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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

GF406 – Geografia Política – Trabalho Final: Resenha Indústria


cultural: Bourdieu e a teoria clássica

Júlio Deziró de Oliveira Santos RA177383

Campinas, novembro de 2019


O texto analisado de Maria da Graça Jacintho Setton Indústria cultural:
Bourdieu e a teoria clássica tem como objetivo colocar o trabalho de Bourdieu em
perspectiva as concepções da escola de Frankfurt. Desenvolve assim, os conceitos por
trás da obra do autor, em especial para o papel do telejornalismo na cultura de massa,
culminando no papel da informação no sistema de dominação. Uma discussão que se
mostra fundamental para entender fenômenos importantes do funcionamento de
estruturas sociais de poder e, portanto, pertinentes para a disciplina de Geografia
Política.
A escola de Frankfurt está vinculada aos trabalhos no início de século XX no
Instituto de Pesquisas Sociais, da Universidade de Frankfurt, a partir dos pesquisadores,
Theodor W. Adorno (1903-1969), Max Horkheimer (1895-1973), Erich Fromm (1900-
1980) e Herbert Marcuse (1898-1979) (MOGENDORFF, 2012). Os trabalhos desses
pesquisadores tiveram grande enfoque na produção cultural, no intuito de compreender
a sociedade do século XX, o cunho teórico das pesquisas era de forte base marxista, que
se desenvolveu em um “projeto filosófico e político único” (idem, p. 152).
Especificamente sobre o fenômeno da mídia no século XX, Setton parte de Adorno e
Horkheimer, ao passo que esses autores entendiam que a indústria cultural transformou
os bens culturais e espirituais em mercadorias, impregnando-lhes um caráter
homogeneizado e totalizador, no processo me que a “lógica de mercado começa passa a
dominar os espaços da subjetividade e do espírito” (2001, p. 27).
É sobre o caráter homogeneizado e totalizador da fruição da cultura de massa
que está a divergência entre Bourdieu e a escola de Frankfurt. A discussão parte de um
entendimento de Bourdieu sobre recursos: capitais econômico, cultural, social e
simbólico. Assim, para entender a relação entre os agentes no espaço social é necessário
entender os lugares que ocupam frente a estes recursos. É na diferenciação deste espaço
social que os indivíduos ocupam que torna impossível conceber o “consumo uniforme e
generalizado para todos os grupos sociais” (SETTON, 2001, p. 32). Assim, Bourdieu
entende que o consumo cultural irá variar a partir do espaço social que os indivíduos
ocupam, e principalmente, os recursos que detêm. Tais recursos tem a capacidade de
hierarquizar os indivíduos, e a informação tem um papel crucial na criação e
manutenção destas estruturas de poder.
Setton guia a discussão para um desdobramento importante de tal conceituação
de Bourdieu, quanto este chega ao entendimento que os sistemas simbólicos são
concebidos de três maneiras: estruturas de orientação ou ação; estruturas em códigos; e
instrumentos de dominação (2001, p. 33). É sobre esta terceira concepção que o autor se
debruça para analisar cultura de massa, entendendo que as informações transmitidas
como “signos de autoridade a serem obedecidos” (idem).
Mais especificamente, o telejornalismo é o objeto central da análise. Se o
discurso imposto por aquele que tem o monopólio da capacidade de transmitir
informações se traduz em poder simbólico e, portanto, o poder de impor uma visão de
mundo, os telejornais carregam esse poder de forma singular. Dentro da linha de
imposição de visões de mundo, Bourdieu entende que o telejornalismo tem a capacidade
de criar fatos, fazendo-se da autoridade dos jornalistas e do aparato técnico que possui.
As conclusões para as quais o texto nos guia são de entender como a informação
tem papel fundamental na criação e manutenção das estruturas de poder. O
telejornalismo, objeto em foco de Bourdieu, descreve características importante para
cumprir esse papel: é aparato por recursos de grandes corporações que o garantem e se
garante a partir da autoridade e desempenho técnico de seus profissionais. O
telejornalismo cria uma fonte poderosa de informação, acessível e confiável à percepção
de seus consumidores.
Tais características são essenciais para o desenvolvimento na função do
telejornalismo de passar uma visão de mundo. É um meio de comunicação, que se
transmite e se justifica através de uma função social, mas tem um alto grau de
entretenimento em sua concepção, e uma alta capacidade de transmitir discursos
hegemônicos e, portanto, colaborar com a manutenção de estruturas de poder.
A espacialização do fenômeno, no entanto, é um passo importante a ser dado ao
entender o contexto de discussão da industrial cultural no contexto da geografia política.
Entendendo a partir de Raffestin, que a informação é que tem a capacidade de transmitir
o poder ao longo dos territórios (1993), a indústria cultural, teria assim a capacidade de
transmitir, ordens, ou em conceitos mais próximos de Bourdieu, significados e valores,
ao longo do território de maneira massiva.
Assim, podemos entender a indústria cultural a partir de sua capacidade de
organizar o território e hierarquizar os agentes socais contidos nele. A transmissão de
valores e significados e, portanto, de uma visão de mundo hegemônico, se dá em pontos
específicos do território, dotados dos recursos necessários para a criação da mídia de
massa, a exemplo dos telejornais.
Se Bourdieu, a partir da compreensão dos recursos (capitais econômico, cultural,
social e simbólico) que os agentes detêm para sua hierarquização na estrutura social e,
portanto, capacidade de dominação, o mesmo deve ser compreendido sobre os lugares.
É analisando como esses recursos se distribuem ao longo do território que pode-se
compreender a capacidade de comando dos lugares. Tal condição do território pode ser
relacionada com aquilo que é compreendido por Milton Santos por lugares opacos e
luminosos (SANTOS, 1999). Mais do que isso, se a fruição da mídia de massa, segundo
Bourdieu, não é homogênea na sociedade e são determinadas pelas estruturas sociais
que os indivíduos ocupam, então o território influência não só a capacidade de produção
de projeção da industrial cultural, mas também em seu consumo.
Por fim, a teoria de indústria cultural de Bourdieu nos permite compreender o
como as estruturas sociais são importantes na capacidade de produção e projeção da
mídia de massa, e principalmente, como este tem a capacidade de cumprir uma função
na manutenção de estruturas de poder e imprimir visões de mundo. Quando
espacializamos esse fenômeno, compreendemos que a indústria cultural também tem
uma dimensão territorial, no exercício de poder de lugares sobre outros.

Referências Bibliográficas

MOGENDORFF, Janine Regina. A Escola de Frankfurt e seu legado. Verso e Reverso,


v. 26, n. 63, p. 152-159, 2012.

RAFFESTIN Claude, Por uma Geografia do Poder. Ed. Ática. São Paulo, 1993.
(Original 1980)

SETTON, M. G. J. Indústria cultural: Bourdieu e a teoria clássica. Comunicação &


Educação, São Paulo, (22): 26 a 36, set./dez. 2001, p. 26-36.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: espaço e tempo. 3. ed. São Paulo:


HUCITEC, 1999.

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