintes documentos: (...)”
d) Incorreta, segundo o art. 1.534, CC: “A solenidade realizar-se-á na sede do cartório, com
toda publicidade, a portas abertas, presentes pelo menos duas testemunhas, parentes ou não
dos contraentes, ou, querendo as partes e consentindo a autoridade celebrante, noutro
edifício público ou particular.”
e) Incorreta, segundo o art. Art. 1.560, § 1º, CC:

430
Art. 1.560. O prazo para ser intentada a ação de anulação do casamento, a contar
da data da celebração, é de:

§1º Extingue-se, em cento e oitenta dias, o direito de anular o casamento dos


menores de dezesseis anos, contado o prazo para o menor do dia em que perfez
essa idade; e da data do casamento, para seus representantes legais ou
ascendentes.

8. Gabarito: B
a) Correta, segundo o art. 1.727, CC: “As relações não eventuais entre o homem e a mulher,
impedidos de casar, constituem concubinato.”
b) Incorreta, segundo o art. 1.723, § 1º, CC: “A união estável não se constituirá se ocorrerem
os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa
casada se achar separada de fato ou judicialmente.”
“§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.”
c) Correta, segundo o art. 1.724, CC: “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão
aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.”
d) Correta, segundo o art. 1.725, CC: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os
companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão
parcial de bens.”
e) Correta, segundo o art. 1.723, CC: “É reconhecida como entidade familiar a união estável
entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
9. Gabarito: A
I – CORRETA – Em consonância com a jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE


ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO
DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A
DEPENDER DO CASO CONCRETO. 1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer
alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de
estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte.
Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve
questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação
ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento
constitucional (art. 225, § 1, inciso VII - "proteger a fauna e a flora, vedadas, na
forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a
extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade"). 2. O Código Civil, ao
definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte,
objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo
dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de
direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação,
recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a
ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de
companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos
bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de
propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem
mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar
envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e
à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder
familiar - instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e
fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do
enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus
exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma
faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos

431
deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode, simplesmente,
desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo
nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade,
de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de
ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela
preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago
de sua dignidade. 6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente,
possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade,
sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -,
também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da
entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação,
independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá
buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais,
atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e
do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem
reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que
estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de
estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser
mantido. 9. Recurso especial não provido. (REsp 1713167/SP, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 09/10/2018)

II – CORRETA – De acordo com o entendimento jurisprudencial:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL EM


CASAMENTO. OBRIGATORIEDADE DE FORMULAÇÃO EXCLUSIVAMENTE PELA VIA
ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA. CONVERSÃO PELA VIA JUDICIAL. POSSIBILIDADE.
O propósito recursal é reconhecer a existência de interesse de agir para a
propositura de ação de conversão de união estável em casamento, considerando a
possibilidade de tal procedimento ser efetuado extrajudicialmente. Os arts. 1726,
do CC e 8º, da Lei 9278/96 não impõem a obrigatoriedade de que se formule
pedido de conversão de união estável em casamento exclusivamente pela via
administrativa. A interpretação sistemática dos dispositivos à luz do art. 226 § 3º da
Constituição Federal confere a possibilidade de que as partes elejam a via mais
conveniente para o pedido de conversão de união estável em casamento. Recurso
especial conhecido e provido. (REsp 1685937/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe 22/08/2017

III – CORRETA – Conforme o entendimento fixado pelos tribunais superiores:

Ementa: Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral.


Aplicação do artigo 1.790 do Código Civil à sucessão em união estável homoafetiva.
Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e
companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família
legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias
formadas mediante união estável, hetero ou homoafetivas. O STF já reconheceu a
“inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas
de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se a
união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesas
consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min.
Ayres Britto, j. 05.05.2011) 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os
cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada
por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com
a Constituição de 1988. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis
nº 8.971/1994 e nº 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou o companheiro),
dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao
marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana,
da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do

432
retrocesso. 3. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento
ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido
trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que
ainda não haja escritura pública. 4. Provimento do recurso extraordinário.
Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional
vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e
companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no
art. 1.829 do CC/2002”. (RE 646721, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a)
p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 08-09-2017 PUBLIC 11-09-2017)

Ementa: Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral.


Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e
companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família
legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias
formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins
sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo
casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades
familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790
do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a
companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores
aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da
igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção
deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a
segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários
judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às
partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do
recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No
sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes
sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os
casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. (RE 878694, Relator(a):
Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 05-02-2018 PUBLIC 06-02-2018)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA E DAS


SUCESSÕES. DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E
COMPANHEIROS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
INCONSTITUCIONALIDADE. STF. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. ART.

1.829 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE, DIGNIDADE


HUMANA, PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA. VEDAÇÃO AO
RETROCESSO. APLICABILIDADE. 1. No sistema constitucional vigente é
inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros,
devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do
CC/2002, conforme tese estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em
julgamento sob o rito da repercussão geral (Recursos Extraordinários nºs 646.721 e
878.694). 2. O tratamento diferenciado acerca da participação na herança do
companheiro ou cônjuge falecido conferido pelo art. 1.790 do Código Civil/2002
ofende frontalmente os princípios da igualdade, da dignidade humana, da
proporcionalidade e da vedação ao retrocesso. 3. Ausência de razoabilidade do
discrímen à falta de justo motivo no plano sucessório. 4. Recurso especial provido.
(REsp 1332773/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA,
julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017)

10. Gabarito: D
I – INCORRETA – Segundo já decidiu o STJ:

433
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO
ESTÁVEL. PARTILHA DE DIREITOS SOBRE CONCESSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO.
POSSIBILIDADE. 1. Na dissolução de união estável, é possível a partilha dos direitos
de concessão de uso para moradia de imóvel público. 2. Os entes governamentais
têm-se valido da concessão de uso como meio de concretização da política
habitacional e de regularização fundiária, conferindo a posse de imóveis públicos
para a moradia da população carente. 3. A concessão de uso de bens para fins de
moradia, apesar de, por ela, não se alterar a titularidade do imóvel e ser concedida,
em regra, de forma graciosa, possui, de fato, expressão econômica, notadamente
por conferir ao particular o direito ao desfrute do valor de uso em situação desigual
em relação aos demais particulares. Somado a isso, verifica-se, nos normativos que
regulam as referidas concessões, a possibilidade de sua transferência, tanto por ato
inter vivos como causa mortis, o que também agrega a possibilidade de ganho
patrimonial ao menciionado direito. 4. Na hipótese, concedeu-se ao casal o direito
de uso do imóvel. Consequentemente, ficaram isentos dos ônus da compra da casa
própria e dos encargos de aluguéis, o que, indubitavelmente, acarretou ganho
patrimonial extremamente relevante. 5. Recurso especial não provido. (REsp
1494302/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
13/06/2017, DJe 15/08/2017)

II – CORRETA – De acordo com a jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS.


COMUNHÃO PARCIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. MODALIDADE FECHADA.
CONTINGÊNCIAS FUTURAS. PARTILHA. ART. 1.659, VII, DO CC/2002. BENEFÍCIO
EXCLUÍDO. MEAÇÃO DE DÍVIDA. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. PRECLUSÃO
CONSUMATIVA. FUNDAMENTO AUTÔNOMO. 1. Cinge-se a controvérsia a
identificar se o benefício de previdência privada fechada está incluído dentro no rol
das exceções do art. 1.659, VII, do CC/2002 e, portanto, é verba excluída da partilha
em virtude da dissolução de união estável, que observa, em regra, o regime da
comunhão parcial dos bens. 2. A previdência privada possibilita a constituição de
reservas para contigências futuras e incertas da vida por meio de entidades
organizadas de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social.
3. As entidades fechadas de previdência complementar, sem fins lucrativos,
disponibilizam os planos de benefícios de natureza previdenciária apenas aos
empregados ou grupo de empresas aos quais estão atrelados e não se confundem
com a relação laboral (art. 458, § 2º, VI, da CLT). 4. O artigo 1.659, inciso VII, do
CC/2002 expressamente exclui da comunhão de bens as pensões, meios-soldos,
montepios e outras rendas semelhantes, como, por analogia, é o caso da
previdência complementar fechada. 5. O equilíbrio financeiro e atuarial é princípio
nuclear da previdência complementar fechada, motivo pelo qual permitir o resgate
antecipado de renda capitalizada, o que em tese não é possível à luz das normas
previdenciárias e estatutárias, em razão do regime de casamento, representaria um
novo parâmetro para a realização de cálculo já extremamente complexo e
desequilibraria todo o sistema, lesionando participantes e beneficiários, terceiros
de boa-fé, que assinaram previamente o contrato de um fundo sem tal previsão. 6.
Na partilha, comunicam-se não apenas o patrimônio líquido, mas também as
dívidas e os encargos existentes até o momento da separação de fato. 7. Rever a
premissa de falta de provas aptas a considerar que os empréstimos beneficiaram a
família, demanda o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que atrai
o óbice da Súmula nº 7 deste Superior Tribunal. 8. Recurso especial não provido.
(REsp 1477937/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA,
julgado em 27/04/2017, DJe 20/06/2017)

III – CORRETA – Segundo a jurisprudência:

434
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE PARTILHA POR COAÇÃO.
DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PRAZO DECADENCIAL DE QUATRO ANOS. ART.
178 DO CÓDIGO CIVIL. SEGURANÇA JURÍDICA. 1. É de quatro anos o prazo de
decadência para anular partilha de bens em dissolução de união estável, por vício
de consentimento (coação), nos termos do art. 178 do Código Civil. 2. Não houve
alterações de ordem jurídico-normativa, com o advento do Código Civil de 2002, a
justificar alteração da consolidada jurisprudência dos tribunais superiores, com
base no Código Civil de 1916, segundo a qual a anulação da partilha ou do acordo
homologado judicialmente na separação consensual regulava-se pelo prazo
prescricional previsto no art. 178, § 9º, inciso V, e não aquele de um ano
preconizado pelo art. 178, § 6º, V, do mesmo diploma. Precedentes do STF e do
STJ. 3. É inadequada a exegese extensiva de uma exceção à regra geral - arts. 2.027
do CC e 1.029 do CPC/73, ambos inseridos, respectivamente, no Livro "Do Direito
das Sucessões" e no capítulo intitulado "Do Inventário e Da Partilha" - por meio da
analogia, quando o próprio ordenamento jurídico prevê normativo que se amolda à
tipicidade do caso (CC, art. 178). 4. Pela interpretação sistemática, verifica-se que a
própria topografia dos dispositivos remonta ao entendimento de que o prazo
decadencial ânuo deve se limitar à seara do sistema do direito das sucessões,
submetida aos requisitos de validade e princípios específicos que o norteiam,
tratando-se de opção do legislador a definição de escorreito prazo de caducidade
para as relações de herança. 5. Recurso especial provido. (REsp 1621610/SP, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/02/2017, DJe
20/03/2017)

435
CAPÍTULO 9 – DIREITO DAS SUCESSÕES

1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS SUCESSÕES

O estudo do direito das sucessões requer algumas considerações iniciais, que se


justificam para o próprio entendimento da razão de ser desse ramo do direito. Tratando do
tema, Francisco Cahali e Giselda Hironaka discorrem sobre as origens do direito sucessório,
afirmando que

no início da socialização dos indivíduos, em tempos remotos, não existindo a


propriedade individual, mas coletiva, em que grupos ou núcleos sociais eram
titulares de bens, esvaziava-se o conteúdo do direito sucessório, na medida em que
a morte de uma pessoa não alterava a situação jurídica do patrimônio (CAHALI e
HIRONAKA, 2007, p. 20).

Assim, foi a individualização da propriedade, com a possibilidade de exercício


individual da sua titularidade, que fez ganhar espaço o instituto da sucessão hereditária. Isto
porque, com a morte do titular de uma propriedade, agora individual e não mais coletiva, era
preciso determinar para quem iriam os bens deixados. Começou, então, uma ampla discussão
filosófica e jurídica a respeito dos fundamentos e delineamentos da sucessão por morte.
Poder-se-ia fazer aqui um histórico dessa evolução do tratamento do direito das
sucessões, levantando-se dados quanto aos fundamentos religiosos, filosóficos e até políticos
usados, em cada época, para a resolução de pendências decorrentes da sucessão por morte.
Todavia, para os fins propostos por esse trabalho, importa colocar que os ordenamentos
jurídicos, em sua grande maioria, têm considerado o direito sucessório, prestigiando, assim, a
propriedade privada, inclusive em harmonia com o interesse social, de forma que, na
atualidade, o grande fundamento para a previsão do direito sucessório nas legislações de cada
país é o direito de propriedade.
Em sendo assim, fomenta-se a aquisição de patrimônio em vida, com a certeza de que,
no caso de morte, aquele patrimônio amealhado será transmitido aos herdeiros e, em alguns
casos, para as pessoas indicadas pelo falecido.
Para alguns doutrinadores, entretanto, não se poder limitar o fundamento do direito
das sucessões à propriedade. Para eles, a própria ideia de família faz justificar a transmissão
hereditária, sendo certo que essa possibilidade de transmissão teria verdadeira função social
no seio familiar. Por isso, seriam fundamentos para o direito sucessório, tanto a propriedade
como a família.
Independentemente dos fundamentos que se busque utilizar para justificar o direito
sucessório, o certo é que nossa legislação pátria traz disciplina expressa acerca da transmissão
de patrimônio em decorrência da morte. Se essa transmissão ocorre em razão da proteção da
família ou em decorrência de outros valores, o que não se pode negar é que está atrelada à
existência de patrimônio, sendo este fator essencial para incidência de todas as normas que se
enquadram no direito das sucessões.
No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 resguarda o direito à sucessão,
tratando desse direito de forma expressa. Sobre essa previsão, Carnacchioni adverte que “o
direito à herança está previsto como garantia essencial na Constituição Federal. Trata-se de
direito fundamental, previsto no art. art. 5º, XXX e XXI, da Constituição Federal”
(CARNACCHIONI, 2018, p. 1640).
O Código Civil de 2002 trouxe importantes alterações no campo do direito das
sucessões, em especial quando suas normas são interpretadas à luz dos princípios gerais que

436
norteiam o referido código, quais sejam: da socialidade, da eticidade e da operabilidade, estes
sempre em consonância com o princípio constitucional maior da dignidade da pessoa humana,
pelo qual temos que qualquer interpretação deve considerar a pessoa humana no centro de
todo agir e o patrimônio a serviço daquela.
Como veremos, há importantes mudanças introduzidas pelo CC/02 na parte referente
ao Direito das Sucessões, ficando, desde um primeiro momento, clara essa alteração quando
notamos a ampliação do número de capítulos do Título I – Da Sucessão em Geral.
Se confrontarmos o CC/02 com o anterior, constataremos que, enquanto o CC de
1916, tratava da matéria em cinco capítulos, o atual dedica sete capítulos a essa disciplina.
No entanto, como dito, a principal mudança é a forma de interpretação da nova
disciplina do direitos das sucessões, a partir desse olhar voltado para a dignidade do ser
humano e não propriamente para o patrimônio.
O direito das sucessões disciplina a substituição do sujeito em relação jurídica de
natureza patrimonial porque o titular do direito (subjetivo ou potestativo) ou dever jurídico
veio a óbito. Tal sub-rogação subjetiva causa mortis (substituição de sujeitos) pressupõe a
morte do titular (CARNACCHIONI, 2018, p. 1640).
Vê-se, desde já, que esse ramo do direito trata apenas da sucessão em decorrência do
falecimento de alguém, que como veremos, poderá ser real ou presumido. Na parte geral do
Direito Civil, são estudadas as formas de morte, como fim da personalidade da pessoa natural.
Estuda-se, então, que essa morte, nos termos do artigo 6º/CC, pode ser real ou presumida,
sendo que a morte presumida ou ficta pode ser com ou sem decretação de ausência. Em todas
essas hipóteses, uma vez declarada a morte (real ou presumida), haverá a transmissão do
patrimônio.
No caso da morte presumida com decretação de ausência, como estudado na parte
geral, existe todo um trâmite do processo para resguardo do patrimônio, para a hipótese da
pessoa retornar. Por isso, há prazos que devem ser respeitados. No caso do ausente, como
exposto na parte geral, a pessoa que desapareceu somente é considerada morta por
presunção após a abertura da sucessão definitiva.

1.1. ABERTURA DA SUCESSÃO

Com a morte de alguém, há imediata abertura da sucessão relativamente aos bens e


obrigações de que era o morto titular. A ideia é que não haja nenhum intervalo entre a morte
e a transferência da titularidade dos bens deixados pelo falecido. Essa imediata transferência
do domínio dos bens do de cujus aos herdeiros provoca algumas consequências, que
poderíamos elencar da seguinte forma:
- a análise da capacidade para suceder deve ser feita no momento da abertura da
sucessão;
- o valor dos bens do acervo deixado pelo falecido, inclusive para cálculo da legítima, é
analisado no momento da morte do autor da herança. O cálculo do montante é, por
conseguinte, feito no momento da morte, que é quando ocorre a transmissão da propriedade;
- a morte de um herdeiro, ainda que um segundo após a do autor da herança, faz com
que ele suceda, havendo, assim, transmissão da herança. Vê-se, então, que para que haja essa
transferência é necessário sobreviver ao autor da herança, ainda que a ocorra a morte na
sequência. A análise é sempre feita no exato momento da morte do autor da herança. Quem
estava vivo naquele exato momento pode sucedê-lo, ainda que morra na sequência. Ressalte-

437
se, aqui, que como veremos, pode ocorrer de não ser possível a constatação de qual morte
precedeu a outra, hipótese em que podem ser aplicados os efeitos da comoriência;
- o legatário também recebe a propriedade dos bens individualizados, porém a posse é
apenas indireta.

1.2. DIREITO DAS SUCESSÕES E O PRINCÍPIO DE SAISINE

Suceder significa ocupar o lugar que antes era ocupado por outro. No caso do direito
das sucessões, estamos tratando da sucessão da titularidade de um patrimônio em
decorrência da morte de seu antigo titular. Assim, o emprego da palavra sucessão, no nosso
campo de estudo, refere-se a essa transmissão do patrimônio apenas em razão da morte.
Outra ou outras pessoas passam a ocupar o lugar que outrora era ocupado pelo falecido.
Nessa ideia de transmissão, merece destaque o disposto no artigo 1.784/CC, segundo
o qual “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e
testamentários”.
Trata-se, na hipótese, do princípio de saisine, segundo o qual, com a morte do autor da
herança, a transmissão do patrimônio é imediata aos herdeiros legítimos e testamentários,
sendo o posterior processo de inventário apenas um meio de regularizar essa transmissão que
já ocorreu no exato momento da morte.
O princípio de saisine faz com que o inventário tenha um intuito ou natureza
meramente declaratória, pois já houve a transmissão com a morte. O inventário simplesmente
regulariza a situação. Com isso, temos que há continuidade da titularidade da dos bens que
compõem a herança. Em outras palavras, em nenhum momento, a herança fica sem titular
(CARNACCHIONI, 2018, p. 1642).
Essa transferência de titularidade acontece de forma imediata para os herdeiros e
legítimos e testamentários. Quanto ao legatário, temos que ele recebe, desde a abertura da
sucessão, a propriedade dos bens individualizados que lhe foram destinados, mas a posse
dependerá da solvência do espólio (art. 1.923/CC).

1.3. ESPÉCIES DE SUCESSÕES

O estudo das espécies de sucessões leva, por via de consequência, à análise das
espécies de herdeiros. Assim, temos como espécies de sucessões:
 sucessão a título universal: ocorre quando uma pessoa morre e os sucessores
assumem a posição jurídica desse falecido, denominado autor da herança. Os
sucessores, no caso, investem-se totalmente nos direitos que são transmitidos
em face da morte do titular. Isto é, há transferência da totalidade dos direitos
e obrigações relacionados ao patrimônio do falecido, de forma que esses
herdeiros sub-rogam se na posição do falecido, em relação à totalidade do
patrimônio ou parte ideal dele. Diferentemente do que ocorre na sucessão a
titulo particular, que veremos no tópico seguinte, nesse tipo de sucessão, o
patrimônio daquele que morreu será transmitido como um todo ao seu(s)
sucessor(es), o que significa dizer que abarcará o ativo e passivo. Os sucessores
a título universal são, dessa forma, denominados herdeiros, pois recebem, no
todo ou em parte, a herança, considerada essa uma universalidade que
abrange eventuais créditos e também débitos e obrigações;
 sucessão a título singular ou particular: ocorre quando o beneficiário é
chamado a suceder um(ns) bem(ns) determinado(s), individualizado(s), que

438
pode ser bem móvel, imóvel, créditos ou direitos. Nesse tipo de sucessão, o
falecido, em vida, por manifestação de última vontade, deixa o(s) bem(ns), de
forma individualizada, ao(s) beneficiário(s), valendo-se, para tanto, de um
testamento. Nessa hipótese, o sucessor, a título singular, é chamado de
legatário, sendo que o bem ou bens deixados constituem o denominado
legado. Como visto, o legatário sucede ao falecido a título singular, de modo
que o bem deixado é determinado, certo e individualizado, incorporando-se ao
patrimônio do legatário;
 sucessão legítima: é aquela que decorre da lei, a qual enuncia, então, a ordem
a ser observada na vocação hereditário;
 sucessão testamentária: decorre da possibilidade de disposição de
patrimônio. Assim, nesse tipo de sucessão, ter-se-á um testamento, o qual se
configura como ato de última vontade do falecido. Há uma voluntariedade
expressada em testamento, codicilo ou legado.
É preciso dizer que é possível que ocorram, simultaneamente, a sucessão legítima e a
testamentária, bem como alguns sucessores recebam bens a título universal e outros recebam
bens individualizados. Como exemplo, podemos citar a hipótese do autor da herança deixar
testamento, individualizando bens que ficarão para determinadas pessoas, e , a par disso,
também houver herdeiros necessários. Esses herdeiros necessários sucederão a título
universal enquanto os beneficiários do testamento herdarão a título individual.

1.4. VOCAÇÃO HEREDITÁRIA E CLASSIFICAÇÃO DOS HERDEIROS

A ordem vocacional ou vocação hereditária diz respeito à ordem estabelecida pela lei a
ser observada na sucessão hereditária, ou seja, na sucessão aberta que não decorre de
testamento. Essa ordem refere-se aos herdeiros, que sucedem o falecido a título universal.
Eles serão, assim, chamados, uns na falta dos outros em ordem preferencial, podendo, em
alguns casos, conforme expressa previsão legal, existir concorrência entre eles.
Então, esse chamamento será feito consoante uma ordem estabelecida em lei,
denominada ordem de vocação hereditária. Esse chamamento é feito por classes, sendo que a
mais próxima exclui a mais remota.
O artigo 1.829/CC trata da ordem preferencial, estabelecendo in verbis:

A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado


este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Sobre essa ordem de vocação hereditária, é importante destacar que o STF, no


julgamento do Recurso Extraordinário nº 646.721 e do Recurso Extraordinário nº 878.694,
afastou qualquer diferença de tratamento na sucessão de bens de cônjuges e companheiros.
Assim, no artigo transcrito, onde se lê cônjuge, deve-se fazer igual interpretação para o
companheiro.

439
Nessa ordem preferencial, é possível extrair diferentes tipos de herdeiros, a saber:
aqueles ditos necessários e outros chamados de facultativos.
Disso resulta, uma classificação importante quanto aos sucessores do falecido:
 herdeiros legítimos necessários: são aqueles que têm a seu favor a proteção
da “legítima”. Essa legítima é constituída por metade do patrimônio do autor
da herança e se caracteriza pela sua indisponibilidade. Carnacchioni explica
que o fundamento histórico da legítima é a proteção do patrimônio em favor
de pessoas próximas ao autor da herança (CARNACCHIONI, 2018, p. 1642). O
cálculo da legítima é feito com base nos bens da época da abertura da
sucessão (morte do de cujos). Sendo assim, para fins de legítima e proteção
dos herdeiros necessários, calcula-se o que corresponde à metade dos bens do
falecido no momento da morte do autor da herança. O resultado desse cálculo
será a parte indisponível. Porém, é preciso destacar que nesse cálculo,
considerar-se-ão os bens sujeitos à colação, que o herdeiro eventualmente
recebeu, sendo considerado adiantamento de herança. Ou seja, os bens
recebidos como antecipação da legítima retornarão ao acervo total para fins
de cálculo da legítima. Conforme estatui o art. 1.789/CC, se houver herdeiros
necessários, o autor da herança só pode dispor de metade da herança, ficando
a outra indisponível. Já o art. 549 do CC diz que é nula a doação na parte que
exceder à legítima. São herdeiros necessários: ascendentes, descendentes e
cônjuge e companheiro (esse em decorrência dos julgados do STF);
 herdeiros legítimos facultativos: são considerados herdeiros facultativos
aqueles que, não obstante previstos em lei na vocação hereditária, não estão
protegidos pela legítima, podendo, por conseguinte, ser preteridos por força
de testamento. Assim é que, não tendo herdeiros necessários, pode o autor da
herança dispor de todo seu patrimônio em testamento, hipótese em que
preterirá os eventuais herdeiros facultativos acaso existentes. Se, por outro
lado, não tendo herdeiros necessários e não deixando testamento, os bens
deixados passarão a esses herdeiros facultativos. São herdeiros facultativos:
colaterais até o 4º grau. Ainda tendo em conta os possíveis herdeiros, temos a
classificação que considera aqueles instituídos por testamentos. São eles:
o herdeiros testamentários: são aqueles indicados como beneficiários
da herança por disposição de última vontade. É importante destacar
que os herdeiros testamentários podem ser aqueles que já são
estabelecidos em lei, ou seja, aqueles considerados herdeiros
legítimos. Como o autor da herança pode dispor de metade dos bens
(na hipótese de ter herdeiros necessários), segue-se que pode
pretender deixar para os herdeiros legítimos uma parcela diferenciada
daquela instituída em lei, e poderá fazer isso através do testamento.
Por meio de testamento, o autor da herança deixa para o herdeiro
testamentário parcela do patrimônio, não identificando exatamente
quais bens serão transmitidos. A transmissão se faz, assim, de
percentual do patrimônio total;
o legatários: os legatários também são herdeiros beneficiados pela
liberalidade do autor da herança, que pode dispor de metade dos
bens, quando tem herdeiros necessários, e da totalidade, quando não
há herdeiros necessários. Porém, diferentemente do que ocorre no
testamento, no legado, o autor da herança deixa para o legatário um
bem determinado, certo e individualizado, e a título singular.

440
Ainda em relação aos herdeiros, é importante destacar quem são os legitimados a
suceder. A legitimação é uma capacidade especial para um determinado ato. Neste caso, o ato
é a sucessão.
O art. 1.798 diz que são legitimados a suceder:
- pessoas nascidas;
- pessoas já concebidas no momento da abertura da sucessão, ou seja, da morte
(nascituro);
Sobre o nascituro, temos que a maior parte da doutrina defende a teoria natalista
quanto ao início da personalidade, de forma a considerar que só com o nascimento com vida,
temos o início da personalidade civil. Não obstante, a própria lei põe a salvo os direitos do
nascituro. Assim é que o nascituro pode receber herança, que constituirá um direito
condicional. Está condicionado ao nascimento com vida. Para os natalistas, assim, caso o
nascituro não venha a nascer com vida, não haverá transferência da herança e, com isso, o
direito sucessório não se perfaz. É como se nunca o nascituro nunca tivesse existido.
Por isso, Flávio Tartuce esclarece em sua obra ter mudado de posicionamento sobre o
tema. Ele esclarece que

estamos inclinados a entender que ao nascituro devem ser reconhecidos direitos


sucessórios desde a concepção, o que representa a atribuição de uma
personalidade civil plena a tal sujeito de direito (...) pensar o contrário parece
representar um resquício da teoria natalista, que nega personalidade ao nascituro.
De qualquer modo, pontue-se que o entendimento majoritário continua sendo no
sentido de que o nascituro somente terá direitos sucessórios se nascer com vida,
pendendo uma condição para tal reconhecimento (TARTUCE, 2020, p. 2193).

Existe uma discussão na doutrina a respeito dessa regra, quanto a ela se estender ou
não aos embriões, havidos por meio de técnica de reprodução assistida.
Não existe entendimento pacífico. Flávio Tartuce entende que devem ser estendidos
aos embriões, reproduzidos por meio de técnica de reprodução assistidas, as mesmas regras
deferidas aos nascituros. Para reforçar seu posicionamento, cita que

o Enunciado n. 267 do CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil, de autoria do jurista


Guilherme Calmon Nogueira da Gama: “a regra do art. 1.798 do Código Civil deve
ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução
assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer
cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição da
herança (TARTUCE, 2020, p. 2194).

Essa é uma temática nova que ainda não teve o devido enfrentamento.
O art. 1.799/CC diz que na sucessão testamentária ainda podem ser chamados a
suceder os filhos, mesmo que não concebidos de pessoas indicadas pelo testador (prole
eventual), desde que estas estejam vivas ao tempo da sucessão.
Esse comando legal estabelece, então, que o autor da herança poderá deixar herança
para uma prole eventual de outrem. Ex.: o autor da herança deixa uma casa de praia para o
primeiro filho de João e Maria.
No entanto, se decorridos 2 anos após a abertura da sucessão, o herdeiro não for
concebido, os bens reservados, salvo se houver uma disposição diversa, caberão aos herdeiros
legítimos.

441
Por outro lado, o art. 1.801/CC diz que não podem ser nomeados herdeiros ou
legatários, ou seja, não têm legitimação sucessória:
- as pessoas que, a rogo, tenham escrito o testamento, nem mesmo o cônjuge ou
companheiro, ascendentes, descendentes ou irmãos dessa pessoa;
- as testemunhas do testamento;
- o concubino do testador casado (lembrando que o concubinato refere-se à união com
impedimento), salvo se estivesse separado de fato, pois, neste caso, não haveria concubinato,
e sim união estável;
- o tabelião civil ou militar, ou comandante ou escrivão, perante o que se fizer ou se
aprovar o testamento.

1.5. DIFERENÇAS ENTRE HERANÇA E LEGADO

Vimos a distinção entre a sucessão a título universal e a título singular, bem como
diferenciamos os tipos de herdeiros, elencando, ainda, o legatário.
Importa, então, deixar claras as diferenças entre a herança e o legado, conceitos que
estão diretamente ligados aos tipos de herança e de sucessores causa mortis.
Pois bem, a herança é uma universalidade de bens e direitos, os quais, com a morte do
autor da herança, permanecem indivisos até a sua individuação pela partilha. Ou seja,
somente com a efetiva partilha é que haverá individualização dos bens para cada herdeiro. Já
no legado, os bens deixados para o legatário são certos e determinados. Assim é que quem
recebe herança sucede a título universal, enquanto quem recebe o legado sucede a título
singular, coisa certa e individuada.
Por conseguinte, quem recebe herança é denominado herdeiro e quem recebe legado
é chamado de legatário.

