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Introdução

Tentemos imaginar que a evolução da filosofia moderna tivesse progredido de acordo com o
programa metódico de Descartes e chegado ao resultado definitivo que Descartes considerava
como efetivamente atingível. Esse “estado final” da filosofia, que, tendo em vista a nossa
experiência histórica, é apenas hipotético, estaria definido pelos critérios contidos nas quatro
regras do Discurso do método, principalmente com vistas à clareza e distinção, exigida na
Primeira Regra, de todos os dados apreendidos na forma de juízos. A esse ideal de uma
objetivação completa1 corresponderia o aperfeiçoamento da terminologia que captasse a
presença e a precisão do dado em conceitos definidos. Nesse estado final, a linguagem filosófica
seria puramente ‘conceitual’ no sentido estrito: tudo pode ser definido, logo tudo deve ser
definido, não há mais nada logicamente ‘provisório’, assim como não há mais moral provisória
[em francês no original]. A partir daí, todas as formas e todos os elementos do discurso figurativo
no sentido mais amplo se evidenciam como provisórios e passíveis de serem superados pela
lógica. Eles teriam apenas um significado funcional transitório, pois neles a mente humana
apenas se anteciparia ao seu uso responsável, sendo expressão daquela precipitação [em
francês no original] que Descartes também manda evitar na Primeira Regra.

No entanto, ao alcançar seu estado conceitual definitivo, a filosofia teria que perder ao mesmo
tempo qualquer interesse legítimo na investigação da história dos seus conceitos, pois, a partir
do ideal de uma terminologia definitiva, a história dos conceitos só poderia ter um valor crítico-
destrutivo, desempenhando um papel que perderia seu sentido quando alcançar seu objetivo,
a saber, o desmonte daquele peso múltiplo e obscuro da tradição, que Descartes resume no
segundo dos seus conceitos fundamentais críticos, a saber, aquele da antecipação (prévention)
(que correspondem aos “ídolos” de Francis Bacon). “História”, portanto, não é nada mais, nesse
sentido, que precipitação (précipitation) e antecipação (prévention), ou seja, um desvio da
presença exata cuja recuperação metódica é minada pela historicidade. [PARÁGRAFO ?]

Giambattista Vico foi o primeiro a enxergar que a lógica da Primeira Regra acaba com a essência
da história, opondo a ela a “lógica da fantasia”, partindo do pressuposto de que a clareza e a
distinção exigida por Descartes estariam reservadas exclusivamente à relação compreensiva
entre o Creador e sua obra: verum ipsum factum. O que resta ao ser humano? Não a “clareza”
daquilo que é dado, mas daquilo que foi produzido por ele: o mundo das suas imagens e
formações, de suas conjeturas e projeções, de sua “fantasia” no novo sentido produtivo que a
Antiguidade não conhecia.

Também faz parte da tarefa de uma “lógica da fantasia”, até de maneira exemplar, o tratamento
do discurso “figurativo”, isto é, da metáfora que, até então, pertencia ao capítulo das figuras
retóricas. Essa inclusão tradicional da metáfora na doutrina dos ornamentos do discurso público
não é casual: para a Antiguidade, o logos estava basicamente à altura da totalidade da existência
[das Seiende]. O cosmos e o logos eram correlatos. Nesse sentido, a metáfora não estaria em
condições de enriquecer a capacidade dos recursos enunciativos, sendo apenas parte do efeito
do enunciado, do ataque e do impacto em seus destinatários políticos e forenses. A congruência

