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epistemológica e crítica
Resumo: Este artigo visa apresentar algumas das ideias norteadoras, segundo o pensamento geográfico predomi-
nante da escola geográfica determinista alemã, originada principalmente dos escritos do alemão Friedrich Ratzel e
da escola geográfica possibilista francesa, esta originada principalmente dos escritos de Paul Vidal de La Blache. A
partir daí, tecerá uma análise epistemológica e crítica acerca destes pensamentos e de como o pensamento geográ-
fico majoritário os trata, mostrando as possíveis inconsistências e contradições deste pensamento comum, em que
as ideias originais foram deturpadas, principalmente pela escola alemã, que foi atacada e menosprezada por grande
parte da escola geográfica, enquanto a escola francesa foi defendida e enaltecida por eles. Abordará também a
dicotomia de como estas escolas geográficas foram tratadas nos principais documentos de educação brasileiro e
paranaense, sendo o PCN e a DCE, respectivamente.
Abstract: This article aims to present some of the guiding ideas, according to the predominant geographic thinking,
geographical determinist school originated mainly from the writings of the German German Friedrich Ratzel and
geographical possibility French school originated mainly from the writings of Paul Vidal de La Blache, from then
on, epistemological analysis or criticism about these thoughts and how the majority treats geographical thought,
showing the possible inconsistencies and contradictions of this common thinking and original ideas were misle-
ading, especially the German school, which was attacked and belittled by much of the school, while the French
school was defended and enalteci Also addressed the dichotomy of how these schools were treated in major geo-
graphical documents and education of Paraná, the PCN and the DCE respectively.
Introdução
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e tendenciosas de Lucien Febvre, que, para melhor apontar os possíveis erros de Ratzel, carica-
turou seu pensamento, relegando-o a algumas afirmações isoladas, revestidas sob o pejorativo
nome de “determinismo”. No entanto, não parou por aí, ao contrário, para garantir o triunfo de
La Blache sobre Ratzel, atribuiu ao francês a paternidade de um pensamento, o “possibilismo”,
cuja principal qualidade era, justamente, invalidar o falacioso determinismo. Porém, por tanto
querer colocar os dois geógrafos um contra o outro, Febvre não fez justiça nem a um e nem a
outro, já que como veremos, os próprios Ratzel e La Blache não concebiam seus pensamentos
como determinista ou possibilista e deixaram margem para diálogo entre suas ideias.
O alemão Friedrich Ratzel, com sua obra, foi de grande importância para a sistemati-
zação da Geografia moderna, pois desenvolveu uma das formulações pioneiras de um estudo
geográfico especialmente direcionado à discussão dos problemas humanos, o qual chamou de
Antropogeografia. Seu estudo teórico, com grande caráter interdisciplinar, teve a preocupação
principal de entender as diversas formas de circulação de pessoas e bens materiais; a difusão e
a distribuição dos povos sobre a superfície terrestre; a influência das condições naturais sobre
o comportamento humano, que culminariam no determinismo; as formações do território, e
intimamente ligada a estas, a dimensão política da relação homem-natureza.
Caberá a Paul Vidal de la Blache a grande tarefa de implantar e institucionalizar a Geo-
grafia na França e por mais contraditório que pareça para alguns, ele toma como referência as
obras e os pensamentos de geógrafos alemães (Humboldt, Ritter e, inclusive, Ratzel). La Bla-
che cria com originalidade a sua geografia e dá sustentação para a criação da Escola Francesa
de Geografia, que irá, durante longo tempo, influenciar o desenvolvimento dessa ciência em
diversas partes do mundo. Seu pensamento geográfico se embasará principalmente nas ideias
de totalidade, do “possibilismo”, do mapeamento das densidades e do gênero de vida.
Destarte, podemos notar que as obras dos dois geógrafos estão longe de serem algo
simples e acabado, e que elas suscitam muitas indagações e exaltam os ânimos de diversos
estudiosos da geografia e outras ciências, além de já terem sido usadas como “armas” nas mãos
de governos. Estes são alguns poucos motivos da importância de sua análise mais profunda, a
qual faremos neste artigo. Iniciaremos fazendo uma breve análise do pensamento determinista
e possibilista aos olhos do pensamento geográfico majoritário no Brasil, após, abordaremos
os problemas e as contradições deste olhar supracitado e, para finalizar, vamos descrever a
tendência dessa divergência na educação geográfica do Brasil e no Paraná, por meio da análise
dos documentos que norteiam a sua educação e de fatos naturais atuais que nos remetem a esta
dicotomia. O objetivo primordial é incitar uma visão crítica e holística deste embate de teorias
que se deu na ciência geografia. A metodologia usada para criação deste artigo foi a de revisão
bibliográfica.