1.6. PROCEDIMENTO PREVISTO NO NCPC PARA O DIREITO DAS SUCESSÕES

O Código de Processo Civil prevê regras procedimentais quanto ao direito sucessório, a


par da disciplina prevista no Código Civil.
O art. 1.785 do Código Civil diz que a sucessão abre-se no lugar do último domicílio do
falecido. Ou seja, este último domicílio é o competente para o processamento do inventário.
O NCPC, no seu art. 48, estabelece que o foro do domicílio do autor da herança é o
competente para inventário, partilha, arrecadação dos bens e de cumprimento das disposições
de última vontade do autor da herança.
O foro do domicílio de autor da herança é também competente para apreciar
impugnação, pedido de anulação de partilha extrajudicial e para toda e qualquer ação para
que o espólio seja réu, ainda que o óbito tenha ocorrido em lugar diferente ou no estrangeiro.
O parágrafo único do art. 48 do NCPC diz que, se o autor da herança não possuía
domicílio certo, a competência será de onde se encontram os bens imóveis. Caso haja bens
imóveis em diferentes foros, qualquer um deles será competente para o processamento do
inventário.
Não havendo bens imóveis, o foro competente será o foro de qualquer dos bens do
espólio.

442
Nos casos de sucessão, envolvendo estrangeiro ou bens situados no exterior, existem
regras específicas que devem ser observadas. Com efeito, diz o art. 10 da LINDB que a
sucessão obedece à lei do país em que domiciliado o defunto, ainda que este defunto não
esteja domiciliado no Brasil. Complementando essa disposição legal, a sucessão de bens
situados no Brasil será regulada pela lei brasileiro, desde que em benefício do cônjuge ou filhos
brasileiros.
O art. 23, II, NCPC diz que compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de
qualquer outra, proceder a confirmação do testamento particular e inventário e partilha de
bens situados no Brasil. O caso é de competência absoluta.
Para evitar confusão, lembremos que a regra do artigo 23 do NCPC refere-se à
competência para processamento do inventário, enquanto a regra do artigo 10 da LINDB
refere-se à qual lei será aplicada para solução de transmissão de bens deixados por
estrangeiro. Em outras palavras, ainda que determinada a competência da justiça brasileira,
conforme regramento do artigo 23, II do NCPC, é possível que seja aplicável legislação
estrangeira mais benéfica ao cônjuge e/ou filhos brasileiros.

1.7. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

1.7.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. SUCESSÃO CAUSA MORTIS E REGIME DE


COMUNHÃO PARCIAL DE BENS.

O cônjuge sobrevivente casado sob o regime de comunhão parcial de bens


concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido apenas quanto aos bens
particulares eventualmente constantes do acervo hereditário. O art. 1.829, I, do CC
estabelece que o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido,
salvo se casado: i) no regime da comunhão universal; ou ii) no da separação
obrigatória de bens (art. 1.641, e não art. 1.640, parágrafo único); ou, ainda, iii) no
regime da comunhão parcial, quando o autor da herança não houver deixado bens
particulares. Com isso, o cônjuge supérstite é herdeiro necessário, concorrendo
com os descendentes do morto, desde que casado com o falecido no regime: i) da
separação convencional (ou consensual), em qualquer circunstância do acervo
hereditário (ou seja, existindo ou não bens particulares do falecido); ou ii) da
comunhão parcial, apenas quando tenha o de cujus deixado bens particulares, pois,
quanto aos bens comuns, já tem o cônjuge sobrevivente o direito à meação, de
modo que se faz necessário assegurar a condição de herdeiro ao cônjuge supérstite
apenas quanto aos bens particulares. Dessa forma, se o falecido não deixou bens
particulares, não há razão para o cônjuge sobrevivente ser herdeiro, pois já tem a
meação sobre o total dos bens em comum do casal deixados pelo inventariado,
cabendo a outra metade somente aos descendentes deste, estabelecendo-se uma
situação de igualdade entre essas categorias de herdeiros, como é justo. Por outro
lado, se o falecido deixou bens particulares e não se adotar o entendimento ora
esposado, seus descendentes ficariam com a metade do acervo de bens comuns e
com o total dos bens particulares, em clara desvantagem para o cônjuge
sobrevivente. Para evitar essa situação, a lei estabelece a participação do cônjuge
supérstite, agora na qualidade de herdeiro, em concorrência com os descendentes
do morto, quanto aos bens particulares. Assim, impõe uma situação de igualdade
entre os interessados na partilha, pois o cônjuge sobrevivente permanece meeiro
em relação aos bens comuns e tem participação na divisão dos bens particulares,
como herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes. A preocupação do
legislador de colocar o cônjuge sobrevivente na condição de herdeiro necessário,
em concorrência com os descendentes do falecido, assenta-se na ideia de garantir

443
ao cônjuge supérstite condições mínimas para sua sobrevivência, quando não
possuir obrigatória ou presumida meação com o falecido (como ocorre no regime
da separação convencional) ou quando a meação puder ser até inferior ao acervo
de bens particulares do morto, ficando o cônjuge sobrevivente (mesmo casado em
regime de comunhão parcial) em desvantagem frente aos descendentes. Noutro
giro, não se mostra acertado o entendimento de que deveria prevalecer para fins
sucessórios a vontade dos cônjuges, no que tange ao patrimônio, externada na
ocasião do casamento com a adoção de regime de bens que exclua da comunhão
os bens particulares de cada um. Com efeito, o regime de bens tal qual disciplinado
no Livro de Família do Código Civil, instituto que disciplina o patrimônio dos
nubentes, não rege o direito sucessório, embora tenha repercussão neste. Ora, a
sociedade conjugal se extingue com o falecimento de um dos cônjuges (art. 1.571,
I, do CC), incidindo, a partir de então, regras próprias que regulam a transmissão do
patrimônio do de cujus, no âmbito do Direito das Sucessões, que possui livro
próprio e específico no Código Civil. Assim, o regime de bens adotado na ocasião
do casamento é considerado e tem influência no Direito das Sucessões, mas não
prevalece tal qual enquanto em curso o matrimônio, não sendo extensivo a
situações que possuem regulação legislativa própria, como no direito sucessório
(REsp 1.472.945-RJ, Terceira Turma, DJe de 19/11/2014). Por fim, ressalte-se que
essa linha exegética é a mesma chancelada no Enunciado 270 do Conselho da
Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil. Precedente citado: REsp
974.241-DF, Quarta Turma, DJe 5/10/2011. REsp 1.368.123-SP, Rel. Min. Sidnei
Beneti, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 22/4/2015, DJe 8/6/2015
(INF. 563).

2. SUCESSÃO HEREDITÁRIA

2.1. A HERANÇA E MEAÇÃO: DIFERENCIAÇÃO

A herança é o conjunto de bens que é formado quando alguém morre. O falecimento


do autor da herança faz com que o conjunto de bens constitua a herança, que será repassada
aos sucessores.
Essa herança é que forma o espólio, o qual poderá estar em juízo, sem, entretanto, ter
personalidade jurídica. O espólio constitui uma universalidade jurídica, com natureza de ente
despersonalizado, que, entretanto, tem legitimidade para estar em juízo (art. 75, VII, do
Código de Processo Civil).
Conforme disposição expressa do Código Civil, o direito à sucessão aberta e o direito à
herança constituem bens imóveis por determinação legal, mesmo que a herança seja
constituída exclusivamente por bens móveis (art. 80,II, CC).
Além disso, a herança é um bem indivisível, ou seja, antes da partilha há um
condomínio pro indiviso. Nesse caso, o art. 793 do CC consagra que o direito à sucessão aberta
pode ser objeto de cessão, mas é exatamente pelo fato de a sucessão aberta ser considerada
bem imóvel por determinação legal que essa cessão deve ser feita por escritura pública.
É preciso diferenciar a herança da meação, pois comumente, mesmo entre pessoas da
área jurídica, há certa confusão entre o que configura parte da meação e o que constitui a
herança, que será transmitida com a morte.
Carnacchioni faz a diferenciação de forma clara e objetiva, esclarecendo que “a
herança é instituto de direito sucessório e a meação instituto de Direito de Família. A meação
decorre do regime de bens no casamento ou do contrato escrito entre companheiros (ou se
inexistir contrato escrito, de determinação legal – art. 1.725 do CC)” (CARNACCHIONI, 2018, p.
1641).

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Assim, exemplificando, imaginemos que uma pessoa é casada pelo regime da
comunhão parcial de bens e durante o casamento alcança, com a esposa, um patrimônio total
de 2 milhões de reais. No caso, caso essa pessoa faleça, tem-se que, em razão do regime
(Direito de Família), um milhão de reais constituirá a meação, de forma que o outro um milhão
será a herança a ser partilhada entre os herdeiros (Direito das Sucessões). Essa é a distinção
básica entre herança e meação.

2.2. ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA

O Código Civil estabelece o prazo de 30 dias, a contar da abertura da sucessão, para


que haja a abertura do inventário do patrimônio hereditário (art. 1796/CC).
O NCPC, no art. 611, estabelece que o processo de inventário e partilha deve ser
instaurado dentro de 2 meses, o que dá aproximadamente 60 dias, a contar da abertura da
sucessão, devendo ser finalizado nos 12 meses subsequentes, podendo esse prazo,
justificadamente, ser prorrogado de ofício ou a requerimento das partes.
Como se vê, o NCPC estabelece prazo diferenciado do CC. Considerando que o Código
de Processo Civil é norma de igual hierarquia do Código Civil, porém posterior, temos uma
revogação da disposição do Código Civil, prevalecendo o prazo do Código de Processo Civil
(revogação tácita).
A administração do inventário cabe ao inventariante.
O art. 1.797/CC diz que até que haja o compromisso do inventariante, a administração
caberá a um administrador provisório, de acordo com uma ordem sucessiva que é estabelecida
pela lei:
- primeiramente, esta administração provisória caberá ao cônjuge ou companheiro;
- caso não seja a hipótese, pelo herdeiro que estiver na posse ou na administração
daquele bem;
- se houver mais de um herdeiro na posse daquele bem, será o administrador
provisório o mais velho;
- se não for o caso, será o testamenteiro o administrador provisório;
- não havendo testamenteiro, será administrador provisório uma pessoa de confiança
do juiz.
É importante destacar que esse rol é meramente exemplificativo, pois, no caso
concreto, outra pessoa poderá se mostrar mais adequada para administrar provisoriamente os
bens.

2.3. HERANÇA JACENTE E HERANÇA VACANTE

Vimos a vocação hereditária, pela qual a lei estabelece quem são as pessoas que serão
chamadas para suceder o falecido, na titularidade dos bens deixados por aquele. Ocorre que,
por vezes, o falecido pode não ter deixado herdeiros para receber esses bens. Assim, prevê a
lei que, nessa hipótese, os bens passarão ao município ou Distrito Federal.
Nessa linha de raciocínio, o estudo da herança jacente e vacante refere-se às etapas
pelas quais a herança passa quando inexistem herdeiros legítimos (ou estes tenham
renunciado à herança), de forma que os bens deixados pelo falecido são devolvidos ao
Município ou ao Distrito Federal.

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É importante destacar que é possível a convivência da herança jacente com a herança
testamentária. Isso ocorrerá quando o falecido, que não tenha qualquer herdeiro, deixar
testamento que contemple apenas parte dos bens.
Quando não há herdeiros habilitados ou os que poderiam ser renunciam o direito, a
herança fica sem titularidade, já que para o Poder Público não se aplica o princípio de saisine.
Como corolário, segue-se a possibilidade de usucapião desses bens durante o período em que
estão na condição de jacente (1ª etapa), ou seja, até ser declarada a vacância (2ª etapa), os
bens estão sujeitos à usucapião. Com a declaração de vacância, os bens passam à propriedade
resolúvel do Poder Público e ficam nessa condição por 5 anos. Somente após o prazo de 5
anos, a contar da sentença que declara a herança vacante, é que os bens passam ao
patrimônio definitivo do Poder Público.
Assim, temos:
a) Herança jacente: o art. 1.844/CC estabelece que, não sobrevivendo cônjuge, ou
companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo sobrevivido, mas tendo havido a
renúncia à herança, será devolvido ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas
respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal a propriedade à
herança.
Nessa hipótese, os bens deixados pelo falecido ficarão sob a guarda de um curador até
a sua entrega a um sucessor que venha a se habilitar. Se não houver ninguém para se habilitar,
os bens ficarão com esse curador até a última etapa de devolução dos bens ao Município ou
DF, que é a etapa em que a herança é declarada vacante. Antes disso, ela é considerada
jacente, pela ausência inicial de cônjuge, companheiro, descendentes ou ascendentes, bem
como de colaterais, sendo, então, submetida aos cuidados do curador. Se não aparecer
ninguém habilitado a suceder, a herança é declarada jacente.
O art. 738 do NCPC estabelece que nos casos em que a lei considerar jacente a
herança, o juiz, em cuja comarca tinha domicílio o falecido, procederá imediatamente à
arrecadação dos respectivos bens.
Já o art. 740 do NCPC determina ao oficial de justiça, acompanhado de testemunhas,
que arrole os bens do falecido, descrevendo-os num auto circunstanciado.
Eventualmente, se o juiz não puder comparecer ao local por meio do oficial de justiça,
irá requisitar que a autoridade policial proceda à arrecadação e ao arrolamento desses bens
com a presença de duas testemunhas.
Se for por oficial de justiça, basta que esteja acompanhado do curador. Se for por
autoridade policial, serão necessárias duas testemunhas.
O §2º do art. 740 do CPC prevê que não estando ainda nomeado um curador, o juiz irá
designar um depositário para cuidar dos bens. Durante a arrecadação, o juiz ou a autoridade
policial que estiver fazendo a arrecadação, vai inquirir os vizinhos e moradores da vizinhança
para saber quem era o falecido, onde estão ou se existem sucessores, além de saber se há
mais bens em nome do de cujos.
O art. 740, §5º, NCPC diz que, se constar a existência de bens em outra comarca,
deverá o juiz determinar a expedição de carta precatória para que tais bens sejam arrecadados
também.
Feitas essas diligências, serão expedidos editais para tentativa de localização de
sucessores legítimos.
Perceba-se que, com todas essas diligências, ainda estamos na fase da herança
jacente.

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O art. 741 do CPC diz que, ultimada a arrecadação, o juiz mandará expedir edital, o
qual será publicado na internet, permanecendo nos sítios de tribunal, CNJ, por 3 meses, a fim
de que os sucessores venham a se habilitar no prazo de 6 meses a contar do início da
publicação.
Se for verificada a existência de um sucessor ou de um testamenteiro em lugar certo,
será feita sua citação, sem prejuízo do edital que procurará outros sucessores também.
Quando o falecido for estrangeiro, este fato deverá ser comunicado à autoridade
consular. A ideia é de que haja outros mecanismos para encontrar ou procurar outros
herdeiros.
b) Herança vacante: decorrido 1 ano da publicação dos editais, sem que haja herdeiros
que tenham se habilitado, ou que estejam pendentes de habilitação, a herança jacente será
declarada vacante.
Essa declaração de vacância tem caráter de definitividade, de forma que, transitada
em julgado a sentença que declarou a vacância, o cônjuge ou companheiro, os herdeiros, ou
credores do falecido só poderão reclamar o seu direito numa ação direta, não podendo mais
se habilitarem no autos do procedimento de vacância.
Em outras palavras, temos que, com a sentença que declara a vacância da herança, os
bens são transferidos ao ente público, só podendo ser reclamados em ação própria. A
propriedade, no caso, é resolúvel, já que os interessados poderão buscar o direito em ação
própria. Porém, esse direito somente poderá ser perseguido no prazo de 5 anos da sentença
de vacância, já que após esse prazo, os bens passam ao patrimônio definitivo do Poder Público
(Município, Distrito Federal ou da União, conforme o caso).
A transferência, no caso, só ocorre com a sentença de vacância (propriedade
resolúvel), não se aplicando, como já visto, o princípio de saisine.

2.4. ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA

Pelo princípio de saisine, temos que desde a abertura da sucessão, ou seja, desde a
morte do autor da herança, há transmissão imediata da titularidade dos bens e obrigações que
constituem a herança. Todavia, ninguém é obrigada a permanecer na titularidade desses bens
e/ou obrigações. Daí que a lei faculta a aceitação ou não da transmissão da herança.
Nesse sentido, aceitar significa confirmar a transmissão da herança.
O art. 1.804/CC diz que aceita a herança, a transmissão ao herdeiro torna-se definitiva.
Por outro lado, não haverá a transmissão quando há renúncia à herança feita pelo
herdeiro.
A aceitação pode assumir diferentes formas:
 aceitação expressa: ocorre quando o herdeiro ou testamenteiro faz uma
declaração expressa de que aceita a herança;
 aceitação tácita: pode ser que o herdeiro ou testamenteiro não faça essa
declaração expressa no sentido de aceitar a herança, mas atue, no mundo dos
fatos, como se herdeiro fosse. Assim, a aceitação tácita decorre da prática de
atos próprios da qualidade de herdeiro;
 aceitação presumida: o art. 1.807/CC diz que o interessado em que o herdeiro
declare se aceita, ou não, a herança, poderá, 20 dias após a abertura da
sucessão, requerer ao juiz que num prazo razoável, não superior a 30 dias,

447
venha nele a se manifestar o herdeiro sobre a aceitação ou não da herança.
Neste caso, o silêncio importa em aceitação.
Quando a hipótese for de renúncia à herança, ela deverá ser expressa e constar de
escritura pública ou termo judicial, lembrando que, como visto, a herança é considerada bem
imóvel, e, como tal, a transferência depende de forma especial.
Existem duas modalidades de renúncia à herança:
 renúncia abdicativa: é aquela em que o herdeiro, não querendo a herança,
dela abre mão em favor do monte, ou seja, favorecendo todos os demais
coerdeiros. Nesse caso, não existe a incidência do ITBI contra o renunciante;
 renúncia translativa: nessa hipótese, o herdeiro, não pretendendo a herança,
cede os seus direitos em favor de determinada pessoa, incidindo o ITBI neste
caso.
O art. 1.808/CC estabelece que não se pode aceitar ou renunciar a herança em partes,
de forma fracionada (Ex.: não há como aceitar apenas o ativo e recusar o passivo), bem como
não se pode aceitar ou recusar herança sob condição ou a termo (Ex.: aceita a herança se tiver
um filho nos próximos 2 anos).
Existe exceção à regra sobre impossibilidade de fracionamento na aceitação, senão
vejamos:
- O §1º do art. 1.808 diz que o herdeiro, a quem se testarem legados, pode aceitar o
legado e renunciar a herança, ou mesmo aceitar a herança e renunciar o legado.
- O §2º diz que o herdeiro, chamado na mesma sucessão a mais de um quinhão
hereditário, sob títulos sucessórios diversos, pode livremente deliberar quanto aos
quinhões que aceita e aos que renuncia.
Tanto a aceitação e como a renúncia são atos irrevogáveis (art. 1.812) do Código Civil.
O principal efeito da renúncia está no art. 1.810/CC, que estabelece que, na sucessão
legítima, a parte do renunciante vai acrescer aos outros herdeiros da mesma classe. Se ele for
o único herdeiro da classe, será devolvida aos da classe subsequente.
Exemplificando, pensemos a hipótese de Maria, solteira, sem descendentes ou
ascendentes, que falece deixando três irmãos: João, Pedro e José. Nessa hipótese, caso Pedro
renuncie a sua parte na herança, será redistribuída sua parte para os outros dois irmãos. Se
todos os irmãos renunciarem as suas respectivas partes, serão chamados os sobrinhos, que
integram a próxima classe.
A renúncia gera um tratamento ao renunciante como se ele nunca tivesse existido
como pessoa (relativamente aos bens da herança). Logo, quando há renúncia, os herdeiros do
renunciante não podem exercer o direito de representação, pois para a herança, é como se o
renunciante nunca tivesse existido. Se nunca existiu, seus herdeiros não o representam. Com
isso, se Pedro renuncia à herança, seus filhos não podem representá-lo. Isso porque para a
herança passar aos seus filhos, ainda que por direito de representação, seria necessário que
ele tivesse existido e morrido (e para a herança, aquele que renuncia é considerado como se
nunca tivesse existido). Feita a renúncia, aquele que renunciou é apagado como se nunca
tivesse existido. Os bens passam, então, para os demais herdeiros de mesma classe
Se o renunciante for o único legitimado de sua classe, ou se todos de uma mesma
classe renunciarem à herança, vem a sucessão por direito próprio, vindo a sucessão por cabeça
da classe subsequente. Ex.: na hipótese narrada, se todos os irmãos de Maria renunciarem a
herança, os sobrinhos de Maria herdarão por direito próprio.

448
Na hipótese de um herdeiro renunciar à herança, prejudicando terceiro que é seu
credor, esse credor prejudicado poderá, com autorização judicial, aceitar a herança em nome
daquele que havia renunciado. É o que dispõe o artigo 1.813 do Código Civil, que visa evitar
fraudes. Haverá, na hipótese, habilitação do credor no inventário.
Pagas as dívidas do renunciante aos seus credores habilitados no inventário,
prevalecerá a renúncia quanto ao remanescente, lembrando que a renúncia é irrevogável.
Ainda sobre o tema, é importante mencionar o que decidiu o STJ sobre a questão.
Ocorrendo a sucessão é como se o renunciante nunca tivesse existido, acrescendo-se
sua porção hereditária a dos outros herdeiros da mesma classe.
Com isso, caso após a abertura da sucessão e partilha dos bens, não possui o
renunciante qualquer interesse na decretação de nulidade ou anulação do negócio jurídico,
envolvendo bem da herança, mesmo que diante da alegação de ato praticado à margem da lei.
Isso porque se a decretação de nulidade ou anulação fosse reconhecida o bem
retornaria ao acervo hereditário do qual não participaria pelo fato de ter renunciado.
Diante disso, aquele que renuncia a herança não tem legitimidade para pleitear
eventual nulidade de negócio jurídico que envolva um dos bens que integram o patrimônio do
de cujus [REsp 1.433.650-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade,
julgado em 19/11/2019, DJe 04/02/2020– Informativo de jurisprudência n. 664].

2.5. EXCLUÍDOS DA SUCESSÃO: INDIGNIDADE SUCESSÓRIA E DESERDAÇÃO

Quando do estudo das hipóteses de exclusão da sucessão, é fundamental estabelecer


a diferença prévia entre indignidade e deserdação. São institutos muito próximos e se
relacionam com a prática de atos incompatíveis com o direito de suceder. Por conseguinte, são
sanções civis àqueles que não se comportaram bem com o autor da herança.
Como bem esclarece Carnacchioni,

a indignidade é causa de exclusão da herança, seja a sucessão legítima ou


testamentária. O indigno está impedido de receber a herança. Não terá
legitimidade sucessória. O objetivo é punir o herdeiro que praticou conduta
contrária a preceitos éticos, morais e à integridade física, psicológica e intelectual
do autor da herança. É o repúdio à transmissão da herança para qualquer que se
comporta de forma reprovável socialmente em relação ao autor da herança
(CARNACCHIONI, 2018, p. 1.666).

Diferentemente do que vimos quando tratamos da renúncia à herança, na hipótese de


indignidade, o indigno é considerado como se fosse pré-morto. Ou seja, é considerando como
existente, porém pré-falecido, de modo a permitir que seus descendentes o representem.
A indignidade se relaciona tanto aos herdeiros legítimos, como testamentários, e,
ainda, aos legatários, de modo que qualquer um deles, reconhecidos os atos indignos, pode
ser afastado da sucessão. A especificidade da situação do legatário é que a indignidade para
esse caso é hipótese de caducidade do legado (art. 1.939, IV, CC).
As hipóteses de indignidade estão previstas em lei (artigo 1.814, CC) e seu
reconhecimento depende de sentença, sendo os efeitos do reconhecimento pessoais (art.
1.816, CC). A ação de indignidade sucessória poderá ser proposta por qualquer interessado,
mas também poderá ser proposta pelo MP, quando envolver questão de ordem pública.
O prazo decadencial para a ação que visa reconhecer a indignidade sucessória é de 4
anos, a contar da abertura da sucessão.

449
Já a deserdação é um instituto, que embora bem próximo da indignidade, dele se
diferencia porque é feita por testamento, a partir da vontade do autor da herança. É ele quem,
apontando a conduta tida como inadequada para um herdeiro, irá excluí-lo da sucessão.
Veja que a diferença fundamental entre indignidade e deserdação está no fato de que
na indignidade, como vimos, o isolamento sucessório se dá por simples incidência de uma
norma (casos previstos em lei), podendo atingir qualquer herdeiro e poderá ser reconhecida
tanto na sucessão legítima como testamentária. Assim, a exclusão do indigno será feita
quando ocorrer uma das hipóteses previstas em lei. Já a deserdação é própria da sucessão
testamentária e tem por finalidade específica privar o herdeiro necessário da legítima a que
tem direito.
Como vimos, os herdeiros necessários têm proteção quanto à parte indisponível da
herança, que é denominada legítima. A deserdação é um meio de exclusão dessa proteção. Por
meio da deserdação, o autor da herança, apontando os atos praticados pelo herdeiro
necessário, irá excluí-lo da parte que lhe caberia na legítima.
Atente-se para o fato de a deserdação se referir aos herdeiros necessários, que seriam
obrigatoriamente contemplados pela legítima. Não abarca os herdeiros facultativos, porque a
exclusão destes é feita com sua não contemplação no testamento. Como não são protegidos
pela legítima, caso o autor da herança não tenha herdeiros necessários, poderá, para afastar
os herdeiros facultativos da sucessão, dispor de todos os bens, sem os contemplar, não sendo,
por conseguinte, necessária a deserdação (art. 1.8560/CC).
Temos, assim, que a deserdação, repita-se, é instituto próprio para afastar herdeiros
necessários, que seriam beneficiados pela legítima, da sucessão. Essa exclusão somente pode
ser feita por meio de testamento, com expressa menção da causa.
O artigo 1.814, do CC, traz hipóteses indignidade sucessória, quais sejam:
- herdeiros que tenham sido autores, coautores ou partícipes de um homicídio doloso
ou de tentativa de homicídio de cuja pessoa sucessão se tratar, ou então de seu
cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
- herdeiro que tiver acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou o
herdeiro que incorrer em crime contra a honra do autor da herança, do seu cônjuge ou
companheiro;
- herdeiros que, por violência ou por meio fraudulento, tiver inibido ou obstado o
autor da herança a dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Já os artigos 1.962 e 1.963 do CC trazem hipóteses que poderão ser indicadas pelo
autor da herança para exclusão do herdeiro necessário da sucessão. São hipóteses que
autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes ou ascendentes por seus
descendentes:
- quando houver a prática de ofensa física a essas pessoas;
- quando houver injúria grave entre essas pessoas;
- quando houver relações ilícitas com madrasta, padrasto, companheiro, esposa, do
filho ou do neto;
- quando houver o desamparo praticado por essas pessoas, em decorrência de uma
alienação mental ou de grave enfermidade do prejudicado.
As hipóteses elencadas no art. 1.814 do CC podem ser indicadas no testamento para
deserdação dos herdeiros necessários, mas as hipóteses de deserdação indicadas nos arts.
1.962 e 1.963 do CC não se aplicam à indignidade sucessória.

450
Ao herdeiro instituído, ou a quem aproveite essa deserdação, vai incumbir o ônus de
provar a veracidade da causa que foi alegada pelo testador para confirmar a deserdação na
ação de confirmação de deserdação. A deserdação deve necessariamente ser confirmada em
juízo.
O prazo decadencial para essa ação de confirmação é de 4 anos, a contar da abertura
do testamento.
Em relação à indignidade, o art. 1.816 do CC estabelece que são pessoais os efeitos da
exclusão. Isto significa que os descendentes do herdeiro excluído vão sucedê-lo, como se ele
estivesse morto antes da abertura da sucessão.
Isto também acontecerá se os filhos forem menores, mas, nesse caso, o excluído da
herança não terá direito ao usufruto dos bens recebidos na herança, tampouco direito à
sucessão eventual desses bens, caso um de seus filhos venha a morrer.
Essa regra também será aplicada ao caso de deserdação.
Vale ressaltar que são válidas as alienações onerosas e os atos de administração
praticados pelo herdeiro antes da sentença que o excluiu da qualidade de herdeiro, tutelando-
se, assim, a boa-fé de terceiros.
Admite-se ainda a reabilitação do indigno por força de testamento ou por outro ato
autêntico, evidenciando-se o perdão pelo autor da herança.
O art. 1.818 do Código Civil prevê a reabilitação tácita, a qual se dá quando o autor da
herança contempla o indigno como testamenteiro, quando ele já conhecia a causa dessa
indignidade.

2.6. AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA

A ação de petição de herança é o meio pelo qual a pessoa pode reclamar sua condição
de herdeiro. Trata-se, portanto, de ação que tem por escopo ver-se reconhecido como
herdeiro para participação na sucessão por morte de alguém. Essa ação pode ser promovida
mesmo quando já tenha havido a efetiva divisão dos bens deixados pela morte do autor da
herança. A ação de petição de herança destina-se, então, ao reconhecimento da qualidade
sucessória de quem a intenta. Tem por escopo o reconhecimento de um status, do qual deriva
a aquisição da herança.
Estabelece o artigo 1.824/CC que “o herdeiro pode, em ação de petição de herança,
demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou
de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua”.
Acrescenta o art. 1.825/CC, que essa ação de petição de herança, ainda que exercida
por um só dos herdeiros, poderá compreender todos os bens hereditários.
Diz o artigo 1.827/CC que o herdeiro pode demandar os bens da herança, mesmo em
poder de terceiros, sem prejuízo da responsabilidade do possuidor originário pelo valor dos
bens alienados. E isso decorre do fato de a herança ser bem imóvel para os efeitos legais, de
modo que a ação, na hipótese, tem natureza real, permitindo que o herdeiro demande os bens
mesmo que estejam em poder de terceiros.
A regra, então, é a possibilidade de o herdeiro real (reconhecido como tal na ação de
petição de herança) buscar os bens da sucessão em poder de quem quer que estejam,
inclusive de terceiros. Porém, a própria legislação faz ressalva à hipótese do terceiro de boa-fé
que tenha adquirido o bem a título oneroso (art. 1.827, parágrafo único, CC). Nesse caso, são
eficazes as alienações feitas, a título oneroso, pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé. Em
outras palavras, se a pessoa que detinha a posse da herança for um herdeiro aparente, os atos

451
que este praticou a título oneroso e de boa-fé são considerados válidos e eficazes. Aplica-se,
aqui, a teoria da aparência, pela qual há que se reconhecer válido e eficaz o ato praticado por
aquele que aparentava ser o detentor do direito. A alternativa que resta ao herdeiro real
(reconhecido como tal na ação de petição de herança) é pleitear do herdeiro aparente o que
recebeu da venda do bem para o terceiro de boa-fé.
A ação de petição de herança está sujeita ao prazo prescricional de 10 anos.