1
Descartes define as características da clareza e da distinção da seguinte maneira: “Claram voco illam (sc.
ideam) quae menti attendenti praesens et aperta est ...” (Œuvres, ed. Adam-Tannery, v. VIII, p. 13).
Distinctam autem illam, quae, cum clara sit, ab omnibus aliis ita seiuncta est et precisa, ut nihil plane aliud,
quam quod clarum est, in se contineat.” (op. cit., v. VIII, p. 22). Evidencia-se a dependência da
epistemologia estoica e seu ideal da representação
completa do logos e do cosmos exclui a possibilidade de que o discurso figurativo [übertragene
Rede] pudesse dar conta de alguma coisa que o nome próprio [?; κύριον ὄνομα – kyrion onoma]
não conseguiria produzir. No fundo, o orador e o poeta não poderiam dizer nada que não
pudesse ser apresentado, também, de forma teórico-conceitual. Para eles, não importa o que,
mas apenas o como, pois a possibilidade e o poder da persuasão era uma das experiências
elementares da vida na pólis – tão elementar que Platão podia apresentar a fase decisiva de sua
cosmogonia no Timeu como ato retórico “persuasivo” da Ananque. A importância da retórica,
cuja apreciação adequada hoje nos causa grandes dificuldades, explica como era decisivo para
a filosofia considerar [por um lado] a força de convicção como uma “qualidade” da própria
verdade e [por outro lado] a retórica com seus recursos apenas como uma realização e
consolidação adequada dessa qualidade. A luta por uma atribuição funcional da retórica, a
contestação da autonomia que os sofistas exigiam para a técnica da convicção eram processos
fundamentais da história da filosofia cuja irradiação para a nossa inteira história intelectual não
foi evidenciada nem aproximadamente. Sem dúvida, a subjugação platônica da retórica, selada
pela Patrística cristã, atribuiu também os objetos tradicionais da retórica escolar
definitivamente ao equipamento meramente técnico dos “recursos de efeito” – mesmo sendo
do arsenal da própria verdade. Por isso nem se questionou se o recurso retórico da translatio
poderia produzir algo além de despertar “prazer” na verdade a ser transmitida. Entretanto, a
ausência de tais questionamentos e da possibilidade de levantá-los evidentemente não significa
que esse acréscimo em força enunciativa não tivesse sempre sido produzido pelas metáforas.
Caso contrário, o projeto de uma metaforologia estaria equivocado já nas bases, pois
pretendemos evidenciar a peculiaridade de que a “descoberta” refletiva da potência autêntica
da metafórica desvaloriza as metáforas doravante produzidas como objeto de uma
metaforologia histórica, pois uma análise tem que visar a investigação do “embaraço” lógico
superado pela metáfora, sendo que tal aporia se apresenta da forma mais clara onde ela não é
“admitida” teoricamente.

Essas reflexões históricas sobre a metáfora “escondida” nos levam à questão fundamental sobre
as condições em que as metáforas podem ter legitimidade na linguagem filosófica. Em primeiro
lugar, as metáforas podem ser restos, isto é, rudimentos no caminho do mitos ao logos. Como
tais, elas indicam o caráter provisório, apontada por Descartes, da respectiva situação histórica
da filosofia, que teria que se orientar pela idealidade reguladora do puro logos. Nesse caso, a
metaforologia seria reflexão crítica que teria que detectar e denunciar o caráter impróprio /
inautêntico [das Uneigentliche] do enunciado figurativo [übertragen]. Além disso, contudo, as
metáforas poderiam ser, mesmo que de forma puramente hipotética, os fundamentos da
linguagem filosófica, “translações” / “transferências” [“Übertragungen”] que não podem ser
recuperadas para a linguagem própria / autêntica, isto é, para a logicidade. Se for possível
demonstrar essas translações [Übertragungen], que teríamos que chamar de “metáforas
absolutas”, a constatação e análise de sua função enunciativa, conceitualmente não substituível,
seria parte essencial da história dos conceitos (no sentido assim ampliado). E mais: a
comprovação [da existência? Nachweis] de metáforas absolutas faria com que as metáforas
rudimentares, mencionadas em primeiro lugar, também apareceriam numa outra luz, sendo que
a teleologia cartesiana da logificação, em cujo contexto acabaram de serem indicadas como
“restos”, entraria em contradição com a existência de translações [“Übertragungen”] absolutas.
A partir disso, a equiparação entre discurso figurativo [übertragen] e impróprio / inautêntico
[uneigentlich] se torna questionável. Vico já havia declarado a linguagem metafórica como tão
“autêntica” quanto a linguagem comumente considerada autêntica2, sendo que teve uma
recaída no esquema cartesiano na medida em que reservava para a linguagem da fantasia uma
época ancestral da história. A demonstração [da existência] de metáforas absolutas deveria nos
motivar, de um modo geral, de repensar a relação entre fantasia e logos, especialmente no
sentido de não considerar o âmbito da fantasia apenas como substrato para as transformações
para o conceitual – nas quais cada elemento poderia ser, por assim dizer, reelaborado e
modificado até gastar a reserva de imagens –, mas como uma esfera catalisadora que serve para
o enriquecimento constante do mundo dos conceitos, porém sem transformar, nem consumir
esse acervo fundador.