O determinismo e o possibilismo
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de Leipzig, que tinha maior prestígio acadêmico. Escreveu diversas obras, a mais famosa foi
“Antropogeografia – fundamentos da aplicação da Geografia e História”, que se fundamenta
o chamado determinismo geográfico. Nas suas obras, pode-se perceber a influência de outros
pensadores famosos, entre eles os geógrafos Alexander Von Humboldt e Carl Ritter, o sociólo-
go Auguste Comte, o filósofo Immanuel Kant, o naturalista Ernst Haeckel e, principalmente, o
biólogo Charles Darwin.
À Ratzel deve-se a ênfase dos estudos geográficos sobre o homem. Por este motivo, mui-
tos o consideram o pai da Geografia Humana. A teoria ratzeliana vê o homem a partir do ponto
de vista biológico, e não o social. Portanto, não poderia ser visto fora das relações de causa e
efeito que determinam as condições de vida no meio ambiente, pois o homem e a sociedade
seriam um fruto do ambiente ao qual se encontram, se subordinando a ele, o ambiente influen-
ciaria fortemente a fisiologia e a psicologia humana. Deste modo, Ratzel acreditava que seria
possível explicar a história dos povos em função das relações de causa e efeito que se estabele-
ceriam na interação entre o homem e a natureza, de forma que aquelas sociedades que possuís-
sem as características de melhor adaptação ao meio sobreviveriam. Os seres humanos, raças e
etnias mais aptos venceriam e dominariam os povos considerados inferiores. Percebe-se como
foi grande a influência do pensamento darwiniano em Ratzel, sendo adaptado para o homem e
para a sociedade, criando assim o pensamento determinista ambiental geográfico.
É atribuído à Ratzel a elaboração do conceito de Espaço Vital, como nos afirma Moraes
(2003, p. 70):
Ratzel elabora o conceito de ‘espaço vital’, este representaria uma proporção de equi-
líbrio entre a população de uma dada sociedade e os recursos disponíveis para su-
prir suas necessidades, definindo, portanto, suas potencialidades de progredir e suas
premências territoriais. É fácil observar a íntima vinculação entre as formulações de
Ratzel, sua época e o projeto imperial alemão.
Assim como Moraes, outros autores citam o conceito de Espaço Vital como uma das
bases do imperialismo, colonialismo e até do nazismo. Ratzel alegava que um estado deveria
aumentar seu território e seus domínios para poder sobreviver e evoluir, assim justificava te-
oricamente a dominação dos povos europeus, que se colocaram como uma civilização mais
desenvolvida e evoluída, com a intenção de dominar os povos inferiores e impor a eles sua cul-
tura e o seu modo de vida, principalmente na África e América Latina. Seguindo seu interesse
e desenvolvimento do conceito de Espaço Vital, Ratzel estudou muito o conceito e o comporta-
mento do Estado moderno. Segundo ele, o Estado seria a sociedade organizada para construir,
defender e expandir o seu território. Acreditava que essa seria uma forma de organização que
aconteceria de forma natural em qualquer sociedade avançada. O Estado, para Ratzel, era um
organismo vivo e o Espaço Vital tinha que ter grande importância para ele. Esta noção foi fun-
damental diante do contexto histórico alemão, que havia acabado de passar pelo seu processo
de reunificação e precisava de uma base para justificar e se afirmar enquanto Estado, com in-
tenção de crescimento, expansão e dominação, principalmente por estas ideias da relação entre
o espaço, a sociedade e o estado. Ratzel foi considerado o Pai da Geopolítica, mesmo jamais
tendo utilizado essa expressão, que foi criada por um de seus discípulos, o Sueco Rudolf Kjel-
len.