2.7. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

2.7.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. DIREITO CIVIL. TERMO INICIAL DO PRAZO
PRESCRICIONAL DA AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA EM RECONHECIMENTO
PÓSTUMO DE PATERNIDADE. Na hipótese em que
ação de investigação de paternidade post mortem tenha sido ajuizada após o
trânsito em julgado da decisão de partilha de bens deixados pelo de cujus, o termo
inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de petição de herança é a
data do trânsito em julgado da decisão que reconheceu a paternidade, e não o
trânsito em julgado da sentença que julgou a ação de inventário. A petição de
herança, objeto dos arts. 1.824 a 1.828 do CC, é ação a ser proposta por herdeiro
para o reconhecimento de direito sucessório ou a restituição da
universalidade de bens ou de quota ideal da herança da qual não participou. Trata-
se de ação fundamental para que um herdeiro preterido possa reivindicar a
totalidade ou parte do acervo hereditário, sendo movida em desfavor do detentor
da herança, de modo que seja promovida nova partilha dos bens. A teor do que
dispõe o art. 189 do CC, a fluência do prazo prescricional, mais propriamente no
tocante ao direito de ação, somente surge quando há violação do direito subjetivo
alegado. Assim, conforme entendimento doutrinário, não há falar em petição de
herança enquanto não se der a confirmação da paternidade. Dessa forma, conclui-
se que o termo inicial para o ajuizamento da ação de petição de herança é a data
do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando, em
síntese, confirma-se a condição de herdeiro. REsp 1.475.759-DF, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, julgado em 17/5/2016, DJe 20/5/2016. (INF. 583)

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. INJÚRIA GRAVE. DESERDAÇÃO. INTERDIÇÃO. HERANÇA. O


testador falecido autorizou, no testamento, que os demais herdeiros promovessem
a deserdação do herdeiro ora recorrido, providência tomada na data da
propositura, na origem, da ação de interdição com a qual se pretende vê-lo
excluído da sucessão. Consta que a manifestação, em testamento, do desejo de
excluir o filho (recorrido) da sucessão de seus bens deu-se pelo fato de ele ter
caluniado e injuriado o pai nos autos de inventário de sua mãe (esposa do falecido),
condutas essas que configurariam os crimes de denunciação caluniosa e injúria
grave, a autorizar os demais sucessores a providenciar as medidas cabíveis para
afastá-lo da sucessão dos bens que porventura lhe coubessem por ocasião da
partilha do acervo patrimonial. Note-se que, à época, ainda estava em vigor o
CC/1916. Segundo o Min. Relator, a questão no REsp consiste em saber: se o ato do
herdeiro recorrido consistente no ajuizamento de ação de interdição ou o manejo
de incidente de remoção de seu genitor (sucedido) da inventariança da sua mãe
são fatos capazes de configurar injúria grave a autorizar a sua exclusão da sucessão
e se o herdeiro recorrido - quando afirmou, nos autos do inventário de sua
genitora, que o falecido (sucedido) estaria a realizar operações fraudulentas com a
finalidade de omitir parcela do acervo patrimonial -, com essa alegação, ele pode
ter praticado denunciação caluniosa e, nessa medida, ser penalizado com
a deserdação. Observa que, conforme alude o art. 1.744, II, do CC/1916, nem toda
injúria poderia dar ensejo à deserdação, senão aquela que seja, de fato, grave,

452
intolerável e caracterizada pelo animus injuriandi. Para o Min. Relator, na espécie,
o mero exercício do direito de ação mediante o ajuizamento de ação de interdição
do testador e a instauração do incidente tendente a removê-lo (testador sucedido)
do cargo de inventariante não são, por si, fatos hábeis a induzir a pena
de deserdação do herdeiro nos moldes do citado artigo. Por outro lado, assevera,
quanto à caracterização da denunciação caluniosa nos termos do art. 1.595, II, do
CC/1916, que, mesmo admitindo a possibilidade de que a acusação caluniosa tenha
ocorrido em juízo cível, como pretende o irmão recorrente, era necessário, nos
termos da lei penal (art. 339 do CP com a redação dada pela Lei n. 10.028/2000),
que a acusação tivesse inaugurado investigação policial, processo judicial,
investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa
e, de acordo com o acórdão recorrido, não há comprovação de que o herdeiro
recorrente tenha dado, por suas expressões em autos judiciais, início a qualquer
dos procedimentos mencionados. Diante do exposto, a Turma negou provimento
ao recurso. REsp 1.185.122-RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 17/2/2011.
(INF. 463)

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. SUCESSÃO. EXCLUSÃO. MAUS TRATOS. Trata-se de ação


ordinária para exclusão de mulher da sucessão de tio, que apresentava problemas
mentais por esclerose acentuada, anterior ao consórcio. O casamento restou
anulado por vício da vontade do nubente, que também foi interditado a
requerimento de uma das recorridas, bem como anulada a doação de apartamento
à recorrente. Apesar de o recurso não ser conhecido pela Turma, o Tribunal a
quo entendeu que, embora o efeito da coisa julgada em relação às três prestações
jurisdicionais citadas reste adstrito ao art. 468 do CPC, os fundamentos contidos
naquelas decisões, trazidos como prova documental, comprovam as ações e
omissões da prática de maus tratos ao falecido enquanto durou o casamento, daí a
previsibilidade do resultado morte. Ressaltou, ainda, que, apesar de o instituto
da indignidade, não comportar interpretação extensiva, o desamparo à pessoa
alienada mentalmente ou com grave enfermidade comprovados (arts. 1.744, V, e
1.745, IV, ambos do CC) redunda em atentado à vida a evidenciar
flagrante indignidade, o que leva à exclusão da mulher da sucessão
testamentária. REsp 334.773-RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em
21/5/2002. (INF. 135)

3. SUCESSÃO LEGÍTIMA

3.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Como foi visto em tópico anterior, com a morte de alguém, há imediata transmissão
dos bens para os sucessores, conforme aplicação do princípio de saisine. Pela sucessão
legítima, também denominada sucessão ab intestato (sem testamento), ocorre a transmissão
causa mortis do autor da herança aos herdeiros indicados em lei. A indicação é feita por
classes, por meio da vocação hereditária, estabelecendo-se, como já visto, uma ordem
preferencial, de modo que a classe mais próxima exclui a classe mais remota.
Nessa ordem preferencial, é sempre bom lembrar as decisões do STF que
estabeleceram total equiparação do cônjuge e companheiro, inclusive para fins de sucessão
(RE 646.721-RS e RE 878.694-MG).
O art. 1.829 do CC diz que a sucessão será deferida na seguinte ordem:
- aos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se esse
cônjuge estivesse casado com o falecido em comunhão universal de bens ou no regime
de separação obrigatória de bens, ou no de comunhão parcial de bens e o autor da
herança não tiver deixado bens particulares;

453
- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
- ao cônjuge sobrevivente;
- aos colaterais.
Em que se lê “cônjuge”, leia-se sempre “e companheiro”, interpretando-se o
dispositivo conforme a Constituição Federal.
Relembrando que, havendo herdeiros necessários, obrigatoriamente teremos a
sucessão legítima. É que, como vimos, morrendo uma pessoa e deixando herdeiros ditos
necessários, é obrigatória a reserva da legítima, não podendo o autor da herança dispor de
todos os bens por testamento. Como não pode dispor da legítima, ao menos metade de seus
bens será objeto da sucessão conforme disposição legal que estabelece uma ordem a ser
observada (vocação hereditária). Trata-se, então, de sucessão legítima que pode coexistir com
a sucessão testamentária (no caso do autor da herança, tendo herdeiros necessários, dispor de
metade de seus bens por testamento).
Na sucessão legal, a regra é que a existência de herdeiros de uma classe afasta os da
classe subsequente. É importante destacar que temos que analisar, num primeiro momento,
as classes de herdeiros, dispostas na forma do artigo 1.829/CC, ou seja, primeiro os
descendentes em concorrência com o cônjuge ou companheiro; depois dos ascendentes em
concorrência com o cônjuge e o companheiro; depois o cônjuge ou companheiro sobrevivente
e por fim os colaterais.
Todavia, mesmo na mesma classe, temos também uma ordem que se refere ao grau
de parentesco, de forma que, os mais próximos afastam os mais distantes. Assim, na classe dos
descendentes, a existência de filhos afasta, como regra geral, a concorrência dos netos.
Fala-se em regra geral porque, conforme veremos, é possível que ocorra o direito de
representação, hipótese em que um herdeiro com grau de parentesco mais afastado
representa um herdeiro pré-morto, concorrendo com herdeiros que não têm o mesmo grau de
parentesco que ele.
Ex.: João, viúvo, pai de Pedro e José, falece. Ocorre que José, pai de Henrique, já era
pré-morto quando do falecimento de João. Nesse caso, com a morte de João, são chamados,
na ordem de vocação hereditária, primeiro seus descendentes. Na hipótese, os descendentes
mais próximo são os filhos, o que afasta os de grau mais afastados (netos). Porém, como José
era pré-morto, seu filho o representará, concorrendo com o tio Pedro. Se Pedro tiver filhos,
esses não participarão da sucessão de João, pois são netos e por isso afastados em razão da
existência de herdeiros mais próximos. A exceção ocorre, no caso, em decorrência do direito
de representação. Henrique sucederá por representação e não por direito próprio.
Ressalte-se que a concorrência do cônjuge e companheiro com os herdeiros de cada
ordem será estudada em tópico próprio.

3.2. SUCESSÃO DOS DESCENDENTES (POR CABEÇA OU DIREITO PRÓPRIO E POR


REPRESENTAÇÃO) E CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO

Na análise da vocação hereditária, encontramos os descendentes como os primeiros


chamados na ordem preferencial. No entanto, a legislação estabelece que esses descendentes
poderão concorrer com o cônjuge do falecido (e companheiro por interpretação
constitucional). Assim, descendentes e cônjuges (e companheiros) são herdeiros de primeira
classe, cuja existência afasta o beneficio para os a ascendentes.
Temos, então, que analisar em que hipóteses o cônjuge e o companheiro irão
concorrer com os descendentes, lembrando que aqui se trata de concorrência como herdeiro,

454
hipótese distinta da meação que não é herança. Uma coisa é receber a meação em
decorrência do regime de casamento, outra coisa é herdar em decorrência da morte do
cônjuge ou companheiro.
A legislação, então, é clara ao estabelecer que os cônjuges (e companheiros por
interpretação constitucional) somente concorrerão como herdeiros caso o casamento com o
falecido não tiver sido celebrado com o regime de comunhão universal, obrigatória (legal) ou,
se celebrado no regime de comunhão parcial, o falecido cônjuge tiver deixado bens
particulares.
Assim, não haverá concorrência entre o cônjuge ou companheiro com os descendentes
do falecido:
- quando o cônjuge ou companheiro era casado com o falecido pelo regime da
comunhão universal de bens ou pelo regime da separação obrigatória;
- quando o cônjuge ou companheiro era casado com o falecido pelo regime da
comunhão parcial, e este não houver deixado bens particulares.
Em relação ao regime de comunhão parcial de bens, essa concorrência sucessória que
exige a presença de bens particulares, conforme prevalece, irá recair sobre os bens
particulares. Sobre os bens comuns, o cônjuge casado no regime de comunhão parcial de bens
não será herdeiro, e sim meeiro. No tocante aos bens particulares do cônjuge falecido, ele os
herda.
O art. 1.832 do CC trata, então, da forma como se estabelecerá essa concorrência. Diz
o referido artigo que quando estiver em concorrência com o descendente, cabe ao cônjuge
quinhão igual aos quinhões que couberem a esses descendentes, por cabeça, sendo que a
quota do cônjuge não poderá ser inferior a ¼ da herança, se ele for ascendente dos herdeiros
com os quais concorrer.
Exemplificando a hipótese: João, casado com Maria pelo regime da comunhão parcial
de bens, tinha com esta 3 filhos comuns. Com o falecimento de João, no tocante aos bens
particulares deixados por ele, Maria concorre em igualdade de condições com os
descendentes, por cabeça. Nesse caso, está assegurado a Maria ¼, como decorrência da
divisão desses bens por 4 (ela e os três filhos).
Agora, supondo que João tenha quatro filhos com Maria. Nesse caso, no tocante aos
bens particulares de João, Maria concorrerá por cabeça com os filhos, mas terá direito a 25%
(1/4), devendo os outros 4 dividirem os 75% remanescentes. Isto porque, conforme previsão
expressa em lei, o cônjuge, quando concorre na herança, tem garantido ¼ quando for
ascendente de todos os filhos do casal.
Imaginemos, entretanto, que Maria não seja ascendente de todos os filhos deixados
pelo falecido. Nesse caso, ela receberá em igualdade de condições, mas não existirá o
resguardo de ¼ da herança, no tocante aos bens particulares.
Situação mais complexa e que gera maior debate na doutrina ocorre quando há a
denominada sucessão híbrida, situação em que o cônjuge ou companheiro concorre com filhos
comuns e filhos exclusivos do falecido. Neste caso, questiona-se, então, se há o resguardado ¼
da herança.
Sobre esse tema, temos duas posições. Uma primeira, majoritária, entende que se
houver a sucessão híbrida, não se deverá fazer a reserva da ¼ da herança. Ex.: se houver 5
filhos, 3 do segundo casamento e 2 do primeiro casamento, mais o cônjuge, a herança deveria
ser dividida igualmente por 6, sem resguardo de ¼ para o cônjuge ou companheiro.

455
Uma segunda posição, minoritária, entende que neste caso deveria ser feita a reserva
da ¼ ao cônjuge sobrevivente, porquanto há concorrência do cônjuge ou companheiro com
filhos comuns. Para essa corrente, só seria afastada a garantia do mínimo de ¼ quando não
houvesse nenhum filho comum.
Em relação aos descendentes, o descendente de grau mais próximo excluirá o
descendente de grau mais remoto, salvo o direito de representação. Ex.: João, viúvo, deixou 3
filhos, sendo que cada um tem dois filhos (netos de João – no total de 6 netos). João
morrendo, os 3 filhos herdam, e os netos não herdam nada, já que os descendentes de grau
mais próximo (filhos) afastam os de grau mais remoto (netos). Porém, supondo que um dos
filhos de João era, ao tempo da morte de João, pré-morto. Nesse caso, os 2 netos, filhos do
filho pré-morto de João, herdarão por representação e serão considerados conjuntamente
para fins de divisão da herança. Em outras palavras, na hipótese tratada, 1/3 da herança vai
para cada um dos filhos vivos de João, sendo que a parte do filho pré-morto de João será
dividida pelos dois netos, descendentes do pré-morto.
Vê-se, então, que no direito de representação, os herdeiros, todos reunidos,
representarão o herdeiro pré-morto, recebendo o que àquele competiria. Entre os
representantes, será feita a divisão igualitária do montante que caberia ao herdeiro pré-morto.
Assim é que, no caso proposto, os dois netos, conjuntamente, receberão o que competiria ao
filho de João pré-morto (no caso, ele receberia 1/3 da herança, montante esse que será
dividido entre os dois netos, filhos do pré-morto).
3.2.1. DIREITO PRÓPRIO DE SUCESSÃO E DIREITO DE REPRESENTAÇÃO
Como vimos, na sucessão legítima, pode ocorrer o direito de representação quanto aos
descendentes. É importante, então, fazer a correta diferenciação entre a sucessão por direito
próprio e a sucessão por representação.
- sucessão por direito próprio: o sucessor é chamado a receber a herança em razão da
sua qualidade própria de herdeiro, concorrendo apenas com outros herdeiros da mesma
qualidade ou até não concorrendo com ninguém por ser único da qualidade preferencial
chamada a suceder. O chamamento é, dessa forma, direto ou por direito próprio.
Na sucessão legítima, vimos que a regra é o recebimento da herança por direito
próprio, de forma que a lei fala que, morrendo alguém, primeiro serão chamados a suceder os
descendentes, sendo que os de grau mais próximo afastam os de grau mais remoto.
Exemplificando, se uma pessoa morre deixando cinco filhos, estes receberão por direito
próprio ou por cabeça. Nesse tipo de sucessão, a divisão se fará, então, de forma igualitária,
cada um recebendo um quinhão igual ao outro herdeiro de mesma qualidade.
É de se considerar apenas a possibilidade de o cônjuge ou companheiro, conforme
vimos, concorrer com os descendentes ou ascendentes na sucessão, hipóteses em que,
embora herdem, no caso, também por direito próprio, a legislação prevê que receberão
quinhão diferenciado. Essa situação configura exceção à regra de que os herdeiros por direito
próprio receberão todos o mesmo quinhão.
Em linhas gerais, temos que a partilha da herança por cabeça ou direito próprio será
feita em partes iguais entre os herdeiros de uma mesma classe, com a ressalva da
possibilidade de concorrência do cônjuge ou companheiro.
Veremos que, na classe dos ascendentes, ocorre a chamada sucessão por linhas, na
qual os sucessores herdam por direito próprio, mas os valores são divididos em linhas e não
propriamente por cabeça. Tal ocorre quando uma pessoa morre sem deixar descendentes. Em
sendo assim, serão chamados os ascendentes.

456
Suponhamos que o falecido tenha deixado apenas dois avós paternos e um materno.
No caso, estão todos os avós no mesmo grau, mas em linhas diferentes. Divide-se, então, a
herança pelas duas linhas, na proporção de 50% para cada linha. Como a linha materna só tem
um avô, esse receberá a totalidade que coube à linha materna (50% do valor total da herança).
Já na linha paterna, há dois sucessores, de modo que cada um ficará com 50% do que coube à
linha paterna. Cada um terá, dessa forma, direito a 25% do valor total da herança.
Observe que somente haverá a divisão por linhas se houver ascendentes do mesmo
grau em linhas diferentes (art. 1.836/CC), porque se os graus forem diversos, aplicável a regra
de que o grau mais próximo afasta o grau mais remoto (art. 1.836, § 2º/CC).

 sucessão por direito de representação: é aquela em que um parente mais


distante é chamado a representar aquele mais próximo que é pré-morto. O
chamamento do herdeiro mais distante para exercício do direito de
representação faz-se em razão da existência de herdeiros mais próximos, de
mesma qualidade, daquele pré-morto que receberia também a herança caso
ainda vivo. Como é pré-morto, seus herdeiros o representarão. É, por essa
razão, chamada de sucessão indireta, já que o herdeiro recebe, não por direito
próprio, mas por direito daquele que já falecera. O direito de representação é
previsto para os descendentes e para os filhos do irmão do falecido. Com isso,
assim como ocorre com os descendentes, também é possível que os filhos do
irmão pré-morto o representem na sucessão da pessoa que deixou, como
herdeiros, apenas irmãos. Essa é a única hipótese prevista em lei para a
representação na linha colateral. Admite-se, assim, a representação na linha
colateral como exceção, no caso de concurso de filhos do irmão falecido com
o seu irmão (concorrência do tio com os sobrinhos) (art. 1.853 do CC).
Já na linha ascendente, não é possível a sucessão por representação (art. 1.852, CC).
Ainda sobre esse direito, a regra é que a representação ocorre quando o representado
é pré-morto, mas pode ocorrer a representação de pessoa viva na hipótese do representado
ser considerado indigno (art. 1.816, CC).
Em resumo, podemos dividir o direito de representação da seguinte forma:
- linha reta descendente: na linha reta, vimos que os parentes mais próximos afastam
os mais distantes. Porém, a legislação prevê a possibilidade da representação entre
descendentes, de forma que, por exemplo, filhos do falecido poderão concorrer com
os netos, quando estes estiverem representando um filho do falecido pré-morto. Na
linha ascendente, não há o direito de representação.
- linha colateral ou transversal: na linha colateral, a legislação prevê a possibilidade de
representação, porém somente em relação aos filhos do irmão falecido, quando
concorrerem com outros irmãos do autor da herança. Quanto aos demais colaterais,
não há o direito de representação.
O direito de representação é concedido aos filhos de herdeiro pré-morto.
Uma discussão importante quanto ao direito de representação refere-se à hipótese de
comoriência. Em outras palavras, discute-se se a sua aplicação na hipótese do herdeiro falecer
em situação de comoriência com o autor da herança. Como ficaria a situação? Exemplificando,
se João morre por ocasião de um acidente, juntamente com seu filho Pedro, não se podendo
estabelecer qual morte precedeu a outra. A hipótese é, então, de comoriência. No caso, os
filhos de Pedro o representariam, nesse caso, quanto aos bens de João?

457
O entendimento predominante tem sido em sentido positivo. A jurisprudência tem se
manifestado nesse sentido em conceder aos filhos dos que morreram em comoriência o
direito de sucessão por representação.
Sobre o tema, a VII Jornada de Direito Civil/CJF, em 2015, entendeu que também nos
casos de comoriência entre ascendentes e descendentes, ou entre irmãos, reconhece-se o
direito de representação aos descendentes e aos filhos dos irmãos (Enunciado n. 610).
Ainda em relação ao direito de representação, o art. 1.856/CC estabelece que o
renunciante à herança de uma pessoa pode representá-la na sucessão de outra.
Exemplificando, José, viúvo, é pai de João, Pedro e Antonio. Antonio, por sua vez, tem duas
filhas. Imaginemos que Antonio morra e suas filhas renunciem à herança por ele deixada.
Nesse caso, quando da morte de José, as filhas de Antonio poderão exercer o direito de
representação, representando o pai pré-morto na sucessão dos bens de José. No caso, mesmo
tendo renunciado à herança deixada por Antonio, poderão representá-lo quando do
falecimento de José, recebendo, por direito de representação, o quinhão que caberia a
Antonio. Na situação narrada, a herança será repartida inicialmente em três quinhões, ou seja,
entre os filhos vivos de José e o quinhão do filho pré-morto, sendo este último repartido entre
as duas filhas de Antonio.

3.3. SUCESSÃO DOS ASCENDENTES E CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO

O art. 1.829, no inciso II do CC diz que na falta de descendentes são chamados para
suceder os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, sem haver qualquer
ressalva com relação ao regime de bens.
Veja, os ascendentes são herdeiros de 2ª classe, pois só são chamados a suceder
quando os de 1ª classe faltarem.
Com relação à concorrência dos ascendentes com o cônjuge sobrevivente, não há
nenhuma ressalva da legislação quanto ao regime de bens, o que indica que ele é
absolutamente indiferente, pois concorrerá da mesma forma.
Igualmente como ocorre com os descendentes, os ascendentes de grau mais próximo
excluem o de grau mais remoto. Na sucessão dos ascendentes, não há a denominada sucessão
por representação. Em sendo assim, sempre os parentes ascendentes mais próximos excluirão
os mais remotos.
Exemplificando, João, solteiro e sem filhos, morreu sem deixar quaisquer
descendentes, mas com os dois avós paternos vivos e uma bisavó materna também viva. Neste
caso, a bisavó não herdará por estirpe para representar a avó materna de João. Os parentes de
grau mais próximo, neste caso, são os avós paternos, o que afasta a bisavó materna da
sucessão de João. Assim, somente os avós paternos receberão a herança, pois não se
vislumbra a representação na sucessão dos ascendentes, de forma que a bisavó não poderá
representar avó pré-morta.
Se houver igualdade em graus e diversidade em linhas, os ascendentes da linha
paterna irão receber metade e os da linha materna receberão a outra metade (art. 1.836). Ex.:
João, solteiro e sem descendentes, morreu, deixando avós maternos e um avô paterno. Nesta
hipótese, 50% vai para o avô paterno e 50% vai para os avós maternos.
O art. 1.837/CC diz que, concorrendo o cônjuge com dois ascendentes de 1º grau (pai e
mãe), terá o cônjuge (ou companheiro de acordo com interpretação constitucional) direito a
1/3 da herança. Concorrendo o cônjuge (ou companheiro de acordo com interpretação
constitucional) com somente um ascendente de 1º grau, ou com ascendentes de grau
diversos, terá ele direito a metade da herança. Ex.: João morre e deixa pai, mãe e esposa, cada

458
um receberá 1/3. Se, entretanto, João morre e deixa mãe e esposa, cada uma receberá
metade. Se, por fim, João morre e deixa avô e avó (paternos) e esposa, esta receberá metade e
a outra metade será dividia entre os demais.

3.4. SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO ISOLADAMENTE

Conforme estabelece a legislação, na falta de descendentes e ascendentes, é deferida


a sucessão por inteiro e isoladamente ao cônjuge sobrevivente (e companheiro conforme
interpretação constitucional). Perceba que a sucessão integral da herança pelo cônjuge ocorre
como 3ª opção. Então, o cônjuge (e companheiro) isoladamente considerado é herdeiro de 3ª
classe.
O art. 1.830 do Código Civil diz que somente é reconhecido o direito sucessório ao
cônjuge sobrevivente, se ao tempo da morte do outro não estavam separados judicialmente,
nem separados de fato há mais de 2 anos, salvo se provado neste caso que essa convivência se
tornou impossível sem culpa do sobrevivente.
Esse artigo 1.830 do CC ressuscita a discussão a respeito de culpa na separação do
casal, motivo pelo qual é muito criticado pela doutrina. Tratando do tema, Marcos Alves da
Silva, em artigo intitulado Culpa e castigo no Direito de Sucessão Conjugal, chama atenção
para o fato de o art. 1.830 do novo Código Civil carregar

no remanso de sua linguagem uma tormenta sem precedentes para o Direito das
Sucessões, que há anos jazia sob certezas cristalinas e quase aritméticas, alheio às
polêmicas e mudanças que se operavam, de um modo geral, no Direito Civil. O
mencionado artigo 1.830 do novo Código Civil, objeto da presente reflexão, cuida
de especificar as condições ou requisitos para que ao cônjuge supérstite seja
reconhecido o direito sucessório. Para suceder, o cônjuge não pode, à época da
abertura da sucessão: (i) estar separado judicialmente; (ii) estar separado de fato
há mais de dois anos. Todavia, o codificador consignou uma exceção ao final do
artigo em comento: "...salvo prova, neste caso, (estar separado de fato há mais de
dois anos), de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do
sobrevivente.Não é necessária muita imaginação para antever o desencadeamento
de controvérsias que tal disposição legal irá gerar. A realidade das famílias
brasileiras é pródiga em casos de separações de fato, seguidas de novas uniões
informais, que se tornam estáveis. Nessas circunstâncias, as consequências
jurídicas que advirão da aplicação do disposto no art. 1.830 do novo Código Civil
são, no mínimo, preocupantes.

Prossegue o autor dizendo que

cumpre, ainda, registrar que constitui indiscutível contra-senso o que fez o


legislador ao excepcionar: "salvo prova, neste caso (separação de fato há mais de
dois anos), de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do
sobrevivente." Consagrou um kafkiano absurdo: a presunção da culpa. Ao que se
infere da leitura do texto, o ônus da prova é imputado ao cônjuge que se pretende
herdeiro. Se separado de fato do de cujus há mais de dois anos, a lei presume que
ele foi o culpado da separação e atribui-lhe o ônus de provar que a convivência
com o falecido, tornou-se impossível sem sua culpa. O que ocorreu, nesse caso, foi
uma inaceitável inversão do princípio da presunção da inocência, um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Se a discussão de culpa no Direito de Família já se revela bastante conturbada, no


Direito das Sucessões, a partir da ideia de presunção de culpa estabelecida pelo artigo 1.830
do Código Civil, essa discussão ganha maior confronto na doutrina.

459
Certo é que o STJ, em julgamentos sobre a matéria, já adotou esse entendimento, no
sentido de que, na hipótese de separação de fato, cabe ao pretenso cônjuge ou companheiro
herdeiro comprovar que a separação não se deu por sua culpa.
No julgamento do Resp 15153252/SP, o STJ entendeu que “a sucessão do cônjuge
separado de fato há mais de dois anos é exceção à regra geral, de modo que somente terá
direito à sucessão se comprovar, nos termos do art. 1.830 do Código Civil, que a convivência se
tornara impossível sem sua culpa”. Ainda conforme o julgamento, tendo o Tribunal de origem
entendido que a prova dos autos era inconclusiva no sentido de demonstrar que a convivência
da ré com o ex-marido se tornou impossível sem que culpa sua houvesse, seguiu-se que “não
tendo o cônjuge sobrevivente se desincumbido de seu ônus probatório, não ostenta a
qualidade de herdeiro”.
A propósito do artigo 1.830/CC, Flávio Tartuce nos alerta para o fato de que

o art. 1.830 do Código Civil passa a incidir também para as hipóteses fáticas
relativas à união estável, diante da recente decisão do Supremo Tribunal Federal,
de equiparação sucessória das entidades familiares (Informativo n. 864 da Corte).
Assim, deve-se considerar, em vez do divórcio ou da separação de direito, a
dissolução da união estável, que pode ser feita de forma judicial ou extrajudicial,
litigiosa ou consensual, conforme o tratamento que consta do Código de Processo
Civil de 2015 (arts. 693 a 699; 731 a 733). Também nos casos de união estável
deve-se considerar que a separação de fato do casal põe fim ao relacionamento e
afasta o direito sucessório do companheiro, na mesma linha da leitura idealizada
que aqui propusemos, seguindo farta doutrina (TARTUCE, 2020, p. 2248).

O art. 1.831/CC reconhece ao cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de


bens, o direito real de habitação, o qual se refere ao imóvel destinado à residência do casal,
desde que seja o único imóvel desta natureza que seja objeto de inventário. Nesse particular, é
importante destacar que o STJ tem entendido que não importa se o imóvel é comum ou
exclusivo do falecido, de modo que, ainda que bem exclusivo do falecido, ao cônjuge e ao
companheiro é conferido o direito real de habitação.
Esse direito real de habitação tem uma ligação forte sobre a doutrina do patrimônio
mínimo, defendida no STF pelo Ministro Luiz Edson Fachin. Em linhas gerais, essa doutrina
funda-se na ideia da dignidade da pessoa humana que deve ser considerada inclusive quanto
ao patrimônio mínimo que uma pessoa necessita para ter uma vida digna.
Sobre esse direito, o STJ já entendeu, também, que o direito real de habitação é
conferido por lei, independentemente de o cônjuge ou companheiro sobrevivente ser
proprietário de outros imóveis (REsp 1.249.227/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
17/12/2013, DJe 25/3/2014).
Para maioria da doutrina, o direito real de habitação consubstancia um direito
personalíssimo, voltado para a pessoa do cônjuge sobrevivente (e companheiro conforme
interpretação conforme a CF), de forma que esse titular não pode valer-se desse direito
quando empresta ou aluga o imóvel para terceiro.
Consoante esse entendimento, então, o direito real de habitação é o direito para
habitar, não podendo, em tese, alugar o imóvel, ceder em comodato, etc.
Entretanto, Flávio Tartuce, apresentando posição diferente, esclarece que pode haver
a quebra dessa regra

aplicando-se a ponderação a favor da moradia. Vale lembrar, mais uma vez, que a
técnica da ponderação está prevista no art. 489, § 2.º, do CPC/2015. E, conforme
Enunciado n. 17 do IBDFAM, aprovado no seu X Congresso Brasileiro, em 2015, “a

460
técnica de ponderação, adotada expressamente pelo art. 489, § 2.º, do Novo CPC, é
meio adequado para a solução de problemas práticos atinentes ao Direito das
Famílias e das Sucessões (TARTUCE, 2020, p. 2249).

Para o autor, então, poder-se-ia entender como direito real de habitação a utilização
do imóvel dado em aluguel para, com o dinheiro obtido, alugar outro de menor tamanho, que
atenda às efetivas necessidades do cônjuge (ou companheiro) sobrevivente. Para alcançar esse
resultado, o autor aplica a técnica de ponderação a favor da moradia. Entretanto, é o próprio
autor quem indica recente julgado do STJ, no qual entende que não se deve reconhecer o
direito real de habitação quando o imóvel estiver locado ou cedido em comodato a terceiros
(STJ, REsp 1.654.060/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.10.2018, DJe 04.10.2018).
Ainda sobre o direito do cônjuge sobrevivente à participação na sucessão, importante
destacar os julgados do STF que entenderam pela total igualdade de tratamento em relação ao
companheiro (RE 646.721-RS e RE 878.694-MG, julgados publicados no informativo 864/STF).
Essa plena igualdade de tratamento tem aplicação também no que diz respeito ao direito real
de habitação. O STJ já vinha reconhecendo esse direito e agora, com as decisões do STF, fica
mais clara a plena equiparação entre os direitos dos cônjuges e dos companheiros.
O enunciado 117 do CJF diz que o direito real de habitação deve ser estendido ao
companheiro em razão da interpretação analógica do art. 1.831 do CC. Embora o enunciado
diga que se trata de interpretação analógica, entendemos que a hipótese é de analogia, forma
de colmatação da norma, de integração do sistema.
Percebam que todas as regras aplicáveis ao cônjuge foram estendidas ao
companheiro, de modo que o art. 1.790 do CC, que estabelecia regramento diferenciado na
sucessão do companheiro, foi tido como inconstitucional.
Com o entendimento do STF acerca da inconstitucionalidade do artigo 1.790/CC (ver
RE 878.694), é de se concluir que é aplicado ao companheiro, portanto, o mesmo regime
sucessório dos cônjuges.