O leitor familiarizado com Kant deve se lembrar, nesse contexto, do § 59 da “Crítica da faculdade
de julgar / do juízo”, onde, embora não ocorra a expressão “metáfora”, o procedimento da
translação da reflexão é descrito sob a designação de “símbolo”. Kant parte aqui de sua ideia
fundamental de que a realidade dos conceitos só pode ser comprovada mediante as intuições.
No caso dos conceitos empíricos, isso acontece por meio de exemplos, no caso dos conceitos
puras do entendimento por meio dos esquema e no caso dos conceitos da razão (das “ideias”),
aos quais não corresponde uma intuição adequada, acontece mediante a suposição de uma
representação que divide com o representado apenas a forma da reflexão, mas nada no plano
do conteúdo. Kant tem bons motivos para não deixar a expressão do “símbolo” aos novos
lógicos; nós não temos mais esses motivos, ou então: mais que um motivo de nos livrar dessa
expressão sobrecarregada. Kant chama as expressões téticas, cuja função consiste em meros
meios de reprodução, de “caracterismos”, enquanto seus “símbolos” correspondem
amplamente ao uso aqui praticado de “metáfora”, como mostram claramente os exemplos de
Kant, entre os quais se encontra também o pratum ridet de Quintiliano. Encontramos nossa
“metáfora absoluta” aqui como “transferência [Übertragung] da reflexão sobre um objeto da
intuição para um conceito completamente diferente, ao qual talvez nunca possa corresponder
diretamente uma intuição.” A metáfora é claramente caracterizada como um modelo em função
pragmática do qual se pode deduzir uma regra da reflexão, que pode ser “aplicada” ao usar a
ideia racional, logo “um princípio da determinação não teórica do objeto [...] daquilo que é em
si, mas da determinação prática para saber o que a ideia dele e seu uso conforme os fins
representa para nós”. Nesse sentido, “toda o nosso conhecimento de Deus é apenas simbólico”
(de acordo com a terminologia kantiana), o que evita tanto o antropomorfismo quanto o
deísmo. Para dar outro exemplo de Kant: a metáfora do mecanismo aplicada ao estado significa
que “não há nenhuma semelhança entre um estado despótico e um moinho manual [...], mas
sim entre a regra de refletir sobre ambos e sua causalidade.” Na sequência desse exemplo se
encontra a frase que deu o primeiro impulso para as investigações a serem apresentadas aqui:
“Até agora, essa questão foi pouco discutida, por mais que mereça uma investigação mais
profunda [...].”

Sem dúvida, o projeto de uma paradigmática metaforológica é apenas um trabalho preliminar


para chegar àquela “investigação mais profunda”, procurando delimitar as áreas dentro das
quais se pode supor a existência de metáforas absolutas e critérios para a sua constatação. O
fato de se poder chamar essas metáforas de “absolutas” significa apenas que elas se mostram
resistentes contra as pretensões terminológicas e que não têm como serem dissolvidas
conceitualmente, mas não significa que não pudessem ser substituídas ou representadas, ou
ainda corrigidas por uma metáfora mais exata. As metáforas absolutas também possuem
história. Elas possuem história num sentido mais radical que os conceitos, pois a mudança

2
OpereI, ed. Ferrari2, vol. 5, p. 186.
histórica de uma metáfora faz com que a própria metacinética dos horizontes e pontos de vista
históricos apareça, dentro dos quais os conceitos sofrem suas modificações. Com base nessa
situação de implicação, a relação entre a metaforologia e a história dos conceitos (no sentido
terminológico mais estreito) se define como sendo de ordem auxiliar: a metaforologia procura
alcançar a subestrutura do pensamento, isto é, os fundamentos ou o substrato nutritivo das
cristalizações sistemáticas, mas ela também procura evidenciar a “coragem” com que o espírito
se antecipa a si mesmo em suas imagens e de que maneira se esboça sua história por meio dessa
coragem nas conjecturas [Mut zur Vermutung – trocadilho em alemão].
I.
A metafórica da verdade “poderosa”