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geógrafo francês, sendo um dos principais nomes no que se refere à história do pensamento
geográfico. Membro de uma família de militares e professores, seu pai, professor, queria para o
filho a mesma profissão, por isso o mandou para um colégio interno em Paris, onde La Blache
teria melhores condições para ter uma carreira promissora. Na juventude, estudante da Escola
Normal Superior, dedicou seus estudos principalmente à História, mais tarde estuda também na
Escola de Atenas, onde prepara sua tese sobre a Ásia Menor. Em 1875, é nomeado conferen-
cista de Geografia da Universidade de Nancy e em 1880 se torna subdiretor da Escola Normal
Superior. Já em 1898 vai para a famosa e reconhecida Universidade Sorbonne de Paris. Seu
contato inicial com estudos aprofundados de Geografia se dá quando ele vai à Turquia para
desenvolver seu trabalho e toma como guia uma obra que o famoso geógrafo Carl Ritter havia
escrito sobre este país. A partir daí, começa a se dedicar aos estudos geográficos e chega a ser
um dos grandes nomes desta ciência. La Blache conheceu muito bem a Europa e também boa
parte do norte da África e da América do Norte. Produziu uma obra pequena, porém muito den-
sa. Além do pensamento geográfico possibilista, La Blache também foi considerado o fundador
da escola regional francesa.
La Blache rejeitava a ideia idealizada por Friedrich Ratzel, que caracterizou a escola ale-
mã em geografia determinista, em que as condições naturais do meio ambiente influenciavam
e determinavam as atividades humanas e sociais. Para La Blache, o homem também transfor-
mava o meio onde vivia, de forma que para as ações humanas, diversas possibilidades eram
possíveis, uma vez que essas não obedeceriam a uma relação entre causa e efeito. Ele contraria
a ideia de que o homem é, antes de tudo, passivo e submisso às condições locais e obrigado
a se adaptar. Na análise Vidalina, a compreensão das relações homem/natureza se dá em toda
sua complexidade, dando relevante atenção às iniciativas humanas transformadoras do meio
ambiente.
Nas palavras do próprio La Blache, (1979, p. 8, tradução nossa):
É preciso partir da ideia de que uma região é um reservatório onde dormem energias
na qual a natureza depositou o germe, mas cujo emprego depende do homem. É ele
quem, ao submetê-las ao seu uso, traz à luz sua individualidade. Ele estabelece uma
conexão entre os traços dispersos; aos efeitos incoerentes de circunstâncias locais, ele
substitui um concurso sistemático de forças. É só então que uma região se precisa e
se diferencia e transforma-se, por extensão, numa medalha cunhada à esfinge de um
povo.
La Blache usava o método indutivo, para o qual para se chegar à individualidade re-
gional necessita-se dos recortes de áreas diferenciadas com o propósito final de identificar as
características comuns e, posteriormente, chegar a um plano de generalização. Assim sendo,
ele incentivou e participou de muitas monografias sobre geografia regional, ou seja, estudos
que se preocupavam apenas com uma determinada região e que se caracterizavam por serem
extremamente descritivos. Por isso, o conceito de região foi muito importante na sua obra. Esse
conceito estava associado às paisagens naturais, de forma que uma região existia no espaço
independente da vontade do homem, restando aos pesquisadores apenas identificá-las e expor
suas características.
Devido à sua formação, La Blache trouxe para o estudo da geografia a importância do
tempo e da História, por isso foi tido com um dos grandes responsáveis pela difusão da Geo-
grafia Humana, apesar de afirmar que a geografia não deveria estudar o homem, mas o meio
em que ele vive. A partir destes estudos e conceitos e de um método que se caracterizava por
ser uma sequência linear entre observação, comparação e conclusão, La Blache se tornou um
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dos maiores nomes da ciência geográfica e contribuiu para alavancar a Geografia Francesa para
se “opor e combater” a Geografia Alemã de Friedrich Ratzel e as suas intenções geopolíticas.
Crítica literária
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mos agora, Ratzel está longe de ter uma ideia “extremista” de determinismo, como alegam seus
detratores, e que inclusive La Blache seguiu algumas de suas ideias.
Em sua famosa obra “Evolução da Geografia Humana”, o famoso Geógrafo Francês
Paul Claval (1974, p. 53, tradução nossa), atesta sobre Ratzel o seguinte:
[...] não se encontra em sua Antropogeografia nenhuma expressão abusivamente brutal
das doutrinas ambientalistas as quais seu nome ficou vinculado. [...] as convicções
referentes ao meio ambiente expostas por Ratzel não lhe pertencem exclusivamente.