3.5. SUCESSÃO DOS COLATERAIS

Quando o autor da herança falece sem deixar descendentes, ascendentes e tampouco


cônjuge ou companheiro, será chamada a próxima classe de herdeiros, a qual compreende os
colaterais.
Assim, os colaterais são herdeiros de 4ª classe. É o que estabelece o artigo 1.839 do
Código Civil.
Quanto aos colaterais, algumas considerações merecem destaque:
- Na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos: quanto aos
colaterais, a legislação prevê o direito de representação, mas tão somente em relação aos
filhos do irmão pré-morto. Exemplificando, João, solteiro, morre sem deixar descendentes
nem ascendentes, tendo apenas um irmão vivo e dois sobrinhos, filhos do irmão pré-morto.
Nesse caso, não havendo testamento, 50% da herança caberá ao irmão vivo e os outros 50%
serão divididos entre os sobrinhos, por representação ao irmão pré-morto. Os sobrinhos, no
caso, herdam por representação.
A representação na sucessão dos colaterais somente é aplicável aos filhos do irmão
pré-morto, não se estendendo aos demais colaterais.
- Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada
um dos irmãos unilaterais vai ter direito à metade do que receber o irmão bilateral: a
legislação estabelece uma diferenciação entre irmãos bilaterais (que possuem o mesmo pai e a

461
mesma mãe) dos irmãos unilaterais (só possuem ou o pai ou a mãe em comum).
Exemplificando, João, solteiro, morre deixando dois irmãos unilaterais e um irmão bilateral. No
caso, o irmão bilateral receberá 50% da herança de João e os irmãos unilaterais receberão,
cada um, 25% da herança.
- Na falta de irmãos, serão chamados a sucessão os filhos dos irmãos. Na falta dos
sobrinhos, herdarão os tios. Na falta destes, os primos. A regra é a de que os sobrinhos terão
prioridade sobre os tios, ainda que sejam de mesmo grau. Portanto, se houver sobrinhos, tios
não irão herdar.

3.6. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

3.6.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Direito das sucessões. Direito real de habitação. Art.
1.831 do Código Civil. União estável reconhecida. Companheiro sobrevivente.
Patrimônio. Inexistência de outros bens. Irrelevância. O reconhecimento do direito
real de habitação, a que se refere o artigo 1.831 do Código Civil, não pressupõe a
inexistência de outros bens no patrimônio do cônjuge/companheiro sobrevivente.
Registre-se inicialmente que o art. 1.831 do Código Civil e o art. 7º da Lei n.
9.278/1996 impôs como a única condição para garantia do cônjuge sobrevivente
ao direito real de habitação é que o imóvel destinado à residência do casal fosse o
único daquela natureza a inventariar, ou seja, que dentro do acervo hereditário
deixado pelo falecido não existam múltiplos imóveis destinados a fins residenciais.
Nenhum dos mencionados dispositivos legais impõe como requisito para o
reconhecimento do direito real de habitação a inexistência de outros bens,
seja de que natureza for, no patrimônio próprio do cônjuge sobrevivente. Não é
por outro motivo que a Quarta Turma, debruçando-se sobre controvérsia
semelhante, entendeu que o direito real de habitação é conferido por lei,
independentemente de o cônjuge ou companheiro sobrevivente ser
proprietário de outros imóveis (REsp 1.249.227/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 17/12/2013, DJe 25/3/2014). Com efeito, o objetivo da lei é permitir
que o cônjuge sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que residia ao
tempo da abertura da sucessão como forma, não apenas de concretizar
o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária
e social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e psicológico
estabelecido pelos cônjuges com o imóvel em que, no transcurso de sua
convivência, constituíram não somente residência, mas um lar. Além disso, a
norma protetiva é corolário dos princípios da dignidade da pessoa humana e da
solidariedade familiar que tutela o interesse mínimo de pessoa que, em regra, já se
encontra em idade avançada e vive momento de inconteste abalo resultante da
perda do consorte. REsp 1.582.178-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por
maioria, julgado em 11/09/2018, DJe 14/09/2018 (INF. 633).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Sucessão. Inventário. União estável. Filhos comuns e


exclusivos do autor da herança. Concorrência híbrida. Reserva da quarta parte da
herança. Inaplicabilidade. Art. 1.832, parte final, do CC. Interpretação restritiva.
Quinhão hereditário do companheiro igual ao dos descendentes. A reserva da
quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à
hipótese de concorrência sucessória híbrida. Cinge-se a controvérsia em torno da
fixação do quinhão hereditário a que faz jus a companheira, quando concorre com
um filho comum e, ainda, outros seis filhos exclusivos do autor da herança. O artigo
1.790 do Código Civil, ao tratar da sucessão entre os companheiros, estabeleceu
que este participará da sucessão do outro somente quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável e, concorrendo com filhos comuns, terá
direito à quota equivalente ao filho, e, concorrendo com filhos do falecido, tocar-

462
lhe-á metade do que cada um receber. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a
inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC tendo em vista a marcante e
inconstitucional diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da
união estável. Sendo determinada a aplicação ao regime sucessório na união
estável o quanto disposto no art. 1.829 do CC acerca do regime sucessório no
casamento. Esta Corte Superior, interpretando o inciso I desse artigo, reconheceu,
através da sua Segunda Seção, que a concorrência do cônjuge e, agora,
do companheiro, no regime da comunhão parcial, com os descendentes somente
ocorrerá quando o falecido tenha deixado bens particulares e, ainda, sobre os
referidos bens. Por sua vez, o art. 1.832 do CC, ao disciplinar o quinhão do cônjuge
(e agora do companheiro), estabelece caber à convivente supérstite quinhão igual
ao dos que sucederem por cabeça, e que não poderá, a sua quota, ser inferior à
quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. A
norma não deixa dúvidas acerca de sua interpretação quando há apenas
descendentes exclusivos ou apenas descendentes comuns, aplicando-se a reserva
apenas quando o cônjuge ou companheiro for ascendente dos herdeiros com que
concorrer. No entanto, quando a concorrência do cônjuge ou companheiro se
estabelece entre herdeiros comuns e exclusivos, é bastante controvertida na
doutrina a aplicação da parte final do art. 1.832 do CC. A interpretação mais
razoável do enunciado normativo é a de que a reserva de 1/4 da herança restringe-
se à hipótese em que o cônjuge ou companheiro concorrem com os descendentes
comuns, conforme Enunciado 527 da V Jornada de Direito Civil. A interpretação
restritiva dessa disposição legal assegura a igualdade entre os filhos, que dimana
do Código Civil (art. 1.834 do CC) e da própria Constituição Federal (art. 227, § 6º,
da CF), bem como o direito dos descendentes exclusivos não verem seu patrimônio
injustificadamente reduzido mediante interpretação extensiva de norma. Assim,
não haverá falar em reserva quando a concorrência se estabelece entre o
cônjuge/companheiro e os descendentes apenas do autor da herança ou, ainda, na
hipótese de concorrência híbrida, ou seja, quando concorrem descendentes
comuns e exclusivos do falecido. REsp 1.617.650-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 11/06/2019, DJe
01/07/2019 (INF. 651).

4. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

4.1. CONCEITO DE TESTAMENTO E CARACTERÍSTICAS

No estudo do Direito das Sucessões, temos que o testamento é um claro exemplo de


exercício da liberdade individual. Pelo testamento, o autor da herança manifesta sua vontade
em relação ao seu patrimônio para além de sua morte, mas também pode manifestar-se sobre
outras questões que não meramente patrimoniais. Pelo testamento, por exemplo, o falecido
pode expor o desejo de reconhecimento de filhos e nomeação de tutor aos filhos menores.
Esses exemplos demonstram que qualquer conceituação que se limite ao aspecto patrimonial
estará equivocada.
Nessa ordem de ideias, Tartuce conceitua o testamento, esclarecendo que “é um
negócio jurídico unilateral, personalíssimo e revogável pelo qual o testador faz disposições de
caráter patrimonial ou extrapatrimonial, para depois de sua morte. Trata-se do ato sucessório
de exercício da autonomia privada por excelência” (TARTUCE, 2020, p. 2.290).
Assim, o testamento poderá ter conteúdo patrimonial e/ou extrapatrimonial, inclusive
apenas conteúdo extrapatrimonial.
O art. 1.857/CC diz que são válidas as disposições testamentárias de caráter não
patrimonial, ainda que o testador somente a elas tenha se limitado. Dessa forma, é possível
fazer um testamento moral, de valores para que os filhos possam seguir, não tendo nada de

463
patrimonial. Tartuce denomina esse testamento de “testamento ético” (TARTUCE, 2020, p.
2.291).
Outro importante escopo do testamento, que não encerra conteúdo patrimonial, mas
que ganha relevância por conter manifestação de vontade do falecido, é citado por Tartuce e
se refere a julgamento recente do STJ.

Trata-se do chamado testamento criogênico, com o destino do corpo para


congelamento e eventual ressuscitação no futuro, em virtude da evolução e
aprimoramento da medicina e de outras ciências, sem a necessidade de
observância de qualquer formalidade quanto ao ato de última vontade. Conforme a
tese fixada no decisum, “não há exigência de formalidade específica acerca da
manifestação de última vontade do indivíduo sobre a destinação de seu corpo após
a morte, sendo possível a submissão do cadáver ao procedimento de criogenia em
atenção à vontade manifestada em vida (STJ, REsp 1.693.718/RJ, 3.ª Turma, Rel.
Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 26.03.2019, DJe 04.04.2019) (TARTUCE, 2020, p.
2.291).

Ainda em relação ao conteúdo extrapatrimonial, Daniel Carnacchioniu cita o


testamento vital. Para ele “o testamento vital ou living will, também conhecido como diretiva
antecipada da vontade, é o direito de a pessoa dispor, por meio de testamento, sobre
questões que envolvam o uso de terapias par prolongar, de forma artificial, o processo natural
de morte. O testamento vital viabiliza a morte digna, em respeito à vontade do paciente, que
pode definir os limites terapêutico a serem adotados em seu tratamento de saúde. Sobre o
assunto, a Resolução n. 1995, de 09/08/2012” (CARNACCHIONI, 2018, p. 1691).
Em relação ao conteúdo patrimonial, o art. 1.857, §1º, do CC diz que os bens da
legítima não podem ser objeto de testamento (50% do patrimônio do sujeito, se tiver
herdeiros necessários). Com efeito, como visto, quando o falecido deixa herdeiros necessários,
ainda que haja testamento, esse se limitará à parte disponível, que não abarca a legítima. Por
isso, diz-se que sempre que haja herdeiros necessários, a sucessão será obrigatoriamente
legítima, ainda que concorra com a testamentária.
Daniel Carnacchioni nos alerta para o fato de ao testamento, como negócio jurídico
que é, ter aplicação a teoria do negócio jurídico em relação aos pressupostos de existência e
validade e também, sob alguns aspectos regras sobre obrigações e direitos reais
(CARNACCHIONI, 2018, p. 1689).
São características do testamento:
- aperfeiçoa-se com uma única manifestação de vontade, e a renúncia ou a aceitação
da herança é irrelevante do ponto de vista jurídico para validade do testamento;
- o testamento é um negócio jurídico gratuito, pois o testador não aufere qualquer
vantagem;
- é um negócio mortis causa, pois somente produz efeitos após a morte;
- é revogável, pois o testador poderá modificá-lo ou revogá-lo a qualquer tempo. Por
outro lado, a despeito de ser revogável, o reconhecimento de filho irrevogável. Em sendo
assim, quando há reconhecimento de filho em um testamento, ainda que o testamento seja,
por qualquer motivo, revogado, persiste o reconhecimento nele constante;
- é vedado o testamento conjuntivo, sendo nulo e vedado por lei o testamento por
meio de mais de uma pessoa conjuntamente;
- toda pessoa capaz poderá dispor por testamento da totalidade de seus bens para
depois da morte (lembrando que se houver herdeiros necessários, essa disposição se limitará à

464
metade da herança). Como dito, o testamento segue, em linhas gerais, os pressupostos dos
negócios jurídicos. Em relação ao plano da validade, especificamente quanto à capacidade do
testador, a lei não permite que menores de 16 anos (absolutamente incapazes) testem e o art.
1.860/CC diz que também não podem testar as pessoas que no ato de fazer o testamento não
estiverem no pleno discernimento (Ex.: bêbado, drogas, etc.). Quanto ao maior de 16 anos e
menor de 18 anos (relativamente incapaz), entretanto, a lei estabelece expressamente que
eles podem testar, mesmo sem assistência. É o que diz expressamente o artigo 1.860/CC.
Com a Lei nº 11.346/2015, tivemos uma grande alteração quanto à teoria das
incapacidades. A partir dessa legislação, em consonância com pactos internacionais de que o
Brasil é signatário, somente os menores de 16 anos são considerados absolutamente
incapazes. Além dessa incapacidade absoluta, o artigo 4º prevê quem são os relativamente
incapazes. Vimos que daqueles elencados no artigo 4º, o Código Civil faz expressa menção à
possibilidade de o maior de 16 e menor de 18 anos testar, mesmo sem assistência. Quanto aos
demais ali elencados, surge o questionamento sobre a possibilidade de exercício do direito de
testar.
Daniel Carnacchioni, ao tratar do tema, diz que

os incapazes não podem testar (art. 1.860, caput, CC). Mas quem é considerado
incapaz para o testamento? Incapazes são os menores de 16 anos, atualmente os
únicos absolutamente incapazes (art. 3º do CC), assim, como todos os arrolados no
art. 4º do CC (pródigos, aqueles que por causa permanente ou transitória não
podem exprimir vontade, os ébrios habituais e viciados em tóxicos), que são
relativamente incapazes. Tais pessoas, por não terem o pleno discernimento, não
possuem capacidade testamentária ativa (art. 1.860 do CC) (CARNACCHIONI, 2018,
p. 1.689).

Daí se concluir que os absolutamente incapazes não podem testar (menores de 16


anos). Quanto aos relativamente incapazes, tratando-se de incapacidade decorrente da idade
(maiores de 16 e menores de 18 não emancipados), poderão testar mesmo sem assistência,
por expressa previsão legal. Os demais relativamente incapazes entram na regra geral de
impossibilidade de testar.
Remanesce, ainda, dúvida quanto àquelas pessoas que, sendo deficientes, não são
consideradas incapazes.
Como dito, com a Lei nº 11.346/2015, tivemos uma grande alteração quanto à teoria
das incapacidades. Assim, agora, a regra é a plena capacidade, sendo a declaração de
incapacidade relativa sempre excepcional. Consoante a legislação, a incapacidade relativa será
reconhecida judicialmente quando a pessoa tiver comprometido o pleno discernimento por
conta de alguma enfermidade. Daí decorre que a simples deficiência não é suficiente para o
reconhecimento da incapacidade. É preciso que, em razão dessa deficiência, haja
comprometimento do pleno discernimento.
Em sendo assim, uma pessoa deficiente, que não tenha comprometida a plena
capacidade de discernimento, poderá testar.
Questiona-se: e o deficiente que tem o comprometimento do pleno discernimento,
poderá testar?
Respondendo a essa indagação, Daniel Carnacchioni diz que

no caso de deficiência física ou mental, é essencial apurar o grau de intensidade de


prejuízo ao discernimento para permitir ou não que o testador, no ato de testar,
receba a ajuda ou auxílio, sem que tal colaboração comprometa o caráter
personalíssimo do testamento (...) poderão testar, desde que a deficiência não

465
comprometa a capacidade discernimento a ponto de o testador não ter
compreensão do negócio jurídico (...)(CARNACCHIONI, 2018, p. 1.690).

Por esse entendimento, não fica afastada a possibilidade de o deficiente testar. Se


tiver plena capacidade de discernimento, poderá livremente testar, sem maiores problemas.
Se tiver algum comprometimento, a análise será feita caso a caso, de modo a se perquirir se o
comprometimento da plena capacidade compromete a compreensão do negócio que se
pretende fazer. Se não comprometer, poderá fazê-lo com a participação do curador ou
colaborar que participe da tomada de decisão apoiada.
Esse é ainda um tema bastante novo, em decorrência da mudança relativamente
recente, e ainda suscita muitas discussões não completamente resolvidas pela jurisprudência.
A regra geral a ser observada é a do artigo 1.860 do Código Civil que estabelece que
pode testar quem está em pleno gozo do discernimento.
O art. 1.859/CC diz que se extingue em 5 anos o direito de impugnar a validade do
testamento, contado o prazo da data do seu registro. Este prazo se aplica aos casos de
nulidade relativa e também aos casos de nulidade absoluta.
A capacidade para testar é analisada no momento da manifestação de vontade. Em
sendo assim, se quando da exteriorização de vontade, o testador tinha pleno gozo da
capacidade de discernimento, o testamento será plenamente válido, ainda que em momento
posterior, haja comprometimento desse discernimento. Por outro lado, se há
comprometimento do discernimento por ocasião da exteriorização de vontade, posterior
recuperação da plena capacidade não retroage para tornar válido o testamento.
Quanto à capacidade testamentária passiva, ou seja, relativa a quem pode receber a
herança, tem-se uma amplitude de possibilidades. Conforme estabelece a legislação, além das
pessoas naturais nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão (art. 1.798,
CC), podem ser chamados a suceder, em razão do testamento, a prole eventual, as pessoas
jurídicas e as pessoas jurídicas cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de
fundação (art. 1.799, CC).
Assim, vê que, em relação à capacidade para testar, somente as pessoas naturais
poderão fazê-lo. É assim um instituto que não se aplica às pessoas jurídicas, quanto à
capacidade para testar. Sendo assim, as pessoas jurídicas não podem testar, mas, como vimos,
podem ser beneficiadas por testamento ou legado. Isso significa que não podem testar, mas
podem ser nomeadas herdeiras ou legatárias.

4.2. MODALIDADES ORDINÁRIAS DE TESTAMENTO

O próprio Código Civil estabelece as modalidades de testamento. Diz o art. 1.862 que
são modalidades ordinárias de testamento:

 testamento público;
 testamento cerrado;
 testamento particular.
a) Testamento público: é aquele lavrado pelo tabelião de notas. Ele recebe as
declarações do testador, observa os requisitos essenciais do art. 1.864/CC e lavra o
testamento.
São requisitos para o testamento público:
- testamento deve ser escrito pelo tabelião em seu livro de notas, de acordo com as
declarações do testador;

466
- o testamento deverá ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a 2 testemunhas
ao mesmo tempo;
- poderá ser lido pelo testador na presença das testemunhas e do oficial (tabelião);
- o instrumento deve ser, em seguida a esta leitura, assinado pelo testador, pelo
tabelião e pelas testemunhas.
A jurisprudência superior tem mitigado a observância desses requisitos formais do
testamento público. De acordo com essa jurisprudência, privilegia-se a vontade do testador,
de modo que, se ficar evidente que a pessoa foi quem efetivamente manifestou a vontade
(testou), ainda que na presença de apenas uma testemunha, poder-se-á mitigar o formalismo
para fazer valer a vontade do testador.
Se o testador não souber ou não puder assinar, neste caso o tabelião irá declarar isso
no instrumento, e, além disso, uma das testemunhas instrumentárias irá assinar pelo testador,
a seu rogo.
Assim, confirma-se a tese pela qual o analfabeto poderá testar por meio de
testamento público, já que quem não souber assinar poderá pedir que uma pessoa assine a
seu rogo.
O art. 1.866/CC diz que o indivíduo inteiramente surdo, se souber ler, poderá testar.
Nesses casos, o sujeito irá ler o seu testamento ou, se não souber ler, irá designar alguém que
o leia, presente as testemunhas.
Em relação aos cegos, somente é possível testar por meio do testamento público, caso
em que será lido em voz alta por duas vezes: uma pelo tabelião e outro por uma das
testemunhas (art. 1.867, CC).
Ocorrendo o falecimento do testador, segundo o CPC 2015, qualquer interessado,
exibindo o traslado e a certidão de testamento público, poderá requerer ao juiz que ordene o
cumprimento do testamento.
b) Testamento cerrado: é também chamado de testamento místico, pois não se sabe
qual é o seu conteúdo até que o sujeito morra. Na prática, o testamento cerrado não tem
muita aplicação. Se é certo que o brasileiro não tem o hábito de fazer testamentos, pode-se
dizer que menos ainda nessa forma cerrada.
O art. 1.868/CC estabelece que o testamento cerrado, escrito pelo testador ou por
outra pessoa, a seu rogo, e assinado pelo testador, será válido se aprovado pelo tabelião ou
seu substituto legal, observadas as formalidades da lei.
São formalidades para o testamento cerrado:
- testamento deve ser escrito pelo próprio testador ou por alguém a seu rogo, mas, de
qualquer forma, assinado pelo testador. Se for redigido mecanicamente, cabe ao testador
rubricar todas as páginas. O artigo 1.870/CC permite que o tabelião escreva o testamento a
rogo do testador e, na sequência, o aprove;
- testador deve entrega o testamento ao tabelião em presença de 2 testemunhas;
- testador deve declarar que aquele é o seu testamento e que quer que seja aprovado;
- tabelião deve lavrar, desde logo, o auto de aprovação, na presença de duas
testemunhas, lendo-o, em seguida, ao testador e testemunhas;
- o auto de aprovação deverá ser assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo
testador.

467
Após, a legislação estabelece que o tabelião irá cerrar e coser (costurar) o documento
aprovado, tudo isso com 5 pontos de retrós, sendo lacrado nos pontos de costura (art. 1.689).
A jurisprudência, entretanto, tem mitigado essas exigências.
O testamento cerrado poderá ser escrito em língua nacional ou em língua estrangeira
(art. 1.871). Não pode dispor de seus bens no testamento cerrado quem não sabe ler ou
escrever, pois é necessário que o próprio testador escreva o seu testamento ou pelo menos o
assine. Dessa forma, não obstante o analfabeto tenha capacidade ativa testamentária, não
poderá manifestar sua última vontade por esse tipo de testamento.
Quanto ao surdo ou o mudo, poderão fazer o testamento cerrado desde que saibam
escrever.
Após a aprovação e cerrado o testamento, este será entregue ao testador, lançando o
tabelião no seu livro o dia, lugar, hora, ano, etc. em que o testamento foi aprovado e entregue
ao testador.
Quando ocorrer a morte do testador, o testamento cerrado será apresentado ao juiz e
este, constatando que não vício externo que torne o testamento nulo ou suspeito de falsidade,
irá abri-lo, determinando que se registre para que seja cumprido.
Do termo de abertura do testamento, constará o nome de quem apresentou o
testamento cerrado, ainda de forma secreta, e como essa pessoa obteve o testamento.
O Ministério Público será ouvido e, não havendo dúvidas a serem esclarecidas, o juiz
mandará registrar, arquivar e cumprir o testamento. Feito o registro, será intimado o
testamenteiro para que ele venha a assinar o termo da testamentaria.
O art. 1.980/CC estabelece que o testamenteiro é obrigado a cumprir as disposições
testamentárias no prazo marcado pelo testador. Além disso, terá que dar conta do que
recebeu e despendeu, com responsabilidades que perduram durante a execução do
testamento.
c) Testamento particular: é também chamado de testamento hológrafo, pois é escrito
pelo próprio testador, sem maiores formalidades. Estabelece o art. 1.876 do CC que o
testamento particular poderá ser escrito de próprio punho ou por processo mecânico. Quando
o testador opta pelo testamento particular escrito de próprio punho, necessariamente o
testamento deverá ser lido e assinado na presença de, pelo menos, três testemunhas, as quais
também deverão subscrever esse testamento.
Sendo elaborado por um processo mecânico, não poderá conter rasuras e nem
espaços em branco. Da mesma forma, deverá ser assinado pelo testador, após ter sido lido na
presença de ao menos três testemunhas, as quais irão assiná-lo.
A jurisprudência mitiga os rigores formais estabelecidos em lei. A ideia é buscar a real
vontade do testador, a qual, ficando comprovada, deverá ser respeitada com o cumprimento
do testamento. Privilegia-se, então, a vontade do testador em detrimento das formalidades
legais.
A regra segundo a qual a assinatura de próprio punho é requisito de validade do
testamento particular, pois, traz consigo a presunção de que aquela é a real vontade do
testador, tratando-se, todavia, de uma presunção juris tantum, admitindo-se, ainda que
excepcionalmente, a prova de que, se porventura ausente a assinatura nos moldes exigidos
pela lei, ainda assim era aquela a real vontade do testador.
No caso, a despeito da ausência de assinatura de próprio punho do testador e de o
testamento ter sido lavrado a rogo e apenas com a aposição de sua impressão digital, não

468
havia dúvida acerca da manifestação de última vontade da testadora que, embora sofrendo
com limitações físicas, não possuía nenhuma restrição cognitiva.
Diante disso, conclui-se que é válido o testamento particular que, a despeito de não
ter sido assinado de próprio punho pela testadora, contou com a sua impressão digital [REsp
1.633.254-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por maioria, julgado em 11/03/2020,
DJe 18/03/2020 - Informativo de jurisprudência n. 667].
Falecido o testador, publica-se em juízo o testamento particular, e, na sequência,
citam-se os herdeiros. Caso as testemunhas confirmem a disposição de última vontade ou pelo
mesmo a leitura perante elas, reconhecendo as próprias assinaturas, assim como a do
testador, o testamento será confirmado.
O NCPC estabelece, no art. 737, que a publicação do testamento particular poderá ser
requerida pelo herdeiro, legatário, pelo testamenteiro ou por um terceiro que detenha o
testamento.
O §1º desse dispositivo diz que serão intimados os herdeiros que não tiverem
requerido a publicação do testamento, a fim de que possam ser inquiridos em juízo.
No §2º, o legislador estabelece que se o juiz perceber a presença dos requisitos
previstos em lei, depois de ouvir o MP, vai confirmar o testamento.
O art. 1.878 do Código Civil diz que se as testemunhas forem contestes sobre o fato da
disposição ou sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem essas testemunhas as suas
próprias assinaturas, assim como a assinatura do testador, o testamento será confirmado.
Agora, se faltar uma testemunha porque morreu ou está ausente, mas pelo menos a
que resta reconhecer a sua assinatura do testamento e a assinatura do testador, esse
testamento poderá ser confirmado a critério do juiz se se perceber suficiente a prova da sua
veracidade.
Assim, ainda que falte uma testemunha, por morte ou outro motivo, caso as
testemunhas remanescentes reconheçam o testamento, este poderá ser confirmado,
privilegiando-se, sempre, a busca do cumprimento da última vontade do autor da herança.
Caberá ao juiz analisar a presença de provas suficientes de veracidade da exteriorização de
vontade do testador.
Daniel Carnacchioni chama a atenção para a possibilidade de, em circunstâncias
excepcionais, declaradas na cédula testamentária, é possível que o testamento particular de
próprio punho e assinado pelo testador assim seja feito sem testemunhas, situação na qual
poderá ser confirmado desde que situações excepcionais justifiquem a ausência de
testemunhas. É o caso do testamento particular de emergência (CARNACCHIONI, 2018, p.
1694).
Exemplificando, poderíamos citar a hipótese de alguém, sequestrado e em risco de
morte, pegar um papel e uma caneta e exteriorizar sua última vontade, descrevendo como
gostaria que seus bens fossem distribuídos. Feito isso, guarda o papel no bolso. Caso seja
efetivamente morto, em sendo encontrado o papel com a devida assinatura do falecido,
excepcionalmente, poder-se-á considerar a vontade do autor da herança, ainda que sem
nenhuma testemunha do ato. Como dito, privilegia-se a vontade exteriorizada em detrimento
das formalidades exigidas em lei e que, no caso concreto, seria impossível sua observância.
O art. 1.880/CC diz que o testamento particular pode ser escrito em língua estrangeira,
desde que as testemunhas compreendam essa língua.

469
4.3. MODALIDADES ESPECIAIS DO TESTAMENTO

Além das modalidades descritas, o Código Civil prevê modalidades especiais de


testamento. São elas:

 testamento marítimo;
 testamento aeronáutico; e
 testamento militar.
É importante destacar que esse rol é taxativo, não possibilitando, por conseguinte,
uma interpretação extensiva.
Essas modalidades estão submetidas às mesmas regras de publicação e confirmação
do testamento particular. Em verdade, não há praticamente nenhuma aplicação prática.
a) Testamento marítimo e aeronáutico: o art. 1.888/CC estabelece que aquele que
estiver em viagem a bordo de um navio nacional pode testar perante o comandante e na
presença de duas testemunhas. Esse testamento poderá ser público ou cerrado, de próprio
punho, lacrado, etc. Para fazer a manifestação de última vontade por esse meio de testamento
não é preciso ser militar, bastando que a pessoa, militar ou civil, esteja a bordo de um navio.
O registro desse testamento será feito no diário de bordo.
O art. 1.889/CC segue a mesma linha, mas se refere ao testamento a bordo de
aeronave. Quem estiver a bordo de aeronave poderá testar na presença de pessoa designada
pelo comandante e outras duas testemunhas, adotando a forma de um testamento público ou
testamento cerrado, devendo ser registrado no diário de bordo.
Esse testamento ficará sob a guarda do comandante. Quando o navio atracar ou
quando a aeronave pousar, caberá ao comandante entregar o testamento às autoridades do
primeiro porto ou aeroporto, conforme o caso.
O testamento marítimo ou aeronáutico caducará se o testador não morrer naquela
viagem e nos próximos 90 dias subsequentes ao seu desembarque em terra no lugar em que
possa fazer o testamento de forma ordinária, não fizer outro testamento.
Então, na verdade, o testamento marítimo e o aeronáutico vão caducar, se o testador
não tiver morrido na viagem, em 90 dias subsequentes ao seu desembarque em terra em lugar
que se possa fazer de forma ordinária outro testamento, e assim não o confirmar.
O art. 1.892 estabelece que é inválido o testamento marítimo se, ao tempo que se fez,
o navio estava em porto, onde o testador pudesse desembarcar e testar de forma ordinária.
b) Testamento militar: o testamento militar poderá ser feito, não havendo tabelião,
perante duas testemunhas.
Se o testador não souber escrever, por estar ferido ou se for analfabeto, serão
necessárias três testemunhas, visto que uma delas irá assinar a rogo, a pedido do testador.
Se o testador pertencer a corpo ou a cessão de corpo destacado, o testamento será
escrito pelo comandante daquele corpo.
Se o testador estiver em tratamento em hospital, o testamento será escrito pelo oficial
de saúde ou pelo diretor daquele hospital.
Já no caso de o testador ser oficial mais graduado, o testamento será escrito por
aquele que o substituir, ou seja, o próximo na linha sucessória.

470
Conforme estatui o art. 1.891/CC, caducará o testamento marítimo ou aeronáutico, se
o testador não morrer na viagem, nem nos noventa dias subsequentes ao seu desembarque
em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento.
Vale ressaltar que os militares, se estiverem em combate, e forem feridos, poderão
testar oralmente, confiando as suas últimas palavras a duas testemunhas. É o denominado
testamento nuncupativo especial, sendo este o testamento militar feito oralmente por quem
está em meio a uma guerra, ferido e confia sua última vontade a duas testemunhas.
Essa modalidade de testamento não terá efeito se o testador não morrer naquela
guerra, bem como se houver convalescência do ferido.