Quem quiser escrever a história do conceito de verdade em um sentido rigorosamente


terminológico, isto é, dirigido para a elaboração das definições, chegaria a poucos resultados
[karge Ausbeute]. A definição mais utilizada, que a Escolástica adotou supostamente do livro de
definições de Isaac Israeli: “veritas est adaequatio rei et intellectus”3 apenas oferece a um dos
seus elementos, a saber, ao menor deles uma margem para modificações, que é a neutralidade
do “et”. Enquanto essa definição, pela sua origem aristotélica, era para ser entendida no sentido
da adaequatio intellectus ad rem, a Idade Média descobre nela ainda a possibilidade de definir
a verdade absoluta no espírito divino como adaequatio rei ad intellectum. No fundo, essa
margem do conceito de verdade era suficiente para todos os sistemas filosóficos. [parágrafo?]
No entanto, será que, dessa maneira, a velha questão “O que é verdade?” foi respondida
satisfatoriamente em todo o seu alcance? A partir do material terminológico ficamos sabendo
pouco do teor pleno dessa questão. Contudo, uma vez que analisamos a história da metáfora
mais estreitamente ligada à questão da verdade, isto é, da metáfora da luz, a questão se
apresenta em sua plenitude escondida / encoberta, que nunca se ousou investigar4. A
metafórica da luz é irreversível [nicht rückübertragbar; ‘não pode ser transferida de volta’;
entendo que, uma vez que a questão da verdade foi ‘transferida’ para a metáfora da luz, ‘não
tem retorno’]; a análise é voltada para o tratamento [Erschließung] das questões para as quais
se busca a resposta e [FRASE AGRAMATICAL] quando se procura [esclarecer] questões de caráter
préssistemático, cuja riqueza em intenções foi “provocada”, por assim dizer, pelas metáforas.
Não se deve temer a suposta ingenuidade de formular essas questões, mesmo se nunca foram
levantadas de maneira expressa. Qual é a participação do ser humano no todo da verdade? Qual
é a situação em que se encontra aquele que busca a verdade? Ele pode ser confiante de que as
coisas existentes [das Seiende] se abre a ele ou será que o conhecimento é, em sua essência, um
ato violento, ardil, extorsão ou um interrogatório extremamente severo? Será que a
participação do ser humano na verdade é regulada de forma sensata, como, por exemplo, pela
economia de suas necessidades ou pelo seu talento para a felicidade de uma exuberância beata,
de acordo com a ideia da visio beatifica. [PARAGRAFO ?]

Raramente alguma escola filosófica se encarregou de dar uma resposta teórica e sistemática a
todas essas questões. Ainda assim afirmamos que em todo discurso filosófico há indícios de que,
numa camada profunda do pensamento, desde sempre se deu a resposta a essas questões, que,
embora não contidas de forma articulada nos sistemas, estavam presentes e atuantes de forma
implícita, isto é, deixando suas marcas estruturantes. Estamos longe de elaborar e apresentar
metodicamente os meios categoriais para captar e descrever esses indícios. Quando, por
exemplo, classificamos “posturas” filosóficas como otimistas ou pessimistas, deixamo-nos guiar,
na verdade, pelo dissabor [Verdrossenheit] ou pela alegria uma fisiognomia, sem investigar as
orientações que constituem esse uso de sinais emocionais negativos e positivos aparentemente

3
4
Cf. o meu artigo “Licht als Metapher der Wahrheit” [A luz enquanto metáfora da verdade]”. In: Studium
generale, v. 10, 1957, 432-447. [Reimpresso em HB, Ästhetische und metaphorologische Schriften,
Frankfurt/Main, 2001, p. 139-171.]
primárias, a saber de tal maneira que possam ser “lidas” a partir de modelos elementares que
se manifestam na esfera da expressão na forma de metáforas.