Pode se encontrar em qualquer parágrafo de Elisee Reclus afirmações muito mais
contundentes que em nenhuma obra de Ratzel.
Ainda, para contribuir com esta afirmação do Geógrafo Claval, não poderíamos abrir
mão das palavras do próprio Ratzel (RATZEL, 1899, p. 65 apud MERCIER, 1995, p. 12),
que nos afirma: “Foi em vão que o homem buscou traços característicos deste ou daquele país
na configuração do solo e na composição do ar. A ideia segundo a qual as grandes diferenças
qualitativas da terra seriam determinantes e duráveis é mítica”.
Por si mesmo, os dons da natureza não mudam com o tempo nem em espécie e nem
em quantidade, mesmo se o abastecimento de bens úteis, que varia de ano em ano, for
imprevisível. Esses dons dependem de certas circunstâncias externas; são restritos a
certas zonas, a altitudes particulares e a diferentes tipos de solos. Inicialmente, o poder
do Homem sobre esses dons está sujeito a limites estreitos que podem ser repelidos
pelo desenvolvimento de sua força intelectual e por sua vontade, embora tais limi-
tes jamais possam ser abolidos completamente. Por outro lado, as forças do Homem
não pertencem senão a ele mesmo; ele pode não somente utilizá-las, mas também
multiplicá-las e reforçá-las sem que se possa pelo menos até hoje colocar-lhe limites
(RATZEL, 1894, p. 25 apud MERCIER, 1995, p. 13).
Pode-se perceber neste trecho de Ratzel claramente a ideia de que o homem é limitado
pela natureza até certo ponto e que esse limite jamais pode ser totalmente abolido, dependendo
para isso da sua inteligência e vontade. Aqui se apresentam alguns conceitos claros da ideia
possibilista.
Mais contundente ainda, Ratzel (1906, p. 36, tradução nossa) afirma:
Não podemos fugir das influências precisas de nosso ambiente, principalmente das
que atuam em nossos corpos; lembro as que se referem ao clima e à oferta de alimen-
tos. É sabido que também o espírito se encontra sob influência dos caracteres gerais
do cenário que nos cerca. Por outro lado, o grau que essa influência desempenha vai
depender, em grande medida, da força da vontade que a ela resista. Podemos nos de-
fender dela, contanto que o queiramos. Um rio que, para um povo preguiçoso, consti-
tui um limite para um povo decidido pode não ser uma barreira [...] não há coação nem
nenhuma lei inflexível, mas sim amplos limites, dentro dos quais o homem consegue
impor a sua vontade e até mesmo seu despotismo. E é isto precisamente que tanto
dificulta todos os estudos sobre a relação entre história e ambiente natural, a ponto de
podermos falar apenas de gerais especificadas, pois há um fator nessa relação, nessa
ligação, que não é precisamente calculável para cada caso isolado, porque é livre;
trata-se da vontade humana.
Nesta passagem de sua obra, fica muito clarao sua total oposição ao determinismo ex-
tremo que alguns o relegam, ele deixa bem claro que o grau da influência do meio natural vai
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depender, em grande parte, da força de resistência do homem.
Após termos apresentado poucas, mas contundentes passagens de Ratzel, veremos agora
o que Claval (1974, p. 71-72, tradução nossa) nos diz sobre a ideia possibilista de La Blache:
[...] o possibilismo passou então a integrar alguns dos conceitos valorizados pelo am-
bientalismo, os quais conseguiu purificar e ainda por cima enriquecer [...] equivale
isto a afirmar que a geografia humana ia derivar deliberadamente para o estudo das
ciências humanas, e converter-se essencialmente em uma ciência social? Evidente-
mente não, e é aqui onde Vidal de La Blache aparece como herdeiro, quem sabe
inconsciente da tradição atribuída à escola determinista [...] esta ideia procedia da ge-
ografia determinista, mas Vidal de La Blache lhe conferiu um rigor que jamais havia
possuído com Ratzel.
