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51-56
Artigo Original
Trabalho apresentado:
Poster: 36th Annual Meeting of the European Paediatric Ophthalmological Society, Outubro 2010, Bad Nauheim, Alemanha
Comunicação oral: 53º Congresso Português de Oftalmologia, Dezembro 2010, Vilamoura
Os autores afirmam que não têm qualquer conflito de interesse com o tema abordado no artigo ou qualquer equipamento mencionado.
Declaram que o artigo é original e que não foi previamente publicado, nem aguarda publicação noutra revista. Transferem a partir da
presente data todos os direitos de autor em caso de publicação na revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia.
RESUMO
Objectivos: (1) Determinar se a camada das fibras nervosas da retina (CFNR), a espessura ma-
cular (EM) ou o volume foveal (VF) em doentes com ambliopia unilateral de diferentes etio-
logias diferem entre o olho amblíope e o olho adelfo. (2) Testar a hipótese de CFNR, EM ou
VF de olhos com ambliopia estabelecida ser diferente de olhos com ambliopia potencialmente
reversível. (3) Revisão da literatura.
Métodos: Doentes com diagnóstico de ambliopia unilateral por estrabismo, anisometropia ou
ambos foram prospectivamente incluídos no estudo e divididos em 2 grupos: ambliopia estabe-
lecida e ambliopia em tratamento.Foi realizado exame oftalmológico completo incluindo melhor
acuidade visual corrigida, avaliação do alinhamento e da motilidade oculares e tomografia de
coerência óptica (StratusOCT) após dilatação para obtenção de mapas de espessura macular e
camada de fibras nervosas da retina em ambos os olhos.
Resultados: Vinte e um doentes (42 olhos) foram observados (10 sexo masculino, 11 sexo femi-
nino) com uma idade média de 14,85 ± 12,6 anos (5-45 anos). A espessura foveal mínima média
foi 7% menor nos olhos adelfos do que nos ambliopes (169 μm vs 156 μm, p=0.005). Olhos am-
blíopes também apresentaram mácula central (região diâmetro 1 mm) mais espessa, no entanto
esta diferença não foi estatisticamente significativa.
Conclusões: Descreveram-se na literatura alterações histopatológias no núcleo geniculado late-
ral e córtex visual mas permanece incerto se a retina também está afectada na ambliopia. Estudos
que observaram modificações retinianas na ambliopia permanecem inconclusivos e controver-
sos. No presente estudo obtivemos uma espessura foveal mínima significativamente maior no
olho amblíope relativamente ao olho normal.
Palavras-chave
Ambliopia, OCT, Espessura macular, Espessura camada fibras nervosas retina.
ABSTRACT
Key-words
Amblyopia, OCT, Macular thickness, Retinal nerve fiber layer thickness.
Introdução
Estudos que observaram a presença de modificaçõe re-
Ambliopia define-se como uma acuidade visual diminuída tinianas em olhos amblíopes permanecem inconclusivos e
com ínicio em indivíduos visualmente imaturos, tipicamente controversos2-10. Alguns autores sugeriram que a ambliopia
com idade inferior a 7 anos, não atribuível a anomalias es- pode afectar a maturação pós-natal da retina, incluindo a
truturais. Com uma incidência de cerca de 3%, a ambliopia é normal redução das células ganglionares retinianas, o que
classificada de acordo com a causa responsável pelo compro- levaria a um aumento mensurável da espessura da camada
metimento da visão: refractiva, estrabismo e/ou de privação. de fibras nervosas da retina (CFNR) nos olhos afectados2.
A origem fisiológica do defeito tem sido extensivamente No entanto, apesar de nalgumas séries se ter observado um
investigada usando modelos animais. Respostas neuronais aumento da espessura da CFNR2, outros não obtiveram
anormais formam encontradas no córtex visual primário diferenças significativas3.
(correspondendo ao córtex estriado,área 17 de Brodmann), O objectivo do presente trabalho é determinar, através
onde ocorre convergência binocular excitatória. Estruturas de imagens de tomografia de coerência óptica (OCT), se a
de processamento monocular e mais distais como a retina e camada das fibras nervosas da retina (CFNR), a espessura
o núcleo geniculado lateral (NGL) eram consideradas fun- macular (EM) ou o volume foveal (VF) em doentes com
cionalmente normais, apesar de terem sido observadas alte- ambliopia unilateral de várias etiologias diferem entre o
rações histológicas no NGL. Recentemente Hess e colabora- olho amblíope e o olho adelfo. Testar a hipótese destes
dores1 usando imagens de ressonância magnética funcional parâmetros em olhos com ambliopia estabelecida serem
em indivíduos com ambliopia de diferentes etiologias, de- diferentes de olhos com ambliopia potencialmente rever-
monstraram défices funcionais ao nível talâmico, no NGL. sível. E finalmente, fazer uma breve revisão bibliográfica
Estes resultados vieram reequacionar o modelo que baseava dos estudos mais recentes que utilizaram OCT para avaliar
a ambliopia numa disfunção puramente cortical. alterações retinianas na ambliopia.