Para colorir aqueles sinais negativos e positivos, pretendemos introduzir aqui um grupo de
metáforas da verdade na forma de paradigmas por meio dos quais se atribui à verdade
determinado modo de “comportamento”, isto é, uma qualidade energética. Tal postura básica
também pode ter um revestimento teológico, mesmo não sendo um objeto teológico legítimo.
Oponhamos dois exemplos: Milton5 diz: “[em inglês] Deus é, ele mesmo, a verdade ... Não
podemos supor a Divindade invejosa da verdade, ou contrária que ela seja comunicada
livremente à humanidade.” Sobre o mesmo assunto, Goethe diz nas Máximas e reflexões6: “Se
Deus tivesse tido a preocupação que os seres humanos vivessem e agissem dentro da verdade,
ele teria que ter arranjado as coisas de outra maneira.” [PARÁGRAFO ?]

Aqui pelo menos tem como vislumbrar o que se deve mesmo entender, nas questões ingênuas
acima formuladas, por “a verdade”: uma certa transparências da estrutura do mundo, uma
publicidade em última instância descomplicada da vontade do Criador, uma comunicação sem
reserva da existência [des Seienden] de si mesmo, a “intensidade” da [em latim, em itálico:]
verdade ontológica. No entanto, a questão se a bondade de Deus se manifesta nessa publicidade
do ser depende do pressuposto como se vê a relação entre a felicidade humana e a posse da
verdade. Se for mais saudável para o ser humano alcançar o conhecimento numa dosagem
adequada, a bondade de Deus residiria principalmente na economia com que deixa participar o
ser humano da verdade: “[em inglês:] ... aquela porção de verdade que Ele (o Pai da Luz) deixou
ao alcance de suas faculdades naturais.”7 Essas premissas, que aqui aparecem por um viés
teológico, também podem se manifestar na forma de atributos da própria verdade hipostasiada
que se nega e se esconde ou que se faz valer e triunfa, que é caracterizada como potente ou
impotente, que se impõe ao ser humano contra sua vontade e que, por sua vez, procura ser
superada.

Aristóteles, para quem a história de seus precursores filosóficos confluiu e desembocou de modo
teleológico em direção a suas ideias, vê nesse direcionamento o avanço implícito da “própria
coisa”: αὐτὸ τὸ πρᾶγμα ὡδοποίησεν αὐτοῖς καὶ συνηνάγκασε ζητεῖν8. O motivo da investigação
não é procurado no sujeito: é como se a verdade se fizesse valer por ela mesma, manifestando-
se, já nos primórdios, em fórmulas que parecem antecipar sua compreensão sem possui-la: [ὥ