Já podemos notar, nesta curta passagem de Claval, que a obra de La Blache sofreu in-
fluência e ainda aprofundou algumas ideias de Ratzel. Ainda mais enfático, o geógrafo Vincent
Berdoulay afirma que: “La Blache não foi apenas influenciado por Ratzel, mas que também
ficou muito impressionado pela superioridade da ciência alemã em geral, a ponto mesmo, de
alguns acusarem La Blache de praticar uma geografia de ‘empréstimo’ dos alemães” (BER-
DOULAY, 1981 apud MERCIER, 1995, p. 8). O próprio La Blache endossa:
Velhos hábitos de linguagem nos fazem seguidamente considerar a natureza e o ho-
mem como dois termos opostos, dois adversários em duelo. Todavia, o homem não é
‘como um império num império’; ele faz parte da criação vivente, é seu colaborador
mais ativo. Ele não age sobre a natureza senão nela e por ela. [...] é evidente que,
por seus órgãos de respiração, nutrição e secreção, [o Homem] permanece, como os
animais, impregnado das influências do meio ambiente (LA BLACHE, 1903, p. 222
apud MERCIER, 1995, p. 14)
Podemos notar que La Blache reconhecia que o homem permanece impregnado das in-
fluências ambientais, mas que pode, conforme sua evolução, ser um colaborador transformador,
quase que parafraseando Ratzel em suas colocações supracitadas.
Podemos perceber que nem Ratzel negava totalmente o possibilismo humano frente à
natureza, nem La Blache negava totalmente o determinismo humano frente ao meio natural.
Temos que ter cuidado com a leitura vulgar sobre as teorias, pois como o geógrafo Tim Unwin
(1992, p. 262) nos alertou com grande mérito: “a crítica exacerbada ao determinismo geográfi-
co obnubilou ou obscureceu a análise das influências do ambiente sobre o social”.
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ra, talvez, tendenciosa ou superficial que são apresentadas as ideias de Ratzel, como a ligação
das ideias de Ratzel com o expansionismo territorial alemão. Rodrigues (2008, p. 75) afirma:
“para justificar a unificação, o nacionalismo e o expansionismo foram as ideias de Ratzel um
instrumento poderoso de legitimação e expansionismo do Estado alemão recém-constituído”,
omitindo que as ideias de La Blache também foram usadas para o mesmo ideal.
Agora, vamos partir para uma breve análise dos documentos que norteiam o ensino da
Geografia no território nacional e estadual, sendo eles o PCN (Parâmetros Curriculares Nacio-
nais) e a DCE (Diretrizes Curriculares da Educação Básica), no que concerne a abordagem dos
dois pensadores. Começando pelo PCN do terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental que
corresponde aos anos finais do ensino fundamental, que traz poucas abordagens sobre o tema.
Por meio de uma breve pesquisa, podemos constatar a diferença de abordagem que este docu-
mento faz entre os pensadores, sendo que nas pouco mais de 150 páginas, o nome de La Blache
é citado cinco vezes e por mais impressionante que pareça o nome de Ratzel não é citado uma
única vez. E ainda na primeira menção que o documento faz a La Blache em sua página 19, já
fica explícito a forte influência de La Blache na Geografia brasileira:
Num segundo momento, a Geografia marcou o ensino pela criação do curso superior
paralelamente à fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universida-
de de São Paulo e do Departamento de Geografia em 1934. Nessa ocasião, professores
oriundos da França, como Pierre Monbeig, Defontaines, com forte influência da esco-
la de Vidal de La Blache, corroboraram esta tradição no Brasil (BRASIL, 1998, p. 19).
Vale lembrar que Pierre Monbeig foi um dos precursores da geografia científica no Bra-
sil e o seu legado tem grande importância e influência na tendência francesa da geografia bra-
sileira.
Passamos agora a DCE do Estado do Paraná, que se mostrou bem menos parcial. Em
sua primeira citação de Ratzel e La Blache, em sua página 40, já deixa bem definido qual foi o
papel dos dois pensadores:
O pensamento geográfico, da escola alemã, teve como precursores Humboldt (1769-
1859) e Ritter (1779-1859), mas Ratzel (1844-1904) é apontado como fundador da
Geografia sistematizada, institucionalizada e considerada científica. A escola francesa
de pensamento geográfico teve como principal representante Vidal de La Blache.
