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Friedrich Von Schiller
Friedrich Von Schiller
Nunca os alemães foram tão helênicos como no Século XVIII. Tempo da grande interlocução
com o passado clássico, para a Filosofia significou um renascimento, com a retomada do
pensamento grego, aquele de que as ações humanas devem ser conduzidas por ideais,
construídos pelo ato da subjetividade inteligente, passíveis de materialização ou não. Com
indagações correlatas na França onde os resultados do pensamento foram corporificados em
estruturas modelares da transformação social, o Século das Luzes (Aufklarung) na Alemanha,
fez vibrar a força da crença no eu ideador, fundando na subjetividade o instrumento para a
recepção e intelecção do mundo, historicamente marcado por problemáticas de coação individual
e coletiva, dentro de sistemas sócio-políticos de indiferença aos ideais de liberdade e justeza
pública.
Com Crítica da Razão Pura (1781) revelou aos segmentos da criação reflexionante a
determinação causal e mecânica do reino da natureza, lendo ontologicamente o homem como ser
imerso na realidade dos fenômenos, buscando decifrá-los. Legou daí estudos sobre a
subjetividade do tempo e do espaço instâncias, sem as quais, o conhecimento inexiste. Com a
Crítica da Razão Prática (1788) deu a conhecer uma teoria sobre o homem do querer moral, da
vontade e da ação, e cuja determinação prática é a liberdade. Sua Crítica da Faculdade de Julgar
(1790) forneceu as bases teóricas para o que se pode caracterizar como o criticismo romântico
alemão e as fundações de uma nova Estética. Enquanto na França são erguidas barricadas e a
guilhotina desce sobre cabeças coroadas, na Alemanha, sob a égide de Kant pesquisa-se a beleza,
o passado, a moral; Goethe (1749/1832) completa suas Elegias Romanas e uma intelectualidade
vibrante busca a unidade lingüística e cultural alemã com o ideal da Weltliteratur. Poesia,
escultura, teatro, pintura, música e o gosto pelo belo foram copiosamente investigados ao tempo
em que a Estética (Aisthesis = sensação, sentimento) se impunha como um segmento teórico
individual de reflexão e como disciplina particular de conhecimento crítico-filosófico.
O que também individualiza Schiller na Alemanha do Século XVIII é sua capacidade de pensar
multidisciplinarmente a arte, fazendo-a possibilidade analítica no sentido do julgamento ético da
atitude histórica (Mary Stuart, Guilherme Tell, Joana D´Arc, A Conjuração de Fiesco, Dom
Carlos) com personagens que, não poucas vezes, são postos em xeque entre o vício e a virtude.
A qualidade estética no homem é aquele bem novo que lhe permite a auto-determinação, porque
lhe restitui a liberdade de fazer de si instrumento em evolução constante. Ser estético é superar a
contingência dada pela natureza das coisas e intoxicar de cada um os rastros, com a segunda
criadora do ser; a beleza. Se para Kant a beleza está relacionada à ação teórica, à subjetividade,
para Schiller ela se faz ato, relaciona-se à ação prática, por isso pode-se falar de uma Estética
Objetiva. O homem físico deve tender ao moral, passando pelo estético. Para isso a condição
ideal do cidadão é a de munir-se de vontade, buscando em si a superação das paixões que
obnubilam os julgamentos e do homem não é outra a tarefa senão a de emitir juízos. Quando
Sartre afirma que o homem está condenado à própria liberdade, fala como um antagonista pós-
schilleriano, que acaba por confirmar este último. Baseia-se no árduo castigo das escolhas que,