5
Second defence, apud B. Willey, Seventeenth Century Background. Studies in the Thought of the Age in
Relation to Poetry and Religion. London, 1953, p. 243.
6
Werke, ed. E. Beutler, v. 9, p. 611.
7
Locke, Essay concerning human understanding, v. 4, p. 19, 4. Cf. ibid. “Introduction 6 (ed. Frazer, v. 1, p.
31): “A nossa preocupação aqui não é de ter conhecimento de todas as coisas, mas daquelas que dizem
respeito à nossa conduta.”
8
Metafísica, 984 a, 18; b 8-11. [a 18: - la chose elle-même força d'avancer encore, et imposa de nouvelles
recherches - the very facts showed them the way and joined in forcing them to investigate the subject –
Beim weiteren Fortschritt jedoch zeigte ihnen die Sache selbst den Weg und nötigte sie zum (weiteren)
Forschen; b 8-11: Μετὰ δὲ τούτους καὶ τὰς τοιαύτας ἀρχάς, ὡς οὐχ ἱκανῶν οὐσῶν γεννῆσαι τὴν τῶν ὄντων
φύσιν, πάλιν [10] ὑπ' αὐτῆς τῆς ἀληθείας, ὥσπερ εἴπομεν, ἀναγκαζόμενοι τὴν ἐχομένην ἐζήτησαν ἀρχήν. -
Après ces philosophes et de pareils principes, comme ces principes étaient insuffisants pour produire les
choses, la vérité elle même, comme nous l'avons déjà dit, força de recourir à un autre principe. - but as
men thus advanced, the very facts showed them the way and joined in forcing them to investigate the
subject. – Nach diesen Männern und solchen (von ihnen vertretenen) Prinzipien wurde man, da diese
nicht genügten, die Natur des Seienden aus ihnen entstehen zu lassen, wieder, wie gesagt, von der
Wahrheit selbst genötigt, das nächstfolgende Prinzip zu suchen].
σπερ ὑπ' αὐτῆς τῆς ἀληθείας ἀναγκασθέντες]9 No estoicismo não se pressupõe a situação
epistemológica das antecipações e alusões primordiais, mas o fastio em relação aos
ensinamentos e dogmas; é necessária toda a força da evidência para impor ao sujeito estoico,
que permanece desconfiadamente na posição básica da εποχη, a consentir com a
representação, isto é, com a συγκαταδεσις. Essa imposição é descrita como “representação
apreensiva”, como καταληπτικη φαντασία; mas não há nenhuma clareza sobre a questão de
quem apreende quem. A ideia de que a catalepsia seja a representação que apreende o objeto
“mesmo”, que se apodera dele e o leva à sua presença na plenitude de suas características
concretas, parece apontar para o pensamento de Zenão. Mais tarde, a ambiguidade da
“representação cataléptica” parece ter encontrado sua solução: o entendimento apreendido
[“cativado”] e vencido pela evidência é o objeto da κατάληψις. [parágrafo ?] Ora, é muito
elucidativo para o nosso tema que essa mudança do conceito é conduzida por representações
metafóricas. A metáfora da luz, que entra no jogo pela etimologia estoica de φαντασία como
derivado de φως10, é indiferente em relação ao “sentido de ação” da imposição cataléptica e
geralmente é atribuída à δεωρία do período clássico, que se caracteriza pelo repouso fruidor e
se dedica [“se dissolve”] na contemplação [Schauen] confiante: Da mesma maneira como a luz
se mostra a si mesma e ao mesmo tempo as coisas que são iluminadas, a representação também
se mostra a si mesma e aquilo que ela desperta [citação ou simples grifo?]. Esse “mostrar” não
satisfaz mais as exigências estoicas em relação ao poder da evidência e a metáfora da luz é
substituída pela metafórica da cunhagem [do cunho ?], de modo que a “representação
cataléptica” só pode ser interpretada como modelagem do órgão cognoscitivo, como τύπωσις
εν ψυχη, à maneira da impressão num selo.11 O efeito impositivo e irresistível da extrema
densidade da representação é concebido de forma mais aguçada no tratado de Sexto Empírico
(v. 7, p. 257), no qual a “representação apreensiva” nos pega pelos cabelos e nos condena a
consentir / concordar. Tal metafórica não é apenas elucidativa quanto às ideias que estão na
base dessa doutrina do conhecimento, mas também quanto à postura teoricamente resignada
do helenismo, que se vê na obrigação de exigir muito de uma verdade para se dispor ao
consentimento.

A metáfora aristotélica da verdade que abre seu próprio caminho transforma-se numa
expressão preferida da Patrística para a doutrina cristã supostamente preparada e aludida pelos
autores antigos. Para a fundamentação do monoteísmo, os poetas e filósofos antigos podem ser
citados – não porque já tivessem possuído a verdade enquanto conhecimento, mas porque o
poder da verdade já tivesse sido tão grande que ninguém pode escapar da sua força incisiva e
iluminadora.12 É muito significativo aqui também que se pressupõe a resistência do sujeito
contra a verdade, reforçando ainda mais a indiferença e a abstinência do helenismo. Plotino,
que ressalta as incoerências dos estoicos em relação ao seu materialismo, os transforma em