Fig. 1 | Análise da CFNR peripapilar e Macular de uma doente do sexo feminino, 9 anos de idade, com ambliopia anisometrópica (acui-
dades visuais 0.2 OD e 0.8 OE).
Tabela 1 | Diferenças nos valores médios dos parâmetros de OCT entre olhos amblíopes e olhos adelfos
Média ± DP T-test
Parâmetros do OCT Diferença
Olho Amblíope Olho adelfo (valor p )
Espessura CFNR (μm) n=18 115,6± 12,7 113,3± 11,3 2,29 0,395
DP = desvio padrão CFNR = camada das fibras nervosas da retina
* p<0,05 estatisticamente significativo pelo Student’s t-test
Tabela 2 | Diferenças nos valores médios dos parâmetros de OCT entre olhos amblíopes e olhos adelfos por etiologia
da ambliopia
Média ± DP Média ± DP
T-test T-test
Parâmetros de OCT Ambliopia Olho adelfo Dif Ambliopia Olho adelfo Dif
(valor p ) (valor p )
estrabismo n=11 refractiva n=7
Volume macular total (mm3) 7,22±0,33 7,23±0,33 -0,01 0,800 7,21±0,35 7,04±,0,18 0,17 0,147
Espessura CFNR (μm) 112,4±13,4 110,4±12,6 2,00 0,200 121,2±13,7 112,9±7,1 8,32 0,131
DP = Desvio padrão Dif = Diferença CFNR= camada das fibras nervosas da retina
* p<0,05 estatisticamente significativo pelo Student’s t-test
Tabela 3 | Diferenças nos valores médios dos parâmetros de OCT entre olhos com ambliopia estabelecida e olhos com
ambliopia potencialmente reversível
Média ± DP
T-test
Parâmetros do OCT Ambliopia Ambliopia potencialmente Diferença
(valor p )
estabelecida (n=10) reversível (n=11)
Volume macular total (mm3) 7,23± 0,38 7,22± 0,28 0,01 0,936
Não houve diferença estatisticamente significativa nos córtex visual primário e núcleo geniculado lateral que re-
valores médios de todos os parâmetros de OCT estudados cebem aferências do olho ambliogénico têm sido descritas.
entre olhos com amblíopia estabelecida e ambliopia poten- No entanto, o envolvimento retiniano secundário permanece
cialmente reversível (P>0,05) (tabela 3). controverso.
A tomografia de coerência óptica é um teste não inva-
Discussão sivo, de não contacto no qual a espessura da camada das
fibras nervosas da retina peripapilares e da região macular
O processo ambliogénico parece ocorrer a vários níveis podem ser medidas. O StratusOCTTM integra uma base de
da via visual. Défices funcionais envolvendo as células do dados normativa, no entanto, inclui apenas indivíduos com
Tabela 4 | Estudos publicados sobre espessura da camada das fibras nervosas da retina, espessura macular e volume macular
com OCT
idade igual ou superior a 18 anos. anisometropia. Numa série de 31 indivíduos com amblio-
Estudo anteriores com OCT na ambliopia reportaram pia por anisometropia a espessura da CFNR foi 5,6 μm
resultados variados (tabela 4). Trabalhos publicados sobre maior nos olhos amblíopes comparativamente com os olhos
a CFNR peripapilares relatam invariavelmente um aumento adelfos4.
da espessura em olhos amblíopes, mas apenas significativo No nosso estudo e, em concordância com alguns dos
em dois estudos2,4. estudos publicados, a CFNR peripapilar foi cerca de 2 μm
Yen e col.2 encontraram uma CFNR mais espessa (7,7 mais espessa nos olhos amblíopes, sendo esta diferença mais
μm) em olhos amblíopes comparados com os olhos con- acentuada na ambliopia por anisometropia (8 μm) isolada-
tralaterais; quando analisada por etiologias, esta diferença mente, no entanto não é significativa.
só se manteve significativa no grupo com ambliopia por Uma teoria biológica interessante para explicar as
diferenças observadas na CFNR em olhos com e sem am- valores que obtivemos nos vários parâmetros estudados são
bliopia foi proposta por Yen e col.2. Segundo estes autores semelhantes aos apresentados pelo grupo de Sydney, o úni-
a normal apoptose das células ganglionares retinianas está co com dados de base populacional.
comprometida na ambliopia, o que previsivelmente causaria Em conclusão, este estudo explorou medidas objectivas
um aumento da espessura da CFNR. Alterações que afecta- da retina na ambliopia e encontrou uma região foveal mais
riam também a normal maturação da área macular, incluin- espessa quando comparada com olho contralateral, usando
do o movimento das fibras de Henle para longe da fovéola tomografia de coerência óptica. Não houve diferenças na es-
resultando numa aumento da espessura foveal. pessura da CFNR peripapilares.