fatalmente, pressupõem um abandono. Se tenho isso, não posso ter aquilo, reza a leitura rasa do
pensador francês. Para Schiller, ser estético é fazer realizar em si e no coletivo a própria natureza
do homem que é o apetite pela liberdade, onde reside a justeza e o divino do caráter humano,
ainda que das escolhas sobrevenha o abandono. Tanto no sujeito quanto na cultura, a liberdade é
um ideal a ser conquistado pela razão e fruído. Na Carta VII, Schiller discute a liberdade sob a
égide do comportamento e do caráter alegando que onde o homem natural abusa de seu arbítrio
da maneira mais desregrada, mal se lhe pode mostrar sua liberdade; onde o homem artificial
quase não usa a sua liberdade, não se lhe pode tomar o arbítrio (§ 2). O problema da liberdade,
chave do sistema de Kant, vem da idéia cosmológica de uma absoluta espontaneidade, resultante
da elevação da categoria de causalidade à da incondicionalidade. Kant distingue dessa liberdade
transcendental e que é a causalidade absolutamente pensada, a liberdade prática que é autonomia
da vontade. Toma a razão como pressuposto da liberdade e tem esta como causa prática no
homem, uma vez que transformadora para o aprimoramento e dotada de um caráter inteligível e
capaz de dar ao homem a lei do seu agir. Mas a liberdade é anterior ao homem e está impressa no
mundo como força promotora do aperfeiçoamento da máquina do universo que tem em seus
desígnios o acaso. Diferente é a liberdade experimentada pelo homem: um efeito só possível no
que Schiller determina como homem in totum. Entende que esse homem é o que já desenvolveu
seus dois impulsos fundamentais (§ 1) Na idéia de desenvolvimento está o aspecto temporal de
cada um, tanto no homem individual quanto em toda a humanidade. Depreende-se que o
percurso para a liberdade está prefigurado na força mobilizadora da vontade sintonizada com a
harmonia desses impulsos . Na possibilidade de sua humanidade plena, o homem está por
princípio determinado pelo desequilíbrio natural entre esses impulsos e, embora sendo o domínio
da razão a sua maior conquista, está ainda sujeito à prevalência do sensível porque a condição
humana é a da contradição. Nos períodos da vida em que não desenvolveu por completo sua
liberdade (por isso está temporalidade e pode evoluir) é um poder tornar-se pessoa porque ainda
determinado pelas sensações.
Todas as coisas que de algum modo possam ocorrer no fenômeno são pensáveis sob quatro
relações diferentes. Uma coisa pode referir-se imediatamente a nosso estado sensível (nossa
existência e bem-estar); esta é sua índole física. Ela pode, também, referir-se a nosso
entendimento, possibilitando-nos conhecimento: esta é sua índole lógica. Ela pode, ainda referir-
se a nossa vontade e ser considerada como objeto de escolha para um ser racional: esta é sua
índole moral. Ou, finalmente, ela pode referir-se ao todo de nossas diversas faculdades sem ser
objeto determinado para nenhuma isolada entre elas: esta é sua índole estética. Um homem pode
ser-nos agradável por sua solicitude; pode, pelo diálogo dar-nos o que pensar, pode incutir
respeito pelo seu caráter; enfim, independentemente de tudo e sem que tomemos em
consideração alguma lei ou fim, ele pode aprazer-nos na mera contemplação e apenas por seu
modo de aparecer. Nessa última qualidade julgamo-lo esteticamente. Existe, assim, uma
educação para a saúde, uma educação do pensamento, uma educação para a moralidade, uma
educação para o gosto e a beleza.
