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Nunca os alemães foram tão helênicos como no Século XVIII. Tempo da grande interlocução
com o passado clássico, para a Filosofia significou um renascimento, com a retomada do
pensamento grego, aquele de que as ações humanas devem ser conduzidas por ideais,
construídos pelo ato da subjetividade inteligente, passíveis de materialização ou não. Com
indagações correlatas na França onde os resultados do pensamento foram corporificados em
estruturas modelares da transformação social, o Século das Luzes (Aufklarung) na Alemanha,
fez vibrar a força da crença no eu ideador, fundando na subjetividade o instrumento para a
recepção e intelecção do mundo, historicamente marcado por problemáticas de coação individual
e coletiva, dentro de sistemas sócio-políticos de indiferença aos ideais de liberdade e justeza
pública.

A Kant (1724/1804) coube a árdua e sacrificante tarefa de construir um complexo sistema de


pensamento, uma moderna Teoria do Conhecimento, buscando a validade lógica do saber tendo
como pressuposto (stricto sensu) a razão, à qual confere o arbítrio da liberdade, da
universalidade do conhecimento puro com as inovadoras leituras dos referenciais do apriorismo
e do aposteriorismo. A influência do solitário pensador, da então Königsberg sobre toda a
reflexão filosófica que lhe seguiu foi definitiva, assim como foi definitiva sua influência na
intelecção das realidades da arte.

Com Crítica da Razão Pura (1781) revelou aos segmentos da criação reflexionante a
determinação causal e mecânica do reino da natureza, lendo ontologicamente o homem como ser
imerso na realidade dos fenômenos, buscando decifrá-los. Legou daí estudos sobre a
subjetividade do tempo e do espaço instâncias, sem as quais, o conhecimento inexiste. Com a
Crítica da Razão Prática (1788) deu a conhecer uma teoria sobre o homem do querer moral, da
vontade e da ação, e cuja determinação prática é a liberdade. Sua Crítica da Faculdade de Julgar
(1790) forneceu as bases teóricas para o que se pode caracterizar como o criticismo romântico
alemão e as fundações de uma nova Estética. Enquanto na França são erguidas barricadas e a
guilhotina desce sobre cabeças coroadas, na Alemanha, sob a égide de Kant pesquisa-se a beleza,
o passado, a moral; Goethe (1749/1832) completa suas Elegias Romanas e uma intelectualidade
vibrante busca a unidade lingüística e cultural alemã com o ideal da Weltliteratur. Poesia,
escultura, teatro, pintura, música e o gosto pelo belo foram copiosamente investigados ao tempo
em que a Estética (Aisthesis = sensação, sentimento) se impunha como um segmento teórico
individual de reflexão e como disciplina particular de conhecimento crítico-filosófico.

A Baumgarten, deve-se essa individuação estabelecida já em 1750 com a obra Estética


Acromática, tratado definidor da "ciência do belo". Em 1755 vêm à luz as reflexões acerca da
imitação de obras gregas, de Winckelmann, fundador da arqueologia científica e da
historiografia alemã, e em 1766, na mesma direção, Lessing examina a arte relacionalmente, ao
publicar o Laocoonte, ou Sobre as fronteiras da Pintura e da Poesia, análise redimensionadora do
pensamento estético e precursora da especificidade significativa de duas categorias de
representação até então postas na mesma base, a música e as artes belas. Mas é sob Kant que
ocorre um verdadeiro redimensionamento filosófico no Ocidente com resultados que incluem o
trabalho reflexionante do médico, dramaturgo, poeta professor e editor, Johann Christoph
Friedrich von Schiller (1759/1804).

É, ao lado de Goethe a grande expressão no fértil contexto em que se inaugura um caráter