9
Aristóteles/Física [trad. francesa (Barhtélémy Saint-Hilaire: et l'on dirait que c'est la vérité elle-même qui
les y force ; alemã (Hans Günter Zekl) : als ob sie von der Wahrheit selbst dazu gezwungen
wären http://remacle.org/bloodwolf/philosophes/Aristote/phys1.htm#V ; inglesa (Jonathan Barnes): but
constrained as it were by the truth itself - http://www.filosofia.unimi.it/zucchi/NuoviFile/Barnes%20%20-
%20Physics.pdf ]
10
Stoicorum Veterum Fragmenta, ed. Arnim (= SVF), v. 11 [2 ?], fr. 54. Cf. Sexto Empírico, adv. math., v. 7,
p. 442.
11
SVF, 11 [2 ?], fr. 55. A clareza nítida da “representação cataléptica” aparece de forma marcante também
no tratado de Sexto Empírico, adv. math., v. 7, p. 248: ela é εναπομεμαγνένηκαι εναπεσφραγισμένη.
12
Lactantius, Divinae Institutiones, v. 1, 5, p. 2: “... non quod illi habuerint cognitam veritatem, sed quod
veritatis ipsius tanta vis est, ut nemo possit esse tam caecus, qui non videat ingerentem se oculis divinam
claritatem.”
testemunhas involuntários, impulsionados pela verdade, que a essência da alma deve ser algo
superior ao corpo.13 Reencontramos o termo característico “se ingerere” da passagem citada de
Lactâncio no relato típico que Anselmo de Cantuária dá no proêmio do seu Proslógio sobre como
descobriu a prova da existência de Deus: Anselmo se baseia no seu Monológio, que apresentaria
a maneira como, mediante o “raciocínio tácito consigo mesmo” [tacite secum ratiocinando], a
pessoa deve se esforçar pela razão da fé [ratio fidei]; com muito zelo e investimento de tempo,
ele teria procurado por um argumentum quod nullo alio ad se probandum quam se solo
indigeret, mas, como não teve sucesso, teria se resignado (tandem desperans volui cessare),
quando, ao ceder do próprio esforço, e até mesmo voltando-se para novos interesses, se deu a
irrupção da nova ideia: Sed cum illam cogitationem, ne mentem meam frustra ocupando ab aliis
in quibus proficere possem impediret, penitus a me vellem excludere: tunc magis a magis nolenti
et defendente se coepit cum importunitate quadam ingerere14. No comentário De anima de
Tomás de Aquino (v. 1, 4, 43) reencontramos a fórmula aristotélica, quando se diz sobre
Empédocles e Platão que teriam chegado à sua teoria sobre a alma porque quase ab ipsa veritate
coacti, somniabant quodammodo veritatem. Aqui, o duplo sentido de “verdade” não é, de
maneira alguma, um jogo de palavras. Tomás pode transformar a verdade em causa efetiva (ae
não na causa formal!) do conhecimento quando diz em “De veritate” 1, 1: Cognitio est quidam
veritatis effectus. Parece que se trata de um enunciado não icônico [bildlos – não figurativo?] e
puramente terminológico, simplesmente “escolástica pura”, mas, ao olhar de perto, fica nítida
a orientação por um pano-de-fundo metafórico, que sugerimos chamar de “modelo
implicativo”. Isso significa que as metáforas, em sua função aqui discutida, nem precisam se
manifestar na esfera da expressão linguística. No entanto, há uma rede de enunciados que se
contrai para uma unidade de sentido quando se descobre de forma hipotética a ideia metafórica
condutora da qual esses enunciados são derivados.