4.4. CODICILO

Codicilo é uma disposição testamentária de pequena monta ou disposição de bens que


tenham mais valor sentimental que propriamente econômico.
Exatamente por dizer respeito à disposição de bens de pequena monta, a formalidade
para esse tipo de testamento é muito menor.
Nessa ordem de ideias, o art. 1.881/CC estabelece que toda pessoa capaz de testar
poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o
seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou,
indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou joias, de
pouco valor, de seu uso pessoal.
Além disso, por meio do codicilo, é possível nomear ou substituir um testamenteiro,
sendo possível fazer sufrágios, ou seja, disposições sobre sufrágios da alma, além de ser
possível perdoar herdeiro indigno.
Os atos praticados por meio do codicilo revogam-se por atos iguais. Assim é que o
artigo 1.884/CC estabelece que se consideram revogados os atos constantes de codicilo, se,
havendo testamento posterior, de qualquer natureza, este os não confirmar ou modificar.
Após a morte do testador, a confirmação do codicilo deve ser feita do mesmo modo
que é feito o testamento particular, sendo levado a juízo (art. 737, NCPC).

4.5. DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

Como vimos, do artigo 1.857 a 1.896, o Código Civil trata dos aspectos formais do
testamento. A partir do artigo 1.897 do CC, a preocupação do legislador é disciplinar os
aspectos substanciais do testamento.
Ensina Daniel Carnacchioni que “em termos gerais, disposições testamentárias são as
cláusulas de um testamento, isto é, seu conteúdo. É a maneira ou modo pelo qual o autor da
herança manifesta sua derradeira vontade, que será realizada para depois de sua morte
(evento futuro)” (CARNACCHIONI, 2018, p. 1.695).
Conforme o conteúdo do testamento, podemos classificar as disposições
testamentárias da seguinte forma:

 disposição pura e simples;


 disposição sob condição;
 disposição para certo fim (com encargo); e
 disposição para certo motivo.

471
Perceba que não há possibilidade de disposição com termo, pois o art. 1.898/CC proíbe
de forma expressa a designação do tempo em que deva começar ou cessar o direito do
herdeiro, salvo nas disposições fideicomissárias. Assim é que, salvo nas disposições
fideicomissárias, qualquer termo constante de disposição de última vontade ter-se-á por não
escrito.
Outra regra quanto ao aspecto substancial do testamento é que, quando a cláusula
testamentária for suscetível de diferentes interpretações, dada a sua dubiedade, prevalecerá
sempre a interpretação que se assegure a vontade do testador.
O art. 1.900/CC estabelece hipóteses de nulidade da disposição de última vontade.
Consoante referido artigo será considerada nula a disposição:

I - que institua herdeiro ou legatário sob a condição captatória de que este


disponha, também por testamento, em benefício do testador, ou de terceiro;

II - que se refira a pessoa incerta, cuja identidade não se possa averiguar;

III - que favoreça a pessoa incerta, cometendo a determinação de sua identidade a


terceiro;

IV - que deixe a arbítrio do herdeiro, ou de outrem, fixar o valor do legado;

V - que favoreça as pessoas a que se referem os arts. 1.801 e 1.802.

A hipótese do inciso I diz respeito à condição captatória, que visa evitar que o testador
condicione a disposição testamentária ao fato de o herdeiro ou legatário vir a beneficiá-lo ou a
terceiro, em testamentos destes.
Os incisos II e III tratam da vedação de disposição testamentária que se refira a uma
pessoa absolutamente indeterminada, indeterminável, incerta, etc.
Pelo inciso IV, temos que também é nula a disposição que estabeleça, ao arbítrio de
herdeiro ou de outrem, a fixação do valor do legado.
Por fim, o inciso V estabelece a nulidade da disposição testamentária que favoreça a
pessoa que, a seu rogo, assinou o testamento, as outras testemunhas, companheiros, cônjuge,
descendentes ou irmão dessas pessoas, ou ainda o concubino do testador, que é casado,
tabelião, etc. Nesses casos, será nulo o favorecimento.
Não obstante a impossibilidade de disposição em favor de pessoa incerta, cuja a
identidade não se possa averiguar, é válida a disposição testamentária em favor de pessoa
incerta que deva ser determinada por terceiro, dentre duas ou mais pessoas mencionadas pelo
testador, ou que pertençam a uma família ou coletividade definida. A pessoa é indeterminada,
mas é determinável, situação, portanto, em que não há absoluta indeterminação subjetiva.
O art. 1.903 do Código Civil estabelece que o erro na designação da pessoa do
herdeiro, do legatário, ou da coisa legada anula a disposição, salvo se, pelo contexto do
testamento, por outros documentos, ou por fatos inequívocos, se puder identificar a pessoa
ou coisa a que o testador queria referir-se. No caso, sendo determinável a pessoa, buscar-se-á
privilegiar a vontade do testador.
Se o testador nomeia certos herdeiros individualmente e outros herdeiros
coletivamente, a herança será dividida em tantas quotas quanto forem os indivíduos e os
grupos.
Ainda no plano da validade, temos que a legislação estabelece que são anuláveis as
disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação, estando sujeitas ao prazo

472
decadencial. As hipóteses referem-se aos vícios do consentimento que se sujeitam a prazos
decadenciais, findos os quais, não havendo impugnação, ocorre a convalidação do ato.
O prazo decadencial é contado a partir do momento em que o interessado tiver
conhecimento do vício que inquina o testamento (art. 1.909, parágrafo único, do CC).
O testamento pode, também, ter cláusulas restritivas de inalienabilidade,
impenhorabilidade e incomunicabilidade. Essas cláusulas encerram restrições impostas pelo
testador, relativamente aos bens deixados em herança. Tais cláusulas, conforme artigo
1.848/CC, não podem ser inseridas nos bens que compõem a legítima, salvo na hipótese de
justa causa declarada no testamento.
Essas cláusulas, quando inseridas no testamento, poderão ser temporárias ou
vitalícias. Sendo vitalícias, a morte do beneficiado (legatário ou herdeiro) importará em
extinção da cláusula e consequente extinção da restrição.
Conforme previsão do art. 1.911/CC, a cláusula de inalienabilidade implica em
impenhorabilidade e incomunicabilidade.

4.6. LEGADO

O legado é também resultado da manifestação de última vontade do autor da herança,


porém, diferentemente do que ocorre no testamento que confere sucessão a título universal,
no legado a disposição é feita de forma específica, sendo realizada a título singular.
Os legatários são, dessa forma, herdeiros testamentários a título singular e adquirem,
no momento da abertura da sucessão, a propriedade dos bens individualizados que lhe são
destinados no testamento. Assim, através do legado, há atribuição de um bem certo para uma
pessoa, por meio de um testamento. Ex: João deixa o carro Fiat Elba, ano 1996, para José.
Entretanto, para eficácia do legado, é preciso que o bem pertença ao testador no
momento de sua morte, que é quando ocorre a abertura da sucessão. Se o testador, não
obstante o legado, tenha, por ato inter vivos, transferido a coisa para a propriedade de outra
pessoa, diversa do legatário, este não poderá reclamá-la do terceiro.
A propósito, o artigo 1.939, II, CC, diz que se no momento da abertura da sucessão, o
bem indicado no legado não pertencer mais ao testador, há a caducidade do legado, que leva à
ineficácia da disposição.
A legislação permite também o sub-legado. Consoante art. 1.913/CC, se o testador
ordenar que o herdeiro ou legatário entregue coisa de sua propriedade a outrem, não o
cumprindo ele, entender-se-á que renunciou à herança ou ao legado. Exemplificando, João
determina que seu herdeiro José entregue o veículo Elba, 1996, a Maria. Se José não entregar
este bem a Maria, presume-se que ele renunciou à herança. Então, José não é legatário do de
cujos, e sim sub-legatário, pois a ordem é de que o legatário ou herdeiro entregue o bem a
outra pessoa que vai ser denominada sub-legatária.

4.6.1. ESPÉCIES DE LEGADOS

Ao abordar os legados, Flávio Tartuce faz a divisão de suas espécies de forma bastante
didática, a saber:

a) Legado de coisa alheia – tratado pelo art. 1.912 do CC, pelo qual é ineficaz o
legado de coisa certa que não pertença ao testador no momento da liberalidade.

473
b) Legado de coisa comum – se a coisa legada pertencer somente em parte ao
testador, só quanto a essa parte valerá o legado em benefício do legatário (art.
1.914 do CC).

c) Legado de coisa genérica – se o legado for de coisa que se determine pelo


gênero, será o mesmo cumprido, ainda que tal coisa não exista entre os bens
deixados pelo testador (art. 1.915 do CC).

d) Legado de coisa singular – se o testador legar coisa sua, singularizando-a, só terá


eficácia o legado se, ao tempo do seu falecimento, ela se achava entre os bens da
herança (art. 1.916 do CC). Se a coisa legada existir entre os bens do testador, mas
em quantidade inferior à do legado, este será eficaz apenas quanto à existente.

e) Legado de coisa localizada – o legado de coisa que deva encontrar-se em


determinado lugar só terá eficácia se nele for achada, salvo se removida a título
transitório (art. 1.917 do CC).

f) Legado de crédito e de quitação de dívida – enuncia o art. 1.918 do CC que o


legado de crédito, ou de quitação de dívida, terá eficácia somente até a
importância desta, ou daquele, ao tempo da morte do testador. Cumpre-se o
legado, entregando o herdeiro ao legatário o título respectivo (§ 1.º). Este legado
não compreende as dívidas posteriores à data do testamento (§ 2.º).

g) Legado de alimentos – conforme o art. 1.920 do CC, abrange o sustento, a cura,


o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for
menor. Com aplicação do instituto, colaciona-se: “Legado de alimentos. Disposição
testamentária que beneficia herdeira. Valores provenientes de renda de imóvel
locado, pertencente ao espólio. Decisão agravada que, em inventário, determina o
levantamento das quantias depositadas em juízo em favor da legatária, bem como
ordena à inquilina que faça o pagamento da quantia correspondente ao legado de
alimentos diretamente à beneficiária da quantia. Correção. Disposição
testamentária plena e eficaz. Legado de alimentos devidos desde a morte da
testadora (artigo 1.926 CC/2002). Decisão mantida. Recurso desprovido, na parte
conhecida” (TJSP, Agravo de Instrumento 994.09.272937-0, Acórdão 4371741, São
Paulo, 1.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. De Santi Ribeiro, j. 16.03.2010,
DJESP 22.04.2010).

h) Legado de usufruto – sendo realizado pelo testador sem fixação de tempo,


entende-se como vitalício, ou seja, deixado para toda a vida do legatário (art. 1.921
do CC).

i) Legado de imóvel – se aquele que legar um imóvel lhe ajuntar depois novas
aquisições, estas, ainda que contíguas, não se compreendem no legado, salvo
expressa declaração em contrário do testador (art. 1.922, caput, do CC). Tal
premissa não se aplica às benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias feitas no
prédio legado, que devem ser tidas como incorporadas ao legado (parágrafo
único).

j) Legado de dinheiro – tratado pelo art. 1.925 do CC, vencendo os juros desde o
dia em que se constituir em mora a pessoa obrigada a prestá-los.

k) Legado alternativo – conceito similar à obrigação alternativa (art. 252 do CC),


sendo aquele em que o legatário tem a opção de escolher entre alguns bens
descritos pelo autor da herança (art. 1.932 do CC) (TARTUCE, 2020, p. 2.332-2.333).

474
4.6.2. EFEITOS DOS LEGADOS

Uma importante discussão sobre o legado diz respeito à aplicação ou não a ele do
princípio de saisine.
Conforme artigo 1.923/CC, desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa
certa, existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição suspensiva. Já o § 1 do
mesmo artigo diz que não se defere de imediato a posse da coisa, nem nela pode o legatário
entrar por autoridade própria.
Depreende-se, do artigo transcrito, que também na hipótese do legado, há aplicação
sim do princípio de saisine, porquanto há a imediata transferência da propriedade assim que
aberta a sucessão. A ressalva é que, não obstante a imediata transferência, a posse da coisa
não será transferida de imediato.
Havendo litígio em torno do testamento em que fora realizado o legado, não será
possível o cumprimento do legado enquanto pendente referido litígio.
Igualmente, não é possível o pedido de cumprimento de legado enquanto pendente a
condição ou se ainda não ocorreu o vencimento do prazo estabelecido. É que o legado pode
ser estabelecido com encargo ou a termo, situações em que fica mitigado o exercício imediato
do direito de pedir o cumprimento do legado.
No caso de legado em dinheiro, somente começará a correr os juros se o legatário
constituir em mora a pessoa obrigada a prestá-lo. É o que estabelece o artigo 1.925, CC.

4.6.3. CADUCIDADE DOS LEGADOS

Ao tratar da caducidade dos legados, o artigo 1.939 do CC estabelece que caducará o


legado:

I - se, depois do testamento, o testador modificar a coisa legada, ao ponto de já


não ter a forma nem lhe caber a denominação que possuía;

II - se o testador, por qualquer título, alienar no todo ou em parte a coisa legada;


nesse caso, caducará até onde ela deixou de pertencer ao testador;

III - se a coisa perecer ou for evicta, vivo ou morto o testador, sem culpa do
herdeiro ou legatário incumbido do seu cumprimento;

IV - se o legatário for excluído da sucessão, nos termos do art. 1.815 ;

V - se o legatário falecer antes do testador.

Essas são hipóteses legais de caducidade do legado, ou seja, nessas hipóteses o legado
perde a eficácia, não produzindo os efeitos que dele se esperavam.

4.6.4. DIREITO DE ACRESCER ENTRE LEGATÁRIOS

Em relação ao direito de acrescer, deve-se pensar que a matéria se refere à situação


em que há co-legatários, ou seja, situações em que há mais de um legatário. Nesse caso, o
direito de acrescer vai competir aos nomeados conjuntamente a respeito de uma só coisa, ou
então, quando o objeto do legado não puder ser dividido sem risco de desvalorização. É o que
diz o art. 1.941 do CC.
A redação do referido artigo diz, então, in verbis:

475
quando vários herdeiros, pela mesma disposição testamentária, forem
conjuntamente chamados à herança em quinhões não determinados, e qualquer
deles não puder ou não quiser aceitá-la, a sua parte acrescerá à dos co-herdeiros,
salvo o direito do substituto.

Vê-se que a designação conjunta de herdeiros, testamentários ou legatários, sem


especificação da cota-parte de cada um, é um dos requisitos para o exercício do direito de
acrescer.
O artigo 1.942/CC estabelece que o direito de acrescer competirá aos co-legatários,
quando nomeados conjuntamente a respeito de uma só coisa, determinada e certa, ou
quando o objeto do legado não puder ser dividido sem risco de desvalorização.
Sobre esse direito de acrescer relacionado aos co-legatários, o artigo 1.943/CC
estabelece que

se um dos co-herdeiros ou co-legatários, nas condições do artigo antecedente,


morrer antes do testador; se renunciar a herança ou legado, ou destes for excluído,
e, se a condição sob a qual foi instituído não se verificar, acrescerá o seu quinhão,
salvo o direito do substituto, à parte dos co-herdeiros ou co-legatários conjuntos.

O parágrafo único do mesmo artigo vai arrematar, estabelecendo que “os co-
herdeiros ou co-legatários, aos quais acresceu o quinhão daquele que não quis ou não pôde
suceder, ficam sujeitos às obrigações ou encargos que o oneravam”.
O artigo 1.945/CC veda ao beneficiário do acréscimo repudiá-lo separadamente da
herança ou legado que lhe caiba, salvo se o acréscimo comportar encargos especiais impostos
pelo testador; nesse caso, uma vez repudiado, reverte o acréscimo para a pessoa a favor de
quem os encargos foram instituídos.
Já o art. 1.946/CC refere-se ao legado especial consistente no usufruto. Por esse artigo,
fica estabelecido que “legado um só usufruto conjuntamente a duas ou mais pessoas, a parte
da que faltar acresce aos co-legatários”. Não somente, conforme seu parágrafo único, “se não
houver conjunção entre os co-legatários, ou se, apesar de conjuntos, só lhes foi legada certa
parte do usufruto, consolidar-se-ão na propriedade as quotas dos que faltarem, à medida que
eles forem faltando”.

4.7. SUBSTITUIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

Substituir é ocupar um lugar que era ocupado por outra pessoa.


Quando se fala em substituição testamentária, há uma disposição testamentária, na
qual o testador irá chamar uma pessoa para receber a herança ou o legado, seja no todo ou
em parte, ou na falta ou após a renúncia do herdeiro ou legatário nomeado em primeiro lugar.
Conforme explica Maria Helena Diniz,

a substituição é a disposição testamentária na qual o testador chama uma pessoa


para receber, no todo ou em parte, a herança ou o legado, na falta ou após o
herdeiro ou legatário nomeado em primeiro lugar, ou seja, quando a vocação deste
ou daquele cessar por qualquer causa (DINIZ, 2010, p. 1.355).

Exemplificando, temos que na substituição testamentária, o testador deixa um bem


para José, mas se José renunciar, ou se José morrer antes, o bem ficará para João. Nesse caso,
João será chamado a substituir o lugar de José. Na substituição, já constará do testamento a
pessoa que será chamada em segundo lugar.

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De acordo com o Código Civil, a substituição testamentária poderá ser vulgar ou
fideicomissária.
Substituição vulgar ou ordinária: nessa modalidade de substituição, o testador já faz
constar do testamento que, caso o primeiro nomeado não possa receber a herança,
será chamada outra pessoa já indicada por ele no testamento. Assim, o testador
substitui diretamente uma pessoa por outra, se o herdeiro ou legatário nomeado não
quiser ou não puder aceitar a herança ou legado.
- Substituição fideicomissária: nesse tipo de sucessão, o testador institui herdeiros ou
legatários, estabelecendo que por ocasião de sua morte a herança ou o legado vai se
transmitir ao fiduciário e o direito dessa pessoa vai se resolver quando essa pessoa
morrer ou quando ocorrer certa condição ou certo termo, situação em que esse direito
irá se resolver em favor de outra pessoa, que é chamado de fideicomissário. O
fiduciário tem, via de regra, uma propriedade resolúvel. A previsão da substituição
fideicomissária está no artigo 1.951, CC. Ademais, a legislação estabelece que esse tipo
de substituição fideicomissária somente é permitida em favor dos não concebidos ao
tempo da morte do testador. É o que dispõe o art. 1.952. O parágrafo único do artigo
em questão ressalta que se, ao tempo da morte do testador, já houver nascido o
fideicomissário, adquirirá este a propriedade dos bens fideicometidos, convertendo-se
em usufruto o direito do fiduciário. O fideicomisso caducará se o fideicomissário
morrer antes do fiduciário. É a chamada premoniência. Nos termos do artigo 1.958/CC,
também caducará o fideicomisso se o fideicomissário morrer antes de realizar-se a
condição resolutória do direito do fiduciário; nesse caso, a propriedade consolida-se
no fiduciário, nos termos do art. 1.955 .Se houver renúncia da herança ou do legado
pelo fiduciário, nesse caso o fideicomissário poderá aceitá-la. Essa autorização de
aceitação do fideicomissário em caso de renúncia pelo fiduciário está amparada no art.
1.954 do CC. Ainda sobre a substituição fideicomissária, o art. 1.959/CC diz que são
nulos os fideicomissos além do 2º grau.
O professor Flávio Tartuce, além dessa classificação, elenca ainda a denominada
substituição recíproca, esclarecendo que ela acontece quando

um herdeiro substitui o outro e vice-versa (art. 1.948 do CC). Pelo que consta de tal
comando, a substituição recíproca pode ser assim subclassificada, na esteira de
melhor doutrina:

a) Substituição recíproca geral – todos substituem o herdeiro ou legatário que não


suceder.

b) Substituição recíproca particular – somente determinados herdeiros ou


legatários são apontados como substitutos recíprocos.

c) Substituição coletiva – vários herdeiros são nomeados como substitutos para o


herdeiro ou legatário que não sucede.

d) Substituição singular – somente um herdeiro é nomeado como substituto do


herdeiro ou legatário que não sucede. Em complemento, dispõe o art. 1.950 do CC
que se, entre muitos coerdeiros ou legatários de partes desiguais, for estabelecida
substituição recíproca, a proporção dos quinhões fixada na primeira disposição
entender-se-á mantida na segunda (na substituição). Se, com as outras pessoas
anteriormente nomeadas, for incluída mais alguma pessoa na substituição, o
quinhão vago pertencerá em partes iguais aos substitutos. Desse modo, por razões
óbvias, o novo substituto deve ser incluído na divisão (TARTUCE, 2020, p. 2341-
2342).

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4.8. REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

Como analisamos em tópico próprio, quando o autor da herança morre deixando


herdeiros necessários, não pode testar de modo a atingir a legítima. Há, por conseguinte, uma
limitação ao direito de testar, porquanto necessariamente 50% do patrimônio existente ao
tempo da abertura da sucessão constitui a denominada legítima e por isso não poderá ser
objeto de disposição. Assim é que pode ser que seja necessária a redução das disposições
testamentárias para que não se prejudique essa legítima. Se o testador, em vida, faz uma
disposição que rompe a proteção da legítima, essa disposição somente será válida até os
limites da metade disponível do seu patrimônio.
Então, se se verificar que as disposições testamentárias ultrapassam a porção
disponível, elas serão reduzidas proporcionalmente às quotas do herdeiro ou dos herdeiros
que foram instituídos ali.
Se após a redução das quotas dos herdeiros instituídos, não se obteve ainda a
proteção da legítima, passar-se-á à redução dos legados, na proporção do que bastar.
Nesse contexto, vê-se que, em regra, primeiramente serão reduzidas as quotas dos
herdeiros. Se não for suficiente, será necessário reduzir as dos legatários também.
O testador poderá antever essa necessidade de redução. Poderá, então, dispor qual é
a preferência no tocante à redução, podendo estabelecer que primeiramente a redução
incidirá sobre os legados e só depois quanto aos herdeiros. Quando assim fizer, a redução será
feita nos moldes desejados pelo testador, não sendo essa hipótese vedada pelo ordenamento.
A propósito, diz o parágrafo segundo do artigo 1.967, CC, que se o testador,
prevenindo o caso, dispuser que se inteirem, de preferência, certos herdeiros e legatários, a
redução far-se-á nos outros quinhões ou legados, observando-se a seu respeito a ordem
estabelecida no parágrafo antecedente.
A abertura dada pelo artigo 1.967, § 2º, CC, demonstra que a ordem estabelecida para
as reduções testamentárias não é de ordem pública, admitindo previsão em sentido diverso,
de acordo com a vontade do testador.
Quando o excesso se verificar em legado caracterizado por um imóvel, em sendo esse
divisível, far-se-á a redução proporcionalmente, conforme dispõe o caput do artigo 1.968, CC.
Problema maior será quando a redução tem que ser feita em imóvel não divisível. Nesse caso,
o § 1 o do referido artigo diz que se não for possível a divisão, e o excesso do legado montar a
mais de um quarto do valor do prédio, o legatário deixará inteiro na herança o imóvel legado,
ficando com o direito de pedir aos herdeiros o valor que couber na parte disponível; se o
excesso não for de mais de um quarto, aos herdeiros fará tornar em dinheiro o legatário, que
ficará com o prédio.

4.9. REVOGAÇÃO DO TESTAMENTO

Quando falamos em revogação do testamento, estamos tratando do plano da eficácia,


porquanto não se trata de análise dos planos da existência ou validade. O ato existe e é válido,
mas a lei permite o exercício do direito potestativo de revogação. Assim, a lei permite que o
testamento seja revogado, por manifestação unilateral de vontade, pela qual há extinção do
negócio jurídico.
Consoante art. 1.969/CC, o testamento pode ser revogado pelo mesmo modo e forma
como pode ser feito. O subsequente art. 1.970/CC completa, estabelecendo que essa
revogação do testamento pode ser total ou parcial. Consoante parágrafo único, se parcial, ou

478
se o testamento posterior não contiver cláusula revogatória expressa, o anterior subsiste em
tudo que não for contrário ao posterior.
Ademais, a revogação poderá ser expressa ou tácita. Considera-se revogação expressa
aquela em que o testador declara expressamente sua vontade de revogar e tácita, quando
houver um novo testamento que está em conflito com o testamento anterior.
Embora a lei fale que a revogação deve ser feita pelo mesmo modo e forma como foi
feito, entende-se que o testamento público pode ser revogado por meio de testamento
particular.
Prevê a lei, ademais, que, consoante o art. 1.971/CC, a revogação produzirá seus
efeitos, ainda quando o testamento, que a encerra, vier a caducar por exclusão, incapacidade
ou renúncia do herdeiro nele nomeado; não valerá, se o testamento revogatório for anulado
por omissão ou infração de solenidades essenciais ou por vícios intrínsecos.
Recorde-se que a caducidade de um testamento refere-se à perda de sua eficácia. Daí
que um testamento, mesmo caduco, terá o condão de revogar o anterior. Se a hipótese é de
anulação do testamento revogador (plano da validade), não terá ele o condão de anular o
anterior.
É hipótese de revogação do testamento cerrado a sua abertura ou dilaceramento pelo
testador ou com o seu consentimento.

4.10. ROMPIMENTO DO TESTAMENTO

O rompimento de testamento está previsto no artigo 1.973/CC que diz que,


sobrevindo descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando
testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver
ao testador. Já o artigo 1.974/CC estabelece que também haverá rompimento quando o
testamento for feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários.
A ruptura é, por assim dizer, uma revogação presumida, decorrente da lei. É
considerada presumida essa revogação porque parte da concepção de que se o testador
soubesse da existência do descendente, não faria a disposição dos seus bens ou, pelo menos,
não do modo que o fez.
Perceba que o que a lei prevê, nessas hipóteses, não é a redução das disposições
testamentárias, mas o rompimento por completo do testamento. Se o testador dispuser de
seus bens sem ter conhecimento do herdeiro necessário, entende-se que há uma revogação
ficta por completo (de toda disposição de vontade) e não meramente uma redução para
proteção da legítima.
O testamento é rompido porque feito na ignorância ou na inexistência de
descendentes, ou de outros herdeiros necessários (ex.: achou que o pai havia morrido).
O art. 1.975/CC diz que não se rompe o testamento se testador dispuser de sua
metade não contemplando os herdeiros necessários de cuja existência saiba, ou quando os
exclua dessa parte. Neste caso, preserva-se a vontade do testador.
Ou seja, se o testador sabia da existência de herdeiros necessários e, ainda assim, quis
dispor de metade de seu patrimônio, nesse caso não haverá razão para o rompimento.
Na VIII Jornada de Direito Civil foi aprovado o seguinte enunciado sobre a limitação do
rompimento de testamento, in verbis: “O rompimento do testamento (art. 1.973) se refere
exclusivamente às disposições de caráter patrimonial, mantendo-se válidas e eficazes as de
caráter extrapatrimonial, como o reconhecimento de filho e o perdão do indigno”.

479
4.11. TESTAMENTEIRO

Conforme ensina Daniel Carnacchioni,

o testamenteiro será o responsável pelo cumprimento das disposições de última


vontade do testador. O testamenteiro age no interesse do testador. Deve velar
pela realização plena do conteúdo do testamento, em respeito estrito à vontade
manifestada pelo testador. (CARNACCHIONI, 2018, p. 1.711).

Diz o art. 1.976/CC que o testador pode nomear um ou mais testamenteiros, conjuntos
ou separados, para que dê cumprimento às disposições de última vontade do testador.
Percebe-se, então, que a testamentaria, ou seja, o trabalho do testamenteiro é um
múnus privado.
Flávio Tartuce, invocando o entendimento doutrinário acerca do tema, elenca os tipos
de testamenteiros, in verbis:

- Testamenteiro universal – que é aquele que tem a posse e a administração da


herança, ou de parte dela, não havendo cônjuge ou herdeiros necessários (art.
1.977 do CC). Em casos tais, qualquer herdeiro pode requerer partilha imediata, ou
devolução da herança, habilitando o testamenteiro com os meios necessários para
o cumprimento dos legados, ou dando caução de prestá-los. Além disso, presente
essa testamentaria universal e plena, incumbe ao testamentário requerer
inventário e cumprir o testamento (art. 1.978 do CC).

- Testamenteiro particular – quando a sua atuação restringe-se à mera fiscalização


da execução testamentária (TARTUCE, 2020, p. 2.354).

O art. 1.980/CC diz que o testamenteiro é obrigado a cumprir as disposições


testamentárias, dentro do prazo estabelecido pelo testador.
Além disso, deverá prestar contas do que recebeu ou do que gastou, ficando
responsável enquanto durar a execução do testamento.
Compete ao testamenteiro defender sempre a validade do testamento, conforme art.
1.981/CC.
Se não houver menção expressa a prazo maior concedido pelo próprio testador, o
testamenteiro deverá cumprir o testamento e prestar contas no prazo de 180 dias, contados
do momento da aceitação da testamentaria (art. 1.983/CC).
Esse prazo poderá ser prorrogado pelo juiz, desde que justificadamente.
É possível a nomeação de um testamenteiro quando não houve indicação feita pelo
próprio testador. Trata-se de testamenteiro dativo, previsto no artigo o 1.984/CC, que diz que,
na falta de testamenteiro nomeado pelo testador, a execução testamentária compete a um
dos cônjuges, e, em falta destes, ao herdeiro nomeado pelo juiz.
O exercício da testamentaria é um exercício personalíssimo. Isso significa que se o
testamenteiro morrer, essa obrigação não é passada aos seus herdeiros. Ela nem sequer pode
ser delegada. Porém, o testamenteiro poderá agir por meio de mandatário, conforme expressa
previsão do artigo 1.985/CC.
É possível ainda que haja a instituição de mais de um testamenteiro em conjunto,
hipótese denominada pluralidade de testamenteiros ou testamentaria plural. Nesse caso, cada
testamenteiro poderá executar o ato isoladamente, na falta do outro, mas todos irão ficar

480
solidariamente responsáveis, e tendo que dar contas dos bens que lhes foram confiados (art.
1.986/CC).
Como retribuição, o testamenteiro que não for herdeiro, ou não for legatário, terá
direito a um prêmio, sendo denominado de vintena, sendo esta de 1% a 5% do valor da
herança líquida, a depender do trabalho que o testamenteiro exercer.
Ainda, segundo o art. 1.989/CC, reverterá à herança o prêmio que o testamenteiro
perder, por ser removido ou por não ter cumprido o testamento. Nesse caso, aquela vintena
será revertida à herança.
Em relação às hipóteses de remoção do testamenteiro, a verdade é que será removido
em situações em que o juiz percebe ou conclui que ele não tem cumprido o seu múnus,
ficando a análise a critério do magistrado.
O testamenteiro, quando não for herdeiro ou não for legatário, terá direito a um
prêmio, mas nada impede que, sendo herdeiro ou legatário o testamenteiro, ele renuncie à
herança ou ao legado para receber o prêmio, podendo escolher um ou outro. O que não se
permite é que o herdeiro que seja testamenteiro ou legatário que seja testamenteiro receba
duplamente à herança ou legado e o prêmio (vintena).
Ainda em relação às funções do testamenteiro, diz o artigo 1.990/CC que, se o testador
tiver distribuído toda a herança em legados, exercerá o testamenteiro as funções de
inventariante.

4.12. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

4.12.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DIREITO CIVIL. União estável. Vocação hereditária. Partilha. Companheiro.