A semelhança com as quatro fases de Aristóteles é clara, um vez que para o estagirita os objetos
do mundo compreendem quatro causas: a material, a eficiente, a final e a formal. A partir do
objeto (causa material) Schiller propõe três possibilidades de leitura ajuizadas pela mente. Uma
vez apresentado o objeto do conhecimento ao sujeito, irrompem os juízos que são os três pilares
constituidores de toda a intelecção do mundo. Dado o fenômeno, pela Lógica é reconhecido em
sua constituição de materialidade. Sobre ele o sujeito estabelece juízos de valores, instalando-o
na métrica da Moral e, finalmente, pode ser lido em sua totalidade de bem pela Estética. O
homem schilleriano é um universo em perene construção, um sujeito renovado dentro da
alteridade do mundo, fonte de renovos e instrumento em busca da perfeição. Por mais
aprisionado que esteja à ignorância é convocado pela sua natureza racional a sair da imanência
para transcender a tudo, tornando-se uma divindade em si na medida da busca de sua plenitude
duradoura. Se o homem não quer o aprisionamento à natureza apenas, satisfazendo as
necessidades básicas roussonianos; a perpetuação, o descanso e a alimentação, é porque está
dotado do livre-arbítrio e este é a ante-sala do conhecimento verdadeiro, sem a mácula da crença
apenas. Conhecer é o destino do homem, por isso recusa-se a ser apenas natureza. Por isso
desafiou o Criador, porque quer a razão esclarecer os domínios da natureza, universalizando o
que conhece, tornando tudo uma possibilidade de discurso, porque a linguagem é a substância do
pensamento. É preciso indagar, nunca estar satisfeito com o que se sabe, buscar na ordem da
vontade o ilimitado porque a razão faz habitar na espécie algo indizível que apenas se consegue
chamar pobremente de liberdade. Mas a liberdade existe como potência e deve ser transformada
em ato pela razão. Como na semente a primeira está inserida, mas só se corporifica no ato futuro
de ser fruto, dependendo da ação, do cuidado, da rega. Um fruto que carece da ação
transformadora da natureza para que se perpetue na constância do messidor. Significa, ainda,
buscar a generalidade na medida em que se rompem espaços, abrindo brechas através do motor
secreto das representações com as quais o homem cria universos de beleza inteligente como a
Lógica, a Política, a Metafísica, e a Teologia. Mas também realiza, em seu lento processo em
direção à infinitude, algo em muito inútil, em muito sem função imediata como a poesia, a
música, enfim, a arte dos belos quadros, das leves esculturas, da leveza da dança. Toda a arte é
libertadora porque desaprisiona, elimina interditos pondo o sujeito em sua condição divina,
fazendo nele existir um continuum utópico porque vai idealisticamernte além do que é
meramente dado. Se a arte é um projeto de infinitude é porque em nada se enquadra a não ser
como relação aprimoradora entre si o artista e o fruidor. É preciso educar-se esteticamente para
que em cada um se garanta a justeza e o rigor dignificante dos juízos inexoráveis.
Schiller não legou um sistema educacional, de base antropológica, (como o Emílio), que desse
conta de uma prática empírica dessa eticidade. Sua reflexão não se esgota no tempo porque é
hipótese de uma ética social de matiz clássico com a busca de totalidades na inserção humana no
mundo, para ele esquecida quando a poesia separou-se da vida cotidiana. Acredita que a
possibilidade de um mundo fundamentado nesses princípios humanizadores pode existir, uma
vez que já existiu na história. A Polis de Epicuro, a Metempsicose, ou transmigração das almas
platônica, a música das esferas de Pitágoras, a beleza racional da Matemática e a democracia
garantida pela Gerúsia ou Conselho dos Anciães foram construções estéticas na metafísica e na
convivialidade grega. Se a arte está contaminando toda a ação humana, ela pode ser um princípio
ético a todo procedimento, agregando no mundo da diversidade e de fragmentos, um princípio e
um fim de beleza totalizadora. Nada mais adequado a todas as épocas, pois todas as épocas e
todos os povos, ainda que na dureza da vida primitiva, desenvolveram sistemas de
representações artísticas. Podem carecer de uma ciência particular, de uma observação
astronômica sistematizada, de uma matemática plena, mas uma arte e formas particulares de
crença na sacralidade, nunca lhes faltoui. Por isso a beleza no conhecer. Qualquer ele, e por isso,
também, as meigas e fortes palavras proféticas da Carta XXV Quando surge a luz no homem,
deixa de haver noite fora dele; quando se faz silêncio nele, a tempestade amaina no mundo, e as
forças conflituosas da natureza encontram repouso em limites duradouros.
à à c
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