inovador de análise da Estética e da crítica filosófica. Autor diferenciado entre seus pares, pode
ser analisado na medida de seu teatro, de sua lírica e de sua postura crítico-filosófica. Refletindo
a Estética como intermediação possível para a educação e o aprimoramento ético da
humanidade, em 1784 publica O Teatro Considerado como Instituição Moral, opúsculo que
propugna um estado conciliador entre os sentidos e a razão, tendo a arte teatral feito um meio
para esse objetivo, com o concurso da catarse trágica que purifica as paixões e adensa a razão
reorientando-a. A visão cosmológica do homem, como no mundo helênico, é outro evidente sinal
na obra do pensador de Marbach. Para o homem grego a arte se presentificava na habilidade
inteligente do fazer, na tekné, o que lhe garantia um princípio epifânico de totalidades entre si e o
homem, pois que a transcendência da arte deveria estar em cada realizar empírico humano.
Entende Schiller que a especialização constante do mundo objetivo fez desaparecer o senso de
sacralidade antes impresso no viver comum, como entendida a habilidade para a realização de
coisas, que tanto faz regenerar sentimentos adormecidos no homem, pondo-o como instrumento
estético em conjunção do geral e do particular, entre o transitório e o permanente, entre o físico e
o metafísico. Equilibrando antagonismos com a sábia inflexão dos pincéis, da voz que glorifica o
som, das mãos que escrevem églogas e dos cinzéis que da pedra bruta fazem uma representação
sensível, o artista demonstra criativamente a força da Estética na conformação da nobreza do
caráter, porque razão e sensibilidade são o substrato do fazer artístico na criação e na formulação
do objeto de arte. O verdadeiro feito da arte demanda o humano jogo das formas sensível e
racional na recepção e convoca o fruidor a juízos. Por isso a arte pode ser instrumento de
educação. No ato da contemplação, o fruidor conjuga o entendimento ao belo receber daquela,
pondo-se em suspensão ao integrar-se amorosamente ao que vê. O que seria do mundo sem as
categorias da arte? Um estoque de técnica e ciência reduzido a relações causais, preso à lógica
das relações utilitárias. O mundo da cultura seria uma questão prática, de causa e efeito apenas,
como o é o da natureza. Mas, embora a natureza seja o grande modelo de beleza mimética e um
mistério a ser constantemente desvendado pela razão científica, ela não é capaz de significar, ela
não tem a autonomia do signo porque é só do homem a tarefa de criar representações, e a mais
visceral de todas é a arte, feita de intelecção e sensibilidade, as matérias primas do ser.

O que também individualiza Schiller na Alemanha do Século XVIII é sua capacidade de pensar
multidisciplinarmente a arte, fazendo-a possibilidade analítica no sentido do julgamento ético da
atitude histórica (Mary Stuart, Guilherme Tell, Joana D´Arc, A Conjuração de Fiesco, Dom
Carlos) com personagens que, não poucas vezes, são postos em xeque entre o vício e a virtude.

A constante tendência a amalgamar a criação literária com o exercício reflexivo da filosofia em


Schiller resulta em sua Poesia Filosófica na pequena obra que mais se justifica como tratado do
pensamento: A Educação Estética do Homem numa série de Cartas (Über die ästhetische
Erziehung des Menschen in Eine von Briefe). Trata-se de um ensaio escrito de fevereiro a
dezembro de 1793 na forma de cartas ao seu mecenas, o príncipe dinamarquês Friedrich
Christian von Schleswig-Holstein-Sondenburg-Augustemburg, as Cartas de Augustemburg,
como comumente conhecidas, são um registro de excelência para a pesquisa sobre o
Romantismo e o Idealismo alemão, tal a sua característica de composição filosófico-literária. O
hábito do texto confessional e epistolar vinha sendo objeto da investigação intelectual e revelou
em 1782 um primor de invenção narrativa com a magnificência da obra francesa Les Liaisons
Dangereuses, do jacobino Choderlos de Laclos. O girondino Schiller, enfraquecido com a febre
fria mas maduro como dramaturgo e poeta, adota essa forma de escritura e, sob a influência de
Kant, Schelling (1775/1854), dos sensualistas ingleses, especialmente o Conde de Shaftesbury
(1671/1713), tendo sempre presente a escritura de Goethe (1749/1832), produz um tratado
estético como confessional agradecimento intelectual ao príncipe que, o subsidiou nos difíceis
últimos anos com uma pensão de mil táleres. Com isso conforma seu estudo literário-filosófico
sobre a possibilidade da educação ética da humanidade fundamentada no recurso estético,
pautado na lógica das relações entre o sujeito e toda a sua alteridade, intermediados pelo belo,
escopo da obra de arte, instrumento que aprimora. Fica aqui dada a sua contribuição analítica
sobre os temas em voga em seu tempo; a Estética e a Educação. Trata-se de um pequeno roteiro
analítico em 27 cartas que vieram a converter-se em possibilidade de direcionamento do caráter
para a grandeza do belo viver, da bela recepção do mundo, do belo responder aos fenômenos da
existência.