Neste pequeno trecho, a DCE já mostra um grande mérito sobre a obra de Ratzel, além
de dar a devida importância para La Blache também. Ainda sobre as ideias de Ratzel, a DCE
afirma na mesma página 40: “Quanto mais culto um povo, maior o domínio sobre a Natureza, o
que proporcionaria melhores condições de vida, consequentemente, o aumento da população e
a necessidade de mais espaço para continuar seu processo evolutivo”, explicitando assim a cor-
reta noção de que o pensamento de Ratzel não era radicalmente determinista como nos colocam
várias obras, mas sim, que o homem culto poderia ter grande domínio da natureza para viver
melhor. No que concerne as ideias de La Blache a DCE (2008, p. 41) cita a seguinte passagem
de Moraes (1987, p. 25-26):
O contato entre diferentes gêneros de vida seria, então, um elemento fundamental para
o progresso humano, pois, para Vidal de La Blache, esse contato propiciaria verdadei-
ras oficinas de civilização. Esses argumentos, embora diferentes, da Geografia Alemã,
também justificavam a colonização dos povos que desenvolveram gêneros de vida
muito simples, fortalecendo a ideia de missão civilizadora europeia.
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Não foram apenas as ideias de Ratzel que puderam ser usadas para justificar o Imperia-
lismo e a Colonização sobre outros povos, mas também as de La Blache, ao contrário do que
muitos outros autores declaram, ou omitem. Em passagens posteriores do documento parana-
ense, podemos notar as teorias dos dois pensadores, embora implicitamente, como nesta citação
que aborda o conceito de Sociedade na Geografia (2008, p. 68):
A sociedade produz um intercâmbio com a natureza, de modo que a última se trans-
forma em função dos interesses da primeira. Ao mesmo tempo, a natureza não deixa
completamente de influenciar a sociedade, que produz seus espaços geográficos nas
mais diversas condições naturais. Os aspectos naturais são, inegavelmente, compo-
nentes das paisagens e dos espaços geográficos, e na sociedade capitalista contribuem
com a distribuição espacial das diferentes classes sociais, uma vez que interferem na
determinação do preço dos solos urbano e rural.
Aqui, fica bem claro que a sociedade pode transformar a natureza para seu melhor de-
senvolvimento, mas também mostra que essa transformação pode ser limitada pelo meio na-
tural, ideia totalmente aceita pelos dois pensadores. A DCE (2008, p. 73) ainda trata sobre a
Dimensão Socioambiental do espaço Geográfico.
A natureza, que teve em sua gênese uma dinâmica autodeterminada, hoje sofre al-
terações em muitas de suas dinâmicas devido à ação humana. Basta lembrarmos as
alterações climáticas, as obras de engenharia que modificam os rios (curso, vazão,
profundidade etc.) e transpõem montanhas e cordilheiras (estradas, túneis), os desma-
tamentos que criam desertos ou, em encostas de morros, causam desmoronamentos.
Dessa forma, torna-se fundamental compreender tanto a gênese da dinâmica da na-
tureza quanto as alterações nela causadas pelo homem, como efeito de participar na
constituição da fisicidade do espaço geográfico.
Um tema muito debatido hoje em todo mundo e em todos os níveis de estudo é o Aque-
cimento Global, segundo o qual a terra está aquecendo mais do que deveria e assim teremos sé-
rios problemas ambientais em um futuro próximo. Esse aquecimento se daria, principalmente,
por razões antrópicas, sendo os principais, a alta emissão atmosférica de gases de efeito estufa,
como o Dióxido de Carbono e o Metano, entre outros. No entanto, esse tema não é consenso
no meio acadêmico. Apesar de a grande maioria apoiar esta tese, existem alguns que não con-
cordam e alegam, entre outros argumentos, que o homem não teria capacidade suficiente para
mudar drasticamente o clima em nível global, já que os oceanos e o sol são os principais res-
ponsáveis por nossa regulação climática mundial. A grande maioria dos estudos são unânimes
em afirmar que é o homem que está acelerando as mudanças climáticas.
O humano tem evoluído cada vez mais em sua dominação do espaço terrestre, como
previam os dois teóricos em questão, principalmente devido à evolução da ciência e da tecnolo-
gia, que proporcionam à engenharia a possibilidade de projetar e construir obras “faraônicas”.