Uma série consituída por 15 crianças chinesas com am- São necessários estudos prospectivos em larga escala
bliopia que não atingiram acuidade visual normal (20/20) para avaliar o efeito da espessura foveal na acuidade visual
após tratamento, mostrou uma região macular (50,2 μm) e das crianças, e mais importante, se crianças com espessura
foveal (47,7 μm) mais espessas do que olhos normais5. Di- foveal aumentada apresentam pior prognóstico visual, bem
ckmann e col.6 obtiveram um volume foveal e uma espessu- como o efeito de um tratamento precoce/agressivo sobre es-
ra macular significativamente maiores no olho amblíope re- tes parâmetros.
lativamente ao olho adelfo apenas no grupo com ambliopia
por estrabismo, enquanto não houve diferença na espessura
da CFNR em qualquer dos grupos.
Um estudo de base populacional (The Sydney Chil- Bibliografia
dhood Eye Study)7 encontrou uma espessura foveal aumen-
tada em olhos amblíopes quando comparados com um grupo 1. Hess R, Thompson B et al. Deficient responses from the
controlo composto por 3815 crianças sem ambliopia. A di- lateral geniculate nucleus in humans with amblyopia.
ferença na espessura foveal e macular entre olhos amblíopes Eur J Neurosci 2009; 29: 1064-1070.
e olhos contralaterais foi maior em crianças que não recebe- 2. Yen M, Cheng C, Wang A. Retinal nerve fiber layer thi-
ram qualquer tratamento para a ambliopia comparativamen- ckness in unilateral amblyopia. Invest Ophthalmol Vis
te com crianças tratadas. Não houve diferença na espessura Sci 2004; 45: 2224-2230.
da CFNR peripapilares no mesmo estudo. 3. Altintas O, Yüksel N, Ozkan B, Caglar Y. Thickness of
Altintas e col.3 compararam a espessura da CFNR pe- the retinal fiber layer, macular thickness, and macular
ripapilares, espessuras foveal e macular e volume macular volume in patients with strabismic amblyopia. J Pediatr
entre o olho amblíope e o olho adelfo de 14 doentes, apesar Ophthalmol Strabismus 2005; 42 (4): 216-21.
de todos os parâmetros serem marginalmente superiores no 4. Yoon S, Park W, Baek S, Kong S. Thickness of macular
olho amblíope nenhum obteve significado estatístico. retinal layer and peripapillary retinal nerve fiber layer in
Os nossos dados sugerem que os olho amblíopes têm es- patients with hyperopic anisometropic amblyopia.Kore-
pessura foveal aumentada comparativamente aos olhos com anJ Ophthalmol 2005; 19: 62-67.
acuidade visual normal, apoiando a teoria proposta por Yen. 5. Liu H, Zhong L. et al. Macular abnormality observed
Os valores de espessura foveal obtidos para a nossa amostra by Optical Coherence Tomography in children with
foi camparável aos resultados de Huynh e col.7, mas meno- Amblyopia failing to achieve normal visual acuity after
res do que os reportados por Liu5. long-term treatment. J Pediatr Ophthalmol Strabismus
Quando analisamos separadamente por etiologia, a es- 2010; 47 (1): 17-23.
pessura foveal do grupo da ambliopia por estrabismo foi 6. Dickmann A, Petroni S. Et al. Unilateral amblyopia: An
o único parâmetro que se apresentou significativamente optical coherence tomography study. JAAPOS 2009; 13:
aumentado no olho amblíope. Obtivemos espessuras se- 148-150
melhantes entre olhos com ambliopia estabelecida e poten- 7. Repka M, Kraker R. et al. Retinal Nerve Fiber Layer
cialmente reversível. Estes resultados devem ser vistos com Thickness in Amblyopic Eyes. J Ophthalmol 2009; 148:
precaução devido ao pequeno número de indivíduos. 143-147.
Os achados inconsistentes entre estudos podem em par- 8. Kee SY, Lee SY, Lee YC. Thickness of the fovea and
te ser explicados pela utilização de diferentes modelos de retinal nerve fiber layer in amblyopic and normal eyes in
OCT, amostras relativamente pequenas e heterogéneas e a children. Korean J Ophthalmol 2006; 20(3): 177-181.
falta de um grupo controlo de base populacional. 9. Huynh S, Sawarawickrama C, Wang X, Rochtchina E,
O nosso estudo tem algumas limitações, nomeadamente Wong T, Gole G, Rose K, Mitchell P. Macular and ner-
ser um estudo transversal com uma amostra de tamanho re- ve fiber layer thickness in amblyopia. The Sydney chil-
duzido e pouco homogénea, o que limitou a análise de sub- dhood eye study. Ophthalmol 2009; 116:1604-1609.
grupos e a capacidade de indentificar correlações. Devido 10. Repka M, Goldenberg-cohen N, Edwards A. Retinal
à falta de uma base de dados pediátrica para comparação, nerve fiber layer thickness in amblyopic eyes. Am J
usamos o olho adelfo de cada paciente como controlo. Os Ophthalmol 2006; 142: 247-251.