Exclusividade. Colaterais. Afastamento. Arts. 1.838 e 1.839 do CC/2002. Incidência.
Na falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao
cônjuge ou companheiro sobrevivente, não concorrendo com parentes colaterais
do de cujus. Inicialmente, é importante ressaltar que no sistema constitucional
vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e
companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime do artigo 1.829
do CC/2002, conforme tese estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em
julgamento sob o rito da repercussão geral (RE 646.721 e 878.694), entendimento
esse perfilhado também pela Terceira Turma desta Corte Superior (REsp 1.332.773-
MS, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 1/8/2017 – Informativo 609). Além
disso, a Quarta Turma, por meio do REsp 1.337.420-RS, rel. Min. Luis Felipe
Salomão, DJe 21/9/2017 (Informativo 611), utilizou como um de seus fundamentos
para declarar a ilegitimidade dos parentes colaterais que pretendiam anular a
adoção de uma das herdeiras que, na falta de descendentes e de ascendentes, o
companheiro receberá a herança sozinho, exatamente como previsto para o
cônjuge, excluindo os colaterais até o quarto grau (irmãos, tios, sobrinhos, primos,
tios-avôs e sobrinhos-netos). Nesse sentido, os parentes até o quarto grau não
mais herdam antes do companheiro sobrevivente, tendo em vista a flagrante
inconstitucionalidade da discriminação com a situação do cônjuge, reconhecida
pelo STF. Logo, é possível concluir, com base no artigo 1.838 e 1.839, do CC/2002,
que o companheiro, assim como o cônjuge, não partilhará herança legítima, com os
parentes colaterais do autor da herança, salvo se houver disposição de última
vontade, como, por exemplo, um testamento. REsp 1.357.117-MG, Rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 13/03/2018, DJe
26/03/2018 (INF. 622).

481
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. Cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e
impenhorabilidade. Vigência da restrição. Vida do beneficiário. Transmissão causa
mortis do bem gravado. Testamento. Validade. As cláusulas de inalienabilidade,
incomunicabilidade e impenhorabilidade não tornam nulo o testamento, que
dispõe sobre transmissão causa mortis do bem gravado. Inicialmente, importante
pontuar que a jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que, por
força do princípio da livre circulação dos bens, não é possível a inalienabilidade
perpétua, razão pela qual as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e
impenhorabilidade se extinguem com a morte do titular do bem clausulado,
podendo a propriedade ser livremente transferida a seus sucessores. Por seu turno,
a doutrina ensina que a disposição patrimonial realizada em testamento somente
se efetiva após o óbito do testador. Assim, a elaboração do testamento não
acarreta nenhum ato de alienação da propriedade em vida, senão evidencia a
declaração de vontade do testador, revogável a qualquer tempo. Dessa forma, as
cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade não tornam
nulo o testamento que dispõe sobre transmissão causa mortis de bem gravado,
haja vista que o ato de disposição somente produz efeitos após a morte do
testador, quando então ocorrerá a transmissão da propriedade. REsp 1.641.549-RJ,
Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em
13/08/2019, DJe 20/08/2019. (INF. 654).

5. INVENTÁRIO E PARTILHA

5.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Inventário é o procedimento legal de caráter obrigatório para que haja a atribuição dos
bens deixados pelo falecido aos seus sucessores. Como vimos, pelo princípio de saisine, com a
morte de uma pessoa, há transmissão imediata dos bens. Porém, é necessário um
procedimento para regularização dessa transmissão. O inventário revela, então, o
procedimento necessário para divisão dos bens deixados pelo de cujus.
Inaugurando o capítulo que trata do inventário e da partilha, Flávio Tartuce esclarece
que o estudo se refere à instrumentalização concreta do Direito Sucessório, que se dá pelo
inventário, pela partilha e por temas correlatos, tratados tanto pela lei privada quanto pela lei
processual (TARTUCE, 2020, p. 2.358).
O inventário pode ser judicial ou extrajudicial, sendo que a possibilidade de inventário
extrajudicial surge como forma de desafogamento do judiciário, possível, como melhor
veremos, em hipóteses em que haja consenso entre os herdeiros e não haja nenhum incapaz.
O art. 1.991/CC estabelece que desde a assinatura do compromisso até a homologação
da partilha, a administração da herança caberá ao inventariante, o que significa que, não
obstante o princípio de saisine estabelecer a imediata transmissão dos bens aos herdeiros, a
administração durante o inventário é incumbência do inventariante. Portanto, o inventariante
é o administrador do espólio.
É importante destacar que o espólio, em linhas gerais, é o conjunto de bens que se
forma com a morte de uma pessoa. É a universalidade jurídica que, embora despersonalizada,
tem capacidade para estar em juízo, representada pelo inventariante (art. 75, VII, NCPC). A
ressalva que se faz é para o inventariante dativo, conforme será mais bem explicado em tópico
próprio.

482
5.2. INVENTÁRIO JUDICIAL

Falecendo alguém, há imediata transmissão de seus bens para seus sucessores, mas
antes que haja sua distribuição, é necessário um procedimento durante o qual os bens serão
administrados pelo inventariante. Esse procedimento denomina-se inventário e, sendo judicial,
pode assumir as seguintes formas:
 inventário judicial pelo rito tradicional;
 inventário judicial pelo rito do arrolamento sumário; e
 inventário judicial pelo rito do arrolamento comum.
O estudo de cada um dos tipos de inventário deve ser feito confrontando as normas de
direito material com as normas de direito processual. Assim, temos:
a) Inventário judicial pelo rito tradicional: tem previsão a partir do artigo 615, NCPC,
que estabelece que legitimado para requerer a abertura do inventário, será aquele que estiver
na posse ou administração do espólio. A partir desse artigo, tem início a previsão de como se
desenvolverá o inventário judicial pelo rito tradicional. Não sendo a hipótese de outro tipo de
inventário, aplicar-se-ão as disposições do inventário pelo rito tradicional.
O artigo 616, complementando a previsão do artigo 615/CPC, estabelece legitimidade
concorrente a outras pessoas:
 cônjuge ou companheiro;
 herdeiro;
 legatário;
 testamenteiro, se houver testamento;
 cessionário de um herdeiro ou de legatário;
 credor de um herdeiro ou de legatário, ou ainda do autor da herança.;
 ministério público, se houver incapazes;
 fazenda pública, se houver interesse;
 administrador judicial da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança
ou de seus respectivos cônjuges ou companheiros também têm legitimidade.
Conforme se extrai da leitura do artigo, não existe mais menção à possibilidade de
abertura de inventário de ofício pelo juiz. Embora houvesse essa previsão na legislação
revogada, igual disposição não foi reproduzida pelo NCPC.
A partir do momento que se inicia o inventário, a administração do espólio é feita pelo
inventariante, o qual é também responsável pela representação do espólio em juízo. Essa
administração tem como marco inicial a data do compromisso prestado como inventariante e
vai até o momento de homologação da partilha.
Até que o inventariante preste o compromisso na forma da lei, o espólio será
administrado pelo administrador provisório, nomeado pelo juiz, o qual terá direito ao
reembolso das despesas necessárias e úteis que fizer (art. 613, NCPC). Esse administrador
provisório, assim como acontece com o inventariante, será quem representará ativa e
passivamente o espólio enquanto durar sua administração.
O administrador provisório, a teor do que estabelece o artigo 614 do NCPC, deve trazer
para o acervo os frutos que perceber desde a abertura da sucessão. Por sua administração,
tem direito a reembolso das despesas com benfeitorias necessárias e úteis. Por outro lado,
responde, quando demonstrado dolo ou culpa, pelos danos que vier a causar.
A nomeação de um inventariante pelo juiz segue uma ordem preferencial, conforme
artigo 617/NCPC. Essa ordem é estabelecida da seguinte forma:

483
 cônjuge ou companheiro;
 se não for o caso, o herdeiro que tiver na posse ou na administração do espólio;
 se não for o caso, qualquer dos herdeiros. Sendo menor, por meio de seu
representante legal;
 se não for o caso, poderá ser o testamenteiro;
 se não for o caso, poderá ser o cessionário do herdeiro ou do legatário, o
inventariante judicial, no local onde houver inventariante judicial, ou ainda uma
pessoa estranha que se mostre idônea e que seja nomeada pelo juiz.
É importante destacar que, não obstante a ordem estabelecida pelo legislador no
artigo 617/NCPC, tem-se que essa não é uma ordem absoluta, de modo que, na análise do
caso concreto, o juiz pode entender necessária a nomeação de inventariante, preterindo essa
ordem. Em outras palavras, temos que a ordem estabelecida é preferencial e o julgador,
sempre de acordo com o caso concreto, poderá nomear inventariante não observando essa
ordem.
Uma vez nomeado, o inventariante será intimado, tendo o prazo de 5 dias para prestar
o compromisso de exercício da inventariança.
Prestado o compromisso, como se viu, o inventariante representará o espólio passiva e
ativamente em juízo. Entretanto, há casos em que se torna necessária a nomeação de
inventariante dativo. Nessas hipóteses, o §1º, do artigo 75, do CC, estabelece que “quando o
inventariante for dativo, os sucessores do falecido serão intimados no processo no qual o
espólio seja parte”.
Em algumas situações, dada a litigiosidade entre os herdeiros ou a impossibilidade
daqueles que se encontram na ordem preferencial de exercerem a inventariança, o juiz terá,
então, que nomear inventariante dativo, que será um terceiro estranho, conforme previsão do
inciso VIII do artigo 617/NCPC. Exatamente por se tratar de terceiro estranho, sem vínculo com
o autor da herança e sem interesse econômico, é que não representará o espólio
judicialmente. Nesse caso, a representação será dos sucessores, de forma que, havendo ação
judicial de interesse do espólio, todos os herdeiros e sucessores do falecido serão autores ou
réus nas ações em que o espólio for parte.
De toda forma, assim como os demais inventariantes nomeados, o inventariante
dativo também deve cumprir com os demais deveres da inventariança.
Nos termos do artigo 618, do NCPC, incumbe ao inventariante:
- representar o espólio ativa e passivamente, judicialmente ou extrajudicialmente
(ressalva para o inventariante dativo);
- administrar o espólio;
- prestar as primeiras informações (primeiras declarações);
- prestar as últimas declarações;
- exibir em cartório, em qualquer tempo, para que as partes possam examinar, os
documentos relativos ao espólio;
- trazer à colação no inventário os bens recebidos pelo herdeiro ausente ou pelo
herdeiro renunciante, ou ainda pelo herdeiro excluído;
- prestar contas de sua gestão;
- requerer, se for o caso, a declaração de insolvência do falecido.
O art. 619 do NCPC traz outras incumbências ao inventariante, as quais demandarão
autorização judicial para serem exercidas:

484
- alienação de bens de qualquer espécie;
- transação, judicial ou extrajudicialmente;
- pagamento de dívidas do espólio;
- pagamento de despesas necessárias para conservação ou melhoramento dos bens do
espólio.
Na hipótese de quaisquer desses atos praticados sem a observância da autorização
judicial necessária, o ato será nulo.
No prazo de 20 dias, contados do momento em que prestou o seu compromisso, o
inventariante fará as primeiras declarações, sendo que dessas primeiras declarações será
lavrado um termo circunstanciado. No termo circunstanciado, deverão constar alguns dados
(art. 620, NCPC):

I - o nome, o estado, a idade e o domicílio do autor da herança, o dia e o lugar em


que faleceu e se deixou testamento;

II - o nome, o estado, a idade, o endereço eletrônico e a residência dos herdeiros e,


havendo cônjuge ou companheiro supérstite, além dos respectivos dados pessoais,
o regime de bens do casamento ou da união estável;

III - a qualidade dos herdeiros e o grau de parentesco com o inventariado;

IV - a relação completa e individualizada de todos os bens do espólio, inclusive


aqueles que devem ser conferidos à colação, e dos bens alheios que nele forem
encontrados, descrevendo-se:

a) os imóveis, com as suas especificações, nomeadamente local em que se


encontram, extensão da área, limites, confrontações, benfeitorias, origem dos
títulos, números das matrículas e ônus que os gravam;

b) os móveis, com os sinais característicos;

c) os semoventes, seu número, suas espécies, suas marcas e seus sinais distintivos;

d) o dinheiro, as joias, os objetos de ouro e prata e as pedras preciosas,


declarando-se-lhes especificadamente a qualidade, o peso e a importância;

e) os títulos da dívida pública, bem como as ações, as quotas e os títulos de


sociedade, mencionando-se-lhes o número, o valor e a data;

f) as dívidas ativas e passivas, indicando-se-lhes as datas, os títulos, a origem da


obrigação e os nomes dos credores e dos devedores;

g) direitos e ações;

h) o valor corrente de cada um dos bens do espólio.

Feito isso, diz o § 1º do mencionado artigo 620, NCPC, que o juiz determinará que se
proceda:
“I - ao balanço do estabelecimento, se o autor da herança era empresário individual; II
- à apuração de haveres, se o autor da herança era sócio de sociedade que não anônima.”
O inventariante, como se viu, tem deveres em decorrência da inventariança e, em
razão disso, o NCPC elenca algumas penas que podem ser aplicadas ao inventariante:

485
 Pena de sonegados: somente poderá ser invocada contra o inventariante quando
encerrada a descrição dos bens e tendo feito uma declaração de que não existam
outros a inventariar. Se o inventariante assim declarar e depois se descobrir que
havia outro bem que havia sido sonegado, será o caso de aplicação da pena de
sonegado. Sobre o tema, Flávio Tartuce ensina que

vale lembrar que a pena de sonegados é imposta ao herdeiro que deixa de


informar o inventário sobre a existência de um bem a ser partilhado, caso daqueles
recebidos em doação, sem a dispensa de colação. A penalidade é a perda do direito
em relação a tal bem, como determina o art. 1.992 do Código Civil (TARTUCE, 2020,
p. 2382).

Exemplificando, se uma pessoa recebeu em doação do pai uma casa no valor de


500 mil reais. Essa casa, em tese, deverá ser colacionada. Supondo que o pai tenha
deixado 3,5 milhões de patrimônio para 2 filhos. Porém, como ele havia doado a
um dos filhos a casa de 500 mil reais, o certo seria esse filho colacionar a casa, caso
em que a herança ficaria em 4 milhões, ficando cada um dos filhos com 2 milhões.
Se esse herdeiro (que recebeu a doação) é o inventariante, e ainda assim não
colaciona esse bem, aí é aplicável a pena de sonegado, consistente na perda do
direito em relação àquele bem. O inventariante herdeiro é citado, tendo a
oportunidade de informar e de descrever os bens do falecido que estão na sua
posse, mas se assim não o fizer, estará sujeito à pena de sonegados. Nesse caso,
como pena, o bem passará integralmente ao outro(s) herdeiro(s), não havendo a
compensação dos valores. E os outros bens serão divididos metade-metade. No
caso, o herdeiro que recebeu a pena ficará com 1.750.000 e o irmão receberá
2.250.000 (1.750.000 + 500 mil da casa, que fora sonegada).
 Remoção do inventariante: o inventariante poderá ser removido, conforme
hipóteses elencadas no art. 622 do NCPC, in verbis:

I - se não prestar, no prazo legal, as primeiras ou as últimas declarações;

II - se não der ao inventário andamento regular, se suscitar dúvidas infundadas ou


se praticar atos meramente protelatórios;

III - se, por culpa sua, bens do espólio se deteriorarem, forem dilapidados ou
sofrerem dano;

IV - se não defender o espólio nas ações em que for citado, se deixar de cobrar
dívidas ativas ou se não promover as medidas necessárias para evitar o
perecimento de direitos;

V - se não prestar contas ou se as que prestar não forem julgadas boas;

VI - se sonegar, ocultar ou desviar bens do espólio.

De se considerar, entretanto, que antes da remoção é preciso garantir o


contraditório, motivo pelo qual o inventariante será intimado e terá o prazo de 15
dias para apresentar sua defesa e as provas (art. 623, NCPC). O procedimento para
remoção, contudo, pode ser iniciado de ofício pelo juiz. Feita a remoção, o juiz
nomeará outro, observando a ordem do artigo 617, NCPC (art. 624, NCPC).
Seguindo com o procedimento do inventário judicial ordinário, temos que,
apresentadas as primeiras declarações, o juiz mandará citar o cônjuge, companheiro, herdeiro,

486
legatário, Fazenda Pública, Ministério Público, se houver incapaz, testamenteiro, etc. Essa
citação será por carta, sendo acompanhada de cópia das primeiras declarações.
Em relação à Fazenda Pública, Ministério Público e testamenteiro, o escrivão vai
remeter para essas pessoas cópia dos autos (essa previsão do NCPC deve agora ser adequada à
realidade do PJE), e não apenas o mandado de citação com as primeiras declarações.
Concluídas essas citações, as partes terão vista do processo no prazo comum de 15
dias, podendo se manifestar sobre as primeiras declarações.
Na hipótese de impugnações com fundamento em omissão julgada procedente, o juiz
mandará retificar as primeiras declarações.
Pode ocorrer também pedido de reclamação da nomeação do inventariante, situação
mais grave, porquanto, uma vez acolhido, implicará na nomeação de outro inventariante,
sempre que possível observando a ordem estabelecida em lei (art. 627, §2º, NCPC).
Já o §3º, do art. 627, NCPC, prevê que, verificando que a disputa sobre a qualidade de
herdeiro a que alude o inciso III (do artigo 627, caput, NCPC) demanda produção de provas que
não a documental, o juiz remeterá a parte às vias ordinárias e sobrestará, até o julgamento da
ação, a entrega do quinhão que na partilha couber ao herdeiro admitido.
A situação se refere à hipótese de as partes questionarem a possibilidade de
determinada pessoa ser herdeiro(a). Neste caso, o juiz, se da análise das alegações, constatar
que há prova documental da qualidade de herdeiro da pessoa invocada, seguirá o inventário.
Todavia, inexistindo essa prova documental da qualidade de herdeiro da pessoa indicada,
tornar-se-á necessária essa comprovação de que é herdeiro, tornando-se imperiosa a
produção de outras provas que não documentais, já que inexistentes. Nesta situação,
remetem-se as partes para a via ordinária.
Conforme previsão legal, aquele que se julgar preterido poderá demandar sua
admissão no inventário, requerendo-a antes da partilha (art. 628).
Com o requerimento, serão ouvidas as partes no prazo de 15 (quinze) dias, para depois
o juiz decidir. Se, entretanto, para solução da questão for necessária a produção de provas que
não a documental, o juiz remeterá o requerente às vias ordinárias, mandando reservar, em
poder do inventariante, o quinhão do herdeiro excluído até que se decida o litígio (§2º, art.
628, NCPC).
Percebe-se que a ideia trazida pela legislação processual é de que o juiz do inventário
solucionará as demandas que puderem ser comprovadas documentalmente de plano e apenas
remeterá as que exigirem análise mais complexa para outro feito, para outra ação ou para
outro juízo. A base dessa ideia está no art. 612 do NCPC que diz que “o juiz decidirá todas as
questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento, só
remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas”.
Após o prazo concedido no artigo 627, NCPC, para manifestação acerca das primeiras
declarações, diz o art. 629, NCPC, que a Fazenda Pública, no prazo de 15 (quinze) dias,
informará ao juízo, de acordo com os dados que constam de seu cadastro imobiliário, o valor
dos bens de raiz descritos nas primeiras declarações.
Após o prazo de 15 dias das primeiras declarações, ou tendo sido julgadas e decididas
as reclamações eventualmente opostas, o juiz nomeará um perito para avaliar os bens do
espólio, se na comarca não houver um perito judicial.
O perito é dotado de fé pública, motivo pelo qual, em regra, não será necessária
mandar repetir a avaliação. No entanto, o art. 873 do NCPC trata dessa possibilidade de
determinar que seja refeita ou reiterado a avaliação feita pelo perito, nas seguintes hipóteses:

487
I - qualquer das partes arguir, fundamentadamente, a ocorrência de erro na
avaliação ou dolo do avaliador;

II - se verificar, posteriormente à avaliação, que houve majoração ou diminuição no


valor do bem;

III - o juiz tiver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem na primeira
avaliação.

Havendo bens situados fora da comarca por onde tramita o inventário, não será
expedida carta precatória de avaliação para os bens de pequeno valor e para os bens que são
conhecidos do perito nomeado (art. 632, NCPC).
Busca-se, com isso, conferir uma maior agilidade ao processo de inventário.
Ademais, ainda no espírito de maior agilidade do processo de inventário, permite o art.
633 do NCPC que, em sendo as partes capazes e estando a Fazenda Pública expressamente de
acordo com o valor atribuído nas primeiras declarações aos bens do espólio, não seja
necessária avaliação.
Para os casos em que realizada a avaliação, entregue o laudo, o juiz mandará que as
partes se manifestem sobre ele no prazo de 15 dias (art. 635, NCPC).
As partes podem aceitar esse laudo e, se não aceitarem, poderão apresentar
impugnações, as quais serão resolvidas. Após a resolução, será lavrado em seguida o termo
das últimas declarações.
Nessas últimas declarações, feita pelo inventariante, poderá ele emendar, aditar ou
completar, se for o caso, as primeiras declarações que prestou.
As partes serão ouvidas, no prazo de 15 dias, sobre as últimas declarações prestadas
pelo inventariante.
Após, é calculado o tributo a ser recolhido pelas partes. Sobre esse, valor serão ouvidas
as partes no prazo de 5 dias, e depois será ouvida a Fazenda Pública. Findo o prazo concedido
às partes, haverá o recolhimento dos impostos.
b) Inventário judicial pelo arrolamento sumário: está previsto no artigo 659 do NCPC,
que diz que a partilha amigável, celebrada entre partes capazes, será homologada de plano
pelo juiz.
O §1º do mesmo artigo acrescenta que essa homologação de plano pelo juiz também
ocorrerá na hipótese de pedido de adjudicação formulado por herdeiro único.
A leitura do artigo mencionado já indica que esse tipo de inventário tem forma
abreviada, exatamente em decorrência do consenso entre os herdeiros ou pela existência de
um único a suceder os bens do falecido, independentemente do valor dos bens que integram o
espólio.
Tartuce, citando Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho, esclarece que
se trata de

um procedimento judicial simplificado de inventário e partilha e ocorre quando as


partes são capazes e podem transigir, estiverem representadas e acordarem sobre
a partilha dos bens, qualquer que seja o valor (arts. 1.031/1.035 do CPC). Os
herdeiros apresentam o plano de partilha ao juiz que somente o homologa, em um
procedimento de jurisdição voluntária, portanto não decide.

488
Não somente, arrematando, o autor diz que “em suma, pode-se dizer que o seu fator
predominante é justamente o acordo entre as partes envolvidas e a sua capacidade plena”
(TARTUCE, 2020, p. 2.400).
Transitada em julgado a decisão homologatória da partilha ou de adjudicação, será
lavrado o formal de partilha, ou será elaborada a carta de adjudicação.
Lavrado o formal de partilha, intima-se o fisco para que seja feito o lançamento
administrativo dos impostos e de outros tributos eventualmente cabíveis.
Percebe-se, então, que nessa modalidade de inventário, o formal de partilha ou carta
de adjudicação antecedem o recolhimento do tributo, visando, com isso, a celeridade, que é
própria desse tipo de inventário.
Trata-se, assim, de um procedimento de jurisdição voluntária, no qual os herdeiros
apresentam um plano de partilha ao juiz, que apenas irá homologá-lo.
Exatamente por essa celeridade própria do arrolamento sumário, temos que nesse
tipo de inventário, não serão apreciada questões relativas a lançamento, a pagamento,
quitação de taxas judiciais e de tributos, pois incompatíveis com a celeridade.
A taxa judiciária, se for devida, será calculada com base no valor atribuído pelos
herdeiros.
Se o fisco entender de forma diferente quanto ao valor, caberá ao Fisco, por meio de
processo administrativo, atribuir valor diverso do valor que foi estimado pela parte, e exigir
eventual diferença pelos meios adequados através do lançamento de créditos tributários.
O ITCMD será objeto de processo administrativo. Ou seja, as autoridades fazendárias
não ficam vinculadas aos valores dos bens atribuídos pelos herdeiros.
O art. 663, NCPC, estabelece que a existência de credores do espólio não prejudicará a
homologação da partilha e nem mesmo a adjudicação, se forem reservados bens suficientes
para o pagamento da dívida.
c) Inventário judicial pelo rito do arrolamento comum: nesse tipo de inventário,
importa considerar o valor dos bens que integram o espólio. Se no caso do arrolamento
sumário, o acordo entre os herdeiros era o fator determinante para aquela modalidade de
inventário, neste o que se considera é o valor dos bens.
Assim é que estabelece o art. 664 do NCPC que quando o valor dos bens do espólio for
igual ou inferior a mil salários mínimos, o inventário será processado na forma de arrolamento.
Neste caso, caberá ao inventariante, que foi nomeado, independentemente da
assinatura do termo de compromisso, apresentar, com suas declarações, a atribuição de
valores de bens do espólio e o plano de partilha.
Perceba que o interesse está no valor dos bens deixados até mil salários mínimos.
Se qualquer das partes ou o Ministério Público impugnar esse valor apresentado pelo
inventariante, caberá ao juiz nomear um avaliador que oferecerá um laudo em 10 dias.
Nesse tipo de arrolamento, é possível a nomeação de avaliador, diferentemente do
arrolamento sumário, porquanto a necessidade de avaliador naquele tipo de inventário
decorre da discordância e essa é incompatível com a modalidade sumária de arrolamento.
Estabelece a legislação processual que, apresentado o laudo pelo avaliador, o juiz, na
audiência, deliberará sobre a partilha, decidindo na mesma audiência, de plano, todas as
reclamações, mandando pagar dívidas não impugnadas (art. 664, §2º, NCPC).

489
Provada a quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e suas rendas, o juiz
julgará a partilha. Essa é mais uma diferença entre esse tipo de arrolamento e o sumário.
Enquanto no arrolamento sumário, o pagamento dos tributos é postergado para depois da
homologação da partilha, nesse ele deve ser prévio.
Tudo isso decorre, repita-se, do fato de o arrolamento sumário considerar o consenso
entre os herdeiros e interessados. Já o arrolamento comum leva em conta o valor dos bens
inventariados.
O NCPC, no art. 665, diz que será possível o caminho do arrolamento comum para o
inventário, ainda que haja incapaz entre os herdeiros, desde que todas as partes estejam de
acordo e que o Ministério Público também concorde.
Portanto, passa-se a permitir que haja o procedimento de arrolamento comum
quando os valores dos bens não superarem mil salários mínimos, e, ainda que haja herdeiros
incapazes, desde que todos estejam de acordo e o Ministério Público também concorde.
Vale, então, relembrar que no arrolamento sumário não há limite de valores para os
bens, mas também não há possibilidade de seu processamento para as hipóteses em que há
herdeiros incapazes.
O destaque é feito para ressaltar as diferenças entre o arrolamento sumário e o
arrolamento ordinário.

5.3. INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL

Estabelece o artigo 610 do NCPC que havendo o testamento ou havendo interessado


incapaz, o inventário será judicial. Já o § 1º do mesmo artigo completa a norma, estabelecendo
que se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por
escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como
para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
A previsão do inventário extrajudicial surgiu no ordenamento jurídico pátrio com a Lei
nº 11.441/07, seguida pelo NCPC.
Conforme se depreende da leitura do artigo 610/NCPC, são requisitos para o
inventário extrajudicial:

 inexistência de testamento;
 todos os herdeiros devem ser capazes e devem estar acordo;
 elaboração por meio de escritura pública.
Ademais, é preciso que as partes estejam acompanhadas de advogado para elaboração
da escritura pública de inventário.
Especificamente sobre a exigência de não existência de testamento para que o
inventário seja extrajudicial, merece destaque decisão do STJ, no sentido de ser possível o
inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e
concordes e estiverem assistidos por advogados, desde que o testamento tenha sido
previamente registrado judicialmente ou se tenha a expressa autorização do juízo competente
(REsp nº 1808767 / RJ, REl.Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, STJ) .
A opção pela via extrajudicial, nas hipóteses em que permitida em lei, é uma faculdade
da parte. No entanto, a assistência de advogado é obrigatória. A leitura do artigo 610, §2º diz
que o tabelião vai lavrar a escritura pública se todas as partes de um advogado ou de um
defensor público.

490
A Resolução 35 do CNJ de 2007, em seu art. 1º, estabelece que é livre a escolha do
tabelião que vai lavrar o inventário, não havendo que se falar em competência territorial para
isso.
O inventário extrajudicial pode ser solicitado a qualquer tempo, sendo, inclusive,
possível a desistência da via judicial, para que as partes promovam o inventário pela via
extrajudicial. O prazo de 60 dias não é próprio, mas o tabelião observará, no tocante aos bens,
eventual multa na legislação tributária.
É importante destacar que essas escrituras públicas de inventário não dependem de
homologação judicial para que produzam efeitos, configurando título hábil para registro civil,
imobiliário, transferência de bens e levantamento de valores.
Na escritura de inventário extrajudicial, será obrigatória a nomeação de um
interessado para representar o espólio, tendo poderes de inventariante, cumprindo as
obrigações ativas e passivas que tiverem pendentes (art. 11 da Resolução).
Em relação ao recolhimento de tributos, incidente será o ITCMD. Seu recolhimento
deverá anteceder a lavratura da escritura pública de inventário (art. 15 da Res. 15),
consagrando uma preferência para Fazenda Pública.
Ainda de acordo com a Resolução 35 do CNJ, os cônjuges dos herdeiros deverão
comparecer ao ato de lavratura da escritura pública de inventário e partilha quando houver
renúncia ou algum tipo de partilha que importe em transmissão, exceto se o casamento se der
sob o regime da separação absoluta (art. 17).
É que, como vimos, o direito à herança (sucessão aberta) é um direito imobiliário,
sendo necessário, em tese, da outorga conjugal. Essa outorga, contudo, não é necessária
quando os cônjuges estiverem casados em regime de separação absoluta de bens.
No caso do(a) companheiro(a) com direito à sucessão, será necessária ação judicial se
o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros,
inclusive quanto ao reconhecimento da união estável (art. 18 da Resolução). Já a meação do(a)
companheiro(a) pode ser reconhecida na escritura pública, desde que todos os herdeiros e
interessados na herança, absolutamente capazes, estejam de acordo (art. 19, da Resolução).
Os artigos 20 e 21 da Resolução 35 do CNJ dispõem sobre os dados que deverão
constar da escritura pública de inventário.
É admissível uma sobrepartilha, ou seja, uma partilha depois da partilha realizada. Essa
sobrepartilha também poderá ser feita por escritura pública, ainda que a partilha tenha sido
originariamente judicial, ou seja, se à época havia um herdeiro incapaz, mas agora não exista
mais (art. 25).
Se houver somente um herdeiro, desde que seja maior e capaz, terá ele direito à
totalidade da herança. Nesse caso, não haverá partilha, por óbvio. Na hipótese, será lavrada
uma escritura pública de inventário e uma adjudicação de bens (art. 26, da Resolução).
A Resolução 35 do CNJ trata, ademais, da possibilidade de inventário negativo. Esse
inventário se presta a demonstrar que o falecido não deixou qualquer bem. Um inventário
negativo pode ser útil, por exemplo, para que o cônjuge sobrevivente possa se casar pelo
regime que desejar, afastando-se assim, a incidência da causa suspensiva prevista no artigo
1.523, I, do CC.
Pode-se, então, fazer inventário negativo por meio de escritura pública (art. 28, da
Resolução).
Com efeito, estabelece o mencionado artigo 1.523, I, CC, que o casamento da viúva,
enquanto não der partilha dos bens deixados pelo falecido, deve ser feito com o regime da

491
separação obrigatória de bens (art. 1.641, I, CC). Assim, com o inventário negativo, busca-se
afastar a referida causa suspensiva para livre escolha do regime de casamento em vista do
novo matrimônio.
Por fim, o tabelião poderá se negar a lavrar a escritura pública de inventário e partilha
se houver fundados indícios de fraude ou se houve dúvida sobre a condição de herdeiro do
interessado.