A Educação Estética do Homem é, inicialmente uma composição reflexiva como proposta de se


ver o homem como organismo vivo em constante transformação no seu compromisso com a
prática política. O caráter político fortemente impresso nas nove primeiras cartas vai lentamente
cedendo passo para a pesquisa de âmbito metafísico, até tornar-se um estudo antropogênico
sobre a liberdade do sujeito. Para o endendimento de Schiller o homem deve ser lido como uma
obra de arte porque é nesta que está manifesta a totalidade de todo o saber livre, fazendo vibrar
no contingente logicamente produzido, a universalidade da transcendência. O grande objeto
sensível, como Las Meninas, de Velázquez, A Ronda Noturna, de Rembrandt, Morte em Veneza,
de Thomas Mann, o Fausto, de Goethe e a sublime teia de Arthur Bispo do Rosário
exemplificam essa universalidade transformadora do conhecimento através de objetos
representativos, meros signos da liberdade e da autonomia.

A qualidade estética no homem é aquele bem novo que lhe permite a auto-determinação, porque
lhe restitui a liberdade de fazer de si instrumento em evolução constante. Ser estético é superar a
contingência dada pela natureza das coisas e intoxicar de cada um os rastros, com a segunda
criadora do ser; a beleza. Se para Kant a beleza está relacionada à ação teórica, à subjetividade,
para Schiller ela se faz ato, relaciona-se à ação prática, por isso pode-se falar de uma Estética
Objetiva. O homem físico deve tender ao moral, passando pelo estético. Para isso a condição
ideal do cidadão é a de munir-se de vontade, buscando em si a superação das paixões que
obnubilam os julgamentos e do homem não é outra a tarefa senão a de emitir juízos. Quando
Sartre afirma que o homem está condenado à própria liberdade, fala como um antagonista pós-
schilleriano, que acaba por confirmar este último. Baseia-se no árduo castigo das escolhas que,
fatalmente, pressupõem um abandono. Se tenho isso, não posso ter aquilo, reza a leitura rasa do
pensador francês. Para Schiller, ser estético é fazer realizar em si e no coletivo a própria natureza
do homem que é o apetite pela liberdade, onde reside a justeza e o divino do caráter humano,
ainda que das escolhas sobrevenha o abandono. Tanto no sujeito quanto na cultura, a liberdade é
um ideal a ser conquistado pela razão e fruído. Na Carta VII, Schiller discute a liberdade sob a
égide do comportamento e do caráter alegando que onde o homem natural abusa de seu arbítrio
da maneira mais desregrada, mal se lhe pode mostrar sua liberdade; onde o homem artificial
quase não usa a sua liberdade, não se lhe pode tomar o arbítrio (§ 2). O problema da liberdade,
chave do sistema de Kant, vem da idéia cosmológica de uma absoluta espontaneidade, resultante
da elevação da categoria de causalidade à da incondicionalidade. Kant distingue dessa liberdade
transcendental e que é a causalidade absolutamente pensada, a liberdade prática que é autonomia
da vontade. Toma a razão como pressuposto da liberdade e tem esta como causa prática no
homem, uma vez que transformadora para o aprimoramento e dotada de um caráter inteligível e
capaz de dar ao homem a lei do seu agir. Mas a liberdade é anterior ao homem e está impressa no
mundo como força promotora do aperfeiçoamento da máquina do universo que tem em seus
desígnios o acaso. Diferente é a liberdade experimentada pelo homem: um efeito só possível no
que Schiller determina como homem in totum. Entende que esse homem é o que já desenvolveu
seus dois impulsos fundamentais (§ 1) Na idéia de desenvolvimento está o aspecto temporal de
cada um, tanto no homem individual quanto em toda a humanidade. Depreende-se que o
percurso para a liberdade está prefigurado na força mobilizadora da vontade sintonizada com a
harmonia desses impulsos . Na possibilidade de sua humanidade plena, o homem está por
princípio determinado pelo desequilíbrio natural entre esses impulsos e, embora sendo o domínio
da razão a sua maior conquista, está ainda sujeito à prevalência do sensível porque a condição
humana é a da contradição. Nos períodos da vida em que não desenvolveu por completo sua
liberdade (por isso está temporalidade e pode evoluir) é um poder tornar-se pessoa porque ainda
determinado pelas sensações.