A metáfora do poder autônomo da verdade se mantém viva ainda por muito tempo na era
moderna [Neuzeit]. No prefácio do 5º livro de Harmonices Mundi, Kepler fala do seu espanto
que Ptolomeu, em sua “Harmônica”, já havia alcançado aquilo que ele havia encontrado
independentemente dele e por vias próprias: “Revelando-se a si mesma, a natureza foi ao
encontro do ser humano, deixando-se decifrar por intérpretes separados por um intervalo de
séculos. O mesmo conceito da construção do mundo surgiu na mente de duas pessoas que
haviam se dedicado totalmente à contemplação da natureza, sendo que nenhum dos dois tenha
sido o guia do outro ao escolher esse caminho.” Excetuando-se a ideia de que, aqui, a natureza
tomou o lugar de uma “verdade” hipostasiada, o ingrediente subjetivo, isto é, a dedicação à
contemplação da natureza, tem o mesmo sentido, sendo até a condição para a aproximação
com a natureza e sua revelação. [parágrafo ?] Em Vico15, a metáfora da força da verdade [vis
veri], de forma significativa, é integrada numa teoria do erro. Em sua essência, o entendimento
humano é atingido pela potência da verdade: “pois a mente sempre é impulsionada pela
verdade” [mens enim semper a vero urgetur], mas a vontade contraria essa força e a neutraliza,
a saber por meio da linguagem vazia de sentido e não cumprida, que se mantém no mero
“opinar”: verba autem saepissime veri vim voluntate mentientis eludunt ac mentem deserunt. O
“destino” da verdade é cada vez mais entregue ao jogo imanente dos potenciais do sujeito, por
mais que o Dicionário da Academia [em francês] de 1694 estabeleça, ao modo medieval: “[em

13
Enéadas, v. 4, p. 4: “μαρτθρουσι δε και αυτοι υπο της αληθείας αγόμενοι, ως δεί ...”
14
Opera, ed. F. S. Schmitt, v. 1. p. 93. O relato continua: Cum igitur quadam die vehementer eius
importunitati resistindo fatigarer, in ipso cogitationum conflictu sic se obtulit, quod desperaveram, ut
studiose cogitationem amplecterer, quam sollicitus repellebam.
15
Opere, ed. Ferrari2, v. 2, p. 96; v. 3, p. 110.
francês:] A força da verdade, para dizer [a saber ?]: o poder que a verdade tem sobre o espírito
dos seres humanos.” Por mais que, no vocabulário do Iluminismo, “[em francês:] a força
invencível da verdade” possa desempenhar um papel, trata-se antes de uma fórmula de
modéstia, por trás do qual se esconde a autoconsciência do espírito que se esclarece
[aufklärenden] pela luz própria.16

É interessante ver como a ligação entre “verdade” e “força” se transforma, e até se perverte,
num cepticista como David Hume. Enquanto o conceito tradicional da metáfora apresenta a
“força” como um atributo da verdade que impulsiona a imposição de um direito metafísico
original, a força se transformou em Hume na “substância” única da verdade. “Verdade” é apenas
o nome para o fato de que determinadas ideias, graças à quantidade de energia que possuem,
se “impõem” à consciência humana levando vantagem sobre outras ideias, constituindo assim
o status do belief. Assim, o critério da distinção entre as ideias verdadeiras e falsas é a “força
superior” [em inglês] das verdadeiras, ou, dito de forma melhor: daquela classe de ideias que,
por isso, são chamadas de “verdadeiras”.17 “[em inglês:] Quando estou convencido de um
princípio qualquer, trata-se simplesmente de uma ideia que me atinge com mais força.” Não é
mais a verdade que tem poder, mas aquilo que tem poder sobre nós legitimamos teoricamente
como o verdadeiro. Sem dúvida, isso não é tão positivista quanto parece, mesmo porque há uma
implicação teleológica escondida como ressalva por trás dessa concepção: esse poder que reina
sobre nós, que interpretamos como “verdade”, revela-se “a natureza” enquanto instância que
cuida de nós e cujos cuidados “práticos” transformamos “teoricamente” sob o título da verdade.
Aqui, a metáfora parou de ser metáfora; ela foi tomada ao pé da letra, foi naturalizada tornando-
se indistinguível de um enunciado teórico.

16
Documentado no prefácio de François Armand Gervaise em sua obra sobre Joaquim de Fiore (Histoire
de l’Abbé Joachim, surnommé le prophète. Paris, 1745. v. 1, p. 4): “[em francês:] ... tentarei jogar luz em
todo o seu gênio, seu caráter, suas inclinações, seus pontos de vista, seus pensamentos, seus escritos, sua
conduta: dessa maneira, espero que o Abade Joaquim não será mais um problema e que os sentimentos
do público, até agora tão divididos ao seu respeito, se reunirão num só. Essa é a força invencível da
verdade: ela vem à luz do dia através as trevas mais espessas.”
17
Treatise of human nature (1738), v. 1, 3, p. 7-8.

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