5.4. PENA DE SONEGADOS

Vimos que uma das penalidades que podem ser aplicadas ao inventariante é a pena de
sonegados. Entretanto, essa penalidade não é exclusiva do inventariante, podendo ser
aplicada a qualquer herdeiro que sonegue bens da herança, não os descrevendo no inventário
ou os omitindo da colação. É o que se extrai do artigo 1.992, do CC, que estabelece in verbis:
“O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam
em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que
os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia”.
Vê-se que o artigo em questão, além de descrever quem são os sujeitos à pena de
sonegação, já traz também a consequência que é a perda do direito sobre o bem sonegado. A
pena de sonegados gera, assim, ao herdeiro sonegador, a perda do direito àquele bem.
Falando sobre o tema, Flávio Tartuce ensina que

sonegados são os bens que deveriam ter sido inventariados ou trazidos à colação,
mas não o foram, pois ocultados pelo inventariante ou por herdeiro. Como
consequência, a pena de sonegados constitui uma sanção ou penalidade civil
imposta para os casos de ocultação de bens da herança, gerando a perda do direito
sobre os bens ocultados. Sonegados são os bens que deveriam ser inventariados ou
trazidos à colação, mas não o foram, pois foram ocultados por aquele que deveria
ter trazido o bem, e não trouxe (TARTUCE, 2020, p. 2420).

Todavia, é importante destacar que não basta a demonstração da ocultação, para fins
de aplicação da pena de sonegados. Esse é o elemento objetivo que deve ser associado ao
subjetivo, consistente na demonstração do dolo de ocultar.
Isto é, para pena de sonegados, são exigidos dois elementos concomitantes:
 elemento objetivo: ocultar o bem; e
 elemento subjetivo: dolo de ocultar, ou seja, a intenção de não contar aos demais
herdeiros que não há o bem.
Já vimos que, em sendo o inventariante o responsável pela ocultação dolosa, além da
pena de sonegados, será removido da inventariança (art. 1.993, CC).
O artigo 1.994/CC estabelece que a pena de sonegados só se pode requerer e impor
em ação movida pelos herdeiros ou pelos credores da herança, sendo que a sentença que se
proferir nessa ação de sonegados aproveita aos demais interessados.
Constatada a sonegação, diz o art. 1.995 do CC, que se não se restituírem os bens
sonegados, por já não os ter o sonegador em seu poder, pagará ele a importância dos valores
que ocultou, mais as perdas e danos.

492
5.5. PAGAMENTO DAS DÍVIDAS

Quando uma pessoa falece, há transmissão imediata de seus bens aos sucessores.
Entretanto, é preciso observar a regra do art. 1.997, CC, que estabelece que a herança
responde pelo pagamento das dívidas do falecido, autor da herança.
Na hipótese de dívidas cobradas após a partilha dos bens, cada herdeiro responderá
por elas, porém na proporção da parte que lhes coube na herança. Isso significa dizer que
nenhum herdeiro responderá além das forças da herança.
O §1º do art. 1.997 diz que “quando, antes da partilha, for requerido no inventário o
pagamento de dívidas constantes de documentos, revestidos de formalidades legais,
constituindo prova bastante da obrigação, e houver impugnação, que não se funde na
alegação de pagamento, acompanhada de prova valiosa, o juiz mandará reservar, em poder do
inventariante, bens suficientes para solução do débito, sobre os quais venha a recair
oportunamente a execução”.
O credor, neste caso, será remetido às vias ordinárias para cobrança da dívida, por
meio de ação própria, a qual deverá se dar no prazo de 30 dias, sob pena de cair a reserva do
bem. Não proposta a ação de cobrança no prazo de 30 dias, ficará sem nenhum efeito a
reserva de bens feita pelo juiz (art. 1.997, §2º).
Sobre o mesmo tema, a legislação processual, estabelece que, antes da partilha, os
credores podem requerer ao juízo do inventário o pagamento das dívidas vencidas e exigíveis.
A petição será distribuída por dependência e é autuada em apenso aos autos de inventário
(art. 642 do NCPC).
Trata-se, na hipótese, de pedido de habilitação de crédito. Se as partes do inventário
concordarem, o juiz declarará o credor habilitado, determinando que ocorra a separação dos
valores e bens para pagamento da dívida.
Sobre esse pedido de habilitação de credor, nem sempre os donatários serão sempre
chamados a se manifestarem. A previsão legal é que serão chamados quando houver a
possibilidade de redução das liberalidades em decorrência do valor da dívida (art. 642, §5º,
NCPC).
Se não houver concordância de todas as partes, o pedido de habilitação de crédito será
encaminhado às vias ordinárias. O juiz, nesse caso, mandará reservar, em poder do
inventariante, bens suficientes para pagar o credor quando a dívida constar de um documento
e a impugnação não se referir à quitação daquela dívida.
O legatário também poderá ser chamado a se manifestar sobre dívidas do espólio. Isso
acontecerá aplicando-se a mesma lógica aplicada ao donatário, ou seja, chamar-se-á o
legatário a se manifestar sobre dívidas do autor da herança quando (art. 645, NCPC):
 toda a herança for dividida em legítima; ou
 reconhecimento da dívida importar redução do legado.
Ainda em relação ao pagamento das dívidas, diz o artigo 646, NCPC, que “sem prejuízo
do disposto no art. 860 , é lícito aos herdeiros, ao separarem bens para o pagamento de
dívidas, autorizar que o inventariante os indique à penhora no processo em que o espólio for
executado”.

5.6. COLAÇÃO OU CONFERÊNCIA

Ensina Daniel Carnacchioni que

493
a colação é o ato pelo qual o descendente, que concorre com outros descendentes
à sucessão de ascendente comum ou com o cônjuge do falecido, confere o valor
das doações que do autor da herança recebeu em vida. O descendente tem o dever
legal de indicar e relacionar, no inventário, o valor das doações recebidas, com a
finalidade de igualar as legítimas, e não a herança (CARNACCHIONI, 2018, p. 1714).

Colação ou conferência são expressões sinônimas.


Conforme estabelece o artigo 2.002 do CC,

os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são


obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em
vida receberam, sob pena de sonegação”. Já o parágrafo único do mesmo artigo
completa, estabelecendo que “para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos
será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.

Esse artigo está alinhado com o disposto no artigo 544, CC, pelo qual temos que “a
doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do
que lhes cabe por herança.”
Assim, a regra é que as doações feitas em vida pelo ascendentes a descendes e de um
cônjuge a outro são adiantamento da legítima e, em sendo assim, devem ser colacionados
quando do inventário. Entretanto, é possível afastar essa necessidade de colação. Para tanto,
pode o donatário, no ato de liberalidade, indicar que se trata de doação de sua parte
disponível. É o que dispõe o artigo 2005, CC, segundo o qual “são dispensadas da colação as
doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam,
computado o seu valor ao tempo da doação”.
Diz o art. 2.006, que a dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em
testamento, ou no próprio título de liberalidade.
Sobre a colação dos bens doados em vida pelo autor da herança, temos que o nosso
ordenamento jurídico adotou a chamada colação em substância. Sobre o tema, Tartuce,
citando Maria Helena Diniz, esclarece que

nosso ordenamento jurídico adotou o sistema da colação em substância, pois ‘a


mesma coisa doada em adiantamento da legítima ao descendente e ao cônjuge
(arts. 544 e 2.003, parágrafo único, segunda parte, do Código Civil) deve ser trazida
à colação. Se, ao tempo da abertura da sucessão por morte do doador, não houver
no acervo hereditário bens suficientes para igualar a legítima, a coisa doada deverá
ser conferida em espécie (TJSP, Ap. 530.150- 4/9-00, Rel. Francisco Loureiro, j.
08.11.2007), e se os donatários (descendentes ou cônjuge) não mais a tiverem,
deverão trazer à colação o seu valor correspondente, hipótese em que se terá a
colação ideal (RT 697:154), ou por imputação. Tal valor é o que a coisa doada
possuía ao tempo da liberalidade.

Assim, temos que a mesma coisa doada como adiantamento da legítima deve ser
trazida à colação. Se foi dado um quadro, este deverá ser trazido à colação, e não o valor do
quadro. Só será trazido o valor do quadro quando este já não mais existir. Se os donatários não
mais tiverem o bem, trarão à colação o valor daquele bem.
Sobre o cálculo que deverá ser feito para se determinar o valor da legítima, diz o
parágrafo único do artigo 2.002, que “para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos
será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível”.
Buscando esclarecer o que quer dizer esse parágrafo único do artigo 2.002, Daniel
Carnacchioni exemplifica nos seguintes termos

494
por exemplo, em uma herança no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais),
valor apurado no momento da abertura da sucessão , deverá ser separada a parte
disponível (R$ 500.000,00) da parte indisponível (R$ 500.000,00). Se um dos
descendentes, em vida, recebeu a quantia de R$ 100.000,00, essa doação será
acrescentada à parte indisponível, que passará para R$ 600.000,00, sem aumento
da parte disponível, que se mantém em R$ 500.000,00 (CARNACCHIONI, 2018, p.
1.714).

Diz o parágrafo único do artigo 2.003, CC, que se, computados os valores das doações
feitas em adiantamento de legítima, não houver no acervo bens suficientes para igualar as
legítimas dos descendentes e do cônjuge, os bens doados, na forma do caput do mesmo
artigo, serão conferidos em espécie, ou, quando deles já não disponha o donatário, pelo seu
valor ao tempo da liberalidade.
Já o artigo 2.004, CC, estabelece que o valor de colação dos bens doados será aquele,
certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade.
Esse artigo parece estar em contradição com o NCPC, já que este estabelece que na
impossibilidade de trazer o bem à colação, deverá trazer seus valores. O parágrafo único do
art. 627, NCPC, diz que os bens a serem conferidos na partilha, assim como as acessões e as
benfeitorias que fez o donatário, vão ser calculados pelo valor que tiverem ao tempo da
abertura da sucessão.
Percebam que enquanto o Código Civil fala do bem na época da liberalidade da
doação, o CPC se refere ao valor do bem ao tempo da abertura da sucessão, que, conforme
vimos, é quando o autor da herança morreu.
A solução para essa aparente contradição não é ainda pacífica. O Enunciado 119 do CJF
diz que

para evitar o enriquecimento sem causa, a colação será efetuada com base no
valor da época da doação, nos termos do caput do art. 2.004, exclusivamente na
hipótese em que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário. Se,
ao contrário, o bem ainda integrar seu patrimônio, a colação se fará com base no
valor do bem na época da abertura da sucessão, nos termos do art. 1.014 do CPC,
de modo a preservar a quantia que efetivamente integrará a legítima quando esta
se constituiu, ou seja, na data do óbito (resultado da interpretação sistemática do
art. 2.004 e seus parágrafos, juntamente com os arts. 1.832 e 884 do Código Civil).

Flávio Tartuce nos adverte do acolhimento à sugestão feita por Gustavo Tepedino,
feita por ocasião da VIII Jornada de Direito Civil, realizada em 2018, pela qual se aprovou uma
nova ementa doutrinária, em complemento a essa anterior e em atualização ao CPC/2015,
segundo a qual

os arts. 2.003 e 2.004 do Código Civil e o art. 639 do CPC devem ser interpretados
de modo a garantir a igualdade das legítimas e a coerência do ordenamento. O
bem doado, em adiantamento de legítima, será colacionado de acordo com seu
valor atual na data da abertura da sucessão, se ainda integrar o patrimônio do
donatário. Se o donatário já não possuir o bem doado, este será colacionado pelo
valor do tempo de sua alienação, atualizado monetariamente (Enunciado n. 644)
(TARTUCE, 2020, p. 2.430).

Também os netos podem ser obrigados à colação quando, representando os seus pais,
sucederem aos avós, caso em que serão obrigados a trazer à colação, ainda que não o hajam
herdado, o que os pais teriam de conferir (art. 2009, CC).

495
As doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente também não estão
sujeitas a colação (art. 2.011, CC).

5.7. REDUÇÃO DAS DOAÇÕES INOFICIOSAS

Quando estudamos a herança legítima, vimos que quando o autor da herança deixa
herdeiros necessários, não poderá haver disposição dos bens para além da parte disponível. É
que, também como vimos, a legítima é protegida pela lei. Assim é que, em caso de disposição
que exceda a legítima, será necessário proceder à redução.
Em outras palavras, havendo doação que exceda à parte disponível, tratar-se-á de
doação inoficiosa, sujeita à redução. Perceba que a redução difere-se da colação, já que nesta
última, o bem é devolvido pelos herdeiros para fins de recálculo para igualar a legítima. Na
redução, vislumbra-se uma doação que excede o que o doador poderia fazer quando da
liberalidade.
O art. 549 do CC estabelece que é nula a doação inoficiosa na parte que exceder, pelo
doador aquilo que, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
Pela leitura do art. 2.007, §1º, CC, temos que o excesso será apurado considerando os
valores dos bens doados no momento da liberalidade. Já o §2º do mesmo artigo diz que a
redução da liberalidade far-se-á pela restituição ao monte do excesso assim apurado; a
restituição será em espécie, ou, se não mais existir o bem em poder do donatário, em dinheiro,
segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucessão, observadas, no que forem aplicáveis,
as regras deste Código sobre a redução das disposições testamentárias.
É importante destacar a regra do artigo 2.008, CC, segundo o qual aquele que
renunciou a herança ou dela foi excluído, deve, não obstante, conferir as doações recebidas,
para o fim de repor o que exceder o disponível.

5.8. PARTILHA

Pelo princípio de saisine, com a morte do autor da herança, há uma transferência


imediata dos bens aos sucessores. Entretanto, esses bens ainda precisam ser partilhados, o
que ocorrerá no momento da partilha. Assim é que a partilha significa divisão. Pela partilha,
temos, então, a repartição dos bens, de modo que o acervo deixa de ser uma coisa comum,
transformando-se em coisas particulares devidamente divididas.
O artigo 2.013, CC, diz que o herdeiro pode sempre requerer a partilha, ainda que o
testador o proíba, cabendo igual faculdade aos seus cessionários e credores.
Há três espécies de partilha:
 partilha amigável;
 partilha judicial; e
 partilha em vida.
a) Partilha amigável: acontece quando todos os herdeiros, sendo capazes, estão de
acordo com a divisão dos bens. Poderá acontecer: por escritura pública; por termo nos autos
do inventário; por termo particular, desde que, neste último caso, seja homologado pelo juiz.
Merece destacar que, como estudado antes, o inventário extrajudicial, feito por
escritura pública, não precisa de homologação judicial.
b) Partilha judicial: será necessariamente judicial a partilha nos casos em que houver
divergência entre herdeiros, ou nos casos em que há herdeiros incapazes. Como nesse tipo de
partilha, não há acordo entre os herdeiros acerca de como se fará a divisão dos bens, o

496
julgador deverá se valer de algumas regras para realização da partilha. Nesse sentido, o art.
648 do NCPC traz regras de interpretação para partilha, funcionando como metanormas, ou
seja, traz a forma como deverão ser interpretadas as normas relativas à divisão dos bens na
partilha judicial:
- Princípio da igualdade da partilha: é a metanorma, pela qual deve se buscar o
máximo possível de igualdade na divisão, considerando sempre não só o valor dos bens, mas
também sua natureza, qualidade, etc. Basicamente, temos que, de acordo com esse princípio,
se o autor da herança deixou 5 herdeiros e 5 lotes, será um lote para cada um. Se ele deixou 2
herdeiros e 2 carro de 80 mil e 2 lotes de 80 mil, esse princípio diz que tanto quanto ao valor
como quanto à qualidade, deverá buscar a igualdade. Dessa forma, ficará 1 lote e 1 carro para
cada um dos herdeiros. A ideia é não dar 160 mil para um em lotes e 160 mil para o outro em
carros, e sim manter a qualidade e quantidade para garantir a igualdade.
- Prevenção de litígios futuros (mediação ou conciliação): a qualquer momento é
possível que as partes se valham de mediação ou conciliação para facilitar a partilha. Se estiver
ocorrendo uma dificuldade, será tentada uma conciliação ou mediação.
- Máxima comodidade dos coerdeiros do cônjuge ou do companheiro: na verdade, o
art. 649 do NCPC estabelece que se o bem for susceptível de uma divisão cômoda, será feita
dessa forma. Ex.: há um terreno de 1500 metros, podendo ser fracionado em 3 terrenos de
500 metros para cada herdeiro. Diante disso, será feito dessa forma, pois é mais cômoda a
divisão. Se não for suscetível de uma divisão cômoda, que não couberem na parte do cônjuge
ou do companheiro, ou no quinhão de um só dos herdeiros, esses bens serão licitados entre os
interessados, ou ainda serão vendidos judicialmente. A ideia é de que serão vendidos os bens
e os valores serão partilhados, já que não pode haver uma divisão cômoda dos bens, salvo se
houver um acordo sobre o condomínio do bem, situação em que o bem será atribuído a todos.
Em consonância com a proteção conferida pelo Código Civil ao nascituro, o art. 650 do
NCPC estabelece que, se um dos interessados for nascituro, o quinhão que cabe a ele será
reservado em poder do inventariante até o seu nascimento. Caso não nasça, será redistribuído
o bem entre os herdeiros.
Recorde-se que, quanto ao início da personalidade, muito embora ainda haja
divergências quanto à teoria adotada pelo Código Civil (teoria natalista ou concepcionista),
certo é que a lei põe a salvo os direitos do nascituro, de forma que o mencionado artigo 650
do NCPC reforça essa proteção, que, entretanto, fica na dependência do nascimento com vida.
Se não nascer com vida, não há transmissão.
O art. 661 do NCPC trata da figura do partidor, que nada mais é que o agente
responsável pela organização da partilha. Trata-se de servidor do Poder Judiciário, que
organizará o esboço da partilha, de acordo com aquilo que foi decidido pelo juiz. No entanto, o
partidor deverá observar uma ordem estabelecida pelo artigo 651, o qual reza que o partidor
organizará o esboço da partilha de acordo com a decisão judicial, observando nos pagamentos
a seguinte ordem:
“I - dívidas atendidas; II - meação do cônjuge; III - meação disponível; IV - quinhões
hereditários, a começar pelo coerdeiro mais velho.”
Feito o esboço, as partes irão se manifestar no prazo comum de 15 dias. Eventuais
reclamações serão resolvidas, situação em que a partilha será lançada nos autos.
Em seguida, é pago o ITCMD, sendo juntada aos autos a certidão negativa de dívida
para com a Fazenda Pública, julgando o juiz a partilha por sentença homologatória, conforme
art. 664, caput, NCPC.

497
Transitada em julgado essa sentença, o herdeiro receberá os bens que lhe tocarem e
receberá um formal de partilha, do qual deverá constar as seguintes peças:
“I - termo de inventariante e título de herdeiros; II - avaliação dos bens que
constituíram o quinhão do herdeiro; III - pagamento do quinhão hereditário; IV - quitação dos
impostos; V - sentença.”
Para fins de registro da aquisição da propriedade do imóvel junto ao Cartório de
Registro de Imóvel, esse formal de partilha é fundamental.
O formal de partilha poderá ser substituído eventualmente por uma certidão de
pagamento de quinhão hereditário, desde que o quinhão hereditário não exceda o valor de 5
vezes o salário mínimo.
c) Partilha em vida: é uma partilha feita pelo ascendente a descendente por atos inter
vivos ou por ato de última vontade, podendo ser total ou parcial, desde que se respeite os
parâmetros legais. Falando sobre o tema, Flávio Tartuce ensina que “essa constitui a forma de
partilha feita por ascendente a descendentes que por ato inter vivos ou de última vontade,
abrangendo os seus bens de forma total ou parcial, desde que respeitados os parâmetros
legais, caso da reserva da legítima (art. 2.018 do CC/2002). (TARTUCE, 2020, p. 2.446).
Citando Zeno Veloso, Tartuce complementa seu estudo sobre a partilha em vida,
invocando a classificação feita Veloso para o qual:

a partilha em vida pode se realizar de duas maneiras. A primeira equivale a uma


doação, e a divisão dos bens entre os herdeiros tem efeito imediato, antecipando o
que estes iriam receber somente após a morte do ascendente (partilha-doação). A
segunda é a partilha-testamento, feita no ato mortis causa, que só produz efeitos
com a morte do ascendente e deve seguir a forma de testamento (TARTUCE, 2020,
p. 2.446).

5.9. GARANTIA DOS QUINHÕES HEREDITÁRIOS

Quando é julgada a partilha no processo de inventário, cada um dos herdeiros terá


direito aos bens correspondentes ao seu quinhão (art. 2.023, CC).
Estabelece, por sua vez, o art. 2.024, CC, que os co-herdeiros são reciprocamente
obrigados a indenizar-se no caso de evicção dos bens aquinhoados.
Quando a hipótese for de indenização da evicção, o evicto será indenizado pelos co-
herdeiros na proporção de suas quotas hereditárias, mas, se algum deles se achar insolvente,
responderão os demais na mesma proporção, pela parte desse, menos a quota que
corresponderia ao indenizado. É o que estabelece o artigo 2.025, CC.
Exemplificando, suponhamos que o autor da herança deixou três herdeiros e três
lotes, cada um valendo 50 mil reais. A cada herdeiro coube um dos lotes, que foi recebido após
a efetiva partilha. Porém, após isso, um dos herdeiros vem a descobrir que o lote que lhe
coube na partilha não pertencia ao pai, pois já pertencia a outra pessoa que tinha comprado
do seu pai. Então, nessa hipótese, em verdade o autor da herança não deixou 150 mil de
herança, mas apenas 100 mil, motivo pelo qual cada um dos herdeiros, em verdade, deveria
ter recebido 33 mil e não 50 mil. Diante disso, os outros co-herdeiros que receberam os 2 lotes
deverão pagar a esse herdeiro evicto 16.500 mil cada um.
Devem-se ressaltar as hipóteses em que não haverá essa obrigação de indenização dos
co-herdeiros. São elas:
 Quando houver acordo entre as partes sobre a exclusão da responsabilidade: ex.:
cada um dos herdeiros recebeu o lote de 50 mil, mas um deles recebeu um lote

498
que poderá valorizar, valendo 100 mil daqui a 1 ano, situação em que acordam que
o herdeiro, que poderá ter a valorização do seu lote dobrada, assuma a
responsabilidade por possível evicção, desonerando os demais.
 Quando a perda for por culpa exclusiva de um dos herdeiros
 Quando a perda se der por um fato posterior à partilha: ex.: perda do quadro
recebido ou perda pela usucapião.

5.10. ANULAÇÃO, RESCISÃO E NULIDADE DA PARTILHA

O art. 2.027/CC diz que a partilha é anulável pelos mesmos vícios e defeitos que vão
invalidar os negócios jurídicos em geral. O parágrafo único do mesmo artigo estabelece que
esse direito de anulação da partilha decai no prazo de 1 ano.
Nessa mesma linha, o artigo 658, do NCPC, trata das hipóteses em que a partilha
julgada por sentença será rescindível, a saber:
“I - nos casos mencionados no art. 657 do NCPC (partilha amigável); II - se feita com
preterição de formalidades legais; III - se preteriu herdeiro ou incluiu quem não o seja.”
Em sendo amigável a partilha, diz o art. 657, do NCPC, que poderá ser anulada por
dolo, coação, erro essencial ou intervenção de incapaz. Esse direito à anulação de partilha
amigável extingue-se em 1 (um) ano, contado esse prazo:
“I - no caso de coação, do dia em que ela cessou; II - no caso de erro ou dolo, do dia
em que se realizou o ato; III - quanto ao incapaz, do dia em que cessar a incapacidade.”
Sobre o prazo para ser requerida a anulação da partilha com preterição a herdeiro,
Flávio Tartuce adverte que

a única ressalva que deve ser feita é que o jurista, ao lado de outros e da posição
largamente prevalecente, defende a aplicação da regra geral dos prazos de
prescrição, que antes era de vinte anos (art. 177 do CC/1916), e agora é de dez
anos (art. 205 do CC/2002). Nessa linha, aliás, do Superior Tribunal de Justiça e por
todos: “Regimental. Inventário. Partilha. Anulação. Vintenário. Precedentes.
Súmula 07. É de vinte anos o prazo para o herdeiro que não participou da partilha
pedir sua anulação em juízo” (STJ, AgRg no Ag 719.924/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min.
Humberto Gomes de Barros, j. 20.04.2006, DJ 15.05.2006, p. 205) (TARTUCE, 2020,
p. 2.453).

Para o autor, então, o prazo para que o herdeiro excluído proponha a anulação da
partilha em juízo é de 10 anos.

5.11. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

5.11.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DIREITO CIVIL. Sucessões. Existência de testamento. Interessados maiores,


capazes e concordes, devidamente acompanhados de seus advogados. Inventário
extrajudicial. Possibilidade. É possível o inventário extrajudicial, ainda que
exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem
assistidos por advogado. O art. 610 do CPC/2015 (art. 982 do CPC/1973), dispõe
que, em havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao
inventário judicial. Em exceção ao caput, o § 1° estabelece, sem restrição, que,

499
se todos os interessados forem capazes e concordes, o inventário e a partilha
poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para
qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância
depositada em instituições financeiras. O Código Civil, por sua vez, autoriza
expressamente, independentemente da existência de testamento, que, "se os
herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública,
termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz" (art.
2.015). Por outro lado, determina que "será sempre judicial a partilha, se os
herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz" (art. 2.016) –
bastará, nesses casos, a homologação judicial posterior do acordado, nos termos
do art. 659 do CPC. Assim, de uma leitura sistemática desses dispositivos, mostra-
se possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os
interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado,
desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente (já
que haverá definição precisa dos seus termos) ou haja a expressa autorização do
juízo competente (ao constatar que inexistem discussões incidentais que não
possam ser dirimidas na via administrativa). A mens legis que autorizou o
inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário, afastando a via
judicial de processos nos quais não se necessita da chancela judicial, assegurando
solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes. Deveras, o
processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direito. Se a
via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de
conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via
administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela
Justiça. REsp 1.808.767-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por
unanimidade, julgado em 15/10/2019, DJe 03/12/2019 (INF. 633).

Arrolamento sumário. Art. 659, § 2º, do CPC/2015. Homologação da partilha.


Prévio atendimento das obrigações tributárias principais e acessórias relativas ao
ITCMD. Desnecessidade. A homologação da partilha no procedimento do
arrolamento sumário não pressupõe o atendimento das obrigações tributárias
principais e tampouco acessórias relativas ao imposto sobre transmissão causa
mortis. Inicialmente, cumpre salientar que o procedimento do arrolamento
sumário é cabível quando todos os herdeiros forem capazes e estiverem concordes
entre si quanto à partilha dos bens, sendo certo que a simplificação do
procedimento em relação ao inventário e ao arrolamento comum afasta a
possibilidade de maiores indagações no curso do procedimento especial, tais como
a avaliação de bens do espólio e eventual questão relativa a lançamento,
pagamento ou quitação de taxas judiciárias e tributos incidentes sobre a
transmissão da propriedade, consoante o teor dos artigos 659 c/c 662 e seguintes
do Código de Processo Civil. Consoante estas balizas legais, neste tocante, o Código
de Processo Civil de 2015 dispõe que, no caso de arrolamento sumário, a partilha
amigável será homologada de plano pelo juiz e, transitada em julgado a sentença,
serão expedidos os alvarás referentes aos bens e rendas por ele abrangidos.
Somente após, será o Fisco intimado para lançamento administrativo do imposto
de transmissão e de outros tributos, porventura incidentes. Portanto, a
obrigatoriedade de recolhimento de todos os tributos previamente ao julgamento
da partilha (art. 664, § 5º, CPC) foi afastada pelo próprio art. 659, ao prever sua
aplicação apenas ao arrolamento comum. O novo Código de Processo Civil de 2015,
ao tratar do arrolamento sumário, permite que a partilha amigável seja
homologada anteriormente ao recolhimento do imposto de transmissão causa
mortis, e somente após a expedição do formal de partilha ou da carta de
adjudicação é que a Fazenda Pública será intimada para providenciar o lançamento
administrativo do imposto, supostamente devido. REsp 1.751.332-DF, Rel. Min.

500
Mauro Campbell Marques, por unanimidade, julgado em 25/09/2018, DJe
03/10/2018. (INF. 636).

QUESTÕES

1- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.


I – Em face do princípio da igualdade das entidades familiares, é inconstitucional o tratamento
discriminatório conferido ao cônjuge e ao companheiro.
II – Na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a
custódia compartilhada do animal de estimação do casal.
III – A constituição de entidade familiar paralela não gera qualquer efeito jurídico.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
2- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – O prêmio de loteria, recebido por ex-companheiro septuagenário durante a relação de
união estável, deve ser objeto de meação entre o casal em caso de dissolução do
relacionamento.
II – De acordo com o entendimento prevalente, o casal deve formular pedido extrajudicial
antes de ingressar com ação judicial pedindo a conversão da união estável em casamento
III – No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes
sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o
regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
3- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – Ainda que casado sob o regime da separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente
é herdeiro necessário e concorre com os descendentes.
II – Nas ações de divórcio e de dissolução da união estável, a regra deve ser o julgamento
parcial do mérito (art. 356 do Novo CPC),2 para que seja decretado o fim da conjugalidade,
seguindo a demanda com a discussão de outros temas.
III – Em pacto antenupcial ou contrato de convivência podem ser celebrados negócios jurídicos
processuais.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
4- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – Na dissolução de união estável, não é possível a partilha dos direitos de concessão de uso
para moradia de imóvel público.
II – O benefício de previdência privada fechada entra na partilha em dissolução de união
estável regida pela comunhão parcial de bens.

501
III – O bem imóvel adquirido a título oneroso na constância da união estável regida pelo
estatuto da comunhão parcial, mas recebido individualmente por um dos companheiros,
através de doação pura e simples realizada pelo outro, deve ser incluído no monte partilhável.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
5- Assinale a alternativa INCORRETA de acordo com as disposições do Código Civil
a) As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e
assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
b) Mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil, a união estável
poderá converter-se em casamento.
c) Salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais na união
estável, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
d) As causas suspensivas do casamento impedirão a caracterização da união estável.
6- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – É de quatro anos o prazo de decadência para anular partilha de bens em dissolução de
união estável, por vício de consentimento.
II – É válido, desde que escrito, o pacto de convivência formulado pelo casal no qual se opta
pela adoção da regulação patrimonial da futura relação como igual ao regime de comunhão
universal, desde que tenha sido feito por meio de escritura pública.
III – Não é lícito aos conviventes atribuírem efeitos retroativos ao contrato de união estável, a
fim de eleger o regime de bens aplicável ao período de convivência anterior à sua assinatura.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
7- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – O fato de namorados projetarem constituir família no futuro não caracteriza união estável,
ainda que haja coabitação.
II – A invalidação da alienação de imóvel comum, fundada na falta de consentimento do
companheiro, dependerá da publicidade conferida à união estável, mediante a averbação de
contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência de união estável no Ofício do
Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, ou da demonstração de má-fé do
adquirente.
III – Na hipótese de dissolução de união estável subordinada ao regime da comunhão parcial
de bens, não deve integrar o patrimônio comum, a ser partilhado entre os companheiros, a
valorização patrimonial das cotas sociais de sociedade limitada adquiridas antes do início do
período de convivência do casal.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
8- Com relação à União Estável, assinale a alternativa INCORRETA nos termos do Código Civil.
a) Não se constituirá a união estável se ocorrerem os impedimentos para o casamento, salvo
no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
b) Constituem união estável as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos
de casar.