Antropologicamente o homem é, primeiro, sensível porque antes de ter todos os recursos da


razão desenvolvidos, vive sob a primazia das leis dos sentidos. Experimenta, sente, responde
fisicamente. A razão absoluta está nele, carecendo do trabalho constante para o amadurecimento
e nisso a educação, seja pela imitação, seja pela construção no aprender, atua e desenvolve o
papel constituidor do caráter. Esta é a concepção estética de Schiller, uma teoria de fases
evolutivas, na qual a beleza não é objeto da experiência sensualizante e agradável aos sentidos
apenas, com também não é construída somente pela razão porque o sensível e o racional devem
estar postos em relação de equilíbrio harmônico no sujeito livre e este em relação de homeostase
com os fenômenos. Exemplo concreto é dado no § 4 da Carta XX quando sustenta:

Todas as coisas que de algum modo possam ocorrer no fenômeno são pensáveis sob quatro
relações diferentes. Uma coisa pode referir-se imediatamente a nosso estado sensível (nossa
existência e bem-estar); esta é sua índole física. Ela pode, também, referir-se a nosso
entendimento, possibilitando-nos conhecimento: esta é sua índole lógica. Ela pode, ainda referir-
se a nossa vontade e ser considerada como objeto de escolha para um ser racional: esta é sua
índole moral. Ou, finalmente, ela pode referir-se ao todo de nossas diversas faculdades sem ser
objeto determinado para nenhuma isolada entre elas: esta é sua índole estética. Um homem pode
ser-nos agradável por sua solicitude; pode, pelo diálogo dar-nos o que pensar, pode incutir
respeito pelo seu caráter; enfim, independentemente de tudo e sem que tomemos em
consideração alguma lei ou fim, ele pode aprazer-nos na mera contemplação e apenas por seu
modo de aparecer. Nessa última qualidade julgamo-lo esteticamente. Existe, assim, uma
educação para a saúde, uma educação do pensamento, uma educação para a moralidade, uma
educação para o gosto e a beleza.

A semelhança com as quatro fases de Aristóteles é clara, um vez que para o estagirita os objetos
do mundo compreendem quatro causas: a material, a eficiente, a final e a formal. A partir do
objeto (causa material) Schiller propõe três possibilidades de leitura ajuizadas pela mente. Uma
vez apresentado o objeto do conhecimento ao sujeito, irrompem os juízos que são os três pilares
constituidores de toda a intelecção do mundo. Dado o fenômeno, pela Lógica é reconhecido em
sua constituição de materialidade. Sobre ele o sujeito estabelece juízos de valores, instalando-o
na métrica da Moral e, finalmente, pode ser lido em sua totalidade de bem pela Estética. O
homem schilleriano é um universo em perene construção, um sujeito renovado dentro da
alteridade do mundo, fonte de renovos e instrumento em busca da perfeição. Por mais
aprisionado que esteja à ignorância é convocado pela sua natureza racional a sair da imanência
para transcender a tudo, tornando-se uma divindade em si na medida da busca de sua plenitude
duradoura. Se o homem não quer o aprisionamento à natureza apenas, satisfazendo as
necessidades básicas roussonianos; a perpetuação, o descanso e a alimentação, é porque está
dotado do livre-arbítrio e este é a ante-sala do conhecimento verdadeiro, sem a mácula da crença
apenas. Conhecer é o destino do homem, por isso recusa-se a ser apenas natureza. Por isso
desafiou o Criador, porque quer a razão esclarecer os domínios da natureza, universalizando o
que conhece, tornando tudo uma possibilidade de discurso, porque a linguagem é a substância do
pensamento. É preciso indagar, nunca estar satisfeito com o que se sabe, buscar na ordem da
vontade o ilimitado porque a razão faz habitar na espécie algo indizível que apenas se consegue
chamar pobremente de liberdade. Mas a liberdade existe como potência e deve ser transformada
em ato pela razão. Como na semente a primeira está inserida, mas só se corporifica no ato futuro
de ser fruto, dependendo da ação, do cuidado, da rega. Um fruto que carece da ação
transformadora da natureza para que se perpetue na constância do messidor. Significa, ainda,
buscar a generalidade na medida em que se rompem espaços, abrindo brechas através do motor
secreto das representações com as quais o homem cria universos de beleza inteligente como a
Lógica, a Política, a Metafísica, e a Teologia. Mas também realiza, em seu lento processo em
direção à infinitude, algo em muito inútil, em muito sem função imediata como a poesia, a
música, enfim, a arte dos belos quadros, das leves esculturas, da leveza da dança. Toda a arte é
libertadora porque desaprisiona, elimina interditos pondo o sujeito em sua condição divina,
fazendo nele existir um continuum utópico porque vai idealisticamernte além do que é
meramente dado. Se a arte é um projeto de infinitude é porque em nada se enquadra a não ser
como relação aprimoradora entre si o artista e o fruidor. É preciso educar-se esteticamente para
que em cada um se garanta a justeza e o rigor dignificante dos juízos inexoráveis.