Como exemplos, podemos citar o Eurotúnel, que atravessa o canal da mancha ligando França
e Inglaterra pelo mar; edifícios “arranha-céus”, que chegam a quase mil metros de altura; gran-
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des ilhas artificiais; túneis que atravessam montanhas; grandes cidades construídas no meio
do deserto, como Dubai e Las Vegas, ou em lugares extremamente frios, como a Sibéria e a
Patagônia. Estes exemplos mostram um possível triunfo humano frente à natureza, porém, estas
possibilidades ainda são muito limitadas pela natureza, a qual hora ou outra nos dá o ar de sua
força e imponência. Quase todo ano, temos notícias de fatos naturais que dizimam milhares de
vidas pelo mundo, destroem as obras humanas e modificam o espaço geográfico, como terre-
motos, furacões, alagamentos, tsunamis, erupções vulcânicas etc. Podemos citar exemplos re-
centes, como quando o vulcão islandês Eyjafjallajökull entrou em erupção em 2010, causando
grandes problemas em grande parte da Europa com a paralisação de voos em diversos países;
em 2005, foi a vez dos Estados Unidos sofrerem com o furacão Katrina, que destruiu a cidade
de Nova Orleans, ceifando milhares de vidas; no Haiti, em 2010, um grande terremoto destruiu
boa parte do país e também matou milhares de pessoas; e para findar nossos exemplos, citamos
o tsunami de 2004 na Ásia, que matou mais de 200 mil pessoas, a maioria na Indonésia.
Apesar de toda evolução tecnológica, o homem está muito ligado e limitado às forças
do meio, conforme enfatizavam os dois pensadores (Ratzel com maior contundência). Ratzel
disponibiliza os recursos naturais necessários para a evolução, sendo que o domínio humano
sobre o espaço natural é o mesmo que cria os desastres naturais que tanto assustam, limitam e
destroem as obras do homem. Podemos notar que embora oculto, este debate entre o determi-
nismo e possibilismo humano frente à natureza ainda é atual e muito importante no mundo todo
e vai continuar a ser.
A questão crucial não é saber se o homem tem grandes possibilidades frente à natureza,
pois como vemos na história, com o avanço da ciência e tecnologia, o homem, cada dia mais,
avança seu domínio sobre o meio, porém, o que devemos nos perguntar é o que causará este
domínio irresponsável sobre o meio. Acreditamos que o aumento de desastres ambientais e,
principalmente, o aquecimento global e dos oceanos, sejam alguns “avisos” da natureza dizen-
do que o homem está ultrapassando suas possibilidades e que deveria respeitar mais as “deter-
minações” impostas por ela.
Destarte, salientamos que, como já supracitados pelos dois pensadores, o homem tem
suas “raízes” na natureza, então jamais podemos tratá-la como algo descartável, pois se a eli-
minamos hoje, nós seremos os eliminados amanhã, como nos afirmou com grande inspiração
o famoso sociólogo e filósofo alemão Karl Marx (1844 apud RESK, 2015): “O homem vive da
natureza, isto é, a natureza é seu corpo, e tem que manter com ela um diálogo ininterrupto se
não quiser morrer. Dizer que a vida física e mental do homem está ligada à natureza significa
simplesmente que a natureza está ligada a si mesma, porque o homem é parte dela”.
Considerações finais
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seu elo e dependência do meio ambiente. Ficou claro também a diferença das abordagens do
PCN Brasileiro e da DCE Paranaense, no que tange aos pensadores e suas obras. A DCE nos
traz uma abordagem mais completa e crítica sobre o assunto. Finalizando, mostramos as conse-
quências destas teorias na dominação humana sobre o espaço geográfico.
Enfim, nos resta destacar a grande importância das obras dos dois autores e que deve-
mos ter um olhar mais crítico e minucioso sobre suas obras, não reduzindo a meras passagens
isoladas e teorias simplistas.
Referências
MERCIER, Guy. A Região e o Estado Segundo Friedrich Ratzel e Paul Vidal de La Blache.
Annales de Géographie. Paris, n. 583, 1995.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia – Pequena História Crítica. 20. ed. São Paulo:
Annablume, 2003.
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Artigo recebido em 15/06/16. Aceito em 18/08/16.
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