502
c) Obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e
educação dos filhos as relações pessoais entre os companheiros.
d) É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família.
9- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – Não há hierarquia entre casamento e união estável, sendo apenas entidades familiares
diferentes, que contam com a proteção constitucional.
II – São considerados elementos essenciais para a constituição da união estável: a publicidade,
a continuidade, a estabilidade e o objetivo de constituição de família.
III – A lei não exige prazo mínimo para a sua constituição da união estável, devendo ser
analisadas as circunstâncias do caso concreto.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.
10- Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA.
I – Para o reconhecimento da união estável exige-se que os companheiros ou conviventes
vivam sob o mesmo teto.
II – Não há qualquer requisito formal obrigatório para que a união estável reste configurada,
como necessidade de elaboração de uma escritura pública entre as partes ou de uma decisão
judicial de reconhecimento.
III – Os impedimentos matrimoniais previstos impedem a caracterização da união estável,
havendo, na hipótese, concubinato, mas o Código Civil passou a admitir que a pessoa casada,
desde que separada de fato ou judicialmente constitua união estável.
a) Todas estão corretas.
b) Apenas I e II estão corretas.
c) Apenas I e III estão corretas.
d) Apenas II e III estão corretas.
e) Todas estão incorretas.

COMENTÁRIOS

1. Gabarito: B
I – CORRETA – De acordo com o Enunciado 03 do IBDFAM - Em face do princípio da igualdade
das entidades familiares, é inconstitucional o tratamento discriminatório conferido ao cônjuge
e ao companheiro.
II – CORRETA – De acordo com o Enunciado 11 do IBDFAM- Na ação destinada a dissolver o
casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de
estimação do casal.
III – INCORRETA – Segundo o Enunciado 04 do IBDFAM - A constituição de entidade familiar
paralela pode gerar efeito jurídico.
http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam
2. Gabarito: C
I – CORRETA – De acordo com o entendimento jurisprudencial:

RECURSO ESPECIAL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS.


COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SÚMULA 377 DO STF. BENS ADQUIRIDOS NA
CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL QUE DEVEM SER PARTILHADOS DE FORMA
IGUALITÁRIA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO ESFORÇO COMUM DOS

503
COMPANHEIROS PARA LEGITIMAR A DIVISÃO. PRÊMIO DE LOTERIA (LOTOMANIA).
FATO EVENTUAL OCORRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. NECESSIDADE
DE MEAÇÃO. 1. Por força do art. 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil de
1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao
casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o
regime de separação obrigatória de bens (recentemente, a Lei 12.344/2010 alterou
a redação do art. 1.641, II, do CC, modificando a idade protetiva de 60 para 70
anos). Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se
seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de
sessenta anos ou a mulher maior de cinquenta. Precedentes. 2. A ratio legis foi a de
proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por
interesse estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover
o consorte para o enlace. 3. A Segunda Seção do STJ, seguindo a linha da Súmula
n.º 377 do STF, pacificou o entendimento de que "apenas os bens adquiridos
onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço
comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha" (EREsp 1171820/PR, Rel.
Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015). 4.
Nos termos da norma, o prêmio de loteria é bem comum que ingressa na
comunhão do casal sob a rubrica de "bens adquiridos por fato eventual, com ou
sem o concurso de trabalho ou despesa anterior" (CC/1916, art. 271, II; CC/2002,
art. 1.660, II). 5. Na hipótese, o prêmio da lotomania, recebido pelo ex-
companheiro, sexagenário, deve ser objeto de partilha, haja vista que: i) se trata de
bem comum que ingressa no patrimônio do casal, independentemente da aferição
do esforço de cada um; ii) foi o próprio legislador quem estabeleceu a referida
comunicabilidade; iii) como se trata de regime obrigatório imposto pela norma,
permitir a comunhão dos aquestos acaba sendo a melhor forma de se realizar
maior justiça social e tratamento igualitário, tendo em vista que o referido regime
não adveio da vontade livre e expressa das partes; iv) a partilha dos referidos
ganhos com a loteria não ofenderia o desiderato da lei, já que o prêmio foi ganho
durante a relação, não havendo falar em matrimônio realizado por interesse ou em
união meramente especulativa. 6. Recurso especial parcialmente provido. (REsp
1689152/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
24/10/2017, DJe 22/11/2017)

II – INCORRETA – De acordo com o entendimento jurisprudencial:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL EM


CASAMENTO. OBRIGATORIEDADE DE FORMULAÇÃO EXCLUSIVAMENTE PELA VIA
ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA. CONVERSÃO PELA VIA JUDICIAL. POSSIBILIDADE.
O propósito recursal é reconhecer a existência de interesse de agir para a
propositura de ação de conversão de união estável em casamento, considerando a
possibilidade de tal procedimento ser efetuado extrajudicialmente. Os arts. 1726,
do CC e 8º, da Lei 9278/96 não impõem a obrigatoriedade de que se formule
pedido de conversão de união estável em casamento exclusivamente pela via
administrativa. A interpretação sistemática dos dispositivos à luz do art. 226 § 3º da
Constituição Federal confere a possibilidade de que as partes elejam a via mais
conveniente para o pedido de conversão de união estável em casamento. Recurso
especial conhecido e provido. (REsp 1685937/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe 22/08/2017)

III – CORRETA – De acordo com o entendimento jurisprudencial:

Ementa: Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral.


Aplicação do artigo 1.790 do Código Civil à sucessão em união estável homoafetiva.
Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e
companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família
legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias

504
formadas mediante união estável, hetero ou homoafetivas. O STF já reconheceu a
“inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas
de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se a
união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesas
consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min.
Ayres Britto, j. 05.05.2011) 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os
cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada
por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com
a Constituição de 1988. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis
nº 8.971/1994 e nº 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou o companheiro),
dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao
marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana,
da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do
retrocesso. 3. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento
ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido
trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que
ainda não haja escritura pública. 4. Provimento do recurso extraordinário.
Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional
vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e
companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no
art. 1.829 do CC/2002”. (RE 646721, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a)
p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 08-09-2017 PUBLIC 11-09-2017)

Ementa: Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral.


Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e
companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família
legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias
formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins
sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo
casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades
familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790
do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a
companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores
aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da
igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção
deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a
segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários
judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às
partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do
recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No
sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes
sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os
casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. (RE 878694, Relator(a):
Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 05-02-2018 PUBLIC 06-02-2018)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA E DAS


SUCESSÕES. DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E
COMPANHEIROS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
INCONSTITUCIONALIDADE. STF. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. ART. 1.829
DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE, DIGNIDADE HUMANA,
PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA. VEDAÇÃO AO
RETROCESSO. APLICABILIDADE. 1. No sistema constitucional vigente é
inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros,
devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do
CC/2002, conforme tese estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em

505
julgamento sob o rito da repercussão geral (Recursos Extraordinários nºs 646.721 e
878.694). 2. O tratamento diferenciado acerca da participação na herança do
companheiro ou cônjuge falecido conferido pelo art. 1.790 do Código Civil/2002
ofende frontalmente os princípios da igualdade, da dignidade humana, da
proporcionalidade e da vedação ao retrocesso. 3. Ausência de razoabilidade do
discrímen à falta de justo motivo no plano sucessório. 4. Recurso especial provido.
(REsp 1332773/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA,
julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017)

3. Gabarito: A
I – CORRETA – De acordo com o Enunciado 15 IBDFAM: “Ainda que casado sob o regime da
separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e concorre com
os descendentes.”
II – CORRETA – De acordo com o Enunciado 18 IBDFAM: “Nas ações de divórcio e de dissolução
da união estável, a regra deve ser o julgamento parcial do mérito (art. 356 do Novo CPC),2
para que seja decretado o fim da conjugalidade, seguindo a demanda com a discussão de
outros temas.”
III – CORRETA – De acordo com o Enunciado 24 IBDFAM: “Em pacto antenupcial ou contrato de
convivência podem ser celebrados negócios jurídicos processuais.”
http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam
4. Gabarito: E
I – INCORRETA – De acordo com a jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO


ESTÁVEL. PARTILHA DE DIREITOS SOBRE CONCESSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO.
POSSIBILIDADE. 1. Na dissolução de união estável, é possível a partilha dos direitos
de concessão de uso para moradia de imóvel público. 2. Os entes governamentais
têm-se valido da concessão de uso como meio de concretização da política
habitacional e de regularização fundiária, conferindo a posse de imóveis públicos
para a moradia da população carente. 3. A concessão de uso de bens para fins de
moradia, apesar de, por ela, não se alterar a titularidade do imóvel e ser concedida,
em regra, de forma graciosa, possui, de fato, expressão econômica, notadamente
por conferir ao particular o direito ao desfrute do valor de uso em situação desigual
em relação aos demais particulares. Somado a isso, verifica-se, nos normativos que
regulam as referidas concessões, a possibilidade de sua transferência, tanto por ato
inter vivos como causa mortis, o que também agrega a possibilidade de ganho
patrimonial ao menciionado direito. 4. Na hipótese, concedeu-se ao casal o direito
de uso do imóvel. Consequentemente, ficaram isentos dos ônus da compra da casa
própria e dos encargos de aluguéis, o que, indubitavelmente, acarretou ganho
patrimonial extremamente relevante. 5. Recurso especial não provido. (REsp
1494302/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
13/06/2017, DJe 15/08/2017).

II – INCORRETA – Segundo entendimento do STJ:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS.


COMUNHÃO PARCIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. MODALIDADE FECHADA.
CONTINGÊNCIAS FUTURAS. PARTILHA. ART. 1.659, VII, DO CC/2002. BENEFÍCIO
EXCLUÍDO. MEAÇÃO DE DÍVIDA. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. PRECLUSÃO
CONSUMATIVA. FUNDAMENTO AUTÔNOMO. 1. Cinge-se a controvérsia a
identificar se o benefício de previdência privada fechada está incluído dentro no rol
das exceções do art. 1.659, VII, do CC/2002 e, portanto, é verba excluída da partilha
em virtude da dissolução de união estável, que observa, em regra, o regime da
comunhão parcial dos bens. 2. A previdência privada possibilita a constituição de
reservas para contigências futuras e incertas da vida por meio de entidades
organizadas de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social.

506
3. As entidades fechadas de previdência complementar, sem fins lucrativos,
disponibilizam os planos de benefícios de natureza previdenciária apenas aos
empregados ou grupo de empresas aos quais estão atrelados e não se confundem
com a relação laboral (art. 458, § 2º, VI, da CLT). 4. O artigo 1.659, inciso VII, do
CC/2002 expressamente exclui da comunhão de bens as pensões, meios-soldos,
montepios e outras rendas semelhantes, como, por analogia, é o caso da
previdência complementar fechada. 5. O equilíbrio financeiro e atuarial é princípio
nuclear da previdência complementar fechada, motivo pelo qual permitir o resgate
antecipado de renda capitalizada, o que em tese não é possível à luz das normas
previdenciárias e estatutárias, em razão do regime de casamento, representaria um
novo parâmetro para a realização de cálculo já extremamente complexo e
desequilibraria todo o sistema, lesionando participantes e beneficiários, terceiros
de boa-fé, que assinaram previamente o contrato de um fundo sem tal previsão. 6.
Na partilha, comunicam-se não apenas o patrimônio líquido, mas também as
dívidas e os encargos existentes até o momento da separação de fato. 7. Rever a
premissa de falta de provas aptas a considerar que os empréstimos beneficiaram a
família, demanda o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que atrai
o óbice da Súmula nº 7 deste Superior Tribunal. 8. Recurso especial não provido.
(REsp 1477937/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA,
julgado em 27/04/2017, DJe 20/06/2017)

III – INCORRETA – De acordo com entendimento do STJ:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E


DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE CONTRATO DE CONVIVÊNCIA.
APLICAÇÃO SUPLETIVA DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. PARTILHA.
IMÓVEL ADQUIRIDO PELO CASAL. DOAÇÃO ENTRE OS COMPANHEIROS. BEM
EXCLUÍDO DO MONTE PARTILHÁVEL. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.659, I, DO CC/2002.
RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Diante da inexistência de contrato de
convivência entre os companheiros, aplica-se à união estável, com relação aos
efeitos patrimoniais, o regime da comunhão parcial de bens (CC/2002, art. 1.725).
2. Salvo expressa disposição de lei, não é vedada a doação entre os conviventes,
ainda que o bem integre o patrimônio comum do casal (aquestos), desde que não
implique a redução do patrimônio do doador ao ponto de comprometer sua
subsistência, tampouco possua caráter inoficioso, contrariando interesses de
herdeiros necessários, conforme os arts. 548 e 549 do CC/2002. 3. O bem recebido
individualmente por companheiro, através de doação pura e simples, ainda que o
doador seja o outro companheiro, deve ser excluído do monte partilhável da união
estável regida pelo estatuto supletivo, nos termos do art. 1.659, I, do CC/2002. 4.
Recurso especial não provido. (REsp 1171488/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 11/05/2017)

5. Gabarito: D
a) CORRETA, segundo o art. 1.724, CC: “As relações pessoais entre os companheiros
obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação
dos filhos.”
b) CORRETA, segundo o art. 1.726, CC: “A união estável poderá converter-se em casamento,
mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.”
c) CORRETA, segundo o art. 1.725., CC: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os
companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão
parcial de bens.”
d) INCORRETA, segundo o art. 1723, § 2º, CC: “As causas suspensivas do art. 1.523 não
impedirão a caracterização da união estável.”
6. Gabarito: C
I – CORRETA – De acordo com o STJ:

507
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE PARTILHA POR COAÇÃO.
DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PRAZO DECADENCIAL DE QUATRO ANOS. ART.
178 DO CÓDIGO CIVIL. SEGURANÇA JURÍDICA. 1. É de quatro anos o prazo de
decadência para anular partilha de bens em dissolução de união estável, por vício
de consentimento (coação), nos termos do art. 178 do Código Civil. 2. Não houve
alterações de ordem jurídico-normativa, com o advento do Código Civil de 2002, a
justificar alteração da consolidada jurisprudência dos tribunais superiores, com
base no Código Civil de 1916, segundo a qual a anulação da partilha ou do acordo
homologado judicialmente na separação consensual regulava-se pelo prazo
prescricional previsto no art. 178, § 9º, inciso V, e não aquele de um ano
preconizado pelo art. 178, § 6º, V, do mesmo diploma. Precedentes do STF e do
STJ. 3. É inadequada a exegese extensiva de uma exceção à regra geral - arts. 2.027
do CC e 1.029 do CPC/73, ambos inseridos, respectivamente, no Livro "Do Direito
das Sucessões" e no capítulo intitulado "Do Inventário e Da Partilha" - por meio da
analogia, quando o próprio ordenamento jurídico prevê normativo que se amolda à
tipicidade do caso (CC, art. 178). 4. Pela interpretação sistemática, verifica-se que a
própria topografia dos dispositivos remonta ao entendimento de que o prazo
decadencial ânuo deve se limitar à seara do sistema do direito das sucessões,
submetida aos requisitos de validade e princípios específicos que o norteiam,
tratando-se de opção do legislador a definição de escorreito prazo de caducidade
para as relações de herança. 5. Recurso especial provido. (REsp 1621610/SP, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/02/2017, DJe
20/03/2017)

II – INCORRETA – De acordo com a jurisprudência do STJ, não é exigível escritura pública:

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. CONTRATO DE CONVIVÊNCIA PARTICULAR. REGULAÇÃO


DAS RELAÇÕES PATRIMONIAIS DE FORMA SIMILAR À COMUNHÃO UNIVERSAL DE
BENS. POSSIBILIDADE. 1. O texto de Lei que regula a possibilidade de contrato de
convivência, quando aponta para ressalva de que contrato escrito pode ser
entabulado entre os futuros conviventes para regular as relações patrimoniais,
fixou uma dilatada liberdade às partes para disporem sobre seu patrimônio. 2. A
liberdade outorgada aos conviventes deve se pautar, como outra qualquer, apenas
nos requisitos de validade de um negócio jurídico, regulados pelo art. 104 do
Código Civil. 3. Em que pese a válida preocupação de se acautelar, via escritura
pública, tanto a própria manifestação de vontade dos conviventes quanto possíveis
interesses de terceiros, é certo que o julgador não pode criar condições onde a lei
estabeleceu o singelo rito do contrato escrito. 4. Assim, o pacto de convivência
formulado em particular, pelo casal, na qual se opta pela adoção da regulação
patrimonial da futura relação como símil ao regime de comunhão universal, é
válido, desde que escrito. 5. Ainda que assim não fosse, vulnera o princípio da boa-
fé (venire contra factumproprium), não sendo dado àquele que, sem amarras,
pactuou a forma como se regularia as relações patrimoniais na união estável,
posteriormente buscar enjeitar a própria manifestação de vontade, escudando-se
em uma possível tecnicalidade não observada por ele mesmo. 5. Recurso provido.
(REsp 1459597/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
01/12/2016, DJe 15/12/2016)

III - CORRETA – De acordo com o STJ:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CONTRATO DE


CONVIVÊNCIA. 1) ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO. INOCORRÊNCIA.
PRESENÇA DOS REQUISITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO. ART. 104 E INCISOS DO CC/02.
SENILIDADE E DOENÇA INCURÁVEL, POR SI, NÃO É MOTIVO DE INCAPACIDADE
PARA O EXERCÍCIO DE DIREITO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICATIVOS DE QUE
NÃO TINHA O NECESSÁRIO DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DO NEGÓCIO
JURÍDICO. AFIRMADA AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. INCIDÊNCIA DA

508
SÚMULA Nº 7 DO STJ. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA DA
SÚMULA Nº 284 DO STF. REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO DE BENS NO
CASAMENTO. INCISO II DO ART. 1.641 DO CC/02. APLICAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL.
AFERIÇÃO DA IDADE. ÉPOCA DO INÍCIO DO RELACIONAMENTO. PRECEDENTES.
APONTADA VIOLAÇÃO DE SÚMULA. DESCABIMENTO. NÃO SE ENQUADRA NO
CONCEITO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL
NÃO DEMONSTRADO. RECURSO ESPECIAL DO EX-COMPANHEIRO NÃO PROVIDO. 2)
PRETENSÃO DE SE ATRIBUIR EFEITOS RETROATIVOS A CONTRATO DE
CONVIVÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL DA EX-COMPANHEIRA NÃO
PROVIDO. 1. A condição de idoso e o acometimento de doença incurável à época
da celebração do contrato de convivência, por si, não é motivo de incapacidade
para o exercício de direito ou empecilho para contrair obrigações, quando não há
elementos indicativos da ausência de discernimento para compreensão do negócio
jurídico realizado. 2. Com o aumento da expectativa de vida do povo brasileiro,
conforme pesquisa do IBGE, com a notória recente melhoria na qualidade de vida
dos idosos e, com os avanços da medicina, não é razoável afirmar que a pessoa
maior de 60 anos não tenha capacidade para praticar os atos da vida civil. Afirmar o
contrário afrontaria diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana e o da
igualdade. 3. A alteração da conclusão do Tribunal a quo, com base nos elementos
probatórios de que não existia um mínimo de prova indicando que não houve livre
manifestação da vontade e de que não se comprovou alteração no estado
emocional ou ausência de capacidade para a formalização do ajuste, não é possível
de ser feita em recurso especial, em razão do óbice contido na Súmula nº 7 do STJ.
4. A deficiência na fundamentação do recurso especial no que tange à alegada
ofensa aos arts. 1.641, II, 104, 145 e 171 do CC/02 atrai a incidência da Súmula nº
284 do STF. 5. Apesar do inciso II do art. 1.641 do CC/02 impor o regime da
separação obrigatória de bens somente no casamento da pessoa maior de 60 anos
(70 anos após a vigência da Lei nº 12.344/2010), a jurisprudência desta egrégia
Corte Superior estendeu essa limitação à união estável quando ao menos um dos
companheiros contar tal idade à época do início do relacionamento, o que não é o
caso. Precedentes. 6. O fato do convivente ter celebrado acordo com mais de
sessenta anos de idade não torna nulo contrato de convivência, pois os ex-
companheiros, livre e espontaneamente, convencionaram que as relações
patrimoniais seriam regidas pelo regime da separação total de bens, que se
assemelha ao regime de separação de bens. Observância do disposto no inciso II do
art. 1.641 do CC/02. 7. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que
o apelo nobre não constitui via adequada para análise de eventual ofensa a
enunciado sumular por não estar ele compreendido na expressão "lei federal"
constante da alínea a do inciso III do art. 105 da CF. Precedentes. Some-se o fato da
ausência de demonstração e comprovação do dissídio jurisprudencial na forma
legal exigida. 8. No curso do período de convivência, não é lícito aos conviventes
atribuírem por contrato efeitos retroativos à união estável elegendo o regime de
bens para a sociedade de fato, pois, assim, se estar-se-ia conferindo mais
benefícios à união estável que ao casamento. 9. Recursos especiais não providos.
(REsp 1383624/MG, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em
02/06/2015, DJe 12/06/2015)

7. Gabarito: A
I – CORRETA – De acordo com o STJ:

RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E


DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS
ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE
PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO
DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO
CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E
INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A

509
COABITAR. ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO
E, POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO.
REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO,
COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO
QUAL OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM
POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO
AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO
FAMILIAR, BEM COMO COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA .
NECESSIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO
ADESIVO PREJUDICADO. 1. O conteúdo normativo constante dos arts. 332 e 333, II,
da lei adjetiva civil, não foi objeto de discussão ou deliberação pela instância
precedente, circunstância que enseja o não conhecimento da matéria, ante a
ausência do correlato e indispensável prequestionamento. 2. Não se denota, a
partir dos fundamentos adotados, ao final, pelo Tribunal de origem (por ocasião do
julgamento dos embargos infringentes), qualquer elemento que evidencie, no
período anterior ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica
da palavra, em que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de
esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre os conviventes. A só
projeção da formação de uma família, os relatos das expectativas da vida no
exterior com o namorado, a coabitação, ocasionada, ressalta-se, pela contingência
e interesses particulares de cada qual, tal como esboçado pelas instâncias
ordinárias, afiguram-se insuficientes à verificação da affectiomaritalis e, por
conseguinte, da configuração da união estável. 2.1 O propósito de constituir
família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união
estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro
qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de
constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante
toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito
apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato,
restar constituída. 2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de
uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um
relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em
que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo
estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que
eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo,
revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das
críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. 3. Da análise acurada dos
autos, tem-se que as partes litigantes, no período imediatamente anterior à
celebração de seu matrimônio (de janeiro de 2004 a setembro de 2006), não
vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em
virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro - e não para
o presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar, desiderato que,
posteriormente, veio a ser concretizado com o casamento. 4. Afigura-se relevante
anotar que as partes, embora pudessem, não se valeram, tal como sugere a
demandante, em sua petição inicial, do instituto da conversão da união estável em
casamento, previsto no art. 1.726 do Código Civil. Não se trata de renúncia como,
impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso de apelação na
origem. Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade das partes de, a
partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria família. A celebração do
casamento, com a eleição do regime de comunhão parcial de bens, na hipótese dos
autos, bem explicita o termo a partir do qual os então namorados/noivos, maduros
que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a
relação amorosa vivenciada para constituir, efetivamente, um núcleo familiar, bem
como comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do relacionamento pode ser
assim resumida: namoro, noivado e casamento. E, como é de sabença, não há
repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de
relacionamento. 4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união

510
estável compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para
o único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente pelo requerido.
Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que tenha se destinado à residência dos
então namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do casal de, num futuro
próximo, constituir efetivamente a família por meio do casamento. Daí, entretanto,
não advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem. 5. Recurso
especial provido, na parte conhecida. Recurso especial adesivo prejudicado. (REsp
1454643/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado
em 03/03/2015, DJe 10/03/2015)

II – CORRETA – De acordo com o STJ:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PATRIMONIAL DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL.


ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO.
NECESSIDADE DE CONSENTIMENTO DO COMPANHEIRO. EFEITOS SOBRE O
NEGÓCIO CELEBRADO COM TERCEIRO DE BOA-FÉ. 1. A necessidade de autorização
de ambos os companheiros para a validade da alienação de bens imóveis
adquiridos no curso da união estável é consectário do regime da comunhão parcial
de bens, estendido à união estável pelo art. 1.725 do CCB, além do reconhecimento
da existência de condomínio natural entre os conviventes sobre os bens adquiridos
na constância da união, na forma do art. 5º da Lei 9.278/96, Precedente. 2.
Reconhecimento da incidência da regra do art. 1.647, I, do CCB sobre as uniões
estáveis, adequando-se, todavia, os efeitos do seu desrespeito às nuanças próprias
da ausência de exigências formais para a constituição dessa entidade familiar. 3.
Necessidade de preservação dos efeitos, em nome da segurança jurídica, dos atos
jurídicos praticados de boa-fé, que é presumida em nosso sistema jurídico. 4. A
invalidação da alienação de imóvel comum, realizada sem o consentimento do
companheiro, dependerá da publicidade conferida a união estável mediante a
averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência
união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens
comuns, ou pela demonstração de má-fé do adquirente. 5. Hipótese dos autos em
que não há qualquer registro no álbum imobiliário em que inscrito o imóvel objeto
de alienação em relação a co-propriedade ou mesmo à existência de união estável,
devendo-se preservar os interesses do adquirente de boa-fé, conforme
reconhecido pelas instâncias de origem. 6. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. (REsp 1424275/MT, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2014, DJe 16/12/2014)

III – CORRETA – De acordo com o STJ:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS.


COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. VALORIZAÇÃO DE COTAS SOCIAIS. 1. O regime de
bens aplicável às uniões estáveis é o da comunhão parcial, comunicando-se,
mesmo por presunção, os bens adquiridos pelo esforço comum dos companheiros.
2. A valorização patrimonial das cotas sociais de sociedade limitada, adquiridas
antes do início do período de convivência, decorrente de mero fenômeno
econômico, e não do esforço comum dos companheiros, não se comunica. 3.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 1173931/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 28/10/2013)

8. Gabarito: B
a) CORRETA, segundo o art. 1723§ 1º, CC: “A união estável não se constituirá se ocorrerem os
impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa
casada se achar separada de fato ou judicialmente.”
b) INCORRETA, segundo o art. 1.727, CC: “As relações não eventuais entre o homem e a
mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.”

511
c) CORRETA, segundo o art. 1.724, CC: “As relações pessoais entre os companheiros
obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação
dos filhos.”
d) CORRETA, segundo o art. 1.723, CC: “É reconhecida como entidade familiar a união estável
entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
9. Gabarito: A
I – CORRETA – De acordo com Tartuce:

Qualquer estudo da união estável deve ter como ponto de partida a CF/1988, que
reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
prevendo que a lei deve facilitar a sua conversão em casamento. Duas conclusões
fundamentais poderiam ser retiradas do Texto Maior. A primeira é que a união
estável não seria igual ao casamento, eis que categorias iguais não podem ser
convertidas uma na outra. A segunda é que não há hierarquia entre casamento e
união estável. São apenas entidades familiares diferentes, que contam com a
proteção constitucional.

II – CORRETA – Segundo a doutrina:

Em tom didático, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho apresentam


elementos caracterizadores essenciais e elementos caracterizadores acidentais
para a união estável. Entre os primeiros estão a publicidade, a continuidade, a
estabilidade e o objetivo de constituição de família. Como elementos acidentais,
destacam o tempo, a prole e a coabitação.

III – CORRETA – De acordo com a jurisprudência:

A lei não exige prazo mínimo para a sua constituição, devendo ser analisadas as
circunstâncias do caso concreto (nesse sentido: TJSP, Apelação com Revisão
570.520.5/4, Acórdão 3543935, São Paulo, 9.ª Câmara de Direito Público, Rel. Des.
Rebouças de Carvalho, j. 04.03.2009, DJESP 30.04.2009).

Tartuce, Flávio. Manual de direito civil : volume único. – 8. ed. rev, atual. eampl. –
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018, p. 1295 e 1297.

10. Gabarito: D
I – INCORRETA – Segundo a doutrina:

Não se exige que os companheiros ou conviventes vivam sob o mesmo teto, o que
consta da remota Súmula 382 do STF, que trata do concubinato e que era aplicada
à união estável. A jurisprudência atual continua aplicando essa súmula (por todos:
STJ, REsp 275.839/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Min.
Nancy Andrighi, j. 02.10.2008, DJe 23.10.2008). No mesmo sentido, estabelece a
premissa 2, publicada na Edição 50 da ferramenta Jurisprudência em Teses, que “A
coabitação não é elemento indispensável à caracterização da união estável”.

II – CORRETA – De acordo com a doutrina:

Não há qualquer requisito formal obrigatório para que a união estável reste
configurada, como necessidade de elaboração de uma escritura pública entre as
partes ou de uma decisão judicial de reconhecimento. A propósito, em importante
precedente, entendeu o Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que “não constitui
requisito legal para concessão de pensão por morte à companheira que a união
estável seja declarada judicialmente, mesmo que vigente formalmente o
casamento, de modo que não é dado à Administração Pública negar o benefício

512
com base neste fundamento. (...). Embora uma decisão judicial pudesse conferir
maior segurança jurídica, não se deve obrigar alguém a ir ao Judiciário
desnecessariamente, por mera conveniência administrativa. O companheiro já
enfrenta uma série de obstáculos decorrentes da informalidade de sua situação. Se
ao final a prova produzida é idônea, não há como deixar de reconhecer a união
estável e os direitos daí decorrentes” (Supremo Tribunal Federal, julgamento do
Mandado de Segurança 330.008, originário do Distrito Federal, em 3 de maio de
2016).

III – CORRETA – Segundo a doutrina:

Os impedimentos matrimoniais previstos no art. 1.521 do CC também impedem a


caracterização da união estável, havendo, na hipótese, concubinato (art. 1.727 do
CC). Porém, o CC/2002 passou a admitir que a pessoa casada, desde que separada
de fato ou judicialmente constitua união estável. Enuncia o art. 1.723, § 1.º, do CC,
que “A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art.
1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se
achar separada de fato ou judicialmente”. A norma deveria ser atualizada para
incluir o separado extrajudicialmente, nos termos da anterior Lei 11.441/2007.
Todavia, diante da entrada em vigor da EC 66/2010, que retirou do sistema a
separação jurídica, o panorama mudou. Para os novos relacionamentos apenas tem
relevância a premissa de que o separado de fato pode constituir uma união estável.
A menção ao separado judicialmente e a situação do separado extrajudicialmente
têm pertinência apenas para os relacionamentos anteriores, existentes da vigência
do Código Civil de 2002 até a Emenda do Divórcio (até 13.07.2010), argumento a
ser mantido mesmo com a emergência do Novo CPC, como antes se expôs.
Ilustrando, se alguém, separado judicialmente ou extrajudicialmente, constituiu
uma convivência com outrem desde o ano de 2008, tal relacionamento pode ser
tido como união estável.

Tartuce, Flávio. Manual de direito civil : volume único. – 8. ed. rev, atual. eampl. –
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018, p. 1297/1298.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2018.
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DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
GARCIA, Wander; PINHEIRO, Gabriela. Manual Completo de Direito Civil – Volume Único. São
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LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2017.
___________________ Do poder familiar. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da
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NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: Vol. 5, 7ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
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SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2018.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único, 10ª edição. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2020.

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