O pensador de Marbach pensa a educação de forma contrária a Rousseau (1712/1778) e


semelhante a Kant. Ela deve ser um instrumento de construção do sujeito pautado na liberdade
da vontade para o aprimorar-se. Mais que isso, deve ser um exercício constante que busca
equilibrar os sentidos e a razão, ambos fonte de todo o julgamento realizado pelo sujeito e em
desarmonia, com a sujeição de um ao outro. Quando o sentidos impõem-se unilateralmente como
determinação da conduta, quando as paixões determinam a ação, a possibilidade de erro nos
juízos sobre os fenômenos do mundo é evidente porque o saber empírico apenas, obscurece a
razão. Mas só a razão apartada das humanidades sensíveis não dá conta do homem em sua
completude, porque aniquila a amorosidade transcendente do caráter. Elimina aquilo que no
homem é o repertório de sua própria humanidade; o belo sentimento. Nesse caso, ignorar a
amorosidade do outro desfaz toda a beleza que dignifica o homem em seu destino de colocar-se
positivamente em todas as suas dimensões de conhecimento no cosmos. Educar-se significa
buscar o equilíbrio entre essas duas instâncias antagônicas, fazendo-as plasmar-se em
homeostase para que o mundo e seus fenômenos sejam constantemente o palco da serenidade, do
equilíbrio e da justeza humana. É como olhar as estrelas à noite e perceber a harmonia do
Cosmos, o movimento plástico sereno e firme dos astros, o equilíbrio dos movimentos que se
complementam e perpetuam no grande teatro da escuridão. Se a razão e os sentidos constroem a
subjetividade, a interioridade humana, que assim o façam tomando-se a bela humanidade como
um caminho evolutivo para o ideal da perfeição. O ser schilleriano, portanto, é ético porque se
auto-regula dentro de uma verdadeira ciência do comportamento, pondo-se no mundo como
motor de uma ética universal em sua plena humanidade. É quando a arte é vista como um
caminho educativo sem precedentes. O homem, ele mesmo é o próprio modelo de arte, porque
aos olhos de sua humanidade é belo e, consequentemente, bom e verdadeiro. O modelo justifica
a assertiva de que a experiência da beleza extingue toda a instabilidade inscrita numa desarmonia
interior recorrente, uma vez que a beleza promove a interação livre de todas as forças psíquicas.

Schiller não legou um sistema educacional, de base antropológica, (como o Emílio), que desse
conta de uma prática empírica dessa eticidade. Sua reflexão não se esgota no tempo porque é
hipótese de uma ética social de matiz clássico com a busca de totalidades na inserção humana no
mundo, para ele esquecida quando a poesia separou-se da vida cotidiana. Acredita que a
possibilidade de um mundo fundamentado nesses princípios humanizadores pode existir, uma
vez que já existiu na história. A Polis de Epicuro, a Metempsicose, ou transmigração das almas
platônica, a música das esferas de Pitágoras, a beleza racional da Matemática e a democracia
garantida pela Gerúsia ou Conselho dos Anciães foram construções estéticas na metafísica e na
convivialidade grega. Se a arte está contaminando toda a ação humana, ela pode ser um princípio
ético a todo procedimento, agregando no mundo da diversidade e de fragmentos, um princípio e
um fim de beleza totalizadora. Nada mais adequado a todas as épocas, pois todas as épocas e
todos os povos, ainda que na dureza da vida primitiva, desenvolveram sistemas de
representações artísticas. Podem carecer de uma ciência particular, de uma observação
astronômica sistematizada, de uma matemática plena, mas uma arte e formas particulares de
crença na sacralidade, nunca lhes faltoui. Por isso a beleza no conhecer. Qualquer ele, e por isso,
também, as meigas e fortes palavras proféticas da Carta XXV Quando surge a luz no homem,
deixa de haver noite fora dele; quando se faz silêncio nele, a tempestade amaina no mundo, e as
forças conflituosas da natureza encontram repouso em limites duradouros.

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